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INOVAÇÕES NA GESTÃO EM SAÚDE MENTAL: Um Estudo de Caso sobre o CAPS na Cidade do Rio de Janeiro RITA DE CÁSSIA PAIVA RIETRA Dissertação apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, para obtenção do título de Mestre em Ciências na área de Saúde Pública. Orientador: Nilson do Rosário Costa Rio de Janeiro 1999

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INOVAÇÕES NA GESTÃO EM SAÚDE MENTAL:

Um Estudo de Caso sobre o CAPS na Cidade do Rio de

Janeiro

RITA DE CÁSSIA PAIVA RIETRA

Dissertação apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação

Oswaldo Cruz, para obtenção do título de Mestre em Ciências na área de Saúde

Pública.

Orientador: Nilson do Rosário Costa

Rio de Janeiro

1999

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AGRADECIMENTOS

À minha família, que sempre esteve presente em todos os momentos da minha

formação.

Aos professores da Residência e do Mestrado, que contribuíram de forma

decisiva para o meu crescimento profissional, especialmente ao professor Paulo

Amarante, pelo aprendizado, pelas oportunidades e pela amizade.

À CAPES pelo apoio financeiro que possibilitou a realização do mestrado.

Aos professores José Mendes Ribeiro, Otávio Cruz Neto e Paulo Amarante pelas

contribuições dadas no exame de qualificação do projeto.

À todos os amigos que conheci neste período, especialmente ao Ricardo,

Durvalina, Eliane, Zélia e Cíntia, e à Edna e Mônica pelo carinho com que sempre me

ajudaram.

A Hugo Fagundes, Madalena Libério e Andréa da Luz Carvalho, da GSM, e aos

profissionais do IFB, principalmente à Neli Almeida, pela generosidade com que

concederam as entrevistas e documentos, indispensáveis para a realização deste

trabalho.

A todos os profissionais, familiares e pacientes do CAPS Campo Grande, pelo

carinho com que me receberam e pela disponibilidade em dividir seu dia a dia.

Especialmente à Regina e Verônica, que permitiram minha participação no Grupo de

Família, e à amiga Patrícia, pelas longas conversas.

Aos meus amigos, especialmente à Simone, Pascoal e Flávia, que tornaram este

momento muito menos solitário.

Ao querido professor Nilson do Rosário Costa, pelo carinho e dedicação com

que orientou este trabalho e pelo apoio e incentivo a outras conquistas profissionais.

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Sim-Toma!

Os saberes científicos

nada sabem

sobre o sacrifício

que o sofrimento implica.

A distância ele diagnostica:

- É loucura!

E aí se inicia

o ritual de imolação no hospício.

Ricardo Aquino

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RESUMO

A Secretaria Municipal de Saúde, que sempre esteve afastada da assistência em

saúde mental na cidade, iniciou, em 1996, a construção de uma rede de Centros de

Atenção Psicossocial (CAPS), com o objetivo de inverter o modelo manicomial

hegemônico. Para isso, estabeleceu parcerias com a Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Social e com Organizações Não Governamentais: a Fundação Lar São

Francisco de Paula e o Instituto Franco Basaglia (IFB).

O objetivo deste trabalho é estudar o convênio entre a SMS e uma das ONG’s, o

IFB, procurando identificar seus objetivos, vantagens, mecanismos de controle e seus

resultados na assistência .

Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com a gerência de saúde mental

da SMS e a coordenadora do IFB e a análise dos documentos, artigos e fontes

secundárias. Com relação a assistência prestada, foram realizadas entrevistas semi-

estruturadas com 3 profissionais do CAPS, 8 familiares de pacientes, além de um

período de observação participante em um dos CAPS.

A partir do estudo é possível afirmar que os serviços vêm apresentando uma

assistência de qualidade, baseada nas propostas da Reforma Psiquiátrica e nos princípios

do SUS. Entre os fatores que mais contribuem para os resultados estão o empenho de

todos os profissionais do CAPS, da Gerência de Saúde Mental e do IFB e a participação

dos familiares, que aceitaram a proposta de tratamento, mantendo os pacientes em casa

e colaborando com o serviço.

O estabelecimento de parcerias foi a alternativa encontrada, dentro do modelo de

administração direta, para flexibilizar a gestão de recursos humanos, no entanto, quanto

a sustentação do modelo de gestão por parcerias, a ausência de licitação ou de outro

mecanismo que validasse a escolha da ONG traz questões sobre a legitimidade do

processo. Além disso, a responsabilização da gestão está sendo dificultada pela ausência

de cláusulas mais claras, que seriam garantidas por um contrato de gestão.

Palavras Chaves: Reforma Psiquiátrica; Gestão; Serviços de Saúde Mental; Gestão de

Recursos Humanos; Organizações Não Governamentais.

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ABSTRACT

The Municipal Secretary of Health (MSH) which did not care for the mental

health of the people of Rio de Janeiro, started to organize, in 1996, a net of

Psychosocial Attention Centers (PSAC) with the purpose to reverse the hegemonic

asylum model. To reach this objective, partnerships where established with the

Municipal Secretary of Social Development and with Non-Governmental Organizations

as House São Francisco de Paula Foundation, and the Franco Basaglia Institute (IFB).

The purpose of this work is the study of the agreement between a MSH and one

of the NGO’s, - IFB, trying to identify theirs objectives, advantages, control

mechanisms, and the results of the assistance work.

Interviews were performed with the mental health management – SMS, and the

IFB coordinator, followed by analysis of documents, articles and others sources of

informations. About the performed assistance interviews were performed with PSAC

professionals and relatives of the patients, including a period of participant observation

in PSAC of Campo Grande, Rio de Janeiro.

From this study, we conclude that the services show a good quality assistance,

based in the proposals of the Psychiatric Reform and the SUS principles. Among the

factors which contribute for the good results are the efforts of professionals of PSAC,

Mental Health management, and IFB, with the help of relatives which accepted the

proposals of treatment, in collaboration with the service.

The establishment of partnership was decided, within the model of direct

administration, to become applicable the management of human resources. Meantime,

the non existence of bidding, or other process to validate the selection of the NGO’s

threatens the continuity of the model of partnership management. Moreover, the

accountability of management becomes difficult due to the absence of clear clauses,

which could be avoided with a management contract.

Key Words: Psychiatric Reform; Management; Mental Health Services; Management of

Human Resources; Nongovernmental Organizations.

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SUMÁRIO

Apresentação ....................................................................................................................1

I ) Introdução ....................................................................................................................7

I . 1) As Inovações no Setor Saúde ...................................................................................7

I . 2) A Reforma do Estado..............................................................................................15

I . 3) A Agenda da Reforma do Estado e o Setor Saúde..................................................21

As Inovações Voltadas para Mudanças nas Modalidades de Gestão.............................26

As Inovações Voltadas para a Mudança no Modelo Assistencial..................................27

As Inovações no Subsetor Saúde Mental: a Reforma Psiquiátrica..................................31

II) A Construção de uma Rede de Centros de Atenção Psicossocial..............................46

II. 1 ) A Assistência Em Saúde Mental No Município Do Rio De Janeiro.....................46

II. 2 ) Os Centros de Atenção Psicossocial..................................................................... 60

II. 3 ) A Assistência em Saúde Mental na Zona Oeste....................................................64

II. 4) A Opção pela Parceria com uma Organização Não Governamental.....................65

II. 5 ) Uma Outra Forma de Administração....................................................................66

III ) O CAPS Pedro Pellegrino........................................................................................80

Os Profissionais...................................................................................................93

Convivendo com os Pacientes: as Famílias e a opção por não

internar.................................................................................................................97

IV ) Considerações Finais:............................................................................................111

Bibliografia...................................................................................................................119

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ANEXOS

ANEXO 1 - Convênio para Cooperação Técnica e Científica entre a Secretaria

Municipal de Saúde e o Instituto Franco Basaglia para Implantação de CAPS – Saúde

Mental – em Santa Cruz e Campo Grande.

Centro de Atenção Psicossocial de Santa Cruz: Proposta de Convênio

apresentada à Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

ANEXO 2 - Indicadores dos CAPS’s, outubro de 1998. GSM/SMS.

ANEXO 3 - Roteiro de Entrevistas

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ANEXO 1

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ANEXO 2

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ANEXO 3

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ROTEIRO DE ENTREVISTAS

ENTREVISTA COM A GERÊNCIA DE SAÚDE MENTAL:

- Qual a política de Saúde do Município (quanto a questão da flexibilização da

gestão)?

- O que determinou a escolha por Irajá, Campo Grande e Santa Cruz, para os

primeiros CAPS?

- Por que os CAPS estão subordinados aos Centros Municipais de Saúde?

- Por que a equipe é mista?

- Por que a escolha pelo convênio?

- Como é feita a responsabilização da gestão?

- Qual o impacto destes serviços no orçamento?

- É feita alguma pesquisa de satisfação do usuário?

- Como é a relação com o grupo de pressão dos familiares (AFDM)?

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ENTREVISTA COM COORDENADORA DE PROGRAMAS DO IFB

- Como surgiu o IFB e qual sua proposta de trabalho?

- Como foi o contato entre IFB E SMS?

- Quais foram os termos do convênio e quais as atribuições do IFB?

- O IFB apresenta algum mecanismo de avaliação do trabalho (produzem

indicadores)?

- Qual o impacto da criação dos CAPS na rede de assistência em saúde mental?

- Como foi feito o recrutamento e a seleção do pessoal? Quais os critérios para a

admissão?

- Os profissionais são celetistas?

- Quais os problemas da diferença contratual da equipe (salário, direitos, insegurança

do trabalho)?

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ENTREVISTA COM COORDENADORA DO CAPS

- Qual a proposta do CAPS?

- Qual a clientela atendida (diagnóstico, classe social) e como é feita a triagem?

- Qual o encaminhamento para os pacientes não aceitos?

- Qual o número de vagas/

- Quando não há vagas, qual o procedimento?

- De onde são encaminhados os pacientes?

- Quais são as ofertas terapêuticas?

- Como são os contratos terapêuticos?

- Qual o procedimento do serviço nos casos de internação?

- Há acompanhamento dos abandonos e das faltas?

- Em que casos são feitas as visitas domiciliares?

- Quais são os profissionais?

- Qual a diferença com relação ao salário, carga horária e benefícios entre os

profissionais da SMS e do IFB?

- Quais os problemas e vantagens do convênio percebidos na assistência?

- Como é a relação com os familiares?

- Como é a relação com o Conselho Distrital?

- Como é a relação com outros serviços da área?

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ENTREVISTA COM OS FAMILIARES

- Como tomou conhecimento do CAPS?

- O que acha do trabalho do CAPS?

- História do paciente?

- Como é o relacionamento em casa?

- O que acha do grupo?

- Por que internar ou não internar?

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APRESENTAÇÃO:

Meu interesse pela área de saúde pública surgiu durante os estágios

extracurriculares, na graduação em psicologia. No estágio na Colônia Juliano Moreira,

como Auxiliar Psiquiátrica do Núcleo Franco da Rocha, estabeleci meu primeiro

contato com o manicômio e com os chamados “doentes mentais”. Trabalhando

diariamente com os pacientes, era impossível ficar imune ao sofrimento daquelas

pessoas jogadas em pavilhões imundos, convivendo com ratos, marimbondos, urubus e

goteiras, submetidas à normatização de uma instituição produtora de cronificação. Esta

experiência mostrou que o hospital psiquiátrico era uma forma de isolar da sociedade os

seus diferentes e não um local de tratamento para as pessoas com sofrimento psíquico.

A angústia e o sentimento de impotência se confrontavam, o tempo todo, com a

convicção de que aquela realidade precisava ser transformada.

Como alternativa à cronicidade das internações, apontava-se o atendimento

ambulatorial e, dessa forma, no estágio no Centro Psiquiátrico Pedro II, procurei

conhecer este outro tipo de tratamento, optando pelo Ambulatório Central de Adultos.

No entanto, a dificuldade para agendamentos e as longas filas de espera, o grande

intervalo entre as consultas, que duravam cerca de cinco minutos, a predominância das

consultas psiquiátricas e a ausência de um trabalho multiprofissional, revelavam que a

suposta alternativa ainda estava muito distante de responder às necessidades dos

pacientes.

Como Acadêmica Bolsista da Secretaria Municipal de Saúde, realizada num

Centro Municipal de Saúde, pude entrar em contato com um outro tipo de serviço de

saúde. Por acreditar que aquele espaço oferecia muitas possibilidades de trabalho e

reflexão, procurei não ficar restrita aos atendimentos psicoterápicos. Busquei

interlocução com outros profissionais, o que enriqueceu as reflexões acerca da

assistência prestada. A participação em alguns Programas, como o Programa de Saúde

do Escolar e o Programa de Planejamento Familiar, chamou minha atenção para as

dificuldades dos programas verticais, que, embora digam respeito a problemas

significativos, não consideram a especificidade das demandas locais e apresentam

normas muito rígidas, que muitas vezes, levam ao abandono dos usuários. Além disso,

formulários e prontuários preenchidos burocraticamente pelos profissionais eram

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abandonados, desprezando-se, assim, importantes dados sobre a clientela, que poderiam

orientar o planejamento das atividades de assistência.

Estas experiências mostraram os mecanismos de medicalização e/ou

psicologização de problemas sociais e que os saberes psi não davam conta das questões

que surgiam, sendo fundamental uma compreensão do grupo social que buscava

assistência e suas condições de vida. Mostraram, também, a necessidade de recorrer a

estudos sobre instituições, ciências sociais, antropologia e políticas públicas. Com esse

objetivo, realizei o curso de Especialização em Psiquiatria Social e o curso de

Residência em Saúde Pública, ambos na ENSP/FIOCRUZ. A paixão pelas questões

discutidas nesta trajetória e o interesse pela área acadêmica e de pesquisa me levaram ao

mestrado na mesma instituição.

O curso de Especialização em Psiquiatria Social proporcionou maior

fundamentação teórica para a compreensão da construção da loucura como doença

mental, da psiquiatria como especialidade médica e do hospital psiquiátrico como

instituição terapêutica, permitindo pensar, a partir daí, na desconstrução das formas

manicomiais de lidar com a loucura. O contato com as idéias de Basaglia ratificaram

antigas convicções de que é necessário uma transformação da sociedade para que o

manicômio não seja percebido como tão necessário como ainda é atualmente.

No primeiro ano da Residência em Saúde Pública predominaram os cursos

teóricos ligados a área de Saúde Coletiva, que mostraram a complexidade do campo da

saúde e a necessidade de uma abordagem transdisciplinar. No segundo ano, que prevê a

inserção numa experiência técnico-científica, escolhi o Laboratório de Estudos e

Pesquisas em Saúde Mental, onde pude estudar, mais detalhadamente, o Processo de

Reforma Psiquiátrica, atuando como monitora da disciplina Determinantes Históricos e

Ideológicos das Técnicas de Intervenção em Saúde Mental e participando das

discussões dos projetos em andamento no LAPS. A pesquisa realizada durante este ano

estava inserida num projeto sobre os novos serviços de saúde mental construídos no

Brasil, suas matrizes discursivas e práticas. Neste sentido, optei pelo estudo do

Hospital-Dia do Centro Psiquiátrico Pedro II. O objetivo era levantar a história da

construção deste novo serviço e procurar identificar, no seu dia a dia, em que medida se

diferenciava dos serviços tradicionais, os conceitos que lhe serviam de referência e as

relações entre pacientes e profissionais.

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Os estudos desenvolvidos neste percurso chamaram minha atenção para o caráter

limitado das mudanças que vinham ocorrendo na assistência em saúde mental no

município do Rio de Janeiro, enquanto experiências significativas vinham ocorrendo em

todo o país. Os novos serviços eram construídos dentro dos hospitais federais e

universitários, por iniciativa dos profissionais que queriam desenvolver um trabalho nos

moldes da Reforma, rompendo com o modelo imposto pela instituição, como foi

revelado na pesquisa sobre o Hospital Dia do CPPII. Além disso, estas iniciativas não

conseguiam alterar o perfil da assistência psiquiátrica no município, que sempre esteve

centrada nas internações em hospitais psiquiátricos públicos ou privados conveniados.

A Secretaria Municipal de Saúde, por sua vez, não tinha nenhuma participação no

sentido de uma reformulação da assistência em saúde mental, apesar do processo de

municipalização determinado nas diretrizes do SUS e das orientações normativas

criadas para orientar sua implantação.

Esta realidade começa a mudar em 1996, quando a atual Gerência de Saúde

Mental da Secretaria Municipal de Saúde inicia um processo de construção de uma rede

assistencial voltada para a reabilitação psicossocial dos pacientes psiquiátricos - os

Centros de Atenção Psicossocial - CAPS. Os CAPS são serviços de atenção diária, com

abrangência territorial estrita, que oferecem suporte aos familiares, procuram a

reinserção social e laborativa desta clientela e a participação comunitária, para reverter

o estigma que envolve o paciente psiquiátrico.

“Os CAPS representam algo mais que uma mera alternativa ao modelo hospitalar predominante, funcionando de forma a evitar as internações psiquiátricas e diminuir sua reincidência, mas sobretudo por possibilitarem o desenvolvimento de laços sociais e inter-pessoais essenciais para o estabelecimento de novas possibilidades de vida.”(SMS,1997, 5)

Os CAPS foram pensados a partir da constatação da necessidade de mudanças

no modelo hospitalocêntrico, hegemônico na cidade, e de seu caráter iatrogênico. Dessa

forma, para orientar a construção de uma rede que invertesse esse modelo foi realizado,

em 1995, o primeiro Censo dos Internos nos Hospitais Psiquiátricos. O Censo tinha

como objetivo conhecer o perfil clínico e sócio-econômico da clientela psiquiátrica

internada, fornecendo as informações necessárias para subsidiar o planejamento das

ações em saúde mental a serem implementadas pela Secretaria. Embora os resultados

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com relação à péssima qualidade da assistência prestada já fosse esperada pelos

profissionais e estudantes da área, as informações sobre as condições sociais e

familiares desmentiram antigas crenças de que estes pacientes não teriam como

sobreviver fora do hospital. Dessa forma, foi comprovada não só a necessidade como

também a viabilidade do projeto de construção dos CAPS.

Com base nos dados do Censo, referentes ao local de moradia dos pacientes

internados, e dos mapas de distribuição de serviços na Cidade, iniciou-se a construção

da rede, priorizando-se, inicialmente, as áreas mais carentes de serviços. O objetivo é a

criação de pelo menos um CAPS em cada área de Planejamento, sediados em prédios

públicos desativados. Neste momento, estão em funcionamento os CAPS Irajá, Campo

Grande, Santa Cruz, Ilha do Governador e Jacarepaguá.

Para a implantação destes serviços, a SMS procurou o apoio da Coordenação da

Área e do Conselho Distrital e estabeleceu parcerias com a Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Social (SMDS) e a Fundação Lar São Francisco de Paula.,

(FUNLAR), para implementação do CAPS Irajá, e com uma Organização Não

Governamental, o Instituto Franco Basaglia (IFB), para a implementação dos CAPS

Campo Grande e Santa Cruz.

No caso de Irajá, a SMDS, que recebeu alguns prédios da extinta LBA, forneceu

o prédio anexo ao prédio onde iria desenvolver um Centro de Atenção Social Integrada.

O convênio com a FUNLAR, que trabalha com políticas sociais para deficientes, foi

feito com o objetivo de articular o trabalho com deficientes ao trabalho com os

pacientes psiquiátricos. Alguns dos profissionais do CAPS são do município e outros

foram contratados pela FUNLAR que é responsável, também, pela supervisão clínica.

No caso de Campo Grande e Santa Cruz, o convênio com o IFB tem como

objetivo a colaboração técnica, sendo que o IFB fica responsável pela supervisão clínica

dos casos e contratação de pessoal, permitindo a contratação de profissionais que não

fazem parte da rede e uma maior flexibilidade na reposição de pessoal, no caso de

abandono dos profissionais concursados. Outra preocupação que orientou a contratação

de pessoal foi a questão colocada pela Reforma do Estado com relação ao elevado

número de profissionais do serviço público, que tem trazido problemas como, por

exemplo, as despesas com o pagamento dos funcionários ativos e os encargos com os

inativos.

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Em todos os CAPS, no entanto, a Secretaria Municipal de Saúde continua

responsável pela gestão e as parcerias são estabelecidas como alternativas, para a

flexibilização da gestão do trabalho.

Dessa forma, a implantação dos CAPS pode ser pensada a partir do contexto de

mudanças que vem ocorrendo no setor saúde na última década. Estas mudanças seguem

duas orientações. Numa delas, as inovações estão voltadas para a superação do modelo

assistencial hegemônico, ou seja, o modelo médico assistencial privatista. Na outra, as

inovações voltam-se para a experimentação de novas modalidades de gestão. Neste

caso, as inovações seguem a tendência da Reforma do Estado e suas exigências de

municipalização; redefinição do papel do Estado, que da execução, passa a promoção e

regulação, direcionando para o terceiro setor a função de produção de serviços;

flexibilização da gestão e sua ênfase na eficiência; autonomia do gestor; controle dos

resultados e controle popular. Neste sentido, os CAPS seguem estas duas tendências de

mudanças: com relação as transformações na modalidade de assistência, baseando-se

nas propostas da Reforma Psiquiátrica e com relação a sua modalidade de gestão,

buscando maior flexibilização na gestão dos recursos humanos.

No entanto, se a orientação para a mudança no modelo assistencial presente na

construção dos CAPS é comemorada, a escolha por parcerias com ONG’s e Fundações

como alternativa de gestão recebe uma série de críticas e acusações. Afirma-se que esta

forma de gestão representa a privatização da esfera pública e a incorporação do modelo

neoliberal à saúde mental, indicando uma resistência à mudança do papel do Estado

como executor das ações de saúde e a tendência a associar o público ao estatal.

Critica-se, também, a ausência de licitação para a seleção dos parceiros pela

SMS e a contratação de pessoal pelas ONG’s, já que, em 1996, foi realizado concurso

público para psiquiatras e psicólogos para a Secretaria Municipal de Saúde e havia

profissionais aprovados aguardando a convocação. Soma-se a esta crítica a pouca

divulgação do processo de seleção dos profissionais contratados para trabalhar nos

CAPS.

Diante deste novo quadro institucional e dos primeiros contatos com as

discussões sobre a Reforma do Estado realizadas durante uma disciplina do mestrado,

surgiu a idéia de estudar a construção dos CAPS, no que se refere a sua modalidade de

gestão. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é estudar o convênio entre a Secretaria

Municipal de Saúde e um dos parceiros, o Instituto Franco Basaglia, procurando

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identificar seus objetivos, vantagens, mecanismos de controle e a assistência produzida

a partir dele. Para isso, tomou-se como caso exemplar o CAPS Pedro Pellegrino –

CAPS Campo Grande.

Para compreender o estabelecimento do convênio e o processo de implantação

dos CAPS, foi feito um estudo de documentos e artigos produzidos pela Gerência de

Saúde Mental e pelo IFB, assim como de fontes secundárias que discutem este processo.

Foram realizadas, também, entrevistas semi-estruturadas com a equipe da Gerência de

Saúde Mental e com a Coordenadora de Programas do IFB.

Com relação a assistência prestada pelo CAPS, foram analisados artigos e

relatórios produzidos pelo IFB e realizadas entrevistas com três profissionais do CAPS

Campo Grande e oito familiares de pacientes. Foi realizado, também, um período de

observação participante nas reuniões de equipe, no Grupo de Família e em algumas das

oficinas, como a Oficina de Teatro e a de Vídeo.

No primeiro capítulo, foi feita uma breve consideração teórica, procurando

mostrar a permeabilidade do subsetor saúde mental às propostas de transformações no

padrão de intervenção do Estado e como o ideal do modelo redistributivo de caréter

exclusivamente estatal tem dificultado a discussão de alternativas para os sistemas de

Welfare State. Dessa forma, foi apresentada a proposta da Reforma do Estado e sua

influência nas transformações ocorridas no setor saúde na última década, voltadas para a

mudança nas modalidades de gestão e no modelo assistencial.

No segundo capítulo foi descrito o processo de implantação dos CAPS no

município do Rio de Janeiro e o estabelecimento do convênio entre a Secretaria

Municipal de Saúde e o Instituto Franco Basaglia, procurando identificar os termos do

convênio, seus objetivos, as atribuições dos parceiros, os mecanismos de controle e

avaliação e o peso que estes novos serviços representam no orçamento.

No terceiro capítulo foi feito o estudo de caso do CAPS Pedro Pellegrino, com o

objetivo de verificar a assistência prestada a partir deste novo desenho organizacional.

Foi feita uma breve descrição da rotina de funcionamento, considerando-se sua

clientela, seus profissionais e os familiares dos usuários.

O último capítulo discute o que foi apresentado nos capítulos anteriores,

apontando os dilemas deste novo modelo de gestão e as dificuldades encontradas por

profissionais e pacientes diante de uma rede assistencial ainda em construção.

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I ) INTRODUÇÃO

I . 1 ) As Inovações no Setor Saúde:

A necessidade de algum tipo de proteção social que regulasse as condições de

trabalho e minorasse a miséria da população surge com as grandes transformações

sociais, políticas e econômicas decorrentes da industrialização. A partir de então, a

intervenção do Estado nas questões sociais é considerada uma função intrínseca do

Estado moderno. Esta intervenção é feita através das políticas sociais, entendidas como

uma relação social que se estabelece entre o Estado e as classes sociais. Esta relação se

traduz em uma relação de cidadania, isto é, no reconhecimento de uma igualdade

humana básica e no estabelecimento de um conjunto de direitos e deveres que vincula o

cidadão a seu Estado. (Marshall, 1987)

Dessa forma, aponta-se o Welfare State como uma referência fundamental para

se pensar o Estado moderno, já que todos os países desenvolvem algum mecanismo

público de proteção social. Cada país, no entanto, estabelece diferentes formas de

relacionamento entre Estado e sociedade, e, dessa forma, padrões específicos de

intervenção, determinando diferentes modalidades de Welfare State. Embora sejam

semelhantes do ponto de vista formal, já que correspondem a sistemas previdenciários,

assistenciais e de saúde, apresentam muitas diferenças operacionais, como, por

exemplo, diferentes formas de financiamento, cobertura, tipos de programas, acesso,

etc. (Vianna, 1991, 135).

As formas de concretizar as políticas variam, também, segundo as concepções

do papel do Estado (conservadoras, liberais ou neoliberais e intervencionistas ou

regulatórias) e da relação Estado-Mercado ou Estado-Sociedade, ou seja, das

concepções de como, com que peso e grau o Estado deve atuar no social. (Draibe, 1989,

18)

Para organizar a diversidade de experiências e torná-las passíveis de

comparação, relacionando-os a variáveis históricas, econômicas e políticas, foram

desenvolvidas várias tipologias dos Estados de Bem Estar. Dentre as tipologias mais

utilizadas estão a de Titmuss (1974) e de Esping-Andersen. (1985).

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Titmuss (1974) discrimina três modelos contrastantes de políticas sociais, que

podem ser descritos da seguinte maneira: o modelo residual, o modelo meritocrático e o

modelo institucional-redistributivo. No modelo residual, o Estado só intervem quando

os dois canais considerados naturais, a família e o mercado não conseguem atender as

necessidades individuais. Segundo o modelo meritocrático, a satisfação das

necessidades individuais está vinculada ao mérito e ao desempenho dos grupos

protegidos. O modelo institucional-redistributivo é caracterizado por uma política

universalista e igualitária, e as políticas de bem estar são percebidas como importantes

instituições sociais. (Titmuss, 1976, 30-31)

A tipologia de Esping-Andersen (1985) também discrimina três modelos. No

modelo liberal, dominante nos Estados Unidos, Austrália, Canadá e Suíça, as políticas

sociais têm como alvo os mais pobres, que não podem satisfazer suas necessidades

individuais por meios próprios. Dessa forma, este modelo é residual e estabelece

estreitas fronteiras para a intervenção governamental, maximizando o alcance do

mercado, considerado o espaço privilegiado da distribuição.

No modelo conservador, predominante na Europa continental (Alemanha,

Áustria, França e Itália), a ação protetora do Estado está vinculada ao desempenho dos

grupos protegidos. Os direitos e deveres estão vinculados ao status e à ocupação e não à

condição de cidadania.

O modelo social-democrata se assemelha ao modelo institucional redistributivo

de Titmuss. É um modelo inclusivo, caracterizado pela integralidade e universalidade

das políticas sociais. (Esping-Andersen, 1985)

Para Fleury (1994),

“a busca de tipos ideais no sentido weberiano tem sido atravessada pela recorrente idealização de um modelo perfeito de Welfare State redistributivo (...) Assim, face a este modelo idealizado, os demais deixam de ser vistos como tipos ideais para serem considerados seja como modelos subótimos, seja como etapas anteriores em um curso ascencional inexorável de aperfeiçoamento que culminaria com sua superação pelo modelo social-democrata.” (Fleury, 1994, 102).

Segundo Vianna, 1991, o problema das tipologias de Welfare State está no viés

endogenista, isto é, no privilégio de seus elementos internos, como o financiamento, o

acesso, a extensão da população coberta, mecanismos de controle, etc, em detrimento

dos aspectos aparentemente externos ao sistema. Estes aspectos externos dizem respeito

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aos condicionantes estruturais, cujos efeitos explicam não só a emergência dos welfare,

como também as características que os diferenciam entre si. São eles, o

desenvolvimento sócio-econômico (grau de industrialização e urbanização), a

mobilização da classe operária (pressão versus ações defensivas do sistema político,

através das instituições do welfare) e o desenvolvimento institucional (extensão do

sufrágio, características do regime político).

Neste sentido, a tipologia de Esping-Andersen é considerada mais abrangente

por utilizar como critério o grau de democratização social alcançado pelo capitalismo.

Para Esping-Andersen, o Estado de Bem-Estar consiste numa articulação de conflitos

distributivos, na qual se relacionam o poder de mobilização política e a democratização

social do capitalismo. Esta implica no preenchimento da seguinte agenda:

desmercantilizar o status da força de trabalho, instituindo-se o salário social e os direitos

de cidadania suplantando os mecanismos de distribuição do mercado; reforço da

solidariedade, substituindo-se os esquemas de proteção social competitivos, seletivos e

corporativos pelo princípio do universalismo (noção de estar no mesmo barco);

redistribuição efetiva, via tributação progressiva e transferências sociais; e pleno

emprego, meta e base financeira dos demais objetivos.

Dessa forma, não é o Welfare que vai proporcionar uma maior

homogeneização/redistributividade, mas é a redistributividade/homogeneização que

torna o Welfare possível. A partir desta argumentação pode-se entender porque os

Estados de Bem-Estar mais desenvolvidos são encontrados nas sociedades européias

mais homogêneas.

“A ênfase nos componentes internos do Welfare State leva, por um lado, à idealização do modelo social democrata, valorizado (e desejado) por sua intrínseca redistributividade, omitindo-se que boa parte do seu sucesso deve ser creditada a uma prévia homogeneização da estrutura sócio-econômica. Por outro, essa ênfase subestima o papel desempenhado pela política na diferenciação de sistemas.” (Vianna, 1991, 142)

Neste sentido, a cidadania, tal como concebida por Marshall, como

incorporação de direitos civis, políticos e sociais, é colocada como dimensão

fundamental para o estabelecimento do Welfare State. A importância não está

relacionada à obediência desta seqüência na incorporação dos direitos mas sim à

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ampliação da medida de igualdade, representada pelo pertencimento à comunidade, que

se estende a todos e se enriquece pelos direitos. A garantia dos direitos se realizada pela

institucionalização de uma instância pública, separada do mundo privado, que garante a

primazia de regras universais, assegurando uma identidade inclusiva para toda a nação,

contra os privilégios da hierarquia.

Uma peculiaridade presente no sistema de Welfare brasileiro, consolidado

institucionalmente na década de 30, está na forma em que foi conferido o estatuto da

cidadania no Brasil, definido por Santos (1994), como “cidadania regulada”. De acordo

com este autor, cidadania regulada é o conceito de cidadania cujas raízes encontram-se

em um sistema de estratificação ocupacional, definido por norma legal:

“São cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas por lei. A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas profissões e/ou ocupações, em primeiro lugar, e mediante ampliação do escopo dos direitos associados a estas profissões, antes que por expansão dos valores inerentes ao conceito de membro da comunidade. A cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei. Tornam-se pré-cidadãos, assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desconhece.” (Santos, 1994, 68)

É com a concepção de cidadania regulada e de direito como concessão que o

Estado inicia a construção de uma política social, encarregando-se apenas dos cidadãos,

isto é, dos trabalhadores de profissões regulamentadas e reconhecidas por lei. Consagra-

se, assim, uma prática de desigualdade dos benefícios previdenciários, vinculados às

contribuições passadas e com tratamento diferenciado de acordo com a categoria

profissional.

Dessa forma, o sistema de welfare state no Brasil pode ser enquadrado na

categoria meritocrático-particularista, onde o conservadorismo determinou o

corporativismo e a hierarquização da concessão de benefícios sociais.

