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nova Economia_Belo Horizonte_14 (3)_71-90_setembro-dezembro de 2004 Inflexão econômica e dinâmica espacial pós-1996 no Estado do Rio de Janeiro Jorge Natal Professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional Universidade Federal do Rio de Janeiro Resumo Este artigo procura sustentar analítica e esta- tisticamente a ocorrência no Estado do Rio de Janeiro de dada e problemática inflexão econômica positiva a partir dos últimos anos da década de 1990. Ele sublinha, para tal, a centralidade do setor petróleo. Além disso, chama a atenção para a dimensão espacial da dinâmica econômica levada adiante pelo se- tor petróleo, qual seja, sua estreita associação a determinadas regiões e, dentro delas, de certos e poucos municípios. Por fim, o artigo chama a atenção para a importância, não mais da discussão sobre a supramencionada infle- xão econômica, mas, sim, sobre as suas pos- sibilidades de vigência em prazo mais largo e sobre a capacidade dos municípios e regiões de empregarem a contento os recursos pro- venientes dos royalties do petróleo para fins da “construção” de uma dinâmica econômi- ca, que, no médio e longo prazos, possa, no limite, tornar-se independente do referido setor petróleo. Abstract This article intends to support, both analytically and statistically, the occurrence of a given problematic positive economic inflection in the state of Rio de Janeiro beginning in the mid-90 s, showing the pivotal importance of the petroleum sector. Furthermore, it stresses the spatial side of economic dynamics favored by the petroleum sector, i.e., its close association with specific regions, and, within them, a few specific cities. And finally, the article emphasizes the importance, no longer of the discussion of the aforementioned economic inflection, but rather of the possibility of a longer effective period as well as the capacity of cities and regions to efficiently make use of funds from petroleum royalties in order to construct economic dynamics which, over the medium and long term, could ultimately allow them to break free from the petroleum sector in question. Palavras-chave desenvolvimento regional, dinâmicas econômicas, royalties do petróleo, Estado do Rio de Janeiro. Classificação JEL O10. Key words regional development, economic dynamics, petroleum royalties, States of Rio de Janeiro. JEL Classification 010.

Inflexão econômica e dinâmica espacial pós-1996 no Estado ... · quartel do século retrasado, posto que ali se “instalou” a principal economia do País, que, por sua vez,

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Inflexão econômica e dinâmica espacialpós-1996 no Estado do Rio de Janeiro

Jorge NatalProfessor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional

Universidade Federal do Rio de Janeiro

ResumoEste artigo procura sustentar analítica e esta-tisticamente a ocorrência no Estado do Riode Janeiro de dada e problemática inflexãoeconômica positiva a partir dos últimos anosda década de 1990. Ele sublinha, para tal, acentralidade do setor petróleo. Além disso,chama a atenção para a dimensão espacial dadinâmica econômica levada adiante pelo se-tor petróleo, qual seja, sua estreita associaçãoa determinadas regiões e, dentro delas, decertos e poucos municípios. Por fim, o artigochama a atenção para a importância, não maisda discussão sobre a supramencionada infle-xão econômica, mas, sim, sobre as suas pos-sibilidades de vigência em prazo mais largo esobre a capacidade dos municípios e regiõesde empregarem a contento os recursos pro-venientes dos royalties do petróleo para finsda “construção” de uma dinâmica econômi-ca, que, no médio e longo prazos, possa, nolimite, tornar-se independente do referidosetor petróleo.

AbstractThis article intends to support, both analytically

and statistically, the occurrence of a given

problematic positive economic inflection in the

state of Rio de Janeiro beginning in the

mid-90 ’s, showing the pivotal importance of the

petroleum sector. Furthermore, it stresses the

spatial side of economic dynamics favored by the

petroleum sector, i.e., its close association with

specific regions, and, within them, a few specific

cities. And finally, the article emphasizes the

importance, no longer of the discussion of the

aforementioned economic inflection, but rather of

the possibility of a longer effective period as well

as the capacity of cities and regions to efficiently

make use of funds from petroleum royalties in

order to construct economic dynamics which,

over the medium and long term, could ultimately

allow them to break free from the petroleum

sector in question.

Palavras-chavedesenvolvimento regional,dinâmicas econômicas,royalties do petróleo, Estadodo Rio de Janeiro.

Classificação JEL O10.

Key words

regional development, economic

dynamics, petroleum royalties,

States of Rio de Janeiro.

JEL Classification 010.

É sabido que a economia fluminense ex-perimentou determinada crise econômi-ca no período compreendido entre osanos 1980-1995; nesses termos se podedizer que ela foi relativamente longeva.Também é sabido que essa mesma crise,além de ser relativamente duradoura, foiainda profunda e complexa. É sabidoainda que a crise em exame (econômica,relativamente longeva, profunda e com-plexa) poderia, em verdade, ser classifica-da como sendo societária e que foi nessesentido que se chegou a cunhar a expres-são “Rio de Todas as Crises” (Dain, 1990).Em complemento, anote-se que essa ex-pressão fazia inteiro sentido na medidaem que muitas análises e muitos flumi-nenses, em especial os cariocas, entendi-am o Rio de Janeiro como uma espéciede sociedade terminal, sem qualquer pos-sibilidade de algum devir que lhe permi-tisse, senão o resgate das glórias do tem-po de capital, pelo menos algum futuroque não fosse o do estiolamento social, eo da crescente perda de auto-estima e doanterior sentimento de identidade nacio-nal (Natal, 2003; Lessa, 2002).

Mas, se até meados dos últimosanos 1990 era esse o quadro societáriofluminense, daí em diante há indicaçõesde mudanças; começa então a pulular naimprensa e mesmo entre alguns analistas

especializados uma espécie de reversãodas expectativas. De outra forma: se atémeados dos anos noventas não haviaelementos suficientes que permitissemsustentar a tese da positiva inflexão eco-nômica, um pouco mais adiante há amanifestação de processos, fatos e nú-meros que embasam a sustentação damencionada tese.

