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INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE Bases para o Futuro dos Pequenos Negócios

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  • INOVAO E SUSTENTABILIDADE

    Bases para o Futuro dos Pequenos Negcios

  • INOVAO E SUSTENTABILIDADE

    Bases para o Futuro dos Pequenos Negcios

  • CONTEXTO ECONMICO

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    INOVAO E SUSTENTABILIDADE

    Bases para o Futuro dos Pequenos Negcios

    Os textos publicados neste livro foram escritos a partir das palestras e dos debates apresentados no Seminrio Internacional sobre Pequenos Negcios,

    ocorrido em abril de 2012, em So Paulo.

  • 3CONTEXTO ECONMICO

    RUMOS PARA OS PEQUENOS NEGCIOS AT 2022

    O Brasil e o mundo passaram por grandes transformaes na ltima dcada. Em 2002, a China era a sexta maior economia, hoje a segunda. O G-20 ganhou fora, os pases emergentes passaram a ser importantes motores da economia mundial, o nmero de usurios de internet no planeta ganhou alguns ze-ros, pulando dos milhes para os bilhes, consumidores passa-ram a exigir mais produtos e servios sustentveis e o Brasil se transformou em pas de classe mdia.

    A Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, entre outras medidas, criou a figura jurdica do Microempreendedor Indivi-dual, mudando radicalmente o panorama institucional para os pequenos negcios brasileiros, o que resultou na formalizao de mais de 2,5 milhes de empreendimentos em menos de trs anos. Se 2012 apresentou uma realidade diferente da de 2002, os ce-nrios apontam que os desafios para 2022 sero ainda maiores, mais variados e complexos.

    O Sebrae sabe da importncia da compreenso desses movi-mentos para a elaborao de uma estratgia que eleve o patamar de insero dos pequenos negcios brasileiros na economia. Nes-

  • CONTEXTO ECONMICO

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    se sentido, o Seminrio Internacional sobre Pequenos Negcios, que teve a presena de palestrantes de renome internacional em mesas focadas nos temas essenciais para os pequenos negcios brasileiros, uma importante etapa no processo de montagem da estratgia do Sistema Sebrae para os prximos dez anos.

    parte de um processo intenso e coletivo de reflexo sobre o que mudou na ltima dcada e que oportunidades e desafios podemos vislumbrar para os pequenos negcios e para o Sebrae at 2022. Dirigentes, colaboradores e parceiros participaram presencialmente ou via web com perguntas para os palestrantes e promovendo debates nas unidades do Sebrae em todo o pas.

    O livro Inovao e Sustentabilidade Bases para o Futuro dos Pequenos Negcios sntese desse esforo, e uma impor-tante contribuio para a elaborao da proposta de direcio-namento estratgico sintonizado com as necessidades do pas e dos pequenos negcios para os prximos dez anos.

    Roberto SimesPresidente do Conselho Deliberativo Nacional

  • 5CONTEXTO ECONMICO

    Sumrio

    Rumos para os pequenos negcios at 2022 Roberto Simes 3

    Apresentao Luiz Barretto 7

    Prefcio Delfim Netto 9

    Vises do futuro 13

    Captulo 1O contexto econmico e os pequenos negcios 22-46

    Paul Krugman Cuidado com o amor do mercado 24Delfim Netto Rumos da economia brasileira (palestra); 36Provavelmente nada o que parece (artigo) 46

    Captulo 2Os desafios da competitividade frente s novas oportunidades 52-98

    Desafios da sustentabilidade 54-98Stuart Hart (Cornell University) O futuro, de baixo para cima 54

    Carlos Alberto dos Santos (Sebrae) As trs dimenses da sustentabilidade 70Pedro Luiz Passos (Natura) O improvvel tambm acontece (palestra); O Brasil e o empreendedor do sculo XXI (artigo) 86

  • CONTEXTO ECONMICO

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    Desafios da inovao 99-128 Charles Edquist (Lund University) O Estado, o mercado e o processo inovador 100 Glauco Arbix (Finep) Fim dependncia tecnolgica 108 Jorge Gerdau (Gerdau) Inovar ou morrer 122

    Nova classe mdia e oportunidades de mercado 129-158Marcelo Neri (FGV) Asas para a nova classe mdia 130Renato Meirelles (Data Popular) Novos padres de consumo no Brasil 138

    Romero Rodrigues (Buscap) O sucesso de uma ex-nanoempresa 148

    Captulo 3Ambiente legal 160-203

    Senador Jos Pimentel No Brasil, uma base cada vez mais confivel (palestra); Desenvolvimento e felicidade para as famlias (artigo) 162 Robert McKinley (SBDC/SBA, EUA) Nos EUA, foco no empreendedorismo 176Hlonela Lupuwana (SEDA, frica do Sul) Na frica do Sul, uma longa caminhada 184Jos Luis Uriarte Campos (Sercotec, Chile) - No Chile, novos estmulos oficiais 192

    Luiz Barretto (Sebrae) - Resultados e novos desafios 197

  • 7Apresentao

    Entre as principais economias do mundo, os pequenos neg-cios so sempre a grande maioria das empresas, cerca de 99% do total de CNPJs, e tambm os principais empregadores. No di-ferente no Brasil, onde as micro e pequenas empresas aquelas que faturam at R$ 3,6 milhes por ano respondem por 70% das novas vagas formais geradas a cada ms e so responsveis por 40% da massa salarial dos brasileiros.

    Essa representatividade dos pequenos negcios no Pas confir-ma que no h como planejar o desenvolvimento local e sustent-vel sem incluir as micro e pequenas empresas. Elas so as grandes geradoras de oportunidades de emprego e renda e um importante motor do nosso mercado interno, que hoje possui cerca de 100 mi-lhes de consumidores, sendo que 40 milhes deles fazem parte da nova classe mdia.

    O Sebrae certamente participar ativamente desse processo de incluso produtiva dos pequenos negcios no Brasil. As esti-mativas so de que as micro e pequenas empresas representem cerca de 25% do PIB brasileiro, mas h espao para conquistar uma participao maior delas, a exemplo do que ocorre em pa-ses europeus, cuja representao chega ao dobro desse valor. Para isso, os pequenos negcios devem priorizar a gesto empresarial e estar inseridos na agenda da inovao e da sustentabilidade, que so temas do sculo XXI.

    Prticas inovadoras podem ajudar a elevar a competitividade dos pequenos negcios em um mercado cada vez mais exigente. Convive-se com o mito de que inovar caro e que os recursos de

  • 8uma pequena empresa para tal so insuficientes, o que no ver-dade. Inovao no se resume a criar um produto ou servio com nova tecnologia inovar mudar processos de produo e prticas de gesto, muitas vezes com prticas mais simples do que se ima-gina. Um bom exemplo so as iniciativas sustentveis visando a re-duo de custos com recursos no renovveis e o aproveitamento de materiais e produtos reciclveis.

    Com o objetivo de discutir as oportunidades e os desafios s micro e pequenas empresas no futuro realizamos, durante trs dias, em So Paulo, o Seminrio Internacional sobre Pequenos Negcios, cujo contedo encontra-se na ntegra nesta publicao. Reunimos empresrios, especialistas, polticos e acadmicos da economia brasileira e mundial que abordaram aspectos macroeco-nmicos e especficos que impactam o segmento das empresas de micro e pequeno porte.

    No Brasil, o momento nunca foi to propcio para empreender. O ambiente legal avanou e os empreendedores esto amparados pela Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, que oferece um regime tributrio diferenciado e melhores condies de sobrevi-vncia aos pequenos negcios. A cada trs empreendimentos no pas, dois so abertos por uma questo de oportunidade. O em-preendedorismo est cada vez mais se tornando uma opo real de emprego para milhes de brasileiros, e o Sebrae tem como misso contribuir para a construo desse Brasil desenvolvido, sustent-vel e empreendedor.

    Luiz Barretto

    Diretor-Presidente do Sebrae Nacional

  • 9Prefcio

    Fiquei feliz com o convite para escrever este prefcio, porque me permitiu unir o til ao agradvel com a leitura dos trabalhos que o Sebrae reuniu sobre o Seminrio Internacional de Pequenos Ne-gcios, realizado em abril de 2012, em So Paulo. Tive a opor-tunidade de dar uma pequena contribuio aos debates, ao lado de eminentes economistas e professores universitrios, empres-rios, profissionais liberais e administradores pblicos brasileiros e estrangeiros que fizeram intervenes de altssima qualidade durante o encontro, aqui reproduzidas. Elas tratam das questes que dizem respeito ao desenvolvimento das micro e pequenas em-presas diante do desafio das inovaes que esto revolucionando processos de produo e mtodos de comercializao em escala planetria e como reagem ao vertiginoso avano das novas tecno-logias de comunicao e ao aumento da competio.

    A pauta incluiu uma coleo de temas superinteressantes. O leitor vai ter o privilgio de encontrar, logo no primeiro captulo, em apenas seis pginas, a reproduo da palestra proferida pelo professor Paul Krugman, Prmio Nobel de Economia de 2008, na qual faz uma anlise magistral da crise que a economia mun-dial suporta h mais de quatro anos. Ele fala da ao brasileira no combate aos efeitos da maior crise do sistema financeiro mundial desde a dcada de 1930. E comentou que a reduo das desigual-dades e o progresso na incluso social que acontecem no Brasil so uma histria feliz em contraste com a tragdia do desempre-go nos Estados Unidos e na Europa.

    O livro contm a transcrio de mais catorze palestras ou ar-

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    tigos, sempre numa perspectiva dos futuros desafios que as micro e pequenas empresas devero enfrentar, seja no atual quadro das dificuldades que travam a economia mundial, seja nas prximas etapas do desenvolvimento da economia brasileira e de suas prin-cipais parceiras. De minha parte, na pequena contribuio que apresentei, procurei chamar a ateno para a feliz circunstncia de o Brasil ter moderado a sua taxa de crescimento demogrfico, desmentindo as projees alarmistas de trinta ou quarenta anos atrs que previam uma exploso populacional que nos levaria a padres indianos ou chineses, o que, conforme os catastrofistas militantes, apenas produziria novas dificuldades ao crescimento econmico, com aumento dos nveis de pobreza e da desigualdade social. Essa moderao se deve ao processo civilizatrio que deu liberdade de escolha mulher, que se educou mais depressa que o homem e afastou aquela exigncia de programas de controle da natalidade, que no funcionaram em nenhum lugar.

    O que preciso enfatizar, entretanto, que, embora mode-rando a taxa de crescimento populacional, teremos de construir as condies para daqui a vinte anos oferecer trabalho decente a 150 milhes de brasileiros na faixa de 15 a 64 anos e atender s ne-cessidades de aposentadoria de um nmero crescente de idosos. Para atingir esses objetivos, consensual que temos que aumentar a cooperao pblico-privada para proporcionar os investimentos na infraestrutura fsica e melhorar substancialmente os sistemas de educao e sade. Na construo desse futuro h um espao crescente para as micro e pequenas empresas, que tm tido um ambiente mais seguro desde 2006, com a aplicao da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, aprovada no Congresso, e a sua expanso apoiada em medidas de estmulo e aes de parceria desde o governo do presidente Luiz Incio Lula da Silva, conforme foi enfatizado por vrios conferencistas. Dentre estes, o senador Jos Pimentel, ex-ministro da Previdncia, que presidiu a Frente Parlamentar Mista das Micro e Pequenas Empresas, e o prprio

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    presidente do Sebrae, Luiz Barretto, que citou o aumento de 15% para 30% na participao das pequenas empresas nos negcios de governo entre os anos de 2006 e 2011.

