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LISBOA INSÓLITA E SECRETA VITOR MANUEL ADRIÃO EDITORA JONGLEZ

INSÓLITA E SECRETA - · PDF filelivro que publicou em vida – Mensagem ... na sua ânsia permanente de saber mais ... e com a essência oculta da Maçonaria

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LISBOAI N S Ó L I TA E S EC R E TA

V I TOR M A N U E L A DR IÃO

E D I T O R A J O N G L E Z

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A MESA DE FERNANDO PESSOACafé-restaurante Martinho da ArcadaPraça do Comércio, 3 • Aberto de 2.ª a sábado das 7 às 23 horas • Metro: Terreiro do Paço

O café-restaurante Martinho da Arcada ficará para sempre ligado à presença de Fernando Pessoa, seu frequentador

assíduo, que aqui escreveu parte dos seus poemas e, entre eles, os que constituem o único livro que publicou em vida – Mensagem (1934). Num recanto discreto, entre um café, uma aguardente e um cigarro, evocando Bandarra e António Vieira, sonhando o “Encoberto” e o “Quinto Império”, tentou descortinar e ser correcto no vaticínio sobre o destino maior de Portugal (ver página 55 e 63).

Como homenagem ao mais alto baluarte contemporâneo da língua portuguesa, a gerência do “Martinho da Arcada” mantém viva a memória do poeta conservando a mesa e a cadeira onde costumava sentar-se, tendo em volta lembranças fotográficas e autográficas do mesmo. Actualmente, este é lugar obrigatório para a realização de tertúlias entre estudiosos e curiosos pessoanos, alguns, não poucos, tendo até assumido a personagem do autor a ponto de ficarem com tiques “à Pessoa”, o que os torna parte assinalável do folclore urbano mais intelectualizado.

“ Onde Pessoa sonhava o “Quinto Império”...

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4FERNANDO PESSOA: “SE ÉS MAÇOM, SOU MAIS DO QUE MAÇOM – EU SOU TEMPLÁRIO”Não existe o mínimo indício do poeta e ensaísta Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 – Lisboa, 30 de Novembro de 1935) ter efectivamente pertencido à Franco-Maçonaria, apesar de hoje em dia muitas facções dessa instituição reclamarem para si a presença efectiva do vate poeta como franco-maçom. Inquestionavelmente, desde muito cedo Fernando Pessoa interessou-se pelo Ocultismo e chegou a frequentar esses meios entre 1910 e 1920, na sua ânsia permanente de saber mais sobre os mistérios da vida: tomou contacto com o espiritismo e a teosofia a partir de 1912, e chegou a traduzir livros teosóficos ingleses para a língua portuguesa, desde 1915. Estudioso da astrologia, em Janeiro de 1916 pensou estabelecer-se como astrólogo em Lisboa, com o pseudónimo Rafael Baldaya, tendo realizado mais de mil horóscopos. Neste papel, chegou a corresponder-se com o célebre ocultista inglês Aleister Crowley, que o visitou em Lisboa em 2 de Setembro de 1930. A insaciável vontade de saber de Pessoa e a sua grande sabedoria de ocultismo levou-o a formar um tipo de pensamento peculiar com base na sua noção de Portugalidade Espiritual, predizendo o advento do Quinto Império Lusitano (ver página 55 e 63).Com a subida ao poder de António Salazar e a implantação do Estado Novo em 1933, cedo Fernando Pessoa se mostrou anti-salazarista, principalmente a partir do momento em que os seus ensaios e poemas começaram a ser censurados. Escreveu, então, uma série de poemas anti-Salazar que, adepto das antigas ditaduras romanas, decidiu abolir todas as ordens iniciáticas e movimentos espiritualistas em Portugal. Quando subiu ao Parlamento o projecto lei do deputado José Cabral que proibia as Associações Secretas, com destaque para a Maçonaria Portuguesa, Fernando Pessoa opôs-se publicamente, tendo escrito um magistral artigo no “Diário de Lisboa” em 4 de Fevereiro de 1935, defendendo a liberdade religiosa e o …spírito Tradicional que caracteriza a Maçonaria. Disse no mesmo: “Não sou maçom, nem pertenço a qualquer outra Ordem, semelhante ou diferente. Não sou porém anti-maçom, pois o que sei do assunto me leva a ter uma ideia absolutamente favorável da Ordem Maçónica”.Por causa desse artigo ainda hoje é associado à Maçonaria, havendo inclusive Lojas com o seu nome, mesmo que nunca tenha sido maçom e tão-só um fervoroso adepto defensor da liberdade de expressão e de culto religioso, fosse ele maçónico ou qualquer outro.Finalmente, no seu “Bilhete de Identidade”, escrito em Lisboa em 30 de Março de 1935, Fernando Pessoa revela abertamente a sua posição espiritual:Posição religiosa: Cristão gnóstico e portanto oposto a todas as Igrejas organizadas, e sobretudo à Igreja de Roma. Fiel (...) à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta de Israel (a Santa Kaballah) e com a essência oculta da Maçonaria.Posição Iniciática: Iniciado, por comunicação directa de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal.Assim, Fernando Pessoa voltaria a reiterar no seu poema São João (9 de Junho de 1935): “Se és maçom, sou mais do que maçom – eu sou templário”.

