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Informações básicas sobre temas fundiários para os Kaiowá e Guarani no Mato Grosso do Sul Mba’éichapa ikatu ojapo va’erã Kaiowá ha Guaranikuéra pe parte yvyrehegua Friedl Paz Gruenberg e Celso Aoki livro.indb 1 8/19/04 3:04:50 AM

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Informações básicas sobre temas fundiários para os Kaiowá e Guarani

no Mato Grosso do Sul

Mba’éichapa ikatu ojapo va’erã Kaiowá ha Guaranikuéra

pe parte yvyrehegua

Friedl Paz Gruenberg e Celso Aoki

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Índice

Informações básicas sobre temas fundiários para os Kaiowá e Guarani

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Apresentação....................................................................................1. Como os guarani chegaram à situação de vida atual Uma pequena história.................................................................2. O direito do índio e o direito do branco......................................3. A Constituição Federal, a lei maior do Brasil..............................

3.1 A primeira parte, a mais importante, fala assim................3.2 O que é Terra Indígena.......................................................3.3 Como a Terra Indígena deve ser usada de acordo com a Constituição................................................

4. Identificação e delimitação de Terra Indígena.............................5. Alguns temas da justiça que são importantes para vocês

5.1 Identificação e delimitação dos tekoha.............................5.2 Os prazos: tempo para o governo tomar providências.......................................................................5.3 O direito do índio entrar na justiça.....................................5.4 O processo na justiça........................................................

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Ñe’è renondegua ................................................................................ 1. Mba’éichapa ñande jahasa mbairy oguahèrõguare ko’ãngapeve ...................................................................................2. Ava reko ha karai reko ..................................................................3. Constituição Federal, ko lei tuichavéa Brasilpe ............................

3.1 Tenonderã ko lei he’i upéicha ..............................................3.2 Mba’éichagua karai lei omboete ñande yvy ........................3.3 Mba’éichapa jaiporúta ñande rekoha

Constituição, ko lei tuicháva rupi ..........................................4. Mba’éichapa oì ñande rekoha oñemedi hanguã ............................5. Umi ñeporandu iporã jaikuaa hanguã pe parte justiça...................

5.1 Identificação ha delimitação ñande derecho voi ..................5.2 Gobierno omoì día oñatende hanguã ñande rupi .................5.3 Ñande derecho voi jaike hanguã justiçape ...........................5.4 Mba’éichagua oì ñande kuatia yvyrehegua mburuvicha guasu rendápe...................................................

Mba’éichapa ikatu ojapo va’erã Kaiowá ha Guaranikuéra pe parte yvyrehegua

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Primeiras palavras ............................................................................1. Como nós passamos desde a chegada dos estrangeiros até agora ...............................................................2. O modo de ser dos índios guarani e o modo de ser do branco ..........................................................3. A Constituição Federal, a lei maior do Brasil .............................

3.1 No começo essa lei fala assim .........................................3.2 Como a lei do branco respeita a nossa terra ...................3.3 Como vamos usar a nossa terra de acordo com a Constituição, essa lei grande ................................

4. Como a nossa terra é medida ...................................................5. As informações que são boas para sabermos em relação à justiça...................................................................

5.1 A identificação e a delimitação são, portanto, nossos direitos .................................................................5.2 O governo estabelece uma data para nos atender...........5.3 Portanto, temos o direito de entrar na justiça...................5.4 Como os nossos documentos sobre a terra estão sendo tratados pelas autoridades grandes.............

Nota Metodológica ..........................................................................

O que os Kaiowá e Guarani podem fazer em relação à sua terra

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Neste livro estão anotadas algumas das informações mais importantes para os Kaiowá e os Guarani do Mato Grosso do Sul sobre seus direitos territoriais. Conta-se como chegaram à situação de vida atual e se explica as leis que lhes permitem recuperar, pelo menos em parte, o seu antigo território, os tekohakuéra. Explica-se também o que é a identificação e delimitação, como se dão os processos na justiça e se fala sobre as instituições do homem branco, do karai.

O texto foi traduzido para o guarani, para que as velhas e os velhos também possam entender seus direitos. Sua colaboração no momento da identificação é muito importante, por isso é bom que eles conheçam seus direitos como estão garantidos e escritos na Constituição Federal.

Agradecemos muito à todos os Kaiowá e Guarani que têm hospedado generosamente Celso Aoki desde 1978, e também Paz Grünberg durante os últimos anos, em suas casas e em suas comunidades e que têm compartilhado suas experiências e conhecimentos com eles. Muitos índios colaboraram em inúmeras reuniões formais e informais para que o texto tomasse essa forma.

Apresentação

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Ambrósio Gomes Martins de Pueblitokue e João Rodrigues de Mbarakay colaboraram na tradução cultural do texto em português ao guarani. Colaboraram com as correções dos textos: Maria de Lourdes C. Nelson — Kuña Jeguaka, Elizeu Ribeiro, Marta Maria Azevedo e Sandra Regina da Silva que também participou dos trabalhos de tradução.

A todos estes o nosso muito obrigado.

Atima porãite enteropeguarã.

Ponta Porã, junho de 2004

Celso AokiFriedl Paz Grünberg

PKGPrograma Kaiowá [email protected]

Centro de Trabalho Indigenistawww.trabalhoindigenista.org.br

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O problema da terra começa pela história da chegada dos brancos. No início eles eram poucos. Com o passar dos anos foram aumentando e cada dia iam ocupando todo o território de vocês, todos os ava rekoha, todo o ava retã. Naquela época, não havia muita gente branca e a terra parecia que era muito grande e que dava para todo mundo viver nela, tanto os índios, como os brancos. Muitos dos velhos disseram que estavam derrubando o mato para o fazen-deiro no seu próprio espaço de vida, no próprio tekoha. Estavam changueando para os brancos e não sabiam que depois eles iam tomar as terras e expulsá-los do lugar.

Os índios, os ava, trabalharam com esses colonos porque eles traziam mercadorias. Traziam ferramentas, panelas, roupas, armas e munições de que tanto se precisava naquela época para caçar. Traziam comida diferente, principal-mente sal ou comida salgada do tipo charque. Parecia que a chegada do branco trazia muitos benefícios para todos. Mas os brancos aumentavam a cada dia e cada vez mais eles chegavam mais perto da própria casa de vocês.

Como os guarani chegaram à situação de vida atual.Uma pequena história.1

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Quase sempre os primeiros colonos chegaram onde havia muitos índios, muitos ava, porque lá encontravam o traba-lho barato para abrir as fazendas. Então, com a ajuda dos próprios moradores da terra, foram abrindo a mata, plan-tando as roças, as chacras deles. Depois plantaram capim, e assim formaram as suas propriedades. Os fazendeiros foram junto ao governo e conseguiram o título, um kuatia mbarete tuicháva, que, na lei do branco, dá direito à posse da terra. Depois da fazenda aberta eles já não precisavam mais dos índios e os expulsaram.

Mas o território de vocês, o ava retã, ainda permaneceu grande até um certo tempo porque havia ainda muito mato. As famílias expulsas dos tekoha podiam ir para o tekoha de parentes ou ficavam trabalhando perto do lugar onde mora-vam. Mais fazendeiros foram chegando e muitas famílias foram saindo em busca de trabalho e das coisas do homem branco. Pressionados, abandonaram seus tekoha e foram, de fazenda em fazenda, trabalhando para viverem, até que um dia essas famílias de ava foram sendo chamadas de índios de fazenda.

Aí o ava retã, o território de vocês, começou a ficar pe-queno e não cabia mais os índios. Já não tinha mais mato para derrubar e os fazendeiros não queriam que vocês ficassem mais na terra que eles tinham tomado. Ajudados pelo governo, missionários, polícia, e outros, os índios de fazenda foram levados para as reservas ou, como diziam, a terra da Missão. Rapidamente essas reservas foram ficando cheias. Não tinha mais terra para plantar, apenas para fazer suas casas e changuear nas usinas de cana, o único lugar

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de changa que ficou. O trabalho de changa nas fazendas quase acabou. Não têm mais fazendas para abrir, acabou o mato e os tekoha estão agora nas mãos de fazendeiros. O ava retã, o território de vocês, agora só tem lavoura ou é habitado pelo gado dos fazendeiros.

Aquelas muitas famílias que não quiseram ser aldeadas nos Postos, lutaram para permanecer nos tekoha e os confli-tos com os fazendeiros aumentaram. As notícias foram para longe e chegaram até as autoridades dos brancos. Depois, alguns tekoha foram demarcados: Rancho Jakare, Guaimbe, Takuaraty, Jaguapire, Pirakua, Sete Cerros, Guasuty, Jarara e outros. Mas muitos ainda não foram resolvidos.

Hoje tem várias comunidades que estão lutando pelos tekoha. Estão se reunindo e se organizando nas reservas para poderem retornar ao lugar de origem. A partir disso está criado o “problema da terra”.

Agora é preciso dar um manejo ao problema:

• tem que levantar a história do tekoha,• tem que saber quantos índios ocupavam a terra,• tem que saber quem vivia lá,• tem que lembrar como e onde viviam, e• tem que contar porque saíram.

Antes, no tempo dos antigos, os pais e avós não sabiam como fazer para os brancos respeitarem os seus direitos. Hoje os índios estão conhecendo os seus direitos e estão se mobilizando e organizando para enfrentar os fazendeiros

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que tomaram as suas terras. Os índios já sabem como pressionar o governo. Agora têm mais oportunidades por-que já conhecem melhor o jeito do branco, o karai reko:

• as leis,• os papéis, os kuatia,• os documentos, os kuatia mbarete tuicháva• e a política do branco.

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Quando vocês reivindicam um tekoha, dois tipos de direi-tos estão em jogo:

1— o direito indígena — o ava reko e2— o direito do homem branco — o karai reko.

O direito sobre a terra está definido nas leis dos brancos. Os brancos criaram muitas leis, para tentar resolver todos os conflitos entre os brasileiros — índios e não índios — e assim conseguirem viver em paz. Mas os problemas continuam porque muitos não obedeceram as leis. Ou porque são mais poderosos ou porque não são honestos. Por isso as leis têm funcionado mais a favor dos brancos que para os índios, principalmente aqui no Mato Grosso do Sul.

Mas, os conflitos podem ser resolvidos na base da lei, se essa for obedecida. Principalmente aquelas que estão escritas na CONSTITUIÇÃO FEDERAL, a lei tuichavéva do Brasil. Leis nada mais são que direitos e deveres de todos. Portanto, as leis garantem direitos sobre a terra a todos — índios e fazendeiros.

O direito do índio e o direito do branco.2

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A Constituição de 1988 garantiu mais direitos aos índios. Então, é preciso conhecer melhor para exigir que esses direitos sejam respeitados de fato. Para que não fique apenas no papel, no kuatia. Quando as leis não funcionam, são leis vazias, leis rei. Quando os papéis também não fun-cionam, são papéis vazios, kuatia rei.

Então, para conseguir a terra é preciso que a mobilização dos índios esteja forte. Tem que pressionar as autorida-des responsáveis. Tem que fazer com que elas também façam a sua parte, como mandam as leis, e assim garantir aqueles direitos que estão no kuatia. Vocês já sabem que estes papéis são leis e documentos que funcionam para os brancos. Então é preciso que eles funcionem a favor de vocês, também.

Diante disso, vamos discutir quem é que decide, afinal, os direitos sobre a terra.

Antes da chegada do branco eram vocês que decidiam tudo, porque eram os únicos donos. Quando um grupo de famílias, parentes, já não queriam mais ficar no tekoha porque tinha algum conflito, algum sarambi, ou alguém morreu, este grupo saía do lugar e ia procurar outra terra melhor. Saía andando até encontrar uma terra boa para plantar, com água boa, mato bom e não muito longe dos parentes que ficaram no tekoha antigo. Assim, podiam ir visitá-los, ir nas festas e casar.

Mas agora tem os brancos vivendo na mesma terra. Derru-baram o mato, plantaram capim, ou fazem lavouras de soja, milho e jogam muito veneno nas plantações, envenenando

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a terra e a água também. Não tem mais caça, peixe, mel e remédios para colher. Os fazendeiros nem deixam vocês passarem mais pelas terras que foram suas. Eles dizem que os índios espantam o gado. Em alguns lugares eles dizem que os índios comem os seus bois. Os brancos são muito mais numerosos e mais fortes porque têm muitos recursos, muito maquinário, polícia e armas. Eles trazem muitas doenças também.

A situação hoje é que vocês têm que lidar com o mundo do branco também. Têm que conhecer como eles funcionam, suas LEIS, GOVERNO e JUSTIÇA. Têm que saber como cada um funciona no seu trabalho, na sua responsabilidade, no seu dever. E têm que conhecer seus interesses também.

No GOVERNO FEDERAL os mais importantes para tomarem as primeiras providências sobre a terra são:

• a Funai (Fundação Nacional do Índio) e• o Ministério da Justiça.

São esses órgãos que fazem as identificações e delimita-ções de Terras Indígenas. São as suas autoridades, seus mburuvicha, que assinam os documentos, os kuatia mbarete tuicháva, que reconhecem os direitos sobre as Terras Indí-genas. A Funai foi criada para isso: tomar providências sobre a terra, demarcar e proteger de invasões.

As LEIS são muitas e a CONSTITUIÇÃO é a mais impor-tante porque defende a todos e todos devem obedecer.

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• quem faz as leis é o legislativo: deputados, senadores — reunidos no Congresso; ou seja: os políticos.

• a JUSTIÇA são: os juízes e procuradores que cuidam para ver se as leis estão sendo aplicadas e respeitadas.

Então vamos ver o que cada um faz, que tanto pode ajudar, como pode prejudicar os interesses de vocês.

O GOVERNO FEDERAL é que tem a responsabilidade de tomar as providências para que o tekoha seja reconheci-do como Terra Indígena, e de fazer a demarcação, porque assim manda a Constituição. Para isto tem a Funai, que é um órgão que cuida deste assunto e tem o poder de garantir que a terra seja destinada aos índios.

O primeiro passo é fazer a identificação do tekoha. Isto significa fazer um estudo e um levantamento para que a terra que os índios estão querendo demarcar seja garanti-da conforme a lei. Essa lei é o Estatuto do Índio e o decreto 1775. Essa lei fala que é preciso comprovar que os índios já habitavam os tekoha há muito tempo, inclusive antes do fazendeiro chegar. Este estudo, este levantamento de informações, é para provar que a comunidade já habita-va o lugar, desde muito antes do fazendeiro e conforme os próprios costumes e tradições.

A maior prova está na memória viva dos mais velhos, por-que eles é que sabem como viviam antes e como foi que os brancos tomaram posse dos tekoha. Muitas vezes os velhos já morreram, mas eles deixaram as lembranças para os mais novos, que podem testemunhar. A memória dos velhos e as lembranças são a história do tekoha.

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É deste jeito que os índios podem provar a sua ocupação e também podem demonstrar através de outros meios, como: cemitérios, antigas moradas, nomes dos lugares. Além do mais, tem também uma prova muito grande que é a própria comunidade de carne e osso, viva. As pessoas, sabendo quem é parente de quem, os grupos de famílias organizadas.

Então se faz a identificação da área que é o estudo da comunidade:

• os costumes (teko),• as tradições (teko ymaguare),• as rezas e cantos (teko marangatu),• a sua organização política,• como ocupam ou ocuparam o tekoha.

Esta identificação da Terra Indígena, do tekoha, deve estar de acordo com as necessidades do grupo. Deve ser suficien-te para que possa se manter e também manterem os filhos e netos que vêm depois.

A justiça, como as leis e o governo, pode defender tanto o fazendeiro, como os índios. Por isso, é preciso que vocês lutem também neste campo. Como vocês podem fazer? Primeiro, vocês devem apresentar as provas de que já se falou. Provas ou testemunhas de que a terra é um direito legítimo da comunidade e que o fazendeiro não pode vencer só porque comprou a terra, conseguiu o título de proprie-dade e registrou no cartório. As provas vivas que os índios têm vale da mesma maneira que os papéis dos fazendeiros.

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Mas os juízes não vão ver se vocês estão vivos ou não. Eles ficam em seus gabinetes e olham apenas os documentos.

Por isso a memória dos velhos é tão importante!

A história que eles contam vai se trans-formar em documentos de verdade, em kuatia mbarete tuicháva.

A memória dos velhos feitos documentos de verdade provarão a ocupação da terra pela comunidade.

A lei do branco tem que respeitar esses documentos.

Se as provas da ocupação indígena forem mais fortes que os documentos dos fazendeiros, os juízes vão decidir a favor dos índios. Como já foi dito antes, os juízes podem decidir ou favor ou contra.

Vimos que não é uma pessoa só, ou várias pessoas, que decidem sobre o direito da terra. São muitas e de diferen-tes órgãos federais. Participam antropólogos, engenheiros, agrônomos, cartógrafos e muitas autoridades dos brancos.

Então, para responder à pergunta sobre quem decide sobre a terra, pode-se dizer que são duas partes:

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• As comunidades, que mais se esforçam para a luta e que estão melhor preparadas.

• A outra parte depende da vontade de resolver dos karai.

Não basta que a comunidade esteja unida em torno de uma liderança. Também é necessário que os índios tenham aliados para enfrentarem todos os níveis de luta. Essa luta vai mais longe que só o retorno ao tekoha, como vocês chamam: a retomada, com sua própria força e vontade, não é o fim do caminho.

É necessário também que muitos brancos estejam a favor da Terra Indígena, principalmente aqueles que estão no governo e na justiça. Quando a comunidade decidir entrar no tekoha, a lei terá que estar a seu favor para que a posse seja garan-tida. Quando a lei está a favor de vocês até a polícia vai pro-teger vocês e não vai expulsá-los do seu tekoha.

• Dizemos que o governo é chamado de executivo porque tem que fazer o que manda a lei; executar as leis e tomar providências.• O legislativo é a casa dos políticos e são eles que fazem as leis.• O judiciário é onde os papéis e documentos vão cair para o juiz decidir entre os fazendeiros e os índios.

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Vocês têm ouvido falar muito da PROCURADORIA DA REPÚBLICA. A Procuradoria faz parte da justiça. Mas ela tem um trabalho especial: fiscalizar as decisões dos juízes e do governo, isto é, do judiciário e do executivo.

Os procuradores estão olhando se os juízes e o governo estão fazendo bem, ou mal, ou não estão fazendo o que a lei manda. Então, quando um juiz tomar uma decisão contra os índios e se esta decção for injusta, os procuradores podem anular a decisão. Quando um governo não está protegendo os interesses dos índios, como manda a lei, os procuradores podem fazer com que a lei seja aplicada. Os procuradores são autoridades muito importantes (mburuvicha) que os índios têm para defender a terra.

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Agora vamos falar sobre a Constituição, a lei mbarete tuichavéva, importante porque trata dos direitos de todas as pessoas que moram no Brasil. Esta lei tem uma parte que fala dos povos indígenas. Todos os índios têm os mesmos direitos: os Guarani, os Kaiowá, Terena, Xavante, Kaiapó, enfim, todos os povos indígenas, de norte a sul. Os seus direitos estão no artigo 231 da constituição.

Capítulo VIII: DOS ÍNDIOS

231: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

A Constituição Federal, a lei maior do Brasil3

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1O. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais ne-cessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

2O. As terras tradicionalmente ocupados pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

4O. As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

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231: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originá-rios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

1— organização social, costumes, línguas, crenças e tradi-ções:

Tudo isso é o jeito que cada comunidade indígena vive:

— como cada um vive com o outro; como se casam; o que cada um tem de direito e dever com a comunidade;

— como é a sua liderança, quem são os seus mburuvicha, como o capitão tem que agir e como ele tem que ajudar a resolver os problemas da aldeia;

— como estão trabalhando: cada um sozinho, em grupo ou como puchirõ;

— no que estão trabalhando as mulheres, os homens e as crianças;

— as festas, a suas rezas e cantos;

3.1 A primeira parte, a mais importante, fala assim:

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— como contam o surgimento do mundo, o que eles sabem sobre o funcionamento desse mundo, dos Tupã, dos espíritos, das plantas, dos bichos, das aves;

— como os antigos foram passando os conhecimentos de mãe e pai para os filhos;

— o jeito deles de curar doenças, as rezas e bençãos;— como estão construindo as suas casas, como preparam

a comida, o jeito deles de morarem — no campo ou no mato;

— como estão se vestindo e se adornando;

Tudo isso se chama organização social; são os costumes, crenças e tradições.

O mais importante é que esse jeito diferente de viver de cada povo, faz os índios diferentes do homem branco, dos karai: na religião (teko marangatu), nos costumes, na língua; na maneira pela qual vêem o mundo, como vive uma pessoa com a outra. E tudo sem anotar em papéis, tudo sem kuatia, sem gravador, sem escola. Todos os brancos falam portu-guês, mas os índios têm línguas próprias. Então, este jeito diferente de ser, de trabalhar, de rezar, de falar é a cultura indígena. A constitiuição, a lei mbarete tuichavéva, tem que proteger e ajudar a manter para as gerações futuras.

Quer dizer que todas estas coisas vocês têm direito de manter, não precisam trocar nada. Mas se vocês quiserem trocar também podem fazê-lo.

A Constituição, a lei mbarete tuichavéva, manda o governo tomar providências para que esses direitos sejam respeita-dos. Para isso a maior e principal providência é a terra.

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2— direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam:

Isto significa que os índios têm direito à terra que habitam ou habitavam há muito tempo; onde já estavam antes do bran-co chegar. Vocês foram desse lugar sempre, desde a origem dos antepassados. É isto que significa serem originários da terra. O branco não é originário deste lugar porque chegou de fora: do Rio Grande do Sul, do Paraná, de São Paulo, do Paraguai — e se apossou do lugar. Então ele não é originário, não é do lugar.

A ocupação tradicional é muito importante porque é o que vai provar que a terra é tradicionalmente indígena. É a ocu-pação o que mais importa, o que tem mais valor, porque é a própria história de como vocês viveram no tekoha. É o documento que tem mais força que os documentos dos fazendeiros, até mais força que o título de propriedade do fazendeiro. Por isso é que a comunidade precisa trabalhar a memória dos mais velhos, precisam lembrar de como viviam antes de chegar os brancos e como os brancos os expulsaram da terra. Esta ocupação é a história que prova o direito e será escrita na Identificação. Por isso, esta parte é muito importante para a demarcação e é quando a comunidade mais tem participação.

3— competindo à União demarcá-las, proteger e fazer res-peitar todos os seus bens:

A lei manda o governo demarcar as terras que vocês têm direito. E vocês têm o direito de exigir a demarcação porque a constituição, a lei mbarete tuichavéva, está mandando.

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Para isso tem a Funai. Mas, então, porque ainda não se demarcou e porque demora tanto para tomar providências?

Depende muito do jeito do branco e de vocês de trabalharem o problema. Do jeito que vocês se organizam, do jeito de enfrentar os brancos, do jeito que vocês usam as leis dos brancos e das armas dos brancos:

• a imprensa,• as autoridades,• os aliados.

Se vocês acham que podem conseguir que as terras sejam demarcadas, então têm que conseguir que os brancos façam com que a lei seja cumprida. E para isso, é preciso entender o jeito do branco trabalhar e como funcionam as leis.

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Capítulo VIII: DOS ÍNDIOS

231: 1O. São terras tradicionalmente ocu-padas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescin-díveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

1— São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente:

São as terras que os índios sempre moraram e nunca saíram do lugar. Então, como ficam os tekoha de onde vocês saíram há muito tempo? Alguns já fazem 30, 40 ou 50 anos. Isto não importa porque vocês não saíram por sua própria vontade. Saíram porque foram pressionados e enganados pelos brancos, não só fazendeiros, como funcionários do governo, missionários e outros. Mas muitas vezes ocorreu que a família principal do tekoha permaneceu no lugar ou

3.2 O que é Terra Indígena:

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perto, changueando para o próprio fazendeiro. Mas ele não deixava plantar para que vocês não tivessem a condição de ocupantes. Por isso é que os fazendeiros dizem ainda hoje que os índios que estavam em sua propriedade eram em-pregados, peões. Outros dizem que não eram índios, mas paraguaios. Assim, esses índios ficaram sendo conhecidos como “desaldeados”.

2— as utilizadas para suas atividades produtivas:

São as terras que a comunidade usa ou usava para plantar, também para se manter com a caça; coletando mel, frutas, palmito ou remédios e coletando os materiais necessários para construir as casas e outros objetos.