    No espao limitado deste prefcio no terei oportunidade de citar todas as contribuies, igualmente teis, que o leitor certa-mente apreciar nas prximas pginas. Fao meno a mais trs participaes, comeando com a do economista e professor Car-los Alberto dos Santos, diretor tcnico do Sebrae, que ressaltou a dimenso social e econmica alcanada pelos pequenos negcios, que j so mais de 6 milhes em todo o pas e respondem pela for-te gerao de empregos que conforme avaliou no conhece, nem reconhece as crises. Citou como exemplo o ano de 2009, quando o segmento das pequenas empresas gerou mais de 1 mi-lho e 200 mil novas vagas, compensando o fraco desempenho das grandes empresas.

    Ele relatou casos interessantes de pequenos empresrios em trs estados Mato Grosso, Sergipe e Rio Grande do Norte que tiveram sucesso ao identificar oportunidades de reduo de cus-tos, de aumento de margens e na prpria competitividade, graas a pequenos investimentos que tiveram como foco a sustentabilidade ambiental. Esse mesmo captulo, que trata dos desafios da competi-tividade frente s novas oportunidades, brinda os leitores com mais uma palestra imperdvel e um artigo especial do empresrio Pedro Luiz Passos, fundador e presidente do Conselho de Administrao da Natura Cosmticos, que conta a trajetria de sucesso de uma empresa que no incio tinha grande probabilidade de dar errado, sob o ttulo bem-humorado de: O improvvel tambm acontece.

    No quero encerrar sem fazer referncia a um trecho da men-sagem do empresrio Jorge Gerdau, membro do Conselho Supe-rior do Movimento Brasil Competitivo, integrante do Conselho Superior Estratgico da Fiesp e do Conselho de Desenvolvimento Econmico e Social do governo da presidenta Dilma Rousseff, ao falar sobre os Desafios da Inovao. Diz a mensagem:

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    A inovao exige de todos ns que nos ajustemos ao ritmo dos processos tecnolgicos, de globalizao e de desenvolvimento. Para tanto, temos que mexer em nossa cultura, porque, se histori-camente se pode admitir que o mercado pressiona normalmente a evoluo da inovao, quando o processo toma um ritmo acele-rado como se verifica hoje, preciso que a sociedade se mobilize no sentido de perseguir a inovao. Sem a conjugao de esforos da ao pblica e da viso empresarial, fatalmente teremos um processo gradativo ou eventualmente rpido de obsolescncia do nosso parque empresarial, em todos os campos.

    Delfim Netto

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    Vises do futuro

    A situao dos Estados Unidos ruim e a da Unio Europeia, pior ainda. Em seu conhecido estilo direto, o Prmio Nobel de Economia Paul Krugman abria com essa viso o Seminrio In-ternacional sobre Pequenos Negcios, promovido pelo Sebrae no auditrio do Hotel Grand Hyatt, na zona sul de So Paulo, na manh de 18 de abril de 2012. Os mais de trezentos convidados presentes no evento e outros perto de 5 mil em todo o Brasil, via videoconferncia teriam mais dois dias para ver o panorama de dificuldades, os riscos, as oportunidades e os caminhos que o en-contro proporcionaria, e que o jornal Valor Econmico, apoiador do encontro, saudou em sua edio de 23 de junho como o surgimen-to de uma nova agenda para os mais de 6 milhes de pequenos ne-gcios brasileiros. Ao fim, um aprecivel conjunto de informaes, experincias e, principalmente, respostas que os profissionais do Sebrae haviam recolhido para ajudar no planejamento estratgico da dcada frente.

    Diante de um cenrio to desanimador nas economias mais ricas e desenvolvidas, como esse contingente de micro e peque-nas empresas, responsvel naquele mesmo momento por cerca de um quarto da riqueza produzida no Brasil, 53% dos empregos formais e 40% de toda a massa salarial, iria continuar a se de-senvolver e ganhar fora? Como poderia vencer o desafio da ino-vao e incorporar a sustentabilidade, conforme proposto pelo presidente do Sebrae, Luiz Barretto?

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    O prprio Krugman pregou que a sada era o mercado interno reconhecido pelo Sebrae como a grande vocao do setor das micro e pequenas empresas brasileiras e o dos demais pases emergentes. Este ltimo, ressalvou, um pouco mais problemtico, dada a excessiva apreciao do real, que ele considera difcil de controlar, por causa do grande montante de capital acumulado nos pases ricos, procura de oportunidades de retribuio mais generosa como as que o Brasil vinha oferecendo, tanto pelos juros quanto pelo tamanho do mercado interno, principalmente depois de irrigado pelo dinheiro de 40 milhes de consumidores recm-che-gados chamada nova classe mdia.

    Robert McKinley, compatriota de Krugman e vice-presiden-te do Instituto de Desenvolvimento Econmico da Universidade do Texas em San Antonio (USTA), responsvel por programas de gerao de oportunidades para pequenas empresas, proporia, dois dias depois, a formao de uma rede de pequenos negcios englobando os pases latino-americanos e os Estados Unidos, na qual o Brasil teria papel fundamental como detentor da maior fatia do universo de 150 milhes de consumidores da Amrica Latina, prestes a chegar a 225 milhes.

    Para Delfim Netto, que dividiu com Krugman as honras da abertura do encontro, o estmulo ao desenvolvimento dos peque-nos negcios e no s destes exigiria financiamento adequado, maior facilidade de acesso ao crdito e juros menores, com a taxa bsica tendendo ao nvel mundial, algo que ele vinha defendendo como fundamental para a retomada do processo de desenvolvi-mento do pas.

    Na avaliao do sistema financeiro dos pases ricos, as opi-nies de Delfim e de Krugman convergiram para uma posio em que ambos condenavam a falta de regulao do setor como responsvel, entre outras mazelas, pela bolha imobiliria dos Estados Unidos, que acabaria gerando a crise de 2008. Con-vergiram tambm na constatao de que os pases praticamente

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    insolventes da zona do euro no podem ser responsabilizados, isoladamente, pela crise que se instalou na regio e que parecia longe do fim. Para ambos, o sistema financeiro e as polticas de governo, especialmente da rica Alemanha, esto na gnese do problema.

    O Prmio Nobel usou de ironia ao falar da enxurrada de em-prstimos a juros baixos que correu para os pases menos avan-ados da zona do euro e lembrou que comeava a se fazer um paralelo com o que acontecia no Brasil: No se surpreendam, o mercado agora adora vocs, mas na ltima dcada os mercados da Europa amavam Espanha e Portugal, e at Grcia e Irlanda, pases que passaram a ser submetidos a um grande arrocho por parte desses mesmos mercados, do Banco Central Europeu e da Comisso Europeia para pagar a conta custa de recesso, de-semprego brutal, cortes de investimentos, salrios e aposentado-rias e aumento de impostos. Uma receita que no iria dar certo, alertou Krugman.

    No por acaso, passado algum tempo da advertncia do Prmio Nobel, e at para confirm-la, agora sem ironia, a Ale-manha anunciava sua pretenso de ampliar exportaes para o Brasil. Afinal, mercado consumidor mercado consumidor. E no estaria sozinha, segundo observadores da cena global. Como lembrara no mesmo Seminrio o diretor tcnico do Se-brae, Carlos Alberto dos Santos, outro Prmio Nobel, o tam-bm norte-americano Joseph Stiglitz j havia ensinado que ao descobrir que o dinheiro est na base da pirmide, todas as multinacionais querem chegar at ela para se apoderar da ri-queza.

    As vises de Paul Krugman e Delfim Netto sobre a economia internacional e do Brasil, respectivamente, esto expostas no ca-ptulo que aborda o contexto econmico e seus desafios para os pequenos negcios. O ex-ministro da Fazenda do Brasil ainda es-creveu especialmente para este livro o texto Provavelmente nada

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    o que parece, em que trata da crise produzida pela desmontagem sistemtica da regulao financeira.

    Inovao, sustentabilidade e oportunidades

    Inovao e sustentabilidade, os dois pilares para a construo de uma viso empresarial at 2022, horizonte do planejamento a que o Sebrae se dedicava, foram tratados em dois amplos painis que reuniram especialistas do Brasil e de vrios outros pases, alm de empresrios. Isso num quadro de crise no rico Hemisfrio Nor-te, mas de relativa prosperidade e estabilidade nos pases emer-gentes, um momento que o presidente do Conselho Deliberativo Nacional do Sebrae, Roberto Simes, classificou de especial ao trazer mudanas profundas e complexas, em que a sobrevivncia estar ligada inovao e sustentabilidade.

    Inovao tornou-se quase sinnimo de salvao e at obsesso, principalmente desde que a indstria da informtica e das telecomu-nicaes recriou o ambiente social e econmico com novos e revolu-cionrios produtos e sistemas e, depois, quando o impasse criado pelas crises parecia ter sepultado os velhos padres de desenvolvimento.

    No Brasil, porm, a inovao ainda no havia conquistado seu lugar na cultura e nos investimentos das empresas, segundo Glauco Arbix, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agncia do Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao (MCTI). Para ele, a economia brasileira ainda mantinha certa hostilidade para com a tecnologia e a inovao. Embora reconhecendo que a situao havia melhorado nos ltimos tempos, lamentou que as em-presas brasileiras ainda investissem muito pouco nesse setor, em parte por causa de suas estratgias, em parte por causa dos instru-mentos pblicos e privados ou da falta deles oferecidos para apoiar a inovao. Custos elevados, impostos, burocracia, logstica e infraestrutura inadequadas, alm da dificuldade de interlocuo entre universidade e meio empresarial, foram arrolados por ele no

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    pacote de entraves. E nesse contexto, quem sofre mais so as pe-quenas empresas, lembrou Arbix, para quem a soluo desses pro-blemas condio indispensvel para um crescimento entre 4% e 6% ao ano. Ainda assim, Arbix mostrou-se otimista com as inicia-tivas oficiais, como o Plano Nacional de Tecnologia e Inovao e o Plano Plurianual, com os quais espera que os investimentos em P&D passem de 1,19% do PIB, em 2012, para 1,8%, at 2015.

    Com mais recursos, menos entraves e maior conscientizao, es-pera-se que exemplos como o da Gerdau, gigante da siderurgia brasi-leira com sede em Porto Alegre e 49 usinas espalhadas por vrios pa-ses nas Amricas, na Europa e na sia, tornem-se mais frequentes por aqui. O presidente do Conselho de Administrao da empresa, Jorge Gerdau, sempre se referiu com entusiasmo ao campeonato mundial das melhores ideias que envolve toda a comunidade de 45 mil colabo-radores, em todo o mundo, do cho de fbrica alta administrao. De incio, sai um primeiro vencedor anual em cada usina; em seguida, um em cada pas e, por fim, h uma escolha mundial. Os vinte melhores projetos so expostos e seus autores, premiados.