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OS PAIN…IS DA R…STAURAÇÃOPalácio dos Condes de AlmadaLargo de S. Domingos• Visita guiada com marcação prévia • Tel: 21 324 14 70• Metro: Estação Rossio

Situado no centro da Baixa de Lisboa, junto ao Rossio e à ig re ja de S . Domingos, o Palácio da Restauração

é conhecido por vários nomes: Palácio dos Condes de Almada, da Restauração ou da Independência. Quando se deu a revolta patriótica de 1.º de Dezembro de 1640, o seu proprietário, D. Antão de Almada, perfilou nele o número dos 40 conjurados que devolveram a independência a Portugal, após 60 anos sob o jugo de Castela.

Os conjurados reuniam-se em segredo no jardim deste palácio, do qual já há notícias no século XV, quando D. Fernando de Almada, capitão-mor de Portugal, e sua mulher adquiriram a propriedade do fidalgo D. Nuno de Barbudo. Logo à entrada, sobre os telhados destacam-se duas torres de tijolo (semelhantes às chaminés cónicas do Palácio Real de Sintra), mandadas fazer por D. Antão de Almada e que ficariam conhecidas por Padrões da Restauração. Pouco afectado pelo terramoto de 1755, mantêm-se no jardim, quase desconhecidos da maioria dos lisboetas, os azulejos chamados Painéis da Restauração, datados de 1696 e cujo autor foi Gabriel del Barco. Num, vêem-se os conjurados reunidos neste lugar, como reitera a sua legenda: Venturoso Sítio, honrosas conferências em que se realizou a Redenção de Portugal; noutro, o ataque vitorioso aos regentes espanhóis no Paço da Ribeira; noutro ainda, a procissão triunfal comemorando a Restauração.

“Os azulejos esquecidos da Independência

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UM CRISTO QUE DESPREGOU O BRAÇO DIREITO DA CRUZ E ABENÇOOU PORTUGAL LIBERTADO...No centro do jardim, está uma fonte com um anjo encimado pela legenda: Redenção de Portugal, a Fidelidade e o Amor triunfam. Representa o Anjo de Portugal Restaurado, motivo fundado na lenda piedosa e patriótica que conta que, quando da procissão comemorativa da Independência Nacional, do crucifixo empunhado pelo padre Nicolau da Maia, o Cristo despregou o braço direito da Cruz e abençoou o povo, assim abençoando todo o Portugal libertado.

No jardim, encostado à antiga muralha fernandina, e à direita da fonte e dos painéis de azulejos, está uma outra sala que tem sido apontada como aquela onde tiveram lugar as reuniões dos conjurados. Os seus participantes desceriam pela escada da muralha fernandina e após baterem à porta, que fica no enfiamento da mesma, tinham que mostrar a senha secreta para terem acesso ao interior do pavilhão: um canudo de prata que possuía numa das pontas uma mola de segredo, que quando accionada tornava visível a imagem de Nossa Senhora da Conceição, Padroeira de Portugal.