3— as imprescindíveis à preservação dos recursos ambien-tais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua re-produção física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

São as terras que têm riquezas naturais, como:

• matas, rios, cerrados, banhados, campos e tudo que tem dentro: bichos, aves, frutas, palmitos, mel, remédios,

• material para casa ou para artesanato: madeira, takuára, cipó, sapé, palmeira;

• minas de água, lugar para lavar roupas e tomar banho.

Tudo isso deveria ter na terra de vocês porque isso são as condições para se ter bem-estar: viver bem.

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Além disso, esta terra com recursos ambientais deve ser o bastante grande para que os filhos e netos, por muitas gerações futuras possam ter estes mesmos recursos por muito tempo.

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2O. As terras tradicionalmente ocupados pelos índios destinam-se a sua posse per-manente, cabendo-lhes o usufruto exclu-sivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

4O. As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

Essa parte da constituição explica como a terra deve ser usada por vocês. Já falamos que a constituição manda a Funai demarcar e proteger as Terras Indígenas. Demarcar significa separar as terras que são dos índios e as que são dos fazendeiros, porque cada um usa de modo diferente.

A Terra Indígena só pode ser ocupada pelos próprios índios que moram no tekoha. Isto é o que a lei diz: “o usufruto exclusivo das terras”. Então, só vocês podem usar e ocupar o tekoha. E só vocês podem retirar as riquezas que têm em cima da terra.

Para que a Terra Indígena seja ocupada somente pela co-munidade, a constituição manda o governo protegê-la dos

3.3 Como a Terra Indígena deve ser usada de acordo com a Constituição:

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outros que não são índios, protegê-la dos invasores brancos. Os brancos se aproveitam das Terras Indígenas, daquelas já identificadas, de várias maneiras:

• Pegam um pedaço da terra e depois ocupam com lavou-ra ou gado, colocando a cerca mais por dentro da área, algumas vezes até moram neste lugar. Podem também apenas plantar na terra ou retirar riquezas como madeira, bichos ou remédios.

• Usam a terra, seja plantando ou criando animais, gado, mesmo com o consentimento, o acordo, dos próprios índios — como é o caso dos arrendamentos das Terras Indígenas.

Além do governo ter que proteger a Terra Indígena das inva-sões e da exploração dos recursos naturais, deve também proteger de quaisquer tipos de negociações de venda, troca ou outra forma que mude o jeito de ocupação que fora des-tinado aos índios.

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Sempre se fala que o governo ou a Funai deve tomar pro-vidências para o problema da terra. O que são essas provi-dências? Já sabemos que a Constituição manda a Funai:

• Identificar e delimitar,• demarcar e • proteger as Terras Indígenas.

Este é o trabalho da Funai e só ela é responsável em fazê-lo.

O primeiro passo para resolver o problema da terra é a identificação e delimitação do tekoha. Vocês sabem que é uma luta para se conseguir isso: é preciso muitas reuniões, discussões na comunidade e muita pressão lá em Brasília, onde ficam os mburuvicha dos brancos. É um longo cami-nho a percorrer, com muitos passos.

Esse passo é quando o presidente da Funai nomeia e envia um Grupo de Trabalho (GT) de Brasília que chega aqui para fazer o estudo da comunidade e fazer a delimitação da área que vocês estão reivindicando. Essa equipe tem um cabe-çante que é o antropólogo. É ele que vai fazer os kuatia

Identificação e Delimitação de Terra Indígena.4

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e nesses kuatia vocês vão contar toda a história de como ocuparam o tekoha e como os fazendeiros foram chegan-do e, enfim, tomando a terra.

É nessa hora que vocês vão apresentar as provas do seu direito à terra. O direito legítimo, como se diz.

Como prova principal, vocês vão apresentar a comunidade, as pessoas vivas, a comunidade organizada. Os velhos e velhas, como já dissemos, são pessoas mais importantes porque são eles que saberão contar como o grupo vivia no tekoha desde muito tempo atrás. São eles também que sabem dos costumes, das tradições e de muitos fatos que vem ocorrendo desde o tempo de seus avós e bisavós. São eles as provas vivas de ocupação que é chamada “tradicional”. Eles e o conhecimento que têm, a memória e seus descendentes são as provas dessa tradição.

Vejam que tradição não é uma coisa antiga e que já foi, já passou. Não, tradição é uma coisa que vem desde o tempo muito antigo e continua até os dias de hoje. As pessoas nascem, ficam velhas, morrem e nascem outras e os costumes continuam.

E por que os jovens não são também provas importantes dessa continuação como os velhos? Porque na maioria dos casos de terra a ocupação dos tekoha foi impedida porque os fazendeiros expulsaram vocês do lugar. Então os mais jovens não nasceram no tekoha. O que eles sabem é o que

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os pais contaram para eles. Por isso vocês não puderam ter a continuidade da ocupação do tekoha.

A identificação da área de uma Terra Indígena é baseada na história, no modo como vocês ocuparam o tekoha. É como se fossem as provas que a comunidade apresenta para fazer a identificação. Os lugares que usaram para os roçados, casas, os rios e as matas são os marcos para fazer a delimitação da área, que pode ser chamada também de mapa. O mapa é elaborado a partir das linhas de divisa entre a área indígena e as terras dos fazendeiros vizinhos.

Ao mesmo tempo, a equipe vai verificar o que os fazendei-ros construíram dentro da terra para que o governo pague para eles. São as benfeitorias: as “coisas” do fazendeiro. Este levantamento chama-se fundiário.

Então a identificação tem dois tipos de levantamentos:

• antropológico e• fundiário.

O levantamento antropológico é o mais importante porque é o documento, o kuatia, que vai provar que a comunidade existe e que o tekoha é o seu lugar de habitação desde antes do primeiro fazendeiro chegar. Este kuatia vai ter a história da ocupação da terra pela comunidade, contada pelos mais velhos, principalmente, e depois este antropólogo transfor-ma a memória dos velhos em documento verdadeiro. Não é um documento inútil, não é kuatia rei. Neste kuatia vai ter escrito quem são vocês; como vivem; como o fazendeiro chegou e tudo o que aconteceu depois.

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Os mais velhos vão contar sobre os lugares onde cada família construiu a sua casa, onde fez roça, os caminhos que fizeram para um ir na casa do outro; os lugares onde colheu coisas da natureza para comer ou para fazer casas ou obje-tos de uso como o banco, o apyka; o cocho de chicha e outras coisas; onde pegou água e onde tomou banho; onde colocou as trampas monde e ñuha; onde enterrava os seus mortos; e tudo o mais que era importante para a vida da comunidade.

Esses lugares são os marcos de ocupação que, junto com o engenheiro, o antropólogo vai usar para fazer o mapa da área. A área será aquela que a comunidade usou e ocupou, mais um pedaço que é necessário para as famílias de hoje e para as famílias que virão mais tarde, quando a população aumentar. Além disso, o tekoha deverá ter uma reserva ambiental para poder ter sempre as coisas da natureza.

É importante que o tekoha tenha boas condições ambientais, não só agora, como para o futuro. Por exemplo, as cabeceiras dos rios e riachos devem estar dentro do tekoha para que vocês tenham condições e mando sobre elas porque senão o branco vai sujar a água com veneno e outros lixos.

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Este mapa, com as divisas do tekoha e as divisas das fazendas dos brancos é a delimitação da área. Delimitar significa colocar limites; separar a terra dos índios da dos brancos. Antigamente não tinha divisas porque não tinha brancos, não tinha gado.

O levantamento fundiário se faz a partir do que tem em cima da terra feito pelo fazendeiro durante o tempo que ele ocupou o tekoha: pastos, casas, aramados, mangueira, açude. Tudo o que o fazendeiro fez é o que se chama de benfeitorias; é o fazendeiro mba’e. Na maioria das fazendas foram vocês mesmos que trabalharam para construir as benfeitorias.

Então, vemos que o antropológico é o levantamento de como a comunidade ocupou a terra. O levantamento fundiário é aquele sobre como o fazendeiro ocupou a terra e o que ele mandou construir. Este estudo é para achar um jeito para que o tekoha fique conforme as necessidades da comunidade, hoje e no futuro.

Para a delimitação da área é preciso verificar quatro tipos de espaço:

• O espaço de ocupação: são os lugares que as famílias usaram para fazer as suas casas, os caminhos e onde buscaram água, enfim, aonde vocês viviam.

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• O espaço de uso produtivo: são os lugares onde fizeram as suas roças, onde caçaram, pescaram e buscaram mel, palmito, madeira, folhas para cobrir as casas, takuára, remédios e demais plantas.

• Reserva para futuras gerações: para deixar para os filhos e netos; para quando a população aumentar.

• Reserva ambiental: também são reservas que é para garantir que a comunidade tenha uma qualidade de vida boa, porque muitas coisas vêm da natureza. Então, reserva ambiental é a terra que vai garantir os produtos do mato, para que não acabem os bichos; material como por exemplo: madeira para construção, lenha, material para artesanato, mel, remédios e toda a riqueza que a natureza dá e que deve ser suficiente para a comunidade de hoje e para as futuras gerações. Pensando nesta qualidade de vida, o mais importante dos recursos é a água. A preservação desse recurso deve estar dentro do espaço do tekoha para que a comunidade possa preservar para o seu consumo. Em muitas áreas os fazendeiros vizinhos estão jogando veneno, lixo da cidade e de frigoríficos dentro dos rios que a comunidade usa.

Aqui no Mato Grosso do Sul não tem autoridade fiscalizan-do em volta das áreas indígenas. Os vizinhos brancos estão prejudicando as comunidades e ninguém está denunciando isso.

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Terra Indígena é terra de uso da comu-nidade. É de cada pessoa, de cada família que pertence ao grupo, dos parentes e dos descendentes das famílias que lá viveram.

Muitos problemas de identificação ocorreram no passado. Alguns exemplos são:

Jaguary tem apenas 480 ha. Na época em que foi identi-ficada, 1986, o próprio governo fazia pressão para que o tekoha fosse o menor possível, ou que não se identificasse nada para não contrariar os que mandavam na Funai. Então a comunidade não teve quase nada de participação na identificação da área. O antropólogo não deu condições de se eleger uma área que fosse sequer mínima para as suas necessidades. Quando, depois de muita luta, o grupo pode retornar ao tekoha, eles ficaram surpresos que o outro lado do rio não estivesse dentro da área. Eles não compreende-ram como é feita uma identificação e delimitação. Durante o trabalho de identificação eles tampouco puderam falar e expressar o que queriam, o que era o seu direito.

Sukuriy tem também uma área muito pequena: 535 ha. É uma terra que a identificação tomou como limites somente a área que o grupo ocupava no momento do conflito que estava acontecendo. Como a comunidade estava em uma área em litígio, o estudo não seguiu o jeito de ocupação de um tekoha. Ou seja: a área teria que ser delimitada pela ocupação tradicional e não a que o grupo ocupava no momento do conflito com o fazendeiro.

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Cerrito: na identificação, a comunidade também não teve oportunidade de participar da eleição da área. A ocupação tradicional ou imemorial (naquela época) dava-se também na fazenda vizinha. A própria equipe da Funai pressionou para que não se incluísse na identificação.

Outras áreas foram identificadas com participação das comunidades nas decisões, porém, logo depois se viu que eram insuficientes para as necessidades do grupo. Embora se estivesse comprovando que a área de ocupação tradicional era maior, decidiu-se, junto com a comunidade, por uma área mínima, porque, na época, havia uma forte pressão de não aprovar área maior que 2.000 hectares aqui no Mato Grosso do Sul: Jaguapire, Takuaraty, Guasuty, Jarara, e outras.

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Já foi falado sobre esse passo, que é importante para a ga-rantia das terras. As identificações devem ser entendidas como um direito para que vocês possam decidir, conforme o seu jeito, o ava reko de ocupar a terra. E essa ocupa-ção deve ser discutida conforme a lei dos índios e a lei dos brancos. É isto que significa identificar e delimitar Terras Indígenas.

Antigamente não havia como os índios discutirem os seus direitos. A Funai dizia que vocês não eram capazes de saber, por sua própria conta. As informações sobre leis e providên-cias do governo eram poucas e por isso muitas identifica-ções, ou não foram feitas, ou foram mal feitas: Jaguary, Guasuty, Jarara, Sukuriy e muitos outros. Nem a equipe do governo e nem os próprios índios sabiam muito bem como

Alguns temas da justiça que são importantes para vocês.5

5.1 Identificação e delimitação dos tekoha.

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fazer a identificação. A pressão contra as comunidades era muito forte e todos diziam que era melhor garantir um pouco, do que nada. As lideranças mais velhas sabem como isto era discutido e encaminhado para o governo. E agora quase todas as áreas necessitam de nova identificação porque as pessoas já vivem apertadas.

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Vocês sempre têm escutado os karai falarem para esperar mais um pouco que eles vão tomar providências. Toda vez que vocês fazem uma reunião, quando as lideranças vão para Brasília falar com os mburuvicha, sempre estão escutando que as autoridades vão tomar providências, mas que nunca chegam. Para que essas providências não ficassem só na promessa, os próprios karai fizeram outras leis. Colocaram prazos para que os passos para a demarcação fossem cumpridos por todos.

Ocorre que esses prazos de meses acabam virando em anos, em muitos anos. Cada presidente da Funai diz que vai identificar e demarcar tantas terras por ano e nada disso está acontecendo. E mesmo que as identificações sejam feitas, as áreas demarcadas, os fazendeiros continuam na posse das terras. Tudo continua no mesmo.

E quando os índios entram em seus tekoha, que já estão reconhecidas pelo governo federal, os mburuvicha dos karai fazem acordos e novos prazos são feitos para solu-cionar o problema da terra. São os acordos para ficarem em um pedacinho de terra até que a justiça tenha uma decisão final. Assim é que estão as comunidades de Ñande Ru Marangatu, Jatayvary, Arroyo Cora, Sukuriy, Guyra Roka, Takuára e outros. Esses acordos acabam sendo uma

5.2 Os prazos: tempo para o governo tomar providências.

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maneira de os fazendeiros continuarem explorando a terra e, ao mesmo tempo, os índios “ficarem” no tekoha, naquele pedacinho que deixam para vocês.

É isso que está acontecendo no Mato Grosso do Sul: os mburuvicha dos karai vão deixando os problemas para depois, para não enfrentar as pressões. Primeiro vão deixan-do as identificações, depois as demarcações, depois o di-reito de ocupação.

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Tem uma parte na CONSTITUIÇÃO FEDERAL, essa lei maior do Brasil que trata do direito dos índios de poderem entrar na justiça:

Art. 232: Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

Esta parte da Constituição também é muito importante porque os índios todos são reconhecidos como iguais a todos os demais brasileiros diante da lei. Significa que a Funai não é mais o único órgão responsável em representar os índios na justiça. Com esta nova Lei, qualquer índio, qualquer comunidade ou organização indígena pode recla-mar, exigir seus direitos na justiça, podendo também nomear um advogado por conta própria. Pode processar quem quiser que esteja prejudicando os seus interesses, inclusive o governo por não cumprir com o seu dever de garantir os direitos. Por exemplo, não estar cumprindo com as leis sobre as Terras Indígenas.

5.3 O direito do índio de entrar na justiça.

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O Ministério Público tem que estar ao lado dos índios em todos os passos na justiça para defender os interesses das comunidades indígenas. No Ministério Público trabalham os Procuradores que muitos de vocês já conhecem e eles têm sido aliados muito importantes em defender as causas dos índios. São eles que podem falar com os Juízes.

Mas se a Lei diz tudo isso, então por que os direitos indíge-nas não são reconhecidos na prática, nem pelo governo federal e nem pela justiça?

Vocês mesmos sempre falam que os karai gostam de fazer política. Todos vão fazer pressão no governo, porque o go-verno representa os interesses de cada tipo de pessoa. Ricos, pobres, militar, donos de bancos, de supermercados, empregados das fábricas, etc. E o governo faz as coisas para um ou para outro dependendo das pressões que recebe.

Por isso é que os representantes indígenas também vão lá em Brasília para fazer pressão nos mburuvicha: o presiden-te da Funai, o Ministro da Justiça e outras autoridades.

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Depois que a Funai fez a identificação e delimitação da área, o documento é encaminhado ao Ministro da Justiça. Os fazendeiros podem também fazer o seu levantamento e estudo para provar que a terra não é indígena. Contrata um profissional e apresenta também ao Ministro da Justiça. Caso o Ministro esteja convencido das provas da Funai, ele declara a terra como indígena e manda a Funai demarcar.

Os fazendeiros podem não aceitar e, neste caso, vão na justiça reclamar os seus direitos. O juiz que vai decidir sobre o caso, pega os documentos da Funai e do Ministério Público e dos fazendeiros para ver quem tem razão. Se ele ficar na dúvida ele nomeia um perito para estudar o caso novamente. Mais levantamentos, mais kuatia e audiências. Tudo isso leva muitos anos e a comunidade fica esperando pelas decisões que muitas vezes são contra as comunidades. Então os procuradores têm que recorrer contra a decisão do juiz e mais tempo vai ser necessário esperar. Enquanto isso, quem fica com a posse das terras são os fazendeiros e os índios ficam naquele pedacinho, no “chiqueirinho”, como vocês costumam dizer, até que o juiz decida de vez.

Como vocês sabem, os juízes nunca vêm saber como vocês estão passando, como estão vivendo. Eles só olham para os kuatia. Só falam com vocês e os fazendeiros em audiência.

5.4 O processo na justiça.

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Por isso, é importante que os documentos que vão parar na justiça sejam provas boas e válidas dos seus direitos, porque os fazendeiros fazem a mesma coisa: querem provar que a terra é deles. Apresentam documentos como títulos de propriedades, pagamentos de impostos, todo tipo de kuatia. Os índios não têm esses kuatia. Mas têm aquele documento que foi feito na identificação e outros depoimentos e memórias que foram registrados e transfor-mados em documentos.

O problema é que durante essa briga na justiça, que demora muitos anos, são os fazendeiros que estão na posse da terra. E ninguém sabe até quando: 2, 5, 20 anos? Uma comunida-de inteira não pode ficar esperando anos e anos, para po-derem ocupar e usar a terra que é do seu direito. A justiça deve encontrar outro caminho que não sacrifique somente vocês. O espaço que as autoridades estão destinando para as comunidades, nos casos de litígio, é muito pouco. É apenas para dizer que vocês não foram expulsos pela justiça e que estão dentro da terra.

Como a Terra Indígena é patrimônio da União, então o governo tem o dever de defender e conseguir que vocês ocupem o tekoha.

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Este kuatia é um pedaço das muitas conversas e reuniões que nós, Celso e Paz, fizemos com vocês, principalmente os velhos e velhas, durante muitos anos em muitos tekoha. Escolhemos alguns assuntos que achamos mais importantes para que estas informações possam chegar para mais pes-soas, ajudando a compreender o jeito do karai de fazer as leis e lidar com elas e também seu jeito de não fazer ou desobedecer o que mandam essas leis.

Esperamos que este kuatia possa ajudar a recuperar o ter-ritório de vocês, o ava retã, para que os tekoha sejam o lugar de viver de vocês, índios Kaiowá e Guarani.

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Ko kuatiápe ikatu jalee mba’épa iporã jaikuaa hanguã ñande Kaiowá ha Guaranikuéra ñaconsegui jey hanguã ñande yvy. He’i mba’épa iporã jaikuaa ha jajapo va’erã ñande rekoha oñeme’è jey hanguã ñandéve, jaiporu jey hanguã. Omombe’u ñandéve identificação ha demarcação, mba’éichagua oúva umi karaikuéra ohecha hanguã ñande ha mba’éichagua oikuaáta ñande yvyrehegua justiça mburuvicha guasu. Omombe’u avei mávapa oguereko poder, mávapa ipópe opyta oresolve hanguã ñane temikotevè. Omombe’u avei mávapa umi karai mburuvicha guasúva oresolveuka.

Kóa ko kuatia oì parte português ha peteì parte guarani. Upéicha ikatu ñane ramõikuéra ha ñande jaràikuéra oikuaa avei péa pe ñande derecho karai reko rupi. Identificaçãohápe tekotevè ñamba’apo oñondive. Iporã ñande jarài ha ñane ramõi omombe’u ñandéve imandu’a hanguã, oñeme’è jey hanguã ñandéve la jaipotáva. Jajeruréta umi olee kuaáva, olee hanguã péa pe parte guarani tujakuérape, oikuaa iporãmive hanguã ha’ekuéra itrabajorã identificaçãohápe.

Ñe’è Renondegua

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Celso ha Paz he’i: “Ratimaete maymáva avakuérape oroguahè ha omohenda oréve hogakuérape!” Heta ára ha’ekuéra oiko umi tekoha rupi Kaiowá ha Guaranikuéra ndive. Heta mba’e ha’ekuéra ohendu ha heta ñande jaikuaa oñondive.

Oì umi omombe’u hanguã la ñe’è português ore ñe’èpe oréve: Ambrósio Gomes Martins Pueblitokueygua ha João Rodrigues Mbarakaygua. Ha oì umi opytyvõ osè porã hanguã ko kuatia: Maria de Lourdes C. Nelson - Kuña Jeguaka, Elizeu Ribeiro, Marta Maria Azevedo ha Sandra Regina da Silva.

Atima porãite enteropeguarã!

Ponta Porã, junho de 2004

Celso AokiPaz Grünberg

PKGPrograma Kaiowá Guarani

Centro de Trabalho Indigenistawww.trabalhoindigenista.org.br

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Ndoikói va’ekue yma tiempo otro, solo avánte oiko! Ha’ekuéra ojapo kokue, ho’u ka’aguàgui. Ombo’a va’ekue ho’u va’erã so’o: tañykatì, mborevi, guasu, jaicha, akuti sayju, tatutee, pira, piky, guaripi, inambu, teju ...Oguahèramo karai: “Ou karai”, avaete he’i, “ou mbairy, ape oguahè mbairy, mba’épa oipota ou?”Yma ava okyhyje brancogui ha alguno odipara hague.

Iñepyrù, yma, ndahetái va’ekue mbairy. Ha uperire hetave tave ohóvy ha ha’ekuéra oiporuvéma ñandehegui ñande yvy. Ñambohetavémaramo oipe’ave ñandehegui mbairykuéra ñande yvy, oipe’a ohóvy. Mbairy ou mombyràgui oipe’a hanguã orehegui ore yvy. Ou São Paulogui, ou umi Gaucho ha Paraguaigui ou avei. Ko’ãnga oipe’apáma. Omosèmbáma oréve ñande rekohakuégui. Ojohupa ñande rekoha yvy.

Heta opyta ava fazendape omba’apo hanguã. Antigamente fazendeiro ndoitài ka’aguy, kokuénte ojapo,

Mba’éichapa ñande jahasa mbairy oguahèrõguare ko’ãngapeve

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noñotÿi pasto guyteri. Ha upéi ha’ekuéra ndojapovéima kokue, oitypáma ka’aguy ha oñotÿma kapi’i vakapeguarã. Ojohupáramo mbairykuéra, oitypa ñandehegui ñande rekoha ka’aguy. Ñande jey ñachanga ichupekuéra oityuka ñandéve ka’aguy. Ko’ãy opáma ñande ka’aguy.

Karaikuéra ogueru tembi’u omba’apo hanguã ojeupe. Ogueru oréve rembi’urãme locro, feijão. Upéa ava ogana omba’apo hanguã ichupekuéra. Ogueru charce, juky, sapy’ánte vaka ñandy va’ekue. Ha’ekuéra ogueru avei olla ha ao. Ome’è machete ha foice okopi hanguã ojeupe ka’aguy; hacha oity hanguã yvyra ha asada oka’api hanguã. Umía ogueru ñepyrù. Karai ogueru avei imboka va’ekue ha sapy’ánte ogueru caña.

Ndajaikuaáigui okopiuka ka’aguy sapy’ánte ñande iporã jahecha. Ndajaikuaái ñande perjudica hanguã mbairy. Ndajaikuaái vointe mbairykuéra ojapo vaíta ñanderehe. Ko’ãnga rupi jaikuaáma mba’épa ojapo hague mbairy. Oitypa va’ekue ñandehegui ka’aguy. Opyta nandi, ndajarekovéi kokue, opa ñande pohã ka’aguy.

Oike va’ekue fazendeiro, ha’e ohóma idocumenta, oguenohèma documento. Gobierno ome’è ichupe documento, ko yvyrehegua kuatia ha fazendeiro ojoguáma ifazendarã. Oconseguíma yvyrehegua kuatia, ko documento mbarete tuicháva. Entonces, ojoguáma ha oguenohèmba hekógui. Entero parte oiko

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upéicha. Gobierno ovende ohóvo, ava reheve ovende yvy. Otro fazendeiro ojogua jey ha omosè ava. Ko’ãnga odocumentapáma gobierno. Ndajaikuaái cuanto hektárea gobierno ovende.