Em adição observe-se que não seestá afirmando que a economia fluminen-se tenha ingressado a partir de meadosdos anos 1990 recentes em uma fase espe-tacular de crescimento econômico susten-tado, longe disso, e sim que houve uma in-flexão econômica, positiva, em relação aoperíodo pregresso de degradação, comoapontado no primeiro parágrafo.1

Para fins analíticos, o artigo se en-contra estruturado em quatro seções: na

primeira, examina-se sucintamente a crisedos anos 1980 e primeira metade dos anos1990; na segunda, anotam-se alguns fatosque permitem uma primeira aproximaçãoà inflexão antes apontada; na terceira, apoi-ando-se em dados estatísticos seleciona-dos, procura-se mostrar mais detidamentea reiterada e positiva inflexão econômicainiciada em meados dos anos noventa eque se estende até os dias correntes, comoainda evidenciar o problema contido ouexpresso através das suas taxas de cresci-

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1 A analogia com amatemática se espera quetenha sido clara: assim sendo,insista-se, inflexão econômicaindica apenas que houvealguma reversão em relaçãoà trajetória anterior, e não quea economia fluminense tenhaexperimentado qualquer tipode crescimento econômicosustentado, seguindo naanalogia com a matemática,do tipo exponencial.

mento econômico, qual seja, o da sua sus-tentação no tempo, como a singularida-de da sua extrema concentração em da-dos pontos do território; e, na seção final,de Últimas Considerações, resumem-se asprincipais conclusões do trabalho e apon-tam-se algumas possibilidades analíticasnão exploradas ao longo dele.

1_ Revisitando“o Rio de todas as crises”2

Em artigo recente, mostrou-se que operíodo que compreende grosso modoos anos de 1980 a 1994 foi de crise eco-nômica, social e político-institucional eque suas principais manifestações fo-ram as seguintes:

_ pronunciada decadência e falta decompetitividade da indústria flu-minense (principalmente quan-do comparadas com a economiapaulista);

_ efetiva redução do conjunto dosgastos públicos federais no Esta-do, como também dos anúnciosde gastos futuros; dramático agra-vamento da questão social;

_ agravamento também dos conflitosde natureza federativa, particular-mente dos estabelecidos entre ogoverno federal e o estadual;

_ estiolamento “moral” da sua popu-lação, particularmente da carioca,como já se anotou (Natal, 2003).

Igualmente se mostrou que essacrise, verdadeiramente societária, insis-ta-se, deveria ser entendida para além datemporalidade apontada e mesmo trans-cendendo os limites geográficos do Esta-do em exame. É dizer: as manifestaçõesantes registradas expressariam processossociais complexos que apenas se torna-riam inteligíveis se esses últimos fossemdevidamente considerados; e que para talseria necessário levar em conta a intera-ção da história da formação social flumi-nense com a do desenvolvimento do ca-pitalismo no Brasil, e fundamentalmentea partir do período iniciado no quartel fi-nal do século XIX. Explicando melhor: acrise em tela, na realidade, teria sua ori-gem com a própria industrialização capi-talista iniciada em São Paulo no últimoquartel do século retrasado, posto que alise “instalou” a principal economia do País,que, por sua vez, dado o seu dinamismo,passou a definir em nível nacional uma es-pécie de divisão inter-regional do trabalho,delegando às demais economias regionaisfunções especializadas e de complementoà principal economia do País.

Ora, como a economia do antigoEstado do Rio de Janeiro, por razões di-

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2 O que segue nesta seçãoencontra-se em larga medida,embora em versão livre, emNatal (2003).

versas (solo; transporte; mão-de-obra em-pregada, a escrava; frágil mercado inter-no e internacional; etc.), não tinha comocompetir com as formas mais tipicamen-te capitalistas implantadas em São Paulo,ela logo entrou em crise. É dizer: esta cri-se data da própria emergência da cha-mada Economia Exportadora CapitalistaCafeeira Nacional (Cardoso de Mello, 1998)no contexto da afirmação da expansãocomercial e, sobretudo, financeira do fi-nal do século XIX (Silva, 1976).

E o antigo Distrito Federal? Emverdade, essa unidade federativa nãoexperimenta nenhuma crise gravosa nosentido da liquidação da sua renda e em-prego (até antes pelo contrário). Mas épreciso não perder de vista que, apesardo anotado, sua economia perde crescen-te posição relativa ante a paulista e queela, no tempo, “produziu” as evidênciaslistadas no início desta seção. E mais: quetudo isso foi agravado pela transferênciada capital e pela fusão, sendo o golpe de-finitivo desferido pela crise do padrãode desenvolvimento capitalista brasileiroexperimentado ao final dos últimos anos1970 e início dos anos 1980, quandotambém se esgota o padrão de financia-mento interno e externo da economiabrasileira, arrastando assim, e definitiva-mente, a economia da região fluminense,

dado o caráter tributário da economiada antiga capital da dinâmica capitalistanacional, notadamente a verificada emSão Paulo (mas mediado pelos recursospúblicos). Ou seja: ao entender-se que acrise do padrão de financiamento da eco-nomia brasileira constitui uma das ex-pressões da crise do padrão de desenvol-vimento capitalista nacional e que elas, asduas crises anotadas, por sua vez, esta-vam amalgamadas especialmente com adinâmica econômica verificada em SãoPaulo, entende-se também porque essas“crises” e lugar são fundamentais à com-preensão mais ampla da crise da própriaeconomia fluminense, dadas as restriçõesque, a partir delas, das crises referidas, in-sista-se, se avolumam no que trata dastransferências de recursos públicos paratodos os entes federativos, em especialpara os mais tributários do Poder Públi-co Federal – como era o caso do Estadodo Rio de Janeiro.