Cabe, aqui, uma ressalva com relação ao padrão de intervenção do Estado nos

diferentes grupos sociais. O mesmo Estado que até 1930 permanece não interventor

nem assegurador dos direitos, apresenta comportamento oposto com relação aos

doentes mentais. Depois dos servidores militares, por suas funções de preservação

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nacional, os doentes mentais são o primeiro grupo a ter assegurado o direito a

assistência, com a criação do primeiro Hospital Público - Pedro II - em 1852. Esta

intervenção tem como objetivo a segregação e o confinamento de um grupo

considerado prejudicial à sociedade, iniciando-se, aí, a política oficial de tutela e

segregação do doente mental no Brasil. (Marsiglia, 1987)

Embora o sistema de proteção social brasileiro tenha passado por um processo

continuado de universalização de cobertura, de forma a abranger a quase totalidade da

população, é somente com a Constituição de 88 que se inicia “a primeira experiência

brasileira de uma política social universalizante” (Faveret & Oliveira, 1989, 139)

O SUS representa uma grande ruptura com o padrão de intervenção do Estado

no campo social, moldado na década de 30 e desde então intocado nos seus traços

essenciais. Ao incorporar uma enorme parcela da população anteriormente excluída pela

ausência de contribuição previdenciária, inicia-se uma política social de caráter

redistributivo e universalizante, onde o direito social se torna um atributo da

cidadania.(idem, ibidem)

Segundo Vianna (1991), nesta abordagem otimista do welfare state no Brasil, a

política social passa a ser considerada como uma atribuição do Estado, que deve ser

responsável pelas funções redistributivas e equalizadoras.

No entanto, esta concepção estatista da esquerda não levou em consideração a

necessidade de uma mudança estrutural, na produção, para acabar com a concentração

de riquezas, isto é, o postulado do social como subordinado ao econômico. Dessa forma,

identificou o social como um campo singular, passível de sofrer modificações a partir da

intervenção estatal na distribuição.

A Constituição de 88 é bastante avançada no que tange a Ordem Social, criando

o conceito de Seguridade Social, até então inexistente na legislação anterior,

assegurando os direitos à saúde, à previdência e à assistência social. As boas intenções,

no entanto, estão ameaçadas pela escassez de recursos necessários para a ampliação dos

direitos sociais. O movimento de universalização acompanhou mecanismos de

racionamento como forma de acomodar a ampliação da demanda à uma oferta em lento

crescimento. Os segmentos sociais com condições de acessar o sistema privado

retiraram-se do sistema público, ficando apenas os setores mais carentes. Dessa forma,

embora a vontade política dos reformadores do aparelho estatal esteja voltada para a

transformação do modelo assistencial num modelo institucional redistributivo, os

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fatores restritivos levaram a um modelo de intervenção residual. (Faveret e Oliveira,

1989).

Estes fatores restritivos foram determinados pela crise fiscal e política do Estado

brasileiro, que ocorria contemporaneamente a implantação do SUS, repercutindo

drasticamente no seu financiamento: “Desse modo, tratou-se de impor novas

responsabilidades a um Estado alquebrado e incapaz de reverter o quadro social

gerado anteriormente e exponenciado pela crise.” (Mendes, 1996, 63)

As dificuldades têm estimulado uma visão negativista das políticas de bem estar

social, cuja argumentação “se expressa na defesa de certas linhas de privatização, na

ênfase dada à questão do défict público, na intransigência quanto ao significado do

gasto social num contexto de crise; enfim, na modernização via mercado.” (Vianna,

1991, 152)

As afirmativas reformadoras, por sua vez, mantém as cobranças ao Estado,

defendendo a política social como ação estatal redistributiva.

Para a autora, a centralidade que o Estado, e não a política, vem ocupando no

debate nacional está obscurecendo a avaliação de alternativas e experiências inovadoras

desenvolvidas em outros países, onde a polêmica sobre o Welfare State não se resume

mais a um embate político-ideológico entre liberais e social-democratas. Na literatura

internacional, a dicotomia Estado versus mercado já não ocupa o centro das atenções.

As soluções possíveis apontam novos arranjos entre público e privado, como o

fortalecimento de setores não governamentais e das iniciativas populares e voluntárias.

Dessa forma, entre o “ótimo abstrato”, defendido pela intelectualidade brasileira, e o

“péssimo concreto” existem alternativas que devem ser buscadas:

“O desafio brasileiro consiste justamente em enfrentar a dupla jornada: assumir o atraso e viver a contemporaneidade. Uma pesada intervenção do Estado na área social ainda se faz imprescindível (até porque nunca foi realmente feita), mas o estatismo acrítico tem que ser rejeitado. Redes de solidariedade societais devem ser valorizadas como alternativas para a proteção social, mas não usadas como isca para a armadilha neoliberal. Formas novas de articulação público/privado e estímulos à solidariedade precisam entrar no circuito, mas não se pode esquecer que há uma batalha a travar contra a privatização do espaço público. Não há solidariedade que se sustente diante da absurda estrutura de desigualdades reinante.” (Vianna, 1991, 157)

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Algumas das questões apontadas acima como alternativas ao sistemas de

proteção social, como o afastamento do estatismo acrítico em favor de novas relações

societais e as novas relações público/privado estão presentes no debate atual sobre a

Reforma do Estado.

As propostas da Reforma do Estado vêm orientando uma das tendências de

mudanças ocorridas no setor saúde na última década: as inovações na modalidade de

gestão. Entre as experiências que seguem esta orientação está o projeto de construção de

uma rede de serviços territoriais em saúde mental, no município do Rio de Janeiro: os

Centros de Atenção Psicossocial. Para a construção destes serviços, a Secretaria

Municipal de Saúde do Rio de Janeiro estabeleceu parcerias com o terceiro setor, com o

objetivo de flexibilizar a gestão dos recursos humanos. Os CAPS representam, também,

uma inovação na outra linha de mudanças do setor: a mudança no modelo assistencial.

Neste sentido, os CAPS representam uma mudança no padrão de intervenção do Estado

na assistência em saúde mental, orientando-se pelas propostas da Reforma Psiquiátrica.

O objetivo é inverter o modelo hegemônico, centrado nas internações em hospitais

psiquiátricos.

Este padrão, baseado no seqüestro asilar, tem início com o reconhecimento da

cidadania aos indivíduos portadores da razão. O louco, por não ter este atributo, foi

percebido como ausência de obra e passou a ser considerado um não cidadão. Dessa

forma, se para o conjunto de indivíduos, a condição de cidadania plena instituiu um

modelo universal de direitos, para os loucos, instituiu um modelo assistencial centrado

no Estado e na racionalidade médica. Esse modelo assistencial e essa racionalidade

médica caucionaram a retirada dos direitos sociais do campo da loucura, com a exceção

do direito ao cuidado médico e a proteção pelo Estado. Dessa forma,

“institui-se historicamente o lugar paradoxal da loucura no registro da cidadania, na medida em que a figura do louco não se sobrepunha à figura do cidadão, já que não era um sujeito da razão e da vontade. Entretanto, considerava-se agora, nesse contexto histórico, que essa transformação era da ordem do possível, podendo então o louco ser reestruturado como sujeito e como cidadão desde que sua natureza passional fosse corrigida por um processo terapêutico de ortopedia moral.” (Birman, 1992, 81)

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As reivindicações para a transformação na assistência psiquiátrica se devem ao

reconhecimento do caráter excludente e segregador das políticas dirigidas a este grupo.

Dessa maneira, este subsetor sempre se apresentou receptivo às propostas de mudança

nas políticas sociais.

As propostas de mudança, no entanto, não são homogêneas, podendo assumir

formas bastante diferenciadas entre si. O que demarca a distinção entre as reformas “é a

forma do lidar prático e teórico da desinstitucionalização, conceito este que sofre uma

metamorfose substancial e que abre novas possibilidades para o campo da reforma

psiquiátrica.” (Amarante, 1996, 17)

Em algumas propostas de reforma, a noção de desinstitucionalização é entendida

como desospitalização, com medidas saneadoras e racionalizadoras, como a diminuição

de leitos e de tempos médios de permanência hospitalar, aumento de altas e criação de

serviços intermediários. Neste sentido, a desinstitucionalização está voltada para

objetivos administrativos de redução de custos para os cofres públicos e não para uma

real transformação na assistência e do paradigma psiquiátrico tradicional.

Outra tendência verificável em algumas propostas de reforma é a

desinstitucionalização como desassistência, ou seja:

“como se as políticas de desinstitucionalização não significassem a substituição do modelo hospitalar por outras modalidades de cuidado. Entende-se, nesse sentido, que a desinstitucionalização significaria abandonar os doentes à própria sorte, seja pela premissa crítica, correta, de que seu objetivo pode ser o de reduzir ou erradicar a responsabilidade do Estado para com estas pessoas e familiares, seja por uma compreensão pouco correta do conteúdo teórico que está em jogo.” (Amarante, 1996, 21)

A tendência que têm inspirado a reforma brasileira é a que compreende a

desinstitucionalização como desconstrução, caracterizada pela crítica epistemológica ao

saber médico constituinte da psiquiatria. O objetivo é a extinção/superação da

instituição psiquiátrica a partir da construção de uma nova realidade em torno da

loucura e da psiquiatria. (idem, 22-23)

A partir do movimento de reforma psiquiátrica brasileira estão sendo construídos

muitos serviços com propostas de oposição ao modelo manicomial. Estas experiências

têm sido apontadas como exemplos bem sucedidos dentro da tendência de inovações

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orientadas para a mudança no modelo assistencial. Os serviços são criados pelo Estado,

apresentam propostas alternativas ao modelo hospitalocêntrico e procuram uma maior

participação da comunidade sem que, com isso, signifiquem a retirada da

responsabilidade do Estado neste setor.

No entanto, as inovações orientadas para mudança na modalidade de gestão têm

sido percebidas como estratégias neoliberais de privatização do setor saúde. Esta

percepção é bastante evidente no subsetor saúde mental, que apresenta uma história de

defesa do setor público estatal e de críticas à política de compra de serviços pelo

INAMPS. Este modelo foi responsável pela comercialização da loucura, que se

transformou em fonte de lucro para os donos de clínicas conveniadas, através das

fraudes e da péssima assistência prestada.

Dessa maneira, se as inovações no modelo assistencial são incentivadas, as

inovações na modalidade de gestão são criticadas, colocando-se em dúvida a viabilidade

dos setores não estatais gerarem bens públicos.

Por outro lado, estas inovações oferecem uma maior flexibilização na gestão

destes serviços, favorecendo o seu funcionamento, já que são serviços em permanente

construção, que precisam evitar a cristalização de suas propostas e agilizar as resposta

às necessidades complexas de suas clientelas.

Dessa forma, vamos fazer uma breve consideração a respeito das propostas da

Reforma do Estado e suas influências no setor saúde e das propostas da Reforma

Psiquiátrica, para, então, verificar como está se dando esta relação entre Estado e

Terceiro Setor na implantação dos CAPS no município do Rio de Janeiro.

I . 2) A Reforma do Estado:

Na década de 90, o mundo assistiu a um intenso debate em torno da crise do

Estado e da necessidade de reformá-lo. A crise foi decorrente do colapso do modelo de

Estado assumido por vários países após a Segunda Guerra Mundial, como resposta a

crise do modelo liberal. Este modelo de Estado, denominado Keynesiano, determinou

um crescimento considerável do Estado que, além de se encarregar das suas funções

específicas, se tornou responsável pela promoção do desenvolvimento econômico e pela

proteção dos direitos sociais. Surgiram, então, o Estado de Bem-Estar Social, nos países

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desenvolvidos, o Estado Desenvolvimentista e Protecionista, nos países em

desenvolvimento e o Estado Comunista nos países em que o modo de produção estatal

se tornou dominante. Com o tempo, os instrumentos keynesianos para solucionar os

dilemas de desenvolvimento e redistribuição se mostraram esgotados, seja pelas

mudanças decorrentes da globalização da economia e do desenvolvimento tecnológico,

que tornaram a competição entre as nações muito mais acirrada, seja pelas distorções

causadas pelo crescimento excessivo do Estado, que levou a sua captura por interesses

particulares.

As manifestações da crise do Estado foram a crise fiscal, o esgotamento das

formas de intervenção na área econômica e social e a superação da forma burocrática de

administrá-lo. A crise fiscal é definida pela perda de crédito público e pela incapacidade

do Estado de realizar uma poupança pública que permitisse financiar políticas públicas.

O esgotamento das formas de intervenção manifestou-se pela crise do welfare state no

primeiro mundo, pelo esgotamento da industrialização por substituição de importações

nos países em desenvolvimento, e pelo colapso do estatismo nos países comunistas. A

obsolescência da forma burocrática de administrar o Estado foi revelada nos custos

crescentes, na baixa qualidade e na ineficiência dos serviços sociais prestados pelo

estado através do emprego direto de burocratas.

A crise deste modelo criou condições favoráveis para o surgimento de idéias

neo-utilitaristas. Neste sentido, a idéia de captura do Estado por interesses particulares é

a base de uma concepção negativa do Estado. Segundo esta concepção, os agentes

públicos seriam incapazes de realizar condutas em prol do bem coletivo por estarem

comprometidos com suas bases de apoio, estabelecendo relações de troca, isto é,

provendo incentivos, subsídios, empréstimos, empregos, entre outros, para manterem

suas posições de direção.

“A partir dessa definição do uso do aparelho estatal como fonte de renda são definidas as condutas rent-seeking, isto é, os mecanismos para aquisição de renda extra mercado pela ocupação de lugares na máquina pública.(Costa e Melo, 1997, 4)

Para escapar destes efeitos da hipertrofia das funções do Estado, propõe-se sua

redução ao mínimo, substituindo-se o controle burocrático pelos mecanismos de

mercado e por relações contratuais.

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Estas idéias repercutiram nas análises sobre a crise do Estado brasileiro, que

manifestou-se pela crise fiscal e pelo esgotamento do desenho institucional

desenvolvimentista. Os efeitos da crise fiscal teriam levado as empresas estatais e

instituições públicas a uma situação de ineficiência estrutural pela incapacidade de gerar

recursos para novos investimentos, de assegurar qualidade e baixo custo dos serviços.

Esta ineficiência teria transformado o conjunto de empresas e organizações públicas

estatais em um pesado ônus para as administrações e fonte crescente de insatisfação dos

cidadãos/usuários com a qualidade dos serviços públicos em geral. Dessa forma,

propunha-se a redução do Estado em favor do mercado.

Neste mesmo contexto, surgiram questionamentos a respeito da capacidade

gerencial do Estado e as propostas de reformas administrativas para a busca de

eficiência e efetividade nas organizações públicas, tolerantes a ineficiência por não

sofrerem quaisquer tipos de concorrência ou contratualização.

Esta discussão resultou na formulação de um projeto para a Reforma do

Aparelho de Estado brasileiro. Segundo este projeto, a administração direta acabou por

favorecer a estabilidade, o formalismo e a autonomia da burocracia pública, devido ao

reduzido controle dos cidadãos sobre as decisões dos administradores. Esse arranjo teria

contribuído para a estagnação da administração pública, que não incorpora novas

formas de gestão e está voltada para o controle de procedimentos e não de resultados.

“Esta combinação resultaria em condutas rent-seeking dos dirigentes públicos pela

ausência de mecanismos de responsabilização (accountability) sobre suas decisões e

escolhas. (Costa e Mello, 1997, 6)

Aponta-se o conceito de governance como central para as propostas de Reforma

Administrativa, já que a crise do Estado pode ser considerada como uma crise de

governance, “ou seja, de baixa capacidade dos governos de tornar realidade as

decisões de políticas públicas pelo elevado grau de insulamento da burocracia e pela

inexistência de mecanismos de flexibilização da gestão.” A capacidade de governance

implica na capacidade governamental de criar regras universalistas e assegurar sua

prevalência nas transações sociais, políticas e econômicas, penalizando ou

desincentivando as condutas rent-seeking, promovendo arranjos cooperativos e

reduzindo os custos de transação. Do ponto de vista político, significa a capacidade de

resistência à captura por grupos de interesse por parte das elites governamentais, além

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da promoção da accountability, ou seja, tornar os governos responsáveis por suas ações.

(Costa, 1998, 13)

No caso da Reforma Administrativa brasileira, a possibilidade de estruturar a

governance se daria pela escolha de um Estado distanciado das tarefas

desenvolvimentistas e de provisão, para fortalecer as funções de promoção e regulação

do desenvolvimento.

Neste sentido, a proposta de reformar o Estado brasileiro significa torná-lo

menor, voltado para as atividades que lhe são específicas, mas mais forte, isto é, com

maior governabilidade, ou seja, com maior poder de governar, e maior governança, ou

seja, com maior poder de implementar políticas públicas. Desta forma, a Reforma é

composta por quatro processos básicos:

a) delimitação das funções do Estado, reduzindo o seu tamanho, principalmente em

termos de pessoal, com programas de privatização, terceirização e “publicização”,

através do qual se dará a transferência para o setor público não-estatal dos serviços

sociais e científicos, atualmente executados pelo Estado;

b) redução do grau de intervenção do Estado na economia e sua transformação em

promotor de competição do país ao nível internacional;

c) aumento da governança do Estado, ou seja, da sua capacidade de tornar efetivas as

decisões do governo, através do ajuste fiscal que devolve autonomia financeira ao

Estado; da reforma administrativa rumo a uma administração pública gerencial (ao

invés de burocrática); e a separação das atividades exclusivas de Estado, entre a

formulação e a sua execução;

d) aumento da governabilidade, aperfeiçoando a democracia representativa e abrindo

espaço para o controle social. ( Bresser-Pereira, 1997, 18-19)

Esse novo desenho do Estado se constitui numa orientação válida para toda a

federação. A adesão à agenda da Reforma é demonstrada pela adoção dos governos

locais à programas de privatização de empresas públicas, aos Planos de Demissão

Voluntária e às estratégias de terceirização para reduzir custos da força de trabalho do

setor público. Esta adesão se deve às dificuldade das diferentes instâncias de governo

em gerar investimentos produtivos ou manterem a qualidade dos serviços públicos pelo

comprometimento da receita com aposentadorias dos servidores, com o salário dos

ativos ou pagamento da dívida pública.

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A Reforma propõe a construção de um Estado regulador das relações contratuais

ou das concessões aos agentes não estatais de atividades de interesse ou relevância

pública, como nas áreas de infra-estrutura e de serviços sociais. “Essa opção

asseguraria uma razoável equação entre eficiência e responsabilização desses agentes

que executam através de entes privados ou organizações sociais as tarefas contratadas

ou delegadas pelo Estado” (Costa e Mello, 1997, 8)

O financiamento das áreas sociais é uma atividade exclusiva do Estado, já que

consiste em garantir saúde e educação gratuita e universal, mas a sua execução não

precisa ser. Estas atividades são competitivas e podem ser controladas através da

administração pública gerencial, do controle social e da constituição de quase mercados.

A transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos,

é apontada como uma questão de grande relevância porque o Estado não está

conseguindo atender de forma eficiente a crescente demanda a ele dirigida. Além disso,

existe um segmento da sociedade civil, o terceiro setor, pronto a colaborar com a

produção de bens e serviços públicos. Neste processo é estabelecido um sistema de

parceria entre o Estado e a Sociedade, onde o Estado fica responsável por subsidiar os

serviços, buscando o controle e a participação social.(Brasil, 1995)

Esta relação entre o Estado e a Organização que vai prestar o serviço pode ser

analisada segundo o modelo da relação principal - agente. O Estado, (que representa o

principal), estabeleceria um tipo de contrato com uma organização, (que representa o

agente), para executar um serviço. No entanto, “em um mundo de muitos estados de

natureza contingentes, esses contratos não podem especificar todas as eventualidades.”

(Przeworski, 1996, 22) Dessa forma, pode-se identificar uma situação anterior ao

contrato ou delegação (situação ex ante) e uma situação posterior à ele (ex post). Na

análise da relação principal – agente, o mais importante conceito é o de oportunismo,

que descreve à discrepância entre o comportamento dos indivíduos ex ante e ex post

uma situação contratual, devido a assimetria de informações entre os dois. Os agentes

dispõem de informações que os principais não observam diretamente: dispõem de

informações privilegiadas sobre suas capacidades e conhecem suas próprias

preferências. O principal, no entanto, pode observar certos comportamentos dos agentes

ou inferir suas ações a partir dos resultados, ou, ainda, arcar com os custos de monitorar

tais atos. O principal tem que induzir o agente a se conduzir de acordo com o seu

interesse, proporcionando ao agente um rendimento que lhe permita a defesa de seus

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interesses, também. “Um fator importante nesse arranjo é a alocação de riscos, que

pode ficar por conta de uma das partes ou ser compartilhada por ambas, dependendo

da posição de cada um diante dos riscos.” (Przeworski, 1996, 22)

Como forma de controlar o cumprimento dos contratos foram propostas as

Agências Regulatórias.

Embora estas inovações tenham sido amplamente aceitas pelos gestores,

“ainda é prematuro avaliar as conseqüências desse desenho organizacional sobre a qualidade do governo e a magnitude dos incentivos aos comportamentos oportunistas pela não-observalidade do comportamento dos agentes das novas funções públicas numa situação contratual.”(Costa e Mello, 11)

Aponta-se a necessidade de avaliação dos erros e mudanças de curso das

experiências internacionais em andamento para que este processo tenha êxito. Algumas

questões já vêm sendo problematizado, como:

1) a baixa experiência da administração pública na regulação eficiente das

organizações terceirizadas, potencializando um processo de captura e baixa

responsabilização;

2) a pouca confiança na capacidade de contratualização do Estado;

3) a ameaça aos direitos dos cidadãos de acesso e utilização de bens públicos pela

criação de mecanismos alternativos ao quase-mercado para financiamento

organizações situadas no terceiro setor. Esta ameaça tem recolocado na agenda a

discussão das atividades estratégicas as quais o poder público não pode submeter a

mecanismos de mercado pela ameaça à eqüidade e a justiça distributiva;

4) a indefinição sobre quem arca com os altos custos de transação para estabelecer o

equilíbrio entre principal e agente, e prevenir os contratos contra as condutas

oportunistas;

5) a constatação de que as teorias de mercado aplicados ao setor público podem

produzir resultados incertos e desastrosos, gerando novos gastos pela necessidade de

correção das falhas do mercado em situações de assimetria de informação entre os

agentes ou de controle por um único provedor dos mercados criados pelo setor

público. (Costa, 1998, 19)

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I . 3) A Agenda da Reforma do Estado e o Setor Saúde:

A Reforma do Estado vem obrigando os gestores a fazerem adaptações na forma

de administrar os serviços públicos, baseando-se nas proposta de Reforma

Administrativa. No caso do setor saúde, estas propostas estão sendo responsáveis por

uma segunda geração de mudanças, desenvolvidas a partir do que foi estabelecido pelo

pacto constitucional de 1988 que criou o SUS. (Costa & Ribeiro, 1997)

A necessidade de mudanças se deve as manifestações da crise do aparelho do

Estado no setor saúde. O Estado não tem sido capaz de exercer as funções de regulação

do SUS, seja nos entes estatais, seja sobre o setor privado, pela ausência de normas

contratuais públicas, frouxidão no controle das fraudes, incapacidade de avaliar os

serviços prestados em qualidade e quantidade, etc.

Segundo Mendes (1996), a categorização polarizada dos espaços sociais na

saúde em espaços público e privado dificulta o entendimento da dinâmica destes

espaços. Dessa forma, propõe que estes espaços sejam categorizados como estatal,

privado e público. O espaço estatal se refere ao que pertence ao Estado. O espaço

privado é propriedade de agentes não-estatais, sejam lucrativos ou não. O espaço

público se caracteriza, economicamente, pela indivisibilidade do bem a ser ofertado

universalmente e, juridicamente, pela pactuação do Estado consigo mesmo ou com

agentes privados sob domínio do interesse público. Os entes estatais e os privados

podem ser publicitados, submetendo-se a mecanismos de controle social pela sociedade

civil. De acordo com esta categorização, nem todas as instituições estatais são públicas:

“Será pública, ainda que estatal, uma Secretaria Estadual de Saúde que, no último período governamental de quatro anos esteve mais de dois anos em greve? Será público um ente estatal penetrado por interesses clientelistas ou corporativos, de grupos políticos, de produtores ou de corporações profissionais, onde falece a missão superior de colocar-se a serviço da população? Por outro lado, um hospital privado, como o IMIP de Recife, contratado pelo SUS sob as normas do Direito Administrativo, que produz os serviços pactuados com eficiência, eficácia e qualidade, não está, sem perder sua razão social privada, prestando serviços públicos?” (Mendes, 1996, 101)

No âmbito da administração pública, o movimento de flexibilização consolidado

nos anos 60 com a instituição das fundações públicas de saúde, foi abortado com a

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Constituição de 1988. Dessa forma, os mesmos problemas detectados na administração

pública de forma geral foram encontrados no setor saúde. Como exemplo dos resultados

da administração burocrática nos hospitais públicos, uma análise mostrava:

“ sucateamento das instalações físicas e tecnológicas; atraso no acompanhamento da evolução tecnológica; ociosidade de recursos humanos e físicos; comportamentos corporativos e protecionistas; administração desvinculada da realidade; ausência de governança local sobre pessoal e orçamento; impossibilidade de geração de receita própria; concursos públicos complexos e rígidos; dificuldades para prêmios de incentivos; demora excessiva nos processos licitatórios; qualidade técnica discutível dos produtos adquiridos em virtude da Lei 8.666, que privilegia o preço; dificuldade para importação; rigidez orçamentária; impossibilidade de aplicações financeiras no mercado; parafernália de controles externos de caráter burocrático etc.” (idem, 134)

Diante das mudanças do mundo e da crise do Estado, surge a necessidade de

construir uma nova agenda que reconheça a necessidade de uma série de

transformações, tanto gerenciais quanto assistenciais, referidas por um novo paradigma

sanitário, para que os princípios do SUS sejam preservados.

“A agenda está estruturada em torno de uma particular visão do papel do Estado na saúde, distante do estatismo bolorento e do privatismo predatório. Um sistema público de saúde só pode existir sob a regulação de um estado necessário, forte e socialmente legitimado. Um Estado imprescindível na regulação mas acessório na prestação direta dos serviços. Mas nada de Estado mínimo. Aqui, obrigatoriamente, a agenda da saúde, encontra-se com o movimento de reforma do aparelho do Estado.”(idem, 12)

A proposta de redução do tamanho do Estado e de redefinição de suas funções

não significa sua retirada do setor saúde a fim de remeter a regulação sanitária ao

mercado. Com o fim da tarefa de provisão direta do Estado, espera-se que a sua

capacidade de regulação seja fortalecida, através de um sistema regulador democrático,

isento, independente e tecnicamente preparado para resguardar o interesse público. O

grande desafio é a criação deste sistema regulador.

A inclusão do espaço público, diferenciado do espaço estatal e do privado, é de

fundamental importância para orientar as intervenções de resgate do caráter público das

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instituições estatais e privadas dentro do SUS. “Porque é a publicitação dos espaços

estatais e privados do SUS que vai garantir a construção de um sistema de saúde

republicano onde a cosa nostra prevalecente seja substituída por uma res pública.”

(idem, 101)

Este movimento de publicitação pode ser expresso da seguinte forma:

“ a) A desprivatização do espaço estatal mediante a ruptura dos anéis burocráticos da saúde e da eliminação dos mecanismos patrimonialistas; b) A publicitação do espaço estatal mediante a minimização das intermediações clientelistas e corporativas que aí se manifestam; c) A publicitação do espaço privado contratado com o SUS mediante instrumentos do direito administrativo e controle social pela cidadania; e) A privatização do espaço privado mediante a eliminação de subsídios cruzados e de renúncias fiscais e contributivas; f) A adequação do mix estatal / privado na prestação dos serviços de saúde de forma a fortalecer a capacidade reguladora do Estado e de liberá-lo, relativamente, da prestação, atendendo ás especificidades loco-regionais.” (idem, 105 – 106)

Com relação a administração burocrática, estão sendo propostos modelos

institucionais que permitam a superação dos seus obstáculos e a restauração da

governança dos entes estatais, mantendo, contudo, o seu caráter público.

Entre as propostas está a implantação de instituições públicas não estatais, seja

pela concessão da autonomia da gestão às instituições estatais, que possibilitaria a

flexibilização das instituições, seja pela utilização de parcerias entre estatais e privados.

Entre as características que marcam as tendências de flexibilização das

organizações burocráticas estão a despadronização dos processos de trabalho;

descentralização da produção pela autonomização do trabalho; requalificação dos

recursos humanos; valorização da criatividade; gestão estratégica dos recursos

humanos; foco no cliente; estruturas flexíveis; ênfase nas relações horizontais pela

redução de níveis hierárquicos; ênfase no controle dos resultados; equipes

interdisciplinares.

A proposta de instituições públicas não estatais é justificada por vários motivos,

dentre eles, por oferecer maior autonomia para as instituições, permitindo que operem

com maior produtividade. A autonomia é dada sob o princípio de responsabilização

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(accountability), com a realização de um contrato de gestão1, em que fiquem claramente

estabelecidas as obrigações de resultados socialmente controláveis. A flexibilização

realiza uma separação entre o financiador e o prestador, submetendo a nova organização

a elementos de competitividade e, dessa forma, aumentando sua eficiência. Além disso,

“ e aqui entra uma razão forte para a parceria com o terceiro setor, o processo de descentralização em curso, ao inibir as contratações nos níveis federal e estaduais, passará, aos municípios, a responsabilidade de repor e de incrementar os recursos humanos do sistema. A absorção desse enorme contingente de pessoal, sob a forma do regime jurídico único, desequilibrará os orçamentos municipais e a distribuição do poder político dentro da prefeitura. Além de criar estruturas de baixa governança porque subjugadas às normas da administração burocrática.” (idem, 136)

Para Draibe (1989), as subvenções estatais a associações voluntárias que executam

políticas sociais, embora não sejam novidade, podem assumir um caráter distinto: o de

manter a responsabilidade do Estado na garantia dos direitos sociais sem que isso

signifique a reprodução das formas estatizadas e burocráticas de produção e distribuição

de serviços sociais. Para isso são necessários uma forte coordenação, o planejamento e o

controle estatais, para que sejam inibidos os desvirtuamentos de todo tipo. (Draibe,

1989, 51)

A flexibilização das organizações de saúde é justificada, principalmente, pela

configuração destas organizações, que são classificadas como organizações

profissionais. As organizações profissionais são aquelas baseadas no trabalho de

especialistas, que produzem serviços que requerem autonomia de práticas, que são

difíceis de avaliar e em que a ética acompanha as decisões. Este tipo de organização

exige formas de gestão mais flexíveis, orientadas por uma ética que privilegie os

cidadãos, que reconheçam o papel central dos profissionais, com um regime de trabalho

orientado por responsabilidades e não por ordens, em que as decisões sejam colegiadas,

em que a gerência seja orientada para o ambiente externo e adaptável às mudanças

demográficas, epidemiológicas, culturais, econômicas e sociais, que privilegie o

trabalho interdisciplinar.

Como garantia do processo de publicitação devem ser exigidas algumas condições

para a autonomia dos entes estatais, como:

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“a missão será a prestação de serviços de saúde; o controle administrativo será feito mediante contrato de gestão que sele compromissos bilaterais e explicite resultados; o contrato estará submetido ao princípio da responsabilização (accountability) que articula autonomia e responsabilidade; o controle social será realizado, internamente, por meio de juntas diretivas e conselhos curadores e, externamente, pelos conselhos de saúde; a garantia da cessão, pelo Estado, dos bens e dos recursos orçamentários à nova organização; a manutenção dos direitos adquiridos dos servidores cedidos; a fixação de percentual máximo de capacidade instalada a ser utilizada na prestação de serviços privados.” (idem, 139)

A partir deste processo de discussão e da necessidade de mudanças no setor,

estão sendo desenvolvidas uma série de experiências inovadoras na organização e na

gestão dos serviços. No primeiro caso, verifica-se uma tendência a superação do modelo

assistencial hegemônico, baseado no paradigma flexneriano ou médico hospitalar. No

segundo, inicia-se a experimentação de modelos alternativos de gestão dos serviços.

(Costa e Ribeiro, 1997, 1)

Estas inovações apresentam formatos bastante heterogêneos, favorecidas pelo

próprio processo de municipalização, que, com a descentralização político-

administrativa e do financiamento, aumentou a autonomia municipal para formulação

de suas políticas. (Muller Neto, 1992, 43)

A descentralização no SUS ocorre juntamente com o desenvolvimento de arenas

de conflito e pactuação. As inovações decorrem da necessidade dos governos locais

responderem a demandas dos eleitores e de grupos de interesses em arenas políticas.