Ko tiempope karai onohèmba ifazenda, ogueraha ava omboaty ichupekuéra. Upépe oipe’a jey ha ogueraha jey ichupekuéra otro rendápe. Ha upéi otro fazendeiro ou, onohè oguerova. Ha upéi otro ou oguerova jey. Sapy’ánte gobierno ome’è avápe pedazo, “aldeia” he’i. Yma nunca ndaipóri hague aldeia. Heta ava oho otro hendápe por no omano, heta odipara karaígui.“Ojukáta oréve,” he’i hikuái.

Peteì tujáva omombe’u va’ekue ñandéve:

“Primero ouramõguare karai,” he’i, “ava noñemongetái karai ndive va’ekue. Oñemongeta péicha ko sinalpe. Entonces, karai ome’è araka’e solo trabajo. Pe tiempope karaikuéra, ha’ekuéra oho pindónte araka’e. Ava oguereko voínte kokue, entonces karai nome’èi ichupekuéra ho’u va’erã, nome’èi ichupekuéra plata. Solo ome’è trabajo ichupekuéra.

Ha oiko araka’e hérava capataz, oguereko ha’ekuéra siempre revolver, mboka mbykàva ha ipukúva. Ha oguereko machete ha renke, upéa oguereko oinupã hanguã gente. Hasàramõ, ndohoséiramo omba’apo,

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capataz oho oinupã. Ha oho omba’apo ha umi ndoguantáiva ojuka. Ojapi ha oity upépe voi, ka’aguàpe voi. Upéa oikova’ekue yma. Hasàva nopoihanõi, solo ojukánte. Upérupi ava hetaeterei omano. Ndaha’éi hasàgui ndoguantái omba’apo hanguã, sino ojukánte, ojapi ha oity.

Ha upéi karai ovende yvyra. Ha ovendéma yvyra, ovendepáramo ka’aguàre ouvéma karai ha ovende fazenda otrope. Ndaha’éi ipariente, ouve mante karai. Ha ovende katu onohèma ha’ekuéra:‘Tereho! Terehóke ko’águi!” he’i, “che mba’éma!’Omosèmba araka’e avakuérape. Entonces, upéa rupi, heta la cementerio cualquier partepe. Nde reho cementerio meme porque karai heta ojuka ava ka’aguàre.

Upéi ouve ouve karai, hetavéma hikuái. Ha ava ndohoséi katu omba’apohápe oinupã ha’e. Hetáma omba’apo ava ha hetami ogana. Opagarire ha osèramo tapére jagunço osegui ha ojuka, familia completo ojuka. Upéicha ojapo hague karai por noike opaga. Ko tiempope, ñandekuéra ava va’e heta okyhyje karaígui. Heta año ñamba’apo ha upéi omosè ñandéve.”

Ava heta opyta fazendape. Entonces, por no ikomoda fazendeiro, gobierno ome’è avápe ijaldeiarã, ome’è ichupe peteì kolokasõ, onohè omboaty upépe. Karai ogueraha avápe ijaldeiarãpe, por no ikomoda va’erã fazendeiro.

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Gobierno voi ome’èuka, gobierno ou medi hanguã, jajekoloka hanguã ava. Odemarca, ou ingeniero omedi hanguã mbovy hektárea ome’èta. Upépe omboatàta avakuéra. Upéicha ojapo gobierno. Ome’è Puerto Lindo, Pirajuy, Ramada, Amambái, Dourados, umía ome’è. Omboaty karaikuéra avápe upépe. Ome’è haguépe oiko ava ombyaty.

Upéa tiempo ndaipóri misão guyteri, uperirénte oiko. Umi crenterã ymaguare ndaipóri araka’e. Nda’áréi oiko misão. Misão rirénte ava oiko crente.

Ha upe aldeia oñeme’è hague gobierno pya’e omboatànte ha henyhèmba. Ha upéi fazendeiro nome’èvéi itrabajo. Único osè hanguã fazendape solo takuare’èndàpe mante. Solo upéa oì ñamba’apo hanguã, ñachanga hanguã. Fazendeiro nome’èvéi changa. Usinahápe solo oho kuimba’énte, ifamilia opyta. Upéa oñepyrù hague 1983, oñepyrù ava omba’apo takuare’èndàpe.

Ko’ãy ava retãme oì vaka retã mante ha sojaty, upéante oì ava retãme. Tekoha, upéa ñande rekoha yvy, opyta ko’ãy fazendeiro pópe. Ñane mba’ekue jaipota jey, solo upéa. Henyhèmbáma aldeia, heta la mitã, henyhè michi ohóvo aldeia.

Ko tiempo, oìramo fazenda, oì avei umi ava, ha’ekuéra ndohoséi aldeiape. Ndohoséi ha oiko upépe, ochanga

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mimi, upéicha oiko. Heta guyteri oì upéichagua. Entonces, fazendeiro cada vez ijargelvéa ha iñañáva. Cada vez oñekambia fazendeiro ijargelvéa, iñañave ha ipochy. Nañande jojáigui ipochy. Ha’ekuéra ou ha ogana ifazenda ñande rekoha. Ñande yvy oganapa. Entonces, ore ava ropyta reipáma, ore yvy’ÿre. Ha entonces mba’épa jajapóta? Ko’ãnga jajerure jey ñande yvàre!

Ko’ãnga rupi, upéa causa, upe tekoháre oì familiakuéra, oì gentekuéra ohose jeàva hekohápe. Ha entonces, oì umi fazendeiro ojohu vai aváre ohose jeàva heko haguépe; jarài ha ramõi heko haguépe. Upéagui umi fazendeirokuéra ipochy aváre. Entonces, tekotevè umi mburuvichakuéra ava va’e ha karai va’e ohecha upéa.

Itiempo ou umi karaikuéra mburuvicha, umi karai mombyrygua ha ohecha mba’épa la fazendeiro ojapo ñanderehekuéra, mba’éicha jaiko ko’árupi. Ndajaiko porãvéima, por causa karaikuéra ha ndaiporivéima ore lugar. Entonces tekotevè ore rekohakuére oñemedi jey hanguã, ikatu hanguãicha javy’a ñande familiakuéra reheve. Upéa mburuvichakuéra tekotevè ohecha ha oikuaa va’erã.

Oìma ko’ãnga umi tekoha ore ogana hague: Rancho Jakare, Guaimbe, Takuaraty (Paraguasu), Jaguapire, Pirakua, Siete Cerro, Guasuty, Jarara, Sukuriy. Icierto, umíante oñeme’è jey.

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Ko’ãnga oì heta gente oguerreáva teko haguére, oipota jevàva oho hanguã ifamiliare. Oganase jey heko haguépe. Jaguerrea jevy jevy ñande reko haguépe, ikatu hanguãicha ñañetranquilisa jey ymaguaréicha enterovéva familia ndive, ñande gentekuéra ndive. Omba’apo jey hanguã ha ipy’a guapy jey hanguã. Ñande ko’ãnga rupi jaheka heta lado mba’éichapa jajapóta oñeme’è jey hanguã ñandéve ñande reko hague, ñane ramõi ha ñande jarài oiporu hague. Ñande jaiko jey hanguã upépe.

Branco iletrado, branco oikuaapa ko asunto yvyrehegua ha ava sapy’ánte ndoikuaa porãi guyteri. Tekotevè ñaluta, ñaikotevè ñande pensa mba’éichapa jajapóta ñande familia ha ñane remiarirõpeguarã.

Entonces ñande, pe ñande rekohápe, aje, jaikuaa moópa ñande ru, ñane ramõi rogakuéra va’ekue. Jaikuaapa moõpa oì ore ru ikokue va’ekue; moõpa ha’e oho pira pói ha piky pói; moõpa ojapo monde ha moõpa ñande jarài ojohéi ao. Jaikuaa mba’éichagua fazendeiro omosè ñandéve, entonces umía jaikuaapa. Solo ndajaikuaái mbovàpa oì la gente. Yma ndajecontái, solo ñande reta jaikuaa. Ko’ãnga rupi ñane hi’ãnte, ñande jaheka peteì lado oñeme’e jey ñande ñande reko hague, ikatu hanguãicha ñande jaiko jey upépe. Oñeme’è jey ñane mba’ekue rekoha.

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Pe ñande rekohágui ñasè hanguã va’ekue, ndaha’éi ñane ñasèségui. Oì peteì ñane mosè upégui, ñande ru, ñane ramõi onase haguépy. Ndaha’éi igústore ñande jaheja ñande rekoha. Otiempo karai ou hague, ndajaikuaái hague karaikuéra ojopàta ñandéve ha oipe’átaha ñande rekoha. Ndajaikuaái hague karai ñe’è yma, ndajaikuaái mba’ehápa ou. Entonces, upérupi ou karai ñande jopy, ñande juka, ñande mbokyhyjepa ha ñane mosarambipa. Ñande ava ndaikatúi ñorairõ fazendeiro ndive, ñande ndajarekói mba’eve.

Ko’ãnga rupi ñande jaikuaáma mba’épa la ñande direito.

Entonces, jaikuaa rupi mba’épa rupi ñande direito. Jaikuaa rupi avei, mba’épa la mburuvichakuéra ha mba’éichagua jajapo hanguãicha ichupe. Ikatu la karai mburuvicha ohecha ñane mba’e jajeruréva ha ohecha hanguã ñandéve avei, ikatu hanguãicha oikuaa mburuvicha guasu ome’è jevy hanguã ñane mba’éva.

Ko’ãnga rupi oì la karai reko, heta mba’e oì:

• oì lei,• oì política,• oì documento, ko kuatia mbarete tuicháva,• oì kuatia.

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Yma umía ñande ndajaikuaái, porque ndaha’éi ñane mba’e. Entonces, ndaha’éiva ñane mba’égui ndajaikuaái upéa. Upéa ko uso ko’ãngaguáma, ko’ãnga ojeporúva. Upégui, péa cosa yma oréve iñepytù. Pero oì upéicha ñaheka peteì mburuvicháta mante ñamohesakã va’erã ñandéve. Sapy’ánte oì capitão pyahúva oikuaáma.

Oì umi ava ombo’e kuatiáre, umía oguerekóma conocimiento. Oikuaáma kuatia rupi, oguerekóma derecho odiscuti, ojopy ñande derechope. Yma ni escuela ndajehechái, ndoikói va’ekue escuela. Solo ñane mba’e jeroky, guachire ha ñembo’e. Upéante ore roguereko, upéa ava reko.

Ha pe karai ou rire oìma heta mba’e. Primera cosa ojeporu oì documento, ojeporu política, ojeporu escuela. Ava ra’ykuéra oikéma escuelape. Oguerova ava reko, omisturáma ava reko ha karai reko. Alguno oñe’èma portugespe. Karai ova ava reko, oipe’a mimi heko, upéicha ko’ãnga jaha.

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Ko’ãnga, ñande hína, upéape jaha. Ore roikuaáma ore derecho ha karai oguereko iderecho avei, mokõi ladope jaha. Mokõivénte oguereko derecho. Solo umi branco ore jode, ha’ekuéra olee ha imbaretevéa ha ñande ava hetami ndoleéi. Ko’ãnga roikemíma branco rekópe, ja’entendéma.

Ko’ãnga rupi pe ñande yvy jaipota jey oì karai pópe. Ha’ekuéra ojapo peteì lei ha oguereko imba’e kuatiáre ha ore mba’e ikuatiáre avei. Entonces, ñande direito ha’ekuéra oguereko ipópe.

Karaikuéra heta lei ojapo, ha’ekuéra ikatu hanguãicha ojeresolve ichupekuéra. Heta pensamiento ojapo. Ha’ekuéra ilei rupi ojeresolvéramo, ha’ekuéra mokõivéva oì contento.

Pero siempre, ha’ekuéra heta lei ojapo. Ndopái lei, brancope ndopái lei. Siempre alguno ndobedecéi la

Ava reko ha karai reko2

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lei, nomboetéi la lei. Alguno ndorespetáigui ha alguno mbaretépe, o sea ojaposénte. Upéa causa sapy’ánte ojejapo peteì lei ha ha’ekuéra ou ndorespetái, ndoseguíri, ojaposénte. Upéa la oñaconteseetereíva ko’ápe Mato Grossope. Heta karai ndogueroviái la lei. Heta oiko mba’e vaíva, mbarete rupi oiko.

Oì hína ko’ãnga lei ha’ekuéra he’íva ojeresolve hanguã. Peteì lei tuicháva ojapo hague. Orespetarõ, ojeresolve hanguã oréve problema. Peteì lei oresolve hanguã problema avápe ha karaípe. Pe lei oì entero brasileiropeguarã.

1988, péicha año temime’è ko lei tuicháva hérava Constituição Federal.

Ko lei omboete avei ava reko. Entonces, ore roha’arõ pe lei rupi ojeresolve oréve. Iporã ñande jaikuaa ko lei tuicháva. Ko’ãnga oì ñandekuéra oguerreáva ocumpli hanguã pe lei, oì ko’ãnga rupi oguerreaséva. Ñakonsegui hanguã ñande yvy kotevè ñapensa, ha’e peteì ñañomongeta, ñande organisa, ñaime junto peteì py’ápe, peteì ñe’ème. Upéicha jaguerekóta fuerza, ñane mbarete.

Branco, aje, ha’e oiporuse hetaeterei kuatia ha documento ojeupe oresolve hanguã ichupe la ipotáva. Entonces, ñande upéichagua ñatantea avei, jajopy

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ichupe oresolve hanguã. Ko’ãnga rupi ñande pe ha’ekuéra ojapoháicha jaha. Jajopy, ñane mba’e jaipotáva oñeme’è hanguãicha jey ñandéve. Ko’ãnga rire ñande péape jaháta. Jaiporútama avei kuatia ha documento, péa pe lei jaiporu hanguã. Porque la yvy ñane mba’eha voi.

Umi karai oguahèrõguare ñande resolve hague enterovete. Jaresolve hague enteroete ñande, porque la yvy ñane mba’eha voi.

Yma sapy’ánte ore rova otro rekohápe, ore roho otro rendápe, enterove ore lugar voi. Sapy’ánte omano charài, chamõi; entonces ifamilia otopa sa’i. Ndovy’avéigui osè hekohágui, oheka otro lugar opyta jey hanguã upépe. Por causa opa ichugui igentekuéra, upéagui alguno osè. Siempre oho otro rendápe, upéa oheka otro lugar tekoha. Sapy’ánte oì mba’asy, entonces alguno ohecha otro lugarpe avei. Mba’asàgui ha’ekuéra ova avei. Otro lugarpe ha’ekuéra hesãi, ovy’a jey ha ifamiliakuéra okakuaapa jey. Ñane ñasè ate jatopa jevy yvy porã ñañemitÿ hanguã, y porã ha ka’aguy porã. Ndajahái mombyry ñande gentekuéragui va’ekue, jaha hague javisita farrahápe - jajopohu.

Ko’ãnga ndikatuvéi ore rosè. Ndikatuvéi otro rendápe roho porque karai ndogustái, ijagarrapáma ore yvàre. Ate ko’ãngapeve fazendeiro oiporu ñande yvy, oity

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ka’aguy, oñotÿ kapi’i , oñotÿ soja ha omosarambi veneno. Ndaiporivéi ñande marisca, ndaiporivéi ñande pesca, ni eira, ni pohã ndajarekovéi. Opa pohã ka’aguy.

Heta veces umi fazendeiro ni ore mba’épe ndohejái ore rohasa, ko’ãngapeve ojopyve. Heta veces ñane mba’épe ñane japyrù kuri ha lo mismo nañande mbohasái. Ko’ãnga ko fazendeiro imbareteve, oguerekove recurso ha hetave avei. Heta oguereko máquina, policiakuéra, hetaeterei oguereko arma ha ogueru mba’asy pyahu.

Ko’ãnga rupi ñande ndikatúi ñangareko ñane mba’érente, sino ñacuida branco mba’ére avei - ñangareko mokõive rehe. Ko’ãnga rupi ñande jaikuaa mba’éicha rupi ojejapo va’erã karaikuéra LEI, karai JUSTIÇA ha karai GOVERNO. Mba’épa ha’ekuéra itrabajo, jaikuaáma upéa. Tekotevè cada uno ñande jaikuaa ichupe mba’épa ha’e oguereko itrabajo. Oì la responsable oresolve hanguã ha cada uno oguereko ko jepotáva.

GOVERNO FEDERAL itrabajo ha’e oguerekove hína yvyrehegua:

• ha'e Funai• ha Ministerio da Justiça.

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Mokõi la importantevéa. Mokõi’ÿre ndaipóri caso, mbavavéape nosèi. Péa ha’e ojapo hanguã identificação ha uperire odemarcauka. Funai presidente, imburuvicháva ha Ministro da Justiça mbruruvicha avei. Ha’e mante asina va’erã osè hanguã documento, pe kuatia mbarete tuicháva ñande yvyrehegua. Péa la ha’e mante oresolve, ha’e ojapo kuatia guasu mbarete oreconoce hanguã ñande yvy. Péa la ha’e oresolve.

Funai upearã ha’e oì:

• oresolve hanguã upe problema yvyrehegua,• ojapo hanguã identificação,• odemarca,• oñatende hanguã oréve ha• oñatende hanguã avei ohóva ijyvàpe.

Lei heta oì, aje, ha umi lei tuichavéa Constituição Federal. Koa ko lei tuicháva iporãvéva. Ikatu ovaléva enteropeguarã, enterovéa odefende, omo’ã ha ñaikotevè enterovéa orespeta, omboete va’erã ichupe.

Umi lei ojapóva: deputado ha senador. Upéa jahenõi: “Congresso”, ha’ekuéra político hína.

Justiça ha’e: juizkuéra ha procurador. Ha’e oì ohecha hanguã péa pe leipe oìva ojapo hanguã ha mboaje hanguã.

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Político, ha’ekuéra ojapo lei.La lei atendéva oì otro jey: péa juiz ha procuradorkuéra.

Ko’ãnga jahecháta mba’épa cada uno itrabajo, mba’éichagua ha’ekuéra ojapóta ñame’è jey hanguã ñande yvy, porque ha’e oguereko ipópe ome’è jey hanguã.

Primer paso ha’e Funai ojapo hanguã identificação peteì rekoháre. Ha’ekuéra ojapo estudo, ojapo levantamento ha omoì ñane mandu’áva kuatiáre, oikuaa hanguã branco mburuvichakuéra pe ñande reko hague avei.

Upérupi ikatu japroba ante umi fazendeiro ouramoguare ñande jaikovéma ñande rekoháre.

Mayor parte jahecha hanguã upéa tekotevè ha’e guaiguì ha tujáva imandu’aha. Ha’e mante oikuaa umi tiempo karai ou ha oike hague. Upéicharamõ branco mburuvicha oikuaáta mba’éicha rupi ñande jaikove hague ñande rekoháre. Otro mba’e ha’ekuéra oikuaa hanguã:

• moõpa jaikove hague,• moõpa ñamba’apo hague kokuépe,• moõpa oì la cementerio,• moõpa oime hague ñù ha ka’aguy araka’e ha• mba'éicha héra la y ha cada lugar.• Ha'e omoìta avei entero la gentekuéra upepegua réra,

entero ñande familia réra kuatiáre.

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Identificaçãohápe karai ohechase ha oikuaase mimi umi gente pe tekohayguáre. Ha’ekuéra oikuaase:

• ñande reko,• ñande reko ymaguare,• mba'éichapa ñande jajapo hague kokue,• mba'éichagua ñande jaiporu hague ko tekohápe.

Ko identificação ndaha’éi mba’éichagua jaiporu hague ñande rekoha mante. Ndaha’éi ko’ãngapeve mante. Ñande derecho osènta peteì parte ñane ñaikotevè va’e ãngante. Tekotevè ñande pensa mba’éichapa ojeresolve hanguã ñande familia ha ñande nietopeguarã. Tekotevè peteì lugar tuicháva retirado avei jajekoloka hanguã ñande familia, ñane remiarirõnguéra heta, mombyry mbyry jaha hanguã.

Governo ha juiz ikatu oì fazendeiro favorpe ha ikatu oì ñande favorpe avei. Upégui tekotevè jagerrea ocumpli va’erã ha’ekuéra ñanendive ñande derecho.

Identificaçãohápe iporã umi oikuaa porã va’e omombe’u ichupekuéra oguerovia hanguã. Entonces, ha’ekuéra ogueroviáta porã ha upéi rupi gobierno ogueroviáta avei. Iporã ñamombe’u porã ichupekuéra, tranquilo. Ñamombe’u cierto, derechoete oguerovia porã hanguã mburuvicha guasu. Oguerovia porã hanguã ha’ekuéra ojapóta peteì documento, peteì kuatia tuicha mbaretéva,

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aproba porã ñande favorpeguarã. Namombe’u porãirõ ndoguerovia mo’ãi. Ipeligro ñane mba’e opytáta fazendeiro mba’e.

Ñande ngo, nañande japúi, ndaha’éi jaipe’ase fazenda. Ñande ndajaipe’a mo’ãi fazenda. Ñande ñande reko haguénte mante jaipota. Ñande ndajaipotái fazenda, ñande jaipota mante ñande yvy. Ñande jarài ha ñane ramõi onase hague, upépe jaipota jey.

Heta oì la karai mburuvichakuéra. Ha’ekuéra ndaha’éi peteìnte mante oresolve hanguã. Oúta antropólogo, engenheiro, agrônomo. Oì presidente da Funai ha oì juizkuéra. Ha’ekuéra ojapo va’erã peteì kuatia tuicha mbarete oñeme’è jey hanguã ñane mba’e. Entonces, upéa ko’ãnga rupi jaikuaáma. Otro jeito ndaipóri. Entonces, ome’è jey va’erã ñandéve ñande yvy ha’ekuéra mante va’erã. Ha’ekuéra mante ohecha ñandéve ha ome’è jey pe ha’e ñande kakuaa hague. Karai mburuvicha’ÿre nome’èvéima oréve.

Entonces, ñande ngo, ñane tekotevè ñaimeve peteì ñembyatyve va’erã, ñaime peteì ñemongetápe, peteì py’ápe, peteì ñe’èpe - ñaime unido.

Ko’ãnga ñande ndajaconseguivéi ñande jaha ñande rekópe mante, ndikatuvéi ñaconsegui upéicha rupi mante. Upéicha jaiko ko’ãnga. Ndaiporivéi upéichagua

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jaha va’erã ñande rekohape. Ko’ãnga rupi ñane ñaikotevè umi persona ñane pytyvõva jahecha hanguã umi mba’e tekotevèva. Ñaikotevè ou avei umi karai ore rohecha ha roikuaa va’erã.

Entonces, alguno oike ha oho jeàma ijyvàpe. Hetaeterei guyteri oì ojeresolve va’erã ijyvypeguarã. Ndaha’éi umía oresolvepa hanguã oñeme’è jey va’erã tekoha. Hetaeterei upégui oì jey hanguã. Ñane ñaikotevè hetaeterei mba’e pe parte umi mburuvicha guasukuéragui.

Ndojapói gyteri’ÿre kuatia ñande yvyrehegua, hetaeterei peligro oì ñandeveguarã. Hetaeterei fazendeiro oguereko jagunço. Entonces, ojapórõ karai mburuvicha pe documento, ko kuatia tuicha mbaretéva, ha’e ipoderpe ñande defende hanguã. Juiz, ate governo, odefendéta ñandéve ko documento osè rire. Ate policia oñangareko va’erã ñanderehe. Osèmboyve documento ndaipóri ou va’erã alguna segurança oréve.

Oì la mburuvicha ha’e ñande favorpe ha oì ojapo hína ñande contra avei. Pe mburuvicha ñane pytyvõvéva, upéa la procurador. Iporã upéa procurador ojapóva. Ha’e ocontrola hanguã mba’épa umi mburuvicha karaíva ojapóva, mba’épa itrabajokuéra - ojapo porãtapa tera ojapo vaíva. Ifaltave va’e ñandéve pe oìva hína ojagarra la lei Entonces ikatu jaheka procurador. Entonces, ha’e ojapouka otro jey, upe ñande jaipotáva osè hanguã.

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Ñane mburuvicha ñane mba’e Funai voi hína. Ikatu avei ñande oprocura procurador ñande ohecha va’erã. Importante oréve peteì procurador porque ha’e ikatu oikuaa mba’épa ore roikotevèva. Iporã jaikuaa umi mburuvichakuéra oìha ñamongeta ichupekuéra. Ikatu jaikuaa mba’éichapa ñande direito. Porque mburuvichakuéra, cada uno oguereko itrabajo separado.