    Se havia um consenso amadurecido sobre a necessidade de inves-timentos em inovao, outro que vinha se formando havia um bom tempo o da sustentabilidade, um conceito que o Sebrae j contem-pla, como lembrou seu diretor tcnico, Carlos Alberto dos Santos, porque o tema no moda, mas uma maneira de trabalhar e se de-senvolver com sustentabilidade ambiental, social e econmica.

    Nessa perspectiva, a pequena empresa tem um papel funda-mental, de acordo com Stuart Hart, professor da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, fundador e diretor do Centro Glo-bal de Empreendimento Sustentvel. Ele defende h muito tempo que o desenvolvimento sustentvel s estar garantido se for pu-xado de baixo para cima, ou seja, com foco na base da pirmide, naqueles 4 bilhes de pessoas que se encontram na pobreza em todo o planeta. E essa ao nada tem a ver com a adaptao de produtos feitos para o topo da pirmide a fim de serem vendidos

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    s pessoas de renda inferior, como vem acontecendo. Ao contrrio, ser necessrio desenvolver novos produtos e servios para a base, com tecnologias novas e limpas, e promover a incluso social, algo parecido com o que levou 40 milhes de brasileiros, num curto perodo de menos de dez anos, a ascender classe C, juntando-se aos 65 milhes que j existiam e formando o que se convencionou chamar de nova classe mdia. At 2014, segundo previso do pro-fessor Marcelo Neri, da Fundao Getlio Vargas, que em agosto assumiu a presidncia do Instituto de Pesquisa Econmica Aplica-da (IPEA), outros 12 milhes sero incorporados a essa nova classe mdia at 2014, formando um contingente de quase 120 milhes de consumidores, 60% da populao brasileira.

    As oportunidades, portanto, vo continuar crescendo, no s para quem puder contar com um emprego formal razoavelmente remunerado no comparvel com a da mesma classe mdia nor-te-americana ou europeia, como adverte Neri, mas bem superior da ndia e da China como tambm para os empreendedores, que, tudo indica, no sero poucos. Nmeros do Instituto de Pes-quisa Data Popular, especializado no estudo do mercado popular no Brasil, revelaram que nessa nova classe mdia emergente h 22,5 milhes de pessoas com planos de abrir seu prprio neg-cio, a maior parte no Norte e Nordeste. O publicitrio Renato Meirelles, scio-diretor do instituto, no tinha dvida de que a carteira assinada e o concurso pblico estavam deixando de ser vistos como um fim pelas pessoas da classe C, mas apenas como trampolim para chegar ao ponto de abrir um negcio. O emprego formal os trouxe at aqui, mas o empreendedorismo que vai lev--los adiante, vaticinou Meirelles.

    Ambiente legal

    Se a competitividade ser possvel somente com inovao e sus-tentabilidade, para alcan-las exige-se um bom ambiente legal:

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    leis, diretrizes e regulaes que garantam, de um lado, a estabili-dade, a segurana e o desenvolvimento das empresas, e, de outro, a renda, os direitos e o bem-estar das pessoas.

    Nesse campo, a situao havia melhorado consideravelmente, de acordo com o presidente do Sebrae Nacional, Luiz Barretto. Aliadas ao ambiente de crdito mais fcil e menor taxa de juros, medidas como a Lei Geral para Micro e Pequenas Empresas, de 2006, que instituiu o Simples Nacional (ou Supersimples) ajuda-ram a fazer subir a taxa de sobrevivncia das micro e pequenas empresas de 71,9% das que comearam a operar em 2005 para 73,1% das abertas a partir de 2006, ano do Supersimples. Ou seja: de cem empresas que abriram suas portas em 2006, 73 continua-vam em atividade dois anos depois.

    Para comprovar os benefcios da lei para os pequenos negcios, basta lembrar que, em pouco mais de cinco anos de Lei Geral das MPE, o Simples Nacional j contava em 2012 com 9,7 milhes de optantes, entre microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte, segundo dados da Receita Federal.

    Do seu lado, o Tesouro Nacional tambm no tem do que re-clamar: apesar de impostos menores ou por causa disso , a arre-cadao das empresas includas no Simples Nacional subiu de R$ 27 milhes em 2008 para R$ 45 milhes em 2011. Um crescimen-to que, na opinio do senador Jos Pimentel, presente no Semin-rio para expor a viso governamental sobre o ambiente legal, reflete o aumento da formalizao do setor, e esta fruto da simplificao e da reduo da carga tributria geradas pela legislao.

    A necessidade de novos avanos na legislao, apontada pelo senador Pimentel, ganhou subsdios vindos de outros pases. Nos Estados Unidos, onde as MPE estavam no foco no apenas da poltica econmica, mas tambm da eleitoral, um dos maiores en-sinamentos de seu desenvolvimento estava na rea de formaliza-o e proteo legal, como informou Robert McKinley, vice-presi-dente da USTA, para quem a proteo e os benefcios oferecidos

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    aos pequenos negcios nos Estados Unidos no tm paralelo no mundo. Nada mais justo para um setor responsvel por 40% de tudo que o governo arrecada, por 45% do PIB e pela gerao de um tero dos novos empregos.

    Na frica do Sul, onde a experincia democrtica recente e o pas ainda lida com o legado do apartheide, as medidas de apoio aos pequenos negcios so relativamente recentes e tm que avanar mais, de acordo com Hlonela Lupuwana, presiden-te da Agncia para o Desenvolvimento das Pequenas Empresas (SEDA). Uma lei nacional para pequenas empresas e uma lei es-pecial para favorecer a populao negra em seu processo de inte-grao economia de mercado davam suporte a 5,9 milhes de pequenas empresas no pas, responsveis por 73% da gerao de empregos. Um dos principais benefcios da legislao sul-africana para alavancar as pequenas empresas o que garante compras preferenciais pelo Estado.

    Nos captulos a seguir, voc encontra o que de mais marcante est no pensamento de personalidades e especialistas citados nesta apresentao. Alm de Paul Krugman e Delfim Netto, sobre o con-texto econmico, veja o que pensam Stuart Hart, Carlos Alberto dos Santos e Pedro Luiz Passos sobre sustentabilidade; Charles Edquist, Glauco Arbix e Jorge Gerdau sobre inovao; Marcelo Neri, Renato Meirelles e Romero Rodrigues a respeito da nova classe mdia e opor-tunidades de mercado; e Robert McKinley, Hlonela Lupuwana, Jos Luis Uriarte Campos, Jos Pimentel e Luiz Barretto sobre ambiente legal para os pequenos negcios.

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    CONTEXTO ECONMICO

  • CONTEXTO ECONMICO

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    O CONTEXTO

    ECONMICO

    NO BRASIL E NO

    MUNDO E

    OS PEQUENOS

    NEGCIOSNeste primeiro captulo, Paul Krugman e Delfim Netto

    esclarecem, respectivamente, a complexa situao econmica do mundo em crise e a situao do Brasil nesse contexto.

    As sadas para a crise, os impasses, os entraves e as oportunidades que ambos apontaram representariam uma

    preciosa contribuio s discusses sobre o futuro dos pequenos negcios.

    captulo 1

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    CONTEXTO ECONMICO

    contexto econmico

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    A situao do mundo CUIDADO COM O

    AMOR DO MERCADO

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    CONTEXTO ECONMICO

    H rios de dinheiro no mundo desenvolvido em busca de lugares para serem investidos. Na atual conjuntura, correto o Brasil desencorajar o ingresso de capitais. Eu faria o mesmo.

    Paul Krugman Premiado com o Nobel de Economia em 2008. Graduou-se em Economia pela Yale University e tem PhD pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Em 2012, lecionava Economia e Relaes Internacionais na Universidade de Princeton e escrevia uma coluna regular no The New York Times.

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    Para o ganhador do Prmio nobel de economia de 2008, o professor e colunista do The New York Times Paul Krugman, o nvel da atividade econmica no Brasil estava bem mais elevado do que o dos Estados Unidos. O Brasil no tem mais grandes dficits de contas correntes, afirmou no Seminrio realizado em So Paulo. Est em uma situao firme, tem uma histria recente boa, com taxas de crescimento razoveis. No est em crise, como meu pas est.

    Mas ele juntou uma palavra de cautela. O mercado financei-ro, advertiu, ama demais o Brasil e preciso agir com cuidado quando se um dos destinos favoritos dos investimentos interna-cionais. O mercado, agora, elegeu o Brasil, disse. Mas na ltima dcada eram a Espanha e a Grcia os bem-aventurados do mer-cado. E esses dois pases se encontram hoje em profunda crise.

    Outra razo para o Brasil no baixar a guarda a sobrevaloriza-o do real em relao ao dlar. Para ele, trata-se de algo que deve ser revertido em curto prazo. No sustentvel para os negcios da iniciativa privada, acautelou. Sua recomendao de que o Pas volte para a taxa de cmbio de 2008, se isso for possvel sem grandes efeitos negativos. Ele tambm defendeu a reduo dos juros, em funo do quadro atual da economia mundial, marcado por um amplo movimento de distenso monetria. Na conjuntura deste momento, correto o Brasil desencorajar o ingresso de capi-tais afirmou. Eu faria o mesmo.

    Para ele, a situao dos Estados Unidos ruim, mas a da Eu-ropa ainda pior. Mas, apesar da crise internacional, a tendncia

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    de que os pases da Amrica Latina, em geral, fiquem ainda mais fortes economicamente. Na regio, afirmou, nota-se uma melhora na distribuio da renda, apesar de ela ainda estar longe do ideal. Os pases da regio tm mercados internos em expanso, opi-nou. O mais importante o crescimento da classe mdia, que vai colaborar com o avano das economias internas.

    Histria feliz

    Com relao ao Brasil, especificamente, a opinio do professor da Universidade Princeton de que o pas, desde 2000, vem buscando a estabilidade e o crescimento econmico de uma maneira bem me-lhor do que no passado. A isso se aliaram a reduo da desigualda-de, em consequncia de programas como o Bolsa Famlia, e nveis mais slidos para o ensino. Trata-se de uma histria feliz, avaliou.

    A maior parte da palestra de Krugman foi dedicada crise internacional e aos seus desdobramentos. Para ele, o mundo vive a segunda pior crise econmica da histria, depois dos anos som-brios da Grande Depresso. A crise, que ele classificou como aguda, diminuiu, sob certos aspectos, mas o mundo desenvolvi-do ainda no havia se recuperado totalmente. Para ele, o incio da crise no teve data definida. Em meados de 2007, vrios governos j percebiam que algo no andava bem na economia. Ento, em 15 de setembro de 2008, a Lehman Brothers quebrou, com fortes consequncias para o mercado financeiro.