O efeito combinado destes inputs ao processo decisório origina experiências

inovadoras, como a intensificação da clientelas organizadas (freqüentemente em

associações) frente as questões de saúde (renais crônicos, diabéticos, hemofílicos,

vítimas da Aids, familiares de doentes mentais); emergência de Programas voltados a

população de risco social centrados na adscrição de clientelas (PACS, PSF); introdução

de programas de incentivos financeiros aos profissionais em geral associados a aumento

de produtividade; delegação da contratação e/ou gestão de serviços a terceiros regulados

por contrato de gestão estipulado pela administração pública. (Costa e Ribeiro, 1997, 9)

A predisposição à mudanças explica o baixo veto observado às iniciativas

inovadoras e caracteriza um “experimentalismo gerencial”, pelo qual dentro de uma

mesma secretaria de saúde, como no caso do município do Rio de Janeiro, convivem

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modelos distintos como a compra de serviços à cooperativas, (no caso do Hospital

Lourenço Jorge), e organizações não governamentais, (no caso do Programa de Médico

de Família da Ilha de Paquetá) e por incentivo à produção (no caso do Hospital Salgado

Filho). (idem, 8)

Estas mudanças refletem a ampla aceitação das propostas da Reforma do Estado

pelo setor Saúde, principalmente pela necessidade de melhoria do desempenho e

eficiência do setor. Esta necessidade se deve não só a insatisfação constante dos

clientes, como também ao interesse dos governantes que, para manter seus mandatos,

precisam apresentar um bom desempenho na administração das organizações públicas.

Outro fator é a aceitação da idéia de responsabilização das organizações, baseada no

pressuposto de que um mau desempenho pode colocar a organização em risco. Isto faz

com que os gestores busquem transparência, indicadores de desempenho, mecanismos

de avaliação e controle dos resultados. A multiplicação destas experiências indica,

também, a difusão, entre os dirigentes do setor público, de novos requisitos para a

avaliação do acesso, utilização e qualidade da atenção. (idem, 2-3)

Algumas destas inovações aprofundam os princípios do SUS, como a ampliação

do papel dos Conselhos de Saúde, o estabelecimento de instâncias de pactuação

intergovernamentais para implementar a descentralização, a proliferação dos consórcios

intermunicipais de saúde e as inovações voltadas à desospitalização, expansão de

cobertura e adscrição de clientelas. Outras inovações contrariam estes princípios, como

as terceirizações, a formação de cooperativas de gestão, a autonomização de hospitais

perante o sistema, que pode provocar dois tipos de clientelas acessando os serviços, uma

através do SUS e outra através de seguradoras. No entanto, todas as inovações não

propõe romper com os princípios de eqüidade no acesso e utilização e de universalidade

do atendimento, gerando um crescimento na oferta de serviços.

As Inovações Voltadas para Mudanças nas Modalidades de Gestão

As inovações quanto ao modelo de gestão receberam uma influência decisiva

das críticas formuladas ao modelo de administração burocrática, identificado como um

obstáculo ao bom desempenho institucional, pela falta de flexibilidade, excesso de

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controle nos meios e não nos resultados, pela baixa responsabilização das organizações

e pelas dificuldades quanto ao pessoal, causadas pelo Regime Jurídico Único.

Embora as inovações apresentem formas bastante variadas, podem ser

identificadas duas tendências. Numa delas, as mudanças procuram esgotar as

possibilidades de flexibilização e aumento do desempenho organizacional, sem, com

isso, romper com a forma de gestão burocrática. Dessa forma, são limitadas pelos

obstáculos jurídicos desta modalidade de gestão, principalmente no que diz respeito à

contratação de pessoal, que deve ser feita por concurso público, às licitações e contratos

que devem ser submetidos a Lei 8666, etc.

“A opção por inovar procura manter-se dentro das fronteiras organizacionais do serviço público, preservando a estabilidade dos funcionários, a centralização decisória no nível central, baixa autonomia financeira das organizações, assalariamento público das profissões (com destaque na profissão médica) e regime de compra centralizado.” (Idem,17)

A outra tendência é a do modelo de gestão no qual o Estado assume o papel

regulatório, destinando para o setor público não-estatal ou para o setor privado as

atividades de prestação de serviços. Embora possam apresentar várias formas, as

inovações que seguem esta tendência apresentam em comum alterações em regimes de

contratação de pessoal, baseado no diagnóstico de baixa eficiência e efetividade do

modelo burocrático e na falta de profissionais especializados em algumas regiões. Dessa

forma, são flexibilizados os mecanismos de acesso, pela não exigência do concurso

público, de isonomia salarial e planos de cargos e salários, e de contrato, pelos quais

cessa a estabilidade no emprego.

As Inovações Voltadas para a Mudança no Modelo Assistencial Os modelos assistenciais podem ser definidos como “as formas como se

organizam, em determinados espaços-populações, os serviços de saúde, incluindo

diferentes unidades prestadoras de diversas complexidades tecnológicas e as relações

que se estabelecem dentro delas e entre elas.” (Mendes, apud Paim, 1994, 192)

O modelo assistencial hegemônico no Brasil é o modelo médico clássico ou

flexneriano, também denominado de modelo médico assistencial privatista, que pode ser

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entendido a partir dos elementos que o compõe: uma concepção de saúde doença, um

paradigma sanitário e uma prática sanitária. (Mendes, 1996, 235)

Este modelo apresenta uma concepção negativa da saúde, percebida como

ausência de doença e restrita aos seus aspectos biológico e orgânico. Esta concepção

determina o predomínio do pensamento clínico sobre o processo saúde-doença, que leva

a modelos explicativos restritos e a respostas unilaterais.

O paradigma que fundamenta este modelo é o paradigma flexneriano

consolidado pelo Relatório Flexner2. Este paradigma apresenta os seguintes elementos:

a analogia do corpo humano com a máquina; o reconhecimento exclusivo e crescente da

natureza biológica das doenças e de suas causas e conseqüências; a atenção individual,

excluindo o contexto familiar e social; a especialização médica, desconsiderando a

globalidade do sujeito; a tecnificação do ato médico, com a estruturação de uma

engenharia biomédica como forma de mediação entre os homens, os profissionais e a

doença; a ênfase nos aspectos curativos, prestigiando o diagnóstico e a terapêutica em

detrimento da causa.

A concepção negativa da saúde e o paradigma flexneriano são compatíveis com

uma prática sanitária que valoriza a atenção médica, nos marcos da medicina científica,

e que tem o hospital como referência organizacional.

A valorização da clínica individual desconsidera o papel da epidemiologia, além

de excluir os componentes coletivos da doença. Esta exclusão traz implicações nos

diagnósticos e nas condutas terapêuticas:

“Permite-se, assim, que espancamentos virem hematomas, que dramas e conflitos advindos de um cotidiano violento e violentador sejam captados e tratados como patologias ou doenças mentais. Ou seja, que problemas familiares e sociais se transformem em problemas estritamente biológicos e atinentes aos atos médicos, de forma também exclusiva.” (Mendes, 1996, 242)

Este modelo pretende oferecer a população a maior quantidade possível de

serviços de saúde, reduzidos a serviços médicos, ofertados individualmente e destinados

a tratar enfermidades ou reabilitar seqüelas por meio da clínica e com a intermediação

de tecnologias. Este objetivo baseia-se na crença de que a disponibilidade de serviços

médicos proporciona uma melhora da saúde. Dessa forma, se estes serviços são

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universais, as disparidades de saúde devem atenuar-se, o que não é verificado na

realidade.

“Ao contrário o sistema constituído pela prática sanitária da atenção médica, pelo paradigma flexneriano e pelo conceito negativo de doença está na raiz da crise da saúde.”(Mendes, 1996, 242)

Este modelo está voltado para a atenção da demanda espontânea, não alcançando

os indivíduos ou grupos populacionais que não percebam a existência de problemas de

saúde. Os recursos assistenciais ofertados à população são organizados para atender à

pressão de uma demanda desordenada, sem considerar as necessidades de uma

população definida. Dessa forma, o modelo tende a prejudicar o atendimento integral do

paciente e da comunidade, além de não se comprometer com o impacto sobre o nível de

saúde da população. (Paim, 1994, 193-194)

A associação de variáveis como especialização, fragmentação, investimento

tecnológico e autonomia decisória da profissão médica resultou numa explosão de

gastos no setor saúde. O alto custo deste modelo, no entanto, nem sempre significou

melhorias nos indicadores de saúde, que se mostraram mais sensíveis às mudanças do

meio, como saneamento e melhor alimentação. (Costa e Ribeiro, 1997)

A capacidade explicativa e a utilidade prática deste modelo no desenvolvimento

de ações integrais de saúde começaram a se revelar limitadas, principalmente com o

aumento da expectativa de vida e da relevância das doenças crônicas e causas externas

em detrimento das doenças transmissíveis.

A partir desta discussão sobre a eficácia do modelo médico clássico para

responder à complexidade das causas e determinantes do estado de saúde, estão sendo

desenvolvidas propostas para transformação deste modelo.

Para Mendes (1996), a construção de um novo modelo assistencial exige

mudanças nos elementos que o compõem. Neste sentido, a concepção do processo

saúde-doença deve ser articulada a condições de vida, por meio da inter-relação entre as

dimensões biológica, ecológica, conduta e acesso a bens e serviços econômicos e

sociais.

Este concepção ampliada de saúde foi incorporada ao Artigo 196 da

Constituição Federal e reafirmada na NOB/96, segundo a qual, o campo de atenção à

saúde compreende o campo da assistência, o das intervenções ambientais e o das

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políticas externas ao setor, relativas às políticas macroeconômicas, ao emprego, à

habitação, à educação; ao lazer e à alimentação, que interferem nos determinantes

sociais do processo saúde-doença. (Brasil, 1997)

O paradigma flexneriano deve ser substituído pelo paradigma da produção social

da saúde, que considere a saúde como um processo que pode melhorar ou deteriorar

conforme a ação de uma sociedade sobre os fatores que lhe são determinantes, sobre o

estado de saúde acumulado e sobre as conseqüências da perda de saúde. Este novo

paradigma, ao considerar a saúde como um produto social resultante de fatos

econômicos, políticos, ideológicos e cognitivos, permite romper com a setorialização da

realidade, e, dessa forma, com a idéia de um setor saúde. (Mendes, 1996)

A intersetorialidade é preconizada não só pela complexidade dos fenômenos,

mas, também, por partir-se do pressuposto de que uma ação, para ser completa, não

ocorre num setor singular, exigindo a solidariedade de distintos setores. Além disso, “a

ação intersetorial, para ser conseqüente, implica tomar problemas concretos, de gente

concreta, em territórios concretos.” (idem, 253)

A prática da atenção médica deve ser substituída por uma prática social de

vigilância da saúde, que deve “recompor o fracionamento do espaço coletivo de

expressão da doença na sociedade, articular as estratégias de intervenção individual e

coletiva e atuar sobre todos os nós críticos de um problema de saúde, com base em um

saber interdisciplinar e em um fazer intersetorial.” (idem, 244)

Com esta ampliação conceitual e prática, as estratégias de intervenção passam a

combinar três tipos de ação: promoção a saúde, prevenção a enfermidades e acidentes e

atenção curativa.

A NOB/96 aponta estas ações, que atendem ao princípio de integralidade do

sistema de saúde, embora considere que o caráter preventivo deve ser priorizado. Para a

construção de um novo modelo de assistência, a NOB/96 propõe a incorporação do

modelo epidemiológico, que requer o estabelecimento de vínculos e processos mais

abrangentes, ao incorporar como objeto das ações de saúde as pessoas, o meio ambiente

e os comportamentos intersetoriais.

“O modelo vigente (...) deve ser associado, enriquecido e transformado em um modelo de atenção centrado na qualidade de vida das pessoas e do seu meio ambiente, bem como na relação da equipe de saúde com a comunidade especialmente com os seus núcleos sociais primários – as

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famílias. Essa prática, inclusive, favorece e impulsiona as mudanças globais, intersetoriais” (Brasil, 1997, 15)

Estas são algumas das reflexões que estão servindo de referência para a linha de

inovações centrada na transformação do modelo assistencial. As inovações refletem as

tentativas de dirigentes e técnicos em oferecer respostas às demandas ampliadas ao

SUS, as iniciativas de profissionais por intervenções criativas e em adequar custos

menores a resultados de melhor qualidade. Dessa forma, buscam estratégias de

focalização; aumento de efetividade; redução de custos; ampliação de laços de

solidariedade social, com a domicialização e comunitarização da atenção. (Costa e

Ribeiro, 1997)

As inovações têm proporcionado a mudança no papel do hospital, que passa a

ser um local exclusivo para eventos agudos, a redução do tempo de internação e a

ampliação do escopo do ambulatório em termos de follow up e procedimentos

cirúrgicos e endoscópicos, associados a redomicialização mais precoce do paciente.

Estão sendo implementados, em várias localidades, programas para fortalecer a

atenção primária resolutiva, como os Programas de Médico de Família e de Agentes

Comunitários e programas de assistência domiciliar para idosos e portadores de doenças

crônicas.

Dentre as inovações orientadas para a superação do modelo assistencial, os

equipamentos substitutivos ao hospital psiquiátrico são apontados como mudanças

institucionais significativas, ao desenvolverem a desinstitucionalização dos doentes e a

promoção da atenção domiciliar e comunitária.

As Inovações no Subsetor Saúde Mental: a Reforma Psiquiátrica

Historicamente, as políticas de saúde mental têm sido formas sistemáticas de

exclusão econômica e social de setores da sociedade, isto é, têm sido formas de

marginalização. (Luz, 1994, 86)

Este caráter de marginalização e exclusão tem favorecido o aparecimento de

críticas e de reivindicações para a transformação do padrão de intervenção do Estado

sobre os doentes mentais. Dessa forma, a psiquiatria, enquanto saber e enquanto prática

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assistencial que legitima e é legitimada por estas políticas, vem passando por uma série

de críticas que questionam sua legitimidade e sua capacidade para tratar e curar os

doentes mentais.

“No fundo, o conjunto da psiquiatria moderna é atravessada pela anti-psiquiatria, se por isso se entende tudo aquilo que recoloca em questão o papel do psiquiatra, antigamente encarregado de produzir a verdade da doença no espaço hospitalar.” (Foucault, 1992, 124)

As propostas contemporâneas de reformas psiquiátricas surgiram no período

posterior a Segunda Guerra. Neste período, a situação de violência, abandono e

cronificação dos internos nos hospitais psiquiátricos deixava clara sua incompetência

para alcançar a finalidade de tratamento e recuperação a que se propunham, além de

lembrar a situação dos prisioneiros de campos de concentração. (Amarante, 1995, 28 –

29)

Os propostas de reforma procuraram criar novas bases teóricas e institucionais

para o tratamento das doenças mentais. As principais experiências foram a Comunidade

Terapêutica, a Psicoterapia Institucional, a Psiquiatria de Setor e a Psiquiatria

Comunitária.

A Comunidade Terapêutica e a Psicoterapia Institucional, representavam

reformas restritas ao espaço asilar, que acreditavam que, com uma mudança

institucional, o asilo poderia recuperar sua função terapêutica. A Psiquiatria de Setor e a

Psiquiatria Comunitária propunham ampliar o escopo da psiquiatria à população, saindo

dos limites do asilo para atuar na comunidade. A despeito das transformações operadas

por estas experiências e das diferenças entre elas, pode-se dizer que “seu raio de ação

respeitou os limites da instituição psiquiátrica. Essas experiências não puseram em

xeque o sistema psiquiátrico: na realidade, procuraram aperfeiçoá-lo.” (Bezerra Jr,

1995 , 171)

No entanto, em meados dos anos 60 inicaram-se novas experiências: a

Antipsiquiatria, na Inglaterra e a experiência italiana, em Gorizia e Trieste, que deu

origem ao movimento da Psiquiatria Democrática. “Já não era mais a forma, mas a

essência mesma do modelo psiquiátrico que era posta em questão. Não se tratava mais

apenas de redesenhar o aparelho assistencial, mas de colocar sob análise as próprias

bases e fundações do conhecimento psiquiátrico.” (Idem, 171)

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Para a Antipsiquiatria, a loucura era o produto da realidade social conformadora

e alienadora, uma experiência radical de contestação dos padrões de comportamento

ditados pela sociedade capitalista. Dessa forma, negar a descrição da loucura como

doença tinha, por um lado, um objetivo clínico de dar positividade, valor social à

experiência psicótica e por outro, um objetivo político de valorizar o campo das

produções psíquicas como palco das transformações estruturais da sociedade. (Idem,

172)

Segundo Amarante (1992), foi na experiência italiana liderada por Basaglia que

a crítica à psiquiatria como prática de segregação e violência encontrou sua forma mais

proeminente. Certo de que a humanização dos manicômios não atinge o cerne da

questão da psiquiatria, na medida em que não são questionados os seus fundamentos, e

consciente dos problemas decorrentes do seu simples fechamento, Basaglia iniciou um

processo de desinstitucionalização que teve como ponto fundamental a desconstrução

do aparato manicomial. Para ele, o hospital psiquiátrico era um lugar de segregação, de

violência e morte que devia ser combatido, negado e superado. (Amarante, 1992, 9).

A instituição negada na experiência italiana “era constituída por um complexo

de aparelhos científicos, legislativos, administrativos, de códigos de referência cultural

e de relações de poder em torno de um objeto específico para o qual foram criados: a

doença, que no manicômio tem a si superposto o objeto periculosidade.” (Rotelli,1989,

14)

Os aparelhos institucionais construídos segundo o paradigma clínico tinham

como objeto a doença e por isso precisavam ser desmontados para que se entrasse em

contato com os sujeitos enquanto existência sofrimento em relação a um corpo social,

reconstruindo-se então a complexidade do objeto, simplificado pelo conceito de doença.

“o obscuro mal da psiquiatria se deve ao fato dela ter estabelecido instituições baseadas na separação de um objeto fictício, a “doença”, da existência global do paciente e do corpo social.” (Rotelli, 1989, pág. 14).

Este novo objeto revela a pobreza das instituições tradicionais para lidar com

ele. A loucura aponta, então, para a necessidade de invenção de outros recursos e para a

criação de oportunidades e probabilidades para o paciente.

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“A produção de vida e a reconstrução social que são o objetivo e a prática da instituição inventada devem deixar a superfície do olhar clínico, a investigação psicológica e a simples compreensão fenomenológica. Elas devem tornar-se uma rede, engenharia de reconstrução de sentido, de produção de valor, de tempo, se encarregando da identificação das situações de sofrimento e opressão, da reinserção no corpo social e do consumo e produção de intercâmbio, de novos papéis, de outros modos de ser para o outro, aos olhos do outro. (...) tratar significa possibilitar, aqui e agora, a transformação do modo com que os pacientes vivem e sentem seu sofrimento e, concretamente, a transformação de sua vida cotidiana.” (Rotelli, 1989, pág. 16).

A partir destes movimentos, “a discussão sobre a loucura e a psiquiatria saiu

definitivamente dos compêndios para as páginas dos jornais, para as telas dos cinemas

e foi invadida pelos olhares críticos da Filosofia, Antropologia, Sociologia e História.”

(Bezerra Jr, 1995 , 172).

Neste sentido, as obras de autores como Foucault (1991), Castel (1991),

Goffman (1996), Basaglia (1991), entre outros, ganharam repercussão mundial.

Foucault (1991) e Castel (1991), mostram como se constituiu historicamente a

experiência da loucura e sua transformação em doença mental. Dessa forma, rompem

com as supostas continuidades que poderiam levar à idéia de progresso da ciência em

direção ao encontro da verdade da loucura.

Segundo estes autores, o lugar social da loucura, marcado pela exclusão em

locais de violência sob rótulo de tratamento, foi resultado de um processo

historicamente datado, que tem como marco o nascimento da psiquiatria. Constituindo-

se enquanto especialidade médica e procurando legitimar-se cientificamente, a

psiquiatria opera a redução da loucura, transformando-a em doença mental, objeto de

seu saber e sua prática. De porte da verdade sobre a loucura, a psiquiatria constrói um

lugar de tratamento, o hospital psiquiátrico, onde os doentes mentais são internados e

separados de suas famílias e da sociedade em geral, para poderem ser curados. Dessa

maneira, se constrói uma nova cultura, um novo lugar social para a loucura, e esta passa

a ser percebida como violência, desordem e desrazão.

Goffman (1996), a partir de um estudo de campo num hospital psiquiátrico

federal dos Estados Unidos, onde conviveu com os internos por um ano, descreve a vida

das pessoas internadas em instituições que denomina “totais”. As instituições totais

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podem ser definidas “como um local de residência e trabalho onde um grande números

de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por

considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada.”

(Goffman, 1996, 11)

Ao descrever o processo de “mortificação do eu”, o autor revela toda a violência

presente nestas instituições. Neste processo, o interno é despido de todas as disposições

sociais que lhe permitiam uma organização pessoal, uma concepção de si mesmo. Ao

entrar na instituição, ele perde seus bens e sua aparência individual, perdendo o controle

sobre a forma como se apresenta aos outros; perde o sentido de segurança pessoal, já

que está sempre diante da possibilidade de ser submetido a algum tipo de violência; é

obrigado a adotar posturas consideradas aviltantes; perde o respeito à reserva de

informações a seu respeito; é exposto a condições humilhantes e perde o direito a

privacidade, já que nunca fica sozinho. Além disso, está sempre sujeito a uma sanção

vinda de cima e tem todas as suas respostas ou comportamentos, como apatia ou

agressividade, usados como alvos para ataques futuros.

Dessa forma, a experiência de hospitalização vai determinar uma carreira moral

que vai provocar mudanças no eu do interno e no seu esquema de imagens para julgar a

si mesmo e aos outros. Por mais diferentes que sejam os diagnósticos, os tipos e graus

da doença, as pessoas que se tornam doentes mentais não só enfrentam situações

semelhantes como apresentam respostas semelhantes, o que mostra que estas

semelhanças não são determinadas pela doença, mas sim pelas forças sociais que

resultam num destino comum para essas pessoas.

Para Basaglia (1991), todas as instituições existentes na sociedade, como a

família, escola, fábrica, universidade, hospital, etc, são instituições de violência onde há

uma nítida divisão entre os que têm e os que não têm o poder. Para não expor

abertamente sua face de violência, a sociedade chamada “do bem estar” delega o poder

aos técnicos que vão exercê-la em nome da técnica. Dessa forma, os técnicos ajudam a

perpetuar a violência global através de uma ação aparentemente reparadora. É nesse

sentido que deve ser percebido o poder do psiquiatra.

O contato com a realidade institucional evidencia elementos estranhos à doença

e sua cura, revelando uma contradição nas teorias técnico-científicas. Estes elementos

estranhos têm raízes no sistema social-político-econômico que os determina. Dessa

forma, embora não negue a existência da doença, afirma que ela assume significados

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concretamente distintos segundo o nível social do doente: as conseqüências da doença

variam segundo o tipo de abordagem adotado em relação a ela. Estas conseqüências não

podem ser consideradas como a evolução direta da doença, mas sim do tipo de relação

que o psiquiatra, e, através dele, a sociedade, estabelece com o doente.

Quando o doente tem o poder contratual, ele não está submetido passivamente

ao poder do médico, o que não acontece com os doentes que são internados em hospitais

públicos. Neste caso, o doente é

“um homem sem direitos, submetido ao poder da instituição, à mercê, portanto, dos delegados da sociedade (os médicos) que o afastou e excluiu. (...) tal exclusão ou expulsão da sociedade resulta antes da ausência de poder contratual do doente (ou seja, de sua condição social e econômica) que da doença em si.”(Basaglia, 1991, 107)

O diagnóstico clínico, em vez de estar baseado em dados científicos, pode ser

considerado uma etiqueta que, por trás de um julgamento técnico especializado, esconde

um significado mais profundo de discriminação.

O poder des-historificante, destruidor, institucionalizante em todos os níveis da

organização manicomial, aplica-se unicamente àqueles que não têm outra alternativa

que não o hospital psiquiátrico: “o problema não é a doença em si (o que é, quais são

suas causas, quais os prognosticos), mas simplesmente de determinar qual tipo de

relação se instaura com o doente.”(idem, 107)

Dessa forma, o autor considera que os doentes, por serem sócio-

economicamente insignificantes, são vítimas de uma violência original do sistema social

que os joga fora da produção, à margem da vida em sociedade, confinando-os nos

limites dos muros do hospital. O reconhecimento de doença faz com que seja internada

sem que haja dúvida do caráter discriminatório do diagnóstico.

A ação do psiquiatra deve ser, então, a negação deste mandato social e o

rechaço do ato terapêutico que pretende, na verdade, resolver os conflitos sociais

adaptando suas vítimas. A solução só pode ser encontrada em uma posição sócio-

econômica que permita ao mesmo tempo a reinserção gradual desses elementos que não

conseguiram participar do jogo. “Falar de uma reforma da atual lei psiquiátrica

significa não somente desejar encontrar novos sistemas e regras sobre os quais apoiar

a nova organização, mas, principalmente, enfrentar os problemas de ordem social que

lhe são correlatos” (idem, 116)

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Embora estes autores apresentem muitas diferenças em suas idéias,

“todos criticavam a medicalização da loucura e a psiquiatrização do sofrimento; tinham em comum uma perspectiva que lhes fazia ver história, cultura, sociedade naquilo em que a psiquiatria só enxergava biologia e idiossincrasia individual.” (Bezerra Jr, 1995 , 172)

As experiências de transformação do modelo psiquiátrico clássico em

andamento em outros países e as obras destes autores influenciou de forma decisiva o

movimento de Reforma Psiquiátrica Brasileira3, que teve início no final dos anos 70, no

contexto das lutas por redemocratização. Outras fontes de influência foram o

movimento de reforma sanitária, as contribuições da medicina preventiva e social, a

afirmação política dos direitos humanos e a própria prática nas instituições de saúde

mental. (Nicácio, 1994, I)

“Dessa forma, retirado o manto de cientificidade da psiquiatria, torna-se possível percebê-la como instrumento técnico-científico de poder ou como saber e prática disciplinares e normalizadoras. A denúncia da realidade dos hospitais psiquiátricos tornou possível verificar sua função mais custodial que assistencial, mais iatrogênica que terapêutica, mais alienadora que libertadora. Se por um lado a psiquiatria deixava de ser questão exclusiva dos técnicos para tornar-se uma questão que diz respeito à toda a sociedade, por outro, o objeto da psiquiatria deixava de ser a doença – contra a qual ela se mostrara inoperante – para tornar-se o sujeito da experiência do sofrimento. Como conseqüência, em torno do debate da Reforma Psiquiátrica passava a existir um dos mais expressivos e atuantes movimentos sociais, com uma proposta radical de transformação do setor, que tem merecido um destaque sem igual na história da saúde pública do país. (Amarante, 1997, 165)

No primeiro momento da reforma, metodologicamente denominado de trajetória

alternativa, as principais críticas deste subsetor dirigiam-se às condições de violência e

negligência a que eram submetidos os pacientes nos hospitais psiquiátricos, a ausência

de recursos e as péssimas condições de trabalho dos profissionais da área. Criticava-se,

também, o papel de controle social desempenhado pela psiquiatria e a psiquiatrização

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do social, surgindo mobilizações pela transformação do modelo de atenção existente,

com a construção de projetos assistenciais alternativos. (Amarante, 1995, 94)

Num segundo momento, denominado de trajetória sanitarista, o movimento de

reforma foi orientado pelo marco teórico da Psiquiatria Preventiva. Buscava-se a

construção de um novo modelo assistencial, privilegiando-se os serviços extra-

hospitalares que possibilitariam a superação do manicômio. O objetivo era a desativação

progressiva dos hospitais psiquiátricos através de uma triagem mais eficaz e eficiente,

com a diminuição das internações, reinternações e do tempo médio de permanência

hospitalar. Buscava-se, também, a inversão da política nacional de saúde mental, de

privatizante para estatizante, tomando-se como base, por um lado, o postulado

ideológico da defesa da coisa pública e, por outro, a hipótese de que a deterioração da

coisa pública era conseqüência da política de privilégio do setor privado. (Amarante,

1997, 167)

A partir desta orientação, foram desenhadas diferentes experiências e projetos,

sendo que alguns foram concretizados como políticas oficiais de saúde mental. No

entanto, “esse movimento se colocava no interior do paradigma psiquiátrico

continuando a compreensão da loucura fundida com a da doença mental,

permanecendo o manicômio como centro e necessidade.” (Nicácio, 1994, III)

As análises críticas das experiências desenvolvidas a partir desta orientação, bem

como a presença inalterada dos manicômios determinaram uma nova orientação para o

movimento de reforma. Colocava-se

“a crítica à psiquiatria não mais no âmbito da falência terapêutica, mas no conjunto das questões sociais tendo como fio condutor a exclusão e a cidadania. Fortemente marcado pelo movimento de desistitucionalização da psiquiatria italiana, em particular da experiência de Trieste, este momento representou uma ruptura na trajetória até então delineada; articularam-se novas idéias e pressupostos como a desconstrução do manicômio, a construção da cidadania, o direito à diferença.” (Nicácio, 1994, IV)

Neste terceiro momento, denominado de trajetória da desistitucionalização ou

da desconstrução/invenção, o movimento reuniu-se em torno da utopia “Por uma

sociedade sem manicômios”4. Ao contrário do momento anterior, esta nova proposição

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não se apresentava como solução, mas sim como uma ruptura epistemológica que abria

um campo de incertezas, de dúvidas, riquezas e possibilidades.

“Nesse sentido, indicou-se a necessidade de um processo prático-crítico de forma a transformar a redução da loucura em doença mental; processo de desconstrução de saberes, instituições e culturas, de ruptura do paradigma fundante da Psiquiatria, da relação mecânica causa-efeito na análise de constituição da loucura.” (Idem, IV – V)

Neste momento iniciaram-se as mais importantes experiências de transformação

da atenção, dentre elas a construção do Centro de Atenção Psicossocial Professor Luís

Cerqueira, em São Paulo, em 1987, que passou a exercer forte influência na criação e

transformação de muitos serviços. (Amarante, 1995, 89)

A construção do CAPS foi resultado de um processo de questionamento dos

tradicionais equipamentos assistencias em Saúde Mental e das mal sucedidas tentativas

de mudança.

“A discussão de alternativas institucionais de atendimento da psicose e neurose grave não se inicia pela decretação pura e simples da falência dos hospitais e ambulatórios, em nome da suposta apreensão imediata do doente num contexto psicossocial.” (Goldberg, 1994, 28)

Neste sentido, ele aponta a análise do funcionamento do modelo tradicional e de

sua repercussão nos pacientes como extremamente importante para a avaliação da

própria possibilidade institucional de enfrentamento da doença, evitando que os efeitos

perversos encontrados nos hospitais psiquiátricos e ambulatórios sejam reproduzidos em

outras instâncias extra-hospitalares. Por isso, a extinção do hospital psiquiátrico e do

ambulatório não garante uma mudança efetiva:

“Parece-nos mais aconselhável, nesse sentido, desmobilizar o aparato em cada um de seus mecanismos mais internos de apreensão da doença, com o que estaríamos visando o cerne da degradação institucional, e não uma figura abstrata de Instituição.” (Idem, 29)

Segundo ele, o modelo psiquiátrico tradicional apresenta um padrão constante de

acolhimento aos pacientes, que se baseia na expressividade dos sintomas e concebe a

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doença como figura médica. O objetivo é a remissão dos sintomas sem que se procure o

sentido que apresentam na vida do paciente. As ofertas terapêuticas se resumem ao

hospital psiquiátrico, quando os sintomas são agudos, e ao ambulatórios, quando não se

manifestam. Com o tempo, o paciente passa a ser considerado crônico, já que o uso

constante de medicação faz com que os sintomas sejam menos freqüentes. Neste

momento a instituição tem muito pouco a oferecer, procurando, apenas, manter este

quadro e evitar a internação.

Na descrição de alguns casos clínicos atendidos num ambulatório e no hospital

psiquiátrico, o autor relata ter percebido a possibilidade de novos acessos aos casos,

procurando introduzir outras ferramentas, diferentes do manejo dos sintomas.

Entretanto, os meios disponíveis não viabilizaram tais tentativas. Foi constatado, então,

“a necessidade de um outro lugar terapêutico, de um espaço de manobra onde essa fala

pudesse se manifestar numa lógica institucional alienante.” (idem, 100)

O CAPS é um projeto público de atendimento a pacientes psicóticos e neuróticos

graves que oferece uma clínica de cuidados que “ conjuga num mesmo espaço o

tratamento e a reabilitação e busca uma atuação mais globalizada frente às questões

da saúde mental, com a implantação de setores de ensino e pesquisa.” (Goldberg, 1994,

22) Sua proposta é lidar com a psicose e suas determinações de marginalização e

cronificação.

Em 1989, surgiu a oportunidade de colocar em prática a desmontagem do

aparato manicomial, com a implantação de uma rede territorial de atenção à saúde

mental com o propósito de substituir o modelo psiquiátrico tradicional. A partir das

denúncias na imprensa sobre maus tratos, desrespeito e mortes, a Prefeitura de Santos

decretou a intervenção na Casa de Saúde Anchieta, hospital psiquiátrico conveniado

com o INAMPS.

“Partindo do laboratório do ‘Anchieta sob intervenção’ se articulam, se projetam e se constroem cinco Núcleos de Atenção Psico-Social, a Unidade de Reabilitação Psico-Social, o Centro de Convivência TAM-TAM, o Pronto-Socorro Psiquiátrico e o Lar Abrigado República “Manoel da Silva Neto”. (Nicácio, 1994, 81)

Os NAPS, eixo do novo circuito, são serviços regionalizados e funcionam 24

horas por dia e 7 dias por semana, devendo responder à toda demanda psiquiátrico-

psicológica de sua região de abrangência.