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Oì ko lei tuichavéa ojapo karai ñandéve ha ojoupekuérapeguarã, enterove va’e Brasilpe. Ko leipe oì peteì parte entero índio Brasilpeguarã. Heta oì índio Brasilpe. Oì Guarani ha Kaiowá, oì Terena, Xavante, Kaiapó ha hetave tave oì. Ñande ngo ñaime ko’ápe Mato Grosso do Sulpe.

Capítulo VIII: DOS ÍNDIOS

231: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Constituição Federal, ko lei tuichavéa Brasilpe3

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1O. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

2O. As terras tradicionalmente ocupados pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

4O. As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

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231: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Ko lei he’i omboetéva:

• ava reko,• ava ñe’è,• teko marangatu,• ha teko ymaguare.

Entonces, ore reko, ore ñe’è, ore reko marangatu ha ore reko ymaguare omboete etereíva ko lei. Ñane mboete etereígui ko lei, pe tiempo ñande jaiporu hague ñande rekoha atykue orespeta avei. Upéa ñande derecho voi.

União, ko gobierno ideber oñeme’è jevy ñandéve ñande rekoha. Omedi ha odemarca jey hanguã ñande reko hague jaijeporu jey hanguã. União ideber avei omedi rire

3.1 Tenonderã ko leipe he’i upéicha

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oñengareko hanguã ñande rekoha yvy ha omboeteuka hanguã ñandéve ha ñane mba’ekuéra.

1- organização social, costumes, línguas, crenças e tradições:

1- ñande reko, ñane ñe’è, ñande reko marangatu ha ñande reko ymaguare:

Upéa he’ise:

• Pe ñande reko oì forma ñande jaikove hanguã oñondive: ñane ñamenda, ñañemoirù; ñande reko joja; mba’éichagua ñande jaiko ñande rapicha ha ñande vecino ndive avei.

• Mba'éichagua ñane mburuvicha itrabajo, mba’éichagua oì va’erã ñane marãndyta mburuvicharã - ñande capitãorã. Ñane ñaha’arõ mba’épa ojapo va’erã ñandéve ñande ruvicha. Capitão ha’e oñatende avei umi forapegua: Funai, Funasa ha usina.

• Mba'éichagua ñane ñamba’apo kuimba’ekuéra ha kuñakuéra avei, cada uno año, tera ñande familiakuéra ndive. Ikatu avei oìta puchirõ - mba’e pepy.

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• Mba'éichagua jajeporahéi, jeroky ha ñembo’e. Ñane ñepyrù jerure hesãi hanguã rehe, ñahenõi teko jarakuéra ohovasa enterovepeguarã. Mba’éichagua oporahéiva omoì peteì yvyra’ija. Ha’e ohecha avei ijyvyra’ijarã.

• Mba'éichagua itúva ombo’e ita’àrare, ombo’e ohóvo. Isy oñe’è avei. Osegui isy ha itúva reko yvypóra porã oho hanguã.

Ñande jajapo hague opaite ñande reko haicha. Jaikuaa jajapo ñande rogarã ha ñande kokuerã, upéicha jaha va’ekue. Ko’ãnga jagarráma otro reko. Ko’ãnga, por causa ou karai, ñacambia avei. Ñande reko siempre jaiporu, pero karai oipota ñande estuda. Ñande ra’y ha rajykuéra ohóma escuelape. Michì jaiporu karai reko, pero ndaikatúi javaete ñande reko. Mokõivénte mante ko’ãnga jaha.

Entonces, umi brancokuéra lei he’i ñande jaguereko direito ñaime hanguã. Ñande cambiase ikatu avei. Alguno ocambiamíma heko, oguerekóma otro jeito, ikatu icrente hína. Ñande tuja mante nome’èi ñacambiapa. Ndaikatúi jajerova karaikuéra reko rupi. Karai reko amboae. Ikatu alguna palabra português ñantende hanguã.

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Ñande derecho voi ñane ñaime ñande reko rupi. Javaséramo otro reko rupi ñande derecho avei.

2- os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam:

Ñande derecho ñande yvyreheguáva, upéa la importantevéa.

Ko rekohakuéra voi entero avágui. Jaikuaa voi entero ava mba’éichagua oikove hague. Uperire mante ou karai. Ko tiempo karai ou mboyve ñane ñaimeve ñande rekohápe. Ko’ãnga ñande derecho jaha jey hanguã upépe. Ñande “originario” ko retãme. Originario he’ise moõpa ñande jarài ha ñane ramõikuéra oiko hague ymaguive. Karai ndaha’éi originario ko’ápe porque ha’e ou otro tetãgui. Mombyràgui ou ñane retãme.

Upe jaiporu hague, aje, ñande yvy, jaiporu jey hanguã ñande direito. Ñane ramõi ha ñande jaràikuéra oikuaa, ha’ekuéra omandu’a porã ñande reko ypy hague - umi karaikuéra oguahèramoguare. Ha’e oikuaa avei mba’éichapa fazendeiro ñandéve ñane omosèmoguare. Entonces ha’ekuéra omombe’úta imemoria karaípe. Identificaçãohápe karai omoì hanguã ko memoria kuatiáre.

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Juiz oleéramo ko tujakuéra ha guaiguìkuéra imandu’a va’e ha ojeroviáramo, ojapóta imemoriagui peteì documento ete, peteì kuatia tuicha mbaretéva. Ñande yvyrehegua kuatia ojapo va’erã. Sapy’ánte jarài ha chamõi imandu’a va’e teko hague imbareteve fazendeiro ititulo de propiedadegui.

Upégui la ñande jarài ha ñane ramõi iñe’èngue importante hína. Iñe’ènguégui ikatu juiz ojapo peteì kuatia ñande reko haguereheguáva.

3- à União deve demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens:

Ko lei he’i gobierno tome’è jey hanguã ñandéve ñande reko hague. Gobierno omondo demarca hanguã ñandéve ñande yvy. Peteì oñeme’è jey hanguã ñande la ñande yvy oì Funai, upeguarã oì Funai. Ha’e ohecha voi entero índiorerekua.

Ate ko’ãngapeve ne’ìra oñedemarca va’ekue. Heta ñaha’arõma, heta omanóma umi gente yma, opama ohóvo. Ne’ìra nunca nomombe’úi ni nome’èi jey ñandéve ñande yvy. Porque aje, karaikuéra ocumpli hanguã lei ko hasàva ha hasy ñandekuérape. Ha’ekuéra ojapo va’ekue lei, upérupi ñande reraha, entonces upérupi jahasa. Hetaeterei oì ojapo lei, upérupi hasy ñandéve oresolve hanguã ko ñandereheguáva.

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Tekotevè ñane ñañomongetave va’erã, ikatu hanguãicha ñaime py’a guapàpe. Iporã ñapyta peteì ñe’ème - upéicha rupi ñapyta py’a guapàpe. Iporã ñañemongeta por noike ñaime vai oñondive ha por noike ñaime vai karaikuéra ndive - umi omba’apóva ñanendive. Ñaime hanguã peteì py’apepa.

Tekotevè ñane ñañomongetave avei, por noike karaikuéra ocumpli hanguã hendivekuéra mante, sino ha’ekuéra ocumpli ñandéve avei. Ojapo va’erã ha’ekuéra itrabajo hekopeguáva, añeteguáva, ha’ekuéra ilei rupi.

Oì la karaikuéra ñane omba’apóva ñanderehekuéra. Entonces, oì ko Funai Brasiliape, oì procurador, aje. Hesekuéra mante jaikóta, jaiporandúta, jajeruréta ichupekuéra. Umi ñaikotevè jaikuaa. Ha’ekuéra ohecha ñandéve.

Oì upéa: sapy’ánte oìta identificação mbegue katu, tera ha’ekuéra oñedemarca mbegueterei; entonces iporã oìta peteì journalista ojapóva kuatia, ohasáva televisão ha radio - umía oìva - ikatu hanguãicha oikuaa Brasil entero ha mundo entero ñane mba’eha. Sapy’ánte ou journalista ojapóva fazendeiro lado mante. Entonces ñaikotevè ojapóta ñande lado avei. Ndikatúi fazendeiro ojapónte mante la cosa Iporã mundo entero ohecha hína mba’épa la acontesevéva. Omboete hanguã ñandéve avei.

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Ko leipe he’i upéicha:

1O. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

1- São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente:

Pe tekoha yvy, péa ñande jaiporu hague memete yma tiempope, pe teko haguépe jaiporu va’ekue - upéa ñande direito voi karai leipe.

Yma tiempope, ñande antiguo, ha’ekuéra nosèi voínte hekohágui. Sapy’ánte oìme peteì arroyo costape treinta, cuarenta año. Ndohejái ko lugar. Sapy’ánte ovase avei. Siempre ñande y costare - y rembe’àre jaime.

3.2 Mba’éichagua karai lei omboete ñande yvy

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Upéi fazendeiro ha umi otro karaikuéra omosè ñandéve, omosè ñandéve ñane ramõi ha ñande jarài rekohágui. Hetaeterei oheja reko hague, ha’ekuéra ndoikuaái fazendeiro causagui ndikatuvéi oho jey va’erã hekohápe. Sapy’ánte umi fazendeiro ombyatypa hikuái. Ni trabajo nome’èsevéi - ha entonces moõpa jaháta? Heta jaheja ñande rekoha. Sapy’ánte fazendeiro ou ha moõ jarài, chamõi onase haguépe omosè. Ovende vende ha pe fazendeiro pyahu he’i: “Terehóke ko’águi!” Oì fazendeiro mondo policia ha sapy’ánte misionero ou ogueraha.

Oì umi ñande patricio opytáva fazendape ha omba’apo upépe. Entonces, sapy’ánte fazendeiro he’i ko índio ndaha’éi upépegua, ochangea mante. Ha sapy’ánte he’i ha’ekuéra paraguayo hína. Fazendeiro ohenõi ha’ekuéra: “desaldeado”. Kóa he’ise umi ava ndoguerekói guekoha. Upéa ndaiciertói, karai ndoikuaái ñande rekohakuéra.

Ko’ápe ñane retã voi. Ko’ãnga karai lei rupi oì ñande direito avei. Karai lei ome’è ñandéve direito ñaconsegui jey hanguã entero ñande reko haguekuéra. Jaiko jey hanguã moõpa ñane ramõikuéra ha ñande jaràikuéra okakuaa hague. Entonces ñande jaiko jey hanguã upépe.

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2- as utilizadas para suas atividades produtivas:

Yma ñane ñaikotevè voi ñande yvàre jakaru hanguã ñande ha ñande familiakuéra. Ñande la jajapove va’ekue jaikuaa voi: ñamba’apo kokuépe, ñamarisca, japesca, jaha piky pói, jatopa eíra. Entero ja’u va’ekue ka’aguàre. Pohã oì ka’aguàre ha ñùme, ñande familia hasàrõ ñane ñaipohãno va’ekue. Oì avei ka’aguàre yvaù, takuapi, ysypo. Entero mba’e ka’aguàre ñanohè. Ñande solo ka’aguàre ñande jajevira, so’o solo ka’aguàre ja’u. Entonces, pe tiempo ñande rekohápe oìmba: ka’aguy, y, cabecera, ñù - entero oìmba va’ekue. Ñande jaikuaapaite. Ha ko’ãnga ndaikatuvéi jaiporu, opáma ka’aguy. Karaikuéra oitypa.

3- as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Jaikuaa vointe ñane ñaikotevèva. Cierto, ko ñande jaipota yvy tuicha porã hanguã, ñande familia, ñane mitã okakuaa hanguã ha ñande nietokuéra avei - ñane remiarirõnguéra. Ñamongaru porã hanguã umíarã, jakoloka porã hanguã hesekuéra ñaikotevè: y porã, ñùtuicha porã ha oìramo guyteri ka’aguy avei. Porque ko’ãnga jaha háicha ñande jajejopypáma. Ñande mbopy’apyete, ndoikói porãvéi. Branco ñande jopypa.

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Koa ko lei omombe’u ñandéve mba’éichapa jaiporu jevàta ñande rekoha:

2O As terras tradicionalmente ocupados pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

4O As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

Entonces, jaikuaáma ko lei tuicháva, heráva Constituição, he’i Funai oñedemarca hanguã ñande yvy. He’i ñane mba’e oñemediuka hanguã ñandéve jaiporu jey hanguã. Ha pe lei rupi Funai oì ideber avei oñengareko hanguã ñanderehe.

Pe lei guasu rupi oñedemarca hanguã ñandéve ñande rekoha, ikatu hanguãicha oijekuaa moõguiépa oì ñane mba’e ha karai mba’e avei - ikatu hanguãicha cada uno oiporu isistema. Ñande jaiporu ñande sistema, ñande reko, ha fazendeiro oguereko isistema avei.

3.3 Mba’éichapa jaiporúta ñande rekoha Constituição, ko lei tuicháva rupi

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Peteì tekoha ñande jaiporu umi upepeguare. Constituição he’i upepeguaréva voi toiporu katúnte pe tekoha gueko rupi. Ijára toiporu jeànte hanguã. Heta veces ñane ñaime otro hendápe, entonces ikatu ñande jaha jey ñande rekohápe. Oñedemarca rire ñandekuéra ava va’e voínte jaiporu jeàta ñande rekoha, ava memeténte.

Entonces, ñande mante jaikove ha jaiporu jeàta ñande rekoha. Ñande derecho hína jaiporu hanguã entero mba’e oìva yvy ári.

Karaikuéra sapy’ánte oikese ñande rekohápe. Upéagui oì ñane oñangareko por noike ha’ekuéra oikéva. Gobierno oguereko ha’e oñatende hanguã ñanderehe por noike ñande rekohápe oike otro, por noike otro oiporu ñande yvy.

Péa pe forma oiporu hanguã tekoha ñande jaikuaa porã. Oikese hína karaikuéra, upéa oì iprohibido ko lei tuicháva rupi. Entero karaikuéra, fazendeiro, sem terra - umi yvy’ÿva, enterope iprohibido oiporu hanguã ava rekoha, ñande yvy.

Sapy’ánte fazendeiro, ñande vecino, oikóva tekoha costare omoì pe cerca umi divisa ryepy ladope. Ñande rekoha ypypeve omoì ha upeave ohóvo. Entonces ocria animal, vaka upépe o sea oñotÿ soja. Sapy’ánte ate ojapo

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hóga upépe. Ikatu avei ñande yvàgui, ñande rekohágui, ha’ekuéra oipe’a ha oiporúva: yvyra, pohã, entero oìva ha jaiporúva, ha’ekuéra oipe’áva ñandehegui.

Ha sapy’ánte fazendeiro, ñande vecino, ñandénte ñande rekoha jaiporuuka ichupe. Ja’e “ña’arrenda”, aje. Entonces, peteì pedazo ñande rekoha ha’e upépe oiporu ocria vaka o sea ojapo ikokue. Upéa lo mismo iprohibido. Iprohibido ñande rekohápe. Ko lei tuicháva he’i ndikatúi ojejapo upéa, ndikatúi jaiporuuka hanguã fazendeiro ñande yvy, ñande rekoha.

Ñande ndajajoguái yvy. Entonces ndikatúi avei ñande ñavende, ni oiporuuka karaikuérape. Solo ñandekuéra ava memete jaiporu va’erã ñande rekoha.

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Ñande jaikuaa pe ñane mba’e, ñande rekohakue, jaipota jey ha jaikuaa avei mávapa ome’è jey ñandéve. Ko’ãnga oì branco mburuvicha, oì presidente Funai, tanto oì governo. Oì pe lei tuicháva he’i oñeme’è jey hanguã ñandéve ñande yvy. Siempre Funai ha governo oguereko parte ñande yvy oresolve hanguã ñandéve. Ha’ekuéra ipópe oì, ndaha’éi ñande pópe.

Ñande jaikuaa moõpa ñande rekohakue, entonces ha’ekuéra omoìta divisa. Ava yma ndoikuaái ni línea, ni divisa. Solo oì va’ekue ñande rekoha memete. Ko’ãnga ojeporu divisa.

Entonces Funai itrabajo hína:

• Identificação ha delimitação; upéa he’ise omoì hanguã línea moõpa oìta ñande rekoha jey.

• Ha upéi ha’ekuéra omedi ha odemarca ome’è jey hanguã ñandéve ñande yvy.

• Ñande jaiporu jey hína ñande rekoha, oì umi oñangareko ñanderehe, por no oiko mba’eve.

Mba’éichapa oì ñande rekoha oñemedi hanguã4

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Funai mante oguereko oñatende hanguã kóa. Siempre ñande jaipota jey ñande rekohakue. Ñane mongeta ñande gentekuérare ha jajapo aty mba’éicha ikatu ñakonsegui jey hanguã ñande yvy. Heta jajapo upéicha. Upéicha mante ñakonsegui jeàta ñandéve ñande reko hague. Upérupi, ñane ñañomongeta heta hague, ate ñande jaha Brasiliape ñañemongeta hanguã mburuvicha guasu ndive. Ñamombe’u hanguã ichupekuéra mba’épa ñane kotevèva, mba’épa ñande potáva.

Entonces, presidente Funai ohecháta hína mba’éichagua persona oúta hína omba’apo hanguã ñande rekoháre. Ha’e oiporavo peteì atàra hérava “Grupo de Trabalho” (GT), omba’apo hanguã ñande yvàre, ikatu hanguãicha oñeme’è jey ñandéve ñande reko hague. Ha’ekuéra oúva, umía omba’apóva, ohecháta ñande gentekuéra va’erã. Ohecháta avei ñande yvàre, oikuaa porã hanguã hikuai. Entonces, ikatu ñande jahechauka ichupekuéra moõguiépa ñande rekoha.

Péa pe atàra oì peteì ruvicha hérava “antropólogo”. Itrabajo hína oikuaa hanguã ñande reko. Ha’e omba’apo ñande yvàre, ñande rekoháre. Ha’e yvy rechaha hína ha ñande reko rechaha. Ko antropólogo mante omoì kuatiáre moõpa oì ñande rekoha ha ñande reko hague avei. Ha’e omoìta kuatiáre mba’éichapa ñande jaiko araka’e, mba’éichagua karai oúramo ha ñane omosè. Upéa omoìmbáta kuatiáre. Ha ohecha rire ha ojapo rire kuatia, ha’e omombe’úta jey mburuvicha guasúpe Brasiliape.

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Identificaçãohápe ñamombe’úta ichupekuéra: moõpa oì araka’e ñande rekoha; moõpa oì araka’e cementerio, ñande kokue, ñande rogakue; moõpa jaha piky pói ha pira pói; moõpa jaha jajahu ha kuña aojohéi. Ñame’èta ichupe péa oikuaa porã hanguã. Ñamombe’úta ichupekuéra avei enterovéva gentekuéra upepeguáva. Ñamboatàta ñande, ohecha hanguã ñandéve, ikatu hanguãicha ha’ekuéra omoìta kuatiáre movàpa upepeguáva oikovéva.

Hetavéva ñane ñamombe’u va’erã teko ymaguare. Entonces, jarài ha chamõi mante oikuaa mba’éichapa jaiko yma tiempogui ko’ãngapeve. Sapy’ánte isy, itúva omombe’u va’ekue ichupe teko ymaguarégui, mba’épa ñande jaiporúva araka’e, ñane remiporukue. Heta gente pyahúva nonacéi tekohakuépe. Isy, itúva upépegua, pero siempre ha’e oikuaa. Siempre ha’e oikuaa moõgua araka’e. Ñaikotevè peteì jarài ha chamõire japroba va’erã ñande rekohakue. Jarài ha chamõi iñe’èngue mante jerovia.

Jarài ha chamõi ñe’èngue rupi ñakonsegui jeàta ñande yvy.

Entonces, umi tujáva, ha’ekuéra mante oikuaa hína moõpa jajapo hanguã delimitação, aje. Ha’ekuéra ohechaukáta umi antropólogo moõpa oì ysyry ha mba’éichapa héra; moõpa oì va’ekue ñu ha ka’aguy. Upéichagua ko atàra oikuaáta moõrupípa oìta línea.

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Upérupi mante antropólogo ojapota ñande rekoha ra’anga. Upéichagua oikuaáta moõpa ohejáta ñane mba’erã tekoha ha fazendeiro mba’erã avei.

Pe Grupo de Trabalho ndaha’éi ñandévente ohecháta tekoha, ajépa. Ha’ekuéra ohecháta avei karai mba’éva, mba’épa oì upépe, mba’épa fazendeiro ojapo va’ekue. Upéa omoìta kuatiáre avei. Ha’ekuéra ojapóta peteì balanço, ombohepy fazendeiro mba’e. Upéicha ha’ekuéra ohecháta porã ha oikuaáta porã, ikatu hanguãicha opresenta amoite governope, opaga va’erã fazendeiro. Pe parte atàra ohecháva fazendeiro mba’e ha’ekuéra ohenói: “fundiário”.

Entonces ko tembiapo hérava identificação oguereko mokõi parte:

• pe parte antropológico, pe ñande reko ha ñande yvy rechaha ha

• pe parte fundiário, pe fazendeiro ojapouka hagueguive.

Pe parte antropólogo ojapóva, ñande yvy ha ñande reko ohecháva, upéa la importantevéva. Umi mburuvicha guasu Brasiliape, ha’e ndo’úi ohecha hanguã ko’ápe, ha’e ndoikuaái ñande rekohakue. Sapy’ánte ojerure ichupekuéra capitão oipota jevàta rekoha. Entonces, kuatia’ÿramo, ha’ekuéra ndoikuaái ha ndoguerovia

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mo’ãi. Ha’ekuéra omboúta ko atàra ojapo hanguã kuatia, ojapo hanguã identificação. Entonces, antropólogo ou oikuaa hanguã mba’éichagua oì tekoha, moõpa oì araka’e. Oikuaáta mba’éichagua oiko araka’e karai ou mboyve. Ohendúta tujakuéra ñe’è. Opaite ohendu hague antropólogo omoì katu kuatiáre. Ha oìrõ kuatiáre oikuaátama ha’ekuéra Brasiliape, ogueroviátama moõpa oì yvy. Ikatu o’aprobátama upépe, ogueroviátama.

Ko antropólogo oiporandúta heta mba’e ha itujavéva mante omombe’úta upéa:

• moõpa ñane omanóre ñañotÿ araka’e;• moõpa araka’e jajapo ñande róga ha moõpa jajapo tape

oho va’erã otro ógape;• moõpa oì kokuekuéra araka’e ha mba’épa ñañotÿ araka’e

upépe;• moõpa ñande koloka hague monde ha ñùha;• mba'éichagua jajapo araka’e mynakù ha ajaka; yrupè ha

tapekua; apyka ha kanguìryru. Yma tiempope jaiporu avei guyrapa ha hu’y. Heta mba’e jajejapo ka’aguàgui.

Entonces, antropólogo upéagui ojapo peteì kuatia, aje. Ha’e ojapóta peteì documento tuicháva ha mbaretéva ovaléa hína. Péa ndaha’éi kuatia rei. Upéa peteì kuatia tuicháva ovale va’erã ñande rekoha jaijeporu jey hanguã.

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Péa pe chamõi ha jarài ñe’èngue rupi antropólogo ha ingeniero ojapóta avei oñondive peteì mapa. Ñande ja’e upéa: “yvy ra’anga”, upéa tekoha ra’anga kuatiáre.

• Ko yvy ra’angápe oì peteì parte, pe ñande rekoha jaiporu va’ekue. Ñane remiporu hague jaiporu jeàta.

• Ko’ãnga rupi ñande familia hetavéma, ñande hetavéma. Entonces, oì peteì pedazove ko’ãngaguarã.

• Upéi oì otra parte jey jaiporuvéta va’erã, porque ñande gentekuéra hetave ohóvy. Ãnga ñande familiakuéra kakuaa hetavéva jaiporu jeyta. Ñande hetave tavéva jaiporúta kóa.

• Ha upéi oìta peteì parte jaiporu’ÿva guyteri. Ikatu oìta peteì pedazo ka’aguy mimi; ñù porã jatopa hanguã pohã; y porã, jaha hanguã pira pói ha umi cabecera. Upéa ha’ekuéra ohenói “reserva ambiental” portuguêspe. Ndaha’éi jepe jaiporu ko’ãnga, ñande familiare mante oiporu va’erã kóa.

Iporã oì peteì ñande jaiporu’ÿva guyteri ñande rekohápe, jatopa hanguã ka’aguy mimi, ñù, mina ha ysyry porã. Upépe ome’èta jaiko hanguã, oikove hanguã ñande reko.

Entonces, ko atàra ojehecha moõpa oì ñane mba’éva ha moõpa oì karai mba’éva avei. Ko’ãnga oì upérupi:

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ha’ekuéra omoì peteì divisa. Yma ndaipóri va’ekue divisa. Kóa ha’ekuéra ohenói: “delimitação”, osepara hanguã ñane mba’éva ha osepara hanguã karai mba’éva avei.