Acrescente-se que essa fragilidadese mostra ainda mais grave quando seconsidera que a economia do atual muni-cípio-sede possuía, durante o século pas-sado, uma indústria de bens de consumorelativamente tradicional, um terciárioamplo (pela sua importância na econo-mia estadual) e precário (pela sua elevadainformalidade), uma economia voltada

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sobremodo para seu mercado interno3 e,nesses termos, enorme incapacidade depor si mesma gerar uma dinâmica inter-na auto-sustentada. É exatamente nessemomento que, esgotado o “milagre eco-nômico” brasileiro4 e tendo em conta acrise do capitalismo mundial (tambéminaugurada a partir do final dos anos se-tenta/entrada dos anos oitenta), a eco-nomia fluminense consegue, finalmente,tomar consciência das suas históricas eacumuladas fragilidades econômicas, par-ticularmente a da sua estrutura econômicae a da extrema dependência das rendasoriundas do governo federal (transferên-cias constitucionais, salários para seu enor-me contingente de funcionários públicos,como de aposentadorias e pensões paraseus antigos trabalhadores e herdeiros).5

Além disso, o artigo mostra queparcela dessa crise deve ser tributada na

conta das elites empresariais, notada-mente as comerciais, financeira e daindústria naval, sediadas no município doRio de Janeiro, que sempre firmaram suahegemonia no debate sobre os rumos daeconomia e sociedade fluminense, e, nes-se sentido, operaram para que a degrada-ção econômica e a crescente perda de po-sição diante da economia de São Paulofossem sendo ampliadas ao longo do pe-ríodo examinado. Por fim, uma adição:essa hegemonia, apoiada em processosreais, como o da tradição do Rio de Janei-ro como capital (Imperial e da República,por cerca de duzentos anos), dado o sen-timento de perda existente e operado pe-las elites, conseguiu transformar o dis-curso do Rio como a Voz da Nação em“biombo” para a defesa de interesses par-ticulares estritamente econômicos em su-postos interesses regionais.

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3 É dizer: ela apresentavabaixos graus de extroversão,seja para o mercado internonacional, seja para o mercadoexterno estrangeiro.4 Este termo foi empregadocom a finalidade de fazerpropaganda dos supostosêxitos da gestãoeconômico-financeira do Paísdurante os anos 1968-1973,vividos sob a égide da ditadura

político-militar instaurada noBrasil a partir de 1964.5 De outro modo: em largamedida, pode-se dizer que acrise dessa economia foisendo gerada ao longo decerca de cem anos e que oevento transferência da capitalpara Brasília seria indicador daperda da sua especificidadeque, quando a crise docapitalismo se instaura, mostra

toda sua anterior centralidade,posto ter operado durantecerca de aproximados cemanos como uma espécie de“colchão amortecedor” da suadegradação econômica; masnão apenas, posto que na“base” de todo esse processoerige-se a própria dinâmica docapitalismo nacional e, étrivial, a do seu “núcleo”, qualseja, a dinâmica da economia

sediada em São Paulo e suacapacidade de “arrasto” sobreo conjunto da economianacional, que, ao entrar emcrise, evidencia as fragilidadesestruturais de todos osespaços e economiasestaduais, e, é claro, as doEstado do Rio de Janeiro, tãotributária da economiapaulista, ainda que com amediação do Estado.

2_ Uma primeira aproximaçãoà inflexão econômica6

Em meados dos anos 1990, verifica-seuma série de manifestações na linha deque “o pior já passara”. É o momento dolançamento do Plano Real, com sua ime-diata derrubada da inflação e ulterior cres-cimento econômico e do emprego, e que,como se sabe, se estendeu por cerca detrês anos (1994-1997). É também o mo-mento em que ascende ao poder, na ca-pital do Estado, César Maia, centrandosua gestão, com o apoio do arquiteto eurbanista, Luiz Paulo Conde, em inter-venções urbanísticas, que, se de um ladomudaram certas paisagens degradadas demuitos dos seus espaços, de outro procu-raram passar a idéia de que essas obras,em seu conjunto, confeririam ao municí-pio do Rio de Janeiro maior capacidadede ingresso nas grandes correntes econô-micas de um mundo supostamente glo-balizado. De que modo? Oferecendo certa“urbanidade” e, principalmente, infra-es-trutura de modo a atrair os capitais “sol-tos” atuantes na escala planetária, soer-guendo, assim e finalmente, a economiada capital e, em conseqüência, emboraem certa medida, a própria economia es-tadual. Do mesmo modo é também omomento em que ascende ao poder, noEstado do Rio de Janeiro, Marcelo Alen-

car, companheiro de partido do ex-Presi-dente da República Fernando HenriqueCardoso, e igualmente partidário do diag-nóstico de que o problema da economia,no caso, da fluminense, seria o do finan-ciamento dos gastos, e que para tal serianecessário invocar a “solução via merca-do”... aí as privatizações e o caráter nomáximo indutivo que o Estado deveriapossuir nos marcos do novo “modelo dedesenvolvimento”. Veja-se então, maisdetidamente, como segue, as ações go-vernamentais em nível municipal e esta-dual apontadas.

Uma das expressões mais emble-máticas desses novos tempos foi o lança-mento do chamado Plano Estratégico daCidade do Rio de Janeiro. Esse Plano(sic), apesar do seu vezo ideológico con-servador, de “venda da cidade”, de subs-tituição do democrático planejamento porgestão e projeto etc., indicou um cami-nho: o da adequação da Cidade do Riode Janeiro à nova ordem internacional,devendo o poder local agir de modo atornar seu espaço mais atrativo para osgrandes capitais, particularmente os es-trangeiros. A importância conferida àsparcerias e o caráter indutivo do plane-jamento foram marcas indeléveis dessanova forma de intervenção no espaço ur-bano, o que, é trivial, sublinhou a preva-

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6 O que segue nesta seção foiem certas passagens transcritode Natal (2003).

lência do chamado mercado sobre as an-tigas modalidades de planejamento maisorientadas pelo Estado e pelos tambémchamados interesses nacionais. Conju-gando-se essas novas racionalidades coma exegese da crise do financiamento pú-blico abriu-se, desse modo, o caminhopara o concurso do setor privado, desta-cadamente na área da infra-estrutura. Defato, na gestão de César Maia, após anossem praticamente nenhuma obra públi-ca, a cidade foi invadida por tapumes einesquecíveis mudanças de mão e muitose gigantescos engarrafamentos. Um Car-los Lacerda (Governador do Rio) meiofora de tempo e lugar parecia ter baixadona cidade mais de trinta anos depois; bus-cava-se, assim, construir novamente o mi-to do bom administrador associado ao daprofusão de obras urbanas (Favela Bairro,Rio Cidade), e ao da ordem urbana.