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“A prática terapêutica do NAPS coloca a centralidade da atenção na necessidade dos sujeitos e por isto tem múltiplas valências terapêuticas: garantia de direito de asilo, hospitalidade diurna e noturna, espaço de convivência, de atenção à crise, lugar de ações de reabilitação psico-social, de agenciar espaços de transformação cultural. O NAPS se orienta criando diversidade de redes de relação que se estendem para além de suas fronteiras, ao território. Em outras palavras, têm uma prática terapêutica que, criticando permanentemente formas de objetivação simples e lineares, tende a se configurar como “gestão complexa dos problemas”. (Nicácio, 1994, 91)

As estratégias não assistenciais têm como objetivo manter uma relação

permanente de apoio e participação da comunidade. Entre elas estão o Projeto Tam-

Tam, com iniciativas culturais como programas de rádio, produção de vídeos, artes

plásticas e dramáticas e as Cooperativas Sociais, que têm como objetivo a construção

efetiva de possibilidades sociais, através de ofertas de trabalho para pessoas em

desvantagem social.

Dessa forma, o CAPS e o NAPS apresentam proposta diferenciadas. O CAPS é

uma estrutura intermediária, entre o hospital e a comunidade, atendendo a pacientes no

momento da alta hospitalar, para a passagem à vida comunitária ou evitando a

internação. O projeto CAPS aceita, ainda que de forma provisória, o hospital

psiquiátrico o que, para o projeto NAPS, é inadmissível. Outra diferença é a proposta

terapêutica dos dois serviços. Enquanto o CAPS é um serviço sanitário sensu strictu,

calcado no modelo médico-psicológico de análise, os NAPS são serviços não somente

médicos, mas também sociais e culturais. (Amarante, 1997, 172)

A partir destas considerações, a Reforma Psiquiátrica Brasileira pode ser

entendida como:

“o processo histórico de formulação crítica e prática que tem como objetivos e estratégias o questionamento e a elaboração de propostas de transformação do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria.” (Amarante, 1995, 91)

Dessa forma, não fica restrita

“à reformulação de serviços, ao rearranjo do aparato assistencial normativo, nem a restruturação do texto jurídico que trata da matéria; não significa ainda a descoberta de

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novas técnicas, de uma escuta ou de uma terapêutica perfeitamente qualificada e competente, e por assim dizer, definitiva.” (Amarante, 1994, 43).

Segundo Delgado, “a doença mental é um problema sério demais para ficar

restrito aos psiquiatras...ou aos demais técnicos da extensa confraria Psi. (Delgado,

1987, 173-174) Além disso, ele lembra que as experiências de transformação em curso

não se restringem a empreendimentos de caráter técnico ou administrativo, apontando

para a necessidade de novas estratégias para lidar com a doença mental.

A questão colocada pela Reforma Psiquiátrica, embora privilegie o problema da

assistência, não se restringe a ele, “pois o que está em pauta de maneira decisiva é

delinear um outro lugar social para a loucura na nossa tradição cultural.” (Birman,

1992, 72)

A Reforma Psiquiátrica é, então, o conjunto de iniciativas políticas, sociais e

culturais, administrativas e jurídicas, que parte das transformações na instituição e no

saber médico-psiquiátrico até as práticas sociais em lidar com as pessoas com

problemas mentais e que apresenta como referência fundamental a

desinstitucionalização. (Amarante, 1994).

“Desinstitucionalizar significa tratar o sujeito em sua existência e em relação com suas condições concretas de vida. Isto significa não administrar-lhes apenas fármacos ou psicoterapias, mas construir possibilidades. O tratamento deixa de ser a exclusão em espaços de violência e mortificação para tornar-se criação de possibilidades concretas de sociabilidade e subjetividade. O doente, antes excluído do mundo dos direitos e da cidadania, deve tornar-se um sujeito, e não um objeto do saber psiquiátrico. A desinstitucionalização é este processo, não apenas técnico, administrativo, jurídico, legislativo ou político; é, acima de tudo, um processo ético, de reconhecimento e uma prática que introduz novos sujeitos de direito e novos direitos para os sujeitos. De uma prática que reconhece, inclusive, o direito das pessoas mentalmente enfermas em terem um tratamento efetivo, em receberem um cuidado verdadeiro, uma terapêutica cidadã, não um cativeiro. Sendo uma questão de base ética, o futuro da reforma psiquiátrica não está apenas no sucesso terapêutico-assistencial das novas tecnologias de cuidado ou dos novos serviços, mas na escolha da sociedade brasileira, da forma como vai lidar com os seus diferentes, com suas minorias, com os sujeitos em desvantagem social.” (Amarante, 1995b, 494).

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Esta definição mostra o caráter complexo da Reforma que abrange não só o

campo assistencial, como também o conceitual, cultural e político, onde vêm sendo

operadas várias transformações. (Amarante, 1997)

No campo assistencial, estão sendo criados, em todo o país, novos serviços com

propostas de tratamentos diferenciados dos serviços tradicionais, levando-se em

consideração a singularidade e as condições concretas de vida das pessoas que buscam

ajuda. A questão da cidadania também se configura como importante princípio a ser

considerado nestas novas propostas de assistência.

No campo conceitual, surgem novos conceitos que procuram dar conta da

experiência de sofrimento mental, percebida em sua complexidade e não mais pela

objetivação da psiquiatria.

No campo cultural, multiplicam-se pelo país movimentos sociais, como as

associações de familiares e de usuários, além de cooperativas e eventos para

sensibilizar a sociedade para a forma como vêm sendo tratados os pacientes

psiquiátricos e para as propostas da Reforma. O objetivo é possibilitar a construção de

novas formas de convivência e transformar as tradicionais concepções de

periculosidade, erro e desvio associadas a loucura.

Sob influência política e ideológica do Movimento de Reforma e das

experiências de Santos e de São Paulo, o Ministério da Saúde incorporou as

necessidade de novas modalidades de assistência. Através da portaria 189/91, ampliou

e diversificou os procedimentos da tabela SIH/SUS e SIS/SUS, possibilitando o

financiamento de estruturas assistenciais do tipo CAPS, NAPS, hospital-dia e unidades

psiquiátricas em hospitais gerais. Através da portaria 224/925, estabeleceu as condições

de funcionamento das novas estruturas assistenciais e dos hospitais, fechando os

serviços hospitalares mais precários.

No entanto, estas portarias fazem uma equiparação teórica e metodológica de

serviços que, na verdade, apresentam propostas distintas, como o CAPS e o NAPS.

“Esta redução é, sem dúvida, um aspecto que deve ser enfrentado no sentido de que

sejam diferenciados os dois sistemas e que o primeiro caminhe na direção do

segundo.” (Amarante, 1997, 183)

Surgem, então, em todo o Brasil, uma série de novos serviços que se configuram

como experiências múltiplas e heterogêneas. São Centros de Atenção Psicossocial,

Lares Abrigados, Núcleos de Atenção Psicossocial, Hospitais-Dia, Centros de

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Convivência, entre outros, que mesmo apresentando suas singularidades, têm em

comum a proposta de oposição e transformação do modelo clássico em psiquiatria.

A oposição ao modelo tradicional significa uma mudança na concepção da

loucura. Como foi visto anteriormente a loucura era percebida como ausência de obra e

a psiquiatria acreditava poder restituir-lhe a razão perdida. Segundo Birman (1992),

deve-se reconhecer que o modelo ideal de sujeito e de cidadania baseados na razão

iluminista é apenas uma das modalidades possíveis de subjetividade e que existem

diferentes processos de subjetivação. A loucura aponta para a possibilidade da

diversidade, revelando uma multiplicidade de formas para a existência do sujeito. Desta

maneira, a reforma psiquiátrica implica no reconhecimento de que não há uma falta a

ser preenchida nos loucos. A loucura deve ser percebida como uma outra experiência

possível, uma outra forma de estar no mundo que deve ser respeitada em sua diferença

em vez de corrigida. 1 O contrato de gestão é um compromisso institucional firmado entre o Estado e uma entidade pública estatal ou uma entidade não-estatal, com o propósito de contribuir para que sejam atingidos os objetivos das políticas públicas, mediante o desenvolvimento de um programa de melhoria da gestão. Neste contrato são especificadas as metas e seus indicadores, as obrigações, responsabilidades, recursos, condicionantes, mecanismos de avaliação e penalidades para ambas as partes. Com relação ao Poder Público contratante, o contrato e gestão é um instrumento de implantação, supervisão e avaliação de políticas públicas, na medida em que vincula recursos a obtenção de finalidades públicas. Com relação às organizações contratadas, se coloca como um instrumento de gestão estratégica, na medida em que direciona a ação organizacional e a melhoria da gestão aos cidadãos/clientes beneficiários das políticas. Dessa forma, o contrato de gestão deve apresentar as seguintes partes: - disposições estratégicas: objetivos da política pública a qual se refere, missão institucional, objetivos estratégicos e metas institucionais com seus respectivos planos de ação; - indicadores de desempenho: forma de representação quantitativa e qualitativa para a mensuração da obtenção das metas; - definição dos meios e condições para a execução das metas pactuadas; - sistemática de avaliação: programação das reuniões de acompanhamento e avaliação para a verificação objetiva da obtenção das metas, com base nos indicadores. (MARE, 1998. Organizações Sociais. Cadernos do MARE, 2) 2 O Relatório Flexner foi publicado em 1910, com o propostas para a reformulação do ensino médico, que deveria apresentar as seguintes características: sólida formação em ciências básicas, como anatomia, fisiologia, bioquímica, etc; pouca ênfase nos aspectos de prevenção e promoção da saúde e atenção ambulatorial; valorização da atenção médica individual; valorização da aprendizagem dentro do ambiente hospitalar, recomendando-se que as faculdades tivessem seu próprio hospital de ensino, considerando impróprio o uso de outros serviços; organização minuciosa da assistência médica em cada especialidade; etc. Este relatório influenciou as reformas no ensino nos Estados Unidos, no Canadá, na América Latina , tendo sido implementado no Brasil na década de 40. A este respeito ver MARSIGLIA, R.G. 1995. Relação Ensino/Serviços. Dez Anos de Integração Docente Assistencial (IDA) no Brasil. São Paulo: Hucitec. 3 Maiores informações a respeito da Reforma Psiquiátrica Brasileira consultar Amarante, Paulo, org., 1995. Loucos pele Vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Panorama ENSP. 4 O lema “Por uma sociedade sem manicômios surge em 1987, no II Congresso Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, em Bauru. (Amarante, 1995, 99)

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5 Ministério da Saúde, Secretaria Nacional de Assistência à Saúde; portaria nº 189, de 19 de novembro de 1991 e portaria nº 224, de 29 de janeiro de 1992.

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II) A CONSTRUÇÃO DE UMA REDE DE CENTROS DE ATENÇÃO

PSICOSSOCIAL

II. 1 ) A Assistência em Saúde Mental no Município do Rio de Janeiro.

A assistência em saúde mental no município do Rio de Janeiro sempre esteve

centrada nas internações em hospitais psiquiátricos, públicos ou privados contratados.

Apesar do movimento de Reforma Psiquiátrica, que impulsionou a construção de uma

série de serviços com propostas de oposição ao modelo manicomial em todo o país,

inclusive no estado do Rio de Janeiro, as experiências inovadoras desenvolvidas no

município estavam localizadas nos hospitais federais e universitários1. Estes serviços

eram criados por iniciativa dos profissionais que, favoráveis às propostas da Reforma,

desejavam romper com o modelo de tratamento desenvolvido nas instituições. No

entanto, estas iniciativas não representavam uma mudança significativa no modelo

assistencial hegemônico em saúde mental, de caráter manicomial.

Em 1997 eram 5636 leitos, sendo que mais da metade, 2958, no setor privado

conveniado. Com este modelo são gastos mais de 19 milhões de Reais por ano, o que

faz do subsetor saúde mental o terceiro item de despesa hospitalar no município.

(Fagundes e Libério, 1997, 30)

A assistência ambulatorial, por sua vez, que na década de 80 foi apontada como

uma alternativa ao modelo hospitalar, oferecendo um acompanhamento periódico aos

pacientes saídos da internação, passou por um processo de sucateamento e acabou por

constituir-se, de fato, em mais um mecanismo de cronificação. Segundo Delgado, 1997,

mesmo apresentando uma clientela composta por pacientes graves, oferecia grandes

filas de espera, consultas de curta duração, limitadas a administração de fármacos, com

grandes intervalos para remarcação e restritas a uma única especialidade profissional.

“Quando o psiquiatra do PAM recebia o paciente em uma reconsulta, muitas vezes este já tinha se reinternado e recebido alta no período entre as duas consultas. O vínculo com o ambulatório era muito tênue, e o paciente se referia à Clínica onde se reinternava sucessivamente como seu atributo principal de pertencimento: eu sou da Humaitá, ou da Gávea, ou da Eiras.” (Delgado, 1997, 42)

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47

Mesmo reconhecendo a necessidade de “humanizar o atendimento

ambulatorial”, considera-se que este modelo “com marcação exclusivamente por

agendamento, atendimento centrado na medicalização dos sintomas, embora atenda a

uma demanda específica de clientela não constitui, hoje, um espaço adequado às

necessidades daqueles com sofrimento psíquico ou portadores de agravos à saúde.

(SMS/GSM, 1997, 8)

O município do Rio de Janeiro apresenta, então, “um sistema de saúde

complexo, diluído entre vários gestores, com inúmeros problemas no seu processo de

municipalização, sendo o principal deles a falta de comando único para a rede

assistencial no município”. Com relação saúde mental, apresenta, por sua vez:

“o maior parque manicomial do país, a maior concentração de leitos públicos e privados contratados, uma fiscalização deficiente e inexistência de outras estruturas de cuidados mais intensivos, sob responsabilidade da Secretaria Municipal de Saúde, que pudesse se oferecer como substitutivas à assistência prestada.”(Gomes, 1999, 4 -5)

A vinculação da assistência psiquiátrica às instituições federais se deve a própria

história do município, que concentra todas as unidades hospitalares do governo federal.

O atendimento a população sempre coube ao governo federal, seja pela Previdência

Social, através da compra de serviços às clínicas privadas (responsáveis pelo

atendimento da população previdenciária), seja pelos hospitais do Ministério da Saúde

(responsáveis pelo atendimento da população sem vínculo trabalhista). Dessa forma, “o

município, enquanto instância gestora, sempre esteve “por fora” da assistência

psiquiátrica.” (Reis, 1996, 60)

Segundo Gomes (1999), esta realidade só começou a mudar no final da década

de 80, quando, com a criação do SUS e o processo de municipalização, associado a

reestruturação da política de saúde mental do ministério da saúde, os municípios foram

chamados a assumir a responsabilidade pelas ações de saúde2.

“Mais do que vontade política, coube aos municípios passar a cumprir as orientações normativas de saúde mental inclusas no processo de municipalização.” (Gomes, 1999, 174)

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Segundo Fagundes (1997 a), como a Secretaria Municipal de Saúde nunca se

ocupou da clientela psiquiátrica, foi necessário construir uma nova concepção dos

objetivos do Programa de Saúde Mental, apontando para o desenvolvimento de uma

outra lógica de cuidados voltada para a reabilitação psicossocial.

Neste sentido, em 1995, a Gerência apresentou um documento de caráter

normativo que estabeleceu as diretrizes do Programa de Saúde Mental da Secretaria

Municipal de Saúde. Neste documento foram determinadas as principais funções, ações

e projetos da gerência em saúde mental, tendo como base o ano de 1995 para o início

das atividades:

Funções: - Exercer a coordenação técnica, de caráter normativo, do

Subsistema de Atenção à Saúde Mental, do Sistema Único de Saúde do Município do rio de Janeiro;

- Planejar o desenvolvimento da ações de saúde na perspectiva da prestação de serviços de atenção integral. Ações:

- Supervisão técnica dos Programas de Saúde mental desenvolvidos pelas unidades da rede própria;

- Assessoria aos programas de Atenção Integral à Saúde, desenvolvidos nas unidades da rede própria;

- Desenvolvimento de estratégias de qualificação e treinamento de Recursos Humanos no Subsistema de Atenção à Saúde mental, buscando parcerias com as Universidades Públicas e a Escola Nacional de Saúde Pública;

- Desenvolvimento de estratégia integrada, junto aos pólos psiquiátricos, para controle e avaliação do ingresso de usuários em serviços de internação psiquiátrica;

- Supervisão, controle e avaliação da prestação de serviços contratados no Subsistema de Atenção à Saúde mental do Sistema Único de Saúde do Município do Rio de Janeiro. Projetos:

- Realização da pesquisa Censo da população Internada nos hospitais psiquiátricos do Município do rio de Janeiro (rede pública e contratada);

- Montagem de Serviços de atenção diária voltados para o atendimento à clientela de sofrimento psíquico grave;

- Efetiva implantação do Programa de Dispensação de Medicamentos Psicoativos na rede municipal;

- Treinamento e qualificação, em conjunto com a Coordenação de Atendimento às Doenças Crônicas, de profissionais de saúde para atenção aos quadros decorrentes do alcoolismo;

- Organização da rede para o atendimento ambulatorial em saúde mental, buscando a integração entre os serviços e a sua efetiva inserção territorial” (SMS/GSM, apud Gomes, 1999, 189 – 190)

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49

Estas diretrizes foram divulgadas na III Conferência Municipal de Saúde,

realizada em 1995 e, dessa forma, “a Coordenação de Saúde Mental consegue ajustar

com a sociedade organizada as diretrizes para o município.”(Gomes, 1999, 191)

Outra contribuição para a legitimação desta carta de intenções foi a passagem do

município para a gestão incipiente, que permitiu maior controle e avaliação das clínicas

contratadas, consideradas o grande foco de tensão da rede. Foram criadas equipes de

supervisão continuada em cada área de planejamento de saúde, que realizam

supervisões periódicas nas clínicas contratadas e públicas.

Partindo da constatação da hegemonia do modelo hospitalocêntrico e de seu

caráter iatrogênico, a Gerência de Saúde Mental da Superintendência de Saúde Coletiva

da Secretaria Municipal de Saúde começou a pensar na construção de um Programa de

Saúde Mental que “invertesse” este modelo.

O objetivo era “tornar viáveis ações assistenciais que oferecessem resposta às

necessidades da população, construindo uma rede de cuidados de base territorial,

hierarquizada, impulsionadora de um processo de resgate da cidadania.” (Fagundes e

Libério, 1997, 30)

Estas ações destinariam-se a pessoas portadoras de “sofrimento psíquico grave”,

que, historicamente, vem sendo submetidas à um “múltiplo processo de exclusão”. Este

processo de exclusão

“se define a partir das condições sócio econômicas, implicando na exclusão da moradia, do trabalho, do lazer, mas que se objetiva pela exclusão socialmente imposta ao direito à informação, à vida comunitária, à sociabilidade, à realização pessoal, profissional e cultural. Acresce-se ainda a exclusão ao direito à assistência, aos cuidados necessários face à singularidade de sua condição de vida.” (Idem, ibidem)

No entanto, para a construção de um outro modelo eram necessárias algumas

informações a respeito da clientela. Como esta se constitui, basicamente, de paciente

internados, foi realizado, em outubro de 1995, o primeiro censo da população de

internos nos hospitais psiquiátricos. Este levantamento foi feito pela Secretaria

Municipal de Saúde, em conjunto com o Instituto de Psiquiatria da UFRJ e com a

Escola Nacional de Saúde Pública / FIOCRUZ.

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Com o censo, pretendia-se conhecer o perfil clínico e sócio-econômico dos

pacientes, isto é, como se compõem, como é sua vida social, se apresentam laços

familiares, qual a média de internações e sua duração, que tipo de tratamento recebem.

O objetivo era criar um banco de dados que subsidiasse o planejamento das ações em

saúde mental e a alocação de serviços não manicomiais.

Foram entrevistados todos os pacientes internados em hospitais psiquiátricos

ligados ao SUS na data escolhida como referência, 24 de outubro de 1995, excetuando-

se a Colônia Juliano Moreira, onde só foram entrevistados os pacientes do Hospital

Jurandyr Manfredini3.

Como instrumento para a coleta de dados quantitativos, foi elaborado um

questionário fechado, dividido em três sessões: dados identificadores, dados sócio

econômicos e dados clínicos. Além dos dados quantitativos, os pesquisadores foram

orientados a registrar num diário de campo suas impressões sobre o ambiente de

trabalho e a assistência prestada. A partir destes registros foram elaborados relatórios

qualitativos de cada clínica e hospital pesquisado.

Segundo Gomes (1999)4, o censo levantou 3223 pacientes internados na data de

referência. Dentre os itens mais relevantes para o planejamento da implantação dos

CAPS, estão o “endereço do paciente”, que permitiu localizar geograficamente esta

clientela; os itens ligados ao tratamento, seja com relação à qualidade do tratamento

oferecido durante a internação, como “atividades em grupo durante a internação”, seja

com relação ao vínculo terapêutico do paciente entre as internações, como “tratamento

ambulatorial antes da internação”; e os itens que investigam as relações familiares dos

pacientes e suas possibilidades de viver fora do hospital, como, por exemplo “com

quem conta”, “visitas durante a internação”, “vínculo atual referencial de moradia”5.

Estes dados mostraram que os números de pacientes que residiam no hospital, de

pacientes em situação de rua e de pacientes que não dispunham de laços familiares não

eram tão altos quanto se acreditava. Com isso desfizeram-se antigas crenças que

colocavam em dúvida a viabilidade de um projeto não manicomial, que, para ser bem

sucedido, necessita do apoio familiar.

No item “endereço do paciente” foram computados 13 pacientes a mais do que o

universo pesquisado, perfazendo um total de 3236 referências de moradia. Isto se deve

ao fato de 13 pacientes se internarem em duas clínicas diferentes na data de referência.

“A hipótese mais provável para este acontecimento seria a evasão destas pessoas de

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uma das instituições e a posterior reinternação em outro estabelecimento.”(Gomes,

1999, 200) Das 3236 referências de moradia, 2274 localizavam-se no Rio de Janeiro;

409 localizavam-se fora do Rio e 422 não indicavam localidade. Destes 422, 321 eram

registrados como “moradores do hospital”, 74 registrados como “situação de rua”, 25

informações ignoradas e 2 pacientes registrados como moradores no trabalho. 131

referências de moradia não foram localizadas.

Estes dados mostram que “a maior parte da população internada dispõe de

dados suficientes para a sua localização residencial e, consequentemente, para

estabelecer de forma mais clara a sua rede de pertencimento.” (idem, ibidem)

Gráfico 01 - Endereço dos Pacientes

2274

409

422 131

Endereço indicadolocalizado no Rio

Endereço indicado fora daCidade do Rio

Endereço não indicador delocalidade

Endereço indicado e nãolocalizado

Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro

O item sobre a vida laborativa dos pacientes antes e depois de sua entrada no

circuito das internações psiquiátricas é destacado por Gomes como um dos mais

importantes. Os dados indicam que a inserção no mercado de trabalho, seja formal ou

informal, diminui drasticamente com o aumento do número de internações. Na época

da primeira internação, 31,55% dos pacientes estavam empregados, enquanto que, na

época anterior à atual internação, esta percentagem caiu para 8,25%. A condição de

beneficiário, por sua vez, caminha em direção inversa: 2,45% de pacientes em benefício

na época da primeira internação, enquanto que, na época da atual internação este

percentual se eleva para 25,22%.

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Tabela 01. Situação em relação ao mercado de trabalho. Até próximo à época da

primeira internação Até próximo à época da

atual internação Nº % Nº % Empregados 1017 31,55 266 8,25 Desempregados 129 4,00 164 5,09 Biscateiros 240 7,45 237 7,35 Em benefício 79 2,45 813 25,23 Não inseridos no mercado de trabalho

1148 35,62 1555 48,25

Inf. Ign. 610 18,93 188 5,83 Total 3223 100,00 3223 100,00 Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A política de Saúde Mental no Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: IPUB/UFRJ

Estes dados, que fazem parte dos dados sócio econômicos, revelam, também a

qualidade da assistência. De acordo com Gomes (1999), embora os dados sejam

considerados conseqüência do “curso natural da doença”, não podem ser dissociados da

assistência prestada:

“A ‘ressocialização’ ou a ‘reabilitação’ são objetivos declarados da assistência psiquiátrica e de suas instituições. O que estes dados revelam é que tais objetivos não estão sendo alcançados. Assim, é imperativo indagar por que razões estes objetivos não estão sendo alcançados estendendo esta interrogação ao modelo de tratamento ministrado. Em outras palavras, o binômio psiquiatrização-exclusão do mercado de trabalho deve ser referido a um terceiro termo: a qualidade do tratamento.” (idem, 204)

O item “tipo de fonte de renda” indicou que 37,22% possuíam fonte de renda

própria, 29,57% tinham os meios de sustento providos por seus familiares e 4,29% não

se conseguiu obter esta informação. Apenas 28,92% dos pacientes não apresentavam

qualquer fonte de renda.

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Gráfico 02 - Tipo de Fonte de Renda

37,22%

29,57%

28,92%

4,29% Possuem renda própria

Não possuem renda

Suporte familiar

Informação ignorada

Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Outros itens que merecem destaque são o “com quem conta” (única variável que

privilegiou a informação do próprio paciente), o “tipo de visitas” e o “número de visitas

durante a internação”, que dizem respeito a existência de laços familiares nesta

população.

71,05% contavam com os próprios familiares, 4,75% com amigos e 20,66% não

contavam com ninguém, o que, para a autora, embora não seja tão alto quanto se

esperava, é um número preocupante.

Gráfico 03 - Com quem conta

71,05%

20,66%

4,75%

Com familiares

Com ninguém

Com amigos

Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Com relação as visitas durante a internação, 67,38% dos pacientes receberam

visitas de familiares durante o período de internação; 27,67% não recebiam visitas;

2,33% recebiam visitas de amigos, religiosos, vizinhos e outros. 2,63% não obteve-se

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esta informação. Com relação à freqüência, 37,94% recebiam visitas pelo menos uma

vez por semana e 12,10% recebiam visitas eventuais.

Gráfico 04 - Visitas durante a internação

67,38%2,33%

27,67%2,63%

Familiares

Amigos, religiosos, vizinhos eoutros

Não recebem visitas

Informação ignorada

Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado,Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

12,78%

25,16%

6,70%5,40%

16,94%

28,17%

4,85%

0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

20,00%

25,00%

30,00%

Gráfico 05 - Freqüência das visitas

2 ou mais vezes nasemana

Semanalmente

Quinzenalmente

Mensalmente

Só recebiameventualmente

Não se aplica

Não foi registrada afreqüência de visitas

Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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O item “vínculo atual referencial de moradia” mostram que 57,77% dos

pacientes contavam com moradia regular fora do hospital; 17,13% eram moradores do

hospital com lugar para ficar fora do hospital; 19,58% foram considerados moradores

do hospital, sem outro lugar para ficar; 0,31% foram considerados albergados em

abrigos públicos; 3,94% foram considerados em situação de rua e 1,27% não se obteve

este registro.

Gráfico 06 - Vínculo atual residencial de moradia

57,77%0,31%19,58%

3,94%

1,27%17,13%

Moradia regular

Albergados

Morador do Hospitals/ lugarSituação de rua

Morador do Hospitalc/ lugarInformação ignorada

Fonte: Gomes, M. P. C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio Janeiro. Tese de doutorado, Rio de Janeiro; Instituto de Psiquiatria da UFRJ.

Segundo Gomes (1999), os dados referentes a este item “desmontam a falácia

de que há um aumento de doentes mentais em situação de rua, mas igualmente revelam

a necessidade de se construir políticas e ações de suporte social para esta clientela no

território.” Além disso, somando-se as situações em que não há vínculo de moradia,

encontra-se um percentual de 23,52%, que “indica um número significativo de pessoas

para as quais o processo de reabilitação psicossocial requer ações de suporte social,

entre as quais destaca-se a criação de lares abrigados, pensões protegidas etc.” (idem,

210–211)

Na sessão destinada aos dados clínicos, encontram-se os itens que buscam traçar

o perfil do tratamento prestado pelas instituições, que revelaram “a ausência de uma

perspectiva mais ampla nos cuidados em saúde mental” (idem, 212)

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56

Com relação a participação em atividades de grupo, 74,14% não participavam de

qualquer atividade grupal. Com relação à assistência prestada pelos hospitais e clínicas

onde estavam internados os pacientes, 61,55% recebiam apenas tratamento

farmacológico, embora, 99% dos 20 hospitais pesquisados encontrem-se no Grupo de

Internação Psiquiátrico IV e contam com uma equipe multiprofissional. Dessa forma,

“o quadro encontrado pela pesquisa coloca-nos diante do desafio de qualificar a

assistência, apontando sobretudo para o desenvolvimento de políticas de reabilitação

psicossocial.” (Fagundes e Libério, 1997, 32)

Os itens revelam que o pertencimento ao Grupo IV não está significando uma

assistência multiprofissional para os pacientes. Dessa forma, ao desafio de qualificar

esta assistência, apontado acima, pode ser incluída a necessidade de acompanhar ou

mesmo fiscalizar a atenção prestada pelas clínicas conveniadas.

74,14%

9,64%7,17%

1,51%1,08%

0,81%5,65%

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

80,00%

Gráfico 07 - Atividades em grupos.

Não part de atividadeem grupo

Grupo operetivo

Grupo psicoterápico

Grupo de ajuda mútua

Gruposociopedagógico

Grupo de familiares

Outros grupos

Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese deDoutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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61,55%

13,17%

7,43%11,87%

2,75%1,40%1,83%

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

Gráfico 08 - Tratamento não psiquiátrico

Somente tratamentopsiquiátricoPsicologia

Serviço Social

Terapia Ocupacional

Clínica Médica

Fisioterapia

Outros

Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A taxa de reinternações encontrada foi muito alta, o que foi demonstrado no item

“número total de internações psiquiátricas”. 28,79% apresentavam de 2 a 5 internações

psiquiátricas; 13,40% de 6 a 10; 18,40% com mais de 10 internações e em 26,68% não

foi possível verificar o número total de internações em suas vidas. Apenas 12,72%,

estavam passando pela primeira internação.

Gráfico 09: Nº total de internações

28,79%

13,40%18,40%

12,72%

26,68%

2 a 5 internações

6 a 10 internações

mais de 10internações

única internação

inf. Ign.

Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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Quanto ao tratamento ambulatorial, a maioria dos internos, 56,90% não estavam

freqüentando este tipo de tratamento antes da atual internação e, dessa forma, tinham a

internação como única forma de tratamento. Apenas 26,62% freqüentavam este tipo de

tratamento. Em 16,48% não foi possível verificar este dado.

56,90%

26,62%

16,48%

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

Gráfico 10 - Tratamento ambulatorial.

não freqüentavamtratamentoambulatorial

freqüentavam algumtipo de tratamentoambulatorial

inf. Ign.

Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Para a Subgerente de Saúde Mental, estes dados mostram que as internações

funcionam num sistema de revolving door, sem que as pessoas tenham a oportunidade

de procurar outro tipo de serviço. Após a alta do paciente, a família é orientada a

procurar um Pólo para uma nova internação:

“Então isso mostrava que as internações, elas meio que funcionam num sistema de revolving door. Estas pessoas, elas nem têm oportunidade de procurar outro serviço, além de não serem adequadamente orientadas para isto. Claro que estas clínicas têm um sistema de agenciamento desta população. Então, eles recebem alta, muitas vezes, já com a indicação, a família principalmente, de que eles deveriam procurar um pólo para uma nova internação. Quer dizer, se você quer descosntruir um aparato do tamanho do que se tem no Rio de Janeiro, a perspectiva é, paulatinamente, se construir uma rede para que este população tenha esta opção. Não há como se pensar que este sistema deva ser paulatinamente desconstruído

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se a gente não puder oferecer então esta perspectiva desse atendimento extra-hospitalar.” (Libério, 1997)

Com relação aos dados qualitativos do Censo, Tenório(1996) mostra algumas

tendências encontradas nos relatórios dos pesquisadores. A maioria das instituições

visitadas encontrava péssimas condições de higiene, disposição arquitetônica

inadequada e ambiência desagradável. Foi mencionado, também, indiferença dos

técnicos ao sofrimento daqueles que lhes cabe assistir; episódios de maus tratos e

violência; agressões de técnicos contra pacientes; ameaça e uso de eletrochoque como

instrumento disciplinar e punitivo; abandono e desassistência; pacientes com medicação

inalterada há mais de um mês; profissionais com péssimas condições de trabalho e

tendo que cuidar de uma quantidade de pacientes muito maior do que um cuidado de

qualidade exigiria; naturalização dos quadros clínicos (isto é, a idéia de que “tais

pacientes são e serão assim, não importa o que se faça”) e rotinização das práticas (faz-

se o mínimo e burocraticamente). Nestas instituições,

“a designação de ‘paciente crônico’ tem, de fato, a força de uma sentença: pacientes que já têm a desvantagem de um prognóstico pouco promissor vêem sua situação agravada pela falta de ambição terapêutica dos técnicos, que se traduz em termos de abandono e desassistência. (...) mais dramática é a inversão segundo a qual os pacientes não são tratados porque não têm esperanças. Ora, eles não têm esperanças porque não são tratados! ... a instituição produz os desgraçados para com eles justificar suas próprias práticas. A lógica perversa produz a desgraça para com ela justificar a si mesma.” (Tenório, 1996, pág. XII).