“Levantamento fundiario” he’i ha’ekuéra mba’épa oì hína upe tekohakuépe. Entonces, fazendeiro ojapo óga, açude, cerca, coral, umía ojapo. Omopu’ã alguna planta, yvyra; oñotÿ kapi’i. Umía he’i ha’ekuéra: “benfeitoria”, umía fazendeiro ojapouka va’ekue. Ñande ja’e ichupe: “fazendeiro ojapopáma imba’erã va’ekue”. Heta fazenda ñande voi ñane ñambma’apo jey hanguã ichupe, upe ha’e oipotáva jajapo jey ichupe. Ñande voínte jajejapo ichupe va’ekue.

• Entonces, oì “levantamento antropológico”. Antropólogo ojapo peteì trabajo oikuaa hanguã mba’éichapa araka’e ñande jaiporu pe tekoha va’ekue. Upearã ha’e ou oikuaa ha ohecha hanguã.

• Ha oì “levantamento fundiario”. Antropólogo ha ingenierokuéra ojapóva, oikuaa hanguã mba’éichapa umi fazendeiro ojapouka hague.

• Ko’ãnga ñande jahasa asy, ñande jajepy’apy. Entonces, oìta kóa ko trabajo ñane ñaime jey ha jaiporu jey hanguãicha upe ñande reko hague. Ko’ãnga ha upéi, ãnga tenondevévo jaiporu jey hanguã.

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Pe trabajo delimitação, oì hanguã peteì tekoha iporã va’erã. Antropólogo ohecha mba’épa oìta tekohápe ha mba’épa opyta okápe. Oikuaa porã hanguã ñande rekoha jey oì cuatro laya:

• Oì peteì parte moõpa ñande jaikove hague yma: moõpa ñande jajejapo ñande róga, moõpa ñande familiakuéra okakuaa, moõguipa jaru y jay’u hanguã, umíante.

• Oì peteì parteve ñande jaiporu va’ekue: moõpa ñande jajapo ñande kokue araka’e, moõpa ñande japesca ha jamarisca, moõguiépa araka’e ñande jagueru ñande ogarã: yvyra, pindo, kapi’i ha takuára; moõpa jatopa pohã, moõguipa araka’e jaikuaapa.

• Ha oìta avei peteì lugar ñande jaheja oiporu hanguã ñande familiare, ñane remiarirõkuéra jausa hanguã. Umiarã ñaikotevè jaheja ñande familiape hembiporurã jey.

• Ha upéi oìta peteì parte ñande ja’e: “ka’aguy ha ñù opyta jey”. Ha’ekuéra he’i: “reserva ambiental”. Upéa iporã ñande ha ñande familiare ñangareko, iporã ñandéve jaiko hanguã. Iporã upe tekohápe oìta y ñande reko hanguã. Entonces, oì ysyry porã jajahu ha jajohéi ao hanguã ha oì yvu. Umía iporã ñande ja’aseguráta. Iporã oìva hína pe tekoharãpe y ha mina ñañangareko va’erã hese. Opyta va’erã ñandehegui cabecera okápe, sapy’ánte oì fazendeiro omongy’áta, omoìta veneno.

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Ikatu alguna cidade, algun frigorífico omoìta umi cano minape. Entonces, ndikatu mo’ãi jaiporu hanguã. Cabecera ñaikotevè opyta ñande korapàpe, oìme ñane mba’erã ryepàpe. Ñatendepátama ñandéve ñane mba’erã.

Ko ñande rekohápe, Mato Grosso do Sulpe, ndocuidái ñanderehe mburuvicha. Ndaipóri la mburuvicha ocuida ñande rekoha jerére. Sapy’ánte ñande vecino, umi fazendeiro, ñande operjudica ha mbavave ndohechái ha nomombe’úi. Ndaipóri la mburuvicha oñengarekóva.

Tekoha, upépe, ñande jaikovéva. Ñande familia, mitãnguéra, guaiguì ha tujáva oikovéva. Entonces, upéa ñande rekoha. Oì upépe ñande pariente, ñande re’ài. Enterovéva ñande gentekuéra, ñande família, ñande nieto, umía oikóva ñanendive.

Sapy’ánte acontese va’ekue, aje, ndojejapo porãi kuatia. Pe parte ñande rekoháre kuatia osè vai. Entonces, ndogueroviái la mburuvicha. Sapy’ánte ndovaléi ko kuatia ojejapo hague. Upéa causa noñeme’èi tekoha ñaha’arõ. Upéicha ndajaipotavéi! Ovale hanguãicha jaipota ojapo ñandéve, oì háicha iporãva ha ovaléva ñandéve ko kuatia.

Jaguary oguereko 480 hectárea mante. Gobierno ojapo peteì tekohamínte oiporu hanguã upepeguáva. Upépe oì hikuái. Upéante ome’è ichupekuéra. Año 1986 oiko

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upéa. Tiempo ate gobierno he’íke na’identifica mo’ãi ichupekuérapeguarã. Ha’ekuéra upépeguára nontendéi mba’éichapa jajejapo identificação ha delimitação. Mbavave nda’iri ichupekuéra oikuaa hanguã. Ndajekuaái rupínte ava upéa oiko. Antropólogo nohendúi mba’épa ha’ekuéra he’i. Entonces antropólogo ndojapói peteì tuicháva tekoha ra’anga, peteì michìmimi mante ojapouka.

Oguahè ramo ha’ekuéra tekoha Jaguaràpe ha ohecha pe otro lado, y mboipàri, oì upépe tekoha avei, ha antropólogo oheja okápe, nomoìmbái. Peteì pedazo tuicháva opyta okápe, ndikatúi ha’ekuéra oiporu. Antropólogo ojapóva ha’e oikuaa porã’ÿre, oikuaapa’ÿre ojapo upéicha. Upéa causa peteì pedazo tuicháva opyta jey okápe.

Sukuriy oguereko michì tekoha avei. 535 hectárea mante odemarca ichupe oiporu hanguã. Pe tiempo Grupo de Trabalho ojapo hague identificação, Sukuriyguáva, ha’ekuéra opyta peteì lugar michìhápe mante. Fazendeiro omosè hague ichupekuéra hekohágui. Entonces, identificaçãohápe, antropólogo ndohechái moõpa oì tekoha tuja. Solo michì omedi ha’ekuéra hekoha. Ate ko’ãngapeve upepeguára opyta peteì esquinamípe mante, ndoiporupái guyteri hekoha. Fazendeiro oiporu guyteri ichuguikuéra yvy hekoha.

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Cerrito upéicha oì avei. Identificaçãope oì peteì parte tekoha opyta okápe. Proprio Funai he’i ha’ekuéra ohejánte hanguã upéa pe tekoha. Peteì tekoha oijeporúva ha otra parte ha’ekuéra he’i oheja guyteri upéa. Ome’è peteì tekoha pedazo mante.

Hetami oì caso tekohaguára, ha’ekuéra omombe’u porã moõpa teko hague. Ha’ekuéra oikuaa porã tekohakue. Ha lo mismo identificaçãohápe ome’è ichupekuéra michì jeànte. Entonces, ha’ekuéra ndoiporupái tekoha. Upe tiempo ome’èse ate 2.000 hectárea máximo cada tekoha oiporu hanguã. Upéa ocontese hetaeterei: Jaguapirépe, Takuaratàpe, Guasutàpe, Jararápe ha hetave oì caso.

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Péa pe parte justiça oì ñeporandu importante ñandéve. Iporã ñahendu ha jaikuaa mba’éichagua ñande ikatu jajapo justiça rendápe ha mba’éichapa justiça mburuvicha omba’apo hína.

Umi ñeporandu iporã jaikuaa hanguã pe parte justiça5

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Identificação ñande derecho voínte. Upéa ndaha’éi mba’evégui. Identificação ojejapo ñandéve ñande derecho ha karaikuéra mba’éva iderecho avei. Yma tiempo ñande ndajaikuaái ñamombe’u ha jajerure hanguã ñande derechore. Ndajaikuaái umi lei oguerekóva mburuvicha guasukuéra. Ko’ãnga rupi jaikuaáma jajerure hanguã. Yma tiempo proprio Funai, ha’ekuéra ndoipotái ñande jaikuaa por noike ñande jajerure mba’épa ñande jaipotáva rehe. Okirirìnte hikuái, ha’ekuéra nopenái ñanderehe. Ha’ekuéra ndoipotái jaikuaa por no jajopy ichupe. Porque jaikuaárõ ñande jajopàta ichupe.

Upéarupi mburuvicha guasukuéra sapy’ánte ojapo hague identificação ha ndojapói cierto, ndojapói hendápe porã. Ñande ndogueroviái ichupekuéra. Heta veces nome’è tuichái ñandéve ñande yvy, solo michì’ínte oñeme’èuka ñande. Upéicha jaha, upéicha ñaime, upégui jaiporu michìmimi mante ñande rekoha. Peteì pedazomínte nome’èi, no’adiantái, porque heta ñane remiarirõ.

Upégui, identificaçãope ñande jaipota omoì porã ñandéve, ojapo porã hikuái. Porque ndojapo porãiramõ

5.1 Identificação ha delimitação ñande derecho voi

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ha ome’èmimi ndovaléi. Upéicha japytáta reínte mante. Ome’èramo ko’ãnga peteì pedazomimi mante, entonces quince año ha ofalta jeàtama ñandéve. Ndaha’éi ñandemínte jaiporu hanguã, sino ñande nieto ha ñande nieta jaiporu hanguã, ñande familiare jey.

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Ñahendu he’i jepi hikuái: “Peha’arõ, peha’arõ,” he’i. Entonces, omoìta ha’ekuéra prazo oresolve hanguã ñandéve ñaikotevèva ha jaipotáva. Gobierno omoìta día oñatende hanguã ñanderehe. Gobierno mante oikuaa prazo.

Siempre ñande árupi jajapo aty ha jaha jepi amoite, Brasilia mburuvicha guasu oìhápe, jajerure ichupekuéra mba’épa ñane ñaikotevèva ha jaipotáva. Ha siempre ha’ekuéra he’íke oprovidenciáta ñandéve upe ñane mba’e jaipotáva. Entonces, ha’ekuéra omoì prazo ñandéve ha nunca noguahèi ñandéve, ndajaikuaái iresultado. Upéicha jaikóva ñane mburuvicha guasu ndive, ñane mbotavy tavy jahávo.

Prazo ngo, oñe’è etépe ja’e: “omoì hora”. Ojapu ñandéve porque hi’horakuépe ndo’úi. Ha ha’ekuéra omoì otra hora jevy, omoì prazo ha nunca ndo’úi ko’ápe. Ndo’úi ha’e, ñane mbotavy ohóvy ha ijapu.

Ñande jaipota icierto, ñande jaipota ha’ekuéra ocumplíta ipalabra. He’íke ojapóta tal día, tal hora, entonces ñane

5.2 Gobierno omoì día oñatende hanguã ñanderehe

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ñaha’arõma ichupekuéra. Ha ha’ekuéra ndojapói, noguahèi, ndo’úi. Ñane ñaikotevè hesekuéra. Otro ndikatúi ojapo va’erã. Upégui ñande jajerure ha jaiporandu ichupekuéra. Mburuvicha mante ojapo va’erã, upégui ñande jaha ñamombe’u hanguã ichupe. Ha ha’e ndojapói, ojapu ñandéve ha ñande ndajavy’ái.

Ava ñe’ème ja’éta: “Ñane mburuvicha guasu ñande mbotavy ohóvy.” Entonces, ndojapóigui ha’ekuéra upéicha ñande jaha. Upéicha ñane ñaime ha ñande jaiko. Upe ñande jajerure ñane mburuvicha guasukuéra ha’ekuéra ndohechái ha ndojapói ñandéve. Ha’ekuéra mante oguereko ipópe lei, oguereko ipópe ojapo va’erã ha iresponsable ñanderehe. Heta veces ha’ekuéra noìri ñande favorpe.

Entonces, karaikuéra ojapo peteì lei, aje. Ha’ekuéra omoì peteì prazo: tanto mes, tanto día tekotevè upépe ha’ekuéra oresolve va’erã la problema. Ipya’e hanguãicha opa, upégui ojapo pe lei. Péa pe prazokue sapy’ánte ha’ekuéra omoì ha heta año ohasa, ohasa ohóvy. Cada presidente Funai opytágui cada año o’identificáta o sea delimitáta heta tekoha. Pero nunca ndojapói, ndoikói upéa. Ha delimitáma o sea oñedemarcáma jepe peteì tekoha, siempre fazeindeiro lo mismo oiporu ñane mba’e ñandehegui. Ñande tekoha continuado oiporu ha’e. Noñeme’èséi ñandéve ñane mba’e.

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Ko’ãngarupi ñane ñaime upéicha. Heta oì tekoha oìma ijárapype, identificação rire ha upepeguára lo mismo oime peteì pedazo michì’ípe. Lei ha justiça oresolve aja ha omboatypa documento oresolve hanguã, ñane ñaha’arõ upépe. Ñane ñaime upépe michìhápe, ñaime asyhápe. Hetaeterei tekoha ko’ãnga oì upéicha: Potrero Guasu, Ñande Ru Marangatu, Jatayvary, Arrroyo Cora, Sukuriy, Guyra Roka, Takuára ha hetave tave ohóvy. Umía oime peteì michìmimípe, ndoiporupái hekoha. Entonces ha’ekuéra oha’arõ lei ha justiça oresolve hanguã. Hetaeterei tekoha upéicha hína oì asy.

Fazeindeiro oiporu ñande yvy ñandehegui ha he’íke ñande jaiporu avei ñande rekoha. Entonces, ñane ñaime pe pedazomípe, michìha ha he’íma ñande jaiporuha pe tekoha. Nahaniri, peteì michìmi jaikovéva, ndajeporupái. Enquanto ñane ñaha’arõ justiçagui ha leigui ojeresolve hanguã ñandéve, fazendeiro oiporu ñande rekoha. Leigui mante ñaha’arõta oresolve hanguã, ocumpli hanguã. Upéarã oì lei. Ani hanguã ohasa heta año.

Hasy ñandéve ñaconsegui hanguã upéa pe forma ñane mba’e jaipotáva, ñande yvy. Ha’ekuéra omoìta peteì prazo ha omoì ñande japyta hanguã peteì michì’ihápe ha lo mismo ndojeresolvéi, ndojejapói ohóvy. Ni justiça ndojapói ni lei ndojapói. Ofalta ha’ekuéra ocumpri hanguã he’i hague. Upéa hetaeterei oiko ko’ápe Mato Grosso do Sulpe.

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Constituição, ko lei tuicháva he’íke ñande derecho voínte ñande jaike justiçape.

Art. 232: Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

Iporã jaikuaa hanguã ñande derecho. Ko Constituição he’íke ñande avakuéra ñande direito voínte jaikerõ justiçape ñaiporandu hanguã ichupekuéra, jaikuaa hanguã mba’éichapa lei oì. Ñande peteìchapa, aje. Karai oguereko iderecho ha ñande jaguereko ñande derecho.

Ñande joja peteìcha, ñande ava va’e ha karaikuéra avei.

Yma tiempo ndaha’éi hague upéicha. Tiempo antiguo oì SPI ha Funai oresponsabilisa ñanderehe. Ko’ãnga nahaniri. Ko lei tuicháva he’i opaitéva ava va’e oguereko direito peteìchapa. Umi tekohayguáva oguereko direito oreclama hanguã ojapo va’erã porãva ñande yvàpe. Ha

5.3 Ñande derecho voi jaike hanguã justiçape

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cada organização, peteì jajoguereko iporã hanguã, ikatu oike justiçape.

Ñande ikatu avei jajerure algun abogado ñande favorpeguarã. Ñane tekotevèrõ - sapy’ánte alguno ou oike ñande contra - entonces ikatu oì ñande abogado. Ha’e processa pe ñande perjudicatahápe, ani ñande perjudica hanguã. Ate ikatu processa hanguã governo ocumpri hanguã ñande derecho ñanendive.

Ministerio Publico ha’e oìva peteì ñande ladope. Sapy’ánte oì ñande contrape, entonces ha’e ikatu hanguãicha ñande odefende por noike ojapu hanguã ñande derecho. Jaikuaáma oì procurador omba’apo ñande favorpe. Ha’e omba’apo Ministro ndive por noike oity ñande direito. Ñande ndajarekói japaga hanguã abogado ñande presenta hanguã, oñe’è hanguã ñande favorpe. Ñande hasy ñaguahè hanguã juizpe, ndikatúi ñaguahè rendápe ñañomongeta hanguã. Ñande mboriahu. Entonces, único ñande jarekóva algun procurador ñaprocura hanguã ichupe ñande derechore. Procurador, ha’e oñe’è juiz ndive, ha’e oguereko derecho oñemongeta juiz ndive.

Entonces, ko lei heta mba’e porãva he’i ha’e ñandéve. Ñande ñaha’arõ upéa oiko. Ha nunca ndojejapói ñandéve. Ñaime upéicha, ñaha’arõnte jaikóvo. Ñande jaikuaáma karaikuéra, ha’ekuéra siempre ojapo política. Ñande ava va’e ndoijekuaái política, ndajaguerekói upéa. Ndaha’éi

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ñane mba’éva, karai mba’éva política. Karaikuéra omboporuuka ñandéve política, karai causagui jaikuaáma, solo ndojeporu kuaái.

Entonces, governo oì ohecha va’erã mboriahu ha ricope, ojapo peteìcha itrabajo. Gobierno ha’e oguereko peteì parte: maávapa ojopyvéva ichupe, entonces upéa pe ha’e opytyvõvéta ichupe gobierno. Upéa cause ñane mburuvicha ha ñande orepresentáva hína oguereko derecho ohóva upépe, Brasiliape, mburuvicha guasukuéra rendápe, opresiona hanguã ichupekuérape ñande favorpe. Ojopy hanguã ichupekuéra ñande derecho ocumpri hanguã. Oì la ñaikotevè presionavéa: presidente Funai ha’e Justiça Ministro. Umía ojopyve va’erã.

Kaiowá ha Guaranikuéra, ñande ngo ñande rekohami rupi jaikóva. Entonces, ñasè jaháramo, ñande reko haicha jaha ñane mburuvicha guasu renda rupi. Jaha jajerure ichupekuéra mba’épa jaipotáva. Mba’éichapa ha’ekuéra ome’è ñanderehe ñande jaipotáva, ñane mba’éva, ñande yvy.

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Jaikuaáma Funai ojapouka identificação ha delimitação. Entonces, pe documento yvyrehegua, péa oho va’e umi justiçape ohecha va’erã. Funai omondo péa pe documento Ministro da Justiçape. Fazendeiro, ha’e ikatu avei ojapouka peteì levantamento yvyreheguáva he’íva pe ndaha’éi ñande yvy, ndaha’éiva teko hague. Ha’e ocontráta peteì ojapo va’erã ichupe ko trabajo opresenta va’erã Ministro da Justiçape.

Ikatu Ministro da Justiça, ha’e ohecháva la documento ñane mba’éva ha aprova va’e. Ha’e oikuaa porãmbárõ omombe’úta va’e máva mba’ehápa yvy. Entonces, ha’e ombou jey presidente Funaipe odemarca hanguã ñande ñane mba’e, ñande yvy. Fazendeiro ha’e oho omombe’u avei justiçape nda’éiha ñande direito, nda’éiha ñane mba’éva yvy.

Juiz ha’e ojagarra ñane mba’e documento ha ojagarra karai mba’éva documento oikuaa hanguã mávapa icierto, mávapa derecho. Oma’è kuatiápe, ikatu hanguãicha oguerovia hanguã mávapa mba’ehápa yvy. Entonces, ha’e noiporãirõ ichupe, ndaha’éi icierto, ikatu ha’e ojapouka jevy

5.4 Mba’éichagua oì ñande kuatia yvyrehegua mburuvicha guasu rendápe

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ko trabajo yvyrehegua. Ojavàramo, ojapo jey otro kuatia. Karaikuéra ha’e hína upéa, ko ojapo jey hína: “perito”. Upéicha ojapóta oikuaa porã hanguã. Ñaikotevè peteì estudo, peteì levantamento ojapo va’erã ñandéve, ikatu hangãicha oì porãva ha icierto. Ikatu avei omarkáta peteì día juizpe ohendu hanguã ñandéve. Juiz ha’e ikatu ohendúta ñande jurúgui ñane ñe’è’.

Péa rupi heta veces ñane ña’aharõ, ñane ñaha’ãro jaiko ojeresolve hanguã ñandéve. Upérupi heta año jaiko upéicha - ndajeresolvéi ñandéve. Ikatu voi un tiempo ñande ojeresolve.

Entonces, procurador mante ha’e ikatu ohecha ñandéve. Juiz ndive ohecha mba’éichapa oì ñande documento: oì porãpa, oì vaípa? Ñande ichugui mante jaikuaa jeàta mba’épa oì ñande documento. Juiz ndive ha’e oñe’è va’erã oñondive.

Upérupi sapy’ánte aja ñane ñaha’arõve jahávo. Ñande ko’ãnga ñaime peteì chikero’ípe, ndajaiporupái ñande yvy, michìmípe ñaime. Ñane ñaha’arõ umi juizpe. Ñane ñaha’arõ procurador oprocura juizpe ohecha hanguã mba’éichapa oì ñande documento. Noiporãirõ ñaha’arõ jey ate que ojeresolve hanguã ñandéve, oì porãpeve. Ñande upéicha ñaime.

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Fazendeiro, siempre ha’e oiporu ñande rekoha, ñande yvy. Ha’e siempre oiporu ha ñane ñaha’arõ hína.

Juiz nunca ndo’úi ohecha mba’éichapa ñande jaiko ko’árupi, mba’éichapa ñane ñaime. Nunca ha’e ndo’úi, ndohechái mba’éichapa jasufri. Upéicha ñande jaiko ha ñaime. Juiz ha’e solo ohecha kuatia oguahèva ichupe. Kuatia rupi mante ha’e ohecha ha oikuaa. Ikatu ha’e omoì peteì día ñandéve oñe’è hanguã ñanendive o fazendeiro ndive.

Upérupi iporã ko identificaçãohápe ojejapo peteì documeto oì porãva, aproba hanguãicha. Ojejapo peteì documento ikatu hanguãicha juiz oikuaa porãva, aproba porã ñane mba’eha - iseguro hanguã. Umi mburuvicha guasukuéra: juiz, Ministro, presidente Funai oikuaa porã hanguã ñane mba’eha voi yvy.

Fazendeiro, ha’e opresenta avei yvyrehegua documeto: título, imposto ha’e opagáva ha upéi hetave kuatia ha’e oguerekóva. Ha’e siempre opresenta ha ñande ndajarekói kóichagua documento, título ha ipagaha imposto. Ñandéve iporã va’e pe identificação ojapo va’e. Pe tujáva oñe’èva, upéa icierto va’erã oguerovia hanguã. Upérupi ikatu hanguãicha oguerovía mburuvichakuéra ha oñeme’è jey hanguã ñane mba’e yvy.

Upéarupi, aje, justiçape heta año ohasa ha fazendeiro ha’e ojopàva ichupe. Ha siempre ha’e oiporu tekoha

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ñande yvy. Ha’ekuéra mbo’are oho, ate 15, 20, 30 año oho. Ñaikotevè justiça ha’e otopa peteì tape oì ñandéve ñande yvy, por noike upéicha ñaime ha jaikóva. Ñande enterovéa tekoha gentekuéra ndaikatúi ñaha’ãro hetaeteri año. Solo ñande jasufri areteterei heta año. Ñandéve michìeterei oñeme’è yvy, entonces ñande upépe ñaime ha jaiko asy. Hetaeterei lugar upéicha jaikóva: ndaipóri jype’a, ndaipóri y, ñaime upépe pe michì’i oñeme’è haguépe. Ha’e ome’èuka ñande peteì michì’i yvy ñande rekoha por noike ñane mosèmba upégui. Potare’ÿme oñeme’è michì’i yvy. Por noike ogueraha ñandéve otro lugarpe, japyta peteì chikero’ípe.

Umi mburuvichakuéra ndohechái ñandéve toiporu tuicha hanguã ñande yvy. Entonces, ñande gobierno, ha’e la ohecha va’erã ñandéve jaiporu jey hanguã ñande rekoha yvy. Ha’e la responsable ojapo va’erã mo’ã ñandéve. Gobierno upearã oì.