    Para achar uma situao parecida, disse Krugman, seria ne-cessrio voltar a 1931. Esta a maior crise do sistema financeiro mundial desde a dcada de 1930, opinou. Houve precedentes, mas sempre restritos a mercados emergentes como ocorreu duas vezes no Mxico, na dcada de 1980 e em 1994, no Extremo Oriente, em 1997, e na Argentina, em 2001.

    O economista chamou a ateno para o fato de as margens de lucro continuarem a existir, apesar de no serem to altas como

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    antes. Para ele, isso significava que a economia mundial no vi-via uma situao de pnico, como o que se seguiu falncia do Lehman Brothers em 2008. Mas, em sua opinio, as economias avanadas ainda no haviam se recuperado totalmente, e ainda havia surtos de inquietao ocasionais, mas sem pnico extremo.

    Ambiente mais tranquilo

    Isso se deve, em boa parte, ao apoio dado pelos governos ao merca-do financeiro, o que no estava claro que iria acontecer em 2008. Hoje, amplamente conhecido que os Estados Unidos no vo permitir a falncia de nenhuma das grandes instituies financei-ras, e o mesmo vale para a Alemanha e a Frana, disse Krugman. Ele reconheceu que persistiam dvidas sobre se a Itlia e a Es-panha tero os recursos necessrios para salvar suas instituies. Mas, de qualquer forma, o ambiente estava mais tranquilo.

    Em 2008, prosseguiu, disseminou-se um amplo mal-entendi-do, o de que tudo voltaria ao normal depois que o pnico fosse dominado. Isso no ocorreu. Mesmo descontando a Europa, que parecia estar novamente em recesso, os pases ricos mal haviam alcanado em 2012 os nveis de produo do primeiro trimestre de 2008. Foram quatro anos durante os quais se esperou que as economias crescessem, porque a populao e a produtividade cresceram, mas, em vez disso, apenas recuperamos o ponto em que estvamos, declarou.

    Krugman chamou a ateno para os altos nveis de desempre-go no mundo desenvolvido. Este um quadro de desastre pol-tico e econmico, afirmou. O desemprego est alto nos Estados Unidos, mais alto ainda na Europa e desastrosamente alto em economias chave como a Espanha, que tem papel crucial para o sistema europeu e um ndice de quase 24% de pessoas sem traba-lho, proporo que sobe para mais de 50% entre os jovens.

    Durante o debate que se seguiu palestra, o professor Delfim

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    Netto pediu a Paul Krugman que desenvolvesse um pouco mais a situao da Unio Europeia, mais especificamente a da Espanha, onde, disse Delfim, concordava com ele na anlise de que a crise no tinha nada a ver com consumo exorbitante ou com atitudes irresponsveis. A resposta de Krugman:

    Com a chegada do euro, acreditou-se que os riscos tradicio-nais haviam sido eliminados, que todos os pases europeus e os ati-vos estavam seguros. Isso significava que os governos poderiam ter acesso a dinheiro barato. Quando algumas corporaes entraram em dficit, o setor financeiro espanhol teve que fazer emprstimos baratos. Os grandes bancos eram conhecidos por sua poltica de prudncia, o que no totalmente errado, mas os pequenos, as caixas de poupana, tiveram uma enxurrada de emprstimos de bancos da Frana e da Alemanha. Como numa esteira, o dinheiro que fluiu dos bancos alemes para a Espanha criou o cenrio para o desastre. Foi ento que aconteceu: a Espanha, com milhes de pes-soas na construo civil, de repente viu estourar a bolha imobiliria numa economia confiante de que poderia gastar at 10% do PIB. E quando a bolha estourou, no houve substituio. Existe uma ironia amarga a respeito dessa situao: a dos alemes afirmando que os espanhis so os responsveis pelo desastre porque permiti-ram que os bancos alemes lhes concedessem emprstimos.

    Entre as causas da crise, Krugman no v a falta de disciplina fiscal. Havia dficits oramentrios, mas no to grandes a ponto de gerar esta situao. S no caso da Grcia a crise foi conse-quncia de um dficit oramentrio. Os Estados Unidos tinham um dficit, mas modesto, no grave. A Espanha tinha supervit no oramento at sentir o impacto da crise.

    Complacncia

    A origem do problema, opinou, esteve em erros de avaliao do setor privado. O setor privado (dos Estados Unidos) que nos

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    Como numa esteira, o dinheiro que fluiu dos bancos alemes para a Espanha criou o cenrio para o desastre. Foi ento que aconteceu: a Espanha, com milhes de pessoas na construo civil, e, de repente, estoura a bolha imobiliria numa economia confiante de que poderia gastar at 10% do PIB. E quando a bolha estourou no houve substituio. Existe uma ironia amarga a respeito dessa situao: os alemes afirmando que os espanhis so os responsveis pelo desastre porque permitiram que os bancos alemes lhes concedessem emprstimos.

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    deixou em apuros, principalmente por complacncia, opinou. As economias desenvolvidas vinham de um longo perodo sem gran-des problemas, entre 1985 e 2007. Como nada de terrvel acon-tecia, as pessoas comearam a ignorar os riscos, opinou. Acima de tudo, ignoraram o risco de ter nveis altos de dvida privada e a ameaa que essa dvida representava se as coisas dessem errado. Essa complacncia encontrou eco no governo. O pas tinha uma srie prudente de normas reguladoras, que datavam da dcada de 1930. Mas, como nada de ruim acontecia, elas acabaram por ser ignoradas. Com isso, repetimos, sob vrios aspectos, a crise dos nossos avs, disse.

    A dvida hipotecria das famlias foi a causa imediata da crise nos Estados Unidos, de acordo com Krugman, mas no a nica. Provavelmente foi o estouro da bolha imobiliria que ps as coi-sas em movimento, avaliou. Mas, a partir da, muita coisa mudou. Nveis de endividamento vistos como razoveis antes da crise pas-saram de repente a ser encarados como muito altos. Agentes do sistema econmico com altos nveis de dvidas se viram obrigados a liquid-las rapidamente, lembrou. Pressionados, os devedores entraram em uma forte conteno de gastos, enquanto os credo-res no expandiam seus investimentos. Isso resultou em um forte declnio na economia.

    Na Europa, afirmou o economista, a crise tem origens se-melhantes s dos Estados Unidos: alto endividamento das fa-mlias, alavancagem elevada dos investidores e complacncia das autoridades reguladoras. Mas tem um complicador a mais, o sistema de moeda nica. Para Krugman, se a Espanha ainda usasse a peseta, poderia atenuar a crise desvalorizando sua moeda. Mas, integrada zona do euro, no pode fazer isso. A situao da Europa muito complicada e a Espanha tem um problema semelhante ao dos Estados Unidos, a bolha do setor imobilirio, afirmou.

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    Administrar dficitsNos Estados Unidos, a ao do setor pblico foi, segundo Krug-man, essencial para impedir uma reedio da Grande Depresso da dcada de 1930. Felizmente, os governos tm a capacidade de administrar dficits, afirmou. Mas acautelou que existem exce-es. Parte do nosso problema atual que muitos governos no conseguem mais fazer isso, acrescentou.Ele afirmou que na Eu-ropa ainda possvel uma soluo com a excluso de alguns pases da zona do euro. Paralelamente, o Banco Central Europeu poderia expandir sua poltica monetria para estimular as atividades eco-nmicas, mesmo custa de maiores preos para o consumidor. A inflao poderia ir para 3% ou 4%, mas isso poderia dar certo. Para os Estados Unidos, ele acredita que o PIB do pas poderia ser US$ 1 trilho superior ao de hoje. E adverte: H pessoas desem-pregadas h mais de um ano e o sistema norte-americano no est preparado para isso.

    Uma consequncia da maneira como os emergentes esto reagindo crise, prosseguiu, que h muitas pessoas dispostas a investir nesses mercados, especialmente no Brasil. H rios de dinheiro no mundo desenvolvido em busca de lugares para serem investidos. O resultado seria um aumento no fluxo de capitais e a alta do valor das moedas. Isso j estaria ocorrendo no Brasil. O real est naturalmente muito forte, estranhamente forte, afirmou.

    Krugman ressalvou que algumas pessoas acusam Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (FED) e ex-chefe do Departamento de Economia da Universidade Princeton, de ser responsvel por polticas predatrias ou irresponsveis, como manter os juros muito baixos e adotar afrouxamentos monetrios quantitativos. Mas, acrescentou, a histria no bem essa. A crise provocou um excesso de poupana nos Estados Unidos e na Europa, como resultado da queda dos in-vestimentos. Diante disso, os bancos centrais, tentando equilibrar as presses, baixaram as taxas de juros a zero.

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    Uma injeo do Estado

    Nascido em Nova York em 1953, Paul Robin Krugman um dos mais respeitados pensadores acadmicos da atualidade. Em 2008, ganhou o Prmio Nobel de Economia por seus trabalhos sobre a di-nmica da escala na troca de bens entre pases. Suas concluses revo-lucionaram a teoria do comrcio internacional.

    O economista buscou esclarecer por que o comrcio interna-cional dominado por pases que no s tm condies econmicas similares, como tambm comercializam produtos semelhantes. Krug-man explicou como alguns produtos e servios podem ser barateados se produzidos em srie. A teoria do New Trade, da qual um expoen-te, debruou-se sobre as causas que levam a pequena produo a ser progressivamente substituda em economias locais por produes em grande escala dominadas por empresas globalizadas. Seu estudo permitiu mostrar que uma combinao entre desejo de variedade, por parte dos consumidores, e economias de escala, por parte dos produ-tores, viabiliza o comrcio entre naes desenvolvidas.

    Krugman escreve regularmente uma coluna sobre assuntos eco-nmicos e polticos para o jornal The New York Times. J publicou vinte livros, entre eles A Conscincia de um Liberal, de 2007, e mais de 200 artigos acadmicos em peridicos especializados. Em seu ltimo livro lanado no Brasil, Um Basta Depresso Econ-mica (Campus/Elsevier, 2012), Krugman defende que os pases em recesso precisam de uma injeo de gastos pblicos em vez do corte de gastos. O aumento de investimentos em determinadas reas seria uma forma de retomar o crescimento econmico.

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    H rios de dinheiro no mundo desenvolvido em busca de lugares para serem investidos. O resultado um aumento no fluxo de capitais e a alta do valor das moedas.

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    contexto econmico

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    RUMOS DA ECONOMIA BRASILEIRA

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    Somos uma sociedade aberta, sinnimo de plena liberdade de iniciativa aos cidados. isso que importa para o Sebrae, j que mesmo o pequeno trabalhador, aquele que est limpando o cho ou fazendo um bolinho, pode descobrir que possvel arranjar um crdito e se tornar empreendedor.

    Delfm Netto Professor emrito da Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade da Universidade de So Paulo (FEA-USP) e colunista da revista Carta Capital, foi ministro da Fazenda na dcada de 1970, quando desenvolveu polticas responsveis pelo chamado milagre econmico. Tambm foi deputado federal em vrias legislaturas.

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    de um lado, a defesa do estado no meramente forte, mas cons-titucionalmente forte, para regular as atividades do mercado; de outro, a crtica ao sistema financeiro e seus juros e tambm ao sistema tri-butrio brasileiro, que classificou de manicmio a cu aberto, com a taxao mais elevada do mundo para nosso nvel de renda.