Os dados obtidos pelo Censo mostram a distância entre os projetos terapêuticos

propostos e a assistência efetivamente oferecida, seus resultados e sua incapacidade para

estabelecer vínculos contínuos de tratamento. Dessa forma, a amplitude dos dados

revelam a complexidade da tarefa de transformação da assistência, apontando dois

vetores para a reestruturação da rede: a rede hospitalar, que deve apresentar uma

perspectiva de cuidados mais amplos, e a rede extra-hospitalar, que deve sustentar a

oferta terapêutica a longo prazo. Para Gomes (1999), é neste sentido que a Gerência de

Saúde Mental tem procurado caminhar: desenvolvendo políticas e ações dirigidas para a

consolidação de uma rede territorial de atenção psicossocial. Um dado interessante

apontado pela autora se refere a utilização do Censo não só como indicador técnico mas

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como “micro-estratégia de convencimento no interior da Secretaria de Saúde, quanto à

urgência de se transformar a assistência prestada.” (Gomes, 1999, 222)

Como ponto de partida de uma política de reabilitação psicossocial, optou-se

pela construção de uma rede de Centros de Atenção Psicossocial.

II. 2 ) Os Centros de Atenção Psicossocial.

Os CAPS são “dispositivos assistenciais voltados para a atenção integral à

clientela com sofrimento psíquico grave”, com abrangência territorial estrita e são

concebidos como um “espaço de acolhimento e cuidados”, onde os pacientes

psiquiátricos “podem reconstruir sua trajetória e seu estatuto de cidadão”. O objetivo é

integrar esta população historicamente marginalizada pelos recursos assistenciais até

então existentes à uma vida social.

“Os CAPS representam algo mais que uma mera alternativa ao modelo hospitalar predominante, funcionando de forma a evitar as internações psiquiátricas e diminuir sua reincidência, mas sobretudo, por possibilitarem o desenvolvimento de laços sociais e interpessoais essenciais para o estabelecimento de novas possibilidades de vida.” (Fagundes e Libério, 1997, 33)

Como forma de gestão destes serviços, a Secretaria optou pelo estabelecimento

de parcerias com Organizações Não Governamentais, que será discutido mais adiante: a

Fundação Lar São Francisco de Paula (FUNLAR), no CAPS Irajá, e o Instituto Franco

Basaglia (IFB), nos CAPS Campo Grande e Santa Cruz.

Uma das preocupações é

“o risco de se repetir o modelo excludente do manicômio no micro-espaço do novo serviço. Ou seja, além da constituição de uma ética de cuidados, é necessário estar atento para a desconstrução de relações, valores, comportamentos e atitudes decorrentes da concepção de negatividade da loucura.” (Fagundes, 1997 a, 47)

A construção destes serviços está na agenda do Plano Estratégico da Cidade do

Rio de Janeiro e deverá ser objeto de uma articulação intersetorial no campo das

políticas sociais. (idem, 45). Dessa forma, é uma “tarefa da Macro-Função de Políticas

Sociais da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro que integra as Secretarias da Saúde,

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Desenvolvimento Social, Educação, Esportes e Lazer e Habitação.” (Fagundes e

Libério, 1997, 33)

Esta rede pretende oferecer assistência extra-hospitalar efetiva e resolutiva,

visando adequar o número de leitos psiquiátricos existentes na Cidade ao parâmetro

estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (1 leito/2000 hab), estimando a

diminuição do número de internações psiquiátricas para 30000/ano.” (idem, 33)

Com o Censo foi possível verificar a distribuição dos pacientes internados

segundo local de residência6. A área onde residiam o maior número de pacientes,

15,74%, era a AP. 3.3, que corresponde a Irajá. A segunda área em termos de número de

pacientes internados era a AP 3.1, que corresponde a uma área que vai de Bom Sucesso

até Jardim América, com 13,68%. Na zona oeste, nas AP’s 5.1, 5,2 e 5,3, que

correspondem a Bangu, Campo Grande e Santa Cruz residiam mais de 20% dos

pacientes internados.

Outras duas áreas com um número significativo de pacientes eram a AP 2.1, que

corresponde a Botafogo, Gávea, etc e a AP. 3.2, que corresponde aos Bairros de

Engenho de Dentro, Tomás Coelho, etc. No entanto, estas áreas já apresentam recursos

assistenciais importantes, como o IPUB e o Instituto Philippe Pinel, que oferecem

recursos extra-hospitalares, e grande número de leitos das várias clínicas conveniadas,

na primeira e o Centro Psiquiátrico Pedro II, na segunda.

Tabela 02 – Áreas de Planejamento em Saúde. Nº de Endereços % do total de

endereços de referência,

logradouros na cidade do RJ

AP’s onde foram localizados esses

endereços de referência

% do total da população da cidade do RJ que reside na AP. (Censo de 1991)

202 8,88 AP 1 5,5 350 15,39 AP 2.1 11,7 124 5,45 AP 2.2 7,2 314 13,68 AP 3.1 14,3 286 12,58 AP 3.2 11,4 358 15,74 AP 3.3 16,5 182 8,00 AP 4 9,6 244 10,73 AP 5.1 10,9 142 6,24 AP 5.2 6,9 75 3,30 AP 5.3 5,7 Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: IPUB/UFRJ.

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Analisando o mapa de distribuição de serviços existentes no município do Rio

de Janeiro e os dados da distribuição da clientela internada segundo local de residência

obtidos com o Censo, a SMS decidiu iniciar a construção desta rede nas áreas onde

havia maior concentração de pacientes e menos recursos assistenciais.

As propostas são apresentadas às Coordenações de Saúde das AP’s e aos

Conselhos Distritais de Saúde, que podem apoiar ou contestar a proposta, de acordo

com o que acreditam ser prioritário para a área. A ampliação do papel destes órgãos

aprofunda os fundamentos do SUS e atende, também, à um dos objetivos da Reforma do

Estado, sobre a institucionalização de mecanismos que permitam uma participação cada

vez maior dos cidadãos. (Bresser-Pereira, 1997, 53). Como exemplo da importância dos

Conselhos Distritais, a proposta de desativar o Posto de Urgência do PAM da Penha

para a implantação de um CAPS foi rejeitada pelo Conselho da AP 3.1, que não quis

abrir mão de um serviço 24 horas. A recusa inviabilizou o projeto, apesar do elevado

número de pacientes residentes na área e da ausência de recursos assistenciais. Há,

também, muitos Conselhos Distritais reivindicando a construção destes serviços, como

o Conselho da AP 5.1 e o da AP 2.2. O próprio Conselho da AP3.1, após recusar a

proposta na Penha, fez um levantamento dos prédios públicos da Ilha do Governador

onde este serviço poderia ser implantado.

“A repercussão disso (dos CAPS), dentro desse movimento dos Conselhos, desse braço de controle social do Sistema Único de Saúde, isso é um dado novo. Isso constrói outras formas de relacionamento com a sociedade. Eu tenho certeza que, denúncias de associações de familiares, como no passado, de desassistência no setor, não encontra parceiros em relação aos conselheiros porque conhecem a política de assistência da Secretaria e são capazes de partir para essa discussão não com esse viés da denúncia, mas de problematizar as questões e claro, de cobrar do setor público as respostas, afinal de contas a gente, sem dúvida alguma, tem uma baita repressão de demanda.” (Fagundes, 1998)

Para a implementação dos CAPS estão sendo utilizados prédios públicos

desativados. A proposta é de que seja criado pelo menos um CAPS em cada área de

Planejamento, a médio prazo, pretendendo-se chegar a atender 1500 pessoas e suas

famílias. Com um regime de atendimento diário, intensivo, com participação familiar e

comunitária, cada CAPS toma a responsabilidade7 pelo atendimento integral de até 150

pessoas e suas famílias.

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Os CAPS são montados como unidades satélites dos Centros Municipais de

Saúde e estão submetidos à Coordenação de Saúde local. Seu funcionamento como

unidade independente está dependendo da aprovação de um projeto de lei na Câmara

dos Vereadores.

O primeiro CAPS implantado foi o CAPS Rubens Correa, na Ap3.3, (CAPS

Irajá) que iniciou seu funcionamento em maio de 1996. Para isso, foram estabelecidas

uma parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social, que cedeu um prédio da

antiga LBA e um convênio com a Fundação Lar São Francisco de Paula – FUNLAR,

que contratou alguns dos funcionários.

Este primeiro CAPS tinha um papel importante, pois do seu sucesso dependeria

a continuação da construção destes serviços. Os profissionais foram treinados no Espaço

Aberto ao Tempo e na Casa do Engenho, que funcionam no CPPII e são serviços com

propostas alternativas ao modelo manicomial.

Para o início das atividades, ainda em caráter experimental, seus profissionais

participaram do Serviço de Recepção e Triagem do CPPII, encaminhando ao CAPS os

pacientes que poderiam se beneficiar de sua proposta de tratamento e que residiam em

sua área de abrangência.

Neste período o serviço funcionava apenas num turno e contava com 18

pacientes. Foram feitas visitas domiciliares, reuniões semanais com familiares e diárias

com os usuários. Atualmente, o CAPS Irajá funciona de 8 as 17 horas e conta com 120

pacientes adscritos, (novembro de 1997). Semanalmente os profissionais se reúnem para

supervisão clínica, através do IPUB/UFRJ. Muitos dos pacientes encaminhados para

tratamento são pacientes egressos de internações hospitalares, na maioria considerados

graves e, ainda assim, desde a sua inauguração até novembro de 1997, foram registradas

apenas 4 internações. (Fagundes e Libério, 1997, 34)

Uma das lições tiradas desta primeira experiência foi a necessidade de manter a

regra da territorialidade e um maior cuidado com o limite de pacientes a serem

matriculados para o tratamento. A princípio, os profissionais do CAPS Irajá aceitaram

pacientes que apresentavam o seu perfil de atendimento mas não residiam na área,

porque não havia outro serviço para se fazer um encaminhamento com garantia de

atendimento. Isto fez com que, mais tarde, com a capacidade de atendimento esgotada,

fosse criada uma grande lista de espera8 de pacientes da área, enquanto pacientes de fora

da área estavam sendo atendidos pelo serviço9.

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Outra região em que se procurou avançar na construção destes serviços foi a

zona oeste, tendo sido inaugurados em janeiro de 1997, o CAPS Campo Grande e, em

maio do mesmo ano, o CAPS Santa Cruz.

II. 3 ) A Assistência em Saúde Mental na Zona Oeste.

Historicamente, os recursos assistenciais na zona oeste sempre foram escassos.

Na AP 5.3, por exemplo, que corresponde a Santa Cruz e Sepetiba, o primeiro

ambulatório de psiquiatria da rede pública foi criado em 1995, no Centro Municipal de

Saúde Lincoln Freitas Filho. Dessa forma, a população contava apenas com o Pólo de

Emergência Psiquiátrica do PAM Bangu. Os pacientes graves eram atendidos em

clínicas privadas, no CPPII ou no Hospital Manfredini, na Colônia Juliano Moreira.

Os Pólos de Internação foram criados na década de 80 e tinham como objetivo

controlar as internações psiquiátricas, visando a sua redução. Cada área programática

(na época apenas cinco, já que não havia subdivisões) tinha um pólo de internação.

Os Pólos procuravam atender à duas demandas diferentes: o atendimento dos

casos de emergência e o controle e monitoramento das guias de internação. Mesmo com

as dificuldades decorrentes desta dupla missão, os Pólos conseguiram um maior

controle das internações não indicadas e uma maior racionalização da distribuição

geográfica dos serviços. (Delgado, 1997, 37)

No Governo Collor, o Ministério da Saúde fechou a emergência de vários

PAM’s e, com isso, o Pólo de Emergência Psiquiátrica no PAM Bangu foi fechado.

Dessa forma, quando havia uma situação de crise, a população da Zona Oeste tinha que

recorrer ao Centro Psiquiátrico Pedro II ou ao PAM Centro.

A extinção do Pólo do PAM Bangu sempre foi apontada como o principal

problema da assistência psiquiátrica na Zona Oeste e, num primeiro momento, a

Gerência de Saúde Mental pensou em reabrir este espaço. No entanto, esta não parecia

ser a melhor solução, já que o Pólo não é um espaço de tratamento, mas sim, um local

para agenciamento de internações.

Dessa forma, optou-se pela criação dos CAPS que, para a Gerência de Saúde

Mental, tem atendido ao problema. Com eles, a AP5.2, Campo Grande com 498504

habitantes, que dispunha apenas de 5 psiquiatras no PAM Campo Grande e 4 no CMS

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Belisário Pena e a AP 5.3, Santa Cruz, com 325982 habitantes, passaram a contar com

um serviço que procura inverter este modelo. (Fagundes, 1997 a, 48)10

II. 4) A Opção pela Parceria com uma Organização Não Governamental.

Segundo o Gerente de Saúde Mental, havia algumas questões que precisavam

ser resolvidas para a implantação dos CAPS. Uma delas era a questão dos Recursos

Humanos.

Neste sentido, o processo de municipalização da saúde e da educação tem

trazido um impasse. Embora venha apresentando resultados importantes nestes setores,

este processo tem causado problemas para a administração pública, com o aumento de

encargos decorrente do aumento do número de funcionários municipais. Este aumento

causa dificuldades na gestão financeira do município, principalmente num momento de

retração de recursos para o setor. Além disso, há a cobrança do Estado quanto ao ajuste

do setor público e quanto a aplicação da Lei Rita Camata, que impede os municípios de

despenderem mais de 60% de seus orçamentos com a folha funcional . Dessa forma,

“ É um contexto muito difícil para você fazer expansão e sobretudo se você imaginar que a gente tem uma capacidade instalada grande, que se tivesse recursos humanos a gente poderia estender a cobertura á população mas você não tem capacidade de repor esses quadros”. (Fagundes, 1997 b)

Uma outra questão é a dificuldade que a rede pública sempre encontrou para

sedimentar profissionais na Zona Oeste, que apresenta alto índice de abandonos em

todas as especialidades, devido à distância e a dificuldade de transportes.

A preocupação com a perda de um servidor está associada a morosidade da

administração pública direta na reposição de pessoal: “mesmo após a tomada de

decisão, com toda a vontade política, a efetiva apresentação de um servidor na sua

Unidade de lotação não ocorre antes de 90 dias.” (Fagundes, 1997, 50)

Num tipo de serviço que tem como objetivo se tornar responsável por pessoas

com sofrimento psíquico grave e por suas famílias, a possibilidade de ficar sem

profissionais poderia trazer sérios prejuízos.

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Além disso, estes serviços trabalham com equipes multidisciplinares e requerem

profissionais que não estão no quadro da Secretaria Municipal de Saúde, como

oficineiros, artistas, artesãos, músico-terapeutas, entre outros. São necessárias, também,

supervisões clínicas para que os casos sejam estudados e discutidos, definindo-se a

melhor estratégia clínica para o tratamento de cada paciente.

Era necessário, então, criar uma maneira de equacionar estes problemas, isto é,

“criar uma alternativa de gestão que tivesse a flexibilidade que este serviço exigiria.”

(Fagundes, 1997 b). Como solução, recorreu-se a uma parceria com o terceiro setor.

As dificuldades com relação aos recursos humanos e a opção pelo terceiro setor

diante da necessidade de mecanismos de flexibilização da gestão dos CAPS revela que,

se o seu funcionamento segue a agenda da Reforma Psiquiátrica, a sua administração

segue a agenda da Reforma do Estado, que determina a transferência das atividades

sociais antes executadas pelo Estado, para as ONG’s, que apresentam maior eficiência e

adequação para a realização dos serviços sociais.(Bresser-Pereira, 1997, 28)

“Entendemos como fundamentais as parcerias com setores que têm em comum com o serviço público o fato de produzirem bens de consumo coletivo, de atenderem a necessidades de caráter público, as Organizações Não Governamentais... Estas organizações têm características de serviço público, entretanto não têm o lastro e a inércia das organizações burocráticas estatais.” (Fagundes, 1997 a, 50)

II. 5 ) Uma Outra Forma de Administração.

Para resolver estas dificuldades, uma das opções seria a terceirização. No

entanto, a Gerência não queria esta alternativa, baseando-se no que ocorre no PAS de

São Paulo. Segundo o Gerente de Saúde Mental, neste modelo, as empresas contratadas

agem na mesma lógica do mercado dos planos de saúde, despendendo apenas um

percentual do seu orçamento com a assistência e glosando o que ultrapassa este

percentual. Dessa forma, atendem as ações de baixo custo operacional, dirigindo ao

setor público os procedimentos de maior complexidade. Isto implica no desrespeito aos

princípios do SUS, principalmente no que diz respeito a rede hierarquizada.

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As experiências internacionais também têm problematizado a ameaça aos

direitos de acesso e utilização dos serviços, pela criação de mecanismos quase-mercado

para financiamento das organizações do terceiro setor. (Costa, 1998)

No campo da Saúde Mental,

“eqüivaleria à gente colocar, abrir, por exemplo, para o setor contratado, a Dr. Eiras, por exemplo para fazer ambulatório psiquiátrico, montar hospital dia. Se isso for oferecido aos prestadores eu acredito que eles vão querer, eles vão topar. Só que eu acredito que eles vão oferecer um modelo de assistência ruim, porque eu acho que, assim, as premissas da Reforma Psiquiátrica, essas questões da cidadania, de mudar o lugar, o valor, positivar o lugar do louco, do excluído, de exercer políticas de inclusão destas pessoas na sociedade, isto estaria perdido. Porque acho que seria uma relação infantilizante, uma relação de tornar subalterno e institucionalizar o paciente mantendo ad eternum naquela estrutura, tanto que a gente monta serviços tendo como objetivos que os pacientes melhorem o suficiente para cada vez mais poderem se utilizar menos desses serviços. Melhora para a gente é isso, o sujeito estar desenvolvendo laços sociais onde ele se utilize menos desses serviços. Então, houve uma preocupação de manter a diretriz básica do sistema e essa preocupação de conseguir penetrar mesmo na Reforma Psiquiátrica a partir dessas parcerias, estando o tempo todo de olho nessas premissas.” (Fagundes, 1998)

Além disso, o Gerente afirma que não há mecanismos de controle e de regulação

suficientemente maduros para estes contratos, onde há um repasse direto da

responsabilidade da assistência para o prestador.

Esta preocupação também é verificada nas experiências internacionais, que

apontam a baixa experiência da administração pública na regulação eficiente das

organizações terceirizadas como um facilitador dos processos de captura e baixa

responsabilização. (Costa, 1998)

O convênio, por sua vez, embora ainda não tenha mecanismos de regulação e

controle bem estruturados, possibilita um acompanhamento permanente, na medida em

que o faturamento vem para o Fundo Municipal de Saúde e é apresentado na fatura das

unidades de saúde da rede. Além disso, existe um sistema de custos na própria unidade,

seu diretor é um funcionário municipal e os insumos são fornecidos pela Secretaria

Municipal de Saúde.

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A parceria com Organizações Não Governamentais não foi uma novidade na

Secretaria. Duas experiências antecederam o projeto CAPS: o Projeto Saúde da Maré,

no Complexo da Maré, e o Programa de Saúde da Família, em Paquetá.

No Projeto Saúde da Maré, a Secretaria reformou e equipou uma unidade de

saúde na Favela Nova Holanda e seis minipostos nos CIEPS da área e estabeleceu

convênios com a Associação de Moradores da Maré, a UNIMAR, e com a ONG Maré

Limpa, que cuidam do funcionamento dos serviços. Através da UNIMAR e da Maré

Limpa foram contratados 30 médicos, 30 enfermeiros, 30 dentistas e 60 agentes de

saúde, que foram treinados pela Secretaria e estão desenvolvendo o programa na área.

No caso de Paquetá, após ter sido definido o Programa de Médico de Família

como o melhor modelo para atender à área, era necessário contratar profissionais para

atuarem no programa. Como a Secretaria não apresenta profissionais com este perfil no

seu quadro, foi feito um convênio com uma ONG, a CEDAPS, nos mesmos moldes que

o citado anteriormente.

Estas experiências abriram uma perspectiva para a Gerência de Saúde Mental.

Além disso, havia algumas experiências internacionais, na Suíça, Holanda e Alemanha,

onde o Estado fez parcerias com ONG’s para a criação de serviços com propostas

semelhantes a do CAPS. Nestas experiências as ONG’s ficam responsáveis pela

administração dos serviços, recebendo, para isto, recursos do Estado, que faz o controle

e acompanhamento dos resultados, da qualidade da assistência e a auditoria financeira.

A idéia, no entanto, era manter a gestão municipal e flexibilizar a administração

de pessoal, atendendo as dificuldades mencionadas acima. Dessa forma, foi proposto

um convênio para cooperação técnica e científica entre a Secretaria Municipal de Saúde

e o Instituto Franco Basaglia.

Para a escolha desta ONG não foi feito nenhum mecanismo de avaliação mais

rigoroso que determinasse, por exemplo, que vantagem esta ONG poderia oferecer em

relação a outras. De acordo com as entrevistas, a escolha do IFB pela Secretaria foi

apontada como natural:

“A nossa proposta foi a seguinte: pegar o Instituto Franco Basaglia, que é uma Organização Não Governamental que há anos vem trabalhando para construir dispositivos não manicomiais, que tem como mote “Uma Sociedade sem Manicômios” e com técnicos, com usuários, envolvendo pessoas

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que já debatem, que discutem, que conhecem serviços, enfim.” (Fagundes, 1998)

A ausência de licitação para a escolha da ONG recebeu algumas críticas mas,

como se tratava de um convênio e não de um contrato, este mecanismo não era

necessário:

“Licitação é por um contrato. Convênio não é necessário. O IFB é uma Organização Não Governamental sem fins lucrativos e de notório saber, inserida há anos e tal, enfim, reconhecida na cidade, reconhecida internacionalmente.” (Fagundes, 1998)

O Instituto Franco Basaglia foi fundado em 1989, com o Projeto SOS Direitos

do Louco, que prestava assessoria jurídica aos pacientes, com o objetivo de resgatar sua

cidadania. Atualmente desenvolve trabalhos ligados a pesquisa, informação e cultura,

além de dar suporte a projetos ligados aos direitos dos pacientes e a novas formas de

tratamento. O IFB já havia assessorado programas de outros municípios, como Volta

Redonda e Niterói.

Segundo a Coordenadora de Programas do IFB, a escolha foi determinada pelo

fato desta ONG já vir desenvolvendo um trabalho, seja de defesa de direitos do usuário,

seja de fomento a pesquisa e de já vir pensando em contribuir de forma mais concreta

para a transformação do modelo existente: “parece que foi um pouco lógico poder

contar com o IFB.” (Almeida, 1998)

A partir da proposta de parceria e da apresentação do modelo de assistência que

se pretendia construir, o IFB elaborou o projeto dos CAPS na Zona Oeste, baseando-se

na Portaria 224 do Ministério da Saúde, que regulamenta o funcionamento destes

serviços.

O convênio estabeleceu que o gerenciamento seria da competência do Município

e a supervisão técnica caberia ao IFB. Os profissionais teriam uma composição mista,

uma parte composta pelos quadros do município, e outra contratada pelo IFB. A

seleção dos profissionais não municipais seria feita pelo IFB, sem interferência do

município.

A seleção dos funcionários municipais seguiu as normas do serviço público.

Num primeiro momento as vagas são oferecidas aos profissionais da rede, inscritos para

remanejamento. Em seguida, o restante das vagas é oferecido aos profissionais

aprovados no concurso público, que escolhem as unidades que vão trabalhar segundo a

ordem de classificação.

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O convênio determina, também, a elaboração de relatórios para a prestação de

contas e das atividades do serviço que deveriam ser apresentados à Gerência de Saúde

Mental.

A proposta de parceria feita pela SMS foi levada à uma Assembléia Geral do

IFB, tendo sido convocados todos os associados para que se chegasse a uma decisão

conjunta. O tema causou muita polêmica devido a complexidade das questões

envolvidas. O IFB é uma organização que sempre defendeu o serviço público e esta

proposta parecia contrariar este princípio, assim como a contratação de profissionais que

trabalhariam num serviço municipal sem concurso público. Após muita discussão,

decidiu-se correr o risco e a proposta foi aceita por unanimidade.

“Numa primeira avaliação da contribuição do IFB para a consolidação de uma rede de atenção psicossocial no município do Rio de Janeiro, destacamos, do ponto de vista da racionalidade política-administrativa, a importância de uma modalidade de cooperação entre as estruturas governamentais e entidades não governamentais que, mais do que atribuir eficiência e qualidade ao espaço público de atendimento em saúde garante a própria existência da coisa pública, na concepção que lhe é mais fundamental: equidade e universalidade nos bens indispensáveis à vida.” (Delgado, 1998, 10)

Segundo a Coordenadora de Programas do IFB, a Secretaria estabeleceu esta

parceria com uma ONG, logo, fora do serviço público, mas com a intenção de manter o

serviço público, já que a administração do CAPS é municipal. Esta proposta permitiria

ao IFB “entrar junto à uma política, fortalecendo uma política pública, de serviço

público”, num momento em que o serviço público passa por um processo de

estagnação. “Então não dá para crescer dentro do serviço público, tem que crescer de

fora.” (Almeida, 1998). Além disso, permitiria ao Instituto uma participação mais

efetiva na substituição das estruturas manicomiais que ainda prevalecem no Rio de

Janeiro.

“Ainda não estamos muito familiarizados, na área da saúde mental, com atividades do terceiro setor, isto é, de Institutos como o IFB, que não são nem públicos nem privados, ou privados porém públicos. O desafio é tornar tais entidades privadas radicalmente públicas, e dotadas de argúcia estratégica suficiente para não compartilhar de iniciativas que visem desmantelar o sistema assistencial público. A parceria

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estabelecida entre o Instituto Franco Basaglia e a Secretaria Municipal de Saúde, com todos os riscos e dificuldades, parece-me que poderá contribuir, na parcela possível, para a substituição da psiquiatria asilar hegemônica em terras cariocas.” (Delgado, 1997, 43)

Para o IFB, sua principal contribuição neste projeto é a supervisão técnica, que

determina a orientação clínica do tratamento, garantindo que sejam respeitados os

princípios da Reforma Psiquiátrica. A supervisão permite uma reflexão e um

questionamento constante, para que “estes novos dispositivos possam realmente

cumprir esse papel de rompimento, de ruptura com este modelo já existente.” (Almeida,

entrevista)

“A supervisão técnica tem se mostrado uma ferramenta essencial na estruturação do funcionamento do serviço permitindo uma maior consolidação dos aspectos clínicos, terapêuticos e institucionais cotidianos. Os encontros semanais entre os supervisores técnicos e as equipes dos CAPS têm sido espaços de ampla discussão e definição da linha de trabalho de cada serviço, possibilitando a constituição de uma proposta assistencial sólida. Nessa medida, o suporte técnico, papel essencial do IFB nesta parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, tem se mostrado bastante frutífero.” (IFB, 1997 , 11)

Além das supervisões semanais de equipe, são feitas reuniões mensais com as

Coordenações dos CAPS Campo Grande e Santa Cruz, a Gerência de Saúde Mental e o

IFB. Os outros CAPS em funcionamento, o CAPS Irajá, o Manfredini e o Ilha do

Governador, também queriam participar destas reuniões, que funcionam como uma

gerência clínica. A participação, no entanto, não era permitida porque o IFB não tinha

nenhuma responsabilidade sobre estes CAPS e não havia nenhum dispositivo que a

regularizasse. A partir desta demanda, na renovação do convênio foi incluída uma

cláusula que estabelece que esta atividade pode ser estendida aos outros CAPS já

existentes e aos que forem criados.

Nestas reuniões estão sendo discutidas, entre outras questões, a criação de um

Sistema de Informação que possibilite a utilização de uma linguagem comum entre os

serviços. O que se pretende é facilitar sua comunicação para que se constitua uma

verdadeira rede municipal.

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Esta linguagem comum, no entanto, não significa a construção de um modelo

pré estabelecido. O CAPS é um serviço regulamentado pela portaria 224 do Ministério

da Saúde, mas as peculiaridades do seu dia a dia são construídas nas relações entre

técnicos e pacientes. As oficinas, por exemplo, são criadas a partir da demanda dos

pacientes e da disponibilidade dos técnicos em conduzi-las. As propostas são levadas ao

IFB que estuda uma forma de viabilizar o seu funcionamento no serviço. Dessa forma,

mesmo que algumas oficinas sejam semelhantes, cada CAPS é diferente do outro, se

moldando às pessoas que lá convivem.

O processo de recrutamento e seleção de pessoal feito pelo IFB recebeu muitas

críticas. A Coordenadora de Projetos afirma que os problemas foram causados devido

ao breve período de tempo disponível para a realização do processo de recrutamento e

seleção do pessoal. Como a data de inauguração dos CAPS já estava definida e os

funcionários do município já estavam prontos, a principal preocupação foi que todos os

profissionais começassem a trabalhar ao mesmo tempo, para que se formasse uma

equipe única. Com isto, a divulgação do processo foi muito restrita e poucas pessoas

tiveram acesso. Todos os currículos enviados, no entanto, foram avaliados e, a partir

desta avaliação, alguns foram chamados para uma entrevista, onde foram selecionados

os que iriam compor a equipe dos CAPS. Partindo do reconhecimento desta falha, o IFB

definiu as regras do processo para as próximas seleções, embora admita que não tem

condições de realizar uma seleção tão ampla quanto as realizadas pelo Serviço Público.

A divulgação será feita nas Universidades e nos Serviços de Saúde e a seleção vai

apresentar várias etapas: curriculum vitae com pontuação definida para cada item, prova

escrita e entrevista. Os profissionais contratados pelo IFB são celetistas e têm todos os

direitos garantidos. Os recursos para o pagamento dos salários e benefícios são

repassados ao IFB pelo Município, que não tem nenhuma responsabilidade trabalhista

sobre estes profissionais (vide cláusula 10 do convênio). Embora apresente legislações

diferentes, os profissionais desempenham as mesmas tarefas e o objetivo é que formem

uma equipe integrada.

O IFB está construindo um sistema de informação que permita avaliar a

qualidade da assistência que está sendo prestada. Este sistema ainda está sendo

elaborado e, por isso, as planilhas desenvolvidas para o registro das informações estão

sempre sendo revistas e corrigidas para que possam se adequar ao que acontece no

serviço. O trabalho com indicadores ainda é restrito, limitando-se ao número de

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pacientes que freqüentam por dia e por turno, média de freqüência nas atividades do

CAPS e à comparação entre o número de internações que o paciente apresentou antes de

freqüentar o CAPS e após o tratamento no CAPS. Os dados que se pretende gerar com

a criação deste sistema superam as exigências contratuais, que determinam a elaboração

de relatórios técnicos relatando as atividades realizadas pelo CAPS e o número de

pacientes beneficiados. No entanto, segundo a coordenadora de programas do IFB, um

sistema de informação mais completo interessa tanto ao IFB quanto ao Município, já

que, além de auxiliar na avaliação do serviço, também fornece dados que podem ser

utilizados na defesa deste projeto na Secretaria Municipal de Saúde.

Para a gerência, no entanto, é necessário que os dados sejam disponibilizados

com maior agilidade e, por isso, está desenvolvendo um sistema de informações que

permita uma leitura bimensal dos dados desses serviços. O sistema é específico para

este tipo de serviço, já que os indicadores11 tradicionais não se adequam ao seu

funcionamento. O modelo de captação de informações formulado ainda é preliminar e

vem passando por um processo constante de avaliação mas já permite o

acompanhamento de alguns dados, como o número de pacientes inscritos; o número de

pacientes que se internaram após o início do tratamento no CAPS e quantas vezes; a

freqüência dos pacientes ao tratamento; a distribuição com relação a sexo, faixa etária e

inserção no trabalho; informações acerca daqueles que efetivamente retornaram para o

ensino formal; daqueles que retornaram para o mercado formal de trabalho e daqueles

que passaram a freqüentar menos o serviço porque desenvolveram outros vínculos.

Além disso, a preocupação da Gerência com relação a disponibilidade de dados

que informem os resultados do serviço não está ligada a necessidade de defesa do

serviço junto à Secretaria de Saúde, mas junto à população, revelando a adesão às idéias

gerenciais baseadas na orientação para o cidadão-cliente:

“A gente quer, assim, poder minimamente ter instrumentos para avaliar se vale a pena para a sociedade, se vale a pena para a cidade do Rio de Janeiro despender recursos com esse modelo de assistência. Essa questão tem que estar colocada o tempo todo. Não é, ao contrário do que alguém me falou: ah, a gente precisa preparar dados para mostrar para quem está no poder que isso é importante, e tal. Não. É o contrário. Quem está no poder, somos nós, digamos assim. Partir desse princípio, não é atribuir ao prefeito, ao secretário de Saúde, mas sim pensar do lugar deles, pensar como o gestor do

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sistema e considerar o seguinte, que você tem que mostrar é para a sociedade. Você não deve satisfação para a sua instância superior, não é isso. Você tem que mostrar para a sociedade. Isso tem que ser socialmente sustentável. Tem que ter transparência, tem que ser alguma coisa que possa ser reconhecido como um dinheiro bem empregado, como uma boa forma de utilizar recursos públicos, que são recursos coletivos. Então esse é o momento de enfrentar esse desafio e poder mostrar a eles que, até março, pelo menos, ter já um desenho desse período todo.” (Fagundes, 1998)

Esta modalidade de parcerias ou convênios está se multiplicando na Secretaria

Municipal de Saúde, o que mostra a disseminação das experiências de flexibilização da

gestão. Além dos CAPS, há também as Cooperativas no Hospital Lourenço Jorge e no

Lincohn Freitas e os Programas de Agente Comunitário de Saúde, Saúde da Família e

Consultórios Simplificados, que serão desenvolvidos em toda a cidade. Todas estas

experiências seguem o mesmo princípio do CAPS: a direção é do Município, que é

responsável pelo treinamento e pela avaliação do trabalho.