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Pea pe kuatiápe heta oì ñe’è, aje. Karai Celso ha Paz heta ombyaty ñanendive ñañomongeta hanguã oñondive. Jaiporandu ichupekuéra mba’éichapa iporã jaikuaa hanguã ha ha’e avei oiporandu oréve heta mba’e. Heta oì ñe’è ha’e oiporandu umi tuja ha guaiguìpe oikuaa hanguã ichuguikuéra.

Celso ha Paz ha’e oiporavo umi ñeporandu iporã jaikuaa hanguã, ha’ekuéra otopa ovaléta ñandéve ha ideprovecho ñandeveguarã. Ha’ekuéra omombe’u ñandéve ñeporandu jaikuaa hanguã mba’éichapa karaikuéra omboete la lei ha ñane mba’e avei, ha mba’éichapa karaikuéra nomboetéi la lei ha ñane mba’e.

Celso ha Paz omoì kóa ko ñeporandu ko kuatiápe portuguêspe ha guaranípe ikatu hanguãicha oguahèta heta avakuérape oiporandúva ha oikuaaséva. Ha’ekuéra oprocura ñane pytyvõ kuatia rupi ñande yvy, ñande rekoha ome’èuka jey hanguã ñandéve. Jaikove hanguã ñande Kaiowá ha Guaranikuéra ñande rekoha etére, ñane retãme.

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Nesse livro dá para lermos o que é bom para nós — Guarani e Kaiowá — sabermos como conseguir de volta a nossa terra. Fala do que é bom sabermos e fazermos para que nos seja devolvida a terra, para a usarmos de novo. Nos explica o que é identificação e demarcação, como estão chegando esses brancos para nos ver e conhecer e como nós pode-mos conhecer as autoridades da justiça, que são responsá-veis pela questão fundiária. Conta também quem tem poder e nas mãos de quem ele fica, para resolver as nossas ne-cessidades. Conta, também, quem são as autoridades do branco que mandam resolver.

Nesse livro tem partes em português e uma parte em guarani. Desse jeito, é possível, que as nossas avós e os nossos avôs possam saber também os nossos direitos de acordo com os costumes do branco. Durante a identificação nós temos que trabalhar juntos. É bom que as nossas avós e avôs nos contem as suas memórias, para que nos seja devolvido o que queremos. Pedimos aos que sabem ler para que leiam essa parte em guarani aos velhos, para que esses possam saber um pouco melhor sobre o que vai ser o seu trabalho durante a identificação.

Primeiras palavras

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Celso e Paz falam: “Muito obrigado à todos os índios gua-rani que nos receberam e nos hospedaram em suas casas!” Tantos dias que eles ficaram nos tekoha dos Kaiowá e Guarani, tantas coisas que eles escutaram. Tantas coisas que conhecemos um do outro.

Têm os que ajudaram a traduzir do português para a nossa língua: Ambrósio Gomes Martins de Pueblitokue, João Ro-drigues de Mbarakay. E têm os que ajudaram para o livro sair bem: Maria de Lourdes C. Nelson — Kuña Jeguaka, Elizeu Ribeiro, Marta Maria Azevedo e Sandra Regina da Silva.

Muito obrigado à todos.

Ponta Porã, junho de 2004

Celso AokiFriedl Paz Grünberg

PKGPrograma Kaiowá [email protected]

Centro de Trabalho Indigenistawww.trabalhoindigenista.org.br

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Antigamente, não tinham outros, somente os índios guarani! Eles trabalhavam na roça e comiam as coisas da mata. Eles caçavam para poder comer carne: javali, anta, veado, paca, cotia, tatu, peixe grande e pequeno, ema, perdiz, lagarto... Quando chegou o branco: “vem o branco”, falou o verdadei-ro índio guarani, “vem o estrangeiro, ele chegou por aqui, o que ele quer?” Antigamente, o índio guarani teve medo do branco e alguns correram.

Antigamente, no começo, não tinha muitos estrangeiros. Depois se fizeram mais numerosos e foram usando cada vez mais a nossa terra. Quando os estrangeiros já eram muitos, tomaram ainda mais a nossa terra e continuaram a tomar. Os estrangeiros chegaram de longe para tomar a nossa terra. Chegaram de São Paulo e do Paraguai, e chegaram também os gaúchos. Agora já tomaram tudo, nos expulsaram do que eram nossas comunidades, nossa terra. Apoderaram-se da nossa terra.

Muitos índios guarani ficaram na fazenda para trabalhar. Antigamente, o fazendeiro não chegou a desmatar, só fez roçado, ainda não plantou capim. Depois, eles não traba-

Como nós passamos desde a chegada dos estrangeiros até agora.1

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lharam mais no roçado, desmataram tudo e plantaram capim para as vacas. Quando os estrangeiros já tinham se apodera-do de tudo, derrubaram toda a mata da nossa terra. Do nosso lado, nós changueamos para eles, fizeram-nos derrubar a nossa mata. Agora acabou a nossa mata.

Os brancos traziam comida para as pessoas trabalharem para eles. Traziam para nossa alimentação milho e feijão. Isso o índio guarani ganhava trabalhando para eles. Traziam charque, sal e, de vez em quando, gordura de vaca. Eles traziam também panela e roupa. Eles deram facão e foice para desmatar; machado para cortar árvores e enxada para carpir a roça. Essas coisas eles traziam no começo. O branco também trouxe arma de fogo e, de vez em quando, cachaça.

Por não saber, limpar o mato às vezes nos parecia bom. Não sabíamos que o estrangeiro iria nos prejudicar. Não sabíamos, no entanto, que o estrangeiro seria ruim para nós. Agora, já estamos sabendo o que o estrangeiro fez. Ele derrubou toda a nossa mata. Ficou vazio, nós não temos mais a roça, terminaram nossas ervas medicinais da mata.

O fazendeiro entrou e já foi juntando os documentos para a legalização. O governo deu os documentos sobre a terra e o fazendeiro já comprou sua fazenda. Já conseguiu o papel da terra, esse documento forte e grande. Então, já tendo comprado (a terra) conseguiu tudo de acordo com seu jeito. Em toda parte aconteceu isso. O governo foi vendendo, vendeu com os índios guarani na terra. Outro fazendeiro comprou (a fazenda) e expulsou os índios guarani. Agora

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o governo já legalizou tudo. Não dá para saber quantos hectares o governo vendeu.

Nessa época, o branco esvaziou tudo, levou os índios gua-rani e os confinou (num pedaço pequeno da sua terra). Daí, os tiraram outra vez e os levaram para outro lugar. E depois chegou outro fazendeiro, mudou-os e depois chegou outro que os mudou outra vez. Às vezes, o governo deu ao índio guarani um pedaço (da terra) e chamou de: “aldeia”. Antes nunca teve aldeia. Muitos índios guarani foram para outros lugares para não morrer, muitos correram do branco. “Ele vai nos matar”, falaram.

Um velho nos contou: “No começo quando o branco chegou”, ele contou, “o índio guarani não conversava com o branco. Só se comunicavam com sinais. Então, o branco só deu o trabalho. Nessa época, os brancos foram atrás do pindó (para coleta de palmito). O índio guarani tinha roça, logo, o branco não lhes deu o que comer, não lhes deu dinheiro. Só lhes deu trabalho.

Nessa época, tinha (uma pessoa) a quem se chamava ca-pataz, ele sempre tinha arma de fogo, revólver e escopeta. Tinha facão e açoite, esse tinha para pegar as pessoas. Quando alguém estava enfermo e não queria trabalhar, o capataz ia para pegá-lo. E aquele que ia para trabalhar e não agüentava ele matava. Atirava e jogava (o corpo) lá mesmo, na mata mesmo. Antigamente era assim mesmo. Aos enfer-mos não deram remédios, só os mataram. Dessa maneira, muitos índios guarani morreram. Não é que não agüentavam

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por ser enfermos, é que eram assassinados, atirados e joga-dos fora.

E depois, os brancos venderam madeiras. E quando tinham vendido as árvores, quando tinham vendido toda a mata, chegaram mais brancos e venderam a fazenda. Não era o seu parente, só vinham mais brancos. E quando já tinham vendido tudo, já esvaziaram e falavam: “vai, vai daqui! Já é a minha propriedade!”. Expulsaram todos os índios gua-rani. Então, desse jeito têm muitos cemitérios em toda a parte. Você pisa sobre cemitérios continuadamente, porque o branco matou muitos índios guarani no mato.

Depois, chegaram mais brancos, se fizeram mais numero-sos ainda. E o índio guarani que não queria ir ao trabalho era açoitado. Tanto que já trabalhou o índio guarani, e tão pouco que ganhou. Depois de ser pago, quando voltava pelo caminho, os jagunços os seguiam e os matavam, fa-mílias inteiras foram mortas. Desse jeito se comportou o branco para não ter que pagar. Nessa época, nós índios guarani, tínhamos muito medo do branco. Tantos anos que nós trabalhamos e depois fomos expulsos.”

Muitos índios guarani moravam nas fazendas. Então, para não incomodar o fazendeiro o governo lhes deu uma “aldeia”. Colocou todos lá, amontoou todos lá. O branco levou os índios guarani à aldeia para não incomodar o fazendeiro. O governo mesmo providenciou, o governo chegou para medir, para poder colocar os índios guarani. Para demarcar, chegou um engenheiro e mediu quantos hectares iria dar para amontoar os índios guarani. Desse jeito fez o governo.

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Deu Porto Lindo, Pirajuy, Ramada, Amambai, Dourados, essas foram dadas. O branco juntou os índios guarani lá. No que foi dado, o índio guarani está vivendo amontoado.

Naquela época, não tinha missão ainda, ela chegou só depois. Antigamente, não tinha crente, faz pouco que tem missão. Só depois da missão alguns índios guarani se fize-ram crentes.

E essa aldeia que o governo deu, rapidamente ficou amon-toada e cheia. E o fazendeiro não deu mais trabalho. O único trabalho de fazenda para o qual podemos sair é o de cana-de-açúcar. Só isso tem para trabalhar, para changuear. O fazendeiro não está dando mais changa. Para a usina só vão os homens, a sua família fica. Isso começou no ano de 1983, que o índio guarani começou a trabalhar nas usinas.

Agora, no território dos índios guarani tem só o país das vacas e têm plantações de soja, só isso que tem no territó-rio dos índios guarani. As comunidades, a nossa terra, estão agora nas mãos do fazendeiro. O que era nosso queremos de volta, só isso. As aldeias estão cheias, têm muitas crian-ças, as aldeias estão cada vez mais cheias e pequenas.

Naquele tempo, quando começou a ter fazendas, teve também aqueles índios guarani que não queriam ir para a aldeia. Não queriam ir mas ficaram lá, estão changueando um pouquinho, desse jeito estão. Tem bastante ainda que estão desse jeito. Então, o fazendeiro é cada vez mais bravo e mau. Cada vez que há mudança de fazendeiro, esse é mais bravo, mais mau e agressivo. Não nos vê como iguais,

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por isso fica bravo. Eles chegaram e ganharam a nossa co-munidade, a nossa terra para a sua fazenda. Ganharam toda a nossa terra. Então, nós índios guarani ficamos completa-mente sem nada, sem a nossa terra. E então, o que podemos fazer? Agora estamos pedindo de volta a nossa terra!

Por causa disso, tem agora as famílias das comunidades, têm pessoas que querem voltar para a sua terra. Então, tem os fazendeiros que acham ruim que o índio guarani queira voltar para onde ele vivia, onde era a terra de sua avó e de seu avô. Por isso, esses fazendeiros estão bravos com os índios guarani. Então, precisamos que as autoridades dos índios e dos brancos vejam isso.

Já chegou a hora de vir as autoridades do branco, esses brancos que vêm de longe, para que vejam o que o fazen-deiro fez conosco, como nós ficamos aqui. Por causa dos brancos não estamos mais passando bem e não temos mais espaço. Então, precisamos que, o que era a nossa terra, seja medida outra vez, para que possamos ficar bem outra vez com nossas famílias. Isso as autoridades precisam ver e saber.

Têm agora algumas comunidades que já temos conseguido: Rancho Jakare, Guaimbe, Takuaraty (Paraguasu), Jaguapire, Pirakua, Siete Cerro, Guasuty, Jarara e Sukuriy. É certo, só esses lugares foram devolvidos.

Agora, tem muita gente lutando pela sua terra, querem-na de volta para irem com sua família. Eles querem conseguir de volta o que era a terra deles. Vamos lutar para poder recu-

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perar a nossa terra para que possamos ficar tranqüilos outra vez, como era de costume, com toda a nossa família. Para trabalhar outra vez com o coração tranqüilo. Nós, agora, estamos procurando de vários lados como faremos para que nos seja devolvida a nossa terra, o que a nossa avó e o nosso avô tinham usado. Para morarmos lá novamente.

O branco é esperto, o branco sabe, conhece todos esses assuntos sobre a terra e o índio guarani, às vezes, não sabe bem ainda. Temos que lutar, temos que pensar como fazer para a nossa família e para o futuro dos nossos netos.

Então, em relação à nossa comunidade, é certo, nós sabe-mos aonde nosso pai, o nosso avô tinham as suas casas. Sabemos bem onde era a roça do nosso pai, onde ia para pescar peixe grande e pequeno, onde ele fez armadilha e onde nossa avó lavava as roupas. Sabemos de que jeito o fazendeiro nos expulsou, então essas coisas sabemos tudo. Só não sabemos em quantas pessoas éramos. Antigamente não se contava, só sabemos que éramos muitos. Agora, nós desejamos, nós procuramos um jeito para que nos seja devolvida a nossa terra, para que possamos morar de novo lá. Para que nos seja devolvido o que era nosso.

Quando saímos da nossa comunidade, não foi porque que-ríamos sair. Teve alguém que nos expulsou de lá, onde nosso pai e nosso avô tinham nascido. Não deixamos nossa comunidade por vontade. Na época que o branco chegou, não sabíamos que o branco ia nos pressionar e que ia tomar a nossa terra. Não conhecíamos a língua do branco, não sabíamos para que fim ele havia chegado. Então, desse jeito

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o branco chegou, nos pressionou, nos matou, nos amedron-tou e nos causou essa confusão. Nós índios guarani, não podemos fazer guerra contra os fazendeiros, nós não temos nada.

Agora nós já sabemos quais são os nossos direitos.

Então, já conhecemos os nossos direitos. Sabemos também o jeito das autoridades e como lidar com elas. É possível, que as autoridades dos brancos conheçam o que estamos pedindo e também nos conheçam. Para que as autoridades grandes saibam nos devolver o que é nosso.

Agora já tem o jeito do branco, tem muitas coisas:

• tem lei,• tem política,• tem documento, esse papel forte e grande,• tem papéis.

Antigamente, nós não conhecíamos tudo isso, porque não eram nossas coisas. Então, como não é o nosso, nós não conhecemos tudo isso. O uso disso é só de agora, agora está sendo usado. Por isso, antigamente essas coisas eram escuras para nós. Mas tem um jeito de procurar uma autoridade que vai esclarecer isso para nós. Às vezes tem um capitão novo que já sabe.

Tem os índios guarani que aprendem nos livros, esses já têm conhecimentos. Já têm conhecimentos através dos livros, eles já têm capacidade para discutir, pressionar em favor dos nossos direitos. Antigamente, nem se via escola, não

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tinha escola. Só tinham a nossa reza cantada e dançada, o jeroky, a nossa dança guachire e as rezas. Temos só isso, esse é o costume do índio guarani.

E depois da chegada do branco já têm muitas coisas. A primeira coisa a ser usada são os documentos, usam-se a política e a escola. Os filhos do índio guarani já entram na escola. Os costumes do índio guarani estão mudando, os costumes do índio guarani e os costumes do branco se misturam. Alguns já falam português. O branco mudou a maneira de ser do índio guarani, tirou um pouco dos seus costumes, desse jeito estamos caminhando agora.

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Agora, estamos caminhando dessa maneira. Nós já conhe-cemos os nossos direitos e o branco tem os seus direitos também, estamos caminhando das duas maneiras. Os dois têm direitos. Só que os brancos estão nos prejudicando, eles sabem ler e são mais fortes e alguns índios guarani não sabem ler. Agora, já estamos entrando na maneira do bran-co, já estamos entendendo.

Essa coisa de que nós queremos a nossa terra de volta, fica agora nas mãos do branco. Eles fizeram uma lei e têm as suas coisas no papel e têm as nossas coisas no seu papel também. Então, os nossos direitos estão nas suas mãos.

Os brancos fizeram muitas leis, para que possam resolver tudo entre eles. Eles pensaram muito. Quando resolvem uma coisa entre eles, usando as leis deles, as duas partes ficam contentes.

Mas sempre eles estão fazendo muitas leis. A lei não termina, para o branco a lei não termina nunca. Sempre tem os que não obedecem a lei, não respeitam a lei. Alguns por não res-peitar e alguns por se achar mais forte, ou seja, por vontade.

O direito do índio e o direito do branco.2

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Por isso, acontece às vezes de se fazer uma lei e eles não a respeitarem, não a seguirem, fazendo o que querem. Isso tem acontecido demais aqui no Mato Grosso do Sul. Muitos brancos não estão confiando na lei. Têm tantas coisas ruins acontecendo através da força.

Agora, tem uma lei da qual eles falam que vai resolver. Eles fizeram uma lei grande. Quando for respeitada irá resolver os nossos problemas. Uma lei para resolver o problema para o índio guarani e para o branco. Essa lei é valida para todos no Brasil.

No ano de 1988, deu-se essa lei grande que se chama Constituição Federal.

Essa lei respeita também a maneira de ser dos índios gua-rani. Então, esperamos que tudo seja resolvido para nós através dessa lei. É bom nós conhecermos essa lei grande. Agora, tem entre nós aqueles que estão lutando para que a lei seja cumprida, tem os que têm a vontade de lutar. Para conseguir a nossa terra temos que pensar, chegar a um acordo, nos organizar, ficarmos juntos com um só coração, com uma única voz. Desse jeito vamos ter força.

É verdade, que o branco quer usar muitos papéis e docu-mentos para resolver entre eles as coisas que ele quer. Então, nós vamos experimentar esse jeito também, vamos pressioná-los para resolver. Agora, já vamos caminhar do jeito que eles estão fazendo. Vamos pressionar para que o que queremos nos seja devolvido. Daqui em diante vamos por esse caminho. Já vamos também usar papéis e docu-mentos para usar essa lei. Porque, logo, a terra é nossa.

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Antes da chegada do branco nós resolvíamos tudo. Nós resolvíamos tudo porque a terra, no entanto, era nossa.

Antigamente, às vezes, nós mudávamos para outra comu-nidade, íamos a outro lugar, era tudo nosso. De repente morreu a nossa avó, o nosso avô, então a família ficava desanimada. Não se sentiam mais bem e saiam de sua co-munidade buscando outro lugar para morar. Porque morriam alguns parentes, por isso alguns saíam. Sempre iam a outro lugar, eles procuravam outro lugar para a sua comunidade. Às vezes, tinha uma enfermidade, então alguns iam procurar um outro lugar também. Também, por causa da enfermida-de eles se mudavam. No outro lugar eles ficavam sãos, se sentiam bem outra vez e a sua família crescia novamente. Nós saíamos até encontrar uma terra boa, para plantarmos, água boa e mata boa. Não íamos muito longe das nossas famílias para poder visitá-las nas festas.

Agora, não é mais possível sairmos. Não é mais possível irmos a outro lugar, porque o branco não está gostando disso, tem-se apoderado de toda a nossa terra. Até agora o fazendeiro está usando a nossa terra, derrubou a mata, plantou capim, plantou soja e espalhou o veneno. Não tem mais caça, não tem mais pesca, nem mel, nem plantas me-dicinais temos mais. Terminaram todas as plantas medici-nais.

Muitas vezes, esses fazendeiros nem nos deixam passar por nossas propriedades, até agora estão nos pressionando cada vez mais. Muitas vezes, pisamos sobre nossa propriedade e mesmo assim não conseguimos passar. Agora o fazendei-

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ro é mais forte, tem mais recursos e são mais numerosos também. Ele tem muito maquinário, tem polícia, tem muita arma e trouxe novas doenças.

Agora, não é mais possível cuidarmos só dos nossos assuntos, senão temos que cuidar dos assuntos do branco também — temos que cuidar dos dois. Agora, já sabemos como está funcionando a LEI do branco, a JUSTIÇA do branco e o GOVERNO do branco. Como é o trabalho deles nós já conhecemos. Temos que conhecer cada um (desses assuntos) e como é o trabalho de cada um. Têm os respon-sáveis para resolver e cada qual tem os seus interesses.

Os que trabalham com a questão fundiária, no Governo Federal, são principalmente:

• a Funai• o Ministério da Justiça

Os dois são os mais importantes. Sem esses dois não tem jeito, não vai sair nada. Eles são os que estão fazendo a identificação e depois eles mandam demarcar. O presiden-te da Funai é uma autoridade e o Ministro da Justiça é uma autoridade também. Só eles é que vão assinar para sair o documento, esse papel grande e forte em relação à nossa terra. Só eles é que vão resolver isso, eles estão elaborando esse papel grande e forte para reconhecer a nossa terra. Eles estão resolvendo isso.

A Funai é para:

• resolver os problemas fundiários,• fazer identificação,

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• demarcar,• nos atender, e• atender também aqueles que voltam para a sua terra.

É verdade que tem muitas leis e a lei mais grande é a Cons-tituição Federal. Essa lei grande é a melhor. É possível que tenha valor para todos, defende todos e todos precisam respeitá-la.

Os que estão fazendo a lei são: os deputados e senadores. Eles são chamados de: “Congresso”, eles são políticos.

A justiça são: os juízes e os procuradores. A função deles é ver se o que tem na lei está sendo cumprido e respeitado.

Os políticos são os que estão fazendo a lei. Os que estão lidando com a lei são outros: os juízes e os procura-dores.

Então, agora vamos ver o que é o trabalho de cada um, o que eles estão fazendo para nos devolver a nossa terra, porque eles têm (o poder) na sua mão para devolvê-la.

O primeiro passo é a Funai fazer a identificação de uma co-munidade. Eles estão fazendo um estudo, estão fazendo um levantamento e estão colocando a nossa memória sobre o papel, para que as autoridades do branco saibam também onde nós vivíamos.

Desse jeito, é possível comprovar que nós vivíamos em nossa terra, em nossas comunidades, antes da chegada do fazendeiro.

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A parte mais importante que temos que ver, que se precisa, é a memória das velhas e dos velhos. Só eles lembram desse tempo quando o branco chegou e entrou. Desse jeito as autoridades do branco vão saber de que jeito nós vivíamos em nossa terra. Outras coisas que eles vão saber:

• onde nós vivíamos,• onde nós trabalhávamos na roça,• onde tem os cemitérios,• onde ficavam o campo e a mata, e• como se chamavam os rios e riachos e cada lugar.• Eles também vão anotar todas as pessoas de lá, todos os

nomes de nossos parentes no papel

Durante a identificação o branco quer ver e conhecer um pouco as pessoas dessa comunidade. Eles querem saber:

• a nossa maneira de ser,• as nossas tradições,• como nós trabalhávamos na roça, e• de que jeito nós usávamos a nossa terra.

A identificação não trata só de como nós tínhamos usado a nossa terra, não só até agora. Nós temos o direito à uma parte que vamos precisar só no futuro. Temos que pensar como resolver para a nossa família e para os nossos netos, também, no futuro. Precisamos de um espaço grande e re-tirado também, para colocar nossa família e nossos muitos netos para podermos ir longe.

É possível, que o governo e que o juiz fiquem em favor do fazendeiro. Também, é possível, que fiquem em nosso favor.

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Por isso, é preciso lutarmos para que eles cumpram o nosso direito.

Durante a identificação, é bom que falem aqueles que tenham bons conhecimentos, para que eles tenham confian-ça. Então, se eles tiverem boa confiança, dessa maneira o governo também vai confiar. É bom falar com eles com tranqüilidade, falar a coisa certa claramente, para que as autoridades grandes confiem bem. Se eles confiarem, eles vão fazer um documento, esse papel grande e forte, apro-vando em nosso favor. Se não contarmos bem, não vão ter confiança. Vai ter perigo do fazendeiro ficar com o que é nosso.

Certamente, nós não estamos mentindo, nós não queremos tomar a fazenda. Nós não vamos tomar a fazenda. Nós só queremos o lugar onde tínhamos vivido. Nós não queremos uma fazenda, nós só queremos a nossa terra. Onde a nossa avó e o nosso avô nasceram, isso queremos de volta.