No que interessa a este artigo valeo registro: era obra para todo o lado, emespecial as que dizem respeito à logística,tais como a remodelação de áreas centraisde bairros degradados, a construção de al-guma infra-estrutura e casas populares emáreas de favela, a construção ou a moder-nização de algumas vias importantes dacidade etc. Tudo isso é trivial e contribuiupara a injeção de recursos no município e,dessa maneira, para a “produção” de algu-ma dinamização da sua vida econômica.

O Plano Plurianual de Aplicação deRecursos/1996-1999 (PPA, 1996-1999),do Governo Estadual (Marcelo Alencar),estabeleceu o mesmo diagnóstico, qualseja, “o problema” era a crise do Estadoe sua capacidade de gasto, passando as-sim o desenvolvimento para as mãos dadenominada iniciativa privada. Finalmen-te o PPA do Governo Federal, idem; e,como nos Planos anteriores, ele reforçoua centralidade dos gastos em parceriacom o setor privado para fins de avançoslogísticos que viabilizassem o lugar, Riode Janeiro, município e Estado, tornan-do-o finalmente capaz de atrair capitaisnacionais e estrangeiros (principalmenteestes, diga-se) em um quadro de supos-ta globalização dos investimentos (Fiori,1998). Mas, no que trata dos investimen-tos federais no Estado, há sobejas de-monstrações discursivas e estatísticas deque eles foram praticamente desprezí-veis, e que, em larga medida, o mesmoocorreu no caso dos investimentos leva-dos a cabo pelo governo estadual.

Por outro lado, sem minimizar asenormes dificuldades existentes no pe-ríodo em questão para a realização de de-cisões de investimento e de produção(Possas, 1986), o Estado do Rio de Janei-ro passou a sediar as agências regulado-ras dos serviços públicos privatizados,atraindo para si importantes investimen-

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tos e receitas para o Estado. Acrescente-sena composição da inflexão em questão osseguintes fatos: que foram então realizadosexpressivos investimentos pelas concessio-nárias que passaram a explorar várias rodo-vias, independentemente da consideraçãodas suas fontes de financiamento (Firjan,1997); que também foram realizados signi-ficativos investimentos privados na cons-trução do parque gráfico de O Globo (naBR 040, a Rio-Juiz de Fora), na instalaçãoda Peugeot-Citröen e da Volkswagen (emResende), da Guardian (em Porto Real) etc.(Firjan, 1997); que igualmente os royalties

do petróleo (que participam atualmentedas receitas de cerca de 2/3 dos municípiosdo Estado) e recursos outros provenientesde atividades direta ou indiretamente rela-

cionadas ao setor petróleo contribuírampara a inflexão econômica em análise; que,ainda, os investimentos realizados nos se-tores da extrativa mineral e de telecomuni-cações foram decisivos para a supramen-cionada dinamização econômica.7

Por conseguinte, parece razoávelafirmar que houve, a partir de meados dosanos noventa recentes, não obstante odiscurso de recuo do Estado no que dizrespeito a investimentos, certa inflexãoeconômica positiva. O anotado pode serapreendido no Gráfico 1, que, sublinhe-se, mostra a apontada inflexão apenas etão somente no que concerne à compara-ção dessa economia comparada com elamesma no tempo.8

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Anos

PIB

Gráfico 1_ Evolução do PIB do Estado do Rio de Janeiro (1996-2001)

Fonte: FUNDAÇÃO CIDE (1996-2001).

7 Poder-se-ia mencionar nacomposição deste quadro, comalgum destaque, a doação derecursos públicos a municípios e aempresas no âmbito da chamadaguerra fiscal. No entanto, comoas informações atinentes a essesrecursos e seus benefícios (ou não)não foram devidamente coligidos,esse aspecto foi desconsideradoao nível da inflexão econômicada segunda metade dos últimosanos 1990.8 Vide, em complemento, osnúmeros que seguem no que tratado PIB per capita (a preços de 2001,vezes 1.000): 1996, 11.442; 1997,11.501; 1998, 11.661; 1999, 11.643;2000, 12.197; 2001, 12.433. Taisdados, como se pode ver emseguida, acompanham em largamedida o desempenho do PIB, édizer, apresentam uma elevaçãomodesta, mas contínua. Estesdados constam CIDE – Anuário(Deflator IGP-DI/FGV). Umaadição: poder-se-ia argüir que osdados da Fundação CIDE nãopermitem comparações com outrasunidades da Federação, o que éverdade; no entanto, como já seanotou, em primeiro lugar, essanão é a preocupação do artigo e,em segundo lugar, que, mesmoconsiderados os dados daFundação IBGE, com algumasvariações expressivas, a tendênciafoi também a de crescimentoeconômico: 1995, 2,00%; 1996,5,80%; 1997, 5,80%; 1998, -0,70%;1999, 4,00%; 2000, -1,72%; 2001,7,55%; 2002, 11,21%.

3_ A inflexão econômicapropriamente dita (1996-2002)

Nesta seção serão mostrados alguns indi-cadores que, em linhas gerais, reforçam oque veio de se indicar discursivamente e,em especial, através do gráfico anterior,qual seja, que a economia fluminenseapresentou, não sem muitas contradiçõese senões, quer econômicos mesmo, querdo ponto de vista da sua configuração/distribuição geográfica, a mencionadainflexão econômica positiva a partir demeados dos últimos anos 1990.