A flexibilidade é apontada como a principal vantagem do Convênio, permitindo

resolver mais facilmente os problemas e mantendo o controle da Assistência em Saúde

Mental pela Secretaria Municipal:

“Esse expediente dá uma margem de movimentação muito maior do que a assistência direta mas está vinculado dentro da estrutura de ação direta do Estado. Quer dizer, na verdade é um serviço municipal, dirigido por um quadro indicado pelo município, isso é uma coisa importante.” (Fagundes, 1997 b)

Como exemplo, pode ser citada a dificuldade da Secretaria em implementar a

alimentação para os pacientes e profissionais do CAPS Santa Cruz, que é uma questão

essencial para a manutenção do serviço. Embora não estivesse previsto, o IFB está

investindo parte dos recursos do convênio para viabilizá-la, contando com a ajuda da

SMDS.

Com relação aos Recursos Humanos, o convênio atende à todas as questões que

dificultavam a implantação do serviço, permitindo uma maior agilidade na reposição de

pessoal e a expansão do quadro, quando necessário. Permite também que os serviços

disponham de profissionais que não existem no quadro da saúde, possibilitando, dessa

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forma, a maior plasticidade no desenho do serviço ou a contratação de consultorias para

resolver problemas.

Estas experiências seguem a tendência de inovações no setor que buscam

aumentar a flexibilidade da gestão, com o Estado assumindo o papel regulatório e

destinando ao setor público não-estatal a prestação de serviços. A opção por equipes

compostas de profissionais municipais e profissionais contratados pela ONG está

baseada nos mesmos argumentos que vêm determinando as alterações nos regimes de

contratação do setor público: a baixa efetividade e eficiência do modelo administrativo

burocrático e a falta de profissionais especializados.

Além disso, as inovações apresentam a preocupação de preservar as diretrizes

básicas do SUS, como o acesso universal e a rede hierarquizada e, no caso da Saúde

Mental, as diretrizes da Reforma Psiquiátrica.

Segundo o Gerente de Saúde Mental, a preocupação em manter estas premissas

implicou numa preocupação com a escolha dos parceiros. Ainda que esta escolha tenha

sido baseada apenas no conhecimento do trabalho desenvolvido pela ONG, como foi

visto acima, a Secretaria pretende desenvolver mecanismos de regulação e de controle

destes convênios:

“ eu não diria que seria apenas o fato de que um determinado parceiro é idôneo, é uma Organização Não Governamental respeitada na sociedade, são pessoas dignas e tal, acho que isso é muito pouco. Acho que isso não sustenta uma ação de governo de relacionamento com essas organizações. Acho que é necessário se desenvolver instrumentos claros de controle, de acompanhamento destes contratos, instrumentos de regulação e esse é o nosso desafio nesse momento.”(Fagundes, 1998)

Como estes instrumentos de controle ainda não estão estruturados, não há uma

metodologia clara para a análise do desempenho financeiro dos parceiros.

“ainda é uma análise um tanto quanto selvagem, você entendeu, uma coisa de se debruçar nas contas e ter que desenvolver longos textos de justificativa ou de questionamento para poder acompanhar esses convênios.” (Fagundes, 1998)

A não formalização destes instrumentos e a conseqüente ausência de uma

metodologia de análise faz com que o gerenciamento dos convênios seja lento,

causando atrasos na sua renovação. O convênio com o IFB, por exemplo, venceu em

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março de 1998 e ficou um período se sustentando sem renovação, que só foi realizada

em novembro.

“Isso reflete o novo, a dificuldade da máquina administrativa de lidar com a situação nova. O servidor não compreende muito bem, não tem muito claro o que é que deve se avaliar na análise do desempenho financeiro de uma prestação de contas de um convênio desse tipo. Mas acho que é um caminho de ir consertando o avião no vôo, sabe? De permanentemente, de estar em permanente avaliação, o tempo todo fazendo correções aqui ou acolá, sem lamentar defeitos, que, claro, eles aparecem mas, é um processo em construção” (Fagundes, 1998)

Assim como os mecanismos de avaliação, o sistema de custos ainda está em fase

de implementação. Dessa forma, não é possível saber claramente qual é o peso deste

modelo no orçamento. Segundo o gerente de saúde mental, este modelo deve custar um

terço a mais do que o modelo hospitalar.

“Acho que custa um terço a mais, mas acho que o benefício é incomensurável, acho que é sustentável.... Não como um modelo que vá se reproduzir , que você vá reproduzir aqui, sei lá, a experiência da Itália, de um serviço para 100 mil habitante, 120, 150. A cidade tem 100 milhões de habitantes. Não existe essa possibilidade. Se a gente tiver um serviço em cada área, uma rede de uns 10 serviços desse tipo e construir um programa em todos os níveis da rede, quer dizer, construir atuações, ações assistenciais de saúde mental, sobretudo com essas pessoas mais graves, de maior risco, em toda a rede, qualificar toda a rede para atender bem, eu acho que a gente vai poder avançar e sobretudo o seguinte, reduzir um pouco desses serviços hospitalares que a gente encontra.” (Fagundes, 1998)

Uma análise comparativa do que é gasto com os dois modelos exigiria que fosse

levado em conta a relação de custo-benefício. O modelo CAPS tem oferecido melhores

condições de vida aos pacientes, além de proporcionar a reintegração de alguns deles ao

trabalho e ao ensino:

“ se você pensar que são 86 pessoas num serviço, 300 e tantas ao todo, sendo acompanhadas por esse modelo, isso faz pensar que é um caminho certo. Mas também, fazer pensar não, isso

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que eu estou dizendo não pode ser levado em conta. A rigor, não é isso que se espera de um representante do setor público, dizer isso, porque eu tenho que mostrar isso. Eu preciso ter os dados efetivos. Isso a gente tem clareza. A gente só não teve perna porque a Secretaria está montando o Sistema de Custos, então ela começou com os hospitais, depois foi entrando na rede básica, nas estruturas maiores, agora é que está entrando nos CAPS. Então, eu vou ter, eu acredito que mais um mês a gente já tem a possibilidade de estar mostrando isso.” (Fagundes, 1998)

A preocupação em criar indicadores, mecanismos de regulação dos convênios e

um sistema de custos revela a aceitação dos ideais de responsabilização das

organizações públicas, que determinam a busca de transparência e de indicadores de

desempenho. Revela, também, uma mudança com relação a cultura administrativa

burocrática, onde não havia mecanismos de auditagem, avaliação e responsabilização de

desempenho como norma institucional

Os programas de saúde da comunidade, como o Programa de Saúde da Família e

o Programa de Agentes Comunitários de Saúde, estão sendo percebidos pela Gerência

de Saúde Mental como um espaço privilegiado para a expansão da atenção em Saúde

Mental na comunidade. Esta atenção está voltada para os casos em que se encontra um

sofrimento psíquico importante, como nas situações de violência doméstica, abuso

sexual, baixo aporte afetivo ou desagregação nas famílias, uso de álcool ou drogas, entre

outras. Acompanhando as críticas ao predomínio da atenção médica especializada e do

hospital como local de tratamento:

“A gente tá querendo desconstruir essa idéia da psiquiatria como uma especialidade médica, que você precisasse de um ambulatório de referência, de um serviço de referência para encaminhar. Claro, alguns casos mais difíceis talvez precise mesmo, mas que a gente possa treinar um médico generalista que possa fazer assistência psiquiátrica junto com assistência clínica que ele faz, com a ginecologia, com a pediatria, com as ações do generalista.” (Fagundes, 1998)

Dessa forma, os profissionais que trabalham nestes programas, médicos,

auxiliares de enfermagem e agentes de saúde participaram de um curso de capacitação

para desenvolver ações de saúde mental e são acompanhados por um supervisor. Este

trabalho procura tratar destas pessoas na comunidade, recorrendo a dispositivos mais

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estruturados somente quando necessário. O objetivo é identificar recursos da

comunidade que possam reverter quadros de exclusão, auxiliando na promoção da

reintegração social.

Esta iniciativa parece estar ligada a necessidade de intervenções criativas para

adequar custos menores a melhores resultados. Dessa forma, busca-se a atenção

domiciliar e comunitária, ampliando os laços de solidariedade social e a prática da

multidisciplinaridade.

Como exemplo das possibilidades deste trabalho pode ser citado o caso de um

adolescente psicótico que era objeto de chacota na comunidade. A ação das agentes de

saúde conseguiu reverter este comportamento de exclusão, viabilizando que um

comerciante o empregasse como entregador de mercadorias. Dessa forma,

“se criou possibilidades desse garoto começar a ser visto na comunidade como uma pessoa frágil, que precisa de uma sustentação, que precisa ser visto por todos para que tenha um destino melhor na sua vida. Isso eu considero desmontar manicômio também, entendeu? A Reforma Psiquiátrica não é destruir o muro, mas é promover na cidade uma outra forma de se relacionar com o excluído, com aquele que sofre, com o diferente. E esse é um recurso fantástico.” (Fagundes, 1998)

Quanto a mudança na forma de relacionamento com o louco, pode ser citada,

também, a participação de um usuário como conselheiro de um Conselho Distrital, que

é respeitado e desempenha sua função como todos os outros conselheiros.

Para estudar o desenvolvimento deste modelo, foi escolhido o CAPS Campo

Grande, que será apresentado a seguir. 1 No Instituto Philippe Pinel funcionam o CAIS e o NAICAP (para crianças e adolescentes), no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Centro de Atenção Diária, (AP-II); no Centro Psiquiátrico Pedro II, funcionam a Casa d’Engenho, o Espaço Aberto ao Tempo e o Centro Comunitário; na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o Hospital dia Ricardo Montalban (AP – III). NA Colônia Juliano Moreira, em 1995, foi implantado um Centro de Atenção Diária, junto ao Hospital Jurandyr Manfredini, como parte do programa de Residência Médica (AP-IV). Há, também, a Casa das Palmeiras e a Associação Casa Verde, ambas na AP-II, que são serviços privados. (Delgado, 1997) 2 O objetivo deste trabalho não é fazer uma revisão histórica dos principais acontecimentos que determinaram as mudanças na política de saúde mental. Para maiores informações ver REIS, V. L. M., 1996. A Reforma Psiquiátrica no Município do Rio de Janeiro: Perspectivas e Impasses. Tese de Mestrado, Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública e GOMES, M.P.C., 1999. A política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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3 Esta exceção se deve às características do funcionamento da Colônia, onde apenas este Hospital está aberto à novas internações e altas, assim como acompanhamento ambulatorial. Os outros Núcleos funcionam como asilos e sua clientela, que reside no Hospital, apresenta um perfil diferenciado e bem definido, que já foi investigado em outro estudo. 4 Em sua tese, Maria Paula Cerqueira Gomes discute os dados levantados pelo Censo, baseando-se no último relatório preliminar, elaborado por João Paulo Lyra da Silva, que é a versão mais acabada dos dados. Gomes, M.P.C., 1999. A política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 5 Neste trabalho serão apresentados apenas os itens do Censo que permitem uma análise da assistência prestada pelas clínicas e o planejamento da construção dos CAPS. Para maiores informações ver: Gomes, M.P.C., 1999. A política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 6 Dos 2814 registros de endereço, 131 não foram localizados geograficamente. (Gomes, 1999, 220) 7 “Tomada de responsabilidade” é uma expressão utilizada na Itália e se refere à uma nova modalidade de relação institucional, em que o serviço assume a responsabilidade sobre a saúde mental de toda a área territorial de referência, o que pressupõe um papel ativo na sua promoção. O serviço deve apreender as diversas formas e momentos da existência que sofre, como, por exemplo, situações de miséria, distúrbio e conflito. Deve assumir a demanda com todo o alcance social conectado ao sofrimento e não somente a situação de crise como emergência. Giuseppe dell’Acqua e Roberto Mezzina, 1991. Resposta à Crise. In: A Loucura na Sala de Jantar (J. Delgado, org.), pp. 53 – 81, São Paulo: Ed. Resenha Ltda. 8 Segundo o Gerente de Saúde Mental, com o objetivo de evitar as filas de espera, os CAPS estão criando grupos para acompanhamento de pacientes que já não podem ser absorvidos. O objetivo é procurar um local de assistência, oferecer suporte ou mesmo desconstruir a demanda. (Fagundes, 1998) 9 Estas informações foram obtidas com a Coordenadora do CAPS Irajá, durante uma visita ao serviço em 21 de outubro de 1997. 10 A Área de Planejamento 5.2 circunscreve as XVIII e XXVI Regiões Administrativas denominadas de Campo Grande e Guaratiba, respectivamente. A XVIII RA abrange os bairros de Santíssimo, Campo Grande, Senador Vasconcelos, Inhoíba e Cosmos. A XXVI RA abrangendo os bairros de Guaratiba, Barra de Guaratiba e Pedra de Guaratiba. A AP 5.3, engloba a XIX Região Administrativa de Santa Cruz, abrangendo os bairros de Paciência, Santa Cruz e Sepetiba. 11 Ver em anexo as tabelas com os dados de outubro de 1998. GSM/SMS.

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III ) O CAPS PEDRO PELLEGRINO

O CAPS Pedro Pellegrino iniciou suas atividades no dia 13 de janeiro de 1997.

Nas primeiras reuniões de supervisão foram discutidos alguns procedimentos do dia a

dia do CAPS, como, por exemplo, a definição de como cada profissional iria cumprir a

carga horária, para que a distribuição fosse homogênea; como seriam utilizados os

espaços físicos; quais seriam as primeiras oficinas e os profissionais que iriam conduzi-

las; o horário de chegada dos profissionais; o perfil dos usuários e como seria a triagem.

Houve, também, uma preocupação em visitar os serviços de Saúde Mental da Rede,

como o IPP, o CPPII , a CJM, o PAM e o CMS de Campo Grande, para apresentar a

proposta de trabalho do CAPS, facilitando os encaminhamentos e futuros contatos.

O CAPS fica localizado atrás do ambulatório de Psiquiatria do PAM Campo

Grande, na Praça Major Vieira de Melo, N.º 13, em Comary. Nesta mesma praça

funcionam, também, as outras clínicas do PAM, o Conselho Distrital e a Coordenação

de Saúde da AP 5.2.

Quando o CAPS foi criado, houve algumas contestações do Conselho Distrital.

Alguns moradores da área vinham pleiteando, junto a Gerência de Saúde Mental, a

construção de um centro de atendimento para alcoolistas. Foi feita, então, uma nova

reunião com a participação do Gerente de Saúde Mental e da Coordenação do CAPS,

onde foi lembrado que a área já apresenta um serviço para alcoolistas, enquanto que a

clientela psiquiátrica contava apenas com leitos em clínicas conveniadas.

O Conselho Distrital vem acompanhando o trabalho do CAPS, sendo que uma

parte da equipe participa das reuniões, não só para divulgar o trabalho mas também para

conhecer os problemas de saúde da área. Segundo a Coordenadora do CAPS, muitos

pacientes têm sido encaminhados ao CAPS pelo Conselho, que têm se mostrado

satisfeito com os resultados do tratamento e, principalmente, com as visitas

domiciliares. (Almeida, 1998)

No início do funcionamento, houve alguns problemas no relacionamento com o

PAM. Além de ocupar seu espaço físico, e utilizar alguns de seus recursos, como

telefone, fax, xerox e viaturas, o CAPS trouxe mais trabalho para os funcionários da

farmácia do PAM, que ficaram responsáveis pelos medicamentos de pacientes que não

lhes diziam respeito.

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Com o tempo, no entanto, conseguiu-se uma maior integração entre os serviços e

hoje, não só os psiquiatras do PAM encaminham clientes para o CAPS e vice-versa,

como também, os clientes do CAPS recebem, entre outros, atendimento clínico,

odontológico e laboratorial do PAM. Quando um profissional do CAPS acompanha o

paciente para o atendimento, a proximidade entre eles mostra que a questão da

periculosidade é um mito e que há outras possibilidade de lidar com a loucura. Dessa

maneira, mais do que atender as necessidades dos usuários, esta integração tem um

importante papel no sentido de diminuir o preconceito e o receio de trabalhar com esta

clientela que historicamente apresenta dificuldades para ser atendida por qualquer outra

especialidade.

Um número relevante de pacientes que procuram atendimento no CAPS são

encaminhados por outras instituições, como o PAM, o CMS, a FUNLAR, o CPPII e o

IPP. Para o IFB, isto indica “uma inserção deste serviço na rede de serviços em

saúde”.(IFB, 1998, 19) Há, também, encaminhamentos feitos pelos próprios usuários e

seus familiares e, como já foi dito, pelo Conselho Distrital.

Há alguns casos em que os pacientes são encaminhados ao CAPS mas já

apresentam um acompanhamento psiquiátrico, seja num consultório particular, seja no

PAM ou no CMS. Nestes casos, o paciente mantém esse vínculo e passa a dispor dos

dois recursos.

A clientela do CAPS é constituída basicamente de pessoas de baixa renda,

moradores da área e com várias internações anteriores. Embora a maioria dos pacientes

apresente um diagnóstico de psicose ou neurose grave, este não é um critério para

admissão. A equipe acredita que as pessoas que podem se beneficiar do tratamento são

aquelas que passaram por um processo de adoecimento psíquico, com sofrimento

intenso, comprometimento do seu dia a dia, baixo grau de autonomia e uma vida social

empobrecida. Este é o perfil dos pacientes atendidos pelo CAPS, o que nem sempre é

determinado por um diagnóstico. Não são atendidos pacientes alcoolistas e drogadictos,

nem pacientes que residam fora da área. Este é o único critério de que não se abre mão

porque o projeto CAPS é baseado no conceito de território. Além disso, como são

pacientes graves, uma das modalidades de tratamento é a visita domiciliar e seria

inviável visitar pacientes de fora da área.

O tratamento oferecido pelo CAPS é feito basicamente em grupo, nas oficinas.

Cada oficina é coordenada por dois profissionais e apresenta uma proposta específica

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que deve ser desenvolvida pelo grupo. As oficinas são criadas ou por sugestão dos

técnicos ou dos próprios usuários. O Grupo de Homens, por exemplo, foi criado a partir

da demanda dos usuários por um espaço para discutir sexualidade sem que as mulheres

estivessem presentes. Em contrapartida, criou-se o Grupo de Mulheres. Além destas,

estão em funcionamento as seguintes oficinas: Panos e linhas; Artesanato; Teatro;

Bonecos, onde são confeccionados os bonecos que podem ser utilizados no teatro;

Jornal; Futebol; Beleza; Assembléia; Alfabetização; Vídeo; Gesso; Biscoito e Nó

Desatado, onde busca-se, através do trabalho com colagem ou escrita, discutir uma

questão que está afligindo o grupo.

Muitas das oficinas preocupam-se com questões do dia a dia do paciente,

revelando uma atenção do serviço com a complexidade desta clientela.

Na Oficina de Alfabetização, coordenada por uma psicóloga da equipe que

também é professora, alguns pacientes que não foram alfabetizados estão aprendendo a

ler e escrever.

A Oficina de Beleza tem como objetivo chamar a atenção para os cuidados com

a aparência e higiene, que, em alguns casos, ficam comprometidos após o adoecimento.

Nela, os pacientes fazem a barba, cortam e lavam o cabelo, fazem as unhas, a

sobrancelha, são alertados da necessidade de usar roupas limpas e, quando necessário,

tomam banho.

Na Assembléia, que tem caráter deliberativo, todos os pacientes se reúnem para

discutir e votar assuntos do seu interesse, como a organização de festividades, os

passeios e qualquer coisa relacionada ao funcionamento do CAPS.

Na Oficina de Gesso e na de Biscoito, o que é produzido é vendido e o lucro

dividido entre os pacientes que trabalharam. Embora pequena, esta quantia é a única

fonte de renda para a maioria deles, permitindo a compra de alguns objetos de uso

pessoal. Além disso, estas oficinas possibilitam uma discussão sobre a qualidade do

produto de seu trabalho. Certa vez, conseguiu-se uma barraca na Feira de Ipanema onde

seriam vendidos os produtos da Oficina de Gesso. Alguns pacientes foram conhecer a

feira e perceberam que os produtos a venda apresentavam uma qualidade superior aos

seus. Dessa forma, voltaram ao CAPS afirmando que precisavam melhorar para poder

vender. Propuseram, inclusive, mudar o material que utilizavam para confeccionar seus

enfeites. Os biscoitos, por sua vez, já têm uma clientela fixa, entre os funcionários do

PAM, do próprio CAPS e os freqüentadores da praça, devido a sua qualidade.

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A visita domiciliar é realizada, na maioria das vezes, para tratar de um paciente

que está em crise e não quer ir ao serviço, por solicitação de um familiar e para se obter

notícias de pacientes que estejam faltando ao tratamento.

Em janeiro de 1998, 30% da clientela estava ausente ou apresentava freqüência

irregular, sendo que, deste percentual, 10% havia perdido contato com o serviço. Para

reverter esta situação, foram intensificadas as visitas, tendo sido formulado um

programa de estágio para ajudar nesta atividade. As visitas mostraram que estas

ausências e freqüências irregulares correspondiam a casos de abandono; casos de

pacientes que chegaram ao tratamento em crise e, passado este momento, procuraram o

ambulatório, e casos de pacientes que não cumpriam o contrato terapêutico. O contrato

terapêutico representa a forma como cada paciente está ligado ao serviço, indicando os

dias em que deverá comparecer ao CAPS e as oficinas que vai participar. Muitos

passaram a ir menos ao CAPS e, por isso, apareciam na lista de freqüência como

faltosos. Desta forma, foi constatada a necessidade de reavaliação dos contratos.

(Carmello, 19988)

A freqüência dos pacientes vem sendo acompanhada semanalmente pela

supervisora. Quando é detectado que o paciente não compareceu ao serviço por uma

semana, a equipe é comunicada durante a supervisão, para que se determine se a

ausência foi justificada ou não. Na maioria das vezes, a equipe sabe o motivo da falta,

seja pelo próprio paciente ou seu familiar. Quando não há justificativa, é marcada uma

visita domiciliar. Com a intensificação das visitas e o controle semanal da freqüência,

não há mais casos de perda de contato.

Em novembro de 1998, o CAPS apresentava 89 pacientes matriculados. Como

os contratos são muito variados, ainda não se conseguiu saber o número total de

pacientes que poderão ser atendidos. O que se sabe é que, devido ao espaço físico e ao

número de profissionais, o CAPS tem capacidade para atender 35 pacientes por turno.

Até o momento, nenhum paciente foi recusado por falta de vagas, mas, para evitar que

isto aconteça ou que se chegue a um número que comprometa a qualidade do

atendimento, está sendo feito um levantamento dos pacientes e uma reavaliação dos

contratos para que se conheça o número de pacientes de cada turno.

Além das oficinas e das visitas domiciliares, alguns pacientes podem ser

atendidos individualmente ou com a família. Há, também, o grupo de família, que vai

ser discutido mais adiante, e um passeio, realizado uma vez por mês.

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Todos os pacientes que chegam ao CAPS recebem um primeiro atendimento

denominado “acolhimento”. Neste atendimento se procura saber os motivos da consulta,

alguns dados do adoecimento e o endereço do paciente. Quando o paciente não mora na

área, não se encaixa no perfil de atendimento do CAPS ou deseja um outro tipo de

tratamento, como terapia individual, por exemplo, ele é encaminhado a outra instituição.

Conhecendo-se a carência de vagas para atendimento em Saúde Mental, os

encaminhamentos são feitos para as instituições em que foi feito um contato anterior e,

geralmente, o paciente é referido a um profissional específico. Solicita-se que o paciente

volte ao CAPS para dar um retorno do encaminhamento e, algumas vezes, a equipe

entra em contato com a direção da unidade, pedindo uma vaga. Para a Coordenadora,

esta é uma tentativa de humanizar o atendimento, evitando que o paciente saia

“peregrinando” em busca de tratamento. Embora não garanta a vaga, este procedimento

tem deixado os pacientes mais satisfeitos. (Almeida, 1998)

Quando a pessoa reside na área e apresenta o perfil para o tratamento, é marcada

uma triagem. Nela, é feita uma anamnese para aprofundar os dados sobre o paciente.

Caso as informações não fiquem muito claras, são marcadas outras entrevistas ou se

inicia a triagem em serviço, quando o paciente começa a freqüentar o CAPS,

participando de todas as oficinas. Dessa forma, fica mais fácil para a equipe conhecê-lo

e avaliar se ele poderá se beneficiar com o tratamento. Após este período de

experiência, que vai mostrar se ele vai aderir ao tratamento, o paciente é matriculado e é

feito o contrato. Cada paciente do CAPS apresenta um projeto ou contrato terapêutico

próprio, que é amplamente discutido pela equipe para que se encontre a melhor forma

de ajudá-lo. Ele é feito de acordo com a gravidade do caso e pode ser muito variado. Há

casos em que o contrato é diário, principalmente quando os pacientes estão em crise ou

precisam de um cuidado mais intensivo, mas há, também, contratos quinzenais ou

mesmo mensais. Há pacientes que não querem ir ao CAPS e, ainda assim, continuam

sendo acompanhados pelo serviço. Nestes casos, os contratos podem ser de visitas

domiciliares ou, também, participação do familiar no Grupo de Família.

A evolução do tratamento é permanentemente analisado e quando a equipe

percebe que a estratégia que vinha sendo utilizada já não está servindo, busca-se outra e

o projeto terapêutico do cliente é modificado.

Toda esta flexibilidade foi sendo adquirida com o tempo. Normalmente, mesmo

os serviços mais inovadores apresentam um modelo, uma forma de funcionar e são os

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pacientes que precisam se adequar a ele. No início do seu funcionamento, o CAPS não

era diferente. A equipe era mais rígida e procurava seguir as regras por ela criadas. Uma

delas, por exemplo, determinava que os pacientes deveriam comparecer ao CAPS nos

dias estabelecidos pelo contrato e teriam que participar das oficinas. A equipe foi

percebendo, no entanto, que alguns pacientes só compareciam ao CAPS quando

sentiam necessidade. Outros, por sua vez, preferiam não participar das oficinas. Dessa

maneira, as regras foram modificadas e hoje existe o contrato “vir quando puder” e foi

incluído a atividade de “convívio” quando o paciente não está nas oficinas.

Anteriormente, quando um paciente não aderia ao tratamento, a equipe afirmava

que ele não servia para o CAPS porque não havia se adaptado àquilo que o serviço tinha

para oferecer. Atualmente esta postura sofreu uma grande modificação e quando o

paciente não adere, a equipe se pergunta: “O que a gente tem a ver com isso?” Neste

sentido, procura perceber qual é a necessidade do cliente e, caso a estrutura do serviço

não se adapte a ele, tenta criar uma estratégia nova, específica para ele.

“Não é o cliente que não se adapta ao CAPS. Eventualmente, o CAPS não está se adaptando àquele cliente. Então, a gente vai tentar construir alguma modificação que possa ajudar a tratar aquele cliente.”(Roquette, 1998)

Com esta mudança, os pacientes que deixaram de comparecer ao CAPS

passaram a ser considerados um fracasso do serviço:

“Eles não sumiram porque são difíceis, porque são chatos, porque são graves. Sumiram porque o que a gente oferece não dá conta da demanda deles... Será que a gente pode conseguir se a gente mudar alguma coisa?” (Roquette, 1998)

Durante as supervisões, fica claro esta forma da equipe ver cada caso em sua

singularidade e propor estratégias também singulares. Estas estratégias, por sua vez,

são apontadas como possibilidades, como tentativas, sem nenhuma garantia de sucesso.

O dia a dia parece mostrar que não há respostas prontas, muito menos definitivas. Como

a equipe costuma dizer: o CAPS é um serviço em construção.

Como exemplo, podem ser mencionados alguns casos de pacientes com um

sofrimento intenso, um cotidiano empobrecido e uma pequena rede de relações, que

pedem para ser encaminhados ao ambulatório ou só comparecem ao CAPS uma vez por

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mês em busca da medicação. No início do funcionamento, a equipe teria atendido a sua

demanda e feito o encaminhamento. Hoje, ela vem procurando uma outra alternativa,

porque acredita que há algo mais a ser feito do que a medicação. A técnica reconhece

que esta é uma demanda da equipe e não do cliente mas espera que, atendendo ao seu

pedido de vir uma vez por semana para pegar a medicação, possa conhecê-lo melhor e

construir, com ele, uma outra demanda.

“Isso é uma coisa trabalhosa e que você não sabe no que vai dar. Eu posso investir demais nisso e não dar em nada. E achar que não tem problema, que isso não é um problema, que é uma tentativa válida.”(Roquette, 1998)

Como contraponto a estas situações, em que a equipe insiste no tratamento

porque percebe um intenso sofrimento nos pacientes, pode ser citado o caso de um

paciente que apresentava um comportamento fora dos padrões, mas que não lhe trazia

sofrimento, nem comprometia o seu cotidiano. Este paciente morava num sítio na Ilha

de Guaratiba, e, depois de uma briga com uma namorada, passou a apresentar o

pensamento desencadeado. Ele começou o tratamento no CAPS mas, pouco tempo

depois, abandonou e, por isso, recebeu uma visita domiciliar. Com a visita a equipe

pôde perceber que ele não demonstrava sofrimento, continuava fazendo suas atividades,

plantando, colhendo e trabalhando na feira. Sua família convivia com a sua diferença e

nunca o havia internado. Ainda assim, todos foram convidados a voltar ao CAPS para

conversar um pouco mais ou mesmo voltar ao tratamento. Ele não retornou, mas sua

mãe está freqüentando o Grupo de Família.

Este caso causou muita discussão durante a supervisão. Alguns técnicos

achavam que o tratamento poderia beneficiá-lo e, por isso, deveriam insistir para que

retornasse ao CAPS. Outros, por sua vez, questionavam se esta não era uma tentativa de

enquadrá-lo num padrão de normalidade. Como ele estava bem e não sentia necessidade

de tratamento, acreditavam que deveriam aceitá-lo desta forma e atender a mãe, já que

era ela quem parecia ter dificuldades com a situação do filho.

O CAPS apresenta, também, dois pacientes que, desde a primeira crise, só

receberam a internação como tratamento. Com isso, perderam os laços familiares e

sociais e têm o hospital como referência. A equipe tem procurado acompanhar suas

internações, numa tentativa de não perdê-los e de desconstruir esta demanda de

institucionalização.

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Esta flexibilidade, as diversas formas de contratos, as tentativas de se adequar à

demanda, se por um lado levam em consideração a complexidade da clientela,

atendendo às propostas da Reforma Psiquiátrica, por outro apontam para a questão dos

limites do CAPS. Como o serviço vai manter esse padrão de atendimento e toda essa

diversidade, caso haja um aumento do número de pacientes?

Segundo Roquette (1998), também não existe uma resposta pronta para isso,

mas, caso aconteça, a equipe tem “muita disposição” para “inventar” uma forma. Uma

das estratégias é a intensificação das visitas domiciliares que, recentemente, vem sendo

feitas, também, pelo grupo de família. Neste caso, as visitas são feitas quando um dos

participantes deixa de comparecer ao grupo sem dar notícias, quando um familiar está

com problemas em casa com um paciente ou por solicitação da equipe.

O projeto CAPS vem sofrendo uma série de críticas, principalmente dos grupos

favoráveis ao tratamento hospitalar.

Durante uma reunião do Conselho Distrital, um dos participantes acusou o

serviço de atender a um pequeno grupo de pacientes privilegiados, enquanto o

ambulatório do PAM, com apenas 2 psiquiatras, fazia 70 atendimentos por dia. Sem

questionar a qualidade do atendimento, sugeriu que os profissionais do CAPS fossem

remanejados para o PAM. Esta opinião, no entanto, não foi compartilhada pelo

Conselho, que, depois dessa reunião, foi ao PAM para obter mais informações e

solicitou a diminuição da quantidade de atendimentos para melhorar a qualidade.

A Coordenadora do CAPS concorda que os pacientes são privilegiados porque

recebem um atendimento de excelente qualidade, com profissionais qualificados e

interessados, boa comida e boas instalações. No entanto, o acesso ao serviço é universal,

pelo menos para os moradores da área. Como a intenção da Gerência de Saúde Mental é

criar pelo menos um CAPS em cada área de planejamento, este serviço estará disponível

a todos. (Almeida, 1998)

Embora seja acusado de atender a uma demanda light, muitos pacientes chegam

ao CAPS em crise ou apresentam uma crise durante o tratamento. Nestes casos, a equipe

se prepara para oferecer um cuidado mais intensivo, procurando, sempre que possível,

evitar a internação. O paciente tem sua medicação revista e, quando não está

conseguindo participar das oficinas, o profissional que está como pivô1 procura ficar

mais próximo dele.