Tem muitas autoridades do branco, não é só uma que vai resolver. Vão chegar antropólogos, engenheiros e agrôno-mos. Tem o presidente da Funai e têm os juízes. Estes vão fazer um documento para que nos seja devolvido o que é nosso. Então, isto agora nós já estamos conhecendo. Não tem outro jeito. Então, para que a nossa terra nos seja devol-vida, tem que passar por eles. Só eles vão nos atender e vão nos devolver onde nós crescemos. Sem as autoridades do branco não vai ser devolvido para nós.

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Então, nós, certamente, precisamos ficar mais unidos, ficar com uma mesma fala, um só coração, uma só voz — temos que ficar unidos.

Agora, não vamos conseguir mais se seguirmos só a nossa maneira de ser, não é mais possível conseguirmos só desse jeito. Estamos assim agora. Não dá mais para chegar na nossa terra por esse caminho. Agora, precisamos das pes-soas que nos ajudem a conhecer todas as coisas que são necessárias. Precisamos, também, que venham esses bran-cos para nos atender e conhecer.

Então, alguns estão fazendo uma entrada, já entram em sua terra. Mas, tem muito mais ainda a resolver em relação à sua terra. Não é que isso (a entrada) vai resolver tudo para que o tekoha seja devolvido. Daí tem muitas coisas ainda. Nós precisamos de muitas coisas por parte das autoridades grandes.

Se o documento sobre a nossa terra não foi feito ainda, tem muitos perigos para nós. O fazendeiro tem muitos jagunços. Então, quando a autoridade do branco já fez esse documen-to, esse papel grande e forte, tem em seu poder como nos defender. Depois que sair esse documento, os juízes e até o governo irão nos defender. Até a polícia irá nos defender. Antes desse documento sair não vai ter nenhuma segurança para nós.

Tem as autoridades que estão a nosso favor e tem os que estão contra nós. A autoridade que mais está nos ajudan-do é o procurador. É bom o que o procurador está fazendo. Ele está controlando o que as autoridades do branco estão

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fazendo, como estão trabalhando — se estão fazendo bem ou ruim. O que mais está faltando são pessoas para agarrar a lei com autoridade, verdade! Às vezes, tem alguém que desconfia de nós. Então, é possível nós procurarmos o pro-curador. Então, ele poderá mandar fazer a coisa de novo, para que saia o que nós queremos.

Nossa autoridade, nossa coisa, logo, é a Funai. Também é possível que nós procuremos o procurador para que ele nos atenda. O procurador é importante para nós, porque é possível que ele saiba o que nós precisamos. É bom que nós conheçamos as autoridades que existem e que conversa-mos com elas, para saber quais são os nossos direitos. Porque cada uma das autoridades tem o seu trabalho sepa-rado.

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Tem essa lei mais grande que o branco fez para nós e para eles, para todos no Brasil. Nessa lei tem uma parte para todos os índios no Brasil. Tem muitos índios no Brasil. Tem os Guarani e Kaiowá, tem Terena, Xavante, Kaiapó e tem muito mais. Nós moramos aqui no Mato Grosso do Sul.

Constituição Federal, a lei mais grande do Brasil.3

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Capítulo VIII: DOS ÍNDIOS

231: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originá-rios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Essa lei fala que respeita:

• a maneira de ser do índio guarani,• a língua do índio guarani,• as suas crenças,• as suas tradições.

Então, a nossa maneira de ser, a nossa língua, os nossos costumes sagrados e as nossas tradições, essa lei está respeitando muito. Por essa lei nos respeitar tanto, está res-peitando também (o fato) de que tínhamos usado o conjunto das nossas comunidades. Logo esse é o nosso direito.

3.1 No começo essa lei fala assim:

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O dever da União, desse governo, é de nos devolver as nossas comunidades, a nossa terra. E demarcá-la para que possamos usar outra vez onde tínhamos vivido. Também é o dever da União de cuidar da terra da nossa comunidade, depois da demarcação e de fazer respeitar a nós e o que é nosso.

1— organização social, costumes, línguas, crenças e tradições:

1— A nossa maneira de ser, a nossa língua, os nossos costumes sagrados e as nossas tradições.

Isso significa:

• A nossa maneira de ser são as formas de como estamos vivendo juntos: nos casando, como nós estamos procu-rando um companheiro; o nosso jeito de fazer justiça e como vivemos com o nosso próximo e com o nosso vizi-nho.

• Como é o trabalho de nossas autoridades, como esta-mos elegendo o nosso futuro líder político, o nosso futuro capitão. Como estamos esperando o tratamento do nosso líder político. O capitão atende também esses de fora, a Funai, a Funasa e a Usina.

• Como nós trabalhamos, os homens e as mulheres, cada um sozinho ou com a sua família. Também é possível que tenha mutirão, o convite para um trabalho em comum.

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• Como nós estamos fazendo nossas rezas cantadas e dançadas e como estamos rezando. Como estamos pe-dindo saúde no começo do dia, chamando os cuidado-res para benzer todos. Como o rezador está elegendo o seu assistente. Como ele está conhecendo quem vai ser o seu futuro assistente.

• Como o pai está ensinando o seu filho, ensinando-o continuamente e a sua mãe fala também. Seguindo a maneira de ser da mãe e do pai os moradores da terra vão ficar bem.

Nós fizemos tudo de acordo com os nossos costumes. Sabemos construir as nossas casas e sabemos trabalhar as nossas roças, sempre fomos assim. Agora, nós já temos agarrado outra maneira de ser. Agora, por causa da chega-da do branco, nós também temos mudado. Nós sempre vamos usar a nossa maneira de ser, mas o branco quer que nós estudemos. Nossos filhos e nossas filhas já vão para a escola. Estamos usando um pouco o jeito do branco, mas não é possível mudar todos os nossos costumes. Com os dois vamos seguir agora.

Então, a lei do branco fala que nós temos o direito de ficar do nosso jeito. Se nós queremos mudar também é possível. Alguns já mudaram um pouco os seus costumes, já têm outro jeito, pode ser que sejam crentes. Só não dá para que nós velhos mudemos tudo. Não é possível que nós mudemos para os costumes do branco. A maneira de ser do branco é diferente. É possível, que entendamos alguma palavra em português.

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É nosso direito, portanto, que fiquemos de acordo com a nossa maneira de ser. Se quisermos mudar para outra maneira de ser, também é nosso direito.

2— direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam:

O nosso direito em relação à terra, isso é o mais importante.

Todas as nossas comunidades, logo, são do índio guarani. Nós sabemos, logo, como todos os índios guarani tinham vivido. O branco chegou só depois. Na época, antes da chegada do branco, nós vivíamos em nossas comunidades, em nossa terra. Agora é nosso direito voltarmos para lá. Nós somos “originários” desse país. Originário, quer dizer, onde nossas avós e nossos avôs moravam desde antigamente. O branco não é originário daqui, porque chegou de outro país. De longe veio ao nosso território.

É nosso direito, portanto, de usar novamente o que tínhamos usado, a nossa terra, é verdade. Os nossos avôs e nossas avós estão sabendo, estão lembrando bem da origem da nossa maneira de ser antes da chegada desses brancos. Eles sabem também como o fazendeiro nos expulsou. Então, eles vão contar suas memórias ao branco, para que durante a identificação, o branco coloque essas memórias no papel.

Quando o juiz for ler as memórias dos velhos e das velhas e se ele confiar, irá fazer das memórias deles um autêntico

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documento, um papel grande e forte. Ele vai fazer um papel em relação à nossa terra. Pode ser que as memórias da nossa avó e do nosso avô, sobre a sua comunidade, vão ser mais forte que o título de propriedade do fazendeiro.

Por isso, o que a nossa avó e o nosso avô têm falado é importante. É possível que o juiz faça de suas palavras um documento em relação à nossa comunidade, à nossa terra.

3— competindo à União demarcá-las, pro-teger e fazer respeitar todos os seus bens:

Essa lei fala que o governo tem que nos devolver o que eram as nossas comunidades. O governo manda demarcar a nossa terra para nós. Um (órgão) que tem que nos de-volver a nossa terra é a Funai, para isso tem a Funai. Ela cuida, portanto, dos assuntos dos índios.

Até agora, não demarcaram ainda. Tanto já temos esperado, tantas pessoas antigas já morreram, estão se acabando. Nunca nos informaram, nem nos devolveram a nossa terra. Porque, na verdade, é difícil que os brancos cumpram a lei e isso é difícil para nós. Eles fizeram as leis e estão nos le-vando por esse caminho, então vamos passando por ele. Tem tantos que estão fazendo leis, por isso é difícil para nós resolver os nossos assuntos.

Temos que conversar mais entre nós, para ficarmos com o coração tranqüilo. É bom ficarmos com uma só voz, desse

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jeito ficamos com o coração tranqüilo. É bom que conver-semos, para não ter conflito entre nós e para não ter conflito com os brancos — com aqueles que trabalham conosco. Vamos ficar todos com um só coração.

Temos que conversar entre nós também, para que os brancos não cumpram só para eles, e sim para que eles cumpram também para nós. Para que eles façam o seu tra-balho de acordo com os seus costumes, verdadeiramente, de acordo com as suas leis.

Tem os brancos que estão nos apoiando. Então, tem a Funai em Brasília, tem o procurador, é certo. É só com eles que vamos tratar, vamos perguntar e vamos pedir. Esses temos que conhecer. Eles cuidam de nós.

É assim: às vezes tem uma identificação muito lenta ou eles estão demarcando devagar demais; então, é bom que tenha um jornalista que faça algo escrito, que passe na televisão e no rádio, que tenha essas coisas. Para que o Brasil inteiro, o mundo inteiro possam saber o que estamos passando. Às vezes vem um jornalista que faz só o lado do fazendei-ro. Então, precisamos de alguém que faça também o nosso lado. Não é possível que só o fazendeiro faça essas coisas (de acordo com a sua vontade). É bom que o mundo inteiro saiba o que está acontecendo, para também nos respeitar.

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Nessa lei fala assim:

Capítulo VIII: DOS ÍNDIOS

231: 1O. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as uti-lizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

1— São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente:

A terra da nossa comunidade, isso que temos usado con-tinuamente desde antigamente, o que temos usado no lugar onde tínhamos vivido — isso logo, é o nosso direito de acor-do com a lei do branco.

3.2 Como a lei do branco respeita a nossa terra.

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No passado, nossos antigos, eles não saíram logo de sua comunidade. Às vezes, ficavam nas margens de um riacho por 30 ou 40 anos sem deixar o lugar. De vez em quando queriam mudar, sempre na margem de um riacho, sempre ficamos na beira da água.

Depois os fazendeiros e os outros brancos nos expulsaram, expulsaram nossos avôs e nossas avós da sua comunida-de. Tantos deixaram o lugar onde tinham vivido, eles não sabiam que por causa do fazendeiro não seria mais possível voltar para a sua terra. Às vezes, o fazendeiro os confinou totalmente. Nem trabalho queriam dar mais — e então aonde iremos? Tantos de nós deixamos as nossas comunidades. Às vezes, o fazendeiro chegou e de onde as nossas avós e os nossos avôs nasceram os expulsaram. (O fazendeiro) foi vendendo e o novo fazendeiro falou: “saiam daqui!”. Teve fazendeiro que mandou a polícia e, às vezes, vinha o missionário para nos levar.

Tem alguns de nossa gente, que ficaram na fazenda e estão trabalhando lá. Então, às vezes, o fazendeiro fala que esse índio não é de lá, que só está changueando. E, às vezes, até fala que eles são paraguaios. O branco chama eles de: “desaldeados”. Isso quer dizer que esses índios guarani não têm comunidade. Isso não é certo, o branco não conhece as nossas comunidades, a nossa terra.

Aqui, portanto, é o nosso território. Agora, tem também o nosso direito através da lei do branco. A lei do branco nos dá o direito de conseguirmos de volta todos os lugares onde tínhamos vivido. Vamos morar novamente onde os nossos

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avôs e as nossas avós tinham crescido. Então, vamos morar lá novamente.

2— as utilizadas para suas atividades pro-dutivas:

Antigamente nós precisávamos, portanto, da nossa terra para nos alimentarmos, nós e nossa família. Nós sabemos, logo, o que mais tínhamos feito: fazíamos a roça, íamos caçar, íamos pescar peixe grande e pequeno, íamos encontrar mel. Tudo o que comíamos vinha da mata. Tinha plantas medici-nais na mata e no campo, quando em nossa família alguém estava doente o curávamos. Também tinha na mata jabuti-caba, taquara e cipó. Tirávamos todas as coisas da mata. A gente se virava somente com as coisas da mata, comíamos só a carne da mata. Então, nessa época, tinha tudo em nossas comunidades: mata, água, cabeceiras, campo, tinha tudo. Conhecíamos tudo. E, agora, não é mais possível usarmos, a mata acabou. Os brancos derrubaram tudo.

3— as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodu-ção física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

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Conhecemos, logo, as nossas necessidades. Certamente, nós queremos uma terra que seja bem grande para que a nossa família, os nossos filhos possam crescer e os nossos netos também. Para alimentá-los bem e para colocá-los bem, precisamos: água boa, um campo bem grande e se tiver, ainda, uma mata. Porque como estamos indo agora, estamos totalmente apertados. Isso está nos afligindo muito, não estamos mais bem. O branco está nos apertando total-mente.

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Essa lei nos conta como vamos usar novamente a nossa terra:

2O. As terras tradicionalmente ocupados pelos índios destinam-se a sua posse per-manente, cabendo-lhes o usufruto exclu-sivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

4O. As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

Então, já conhecemos essa lei grande que se chama Constituição, que fala para a Funai demarcar a nossa terra. Fala para medir o que é nosso, para que possamos usá-lo de novo. E de acordo com essa lei, a Funai também está aí para cuidar de nós.

A nossa terra está sendo demarcada de acordo com essa lei, para poder saber onde é a nossa e onde é a do branco também — para que cada um possa usar o seu sistema. Nós usamos o nosso sistema, os nossos costumes e o fazen-deiro também tem o seu sistema.

3.3 Como vamos usar a nossa terra de acordo com a Constituição, essa lei grande.

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Uma comunidade é usada pelos que são de lá. A Constitui-ção fala que, logo, esses de lá podem fazer um bom uso da terra, de acordo com os seus próprios costumes. Para que os seus donos possam usá-la novamente. Muitas vezes nós ficamos em outros lugares, então é possível voltarmos à nossa comunidade. Depois da demarcação, só nós índios guarani usaremos a nossa terra, somente os índios guarani.

Então, somente nós vamos viver em nossa terra e usá-la novamente. É o nosso direito usar tudo o que está sobre a terra.

Às vezes, os brancos querem entrar na nossa terra. Por isso, tem os que cuidam de nós para que aqueles não entrem. O governo tem como nos atender para que outros não entrem em nossa terra, para que outros não usem a nossa terra.

Nós conhecemos bem as formas para usar a nossa terra. Quando os brancos querem entrar, são proibidos de acordo com essa lei grande. Para todos os brancos, fazendeiros, sem terra, para todos eles é proibido usar a terra dos índios guarani, a nossa terra.

Às vezes um fazendeiro, nosso vizinho, que fica ao lado da nossa comunidade coloca a sua cerca mais para dentro da divisa. Ele a coloca mais para dentro e assim vai continuan-do. Então, lá ele cria animais, vacas ou planta soja. Às vezes até levanta sua casa lá. Também é possível que da nossa terra, da nossa comunidade, eles tomam e usam: madeira, remédio; tudo o que tem nela e usamos eles tomam de nós.

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Às vezes para um fazendeiro, nosso vizinho, nós mesmos damos a nossa terra para ele usar. Isso nós chamamos de: “arrendar”, é certo. Então, ele usa um pedaço de nossa terra, lá ele cria vacas ou faz o seu roçado. Isso também é proibido. É proibido em nossa terra. Essa lei grande fala que não é possível que isso seja feito, não podemos dar a nossa terra, a nossa comunidade para o fazendeiro usar.

Nós não compramos a terra. Então, tampouco nós podemos vendê-la, nem podemos dá-la para os brancos usar. A nossa terra é para ser usada somente por nós índios guarani.

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Nós sabemos que queremos de volta o que é nosso, o que era a nossa terra, e estamos sabendo também quem vai nos devolver. Agora tem as autoridades do branco, tem o presidente da Funai, tem muito governo. Tem essa lei gran-de que fala para nos devolver a nossa terra. Sempre a Funai e o governo tem participação para resolver a (devolução da) nossa terra. Isso fica nas mãos deles, não fica nas nossas mãos.

Nós sabemos onde é a nossa terra, então eles vão colo-car a divisa. Antigamente, os índios guarani não conheciam nem limite e nem divisa. Só tinham as nossas comunidades. Agora estamos usando divisas.

Então, o trabalho da Funai é:

• Fazer a identificação e fazer a delimitação; isto quer dizer, colocar divisas onde vai ser novamente a nossa terra.

• Depois eles vão medir e demarcar para nos devolver a nossa terra.

• Quando nós usarmos novamente a nossa terra, terá os que cuidarão de nós, para que nada nos aconteça.

Como a nossa terra é medida.4

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Para cuidar disso só tem a Funai. Sempre queremos de volta o que era a nossa terra. Nós conversamos entre nós, nos reunimos para ver como podemos conseguir de volta a nossa terra. Estamos fazendo muito isso. Só desse jeito vamos conseguir novamente o lugar onde tínhamos vivido. Sendo assim, depois de termos conversado muito, iremos até Brasília para conversar com as autoridades grandes. Para contar a eles o que nós precisamos, o que nós queremos.

Então, o presidente da Funai verá quais pessoas vão vir para trabalhar com a questão da nossa terra. Ele escolhe um grupo, que se chama: “Grupo de Trabalho” (GT), para traba-lhar a questão da nossa terra, para que nos possa ser de-volvido onde tínhamos vivido. Eles vão vir, eles vão trabalhar para conhecer a nossa gente. Eles também vão ver a nossa terra para conhecê-la bem. Então, poderemos mostrar-lhes de que ponto a que ponto fica a nossa terra.

Esse grupo tem um cabeçante que se chama: “antropólogo”. O trabalho dele é conhecer os nossos costumes. Ele tra-balha em relação a nossa terra, as nossas comunidades. Ele é o conhecedor da terra e o conhecedor dos nossos costumes. Somente o antropólogo é quem vai colocar no papel onde é a nossa terra e também onde tínhamos vivido. Ele vai colocar no papel como nós vivíamos antigamente, como o branco chegou e como nos expulsou. Tudo isso ele coloca no papel. Depois de ver e depois de fazer o papel, ele vai contar tudo novamente às autoridades em Brasília.

Durante a identificação vamos lhes contar: onde era a nossa terra; onde eram os cemitérios, nossas roças, nossas casas;

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aonde íamos pescar peixe grande e pequeno; aonde íamos tomar banho e aonde as mulheres iam lavar roupa. Vamos lhes dar (todas essas informações) para que eles conheçam bem. Vamos lhes contar também todas as pessoas que são de lá. Vamos nos reunir para que eles possam nos ver e colocar no papel quantos somos de lá (com vida).

Vamos contar mais das nossas tradições. Então, somente a avó e o avô sabem como nós vivíamos desde os tempos antigos até hoje. Às vezes, a sua mãe e o seu pai tinham contado para eles os costumes dos tempos antigos, como eles eram usados antigamente, o que era de nosso uso. Muitas pessoas jovens não nasceram onde era a sua comunidade. A sua mãe ou o seu pai é que são de lá, mas aqueles sempre souberam. Sempre souberam de onde são (oriundos). Precisamos de uma avó e de um avô para com-provar onde era a nossa terra. Só nas palavras da avó e do avô se tem confiança.

Através das palavras da avó e do avô vamos conseguir de volta a nossa terra.

Então, esses velhos, só eles sabem onde fazer a delimitação, é certo. Eles vão ensinar ao antropólogo onde tem os riachos e como são chamados; onde tinha campo e mata. Desse jeito o grupo vai saber aonde ficará a divisa.

Só por meio disso o antropólogo vai fazer o mapa da nossa terra. Desse jeito ele vai saber onde vai ficar a nossa terra e também a propriedade do fazendeiro.

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Esse Grupo de Trabalho não está olhando somente a nossa terra, é certo. Eles vão ver também a propriedade do branco. O que tem por lá, o que o fazendeiro tem feito. Isso também vai ser colocado no papel. Eles vão fazer um balanço, vão ver o valor das coisas do fazendeiro. Desse jeito, eles vão ver bem e conhecer bem, para que lá apresentem ao governo, para que o fazendeiro seja pago. Essa parte, quando o grupo está vendo as coisas do fazendeiro, eles chamam de: “fundiária”.

Então, esse trabalho que se chama identificação tem duas partes:

• a parte antropológica, na qual são vistos os nossos costumes e a nossa terra, e

• a parte fundiária, o que o fazendeiro mandou fazer.

A parte que o antropólogo está fazendo, conhecendo a nossa terra e os nossos costumes, isso é o mais importante. Essas autoridades grandes em Brasília, eles não chegam por aqui para conhecer, eles não conhecem o que era a nossa terra. Às vezes, um capitão que está querendo a sua terra de volta pede a eles. Então, sem documento eles não conhe-cem (a situação) e não podem confiar. Eles vão enviar esse grupo para fazer o documento, para fazer uma identifica-ção. Então, o antropólogo chega para saber como é a nossa terra, onde ficava. Ele vai conhecendo como era antes da chegada do branco. Ele vai escutar as palavras dos velhos. Depois de escutar tudo o antropólogo vai colocá-las no papel. E quando estiver no papel, os que estão em Brasília

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vão saber, já vão poder confiar onde fica a terra. É possível que lá eles vão aprovar isso, já vão ter confiança.

O antropólogo vai perguntar muitas coisas e só os mais velhos vão responder isso:

• onde enterramos os nossos mortos antigamente;• onde levantamos as nossas casas antigamente e onde

fizemos caminhos para irmos às outras casas;• onde tínhamos as roças antigamente e o que tínhamos

plantado neles; • onde tínhamos colocado as trampas;

Como fazíamos antigamente os cestos mynaku e ajaka; peneira e abano; banco e cocho de chicha. Antigamente usamos também arco e flecha. Tantas coisas que se produ-zia (dos materiais) da mata.

Então, de tudo isso o antropólogo faz um documento, é certo. Ele vai fazer um documento grande e forte que tem valor. Isso não é um documento qualquer. Isso é um documento grande que vale para podermos usar a nossa terra novamente.

Através das palavras do avô e da avó, o antropólogo e o engenheiro vão juntamente fazer um mapa. Isso nós cha-mamos: “forma da terra”, isso é a forma da terra no papel.

— Nesse mapa da terra tem uma parte, que é a terra que tínhamos usado. O que era de nosso uso para usarmos novamente.

— Agora nós temos mais filhos, nós somos mais numero-sos. Então, tem mais uma parte para o uso de agora.

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— Depois tem mais uma parte para ser usada no futuro, porque a nossa gente vai aumentando. No futuro, quando nossos filhos forem adultos e mais numerosos, vamos usar essa parte. Nós vamos usar cada vez mais essa parte.

— Depois vai ter mais uma parte sem ser usada ainda. É possível que vai ter um pequeno pedaço da mata; campo bom para encontrar remédio; água boa para ir pescar e as cabeceiras. Isso em português eles chamam: “reserva ambiental”. Não é para ser usado agora, só os descendentes de nossos filhos vão usar essa parte.

É bom ter uma parte sem ser usada ainda em nossa terra, para encontrar um pouco de mata, campo, minas de água e riachos bons. Lá dá para ficarmos bem, para viver de acordo com os nossos costumes.

Então, esse grupo está vendo onde é a nossa coisa e onde é a coisa do branco também. Agora é assim: eles estão colocando uma divisa. Antigamente não tinha divisa. Isso eles estão chamando: “delimitação”, é para separar o que é nosso e para separar o que é do branco também.

“Levantamento fundiário” eles chamam o que tem em cima do que era a nossa terra. Então o fazendeiro levantou casas, fez açude, cerca, curral, fez essas coisas. Fez crescer algu-mas plantas, árvores; plantou capim. Isso eles estão cha-mando: “benfeitorias”, isso é o que o fazendeiro mandou fazer. Nós falamos para isso: “tudo o que o fazendeiro fez para a sua propriedade”. Em muitas fazendas nós mesmos trabalhamos para ele, o que ele quis fizemos para ele. Nós mesmos fizemos para ele.

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— Então, tem o “levantamento antropológico”. O antro-pólogo faz um trabalho para saber como nós usamos a nossa terra antigamente. Ele vem para conhecer e ver isso.

— E tem o “levantamento fundiário”. Isso o antropólogo e os engenheiros estão fazendo para saber o que o fazen-deiro mandou fazer.

— Agora nós estamos passando mal, nós estamos com quebranto. Então, vai ter esse trabalho para nós ficarmos e usarmos novamente o lugar onde tínhamos vivido. Para usarmos novamente agora e depois, no futuro.