Embora pareça mesmo ser verda-de que a referida economia não tem au-mentado sua participação no PIB do País(conforme dados da Fundação IBGE) eque as taxas de crescimento do PIB esta-dual tenham apresentado, no período emanálise, certo caráter errático (conformedados da Fundação CIDE, e também daFundação IBGE),9 há alguns aspectosque chamam a atenção, tais como:

a. as taxas de ocupação da rede dehotelaria teriam se comportado,como segue: 1997, 63,1%; 1998,66,2%; 1999, 65,7%; e 2000, 70%.Observa-se ainda que, no perío-do, os dias de permanência dosturistas aumentaram de 2,99 em1997 para 3,18 em 2000; do mes-mo modo aumentou a participa-

ção de turistas estrangeiros, no to-tal nacional, que passou de 31,6%,no total de 1997, para 34% nomesmo total de 2000;

b. as exportações e as importaçõesteriam aumentado. Explicando:considerando-se que as importa-ções tendem a ser uma funçãodo nível da atividade econômica,e as exportações, um indicadordo avanço da produção de tangí-veis, é razoável se dizer que tam-bém pelo “lado” do comércioexterior a economia fluminensevem logrando alguma melhoria; tan-to que as exportações, por exem-plo, aumentaram em cerca de 31%na passagem de 2000 para 2001;tendo o mesmo ocorrido com asimportações, no mesmo perío-do, em cerca de 7%. Adicione-seque as chamadas correntes decomércio (que somam exporta-ções e importações ano a ano)também aumentaram, no mes-mo período, em 13,27% (con-forme SECEX).

Na mesma linha de argumentação,mas de outra perspectiva, dentre os da-dos que se poderia aqui anotar, um dosque mais chama a atenção é o que trata dacomposição setorial do PIB (Tabela 1).

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9 As taxas de crescimento doPIB estadual foram asseguintes no período1997-2001: 1997, 1,8%; 1998,2,7%; 1999, 1,1%; 2000, 6,1%;2001, 3,3%. Observe-se nesseponto que, apesar dos pesares,essas taxas sempre foramsuperiores, por suposto, nomesmo período, as taxasobservadas para a economiado País (elas foram,respectivamente, as seguintes:3,3%; 0,1%; 0,8%; 4,4%; e1,5%). Atenção: essacomparação deve ser encaradacom restrição em vista dasfontes desses dados seremdistintas; os primeiros daFundação CIDE e ossegundos da Fundação IBGE.

O que se depreende da Tabela 1,acima, é o que segue: que o setor primáriocontinua sendo, em termos agregados,inexpressivo em vista do PIB estadual to-tal; e, o que conta para efeito deste artigo,é que o setor terciário, tradicional car-ro-chefe da economia fluminense, de lon-ga data, diga-se, vem perdendo posiçãorelativa para o setor secundário, e até demaneira percentualmente significativa. Porque esses dados são então relevantes? Umaexplicação inicial pode ser encontrada naconsideração da composição do PIB poratividades, na qual, vale o registro, as ativi-dades ligadas ao setor petróleo apresen-tam as mais elevadas taxas de participaçãodentre as que são realizadas no Estado,“puxando” para cima e de maneira ex-pressiva a participação do secundário (vis-à-vis o terciário) (Tabela 2).

Como se pode observar, dentre asprincipais participações ao nível das ativi-dades desenvolvidas no Estado do Rio deJaneiro duas delas são verificadas no quese denominou de Indústria Extrativa e deTransformação (28,7%) e Extração de Pe-tróleo (16,0%). Quiçá mais importante: asduas atividades anotadas aumentaram sig-nificativamente sua participação ao longodo período considerado, ao passo que asatividades relacionadas ao terciário decli-naram, como apontado antes; a esse res-peito vide, por exemplo, Comércio e Pres-tação de Serviços, que diminuíram suasparticipações, respectivamente de 8,3 para7,4%, e de 24,9 para 21,2%.

Tais observações se desvelam ain-da mais quando se considera a evoluçãoda produção de petróleo e gás natural(Tabela 3).

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Tabela 1_ Composição do PIB por setor do Estado do Rio de Janeiro (1996-2000)

AnosParticipação setorial do PIB

Primário Secundário Terciário

1996 0,5 29,0 70,5

1997 0,4 30,0 69,6

1998 0,4 28,7 70,8

1999 0,4 32,7 66,9

2000 0,4 37,6 62,1

Fonte: DIEESE (2002, p. 120).

Obs.: A preços correntes.

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Tabela 2_ Composição do PIB por atividade do Estado do Rio de Janeiro (1996-2000)

(em %)

Atividade 1996 1997 1998 1999 2000

Agropecuária 0,5 0,4 0,4 0,4 0,4

Indústria Extrativa e de Transformação 18,7 19,6 18,5 22,9 28,7

Extração de petróleo 3,4 3,7 4,6 9,2 16,0

Demais 15,3 15,8 13,9 13,7 12,7

Construção civil 7,8 7,6 7,5 7,1 6,2

Serviços de utilidade pública 2,6 2,8 2,7 2,7 2,7

Comércio 8,3 8,0 7,6 7,3 7,4

Transportes e Comunicações 7,2 8,0 8,6 10,5 10,2

Instituições Financeiras 4,3 5,0 4,5 4,3 3,6

Aluguel de Imóveis 14,8 15,2 15,2 14,4 12,5

Administração Pública 11,0 9,4 9,0 7,9 7,1

Prestação de Serviços 24,9 23,8 25,9 22,5 21,2

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: DIEESE (2002, p. 121).Obs.: A preços correntes.

Tabela 3_ Evolução da produção de petróleo e gás natural do Estado do Rio de Janeiro (1995-2000)

AnosProdução de Petróleo (103m3) Produção de Gás Natural (106m3)

Brasil ERJ ERJ/Brasil Brasil ERJ ERJ/Brasil

1995 40.216 27.126 67,5 8.107 3.165 39,0

1996 45.606 31.294 68,6 9.214 3.577 38,8

1997 48.832 34.662 71,0 9.865 3.876 39,3

1998 56.587 41.647 73,6 10.833 4.544 41,9

1999 63.921 49.110 76,8 11.898 5.528 46,5

2000 71.844 57.037 79,4 13.328 5.721 42,9

2001 75.219 60.489 80,4 14.045 5.968 42,5

Variação % (2001/1995) 87,0 123,0 – 73,3 88,6 –

Fonte: DIEESE (2002, p. 148).