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Em alguns momentos, no entanto, a equipe percebe que a internação é

necessária, principalmente quando a crise está colocando em risco a integridade física

do paciente. Há casos, também, em que é constatado o limite da própria família em

conviver com uma situação de crise. Num grupo de família, por exemplo, o pai de uma

paciente vinha tentando evitar a internação da filha, levando ao CAPS diariamente e

dando a medicação mas a situação já estava muito desgastante. A técnica afirmou,

então, que esta também era uma indicação para internação.

Nos casos de internação, a equipe entra em contato com o Hospital Manfredine,

na Colônia Juliano Moreira, com o Instituto Philippe Pinel ou com o Instituto de

Psiquiatria da UFRJ, onde já existe um intercâmbio que facilita o acompanhamento do

paciente pela equipe do CAPS durante a internação.

Os familiares costumam consultar a equipe antes de internar um paciente, mas,

quando isto não acontece e eles são levados para clínicas conveniadas, a equipe procura

evitar que a internação seja muito prolongada, entrando em contato com a clínica, com

os familiares e, em alguns casos, visitando o paciente na clínica.

Muitas vezes, a internação acaba sendo necessária porque os serviços de atenção

diária não funcionam de forma ininterrupta e alguns pacientes precisam permanecer no

tratamento durante a noite ou nos fins de semana. Como alternativa, vem sendo

apresentadas propostas de criação de leitos psiquiátricos em Hospitais Gerais da mesma

comunidade.

Em abril de 1998 foi realizada uma Reunião do Conselho Distrital, no Hospital

Estadual Rocha Faria, onde foi discutido o atendimento em Saúde Mental na área. Um

dos objetivos da reunião era solicitar à direção do Hospital que atendesse a

determinação legal que determina o funcionamento de dois leitos psiquiátricos na sua

emergência. O Diretor do Hospital não estava presente e, por isso, em agosto de1998,

foi realizada uma nova reunião, no CAPS, desta vez com a presença do Diretor. Na

reunião, a equipe apresentou o trabalho do CAPS, mostrando a necessidade de leitos no

Rocha Faria para que os pacientes não precisassem ser internados em hospitais

psiquiátricos. A idéia era ter 3 ou 4 leitos, funcionando como um local intermediário,

onde alguns pacientes poderiam passar a noite ou o fim de semana. O paciente iria com

a medicação prescrita pelo CAPS e, no dia seguinte, alguém de equipe iria buscá-lo. O

Diretor aceitou a proposta e solicitou que o CAPS continuasse ajudando nos casos em

que o Hospital recebe um paciente com problemas psiquiátricos.

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Além disso, não existem serviços como Lares Abrigados, que possam receber

pacientes com problemas familiares. Como exemplo da falta que serviços deste tipo

fazem numa rede de atenção psicossocial, pode ser citada uma situação ocorrida durante

a observação participante. Um paciente do CAPS, com algumas internações anteriores e

que mora com a mãe e o padrasto traficante, apresenta uma relação bastante conflituosa

com sua família. Durante uma briga com a mãe, o paciente foi ameaçado de morte pelos

rapazes da vizinhança, que trabalham no tráfico de drogas com o seu padrasto. O

paciente foi ao CAPS e estava muito nervoso, ameaçando quebrar tudo e agredir uma

técnica. Ele estava consciente da situação e tinha medo de voltar para casa. Dessa

forma, tentava forçar a internação agindo de forma agressiva. A técnica entrou em

contato com a mãe, que queria que o filho fosse internado e que o CAPS tomasse as

providências para isto. Como ela não queria assumir nenhuma responsabilidade, a

técnica falou com o padrasto, que também não quis ajudar. Os dois foram informados

que não havia indicação clínica para internação. Outra opção foi o avô do paciente, que

morava muito distante e não podia ficar com ele. Dessa forma, a mãe foi contatada

novamente pela técnica, que garantiu que ele estava mais calmo. Após a mãe aceitar

recebê-lo, a técnica o acompanhou até em casa mas, apesar de todo o esforço, o paciente

foi internado dias depois.

Como já foi dito anteriormente, o IFB pretende construir um sistema de

informação que possa ser utilizado por todos os CAPS da rede municipal. Para isso, foi

elaborado um sistema de registro, que deve ser preenchido diariamente. Os dados são

analisados semanalmente pela supervisora, permitindo a avaliação do desempenho do

serviço e a orientação da equipe quanto aos pacientes que estão faltando, por exemplo.

O registro, no entanto, muitas vezes é feito de forma incorreta, com códigos inexistentes

e informações desencontradas, o que dificultava a análise. A dificuldade em registrar

pode significar a não compreensão dos profissionais de saúde que trabalham na

assistência com relação a importância de um sistema de informações. O registro parece

ser percebido como um procedimento burocrático para prestação de contas do trabalho,

representando quantitativamente o que deveria ser qualitativo.

De acordo com os dados referentes ao ano de 1997, apresentados no Relatório

Técnico referente ao convênio, 832 pessoas foram atendidas durante este ano, sendo

que 69 foram matriculadas, tornando-se clientes de atendimento intensivo. Dos 69

pacientes matriculados, 51, ou seja, 75% apresentou uma freqüência regular ao serviço.

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Com relação ou número de internações anteriores, considerando-se os pacientes

com freqüência regular, apenas 33% não tinha história de internação, indicando que sua

clientela é constituída, basicamente, por pessoas com uma ou mais passagens por

hospitais psiquiátricos.

Tabela 03 – CAPS Pedro Pellegrino – N.º de internações anteriores à entrada no serviço de janeiro a maio de 1997

Nº de internações

Anteriores à entrada no

CAPS

Nº %

Nenhuma 17 33,3

1 – 2 11 21,6

3 – 4 3 5,9

5 – 6 4 7,8

7 – 8 2 3,9

9 – 10 5 9,8

11 – 12 - -

12 – 13 - -

Várias 9 17,7

Informação ignorada - -

Total 51 100 Fonte: IFB, 1998. Implantação de Serviços Municipais de Atenção Psicossocial nas Regiões de Campo

Grande e Santa Cruz. Rio de Janeiro

Dos usuários com freqüência regular, 82,3% não precisou de internação após a

entrada no CAPS. Dos 9 pacientes que foram internados durante o tratamento no CAPS,

5 tinham de 10 a 20 internações anteriores.

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Tabela 04 - CAPS Pedro Pellegrino – N.º de Internações após a entrada no serviço de jan. a maio/97. Nº de Internações após a entrada no CAPS

Nº %

0 42 82,3 1 6 11,8 2 2 3,9 3 1 2 Total 51 100 Fonte: IFB, 1998. Implantação de Serviços Municipais de Atenção Psicossocial nas Regiões de Campo Grande e Santa Cruz. Rio de Janeiro Tabela 05 - CAPS Pedro Pellegrino – Perfil dos clientes que freqüentam o serviço e foram internados durante o acompanhamento.

Nº do Prontuário

Sexo Idade Nº de intern.

anteriores

Nº de intern. após a entrada

Duração do acompanha

mento

CID

6086/97 M 20 1 1 1 mês 295.3 0603/97 M 23 + 20 3 10 meses 295.3 0600/97 M 45 2 2 10 meses 295.3 0604/97 M 35 + 10 2 10 meses 298.9.0 0607/97 M 19 + 10 1 10 meses 295.3 2977/97 F 27 + 10 1 8 meses 295.99 2989/97 M 48 20 1 6 meses 295.99 2999/97 M 23 1 1 4 meses 298.9 6087/97 F 33 0 1 1 mês 298.9 Fonte: IFB, 1998. Implantação de Serviços Municipais de Atenção Psicossocial nas Regiões de Campo Grande e Santa Cruz. Rio de Janeiro

De acordo com estes dados, mesmo atendendo pacientes graves, com muitas

internações anteriores, o CAPS vem conseguindo uma modificação na idéia de que

crise é sinônimo de internação.

O trabalho do CAPS Pedro Pellegrino vem sendo possível por uma série de

conjunturas: a estrutura material fornecida pelo município, a supervisão técnica do IFB

e, principalmente, pela equipe que, mais do que conhecimento teórico, técnico ou do

que experiência profissional, apresenta uma disponibilidade interna de refletir sobre o

trabalho que está sendo feito, para melhorar sempre. (Roquette, 1998)

Uma das principais preocupações da equipe é que um novo prefeito decida que o

projeto CAPS não é prioridade e coloque um fim em todo o trabalho que vem sendo

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construído. Dessa forma, a manutenção do CAPS é uma responsabilidade da própria

equipe, que não só deve insistir na importância deste trabalho junto a Secretaria

Municipal de Saúde como, também, deve procurar integrar a comunidade para que esta

defenda o serviço caso seja necessário. (Roquette, 1998)

Um dos caminhos para esta integração tem sido as festas, almoços, chás, etc,

com venda de ingressos convidando a comunidade a conhecer o serviço. O grupo de

família também tem contribuído neste sentido, porque para resolver alguns dos

problemas que surgem no CAPS, é preciso implicar os vizinhos, os parentes e os

recursos do bairro onde moram. Outra forma é o intercâmbio com outras instituições da

área para solicitar utensílios para o CAPS. Nestes casos, a equipe apresenta o serviço e

convida as pessoas para conhecer o trabalho.

Além da defesa do projeto, a aproximação com a comunidade pode contribuir

para uma nova forma de lidar com o doente mental. Como a questão da diferença não é

discutida nem na escola, nem na família, nem nos meios de comunicação, as pessoas

não aprendem a lidar com ela. O que se aprende é que o doente mental é perigoso e

deve ser excluído. Dessa forma, a integração do CAPS com a comunidade pode levar a

uma mudança cultural das pessoas com relação ao doente mental.

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Os Profissionais

Para que um serviço como o CAPS possa garantir uma assistência de qualidade,

cumprindo sua proposta de rompimento com um modelo manicomial, vários cuidados

devem ser tomados. O primeiro deles é o questionamento constante do trabalho e das

relações que estão sendo estabelecidas, para que não se reproduza o modelo que se quer

substituir. Além disso, a comunidade e os familiares devem ser convidados a conhecer o

trabalho e a participar do tratamento, para que se construa uma nova forma de lidar com

a loucura.

Para que isto seja possível é preciso que a equipe que vai trabalhar nestas

unidades esteja preparada para assumir um papel bastante diferente do modelo clássico,

onde predominavam o distanciamento e as relações de poder entre técnicos e pacientes.

A montagem da equipe é uma das preocupações mencionadas pela Gerência de

Saúde Mental, e deve ser constituída por “por um conjunto de pessoas com afinidades

entre si, com a firme convicção em um projeto comum de tratamento”. (Fagundes &

Libério, 1997, 34).

Esta preocupação da Gerência parece ter sido atendida apenas num ponto. Todos

os profissionais do município que optaram pelo CAPS fizeram esta escolha por se tratar

de uma proposta diferente, embora alguns não tivessem um conhecimento muito claro

do que era este serviço. Como disse um deles: “Ouvi o galo cantar mas não sabia muito

bem onde.”

A adesão ao modelo superou a questão da distância e mesmo as compensações

salariais, já que todos afirmaram não ter conhecimento prévio da alta produtividade da

Zona Oeste. Como exemplo deste grau de adesão, as duas psicólogas municipais que

trabalham no CAPS obtiveram o primeiro e o quarto lugar no concurso.

A equipe é composta por 4 psiquiatras, 4 psicólogos, 3 terapeutas ocupacionais,

1 enfermeiras, que é a Coordenadora, um oficineiro, um nutricionista, a administradora

e 6 funcionários que trabalham na copa.

Analisando-se o perfil dos profissionais, verifica-se que todos apresentam pelo

menos um curso de especialização. Este é um dado interessante porque poderia se

esperar que os contratados pelo IFB fossem mais qualificados, já que sua seleção foi

baseada na análise de curriculum e entrevista, o que pressupõe alguns requisitos que não

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são necessários para o município, como cursos de pós graduação e experiência

profissional.

Quadro 01 – O Perfil dos Profissionais do CAPS Campo Grande.

MUNICÍPIO IFB Psicólogo Psicólogo 26 29

PROFISSÃO IDADE CURSOS Especialização em Psiquiatria

Social Especialização em Psiquiatria Social

Psicólogo Psicólogo 30 27

PROFISSÃO IDADE CURSOS Residência em Saúde Mental,

Especialização em Terapia Familiar

Residência em Saúde Mental

Psiquiatra Psiquiatra 36 30

PROFISSÃO IDADE CURSOS Especialização em Psiquiatria

Clínica Residência em Psiquiatria

PROFISSÃO IDADE CURSOS

Psiquiatra Psiquiatra Residência em Saúde Mental

Terapeuta Ocupacional Terapeuta Ocupacional 36 31

PROFISSÃO IDADE CURSOS Psiquiatria Social, Residência em

Psiquiatria e Curso de Metodologia de Pesquisa em Saúde Mental

Curso de Terapia Ocupacional em Psiquiatria

Terapeuta Ocupacional 44

PROFISSÃO IDADE CURSOS

Especialização em Docência Superior

PROFISSÃO IDADE CURSOS

Enfermeira Especialização em Saúde Pública

PROFISSÃO IDADE CURSOS

Nutricionista

Obs.: Não foi possível colher as informações de alguns dos profissionais, indicando-se apenas as informações disponíveis.

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O desejo de trabalhar num serviço alternativo parece ter sido a única afinidade

da equipe, já que poucos se conheciam. Este pouco contato antes do início do

funcionamento do CAPS é bastante criticado pelos profissionais, que comparam a sua

relação com um casamento em que as etapas foram invertidas. Para eles, em vez de

namorar, noivar e casar, eles casaram para depois namorar. Isto trouxe alguns

problemas, principalmente quando começaram a surgir as primeiras reivindicações,

ligadas as diferenças nos regimes dos contratos dos profissionais.

Os profissionais do IFB recebem um salário bruto de, aproximadamente,

R$1200,00, enquanto o salário dos funcionários municipais não chega a R$ 500,00. O

Município oferece um acréscimo no salário, correspondente a um percentual calculado

de acordo com a produção de serviços, denominado “produtividade”. Este percentual

depende da produção mensal de cada Unidade e, por isso, varia mês a mês. Como a

Zona Oeste apresentam uma alta produtividade, que atualmente fica em torno de

R$500,00 a R$600,00, a diferença entre os salários diminui bastante. No entanto, como

a produtividade não é um salário direto, não é oferecida nas férias ou no décimo terceiro

e pode ser retirado por decisão da Secretaria.

Tanto o IFB quanto o município acreditam que a diferença salarial não é tão

grande e que, além disso, os funcionários do município apresentam uma série de

vantagens que os funcionários celetistas não apresentam, como a estabilidade, licença

prêmio e licença para aleitamento materno. Embora os funcionários do IFB tenham

todos os direitos garantidos pela CLT, não têm estabilidade porque o seu contrato

depende do convênio com o Município, que não apresenta garantia de renovação. Dessa

forma, para se discutir isonomia salarial teria que se incluir estas outras vantagens, que

são difíceis de quantificar.

Embora as discussões por causa desta diferença salarial tenham sido muito mais

freqüentes no início do trabalho, esta questão ainda não está superada. Como exemplo,

pode ser citada uma situação que ocorreu durante o período de observação participante.

Durante uma supervisão, uma técnica do IFB disse que não achava justo a imposição da

presença dos funcionários do IFB nas campanhas de vacinação. A Coordenadora

afirmou que foi uma imposição do IFB, já que formam uma equipe e a presença dos

funcionários municipais é obrigatória. Neste momento, uma técnica do município disse

que as pessoas só reconheciam as diferenças quando se sentiam prejudicadas e que,

dessa forma, não havia apoio para resolver alguns problemas. No início, ela era a única

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a reclamar da diferença salarial. Alguns técnicos responderam que as diferenças

existem, mas não incomodam. No início eles não formavam uma equipe, mas sim um

grupo e por isso era mais difícil se solidarizar com os problemas dos outros.

Atualmente, com a maior integração, as diferenças podem ser conversadas entre a

equipe, e, dessa forma, flexibilizadas, como aconteceu na decisão de conceder licença

para aleitamento à psiquiatra do IFB. Ela teve um filho e, após os quatro meses de

licença maternidade garantidos pela CLT, solicitou mais alguns meses para continuar o

aleitamento. Este é um direito do funcionalismo municipal, mas o IFB deixou que a

questão fosse resolvida pela equipe do CAPS, que aceitou o seu pedido. Para a técnica,

este é um exemplo de que a flexibilidade só ocorre para os funcionários do IFB. Quando

ela reclama da diferença salarial, tanto o município quanto o IFB afirmam que esta

questão não tem solução, porque são legislações diferentes e que os funcionários do

município apresentam vantagens que os funcionários celetistas não apresentam. No

entanto, as vantagens do funcionalismo público estão sendo estendidas aos funcionários

do IFB, enquanto os funcionários municipais têm que obedecer a todas as regras

municipais, que são muito rígidas. Um outro exemplo acontece com os descontos por

atraso, que são perdoados pelo IFB, o que não acontece com os funcionários do

município.

No CAPS Santa Cruz, há uma outra diferença entre os profissionais, referente a

carga horária. Existe um acordo entre os profissionais do município que trabalham em

Santa Cruz de só comparecerem ao trabalho duas vezes na semana, devido a distância.

Com isso, os profissionais do IFB, que são contratados para cumprir uma carga horária

de 20 horas semanais, ou seja, dois dias inteiros e um turno, reclamam de ter que ir um

dia a mais do que os profissionais do município, já que formam uma equipe. Para o IFB,

a redução da carga horária é inviável, pela própria proposta do serviço de atenção diária,

que exige uma maior participação dos profissionais. Por outro lado, se o IFB aceitasse

reduzir a carga horária dos profissionais de Santa Cruz, os profissionais de Campo

Grande iriam se sentir prejudicados.

Embora a questão das diferenças não esteja superada, ela não representa uma

cisão na equipe, nem parece interferir no andamento do trabalho. Provavelmente, os

pacientes ou as pessoas que visitam o CAPS sem saber que os profissionais tem dois

tipos de contrato não percebem diferenças. Para quem sabe, não é possível identificar

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quem é do município e quem é do IFB porque os profissionais têm as mesmas

atribuições e se comportam da mesma forma.

A idéia de contratar profissionais via IFB segue a tendência de redução dos

encargos proposta pela Reforma do Estado. No entanto, esta proposta recebe muitas

críticas, principalmente quando se trata de categorias presentes nos quadros do

município. Contra a morosidade na reposição de pessoal em casos de desistência, um

dos motivos alegados para a contratação, acredita-se que há possibilidades de agilizar

este processo. Além disso, muitos profissionais que fizeram o concurso público e

obtiveram uma classificação que não lhes permitiu a convocação estão trabalhando no

CAPS via IFB, enquanto outros com melhor classificação estão esperando a abertura de

novas vagas.

Outra questão criticada é a falta de divulgação do processo de seleção feito pelo

IFB. Algumas pessoas que tinham contato com as instituições em que o processo foi

divulgado, como o IPP, onde fica sediada esta ONG, não tomaram conhecimento, o que

levantou a hipótese de contratação de amigos.

Convivendo com os Pacientes: As Famílias e a Opção por Não

Internar.2

Como já foi apontado anteriormente, uma das tendências encontradas no setor

saúde na última década é o surgimento de propostas de transformação da assistência dos

grupos marginalizados e estigmatizados, como os doentes mentais. Estas propostas se

configuram como um rompimento com uma tradição institucionalizante, segregadora e

cronificante dentro da medicina e da psiquiatria, que contribuiu para que a loucura fosse

associada às noções de periculosidade, irresponsabilidade, desrazão e ausência de obra.

Além disso, esta tradição “teve como correlata a exclusão dos loucos do espaço

familiar, de forma que a instituição psiquiátrica e o Estado passaram a definir os

destinos sociais dos doentes mentais no lugar da instituição familiar.” (Birman, 1992,

pg. 81)

As antigas respostas de asilamento, que retiravam os pacientes do convívio

social e familiar estão sendo substituídas por outras formas de tratamento não

segregadoras. Esta tendência aponta para a necessidade de uma transformação social e

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cultural, no sentido da criação de possibilidades de convivência com os doentes mentais.

A própria organização dos novos serviços voltados para a

desisnstitucionalização/desconstrução, favorece o efeito transformador do imaginário

social.

“É no lidar cotidiano com as pessoas e familiares de problemas mentais que, superando as formas anteriores de tratamento e assistência (internação em hospícios, isolamento, invalidação e mortificação), e exercitando novas formas de cuidado e acolhimento, centradas em novas escutas, em novas formas de convívio, em novas formas de ação terapêutica, que as mudanças são maiores.” (Amarante, 1997, 176)

Nos novos serviços, o primeiro grupo social envolvido é a família, que passa a

ser chamada a participar concretamente do projeto terapêutico. Em alguns casos, é

necessário conduzir o paciente diariamente ao serviço, conversar com a equipe, ficar

responsável pela administração da medicação e, sobretudo, estar disposto a conviver

com uma pessoa que apresenta uma forma de existência estranha aos princípios da razão

iluminista, com comportamentos fora dos padrões, com momentos de crise, sofrimento

e dificuldade de relacionamento. Dessa forma, os familiares também precisam de um

espaço de acolhimento, onde possam falar das dificuldades que encontram com esta

convivência.

No CAPS de Campo Grande, o grupo de família surgiu a partir da percepção

desta necessidade de acolhimento para os familiares. Além disso, alguns pacientes

traziam questões sobre o relacionamento em casa, pedindo que os técnicos

conversassem com seus familiares. Duas técnicas, uma psicóloga, com especialização

em terapia de casal e família e uma psiquiatra se dispuseram a coordená-lo.

No grupo, os familiares tem a oportunidade de conversar sobre suas dúvidas,

angústias e temores. A partir do relato de um familiar, os outros vão percebendo que,

apesar das singularidades, todos passam pelas mesmas dificuldades e isso tem ajudado a

entender o comportamento dos pacientes.

Certa vez, uma mãe estava relatando sua dificuldade em lidar com o delírio da

filha, que acreditava estar sendo vigiada o tempo todo e que os atores da televisão

falavam com ela. A outra mãe ficou surpresa, porque sua filha apresentava os mesmos

sintomas e ela não conseguia entender nem imaginava que outras pessoas passassem

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pela mesma situação. Muitas vezes busca-se esclarecer aos familiares o sofrimento

vivido pelos pacientes, que experimentam uma realidade que para as outras pessoas é

irreal. Parece que a partir do grupo, surge uma sensação de “estar no mesmo barco”, que

possibilita redimensionar seus problemas e aprender a lidar melhor com a experiência

vivida pelo paciente.

“O grupo me ajudou muito e tem mais uma coisa. Eu aconselho a todos os que vêm a mim que procurem o CAPS. Porque depois que eu entrei no CAPS eu me senti mais suavizado, mais tranqüilo. Gostei muito do CAPS. Não sei se todos os CAPS mas o CAPS Pedro Pellegrino aqui, que é o que eu conheço, estou muito satisfeito com ele.” (Sr. A, pai de um paciente)

O relato desta mãe exemplifica a dificuldade em aceitar o estado do paciente e a

ajuda do grupo.

“Meu filho tem depressão e o problema dele não é assim tão evidente quanto o da maioria dos clientes do CAPS e, então, em casa há muita dificuldade das pessoas entenderem como doença. Entendem como preguiça, como indolência. Eu mesma como mãe demorei muito para entender, aceitar, assumir isso como doença e ainda preciso aprender muito. A reunião com os pais, com os familiares, me ajuda muito porque eu vejo outras mães, cada uma contando a sua experiência com o seu filho, né? Vão contando certos detalhes que a gente em casa fica lembrando: o meu também faz isso. Faz um pouco, não é tanto, mas é a mesma coisa, eu tenho que entender que é a mesma coisa.” (Sr.ª B, mãe de um paciente)

Além da troca de experiências, os familiares participam dos problemas do

CAPS, buscando soluções para enfrentá-los. Esta participação dos familiares teve início

quando a equipe percebeu que havia alguns problemas que não poderiam esperar por

uma resposta da SMS. O primeiro deles foi o da alimentação dos pacientes, já que não

havia cozinha, nem mantimentos. Alguns pacientes tinham condições de levar marmita

mas outros não. Neste caso, fazia-se uma vaquinha e comprava-se legumes para sopa. A

equipe começou a dividir estes problemas do cotidiano com o Grupo de Família, que

começou a se organizar em busca de soluções. No caso da alimentação, o grupo de

família organizou uma “campanha do quilo” e passou a levar mantimentos ao CAPS.

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100

A partir das dificuldades levadas pela equipe, os familiares começaram a se

organizar e a contribuir, surgindo a idéia de fazer uma associação de familiares e

amigos do CAPS. Foram estudados os estatutos das associações já existentes mas o

grupo não se interessou em formalizar a associação. Dessa forma, a associação do

CAPS Pedro Pellegrino existe de fato mas não de direito, já que não existe sede nem

estatuto que o regulamente.

“O que a gente chama hoje de associação é um outro momento do Grupo de Família, que a gente agora divide o grupo de família em dois momentos. Antes era o espaço de discussão das dificuldades que eles enfrentavam no relacionamento cotidiano com o seu familiar que se trata no CAPS. Agora não, agora o Grupo de Família tem esse momento (...) e tem um segundo momento para discutir a associação. A associação foi surgindo no Grupo de Família na medida em que foram surgindo os problemas de funcionamento da casa, do CAPS, e que a gente começou a colocar o Grupo de Família a par desses problemas. Na medida em que eles começaram a intervir, a dar sugestões, a fazer proposta de solução, eles acabaram formando isso que a gente chama de associação. Mas não tem sede própria, não tem nenhum estatuto registrado em cartório. É uma associação, assim, virtual. Ela é virtual na formalidade mas ela é efetiva no funcionamento.” (Roquette, 1999)

Um outro problema levado ao grupo pela equipe foi a questão de alguns

pacientes que deixaram de freqüentar o CAPS por falta de dinheiro para a passagem. O

grupo deu a idéia de fazer uma festa cobrando ingresso para a compra de vale-

transporte. Agora, a compra e distribuição dos vales é um dos assuntos da associação

que formulou uma série de normas para orientar sua distribuição de acordo com o

projeto terapêutico de cada paciente e com o seu estado clínico. Com o objetivo de ter

uma quantia em caixa para qualquer eventualidade, o grupo confeccionou carnês para

pagamento mensal e tem organizado festas, almoços e chás, todos com venda de

convites. Estas festas proporcionam, também, o contato com a comunidade, que passa a

conhecer o serviço e a descobrir uma outra forma de lidar com a doença mental.

Uma das representantes dos familiares está sempre pensando em coisas novas

para a associação como forma de agradecer ao que recebe no CAPS:

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“Eu não tenho nem como agradecer, não tenho como agradecer. As vezes as pessoas falam para mim assim: “que tanto você vive correndo, e vai não sei a onde, e compra vale, e faz não sei o que?” É o mínimo que eu posso fazer pelo CAPS, o mínimo, porque eu tenho muito que agradecer a todos, todos.” (Sr.ª C, irmã de um paciente)

Outra idéia surgida no grupo foi a de visitar os familiares que estivessem

faltando ao grupo ou os pacientes com dificuldades de freqüentar o tratamento, seja a

pedido da equipe, seja a pedido do familiar.

Recentemente o grupo decidiu auxiliar num caso que há tempos preocupava a

equipe. Uma paciente do CAPS deixou de comparecer ao tratamento, não se cuidava,

quase não se alimentava e não queria mais sair de casa. A equipe tentou fazer visitas

domiciliares mas a casa ficava num morro tão íngreme que impedia o acesso. Os

familiares conseguiram alugar uma casa em outro local, mas estavam com dificuldades

para comprar alimentos e consertar a caixa d’água. O problema foi levado ao grupo e foi

decidido pegar o dinheiro em caixa para comprar uma cesta básica e auxiliar no

conserto da caixa.

O grupo tem se mostrado um excelente apoio aos familiares e contribuído para

uma mudança na concepção da loucura e do tratamento. As entrevistas e a observação

participante nas reuniões revelaram algumas das dificuldades enfrentadas pelos

familiares e suas expectativas quanto ao tratamento.

“Então eu acho que a reunião, a reunião o que é? É eu conversar com você. Então eu vou para casa, eu conversei com ela, ela tá com problema, e tal. Aí você passa aquele sufoco em casa, aí fica pensando na coisa pior que o outro está passando. Aí chega a outra semana, aí você vem novamente à reunião, aí você escuta a outra falar, aí, a gente vai nisso eu não sei até quando, eu não sei até quando. Ajuda mas é um paliativo. É a mesma coisa, Deus queira me perdoar, você vai na igreja, aí chega, seja um pastor, seja um padre, aí diz, isso e isso. Na hora, você sente aquele alívio agora, quando chega em casa, é aquele negócio, vinte e quatro horas convivendo com aquilo é que é o problema. Então, é isso que nós passamos, é isso que nós passamos. E eu não desejo para ninguém. É muito triste. (...) Eu parei no mundo. Eu parei. Estou aposentado, me aposentei obrigado, quer dizer, dinheiro de aposentadoria não dá para nada. Não posso fazer um biscate, não tenho como sair de casa. Você sabe o que é ir ficando atrofiado, ir ficando. Quer

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dizer, como vou deixar minha mulher sozinha com ela e com uma criança? Não vou.” (Sr.º D, pai de uma paciente)

Existem momentos em que os familiares não sabem o que fazer diante do

comportamento dos pacientes, como mostra esta entrevista:

“Muitas vezes a gente tem que atender a um adulto esquizofrênico como se atende a uma criança. (...) O adulto com aquela esquizofrenia tem expressões de criança e as vezes arranja certas frases que a gente nem esperava existir na mente deles. As vezes elogiando, as vezes condenando a gente e quando a gente é mais íntimo parece que ele mais tem ódio e descarrega naquele que mais gosta. E ele as vezes diz que a mãe é o que eu nunca pensei dele falar, entendeu? Fala também que eu sou. Mas aquilo a gente tem que fazer de conta que não escutou, né? Porque se levar a mal, aí vem o atrito. E as vezes a gente simplesmente pede para ele não fazer uma coisa ele diz que a gente está brigando, por um mínimo que a gente peça.” (Sr.º A, pai de um paciente)

A irmã de um paciente revelou estar ficando assustada com o seu

comportamento diante dele. Sempre que ele se aproxima com agressividade ela finge

estar maluca, imitando o comportamento dele ou fazendo coisas estranhas, como se

debater no chão ou dormir com uma calcinha na cabeça, por exemplo.

“Quando eu percebo que ele vem, eu fico fazendo gesto de tererê, como se eu tivesse ficando maluca. Aí ele pára, ele olha. Quer dizer, eu não sei se isso é normal da minha parte. Eu vou acabar procurando um psiquiatra.” (Sr.ª E, irmã de um paciente)

No entanto, mesmo diante de toda a dificuldade, os familiares parecem só

recorrer à internação em último caso. Quando esse assunto é comentado, pode-se

verificar uma certa confusão de sentimentos. Ao mesmo tempo em que a internação é

apontada como uma alternativa desejada nos momentos mais difíceis, os familiares

acabam por recusá-la. Para discutir esse assunto, pode ser tomado como exemplo uma

discussão ocorrida durante uma reunião do grupo.

Duas famílias foram ao CAPS pedir a internação das pacientes, que estavam em

crise. Uma das pacientes, que estava com marcas nos braços e com um corte na boca,

dizia que seu pai tinha lhe dado um soco e que queria ser internada porque não

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agüentava sua família. Sua tia disse que ela havia quebrado tudo em casa e estava se

batendo, causando as marcas nos braços. A mãe da outra paciente também pedia a

internação porque a filha estava saindo sem dizer para onde. Na noite de ano novo foi

parar numa praça e dois homens tentaram violentá-la. Ela foi salva por soldados que

ouviram seus gritos e correram para socorrê-la. Numa destas saídas, só não foi

atropelada porque o motorista desviou, subindo a calçada que, por sorte, estava vazia.

No primeiro caso a paciente foi internada mas, no segundo, a médica pediu que a

família a mantivesse em casa porque, como era muito ingênua, uma internação seria

muito difícil para ela. Sua medicação foi aumentada e passou a comparecer ao CAPS

todos os dias. Na reunião da semana seguinte, a mãe desta paciente retornou ao grupo

dizendo que não tinha entendido porque a outra paciente foi internada e sua filha não, já

que estava colocando sua vida em risco.