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OS SÍMBOLOS DAS PORTADAS DAS CELAS DOS FRADES JERÓNIMOSMosteiro de Santa Maria de BelémPraça do Império• Horário: de terça a domingo das 10 às 17 horas (Outubro a Abril) e das 10 às 18h30 (Maio a Setembro).• Autocarro: 27, 49

As celas dos frades Jerónimos do Mosteiro de Santa Maria de Belém comunicam com o claustro e com o interior da

igreja. É aqui que se apresentam, sobre as portadas dos seus exíguos compartimentos, símbolos surpreendentes. A Ordem religiosa dos Jerónimos nasceu em Itália em 1377 na sequência do movimento animado por Tommasucio da Duccio, que originariamente era franciscano da Ordem Terceira de S. Francisco. Se os Jerónimos seguiam a espiritualidade iluminada dos Padres do Deserto, dos quais S. Jerónimo foi um, consequentemente possuíam os segredos da Arte Sacerdotal, enquanto os Mestres Canteiros, construtores deste mosteiro, detinham os mistérios da Arte Real. A espiritualidade jerónima centralizava-se na oração mental, reflectindo sobre a Sabedoria de Cristo como fizera o Santo Padre Jerónimo, a gnose que os monges claustrais deste lugar vivenciavam, tendo adaptado o messianismo milenarista de Joaquim de Flora à ideia ecuménica das Descobertas Marítimas portuguesas, então em plena expansão. Flora, cujas ideias já tinham influenciado os Fraticelli franciscanos, era o autor das “Três Idades do Mundo”, sendo a última a do Espírito Santo representado por Emmanuel que era, afinal, o nome de D. Manuel I, o que justifica em parte a doação deste Mosteiro aos Hieronimitas, vindos da Penha Longa de Sintra para aqui. Sobre uma cela vê-se esculpido o Janus, ou Cristo Tricéfalo, indicador dos 3 Tempos ou Idades do Mundo: o Passado para o Pai e Adão – Jerusalém; o Presente para o Filho e Cristo – Roma; o Futuro para o Espírito Santo e S. Bento (Flora era cisterciense, logo beneditino, e o seu conceito trinitário influenciou todas as profissões cristãs, mormente a Jerónima) – Lisboa. Esta ideia repete-se noutra composição de 3 cães juntos, figurativos dos guardiões da Igreja Universal (domini-canes, “cães do Senhor”, não como dominicanos mas como guardiões da Sabedoria Tradicional) ou dos Tempos do Mundo, por igual, sendo os 3 “Ares da Alquimia”: o Enxofre (aqui a águia sobre uma cabeça de mouro), para o Espírito e o Pai; o Mercúrio (aqui a cabeça laureada por dois anjos, simbólicos do andrógino alado), para a Alma e o Filho; e o Sal (aqui um dragão alado que é uma cabeça bafomética tricórnica), para o Corpo e o Espírito Santo. A Prata está representada numa rainha coroada, e o Ouro no mesmo Mercúrio laureado.

Os Jerónimos e a ideia

das Três Idades do Mundo por

Joaquim da Flora

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O sentido etimológico de Jerónimo ou Hierónimo é Hiero-Manas: “Mente Iluminada” ou “Sabedoria Universal”.