Esses dados mostram, como seanotou antes, o espetacular crescimentoda produção de petróleo e gás naturalfluminense no período em exame que,como se está procurando evidenciar, éexatamente o mesmo no qual se dá a po-sitiva inflexão econômica em análise. Emespecial, no que trata da produção de pe-tróleo, verifica-se que a participação doEstado do Rio de Janeiro impressiona namedida em que alcança mais de 80% dototal nacional (Tabela 4).

O mesmo acontece, em adição,com a produção de petróleo “off shore”,tanto que, se em 1995 o ERJ produzia27.126 (a 106m3), em 2001 ele produzia60.489 (106m3), o que resultou em cresci-mento dessa mesma produção da ordemde 222,99% (contra um aumento percen-tual em termos nacionais, considerado omesmo intervalo de tempo, de 211,09%).

Portanto, não surpreende que, den-tre as maiores empresas no Estado, se-gundo a receita líquida no ano de 2000(o que não seria muito diferente se con-siderado o ano de 2001 ou, ao contrário,o ano de 1998, por exemplo), desta-cam-se empresas do setor petróleo. Aesse respeito, vide Tabela 5.

Como se pode observar, dentre asdez maiores empresas sediadas no Esta-do do Rio de Janeiro, seis delas são do se-tor petróleo; e mais: essas seis empresasestão todas situadas nas oito primeirasposições do “ranking”, o que bem dá amedida da importância desse setor para aeconomia fluminense.

Certamente o exposto nesta seçãoganha ainda mais luzes quando se consi-dera o repasse dos royalties realizados pe-lo Tesouro Nacional, segundo regiões doEstado do Rio de Janeiro (Tabela 6).

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Inflexão econômica e dinâmica espacial pós-1996 no Estado do Rio de Janeiro82

Tabela 4_ Evolução da produção de petróleo e gás natural “off shore”10

do Estado do Rio de Janeiro, (1995-2000)

AnosProdução de Petróleo (103m3) Produção de Gás Natural (106m3)

Brasil ERJ ERJ/Brasil Brasil ERJ ERJ/Brasil

1995 29.727 27.126 91,3 5.160 3.165 61,3

2001 62.751 60.489 96,4 8.171 5.968 73,0

Variação %(2001/1995)

211,09 222,99 – 58,37 88,60 –

Fonte: DIEESE (2002, p. 156).

10 Trata esta Tabela daevolução da produção depetróleo e gás natural“off shore”, é dizer, fora docontinente; o que significadizer, que os dados constantesdo Tabela 3 consideram tantoa produção continental quantonão-continental.

Jorge Natal 83

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Tabela 5_ Relação das dez maiores empresas do Estado do Rio de Janeiro,segundo receita líquida no ano de 2000

“Ranking” Empresas

1o Petrobrás

2o Petrobrás Distribuidora

3o Shell

4o Furnas

5o Petróleo Ipiranga

6o Embratel

7o Esso

8o Texaco

9o CVRD

10o CSN

Fonte: DIEESE (2002, p. 150).

Tabela 6_ Royalties do petróleo repassados pelo Tesouro Nacional,segundo regiões do Estado do Rio de Janeiro (2000-2001)

(em R$ mil)

Regiões 2000 2001 Variação %

Metropolitana 25.638 32.127 25,3

Noroeste 21.056 26.248 24,7

Norte 216.639 267.817 23,6

Serrana 24.102 30.134 25,0

Baixadas Litorâneas 102.061 131.670 29,0

Médio Vale do Paraíba 4.718 5.825 23,5

Centro-Sul 0 0 0,0

Baía da Ilha Grande 2.844 3.533 24,2

Total Repassado 397.059 497.353 25,3

Fonte: DIEESE (2002, p. 150).

Os valores e percentuais acimamostram de maneira inequívoca varia-ções médias de cerca de 25% de aumentonos repasses dos royalties por parte do Te-souro Nacional para a quase totalidadedas regiões do Estado em exame (dada aexceção da Região Centro-Sul), o quesem dúvida demonstra o avanço na capa-cidade de gasto dessas mesmas regiões ede muitos dos seus municípios e, conse-qüentemente, de multiplicação de seusprodutos e rendas. Como segue.

Se os percentuais antes anotadossão por si sós expressivos, eles são ain-

da mais se considerados os royalties re-passados pelo governo estadual para asmesmas regiões: todas essas, conside-rados os anos de 2000 e de 1999, tive-ram uma elevação de recursos recebi-dos, em termos percentuais, de pelomenos 245,7%. Não obstante, os re-passes efetuados pelo governo estadualsão mínimos quando comparados aosque o são pelo Tesouro Nacional. Ape-nas para efeito de conhecimento, taisrepasses, por regiões, foram os seguin-tes (em R$) (Tabela 7).

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Inflexão econômica e dinâmica espacial pós-1996 no Estado do Rio de Janeiro84

Tabela 7_ Royalties do petróleo repassados pelo governo do Estado para as regiões (1999-2000)

(em R$)

Regiões 1999 2000 Variação %

Metropolitana 8.694 32.308 271,6

Noroeste 468 1.845 276,1

Norte 956 3.972 315,5

Serrana 943 3.790 302,1

Baixadas Litorâneas 621 2.546 310,0

Médio Vale do Paraíba 1.544 6.112 295,8

Centro-Sul 372 1.438 286,2

Baía da Ilha Grande 396 1.371 245,7

Total Repassado 13.994 53.382 281,4

Fonte: DIEESE (2002).