    Pontos mais notveis de seu pensamento, defendidos com fir-meza, mas no sem sua conhecida ironia e, no raro, com certa impacincia, foram apresentados pelo ex-ministro na sesso de abertura do Seminrio Internacional sobre Pequenos Negcios. Esses pontos externavam sua viso sobre a economia brasileira, seus rumos e seus impactos.

    No comeo de sua apresentao, Delfim Netto foi professoral ao traar o perfil das instituies brasileiras, no qual deixou cravada, desde logo, a sua posio na relao mercado-Estado. Ao contrrio do que se pensa e diz, o Brasil tem uma orientao clara, colocada na Constituio de 1988. Gostemos ou no, ela foi construda legi-timamente com o voto do povo, e implica uma sociedade aberta, na qual Estado e economia de mercado se complementam.

    Para o ex-ministro, o pas quer uma repblica, a est construin-do, e sabe que em uma repblica todos os cidados devem estar sujeitos s mesmas leis. No Brasil, a democracia existe e funcio-na, e garante uma sociedade aberta, sinnimo de plena liberdade de iniciativa dos cidados. isso que importa para o Sebrae, j que mesmo o pequeno trabalhador, aquele que est limpando o cho ou fazendo um bolinho, pode descobrir que possvel arran-

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    jar um crdito e se tornar empreendedor. Ao sublinhar que essa liberdade de empreender est inscrita na Constituio brasileira, Delfim Netto destacou que a Carta Magna do pas aparentemente a nica do mundo a ter como objetivo dar a todos os habitantes educao e sade universais e gratuitas. Embora no tenhamos at agora nem uma, nem outra, importante compreender que isso faz parte do vetor que orienta o governo permanentemente.

    Traado esse ambiente de garantias e liberdade regido pela Constituio, Delfim Netto abordaria temas do contexto econ-mico (e social) brasileiro: as relaes mercado-Estado, o papel do Estado e suas deficincias, a inflao e os juros, o abandono das exportaes. Para o final, uma lio de otimismo.

    A economia de mercado e o Estado

    A economia de mercado um processo de seleo natural. Quando o homem saiu da frica, h 140 mil anos, foi em busca de mecanismos de organizao natural que satisfizessem dois objeti-vos: tivessem eficincia produtiva e dessem liberdade individual. A economia de mercado atingiu esses objetivos, mas apresenta problemas. Um deles, pelo sistema ser altamente competitivo, criar desigualdade, ensinou.

    Na opinio do ex-ministro, a economia de mercado depende da evoluo tecnolgica e das inovaes, e insere ciclos e crises. Crises como a atual, introduzida pelo que ele chamou de uma patifaria financeira permitida pelo Estado, que desregulou o sis-tema financeiro internacional e seria uma cpia do que aconteceu em 1929. O relatrio Pecora (as concluses do procurador Ferdi-nand Pecora sobre as causas da crise de 1929) traz todos os crimes cometidos na poca e que agora se repetem o que nos permite concluir que o banqueiro solto volta ao local do crime, ironizou.

    Nesse contexto, qual deveria ser o papel do Estado? Para Del-fim, o de dar garantias de melhoria das instituies e do direito de

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    propriedade. Mas, para isso, precisa ser constitucionalmente forte. O Estado tem um papel fundamental na reduo das crises, e, ao contrrio do que pensam alguns analistas, como o ex-presidente George Bush, pai, a soluo do problema, e no sua causa.

    Cabe ao Estado, segundo suas palavras, prover bens de servi-os pblicos de qualidade bens que o mercado no pode produ-zir e regular adequadamente as atividades econmicas, particu-larmente a atividade financeira. O Estado tambm tem um papel de estimulador: tem que animar o esprito animal do empres-rio, estimulando-o a tomar iniciativas, incentivando a inovao, a competio e a eficincia microeconmica, j que os objetivos da poltica econmica no so outros seno maximizar o crescimen-to, utilizando todos os recursos que o pas detm, e produzir um crescimento sustentado, disse.

    Ser necessrio, porm, eliminar alguns antigos entraves, des-perdcios e problemas de gesto. Delfim reservou palavras duras para o sistema tributrio brasileiro, que classificou de manicmio a cu aberto. No s a taxao alta a mais elevada do mundo para o nvel de renda do brasileiro como, muito pior que isso, altamente discriminatria, contra o trabalho, o capital e os inves-timentos. Quem ganha menos paga mais, afirmou. Com algum sarcasmo, ponderou que a carga tributria, estimada em 36%, de 37%, e essa diferena se deve ao tempo gasto pelas empresas para preencher a papelada referente tributao.

    Delfim Netto defendeu um rgido controle dos gastos de cus-teio do governo, uma das razes da baixa taxa de investimentos. E, segundo ele, quem deixou de investir foi o governo. Ele lembrou que, de 1948 a 1980, quando o Brasil cresceu 7,5% ao ano, a carga tributria era de 24%, e o governo investia 5% do PIB. Hoje, a carga tributria de 36%, e o governo investe no mximo 1,5%.

    Para o economista, o Estado se apropria da poupana do setor privado. Por isso, pediu para que a sociedade se mobilize a fim de apoiar iniciativas, como um projeto que estava no Congresso e que

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    visava impor limites aos gastos de custeio do governo. Ns deve-mos nos mobilizar para ajudar o governo a apoiar a medida, em vez de ficarmos chorando o tempo inteiro porque o governo no est fazendo nada, assinalou.

    Outro ponto defendido por Delfim Netto foi a necessidade de melhorar a infraestrutura e tambm o ambiente de negcios, este um problema to grave que colocou o pas em 143 lugar no ran-king de complicaes para o pagamento de tributos entre os 180 pases examinados pelo Frum Internacional da Competitividade. Mas conclamou: No adianta fazermos somente projees; a ni-ca forma de prever o futuro constru-lo.

    E h pressa nisso. Daqui a poucos anos, o Brasil ter 150 mi-lhes de habitantes na faixa entre 15 e 64 anos, e ser necessrio providenciar empregos de qualidade para todas essas pessoas. Nin-gum vai fazer isso seguindo a teoria das vantagens comparativas, exportando soja e minrio e importando produtos manufaturados.

    Muito mais difcil seria, como lembrou, se o Brasil tivesse ca-minhado para o desastre demogrfico que se previa quarenta anos atrs, com projees de que a populao chegaria aos 500 milhes de habitantes. A no confirmao do que seria uma tragdia se deveu ao que classificou como revoluo do sexo feminino. Delfim Netto lembrou que se falava muito naquela poca sobre a neces-sidade de haver controle da natalidade, mas o que no sabamos que o controle da natalidade o processo civilizatrio que deu liberdade de escolha mulher, que a educou mais depressa que o homem, a ponto de ela passar a ocupar o lugar dele, disse. Esta-mos vivendo num matriarcado, algo delicioso, brincou.Foi esse processo civilizatrio que reduziu a taxa de fertilidade lquida.

    A inflao

    Para manter o equilbrio interno e externo, Delfim considerou que o Estado deveria perseguir uma taxa de inflao semelhante de

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    Em 1972, criamos o Sebrae e a Embrapa, dois exemplos de sucesso. Por qu? Porque havia a ideia de que a indstria fundamental para o desenvolvimento econmico do pas.

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    seus competidores internacionais e manter o balano de pagamen-tos sob controle. No se trata de uma frmula etrea. J esteve em prtica no Brasil. Foi abortada por dois fatores: crises cambiais que nos visitavam com frequncia, alm das crises do petrleo, a primeira e a segunda. Esses fatores podem ser afastados em futu-ro prximo, ressalvou, com o sucesso do pr-sal. Mas advertiu: Se soubermos usar, o pr-sal vai nos ajudar; se no soubermos, vamos virar na verdade uma nao pobre.

    Numa viagem no tempo, Delfim analisou os sessenta anos de histria da inflao no Brasil para afirmar que, nas trs primeiras dcadas do perodo em que o pas crescia a 7,5% ao ano, de 1948 a 1980, a inflao flutuava, mas, de alguma forma, era mantida sob controle. O pas teria perdido o controle da inflao quando ps em prtica um mecanismo de correo monetria que funcionou muito bem enquanto os choques eram de demanda e passou a se portar muito mal quando houve um choque de oferta. No primeiro choque de oferta, o mecanismo desmontou. E foram ne-cessrios seis planos at o Brasil aprender a alcanar novamente o equilbrio.

    O ltimo deles, o Plano Real, permitiu o controle da inflao, mas, para ele, no havia chegado ao fim. No momento em que o plano foi elaborado, a inflao era gerada por uma grande dife-rena entre a demanda total e a oferta total e era preciso cortar essa demanda em 3%. O corte poderia ter sido obtido por meio de aumento de impostos ou pelo corte nos gastos do governo mas nenhum deles foi feito.

    O abandono das exportaes

    Delfim Netto incluiu o abandono das exportaes entre os aspec-tos negativos da poltica econmica brasileira. Nos ltimos 40 ou 50 anos, o Brasil correu para ficar parado, disse. Entre 1981 e 1984, o pas era responsvel por 1,2% das exportaes mun-

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    diais, enquanto a Coreia respondia por 1,1% e a China, por 1,2%. Passados quase trinta anos, o Brasil responsvel por 1,4% do comrcio mundial, a Coreia, por 3% e a China, por 10,4%. Para o ex-ministro, o Brasil abandonou a exportao como instrumento adequado de crescimento e, na prtica, fez tudo para combat-la.

    Entre os fatores que estavam emperrando as exportaes, Delfim citou o cmbio e o mau hbito de o governo reter e no creditar s empresas os impostos sobre os produtos exportados. A sobrevalorizao cambial, provocada, entre outros motivos, pelo volume de capital que entra no Brasil atrado pelas altas taxas de juros, precisa ser mais bem entendido. Uma parte importante do problema ele atribuiu ao gigantesco diferencial de juros, com o que as empresas estrangeiras no Brasil se transformaram, nas suas palavras, em mesas de aplicao dos seus recursos, de maneira bem simples: tomando emprstimos nos Estados Unidos a 0,5% e aplicando no Brasil a 6%. Depois dizem que para investir, do o nome de investimento a qualquer coisa e remetem quando que-rem. Nesse caso, afirmou, o instrumento necessrio para reverter a situao uma interveno nos juros.

    Sem pessimismo

    O ex-ministro no v motivos para pessimismo, porque o pas j teve uma estrutura capaz de gerar uma grande massa de empregos e tudo indica que a ter novamente. Alm disso, as mudanas na composio demogrfica do Brasil, com o aumento da proporo de idosos, traro grandes alteraes no mercado, na demanda e na prpria natureza dos produtos a serem consumidos. Isso abre uma possibilidade gigantesca de inovao, de novos investimen-tos, para pequenas, mdias e grandes empresas, destacou.

    Classificando de muito fraco o desempenho da economia brasileira em 2011, apontou que esse resultado foi basicamente uma consequncia dos tropeos na indstria manufatureira, que

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    cresceu apenas 0,1% naquele ano, depois de subir entre 3% e 3,5% nos anos anteriores.