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O SALÃO POMP…IA DO PALÁCIO DA EGAFreguesia de AlcântaraCalçada da Boa-Hora, 30• Telefone: 213616330• Visitas guiadas gratuitas• Instituto de Investigação Científica Tropical• Autocarro: 203

Escondido atrás do Hospital Egas Moniz, o Palácio do Pátio do Saldanha, mais conhecido por Palácio da Ega, é daqueles

que faz parte da memória perdida de Lisboa. Para o visitar é preciso virar pela Calçada da Boa-Hora, e nele está hoje instalado o Arquivo Histórico Ultramarino. Com um bonito jardim, embelezado por um grande lago, o edifício ostenta no portão central o brasão dos Coutinho, Albuquerque e Saldanha, devendo o seu núcleo primitivo remontar ao século XVI, pois que em 1582 já existia a Casa Nobre, data assinalada numa fonte de embrechados à entrada do Palácio. Distingue-se no interior, a Nascente, o magnificente Salão Pompeia, dos princípios do século XVIII, também chamado de “sala da música”, “sala das colunas” e “sala dos marechais”. Tem ao fundo, num nicho, a estátua do deus da música presidindo a todo o espaço revelado como um templo de arte com magníficas colunas, cúpula e frescos pintados nas paredes, igualmente decoradas com oito painéis de azulejos setecentistas, representando vistas de cidades portuárias europeias, da autoria do artista holandês Boumeester. O que se vê hoje no salão é já do início do século XIX, quando foi completamente remodelado. Arrancou-se-lhe o tecto primitivo de madeira, taparam-se as janelas superiores e construiu-se a falsa cúpula, cujo oco assenta em oito colunas ocas de madeira. Foram também pintados painéis ao gosto da época, conservando-se os azulejos originais. A moradora mais famosa deste palácio, e sua proprietária, foi a condessa da Ega, D. Juliana Maria Luísa Carolina Sofia de Oyenhausen e Almeida que, em 1795, casou com o 2.º conde da Ega (nome de povoação perto de Coimbra), Aires José Maria de Saldanha. Esta senhora era muito bela e teve vários amantes famosos, como o general Junot e o marechal Beresford.

“ Memória Pompeia de Lisboa

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A ORIGEM DO STROGONOFF

Após a morte do conde, a condessa da Ega voltou a casar com o conde de Strogonoff, russo de S. Petersburgo, cidade onde ela morreu em 1827. Aprendeu com o cozinheiro desse conde, enquanto aí viveu, uma receita culinária que se tornou famosa em Portugal: faz-se um refogado na panela e vai-se juntando carne de vaca, polpa de tomate, cogumelos e natas. Serve-se com arroz. É um Strogonoff.

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INSTITUTO DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA TROPICALRua da Junqueira, 86• Telefone: 21 361 63 40/ 21 363 61 49• www.iict.pt • [email protected]• Aberto de 2.ª a 6.ª-feira das 10h às 16h• Autocarro: 714, 732

O Palácio Burnay é um dos mais belos da cidade: o seu jardim, a arquitetura do edifício, a grandeza das salas, o

magnífico zimbório, as mobílias e pratas da época, tudo deslumbra e transpira grandeza.

Este enorme edifício setecentista possui no interior uma escadaria de um só lanço em curva, com paredes pintadas a claro-escuro, trabalho do último quartel do século XIX. As salas foram beneficiadas, em 1942, com os restauros das pinturas dos tetos e das paredes, igualmente de enorme beleza, de Conceição e Silva. O átrio superior, de talha escura, abre-se sobre uma galeria envidraçada que dá para os jardins e tem cinco portas para as várias salas. O belíssimo salão de baile, com teto de estuque de Rodrigues Pita, tem lindos medalhões alusivos à Música. A sala de jantar, de forma elíptica, tem o tecto pintado com deslumbre e requinte por José Malhoa (1886), representando um céu com meninos alados conduzindo flores e frutos, evocação romântica do Parnaso ou Paraíso das Musas. Na antiga sala das colunas, repete-se o deslumbre trompe d´oil no teto de estuque com ornatos.

No jardim de plantas tropicais e subtropicais, e que é de grande interesse, conservam-se algumas estátuas, um teatro muito danificado e duas estufas muito interessantes. Na estufa do lado poente vê-se uma porta de mármore com colunas salomónicas e pedra de armas do século XVIII, obra do capitalista Henrique Burnay (1837-1909).