O que se expôs demonstrou que hápositiva e determinada inflexão econômicaa partir de meados dos anos 1990, comoexpresso pelo Gráfico 1, pelo aumento dautilização da capacidade instalada do setorindustrial (dado não mencionado antes)que, se até 1994-1995 mal alcançavam70%, a partir daí tem atingido quase oitentapor cento (Firjan, 2003);11 e, principalmen-te, pelo avanço do setor petróleo. As taxasde crescimento da riqueza social fluminen-se (PIB) não devem levar, todavia, a ne-nhuma falsa euforia. Por quê? Por váriasrazões, a saber:

a. em primeiro lugar, porque, emboraa riqueza social tenha aumentadodurante todo o período conside-rado, as taxas de crescimento realdo PIB não foram nada significa-

tivas, com a exceção do ano de2000 em que ela foi de 6,1% eaté mesmo, como já se apontou,erráticas. Ilustrando: em 1997, ocrescimento real do PIB foi deapenas 1,8%; em 1998, de 2,7%;em 1999, de míseros 0,8%; em2000, como anotado, de 6,1%; eem 2001, de 3,3%;

b. em segundo lugar, porque, ao quetudo indica, esse crescimento dariqueza social fluminense foi lar-gamente tributário das rendas pro-venientes do setor petróleo, o que,por suposto, pode ser revertidopor disposições legais ao nívelda legislação que rege o repassede royalties para o Estado e seusmunicípios;

c. em terceiro lugar, porque, ao quetudo também aponta, o cresci-mento da riqueza social flumi-nense tem alcançado mais des-tacadamente algumas regiões,marginalmente algumas outras,e algumas nem sequer ele tematingido (alcançado).

Estas últimas observações mos-tram-se mais claras quando se considera,principalmente, o repasse dos royalties doTesouro Nacional para as regiões flumi-nenses (Tabela 8).

Jorge Natal 85

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Tabela 8_ Royalties do petróleo repassados pelo Tesouro Nacional,segundo regiões de governo do Estado do Rio de Janeiro (2000-2001)

(em %)

Regiões Participação %

Metropolitana 6,5

Noroeste 5,3

Norte 54,2

Serrana 6,1

Baixadas Litorâneas 26,1

Médio Vale do Paraíba 1,2

Centro-Sul 0,0

Baía da Ilha Grande 0,6

Fonte: DIEESE (2002).

11 O grau de utilização dacapacidade produtivainstalada foi o seguinte,tomado-se o ano de 1994como ponto de partida e o de2003 como ponto de chegada:1994, 70,17%; 1995, 72,42%;1996, 72,69%; 1997, 77,15%;1998, 73,53%; 1999, 78,02%;2000, 73,73%; 2001, 80,63%;2002, 76,50% e 2003, 76,97%.Como se vê, apesar de algunsrecuos, no geral, a tendênciafoi de elevação.

O que os dados anteriores reve-lam é que a participação percentual nosroyalties do petróleo é extremamente de-sigual, posto beneficiar principalmente aRegião Norte Fluminense (54,2%) e suavizinha Região das Baixadas Litorâneas(26,1%). Tendo em vista Natal e Oliveira(2002), no qual os autores mostram a re-lativa melhoria do mercado do trabalhofluminense no “interior” desse Estadovis-à-vis o M-S e, ainda Natal (2003a), noqual esse autor mostra o extraordináriocrescimento populacional em municípioscomo Macaé (da Região Norte) e CaboFrio (Região das Baixadas Litorâneas),depreende-se que, pelo menos da pers-pectiva do repasse dos royalties, poderiaestar ocorrendo uma espécie de cresci-mento econômico nucleado em algunspontos do território fluminense. Ou, nafeliz expressão de Araújo (1997), uma es-pécie de desconcentração concentrada; isto é,ela seria adstrita a alguns poucos pontosdo território fluminense, cabendo apenasprovar ou negar que esse processo estariacontribuindo para a “produção” de umaespécie de fragmentação socioespacial epolítico-institucional, tal qual caracteri-zado por Pacheco, referindo-se ao Brasil,em sua “Fragmentação da Nação” (1998)– esse tema será sucintamente exploradona última parte deste artigo.

Tendo em vista a problemática an-tes ensaiada, a do crescimento econô-mico intrincado, dado que nucleado pordeterminado setor, o do petróleo, obser-va-se claramente que ele concentra os seus“frutos” em certos pontos do território.O anotado mostra-se com nitidez emvista dos dados (mais abertos) que se-guem: no caso da Região Metropolitana,que recebeu no biênio 2000-2001 6,5%do total transferido pelo Tesouro Nacio-nal, constata-se que, em verdade, en-quanto o M-S foi “contemplado” comaproximadamente R$ 2.850.000,00/anoe o de Niterói com R$ 160.000,00/ano, ode Duque de Caxias recebeu cerca deR$ 13.000.000,00/ano; por outro lado,na Região Norte, Campos recebeuR$ 105.000.000,00/ano, Macaé cerca deR$ 75.000.000,00/ano, a “pequenina”12

Quissamã, aproximados R$ 26.000.000,00/ano, e, os demais, juntos, todos tam-bém “pequenos”, algo em torno deR$ 16.000.000,00/ano; na Região das Bai-xadas Litorâneas, em conjunto, foram trans-feridos cerca de R$ 156.000.000,00/ano, eCabo Frio recebeu R$ 26.000.000,00/ano eCasemiro de Abreu R$ 13.000.000,00/ano(os outros municípios são todos eles rela-tivamente “pequenos” e receberam cercade R$ 75.000.000,00/ano). Enfim: numaprimeira aproximação, não há dúvida,

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Inflexão econômica e dinâmica espacial pós-1996 no Estado do Rio de Janeiro86

12 Este termo e os queseguem, do mesmo jaez,dizem respeito à importânciaeconômica e populacional domunicípio (mais precisamente,a falta dela) no contextoestadual.

poder-se-ia ir ao encontro da tese de Pa-checo, qual seja, a dinâmica econômicafluminense recente estaria consagrandoprocessos vigentes em outras partes, noBrasil e no mundo, posto ele ser do tipoconcentrado. Mas, como se mostrará naseção seguinte, é possível ler essa démar-che sob outra perspectiva analítica.