    Delfim Netto considerou que o governo j vinha fazendo um esforo para reanimar o setor manufatureiro. E que, mesmo nes-se contexto, ningum pensava em voltar a sistemas ultrapassados, como o da substituio de importaes. No seria preciso isso, lem-brou Delfim, basta que se tomem medidas de incentivo e de apoio. E lembrou: Em 1972, criamos o Sebrae e a Embrapa, dois exem-plos de sucesso. Por qu? Porque havia a ideia de que a indstria fundamental para o desenvolvimento econmico do pas.

    O ex-ministro citou como positiva a incluso social ocorrida nos ltimos anos e a diminuio das desigualdades regionais, e ainda saudou a tendncia de a taxa de juros reais no Brasil se apro-ximar cada vez mais dos patamares aplicados mundialmente. Esta, afirmou, a nica maneira de o pas manter o cmbio flutuante, o chamado sistema virtuoso.

    Com essa evoluo, ser possvel fazer o cmbio voltar a exer-cer seu papel de preo relativo, equilibrando os fluxos de valor de exportaes e importaes. Haver condies tambm para que o fluxo de capitais possa entrar e sair do pas sem reproduzir uma sobrevalorizao permanente do real.

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    PROVAVELMENTE NADA O QUE PARECE

    As nicas proposies indiscutveis da chamada Teoria Econmica so as derivadas das definies com as quais se constroem as identidades da Contabilidade Nacional. Foi por isso que assumi fortemente uma posio contrria quando houve um movimento para separar a Conta-bilidade da Economia na FEA/USP, h duas dcadas. Iramos perder a fantstica e simples intuio de Luca Pacili (1445-1517), matemti-co italiano que inventou as partidas dobradas: cada crdito gera um dbito de igual valor e de sinal contrrio. No processo de agregao dos valores, a soma dos crditos identicamente igual dos dbitos. Mas por que esse circunlquio aparentemente fora do lugar?

    Porque alguns analistas financeiros ainda culpam os pases de-vedores (gastadores) pela crise que estamos vivendo e ressaltam a moderao virtuosa dos pases credores. Tratam de afastar o foco das patifarias feitas pelos intermedirios financeiros, com o apoio das teorias que defendem e continuam a defender, contra toda a evidncia emprica. No pode haver a menor dvida. A tragdia foi construda pela desmontagem sistemtica da regulao financeira construda nos anos 1930 para responder a uma crise produzida pelas mesmas causas da atual e pela pssima poltica monetria dos Ban-cos Centrais apoiadas pela parte mais vocal e instrumentalizada da Academia. A propsito, a American Economic Association acaba de divulgar um extenso comunicado sobre a sua nova disclosure policy. Exige-se que todos os autores informem os potenciais conflitos de in-teresses entre os resultados cientficos de seus artigos e os eventuais benefcios materiais de qualquer natureza recebidos dos setores even-tualmente beneficiados por suas concluses. Trata-se de um cdigo de comportamento que nenhum profissional deve deixar de ler.

    Para entender a crise da Eurolndia, pode-se recorrer contabi-lidade. Como a Terra finita e no temos at agora nenhuma troca com o restante do Universo, a soma das exportaes totais de todos os pases , necessariamente, igual soma das importaes totais de todos

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    os pases, de onde se deduz que o balano em contas correntes de um pas (a diferena entre as exportaes totais e as importaes totais) pode crescer somente se o de outros diminuir na mesma magnitude. Ao longo do tempo foram inventados muitos instrumentos para manter uma relativa ordem nesse sistema a fim de prevenir a continuidade do processo, porque o pas eternamente devedor acaba acumulando uma dvida externa que encontra dificuldade crescente para ser financiada. O Fundo Monetrio Internacional foi criado exatamente para contro-lar os dficits em conta correntes e autorizar mudanas eventuais das taxas de cmbio fixas. Quando se generalizou a teoria que os movi-mentos de capitais eram absolutamente virtuosos, o regime de cmbio flutuante passou a desempenhar esse papel.

    A assimetria que envolve todos os sistemas que no h instru-mento eficaz para controlar o pas que adota medidas a fim de manter um saldo em conta corrente permanentemente positivo, cuja inten-o aumentar o PIB. De uma forma ou de outra, o sucesso do pas exige que ele encontre uma contrapartida no dficit em conta corren-te de outros pases, que veem o seu PIB reduzir-se.

    O que fazer quando a importao se transforma num impor-tante componente do PIB do pas devedor? Sem ela, o PIB desaba. Com ela, a demanda interna cai e o PIB se retrai. Pela contabilidade nacional, a demanda total igual s despesas de consumo somadas s de investimentos, aos gastos do governo e ao saldo em conta corrente. Quando este ltimo negativo, o crescimento do PIB reduzido, e, provavelmente, o consumo e o investimento privados tero pouca probabilidade de aumentar. Se o governo quiser (como todo governo que se preza) manter um alto nvel de utilizao de seu capital e de sua mo de obra, a propenso que aumente os gastos pblicos e incorra em dficits fiscais.

    Uma das mais interessantes identidades da contabilidade nacio-nal que, por construo, a soma da diferena entre os tributos e os gastos pblicos (o saldo financeiro do governo) com a diferena entre a poupana e os investimentos privados , necessariamente, igual ao

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    dficit em conta corrente. Como evidente, uma identidade no re-vela qualquer relao de causalidade. Esta foi, entretanto, a origem da lenda urbana dos dficits gmeos: so os dficits do governo que causam o dficit em conta corrente, coisa que at hoje alguns analis-tas das melhores famlias continuam repetindo.

    Os economistas, como todos sabemos, so exmios contadores de histrias que, em geral, no contm um substrato emprico realmente seguro. A histria que estamos contando aqui que existe o outro lado: o dficit em conta corrente que enfraquece o PIB, leva ao defensiva dos governos e gera os dficits pblicos. to boa quanto a anterior e, tambm, sem substrato emprico seguro. A soluo do problema pelos mais sofisticados instrumentos economtricos, que estudam a direo da causalidade, foi incapaz, at agora, de resolv--lo acima de qualquer dvida. Grosseiramente, como quase sempre acabam tais estudos, um tero deles conclui que o dficit fiscal que produz o dficit em conta corrente; um tero inconclusivo e um ter-o sugere que o dficit em conta corrente que leva ao dficit fiscal...

    Mas no importa o que dizem as histrias e o que no diz a eco-nometria: os dois dficits tm consequncias. O dficit fiscal acumulado produz uma dvida interna (e externa quando o governo usa tais recursos para cobrir seu custeio de investimento) que, com o tempo, levanta dvi-da sobre a sua solvncia e pressiona a taxa de juro real interna, o que ten-de a valorizar a taxa de cmbio e ampliar o dficit em conta corrente. O dficit em conta corrente acumulado vai, por sua vez, aumentar a dvida externa e produzir o mesmo efeito, gerando dvida sobre a sua solvncia e dificultando paulatinamente o seu financiamento, o que eleva o risco--pas e, com ele, o custo de todo o estoque da dvida.

    O Brasil j viveu mais de uma vez a dramaticidade dos momentos em que os credores perdem a pacincia com os devedores e gera-da uma crise de morte sbita. Felizmente, soubemos aproveitar os ltimos anos: 1) aprovando uma Lei de Responsabilidade Fiscal que, paradoxalmente, fortaleceu nosso federalismo desregrado e criou, de fato, uma rea monetria tima; 2) um vento de cauda no comrcio

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    exterior, que sem nenhum esforo exportador (continuamos a ter a mesma percentagem que h cinquenta anos tnhamos nas exporta-es mundiais, que de 1,4%) resolveu nosso problema externo. J esquecemos que em 1998 e 2002 corremos de pires na mo ao FMI para fazermos as eleies num ambiente tranquilo. Hoje, com uma reserva de 370 bilhes de dlares, somos credores daquele organismo.

    E isso tudo que falta zona do euro, a nica moeda que no tem um pas! Os argumentos anteriores mostram que a ideia de que os credores so virtuosos e os devedores, bandalhos gozadores da vida, talvez no seja correta. Os credores com suas polticas expor-tadoras agressivas tiveram sucesso somente porque os devedores no quiseram, ou no puderam, tomar medidas defensivas, como a des-valorizao cambial e o aumento de tarifas protetoras, exatamente para ajudar na construo da Eurolndia. Alguns, de fato, come-teram excessos fiscais maiores que os mais virtuosos, mas nada que se compare em importncia aos dficits externos que a mecnica de funcionamento do euro lhes imps.

    por isso que virtuosos, como a Alemanha, precisam dar agora a sua contribuio: 1) aumentando a demanda global para ajudar as exportaes dos outros; 2) aceitando que o Banco Central Europeu cumpra o seu papel de emprestador de ltima instncia; 3) apro-vando a emisso de ttulos solidrios para atrair o setor privado na ampliao dos investimentos que ajudaro a recuperar o crescimento.

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    Os credores com suas polticas exportadoras agressivas tiveram sucesso somente porque os devedores no quiseram,ou no puderam, tomar medidas defensivas, como a desvalorizaocambial e o aumento de tarifas protetoras.

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    OS DESAFIOS

    DA COMPETIVIDADE

    FRENTE S NOVAS

    OPORTUNIDADESSustentabilidade e inovao, dois dos temas deste

    captulo, so consideradas pelo Sebrae as bases para a construo de uma viso empresarial e inspirao para o seu

    Direcionamento Estratgico at 2022. Ambas esto postas como os grandes desafios da competitividade para

    os pequenos negcios, motor do modelo de desenvolvimento futuro, para o qual a nova classe mdia, terceiro tema

    deste captulo, j tem o papel de protagonista como agente gerador de novas oportunidades de mercado.

    captulo 2

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    sustentabilidade

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    O FUTURO, DE

    BAIXO PARA CIMA

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    O que percebemos que, se queremos motivar o crescimento sustentvel, este deve vir da base da pirmide. a que est o povo e onde os grandes problemas precisam ser resolvidos.

    Stuart Hart PHD em Planejamento e Estratgia pela Universidade de Michigan, professor na Cornell University, fundador e diretor do Centro Global para Empreendimento Sustentvel e da Rede de Laboratrios de Aprendizagem Global sobre a Base da Pirmide.

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    eu realmente acredito que as Pequenas empresas no qualquer uma, mas um tipo particular delas tm a chave para nos conduzir a um mundo mais sustentvel. sobre isso que eu quero falar a vocs nesta manh.

    Stuart Hart iniciava assim sua palestra no Seminrio do Se-brae, em So Paulo, ao abrir, na manh de 19 de abril de 2012, as discusses em torno dos desafios da sustentabilidade no cenrio atual e futuro.