A coordenadora do grupo afirmou que, quando o familiar não entende ou não

concorda com a atitude do médico, deve deixar isso claro. Além disso, ela poderia ter

internado a filha, a revelia da equipe. A mãe se queixou da dificuldade de levá-la a um

hospital por meios próprios, mas a coordenadora lembrou que ela já tinha feito isso

antes. A irmã de um paciente perguntou se não seria mais difícil internar um paciente

sem o encaminhamento do médico responsável. Temiam, também que o paciente

fingisse estar bem e que o médico não concordasse com a internação. A partir dessas

perguntas, a coordenadora afirmou que a decisão de internar é sempre muito difícil e

que os médicos levam em consideração uma série de fatores, entre eles, a história da

família. Uma das indicações de internação era a dificuldade da família em lidar com o

paciente em casa. Já houve casos, no entanto, em que a equipe recomendou a internação

e a família não aceitou, dizendo que preferia agüentar o paciente em casa. O grupo

passou a discutir a situação e, durante a discussão, ficava clara a confusão de

sentimentos. Alguns achavam que ela deveria ter insistido para interná-la, outros

tentavam justificar a atitude da médica, afirmando que a crise poderia ser curta e, dessa

forma, a internação não seria necessária. Para a irmã de outro paciente, a internação era

uma coisa muito sofrida. Seu irmão já tinha passado por várias internações, em distintos

hospitais e, em todos eles, a situação dos pacientes era horrível. Segundo ela, eles

ficavam jogados e alguns chegavam a comer dejetos. A mãe de um paciente, por sua

vez, disse que havia bons hospitais e defendeu a internação em alguns casos.

As entrevistas também revelaram a opinião dos familiares sobre a internação.

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“Eu nunca achei bom a internação. Para a gente, pai e mãe, dá um alívio, assim, pelo menos você vai dormir, você deita, você dormiu mas você tá pensando que ela tá lá internada. Então é um sono diferente mas, viver, você continua vivendo naquilo. Agora, você não está convivendo aquilo todo o dia, vendo aquilo todo o dia. Agora, realmente, que a internação é triste, é triste.” (Sr.º D, pai de uma paciente)

Segundo a mãe de um paciente, na época em que seu filho estava internado, dois

pacientes morreram na mesma clínica. Para protegê-lo, ela pagava outros pacientes para

cuidar dele, até que resolveu tirá-lo da clínica antes da alta.

“Eu tirei ele da Raimundo Nonato. Tirei ele com crise e tudo, trouxe ele para casa porque ele só ficava dopado. (...) Eu prefiro ele em casa, mesmo atacado, assim, conforme ele está, do que internar. Prefiro meu filho dentro de casa, comigo. Eu não gostei da internação não. É horrível, horrível, horrível. Você chega lá e vê gente pior do que você.” (Sr.ª F, mãe de um paciente)

A irmã de um paciente relatou que, a primeira vez que ele entrou em crise, ela

fez de tudo para não interná-lo, até que ele a agrediu com muita violência e seu marido

exigiu a internação. Ela não gostava do tratamento oferecido pela clínica e achava que

se ele continuasse lá, nunca melhoraria. Assim que ficou sabendo do CAPS, foi até lá

conversar com a equipe e retirou o irmão da internação imediatamente.

“Eu fiquei tão apaixonada por isso aqui, devido a minha vivência

dentro de um Raimundo Nonato por vinte e quatro dias, eu achei isso

aqui o céu, tá entendendo? Eu falei: “não vou deixar o L. mais lá

não”. Saí daqui, fui lá, falei com o médico dele. “Você tá é doida de

tirar seu irmão e colocar no CAPS. O CAPS é um slogan: doido”.

Assim mesmo que ele falou comigo! “Nunca mais na vida dele ele vai

ter uma vida normal.” Você vê se tem cabimento? Eu fiquei! Eu

disse: “ olha, o senhor não está falando com nenhuma boba,

nenhuma leiga não. Eu já estive no CAPS e vi o trabalho deles lá. Eu

estou aqui há vinte e cinco dias. Me dá o termo de responsabilidade

que eu vou levar o L. daqui agora.” (Sr.ª C, irmã de um paciente)

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A irmã de um paciente disse que seria ótimo interná-lo, porque ela teria paz, mas

não o faz porque a internação não vai trazer nenhum benefício para ele. Seu relato

mostra que os familiares não têm ilusões quanto à proposta terapêutica da internação,

principalmente em hospitais públicos, revelando a crença de que um serviço privado

poderia oferecer um tratamento melhor. Ela mostra, também, que os familiares acabam

se acostumando com a situação dos hospitais e passam a não sentir pelos outros

pacientes.

“Se o M. for internado eles não vão sentar com o meu irmão para conversar com ele. Interná-lo seria se, eu chegasse lá e encontrasse o M. como se tivesse fazendo uma terapia, sentado com alguns médicos. (...) Interná-lo seria bom até, se nós tivéssemos condições de pagar uma clínica particular para terapia. Internar para se ver livre dele eu não acho necessário. Deu para você entender porque eu não forço a barra de internar? Porque internar para ele ficar largado lá no hospital do Estado, jogado feito bicho, que fica, que eu sei que fica porque eu estou acostumada a ver essas coisas. Consegui me acostumar. Hoje eu posso chegar em qualquer hospital que e posso ver o que for que eu não estou nem aí, sabe? Eu não vou chorar, não vou sentir.” (Sr.ª E, irmã de um paciente)

Uma outra questão importante surgida no grupo foi a expectativa dos pais

quanto a recuperação dos pacientes. Segundo um pai, alguns pacientes tiveram uma

melhora no início do tratamento mas, com o passar do tempo, pareciam estar da mesma

forma. A partir da sua fala, a médica perguntou ao grupo o que era melhorar e

perguntou a mãe de um paciente citado como exemplo, sua opinião sobre o que foi

falado. A mãe não concordava pois, segundo ela, seu filho estava muito melhor e nunca

mais tinha entrado em crise. Os familiares começaram a falar, então, de como seus

pacientes tinham melhorado depois que iniciaram o tratamento no CAPS. Diziam que

antes os filhos não saíam de casa, apresentavam várias crises e precisavam ser

internados, não trabalhavam nem ajudavam nas tarefas domésticas, entre outras coisas.

As entrevistas também revelaram que os familiares perceberam a melhora dos pacientes.

“Ele começou a se tratar aqui e está muito bem, graças a Deus. Ele hoje em dia sai, vai para o cinema, passeia, está tudo muito bom. Eu quase nem falo nada em grupo de família porque não tenho nada para falar. Então eu só fico

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escutando os outros falarem e as vezes dou opinião. Mas o meu não, graças a Deus está bem. Eu acho que para o meu filho valeu muito.( Sr.ª G., mãe de um paciente)

No entanto, a melhora dos pacientes não corresponde ao que os familiares

esperavam, como ficou claro pelo depoimento de uma mãe no grupo, que afirmou que

seu filho estava melhor, mas ainda não estava como ela queria.

De acordo com a discussão do grupo e com as entrevistas, pode-se perceber que,

embora os familiares estejam aprendendo a conviver com os pacientes e tenham

recusado a internação como resposta, ainda esperam a cura, a restituição da razão

perdida que lhes permitiria participar da sociedade como um igual. Como todos gostam

do tratamento oferecido pelo CAPS, acham que o problema está na medicação.

“ Antigamente ele tomava o remédio e estava bem. Hoje em dia, ele não está bem. É muito difícil agora a gente pegar o Roberto bom. Ele fica bom aqui, mas em casa, ele muda de figura. Eu não sei o que é que é. ... Eu desconfio que é o remédio. Eu estou desconfiada que esse stelazine está sendo falsificado. Eu estou bem desconfiada.” (Sr.ª F., mãe de um paciente)

“O tratamento aqui é cem por cento, o pessoal aqui é cem por cento, o que eu acho mesmo, eu acho que é o remédio, por que é que não está fazendo efeito? E eu estou achando que o filho dela está piorando e a minha filha, não está piorando mas não sai da crise já vai fazer dois anos.” (Sr.º D., pai de uma paciente)

Historicamente, a medicina ensinou que as doenças, inclusive a doença mental,

devem ser tratadas e podem ser curadas, através de remédios e das orientações médicas.

Como, neste caso, é impossível seguir esta linearidade, torna-se difícil para os

familiares entenderem o que se passa com os pacientes, que não conseguem ser curados.

Sem saber o que fazer, os familiares buscam respostas onde podem, como pode ser visto

no relato deste pai:

“A gente vê, que tem algo, e a gente procura, aí chega um, agora, então, com esse negócio de igreja, chega um e fala uma coisa: “essa garota não está doente”, chega um parente: “essa garota não tem doença”. Eles falam certas

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coisas que aparentemente tem lógica, que não é doença. Que seja uma outra coisa, agora, essa outra coisa, o que? Espiritual, que seja isso, a gente fica procurando e não encontra uma solução para isso. Eu já estive em macumba, eu já tive nisso, já tive naquilo. (...) Sinceramente, até agora, eu não cheguei a uma conclusão com a minha filha, sinceramente. Porque, ela fica assim, eu tenho para mim que é dos remédios. Agora, ela tem que tomar remédio. Eu levo ela a igreja, levo em centro, levo na macumba, leva em não sei o que, já se levou e não dá uma solução.( ...) É doloroso ter uma doença dessa. Porque, quando você tá tuberculoso, você vai se tratar ou não tem. Você tá com câncer, é isso, assim, assim. Agora, essa doença, não chega a uma conclusão. Você não chega a uma conclusão com essa doença. As outras doenças ou tem cura ou não tem, agora essa... É triste, muito triste.” (Sr.º D, pai de uma paciente)

Outro exemplo sobre a expectativa quanto as respostas terapêuticas, pode ser

vista na discussão ocorrida durante uma reunião do grupo, que estava sendo realizada

no auditório do PAM. Uma paciente grave, atravessou a praça e entrou na sala,

interrompendo a reunião por três vezes para falar com seu pai. Ela parecia bastante

comprometida, com dificuldade para falar e para se movimentar, aparentando estar

impregnada3. O grupo ficou muito mobilizado e iniciou uma discussão sobre o caso.

Achavam que a paciente estava impregnada e que seu pai deveria exigir que a médica

alterasse a medicação. Os familiares insistiam na modificação da medicação que,

segundo eles, estava causando a impregnação. O pai afirmava que, em toda a história de

seu adoecimento, a paciente nunca havia se adaptado àquela medicação, sugerindo um

outro remédio que, segundo ele, costumava fazer um efeito melhor. Segundo a

coordenadora, os componentes eram os mesmos. Para ela, o que eles estavam buscando

era uma solução mágica para o caso, quando, na verdade, essa solução não existia. Uma

mãe afirmou que aquele era um caso de internação, embora não tenha conseguido

explicar o motivo. O pai, por sua vez, afirmou que preferia ver sua filha morta do que

internada novamente. Os outros familiares também não concordavam com a internação

mas insistiam na mudança da medicação. A coordenadora disse, então, que não poderia

dar falsas esperanças a eles. Segundo ela, a paciente apresentava um quadro muito grave

e não havia uma resposta pronta, muito menos um caminho fácil para a sua recuperação.

Seu tratamento era uma construção diária, com avanços e retrocessos em busca da

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melhor maneira de ajudá-la. No final do grupo, alguns familiares elogiaram as palavras

da médica.

Embora os serviços venham contribuindo para a transformação do imaginário

social, permitindo uma nova relação com a diferença, essa nova relação ainda não

significa sua aceitação. A diferença ainda impede que os pacientes levem uma vida

satisfatória e essa discriminação social aumenta ainda mais seu sofrimento. Isso pode

ser visto com os depoimentos de alguns familiares:

“ Ele não fica muito tempo trabalhando porque aí começa os outros a implicar. Os outros empregados, que são bons, implicam mesmo, a verdade se diz. Começa a implicar, implicar, ele para não brigar ele sai. Aí eu falo, quando começar a te chatear você vem embora. Aí quando leva dois, três dias não vai lá na padaria. Depois torna a ir. E é assim. Ele está levando a vidinha dele, né. Já está um homem com 32 anos, a gente olha assim e os olhos da gente enche de lágrimas. Porque não é uma vida para um homem, né minha filha? Não é mole não.” (Sr.ª G, mãe de um paciente)

Seja nas reuniões do Grupo de família, seja nas entrevistas, os familiares têm se

mostrado muito satisfeitos com o trabalho do CAPS, como mostram estes relatos:

“Aqui, muita coisa foi muito bom para ele. Vem sendo bom porque ele passeia, ele gosta muito desses passeios. Ele estuda. Ele aprendeu a fazer o nome dele; ele aprendeu a fazer algumas coisinhas aqui, trabalhos manuais. Só de escrever o nome dele já foi uma grande coisa. Só em ele passear. Ele vai a praia, as fotos que ele tira, o carinho que ele tem das pessoas aqui. Isso é muito importante.” (Sr.ª E, irmã de um paciente)

O carinho e o afeto nas relações entre profissionais e pacientes é percebido pelos

familiares, que admiram, também, a proximidade nas relações, diferente das relações de

poder e submissão encontradas nos serviços tradicionais.

“Ele não gosta de vir, ele não gosta de vir. Mas quando ele vem a gente se sente melhor, porque ele vai melhor. Ele chega aqui, quando chega aqui, o ambiente aqui é melhor do que mesmo em casa porque ele aqui tem boa alimentação, em primeiro lugar. Tem o carinho das doutoras, do doutor que o atende e tem outras vantagens. ... Eu fiquei satisfeito em ter descoberto esse departamento que é da prefeitura,

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esse departamento que auxiliou e outra coisa, menina eu também me sinto bem, eu também me sinto bem. Eu chego aqui, eu gosto de ficar aqui e tenho também aulas para o tratamento do meu filho em casa. Isso é importante. (...)Porque o CAPS procura amenizar o mal do esquizofrênico com expressão, com carinho, com aconchego. Não tem complexo de superioridade na doutora nem do doutor, no médico, que é formado. Trata do cliente, do doente com carinho. Isso é muito importante. Eu não tenho nada a reclamar, eu tenho que elogiar.” (Sr.º A, pai de um paciente)

A mãe de uma paciente relata que, após ter abandonado o tratamento que fazia

com um psiquiatra no PAM, sua filha passou quatro anos sem sair de casa, saindo do

quarto apenas para almoçar e ir ao banheiro. Ela não aceitava nenhum tratamento, até

que a mãe descobriu o CAPS e relatou o caso. A médica foi até lá e, após umas quatro

visitas, conseguiu convencê-la a freqüentar o CAPS.

“Eu estou gostando muito daqui. Eu digo mesmo. Meu marido também falava, ele nunca veio aqui mas ele falava: olha, aquilo lá caiu do céu. Como é que pode? Um tratamento que não cobra nada da gente. Hoje em dia, tudo é na base do dinheiro né? Olha, a N., do jeito que eu vi a N., eu não achava que ela ia levantar, também não. Mesmo com a fé que eu tinha lá em cima, tinha horas que eu desanimava. Eu achava que ela ia se acabar assim. Todo mundo dizia: a N. vai morrer naquele quarto.” (Sr.ª H, mãe de uma paciente)

A partir do que foi relatado acima, pode-se perceber a importância da presença

dos familiares, que abraçam a proposta do CAPS e evitam a internação, procurando

manter o paciente em casa.

“Os familiares que aprenderam, com as próprias práticas psiquiátricas, que o seu familiar doente deveria ser internado, isolado, desconsiderado enquanto cidadão, podem aprender uma outra forma de lidar com o mesmo, vislumbrando suas potencialidades, suas dificuldades e, enfim, uma outra trajetória de vida que não a da institucionalização.”(Amarante, 1997, 176)

Dessa forma, é verificado um investimento no tratamento, embora ele não

ofereça respostas prontas e definitivas e não negue as dificuldades de tratar do

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sofrimento psíquico. As observações revelam também, que, social e culturalmente ainda

há muito a fazer para diminuir o sofrimento de familiares e pacientes. 1 Pivô é a denominação dada ao profissional que não está participando das oficinas e fica responsável por fazer o acolhimento das pessoas que chegam ao CAPS, acompanhar os pacientes que não participam das oficinas e dar uma maior atenção aos que estão em crise. 2 As iniciais dos familiares entrevistados e dos pacientes são fictícias. 3 Denomina-se impregnação o efeito colateral determinado pelo excesso ou má prescrição de medicamentos neurolépticos, que atuam no Sistema Nervoso Central. Tem com conseqüência a perda de movimentos, dificuldade de andar, movimentos estereotipados e perda das expressões facias. Estes efeitos podem ser evitados, na medida em que existem outros medicamentos, como os anti-histamínicos, que impedem este efeito.

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IV ) CONSIDERAÇÕES FINAIS:

O projeto de implantação dos CAPS no município do Rio de Janeiro pode ser

considerado uma inovação da Secretaria Municipal de Saúde, que, como resultado do

processo de municipalização, inicia um projeto de ampliação da oferta de serviços,

assumindo um subsetor que tradicionalmente era oferecido por outras esferas de

governo.

Os CAPS seguem as duas tendências de transformações que vem ocorrendo no

setor saúde na última década. Com relação a inovação na modalidade de gestão, objeto

deste trabalho, o CAPS pode ser tomado como caso exemplar para a análise do modelo

de parcerias entre a administração pública e o Terceiro Setor. Como já foi visto, esta

linha de inovações segue as propostas da Reforma do Estado, que determinam uma

diminuição do tamanho do Estado e uma mudança no seu papel de executor para

regulador, além da substituição da administração burocrática pela administração

gerencial que, por ser mais flexível, atende melhor aos interesses dos cidadãos/clientes.

No caso do CAPS a Secretaria Municipal de Saúde se manteve responsável pela

gerência do serviço e optou pela flexibilização da gestão de recursos humanos, que se

apresentava como entrave para a implantação do projeto.

Segundo o modelo principal-agente, a Secretaria Municipal de Saúde pode ser

identificada como o principal e a ONG, no caso, o Instituto Franco Basaglia, como o

agente. A Secretaria é o contratante, que estabelece o convênio com o IFB, que deve

prestar os serviços contratados. À SMS, por sua vez, cabe a responsabilização da gestão,

garantindo o cumprimento dos termos do convênio e a qualidade da assistência

oferecida a população.

Para que a responsabilização da gestão possa ocorrer, no entanto, é necessário

que os termos do convênio, principalmente as atribuições de ambas as partes e as

penalidades em caso de não cumprimento estejam bem definidas. É necessária, também,

a presença de algumas variáveis que possibilitem o controle, entre elas um sistema de

custos e um sistema de informações. Neste sentido, embora o contrato de gestão venha

sendo apontado como o melhor meio no sentido de garantir a responsabilização da

gestão, não foi o expediente escolhido para o estabelecimento desta parceria. O contrato

de gestão tem como objetivos fortalecer a supervisão, controle e avaliação por parte do

poder público sobre os resultados das políticas públicas sob sua responsabilidade;

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melhorar o processo de gestão da instituição contratada, auxiliando a ação

organizacional em benefício dos cidadãos/clientes que utilizam os serviços; e promover

o controle social sobre os resultados esperados e dar-lhes publicidade. No contrato de

gestão seriam definidas as metas e seus indicadores, as obrigações e responsabilidades

de ambas as partes, recursos disponibilizados para a execução da missão institucional,

os mecanismos de avaliação e as penalidades para ambas as partes em caso de não

cumprimento de suas atribuições.

Dessa forma, o convênio entre a SMS e o IFB pode ser analisado, tomando

como base as variáveis existentes nas cláusulas de um contrato de gestão. Neste sentido,

o quadro abaixo indica algumas destas variáveis e a sua presença ou não neste convênio:

Quadro 02 – Convênio entre SMS e IFB e as variáveis de um contrato de gestão:

VARIÁVEIS SECRETARIA IFB

Competências Sim Sim

Compromissos Sim Sim

Metas Não Sim

Indicadores Em Construção (disponibilidade parcial)

Em Construção (disponibilidade parcial)

Relatórios de prestação de contas

_ Sim

Relatório das atividades desenvolvidas

Sim Sim

Custo do projeto Sim Não

Valor do Repasse “Os valores correspondentes aos valores dos repasses

mensais serão oportunamente

empenhados”(Convênio, 4)

_

Cláusula permitindo termos aditivos para aprimoramento do convênio

Sim Sim

Cláusula sobre Rescisão Sim Sim

Sistema de Custos Em construção (não disponível)

Sim

Sistema de Informações Em construção (disponibilidade parcial)

Em construção (disponibilidade parcial)

Cláusulas penalizando não cumprimento

Não Não

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Como foi visto, o convênio estabelece que a gerência compete à SMS e a

supervisão técnica ao IFB. Com relação aos compromissos, cabe à SMS a manutenção

do mobiliário, do instrumental e dos equipamentos em uso no CAPS; a composição, em

proporções convenientes, da equipe e o repasse dos valores correspondentes às despesas

mensais. Ao IFB cabe a contratação de profissionais para compor a equipe e a

apresentação de relatórios para prestação de contas. O relatório com as atividades

desenvolvidas deve ser elaborado conjuntamente pelo gerente do CAPS e pelo

supervisor técnico.

Segundo o projeto do CAPS Santa Cruz proposto pelo IFB e anexado ao

convênio, fica estabelecido como meta que:

“o CAPS Santa Cruz funcionaria tomando como referência uma população geral adscrita, porém estabelecendo critérios de adesão da clientela, podendo atender até cerca de 150 pacientes (os quais do ponto de vista nosológico, em sentido lato, seriam definidos como “psicóticos ou neuróticos graves”, tipologia que vem sendo utilizada nas avaliações de serviços semelhantes).

Progressivamente, integrando-se a rede distrital, o serviço adquiria um perfil misto, aproximando-se de uma estrutura tipo NAPS, isto é, assumindo a responsabilidade pelos eventos graves de saúde mental de uma região circunscrita, dividindo tal responsabilidade com outras instâncias.”( IFB, 1998, 3)

No entanto, não são estabelecidos os indicadores quantitativos e qualitativos que

possibilitariam a mensuração do alcance destas metas. Os indicadores tradicionais são

apropriados à avaliação de serviços hospitalares e não se adequam a serviços de atenção

diária. Embora o trabalho desenvolvido nestes serviços seja de difícil mensuração, é

necessário a elaboração de indicadores específicos que possibilitem o acompanhamento

dos resultados, apontando possíveis mudanças de estratégias para que as metas sejam

atingidas.

Embora haja uma cláusula sobre a rescisão do convênio por decisão de uma das

partes ou por inadimplemento de uma das cláusulas, não foram estabelecidas

penalizações caso isto venha a ocorrer. Dessa forma, não há garantias que evitem riscos

de ambas as partes. Com relação à Secretaria, esta ausência dificulta a responsabilização

da gestão municipal e oferece o risco de interrupção de um trabalho desenvolvido numa

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área bastante carente de recursos assistenciais em saúde mental. Com relação ao IFB,

uma eventual quebra contratual implica não só na interrupção do trabalho assistencial

nos moldes da Reforma, como defendido pela instituição, como também em problemas

com relação ao pessoal contratado.

Como foi mencionado pelo gerente de saúde mental, os sistemas de informação

e de custos ainda estão em fase de construção. A implantação destes serviços antes que

estes sistemas estivessem prontos foi uma opção da gerência de saúde mental que, se

por um lado dificulta a avaliação do processo, por outro favorece a clientela, que já vem

se beneficiando dos serviços há três anos.

O projeto CAPS aponta uma intencionalidade da Secretaria Municipal de Saúde

e da própria gerência de saúde mental, que vem desenvolvendo ações orientadas para a

mudança no modelo assistencial. Neste sentido, pode ser considerado o senso de

oportunidade da gerência, que, comprometida com as propostas da reforma psiquiátrica,

utilizou o contexto de inovações desenvolvidas pela Secretaria, de estabelecimento de

parcerias para implantação de outros projetos, para iniciar as mudanças em saúde

mental.

A análise deste processo revela a presença de alguns dos pontos

problematizados pelas experiências internacionais.

A baixa experiência da administração pública na regulação eficiente das

organizações terceirizadas, apontada nas experiências em curso, também se aplica aos

convênios, já que, como foi visto acima, os mecanismos de regulação ainda estão em

fase de construção. Nesse sentido, o risco de processos de captura e baixa

responsabilização são favorecidos, podendo prejudicar os resultados.

A indefinição sobre quem arca com os altos custos de transação para estabelecer

o equilíbrio entre principal e agente e prevenir os contratos contra as condutas

oportunistas também está presente, já que não há, no convênio, cláusulas penalizando

estas condutas ou o não cumprimento do que foi estabelecido.

No entanto, a ameaça aos direitos dos cidadãos quanto ao acesso e utilização de

bens públicos, presente nas experiências em curso, não está sendo verificada no caso

dos CAPS, já que a Secretaria Municipal de Saúde não pretende abrir mão dos

princípios do SUS.

Uma outra questão apontado pelas experiências internacionais é a pouca

confiança na capacidade de contratualização do Estado, que, no caso brasileiro, pode ser

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demonstrada pelas críticas quanto a ausência de licitação do convênio e na falta de

transparência do processo.

A escolha pelo IFB é apontada tanto pelo gerência de saúde mental quanto pelo

próprio IFB como natural. Como se trata de um convênio e não de um contrato,

legalmente não era necessária licitação. O objetivo, aqui, não é questionar a

competência da ONG escolhida, mas sim analisar o modelo de parcerias e, assim, a

ausência de licitação traz algumas questões. Uma questão é a ausência de condições de

competição, já que mesmo outras Organizações que realizam trabalhos na área de saúde

mental não foram informados sobre o processo. Além disso, não foi utilizado nenhum

instrumento que determinasse em que medida a ONG escolhida traria mais benefícios

para o projeto do que outra ONG que realiza o mesmo trabalho. Embora os resultados

sejam favoráveis, a ausência de instrumentos que validem a escolha pode trazer

problemas futuros na sustentação e na legitimação deste modelo.

A ausência de transparência foi a crítica feita, também, a forma como foi

realizada a seleção pelo IFB. Embora a ONG tenha admitido que o processo de seleção

foi pouco divulgado e já tenha determinado novas regras para as próximas seleções,

reconhece que nunca será como um concurso público, já que não tem condições de

realizar uma seleção deste porte. Dessa forma, os critérios de justiça, competição e

igualdade de acesso ficam prejudicados.

Caso isso não seja modificado, as críticas feitas ao modelo burocrático de

administração, quanto ao uso do Estado em benefício de interesses particulares, podem

se reproduzir num modelo de gestão criado como alternativa.

Embora várias experiências internacionais tenham adotado parcerias com ONG’s

na área social, este modelo tem recebido uma série de críticas. Um dos fatores que

favorecem estas críticas é a defesa de um modelo de Welfare State institucional

redistributivo, onde o Estado assuma a responsabilidade pela distribuição dos bens e

serviços. Esta percepção determina a predominância da discussão em torno do papel do

Estado, em detrimento da execução da política social. Dessa forma, valoriza-se um ideal

de Estado a ser alcançado, avaliando-se as propostas alternativas de gestão como

propostas neoliberais, de retirada do Estado da área social sem levar em conta os

resultados sociais alcançados.

Esta discussão tem revelado uma certa contradição entre os profissionais de

saúde mental, que, ao mesmo tempo em que apoiam a ONG escolhida, a construção e o

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trabalho dos CAPS, criticam a opção pela gestão por parcerias, identificando-a como

um caminho para a privatização do setor. Estas contradições podem ser percebidas em

Gomes (1999). Ao mesmo tempo em que a autora afirma em todo o seu trabalho “ o

esvaziamento das políticas sociais e o cunho privatizante da proposta de reforma do

Estado”, entre elas a NOB/96 e o Projeto das Organizações Sociais, defende o convênio

entre IFB e SMS utilizando as mesmas afirmações presentes no Plano Diretor da

Reforma do Aparelho de Estado:

“as ações e os serviços pertencentes ao campo dos direitos inalienáveis de cidadania, como no caso em questão, são responsabilidade do Estado, mas suas execuções não são exclusivas do Estado, desde que haja mecanismos competentes de regulação por parte das entidades da sociedade organizada e por intervenções do próprio Estado.”(Gomes, 1999, 233)

Afirma, inclusive, que o convênio foi estabelecido mediante contrato de gestão,

sem questionar a forma como foi feita a escolha da ONG e os problemas de legitimação

do modelo daí decorrentes, nem que estes mecanismos de regulação ainda estão em

construção.

Embora a Organização escolhida seja idônea, não tenham sido verificadas

condutas oportunistas e os resultados sejam favoráveis, a análise do modelo de gestão

por parcerias não pode deixar de apontar a necessidade de mecanismos de sustentação

deste modelo, que garantam a responsabilização da gestão pelo contratante e afastem os

riscos de condutas oportunistas pela organização contratada.

Com relação as inovações voltadas para a superação do modelo assistencial, o

CAPS oferece um atendimento intensivo, baseando-se nas propostas de Reforma

Psiquiátrica e procurando evitar a internação.

Os NAPS e os CAPS são as respostas mais criativas no que se refere a

construção de uma rede alternativa ao internamento nos hospitais psiquiátricos. Além

disso, a implantação dos leitos psiquiátricos nos hospitais gerais, como alternativa aos

leitos nos hospitais psiquiátricos, também deveria ser perseguido com determinação.

(Venturini, 1995, 17)

No caso do CAPS Campo Grande, para que este serviço consiga responder à

complexa demanda a ele dirigida deve-se melhorar a rede na qual ele está inserido.

Campo Grande apresenta uma rede ambulatorial restrita, com apenas 2 psicólogos no

Centro Municipal de Saúde Belisário Pena. Dessa forma, muitos pacientes são

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encaminhados ao CAPS pelos psiquiatras do CMS, para atendimento psicológico

semanal, o que não é a proposta do CAPS. Da mesma forma, alguns pacientes que estão

no CAPS poderiam se beneficiar de um atendimento ambulatorial como suporte ou

referência, permitindo, assim, que as vagas no CAPS fossem ocupadas por pacientes

crônicos, com uma vida social mais empobrecida.

Da mesma forma, como é um serviço de atenção diária e funciona apenas cinco

dias na semana, algumas vezes a internação não pode ser evitada porque não há

alternativas que ofereçam um suporte nos momentos de crise, embora exista a proposta

dos leitos nos Hospitais Gerais, como o Rocha Faria.

Tanto os profissionais do CAPS, quanto a Gerência de Saúde Mental e o IFB

sabem que o CAPS não é suficiente para que se possa oferecer uma assistência integral

em Saúde Mental. Segundo Delgado,

“o centro de atenção diária é apenas parte da rede de atenção psicossocial. Não contamos ainda com lares abrigados, oficinas protegidas, medidas legais de proteção ao trabalho, programas de lazer e de estímulo à sociabilidade. ... Além disso, é necessário retomar, em bases novas, a discussão do sistema de referência de leitos de suporte para situações mais graves, e da implementação do atendimento no território às situações de emergência.” (Delgado, 1997, 43).

Com relação ao dia a dia do serviço, a observação participante e as entrevistas

demostraram a disponibilidade dos profissionais em oferecer uma assistência de

qualidade, questionando-se a todo momento qual a melhor forma de atender a demanda

dos clientes. No serviço, as respostas e certezas tradicionais dão lugar à um tratamento

em permanente construção, que procura diminuir o sofrimento dos pacientes e oferecer

novas possibilidades de vida.

Grande parte do sucesso deste serviço se deve a participação dos familiares que

recusaram a resposta tradicional de internação, identificando-a como abandono e não

como tratamento. Dessa forma, apesar de todas as dificuldades no relacionamento

cotidiano com os pacientes aceitaram mantê-los em casa e contribuir com o serviço no

sentido de construir um outro destino para eles.

A proximidade entre profissionais e pacientes, a participação da família, o

contato com a comunidade nas festividades e o contato com profissionais de saúde de

outras especialidades são maneiras de criar uma nova percepção da loucura,

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desvinculando-a das noções de desvio e periculosidade. Esta nova percepção pode

contribuir para a aceitação da diferença em lugar da busca da cura.

Segundo Delgado (1998), a implantação dos CAPS de Santa Cruz e de Campo

Grande:

“1) já impactam significativamente a atenção psiquiátrica, na região atendida; 2) um dispositivo de avaliação técnica permanente, indispensável para a qualificação e manutenção de equipamentos tão radicalmente novos no cenário assistencial do município, vem se constituindo e foi colocado em funcionamento; 3) a integração com outras unidades assistenciais do campo da saúde mental, da saúde em geral, e da assistência social, embora difícil, está em processo de implantação; 4) a perspectiva de viabilização de uma rede municipal de

atenção psicossocial tem gerado demandas novas e estimulantes no campo da formação de recursos humanos; 5) expectativas inicialmente desfavoráveis da população, especialmente em função do imaginário hospitalocêntrico ainda dominante, vão sendo revertidas, e já se observa um impacto favorável dos novos centros na cena da política de saúde, com o debate permanente do tema nos conselhos distritais e demais fóruns participativos do setor saúde; 6) os clientes dos novos serviços, e seus familiares, participam de novos circuitos de sociabilidade e apoio psicossocial, com o estímulo de iniciativas diretamente vinculadas à criação dos dois CAPS na Zona Oeste do Município.” (Delgado, 1998, 10)

De acordo com o que foi verificado neste trabalho, o convênio entre a SMS e o

IFB tem produzido resultados positivos, como, por exemplo, a expansão da rede para a

periferia, o tratamento com profissionais qualificados, a diminuição da freqüência de

internações e a contribuição para a mudança cultural na relação com a loucura. É

verificado, também, o investimento de ambas as partes no projeto e a qualidade da

assistência que vem sendo prestada. Dessa forma, respondendo a questão levantada no

início do trabalho, o modelo de gestão por parcerias pode gerar bem público, embora

possam ser utilizados mecanismos que aumentem a legitimação do processo.

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