Últimas consideraçõesEntende-se que o artigo até o presentemomento permite afirmar o que segue:

I. que a economia fluminense in-gressou a partir de meados dosanos 1990 recentes em uma faseque se poderia, com proprieda-de, denominar de inflexão eco-nômica positiva;

II. que a economia fluminense ingres-sou nessa fase graças aos inves-timentos privados, muitos delesfinanciados com recursos públi-cos (Banco Nacional de Desen-volvimento Econômico), comofoi o caso da privatização da PonteRio-Niterói e de tantas outrasvias entregues para exploraçãopor firmas privadas através doinstituto da concessão (e, tudoisso, por suposto, em virtude so-bremodo da mudança de cenário

então verificada, qual seja, a daemergência de uma radical ideo-logia pró-mercado e, portanto,antiEstado);

III. que a economia fluminense, ape-sar da positiva inflexão econômi-ca anotada e mostrada, não ex-perimentou qualquer taxa espe-tacular de crescimento, embora,no geral, ela fosse superior à mé-dia nacional;

IV. que a economia fluminense, ape-sar da positiva inflexão econômi-ca, a participação da sua riquezasocial (Produto Interno Bruto)na riqueza social do País, poucoteria se alterado e que, de manei-ra geral, continuaria abaixo departicipações verificadas em pe-ríodos pregressos;13

V. que a economia fluminense, ape-sar da positiva inflexão econô-mica, tem até mesmo apresenta-do certo comportamento erráti-co (vide p. 79);

VI. que a economia fluminense, ape-sar da positiva inflexão econômi-ca, apreendida por indicadoresdiversos, tais como grau de utili-zação da capacidade produtivaetc., tem se mostrado extrema-mente dependente das rendasprovenientes do setor petróleo;

Jorge Natal 87

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13 Exemplo: em 1985, aparticipação do PIB estadualvis-à-vis o PIB nacionalfoi de 12,78%; e, em 1995,foi de 13,17% (CNI, 1996).

VII. que a economia fluminense, ape-sar da positiva inflexão econômi-ca, graças ao setor petróleo, vemexperimentando algo quase inusi-tado na história econômica, ain-da mais na contemporaneidade,qual seja, a diminuição da partici-pação do seu, de longa data, aliás,expressivo terciário para o setorsecundário, graças, por suposto,ao mencionado setor petróleo;

VIII. que a economia fluminense, ape-sar da positiva inflexão econô-mica, mas também por causado seu “carro-chefe”, claramen-te adstrito a alguns pontos doterritório, o que avulta a impor-tância dos royalties, consagra de-terminados municípios, notada-mente os da Região Norte e osdas Baixadas Litorâneas.

Em vista do exposto, restaria ape-nas discutir, ainda que de modo explora-tório, o seguinte: seria esse tipo de cresci-mento econômico, além de problemático,por conta das atuais taxas de crescimentodo PIB, também problemático pelo fatode ele ser adstrito a alguns pontos do terri-tório fluminense?

Entende-se que seria razoavelmen-te fácil “caminhar” no sentido da afirma-ção da fragmentação político-institucional

e socioespacial, tal qual apontado por Pa-checo (1998). Mas é também possívelafirmar o seu contrário, qual seja, apesardos problemas encerrados numa dina-mização econômica dependente de umaforma de geração de riqueza assentadaem transferência de recursos, via royalties,ela pode estar contribuindo decisiva-mente para a diminuição de parcela dasenormes e históricas desigualdades so-cioespaciais existentes ao nível do terri-tório fluminense.14

Como mostrado por Natal (2003a),o Estado do Rio de Janeiro logrou esta-belecer, em certa medida, o que se pode-ria com mais propriedade denominar derede urbana, dada a maior interação eco-nômica e societária existente atualmenteentre os municípios das Baixadas Litorâ-neas e os da Região Norte, regiões essasque, junto com a Noroeste e com a partenorte da Região Serrana, sempre foramconsideradas na historiografia sobre oEstado como “regiões-problema”. Assimsendo, principalmente nas duas primei-ras, instaurou-se uma espécie de desen-volvimento regional, restrito, é verdade,mas que, lamentavelmente, parece nãoestar ancorado no que se poderia deno-minar de uma efetiva política de desen-volvimento regional.

E mais: ao que parece, a distribui-ção dos recursos do Tesouro Nacional,

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Inflexão econômica e dinâmica espacial pós-1996 no Estado do Rio de Janeiro88

14 O problema aqui é queas transferências podem,numa “canetada” política,ser alteradas, impondo perdasaté significativas para aeconomia do Estado.

sob a forma de royalties, apesar de apre-sentar certa concentração em alguns mu-nicípios, ao alcançar também diversos ou-tros de menor densidade populacionale econômica acaba contribuindo de ma-neira expressiva para sua dinamização; édizer, possivelmente o caso do Quissamãnão seja único.

Nesses termos, ao que tudo indi-ca, mais importante que discutir se houveou não a referida inflexão econômica po-sitiva e se ela alcançou “regiões-proble-ma”, parece urgente discutir, isso sim, oalcance temporal de uma dinamizaçãoeconômica centrada em um setor “carro-chefe” como o do petróleo, e se esses re-cursos estão sendo empregados de modoa garantir alguma sustentação às váriaseconomias municipais e regionais quan-do a fonte de recursos em questão seesgotar e/ou quando ela vier a ser legal-mente cancelada.

Jorge Natal 89

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Inflexão econômica e dinâmica espacial pós-1996 no Estado do Rio de Janeiro90

Referências bibliográficas

Aproveito a oportunidade, por

dever de justiça, para agradecer

aos meus bolsistas Maurício

Silva e Monique Soukup, e a

meus alunos da disciplina

‘Economia, Sociedade e

Território Fluminense’, do

segundo semestre de 2003 do

IPPUR/UFRJ, em especial ao

Hélcio Medeiros Jr., Rosane

Araújo e Adrianno Oliveira; e,

ainda, à FAPERJ, que

financia a execução do projeto

maior no qual este artigo se

inscreve.

E-mail de contato do autor:

[email protected]