    Em seus escritos e palestras, o professor Stuart Hart tem in-sistido em sua viso de empreendedorismo que ditar os prximos tempos, descartando o que considera no ter mais lugar nas pro-jees para o futuro. Ao iniciarmos a segunda dcada do sculo XXI, disse recentemente, os moinhos satnicos da Revoluo Industrial, que inauguraram a era da economia de escala, da pro-duo em massa, da linha de montagem e da organizao centra-lizada e burocrtica que resultou no aumento do trabalho orga-nizado, na alienao do trabalhador e na crescente estratificao social, comearam a dar lugar a uma nova gerao de tecnologias que promete mudar radicalmente as paisagens social, econmica e ambiental.

    Em seu modo de ver, j estamos testemunhando uma dram-tica reverso da lgica da escala, com as novas deseconomias de escala, como o tratamento de gua no ponto de uso, a agricultura sustentada, pontos de atendimento de sade, microfinanciamentos e a construo sustentvel, para citar apenas algumas delas. Cada

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    vez mais, as tecnologias do futuro sero descentralizadas. Stuart d como certo e deixou isso claro aos participantes do Seminrio que as novas tecnologias disruptivas podem ser mais bem enca-minhadas pelo poder do capitalismo no o capitalismo da Revo-luo Industrial, o que enriqueceu poucos custa de muitos, mas, sim, uma forma nova e mais dinmica de capitalismo global, que ir desbancar as elites estabelecidas, criando oportunidades na base da pirmide econmica em uma escala nunca antes imaginada.

    De fato, essa perspectiva j estava posta quando ele e C.K. Prahlad1 propuseram, em 1998, que as empresas focassem sua ateno no atendimento s necessidades dos 4 bilhes de pessoas na base da pirmide econmica (BoP, na abreviatura em ingls de Base of the Pyramid). Lembra ele que, desde a publicao, em 2002, de A Riqueza na Base da Pirmide, escrito por Prahlad (Editora Bookman, 2005) tornou-se evidente que essa base ofe-rece enormes oportunidades e desafios s empresas que operam exclusivamente no topo da pirmide.

    O foco na BoP estaria presente tambm no livro que Stuart Hart escreveu com Ted London, Next Generation Business Stra-tegies for the Base of the Pyramid (Prxima Gerao de Estrat-gias de Negcios para a Base da Pirmide, em traduo livre), em que concluem que a primeira gerao de negcios para a base da pirmide teve como foco principal fazer fortuna por meio da venda de bens existentes para a populao dessa faixa de renda. Embora muitas dessas iniciativas no tenham conse-guido escala, inovadores esto obtendo sucesso graas a uma abordagem mais sofisticada e diferenciada com a base. Com a proliferao desses negcios, dois novos desafios ficaram evi-dentes, segundo Hart: primeiro, o aumento das atividades das empresas na base da pirmide gerou a preocupao crescente de que tais estratgias no so nada mais do que a recente forma de imperialismo esforos corporativos para obteno de lucro a partir da venda de produtos para a base da pirmide. O segun-

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    do: muitas empresas optaram por adaptar produtos e servios a partir do topo da pirmide para vender no mercado de massa com consequncias devastadoras para o meio ambiente. Tragi-camente, advertiu Hart, essa maneira de pensar pode nos levar ao caos, se acabarmos com 6,7 bilhes de pessoas consumindo como os norte-americanos.

    Em resposta ao primeiro desafio, Hart participou ativamente da elaborao do Protocolo da Base da Pirmide2, lanado em 2004. Ficou claro que adotar uma abordagem convencional para o desenvolvimento de negcios na base da pirmide resultaria em fracasso, ou pior. O Protocolo BoP focou o desenvolvimento de uma abordagem participativa de cocriao3 de novos neg-cios com as comunidades carentes do mundo. Nos ltimos sete anos, ensina Hart, tornou-se ainda mais evidente que a criao de negcios na base da pirmide deve envolver pessoas de co-munidades carentes como parceiros e colegas, no apenas con-sumidores ou fornecedores. Cocriao significa dilogo e apren-dizado mtuo, e no apenas ouvir atentamente e fazer pesquisa de marketing.

    Para enfrentar o segundo desafio, a soluo considerada foi incluir o meio ambiente como parte integrante da estratgia para a base da pirmide. Eu chamo esse tipo de abordagem de salto verde (green leap), uma estratgia para a comercializao de tec-nologias verdes por meio de experincias de negcios para essa camada da populao, que vise saltos nas prticas insustentveis de hoje, com cada uma tendo o potencial para crescer e se tornar a prxima gerao de negcios do sculo XXI. Tecnologias limpas emergentes, incluindo a gerao e a distribuio de energia reno-vvel, os biocombustveis, a purificao de gua no momento do uso, os biomateriais, as tecnologias de informao sem fio e uma agricultura sustentvel podem ser a chave para resolver muitos dos desafios ambientais e sociais globais.

    Para Hart, indiscutvel que o mundo e o capitalismo global

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    est numa encruzilhada. Acredito que as empresas e outras ins-tituies malpreparadas para este novo mundo simplesmente no sobrevivero. Chegou o momento para a inovao em uma escala que nunca vimos antes e minha esperana que o Brasil possa desempenhar um papel catalisador no fomento dessa transforma-o, de baixo para cima.

    No Seminrio Internacional sobre Pequenos Negcios em So Paulo, Hart voltou a esse tema de que trata em seu livro, Capitalism at the Crossroads (O Capitalismo na Encruzilhada, Artmed, 2008), no qual prope que as corporaes se concen-trem na populao mais pobre como sada para a atual satu-rao do mercado, desenvolvendo tecnologias limpas e pro-movendo a incluso social, e no simplesmente adaptando os bens existentes para poder vend-los na base da pirmide.

    Penso que a agenda, para alm do esverdeamento (greening), a chave para o que est vindo, a incluso de mais pessoas no pro-cesso, no apenas o foco no topo da pirmide. nesse contexto, segundo Hart, que entra o binmio pequenos negcios e sustenta-bilidade, tema presente em seus estudos, artigos e palestras.

    Dilogo inexistente

    Hart estabelece que na ltima dcada duas revolues eclodiram: a da base da pirmide e a das tecnologias limpas. Esses dois mo-vimentos, cruciais para a busca da sustentabilidade, caminharam at agora de maneira isolada. O desenvolvimento de tecnologias que produzem menos impactos sobre o meio ambiente esteve at hoje muito voltado para o topo da pirmide. Alm disso, pensou-se muito no aspecto da tecnologia e muito pouco no modelo de ne-gcios, ou seja, em como comercializar essas inovaes. S nos Estados Unidos, o setor de venture capital e dezenas de empresas privadas esto despejando milhes de dlares nesse mercado, mas ningum sabe ainda como essas tecnologias chegaro aos consu-

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    Acredito que as empresas e outras instituies malpreparadas para este novo mundo simplesmente no sobrevivero. Chegou o momento para a inovao em uma escala que nunca vimos antes e minha esperana que o Brasil possa desempenhar um papel catalisador no fomento dessa transformao, de baixo para cima.

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    midores. Enquanto isso, o movimento de negcios para a base da pirmide ganhou corpo sem muita preocupao com o meio am-biente, adotando o que chamo de estratgia do empurra. Ou seja, as empresas pegaram os produtos que possuam, estudaram como poderiam oferec-los em embalagens menores ou mais baratas e estenderam os canais de distribuio para que chegassem at as classes mais pobres.

    A esta estratgia do empurra, a primeira fase vivida pelas empresas, Hart chamou de base da pirmide 1.0. Ela le-gtima. A crtica foi que muitas empresas estavam colocando produtos em embalagens diferentes e tentando vend-los aos pobres. Tenho de concordar que essa anlise no totalmente descabida. Para que uma estratgia de base da pirmide seja bem-sucedida no longo prazo, ela deve ter uma abrangncia maior. No h nada de errado em adaptar produtos para vend--los aos pobres. O que a empresa deve considerar, no entanto, o impacto que aquele produto provoca na comunidade. Ele permite que as pessoas tenham mais tempo livre para o lazer? Que elas sejam mais saudveis? Que elas melhorem de vida? No acredito que vender por vender seja uma estratgia sus-tentvel no longo prazo.

    Hart reconhece que h riscos nos dois casos, o das tecnologias limpas e o da comercializao na base da pirmide. No primeiro, o risco termos mais uma bolha, se no forem encontradas manei-ras adequadas de comercializar tais tecnologias. J no caso da co-mercializao na base, o risco de colapso ambiental. Se o nico objetivo das empresas continuar sendo o de gerar mais atividade econmica e consumo na parte inferior da pirmide, assim como fizeram no topo, a humanidade ir ainda mais rapidamente ladeira abaixo em termos ambientais. A sada, prega Hart, promover uma grande convergncia desses dois movimentos. Trata-se de um desafio colossal e tambm de uma oportunidade sem precedentes para as empresas. Elas precisam entender que essas tecnologias

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    limpas devem ser desenvolvidas e testadas, de maneira ambiental-mente correta, na base da pirmide.

    O melhor pequeno o que quer crescer

    Voltando sua crena nos pequenos negcios, exposta logo na abertura do segundo dia do Seminrio do Sebrae, Hart considerou que o conceito de pequenos negcios, assim como o de susten-tabilidade, amplo e j bastante antigo: vai desde os familiares, voltados subsistncia, passando pelos dedicados a tarefas admi-nistrativo-burocrticas at os que interessam de fato em termos de desenvolvimento de uma nova era, ou seja, os que querem se tornar grandes. Quando penso na conexo entre pequenos negcios e sustentabilidade, penso naquelas empresas que desde o comeo tm como objetivo crescer. Talvez esta seja uma ideia estranha, porque a sustentabilidade tem sido vinculada ao no crescimento, mas pessoalmente acredito que vamos precisar de muito crescimento nos prximos anos.

    Para o professor da Cornell, a globalizao uma mquina diri-gida por grandes corporaes, que segue essencialmente o mesmo processo: tenta adaptar produtos globais, mundiais, a um mercado local. um crescimento de cima pra baixo. Mas estamos vendo que essa era da globalizao est se encerrando. Por que esse tipo de industrializao est com os dias contados? Deve haver ml-tiplas razes, mas se olharmos a pirmide populacional, veremos que o topo dela, onde esto as pessoas mais ricas do mundo e este tem sido tradicionalmente o foco das grandes corporaes, porque ali que se concentra o dinheiro , est saturado.

    Dentro desse contexto, o modelo atual para as grandes corpo-raes, considera Hart, procurar um novo mercado, o que leva muitos a correr atrs dos pases emergentes: Brasil, China, ndia. Este , porm, um modelo de crescimento que no requer uma mudana de estratgia fundamental, j que, em sua avaliao,

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    medida que as corporaes adaptam o modelo a um mercado, criam diversos problemas ambientais, porque seus produtos ne-cessitam de uso intensivo de recursos naturais para serem adapta-dos a um nmero cada vez mais elevado de pessoas. Foi assim que surgiram todos os problemas que se veem na China e em outras partes do mundo.

    Na contramo dessa estratgia sem futuro, Hart defende que se quisermos motivar o crescimento sustentvel, este deve vir da base da pirmide. ali que est o povo e onde os grandes pro-blemas precisam ser resolvidos. Para tanto, vamos precisar de no-vos modelos, novos processos, novos produtos que viro de baixo para cima. Para que isso acontea, precisaremos de novas iniciati-vas estratgicas que no se parecem muito com as antigas.