Esse trabalho de delimitação é para que a terra (de uma comunidade) seja boa. O antropólogo está vendo o que vai ter na terra e o que vai ficar fora. Para saber bem como vai ser outra vez a nossa terra, há quatro aspectos:

• Tem uma parte onde nós moramos antigamente: onde fizemos as nossas casas, onde os nossos filhos cresce-ram, onde buscamos água para beber, essas coisas.

• Tem mais uma parte que temos usado: onde antigamen-te fizemos as nossas roças, aonde fomos pescar e caçar, de onde trouxemos para construir as nossas casas: ma-deira, pindó, capim e taquara; aonde encontramos remé-dio. Conhecemos todos os lugares onde tivemos essas coisas antigamente.

• E vai ter também um espaço que nós deixamos para o uso dos descendentes dos nossos filhos, para o uso dos nossos netos. Isso temos que deixar para o futuro uso dos nossos filhos.

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• E depois vai ter uma parte que nós chamamos: “mata e campo para ficarem (sem uso)”. Eles chamam isso: “reserva ambiental”. É bom que nós e os descendentes dos nossos filhos cuidemos dessa parte, é bom cuidar-mos dela para nós. É bom que nessa terra tenha água para vivermos. Então, que tenha bons riachos para tomar banho e para lavar roupa e que tenha minas de água. É bom que asseguremos isso. É bom ter em nossa terra riachos e minas de água para nós cuidarmos deles.

Se as cabeceiras ficarem fora pode, de repente, ter um fazendeiro que as estará sujando, que colocará veneno. É possível que alguma cidade, algum frigorífico coloquem os canos na mina. Então, não vai ser possível que nós pos-samos usá-la. As cabeceiras têm que ficar em nosso meio, estar dentro do que vai ser nosso. Vamos cuidar de tudo que vai ser nosso.

Nas nossas comunidades no Mato Grosso do Sul, as auto-ridades não cuidam de nós. Não tem autoridades que cui-dam do entorno das nossas comunidades. Às vezes o nosso vizinho, o fazendeiro, nos prejudica e ninguém está vendo e denunciando. Não tem autoridade cuidando.

No tekoha, lá nós vivemos. Os nossos filhos, as crian-ças, as velhas e os velhos estão vivendo lá. Então isso é o nosso tekoha. Tem lá os nossos parentes, a nossa família extensa. Todos são nossa gente, nossos filhos, nossos netos, aqueles que vivem conosco.

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Às vezes acontece, é certo, que os documentos não estão sendo bem feitos. Que os documentos em relação à nossa terra saiam ruins. Então as autoridades não estão confiando. Às vezes, os documentos que são feitos não são válidos. Por isso, não se está dando a terra que estamos esperando. Isso não queremos mais! Queremos que se faça uma coisa que tenha valor para nós, que seja um documento bom e que nos sirva.

Jaguary tem só 480 ha. O governo fez só um pequeno tekoha para ser usado pelos de lá. Lá estão. Somente até aí foi dado à eles. Isso aconteceu no ano de 1986. Nessa época, até o governo falou que não queria fazer uma identifi-cação para eles. Os de lá não sabiam como uma identifica-ção e delimitação são feitas. Ninguém lhes falou, para que entendessem. Isso aconteceu porque os índios guarani não tinham conhecimentos. O antropólogo não escutou o que eles falaram. Então o antropólogo não fez um mapa grande da terra, mandou fazer só um pequenino.

Quando os de lá chegaram na sua terra de Jaguary e olha-ram o outro lado do riacho, que é a sua terra também, (viram que) o antropólogo tinha deixado de fora, não colocou tudo. Um pedaço grande ficou fora, eles não podem usá-lo. O antropólogo que trabalhou lá, por não conhecer muito bem, por não saber tudo, fez isso. Por isso, um pedaço grande ficou fora.

Sukuriy também tem uma terra pequena. Demarcou-se só 535 ha para ser usado por eles. Na época em que o Grupo de Trabalho fez a identificação, os de Sukuriy mora-

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vam somente num espaço pequeno. O fazendeiro os tinha expulsado da sua terra. Então, no momento da identifi-cação o antropólogo não viu onde era o seu antigo tekoha. Só demarcou para eles uma terra pequena. Até agora os de lá moram só numa pequena esquina, não estão usando ainda a sua terra. O fazendeiro ainda está usando a terra da comunidade deles.

Em Cerrito é assim também. Na identificação uma parte de seu tekoha ficou fora. A própria Funai lhes falou para deixar essa terra. Uma parte do tekoha falaram para ser usada e a outra para deixá-la. Deram-lhes só um pedaço da sua terra.

Tem muitos casos em que os habitantes de um tekoha explicam bem de onde são. Eles conhecem bem a sua terra. E, assim mesmo, no momento da identificação lhes devolveram somente uma pequena parte. Então, eles não usam toda a sua terra. Na época, queriam dar até o máxi-mo de 2.000 ha para ser usado por cada comunidade. Isso aconteceu muitas vezes: em Jaguapire, Takuaraty, Guasuty, Jarara e tem mais casos ainda.

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Em relação à justiça, tem informações que são importan-tes para nós. É bom que escutamos e saibamos como nós poderemos lidar com a justiça e como é o trabalho das auto-ridades da justiça.

5As informações que são boas para sabermos em relação à justiça.

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A identificação, logo, é nosso direito. Isso não é pouca coisa. As identificações que são feitas para nós são nosso direito e as coisas dos brancos são seu direito também. Antigamente, não sabíamos pedir e exigir o nosso direito. Não conhecíamos as leis que as autoridades grandes têm. Agora já sabemos como pedir. Antigamente, a própria Funai não queria que nós conhecêssemos para que nós não pedíssemos o que queríamos. Eles ficaram quietos, não tinham compaixão conosco. Eles não queriam que nós conhecêssemos para que não lhes apertassem, porque se conhecêssemos iríamos apertá-los.

Por isso, as autoridades grandes, às vezes, fizeram uma identificação e não a fizeram certo, não fizeram no lugar certo. Nós não temos confiança nelas. Muitas vezes não nos deram uma terra grande, mandaram nos dar somente uma terra muito pequena. Desse jeito vamos, desse jeito estamos, por isso estamos usando somente partes minúsculas das nossas terras. Um pedaço pequeno não dá, não adianta porque nossos netos são muitos.

Por isso, queremos que na identificação nos coloquem bem, que eles façam bem. Porque se não estão fazendo bem e se estão dando pouco, não é valido. Desse jeito vamos ficar

5.1 A identificação e a delimitação, portanto, são nosso direito.

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sem nada. Se agora estão dando só um pedaço pequeno, então, em quinze anos já vai nos faltar novamente. Não é só para o nosso uso, senão para o uso dos nossos netos e das nossas netas, para os descendentes dos nossos filhos.

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Com freqüência temos escutado eles falarem: “esperem, esperem”. Então, eles definem um prazo para resolver o que nós precisamos e queremos. O governo vai estabelecer uma data para nos atender. Só o governo pode dar o prazo.

Sempre por aqui, nós fazemos reuniões e com freqüência vamos lá para Brasília, onde estão as autoridades grandes, para lhes pedir o que necessitamos e queremos. Eles sempre falam que vão nos providenciar o que nós queremos. Então, eles nos dão prazos e nunca chegam até nós, não conhe-cemos os resultados. Desse jeito estamos com as autorida-des grandes, estamos sendo enganados.

Na língua verdadeira prazo se chama: “colocar hora”. Eles estão mentindo para nós, porque quando chega a hora eles não aparecem. E eles colocam outra hora, dão um novo prazo e nunca aparecem por aqui. Eles não chegam, estão nos enganando, mentem.

Nós queremos uma coisa certa, nós queremos que eles cumpram a sua palavra. Se eles falam que vão fazer em tal dia, em tal hora, então nós já ficamos lhes esperando. E, eles não estão cumprindo, não estão chegando, não vêm. Nós precisamos deles. Outros não podem fazer. Por isso, nós pedimos e perguntamos à eles. Só a autoridade pode

5.2 O governo estabelece uma data para nos atender.

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fazer, por isso vamos (até ela) para nos comunicar. E, ela não cumpre, mente e nós não estamos nos sentido bem.

Na língua dos índios guarani se fala: “a nossa autoridade grande está nos enganando”. Então, por eles não cumprirem vamos assim. Ficamos e estamos assim. O que nós pedimos às nossas autoridades grandes, eles não estão atendendo e não estão cumprindo para nós. Só eles têm a lei nas suas mãos, está em suas mãos cumpri-las e são os responsá-veis por nós. Muitas vezes eles não estão ao nosso favor.

Então, os brancos fizeram uma lei, é certo. Eles colocam um prazo: tantos meses, tantos dias eles precisam para resol-ver o problema. Para que terminem rápido, por isso fizeram essa lei. De repente eles colocam um prazo e muitos anos vão passando, continuam passando. Cada presidente da Funai se compromete para identificar e delimitar muitos tekoha a cada ano. Mas nunca estão fazendo, não acontece isso. E, mesmo que delimitem ou demarquem uma terra, mesmo assim o fazendeiro sempre usa o que é nosso. Continuamente ele usa a nossa terra. Não querem nos dar o que é nosso.

Agora nós ficamos assim. Tem muitos tekoha que já estão com o seu dono, já identificados, e os de lá mesmo assim continuam num pedaço pequeno. Enquanto a lei e a jus-tiça resolvem isso, e juntam todos os documentos para resolver, nós esperamos lá. Nós ficamos lá num lugar pe-queno, ficamos aflitos. Agora tem muitos tekoha desse jeito: Potrero Guasu, Ñande Ru Marangatu, Jatayvary, Arroyo Cora, Sukuriy, Guyra Roka, Takuára e tem mais

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ainda. Eles ficam numa parte minúscula, não usam toda a sua terra. Então eles esperam que a lei e a justiça resolvam. Muitas comunidades estão passando mal assim.

O fazendeiro usa a nossa terra e fala que nós também usamos a nossa terra. Então, nós ficamos nesse pequeno pedaço, nesse lugar pequeno e ele já fala que nós usamos a nossa terra. Não é assim, numa parte minúscula vivemos, não estamos usando tudo. Enquanto nós esperamos que a lei e a justiça resolva para nós, o fazendeiro usa a nossa terra. Nós só esperamos que a lei resolva, que seja cumpri-da. Para isso tem a lei. Para que não passem tantos anos.

Desse jeito é difícil para nós conseguirmos o que queremos, a nossa terra. Eles dão um prazo e nos colocam para ficar num lugar muito pequeno e do mesmo jeito não é resolvido, continuam não fazendo nada. Nem a justiça está fazendo, nem a lei está fazendo. Falta cumprir o que estão falando. Isso acontece demais aqui no Mato Grosso do Sul.

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A Constituição, essa lei grande fala que temos, portanto, o direito de entrar na justiça.

Art. 232: Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

É bom sabermos os nossos direitos. A Constituição fala que é direito nosso, que nós índios guarani podemos entrar na justiça para lhes solicitar, para saber como é a lei. Nós somos todos iguais, é certo. O branco tem o seu direito e nós temos o nosso direito.

Nós temos o mesmo valor, nós índios guarani e o branco também.

Antigamente não era assim. Nesse tempo o SPI (e depois, a Funai) eram responsáveis por nós. Atualmente não é assim. Essa lei grande fala que todos os que são índios guarani têm direitos iguais. Os que são de um tekoha têm o direito de reclamar para que sua terra seja resolvida. E

5.3 Portanto, temos o direito de entrar na justiça.

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cada organização, cada “conjunto (de pessoas) para fazer o melhor”, pode entrar na justiça.

Nós também podemos pedir para um advogado trabalhar a nosso favor. Se precisamos — às vezes alguém nos é con-trário — então, é possível que tenhamos o nosso advogado. Ele vai processar quem está nos prejudicando, para que não nos prejudiquem. Até é possível processar o governo para cumprir o que é nosso direito.

O Ministério Público é um dos que estão do nosso lado. Às vezes tem alguém contra nós, então eles podem nos de-fender para não sermos enganados. Já sabemos que tem o procurador que trabalha em nosso favor. Ele trabalha com o Ministro para não tomarem o nosso direito. Nós não temos como pagar um advogado que nos represente e que fale em nosso favor. É difícil para nós chegarmos ao juiz, não podemos chegar junto dele para conversar com ele. Somos pobres. Então, o único que temos, que podemos procurar é um procurador para termos nossos direitos. O procurador fala com o juiz, ele tem o direito de conversar com o juiz.

Então, essa lei está nos dizendo muitas coisas boas. Nós esperamos que isso aconteça, mas isso nunca está se cumprindo para nós. Ficamos assim, vivemos esperando. Nós já conhecemos os brancos, eles sempre estão fazendo política. Nós, os índios guarani, não conhecemos a política, nós não temos isso. Não é a nossa coisa, a política é coisa do branco. Os brancos estão nos fazendo usar a política, por causa do branco já a conhecemos, só não sabemos usá-la.

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Então, o governo é para atender os pobres e os ricos, traba-lhar do mesmo modo. O governo tem uma coisa: quem o está pressionando mais, então a esse o governo mais vai ajudar. Por isso, os nossos capitães e os nossos representantes têm o direito para ir a Brasília, junto às autoridades grandes, para pressioná-los ao nosso favor. Apertá-los para que eles cumpram o nosso direito. Tem os que mais precisamos pressionar: o presidente da Funai e o Ministro da Justiça. Esses vamos apertar mais.

Nós, Kaiowá e Guarani, vivemos em nossas comunidades. Então, quando saímos para viajar, vamos de acordo com os nossos costumes, junto às autoridades grandes. Vamos lhes pedir o que queremos. Como eles vão nos dar o que queremos, o que é nosso, a nossa terra.

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Já sabemos que a Funai tem que mandar fazer a identifica-ção e a delimitação. Então, esses documentos sobre a terra vão junto à justiça para serem reconhecidos. A Funai manda esses documentos para o Ministro da Justiça. O fazendeiro também pode mandar fazer um levantamento da terra, di-zendo que não é a nossa terra, que não tínhamos vivido lá. Ele vai contratar alguém para fazer esse trabalho para ele e apresentá-lo ao Ministro da Justiça.

É possível que o Ministro da Justiça olhe o nosso documento e o aprove. Quando ele conhecê-los bem vai falar de quem é a terra. Então, ele manda de volta ao presidente da Funai para demarcar o que é nosso, nossa terra. O fazendeiro também vai junto à justiça e comunica que isso não é nosso direito, que a terra não é nossa.

O juiz recebe os nossos documentos, recebe os documen-tos do branco para saber quem está certo, quem tem razão. Olha os documentos para poder confiar de quem é a terra. Então, quando não está lhe parecendo bem, quando ele não está seguro, é possível que ele mande fazer de novo o trabalho sobre a terra. Quando está errado manda fazer um documento novo. Os brancos estão chamando isso de fazer de novo: “perito”. Isso estão fazendo para compreender

5.4Como os nossos documentos sobre a terra estão sendo tratados pelas autoridades grandes.

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bem. Precisamos que o estudo e que o levantamento que vão ser feitos para nós sejam acertados e seguros. Também é possível que vai ser marcado um dia junto ao juiz para que ele nos escute. É possível que o juiz vai escutar as nossas palavras pelas nossas próprias bocas.

Desse jeito, nós muitas vezes estamos esperando, vivemos esperando para que nos seja resolvido. Muitos anos fica-mos assim e não nos é resolvido. É possível que um dia seja resolvido.

Então, tem só o procurador que pode nos atender. Junto com o juiz olha como estão os documentos: estão bons ou estão ruins? Só dele vamos saber como ficam os nossos documentos. Ele e o juiz estão se falando um com o outro.

Enquanto isso, às vezes, nós ficamos esperando mais ainda. Nós agora ficamos num pequeno chiqueiro, não usamos toda a nossa terra, ficamos num pedacinho. Nós esperamos pelo juiz. Nós esperamos que o procurador procure o juiz para averiguar como está o nosso documento. Se não está bom esperamos de novo até que nos seja resolvido, até que acabe bem. Nós ficamos desse jeito.

O fazendeiro, ele sempre usa o nosso tekoha, a nossa terra. Ele sempre a usa e nos ficamos esperando.

O juiz nunca chega para ver como nós estamos passando por aqui, como nós ficamos. Ele nunca vem, ele não está vendo como nós sofremos. Desse jeito estamos e ficamos. O juiz só olha os documentos que estão chegando até ele. Ele só fica conhecendo e sabendo através dos documentos.

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Pode ser que ele vai marcar um dia para falar conosco ou com o fazendeiro.

Por isso, é bom que no momento da identificação se faça um documento que tenha valor, que possa ser aprovado. Que se faça um documento para que o juiz possa conhecer bem e aprovar de um bom jeito o que é nosso, para que seja seguro. Para que as autoridades grandes: o juiz, o Mi-nistro e o presidente da Funai possam saber bem que a terra, portanto, é nossa.

O fazendeiro também apresenta os seus documentos em relação à terra: títulos, impostos pagos e mais documentos que ele tem. Ele sempre os apresenta e nós não temos esse tipo de documentos, títulos e impostos pagos. É bom para nós que a identificação seja feita. Que as palavras dos velhos sejam certas para que se possa ter confiança. Desse jeito vai ser possível que as autoridades tenham confiança e nos devolvam a nossa terra.

Dessa forma, é certo, passam tantos anos na justiça e o fazendeiro a está apertando. E, ele sempre usa a terra do nosso tekoha. Eles vão demorando até quinze, vinte e trinta anos. Precisamos que a justiça encontre um caminho para que a terra seja nossa, para não ficarmos e vivermos assim. Não é possível que toda a nossa gente, dos nossos tekoha, tenham que esperar por tantos anos. Só nós estamos sofrendo tantos anos por essa demora. Nos deram uma terra pequena demais, então, lá nós ficamos e vivemos mal. Há muitos lugares que estão desse jeito: não tem lenha, não tem água, fica lá nesse pequeno pedaço que foi dado. Eles

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mandaram nos dar uma terra muito pequena de nosso tekoha para não nos expulsar totalmente. Por falta de vontade nos foi dada uma terra tão pequena. Para não ter que nos levar a outro lugar, ficamos num pequeno chiqueiro.

As autoridades não cuidam de nós para que possamos usar toda a nossa terra. Então, o nosso governo, ele de-veria cuidar de nós para que possamos usar a terra dos nossos tekoha. Ele é, certamente, o responsável para assumir conosco. Para isso tem o governo.

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Nesse livro tem muitas palavras, é certo. Celso e Paz se reuniram muitas vezes conosco para conversarmos juntos. Nós lhes perguntamos o que é bom para nós sabermos e eles também nos perguntaram muitas coisas. Tantas palavras eles perguntaram aos velhos e as velhas para conhecer através deles mesmos.

Celso e Paz escolheram as informações que são boas para nós sabermos, eles encontraram as que têm valor para nós e que vão ser de nosso proveito. Eles nos contaram as infor-mações para que saibamos como os brancos estão respei-tando a lei e o que é nosso, e também, como os brancos não respeitam a lei e o que é nosso.

Celso e Paz colocaram essas informações nesse livro em português e em guarani, para que cheguem a muitos índios guarani que estão fazendo perguntas e que querem ter co-nhecimentos. Eles procuram nos ajudar através desse livro para que nos seja devolvida a nossa terra, os nossos tekoha. Para que nós, Kaiowá e Guarani, possamos viver em nossa verdadeira terra, em nosso território.

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O primeiro texto foi elaborado num português coloquial que está sendo usado na comunicação com a população indí-gena no MS. Até elaborar o texto, as informações sempre foram transmitidas oralmente. Por isso, adaptou-se o estilo de um português mais bem falado também na escrita. Pela mesma razão se manteve a maneira de repetir todas as infor-mações várias vezes, como é de costume na comunicação dos índios guarani.

O conteúdo do texto está baseado nas experiências de trabalho de Celso Aoki com os Kaiowá e Guarani da região, na questão fundiária, há mais de vinte anos.

A tradução para o guarani foi feita por informantes índios em colaboração com Friedl Paz Grünberg. A meta era chegar a uma “tradução cultural” do texto e a uma linguagem que até os idosos da população pudessem entender bem. Por isso, se procurou deixar uma margem muito ampla para a interpretação do texto em português, de acordo com o mundo guarani e a visão da realidade deles. E, assim, procurou-se a colaboração de informantes que dominam o guarani tradicional.

Nota Metodológica

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A maior indicação que essa meta foi atingida com êxito é o fato de que eles, desde o início dos trabalhos, traduziam tanto as explicações gerais como o “você, vocês” do português em “ñande” e “ore”, as duas formas de falar “nós” (inclusivo e exclusivo) no guarani. Traduziam o conto sobre a história deles em descrições da sua realidade e expressavam a sua visão do “jeito do karai, do branco”.

A metodologia usada para o trabalho de tradução foi a de primeiro explicar a parte imediata a ser traduzida em portu-guês e guarani, para depois ler uma ou duas frases. Estas frases foram discutidas por dois informantes, um deles idoso e o outro de meia idade. Quando o texto em português não era entendido, se procurou outras formas para expressá-lo, muitas vezes, também em guarani. Todas essas discussões foram gravadas e posteriormente transcritas.

O texto em guarani foi elaborado com base nas transcri-ções, usando exclusivamente frases e palavras faladas pelos informantes indígenas. Orientando-se, portanto, na linha do texto em português.

Achou-se o texto em guarani tão expressivo e autêntico que se decidiu fazer outra tradução para o português, para que o público em geral possa conhecer melhor o modo guarani de pensar.

Nessa segunda tradução, procurou-se ficar tão perto quanto o possível das palavras guarani, mesmo que dessa manei-ra o português, por vezes, ficasse um pouco estranho. Para

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algumas palavras do guarani se está querendo explicar a forma de ser traduzida:

ava — significa, tanto no guarani dos Kaiowá (Pau-Tavyterã) como no dos Guarani (Ñandéva) “homem” (dessa parciali-dade). Para não ter que escrever toda vez “índio Kaiowá e Guarani”, decidiu-se usar o nome genérico que a antropolo-gia dá a esses povos e se traduziu como “índio guarani”.

mbairy — é um termo que os Kaiowá estão usando e que significa “estrangeiro não indígena”. Traduziu-se sempre como “estrangeiro”, só. O estrangeiro indígena é freqüente-mente chamado “ava amboae” — “outro homem (índio), homem (índio) diferente”.

karai — é o termo que desde a colônia foi usado por todos os povos guarani para denominar os invasores. Hoje em dia, no MS, está sendo usado para denominar o “branco”, palavra que muitas vezes está sendo usado nos seus dis-cursos sinonimamente.

tekoha — é um termo com uma conotação muito ampla e importante no mundo guarani. Significa o espaço geográ-fico, em que se realiza a vida econômica, social, política e religiosa de um certo grupo. Tradicionalmente, o grupo era encabeçado por um líder político (mburuvicha) e um líder religioso (pa’i, tekoaruvicha, oporahéiva). Até meados do século XX, o líder político era na maioria dos casos um avô da família extensa. Num tekoha morava, tradicionalmente, uma família extensa junto com alguns agregados. Em caso de pessoas de fora querendo morar num tekoha em que não

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tinham nascido, o líder político decidia se podiam. Parentes, tanto do lado da mãe quanto do pai, tinham o direito de morar lá. O espaço geográfico de um tekoha era definido por características geográficas como cerros, riachos, lagos, certo tipo de vegetação e também por eventos que tinham acontecido no lugar ou por serem habitados por um “jára”, um “cuidador espiritual”.

Na tradução do texto se usou, na maioria dos casos, a pa-lavra “comunidade” para tekoha. Em casos que o termo era muito importante como: “comunidade, terra”, para abranger a amplitude do significado. E, algumas vezes, quando mais se referia ao espaço geográfico, só “terra”.

O termo para “terra”, só como espaço geográfico, que ao mesmo tempo significa “mundo” e “yvy”.

jerure — “pedir”, tem no guarani uma conotação mais ampla. Também significa exigir uma coisa a qual se tem o direito (não exigir uma coisa indevida). Então, quando estão “pedindo”, também significa exigir uma coisa legitimamente.

No Brasil não existe ainda uma forma unificada de escrever o guarani. Estão sendo usadas as mais diversas formas, às vezes não muito corretas do ponto de vista lingüístico. Por isso, decidiu-se usar na transcrição guarani a forma padroni-zada que foi desenvolvida no Paraguai desde os anos 1960. É a forma em que a maioria da literatura indígena e campesi-na em guarani e os dicionários estão sendo publicados no Paraguai.

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