A origem desta casa nobre recua a D. José César de Meneses, irmão do 1.º Conde de Sabugosa, que a mandou construir depois de 1701, rodeando-a de magníficos jardins. Depois do terramoto de 1755, a propriedade foi vendida à Igreja Patriarcal e tornou-se residência de Verão dos patriarcas, razão pela qual este palácio é também conhecido como Palácio dos Patriarcas. Em 1818, ali funcionou o seminário de S. João Batista. Nesse mesmo século, o capitalista Manuel António da Fonseca, homem muito rico e excêntrico, comprou o edifício e fez-lhe inúmeras alterações. Em 1865, o palácio foi adquirido por D. Sebastião de Bourbon, infante de Espanha e neto do rei de Portugal, D. João VI. Em agosto de 1879, o edifício foi leiloado pelos herdeiros de D. Sebastião sendo adquirido por Henrique Burnay, que o enriqueceu com belas decorações e mobiliário, dando nele festas famosas. Em 1940, o Estado português adquiriu-o e hoje funciona aqui o Instituto de Investigação Científica Tropical.

“ Palácio Burnay,

delírio e fausto

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A CABEÇA DE DIOGO ALVESTeatro Anatómico da Faculdade de Medicina de LisboaAv. Prof. Egas Moniz• Visita com marcação prévia na secretaria da Faculdade de Medicina• Tel.: 21 7985153 Fax: 21 903 98 28 • E-mail: [email protected]• Metro: Estação Cidade Universitária

Diogo Alves, galego nascido em Santa Xertrudes de Samos, Lugo, veio viver para Lisboa ainda novo. De alcunha o

Pancadas, ficou famoso como o assassino do Aqueduto das Águas Livres: de 1836 a 1839 perpetrou aí uma série de crimes hediondos, instigado pela sua companheira, Gertrudes Maria, a Parreirinha, proprietária de uma taberna em Palhavã. À noite lançava as suas vítimas do alto dos arcos (65 metros de altura) depois de as roubar, simulando um suicídio. Finalmente, em 1840, as autoridades apanharam-no na sequência de um assalto perpetrado pela sua quadrilha à casa de um médico a quem assassinaram, bem como a toda a sua família, sendo sentenciado à forca por isso e não pelos crimes do aqueduto, que aliás nem constam no processo do seu julgamento.

Levou consigo o segredo de como obteve chaves falsas das “mães d´águas” do aqueduto, em cujas galerias se introduzia e escondia para assaltar e assassinar. Só depois da sua prisão, quando as centenas de suicídios aparentes no aqueduto cessaram subitamente, é que se soube serem obra deste sinistro Diogo Alves, que só no Verão de 1837 roubou a vida a 76 pessoas.

Após ter-lhe sido aplicada a sentença de morte, no Cais do Tojo, às 14h15 de 19 de Fevereiro de 1841, a sua perfídia intrigou tanto os cientistas da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa que estes lhe deceparam a cabeça para a estudar. Encontra-se hoje no Teatro Anatómico da Faculdade de Medicina de Lisboa, conservada num recipiente de vidro, onde uma solução de formol lhe perpetua a imagem de homem com ar tranquilo, bem contrária ao que realmente foi.

Os crimes deste serial-killer Diogo Alves, o último sentenciado à morte em Portugal, em 1911 vieram a ser tema de um dos primeiros filmes mudos realizados no país, e a sua biografia romanceada, com primeira edição em 1877 (reeditada em 2006), tornou famosa a sua lenda negra. A cabeça deste assassino em série também foi o principal objecto da exposição Cem Peças para o Museu de Medicina, realizada no Museu Nacional de Arte Antiga em 2005.

“ A cabeça do serial killer

lisboeta do século XIX

conservada em formol

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No século XIX, a entrada do caminho público por cima do Aqueduto das Águas Livres, chamado de Passeio dos Arcos, era muito concorrida pelos pequenos negociantes e vendedores dos arredores. Mas em 1844 foi fechada devido aos crimes praticados por Diogo Alves.