    Ser apenas ecoeficiente no basta

    Em vez de optar por essas rupturas, muitas empresas, ensina Hart, apostam em projetos de ecoeficincia e buscam a reduo do con-sumo de energia e gua, por exemplo. No prego que as empresas deveriam parar de pensar em melhorias contnuas, mas devem parar de defender a ideia de que no possvel abraar nenhuma outra lgica. A ecoeficincia pautada na ideia de melhoria contnua, e timo que as empresas sejam ecoeficientes. Mas as companhias no vo garantir a sustentabilidade do planeta simplesmente fazen-do melhor aquilo que j fazem. Precisamos mais do que isso.

    O vnculo entre a empresa pequena e a sustentabilidade se d em dois nveis: o primeiro o que ns conhecemos melhor, o esverdeamento. So atividades desenvolvidas por grandes corpo-raes, principalmente a partir da Rio-92. Seu modelo consiste em incrementar a produo e a performance, reduzindo riscos e custos; em suma, pequenas melhorias em produtos e processos existentes. Isso se tornar menos mau. muito importante, mas o que ns vimos ao longo das ltimas duas dcadas que, por

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    mais estratgica que seja, a eficincia ambiental no basta. Diante do crescimento global que se registra nos mercados emergentes, China, ndia, Brasil, detectamos que ele anula a reduo de im-pacto negativo e a taxa de eficincia energtica. Do ponto de vista mundial sustentvel, isso no suficiente.

    A concluso, para Hart, que ser preciso pensar em novas estratgias de inovao, no pulo do gato para tecnologias disrup-tivas que mudem o jogo. Trata-se de uma agenda de inovao e de empreendedorismo, que, em sua viso, no deve ter como foco atender apenas o topo da pirmide. H uma revoluo em curso: os investidores da chamada tecnologia limpa (clean tech) afirmam que passamos a marca de 1 trilho de dlares em investimentos no setor. O problema que no estamos vendo resultados altura ou seja, mudanas transformadoras em igual proporo quantia investida, porque elas ainda no falam com a base da pirmide, reafirmaria Hart em entrevista ao jornal Valor Econmico depois de sua palestra (Valor, 23.4.2012).

    O dado que importa agora, ponderou, que as questes sobre desigualdade e pobreza precipitaram, na ltima dcada, a noo de base da pirmide e, com ela, conceitos como o de microfi-nanciamento, empreendedorismo social, microfranquias e outras formas mais inclusivas de capitalismo, algo que no passado era pensado somente num contexto de ajuda, e resolver esta questo era acima de tudo um gesto de filantropia, que governos e ONGs deveriam fazer. Agora, com a emergncia das empresas da base da pirmide, vemos surgirem solues do setor privado para os problemas de pobreza.

    Ocorre que os detentores de tecnologia limpa no dialogam com os que se encontram na base da pirmide. Eles so enge-nheiros, tm recursos para fazer pesquisas e, como num passe de mgica, transformam problemas em solues sem grande flego comercial. Ou seja, quando se pensa em produtos verdes, se pen-sa nos ricos, porque esse tipo de produto caro. Ento, a sada

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    vender para os alemes, brincou Hart, para logo depois referir-se a outro tipo de inovao praticada nos pases emergentes por pessoas com menos foco em tecnologias e mais interessadas em novos modelos de negcios para melhorar, por exemplo, a distri-buio de bens nas favelas.

    Como vem pregando h bastante tempo, Hart considera que o grande desafio, e a grande oportunidade, est na maneira de fazer convergir estratgias da base da pirmide com tecnologia. O que significa dizer que o simples incremento nessa base da atividade econmica, tal como ela se apresenta hoje, pode levar a uma crise ambiental. A essa convergncia ele d o nome de salto verde, que considera a grande oportunidade para as MPE que querem crescer o seu modelo ideal de pequeno negcio.

    Tecnologia na prateleira

    Sobre as pesquisas de novas tecnologias e sua aplicao, o profes-sor da Cornell University considera que muitas delas, hoje, esto paradas nas prateleiras apenas porque no se encaixam nos mode-los de negcios dominantes. As universidades e essas empresas contam com milhares de pesquisas. Quando as corporaes se do conta de que o que foi desenvolvido uma soluo de distri-buio que no se encaixa em seu modelo, ento elas a colocam na prateleira, paralelamente a universidade no licencia a tecno-logia, porque isso faz parte do universo comercial.

    Mas se uma tecnologia de prateleira puder ser descentrali-zada, biobaseada, renovvel, ser possvel aplic-la a modelos de negcios totalmente novos, o que nos levar a antever um futuro sustentvel, garante Hart. Ento, o que se deve buscar impul-sionar essas ideias para uma rede global de base da pirmide. H vrias redes globais, inclusive no Brasil, e elas surgiram esponta-neamente na ltima dcada. Tudo o que se deve fazer organizar as empresas em uma rede.

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    Agora, com a emergncia das empresas da baseda pirmide, vemos surgirem solues do setor privado para osproblemas de pobreza.

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    H diferentes tipos de tecnologia limpa. O que eu chamo de green giant, ou gigante verde, so tecnologias centralizadas, gran-des, como as fazendas solares. Essas tecnologias limpas recebem muitos investimentos porque elas se adaptam s instituies do mundo desenvolvido. Mas o fato que se d menos ateno e tambm menos financiamento e foco ao que chamo de green sprout, ou broto verde. Assim, temos investimentos em energias distributivas, em agricultura sustentvel, em moradias sustent-veis e em tecnologias emergentes. Elas so inovadoras de forma disruptiva. Mas damos menos ateno s pequenas iniciativas das pequenas empresas e aqui que est o futuro. Algumas so ex-ponenciais, outras representam um nicho de mercado: por exem-plo, um carro de 40 mil dlares ou um sistema solar domstico de 25 mil dlares.

    Um mergulho na base

    Por fim, Hart defende que a grande oportunidade mesmo virar tudo de cabea para baixo e mergulhar na base da pirmide, para depois pensar em conquistar os segmentos superiores. Cita como exemplo o que ocorre na China, onde funcionam os sistemas de aquecimento solar da gua inventados por inovadores chineses, que empregam uma tecnologia muito simples, mas fruto de alta engenharia, que consiste em tubos de vidro que podem ser aque-cidos. No h presso nem material txico. Entretanto, lembra Hart, quando tentaram vender esses produtos nas grandes cidades chinesas, Beijing ou Xangai, no deu certo. Os empreendedores acabaram indo para o interior, onde havia uma grande demanda de um contingente da populao que no tem acesso regular eletricidade, ao gs ou gua. Assim, foi criado um modelo de negcios envolvendo essa camada da populao, com tecnologias apropriadas a ela. Estava montada uma indstria que cresceu 67% ao ano somente na China e faturou 10 bilhes de dlares. Certa-

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    1 (Coimbatore Krishnarao Prahalad, ou C.K. Prahalad (1941-2010), indiano, foi professor do programa de MBA da Universidade de Michigan e conselheiro do governo indiano e chegou a ser considerado o mais influente pensador do mundo de negcios. Escreveu The Multinational Mission: Balancing Local Demands and Global Vision (A misso multina-cional: a demanda do equilbrio local e a viso global, em traduo livre) e do best-seller Competindo pelo Futuro (Editora Campus, 2005), com Gary Hamel e publicado em 20 idiomas. O Futuro da Competio (Editora Campus, 2004) e A Riqueza na Base da Pirmi-de (Bookman, 2009) tambm se tornaram rapidamente grandes sucessos de vendas e so algumas de suas ltimas obras. 2 Veja bop-protocol.com.3 Conceito que define uma forma de inovao da qual participam pessoas de fora da empre-sa clientes, fornecedores , criado por C.K. Prahalad e Venkat Ramaswamy em seu livro O Futuro da Competio (Editora Campus, 2004). 4 No Brasil, em 2012, os pequenos negcios j somavam 6,8 milhes, sendo 2,5 milhes de microempreendedores individuais e 4,3 milhes de pequenos produtores rurais e pesca-dores. De acordo com sondagem feita pelo Sebrae, grande parte desses pequenos negcios j realizava aes sustentveis: coleta seletiva de lixo (70%); controle de consumo de papel (72%); controle de consumo de gua (81%); controle de consumo de energia (82%). Desse total, 75% do muita importncia s questes ambientais; 46% veem a sustentabilidade como uma oportunidade de negcios e 79% acham que as empresas sustentveis atraem mais clientes. (Fonte: Sebrae)

    mente, lembrou Hart, ainda vai triplicar e chegar frica. uma questo de tempo.

    No Instituto Indiano de Tecnologia (Indian Institute of Technolo-gy), finalizou com entusiasmo, fazemos exatamente isso: nossa mis-so criar um novo modelo para implementar esse tipo de empreen-dedorismo, aumentar substancialmente o nmero e o sucesso desses empreendedores focados em negcios sustentveis, verdes, e criar um ecossistema integrado inovao. Para disponibilizar tecnologias lim-pas, fizemos um banco de propostas, construmos uma incubadora para gerar um efeito catalisador e criamos um fundo para comear a investir especificamente nesse tipo de iniciativa.

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    sustentabilidade

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    AS TRS DIMENSES DASUSTENTABILIDADE

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    S haver competitividade no futuro se o modelo de negcio for sustentvel; competitividade passa pela questo ambiental, pela eficincia econmica e pela contribuio social. Nesse aspecto, o Brasil tem dado exemplos muito importantes na ltima dcada.

    Carlos Alberto dos Santos Economista e doutor pela Freie Universitt de Berlim, diretor tcnico do Sebrae, do qual foi tambm diretor de Administrao e Finanas (2007-2009). Tem trabalhado nos temas da incluso social, da inovao e do desenvolvimento sustentvel dos pequenos negcios.

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    o tema da sustentabilidade ambiental a partir de uma ra-cionalidade econmica se transformar brevemente em padro de mercado, porque o termo no moda, mas uma maneira de traba-lhar, e a misso do Sebrae j contempla esse conceito. Ao fazer essa afirmao durante o Seminrio, o diretor-tcnico da institui-o, Carlos Alberto dos Santos, advertiu, porm, que no haver futuro para o desenvolvimento baseado em baixos salrios ou na ex-ternalizao de custos ambientais. Ao contrrio, o desenvolvimento ser sustentvel somente se forem consideradas as suas trs di-menses: o aspecto ambiental, a questo social e o vis econmico.

    No mbito dos pequenos negcios no Brasil, Santos ressaltou a dimenso do desenvolvimento social e registrou como aspecto positivo um forte processo de gerao de empregos, com aumento de salrios e diminuio da distncia entre as remuneraes pra-ticadas em pequenos negcios e em mdias e grandes empresas queda de 43,8% para 38,4%. Esse o resultado de um aumento trs vezes maior nas micro e pequenas empresas em relao s demais nos ltimos dez anos.

    A gerao de empregos por parte de pequenas empresas no conhece nem reconhece a crise. Essa