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O PAVILHÃO PANÓTICO DO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO MIGUEL BOMBARDARua Dr Almeida Amaral, n° 1 (Campo de Sant'Ana) • Quartas: 11,30 – 13,00h / Sábados: 14,00 – 18,00h• Autocarro n. 723, 730, 760, 767, paragem Campo dos Mártires da Pátria • Métro Anjos, Picoas, Intendente

A poucos passos do Campo dos Mártires da Pátria, esconde-se o primeiro hospital psiquiátrico inaugurado em Portugal

(1848). É um enclave no coração da cidade. É preciso uma autorização escrita para transpor o portão e penetrar neste porto de abrigo, deixado ao abandono e à vegetação desde 2000.

Atrás do imponente Convento neoclássico de Rilhafoles, que foi convertido em hospital, surge o Pavilhão de Segurança (1896), de uma brancura brilhante. As

linhas vanguardistas do edifício em forma de circo sem tenda anunciam a estética industrial da década de 1930. Através de um perfil circular e de uma simetria perfeita, o arquiteto José Maria Nepomuceno procurou simbolizar a razão e a perfeição. Uma torre panótica (que já não existe), uma porta de acesso única e um telhado suspenso “antievasão”, de 40 metros de diâmetro, facilitavam a vigilância eficaz e discreta dos detidos, num enquadramento harmonioso. O pavilhão “maldito” albergava até 80 doentes mentais, alguns perigosos para a sociedade. O edifício, então chamado Hospital de Rilhafoles, inscreve-se na engenhosa abordagem

“ Uma originalidade arquitetónica

escondida no coração da cidade

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LISBOA INSÓLITA E SECRETA244 LISBOA INSÓLITA E SECRETA 245

SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DE LISBOA Rua das Portas de Santo Antão, 100• Visitas gratuitas nas primeiras terças-feiras de cada mês, em português.• Possibilidade de marcação de visitas noutras línguas ou sobre temáticas específicas.• Tel. +351 213 425 401• www.socgeografialisboa.pt/museu

Enquanto se aguarda a conclusão das obras (em data indeterminada) que deverão permitir uma abertura

ao público mais regular, a Sociedade de Geografia de Lisboa pode ser visitada uma vez por mês, com marcação prévia.

Véritable voyage dans le temps, la visite commence dans un salon désuet auxO visitante faz uma verdadeira viagem através do tempo que começa num salão antiquado com sofás de veludo verde. Subindo os degraus da grande escadaria central, acede ao primeiro andar, onde pode ver uma primeira sala austera com uma grande mesa em ébano esculpida, em torno da qual se reuniam geógrafos, cientistas, militares e outros exploradores da instituição. Nas paredes estão expostos os retratos de todos os presidentes, desde o fundador da instituição, Luciano Cordeiro, oficial da marinha especialista em África, em 1875, até ao atual diretor, Luís Aires Barros, que por vezes se encarrega de fazer as visitas guiadas.

A sala Portugal é a mais espetacular, toda forrada a vermelho carmim, com os seus 50 m de comprimento, rodeada por duas ordens de galerias, onde estão guardados os objetos provindos de diversas expedições e os mapas mais importantes. A dimensão da sala espelha o espírito que prevalecia no século XIX, as questões internacionais das várias potências europeias que se expandiam para a Ásia e África e a posição privilegiada de Lisboa, a ponta mais ocidental da Europa “onde a terra se acaba e o mar começa”, como escreve Camões. Contígua à sala Portugal, encontra-se uma pequena sala de reuniões, dominada

p o r u m i m e n s o p l a n i s f é r i o q u e , graças a um jogo de retro-iluminação, apresenta todas as ro t a s m a r í t i m a s dos exploradores portugueses, desde Vasco da Gama a Sacadura Cabral , passando por Gago Coutinho.

“ Uma viagem

no tempo

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A IGREJA DE S. FÉLIX DE CHELASLargo de Chelas, Marvila• Visita mediante marcação prévia no local• Contacto: Arquivo Geral do Exército. Tel.: 218391600• Autocarro: 104

Praticamente desconhecida (visita-se só com marcação prévia), a igreja e convento de S. Félix de Chelas tem

uma história rica e fabulosa que recua ao tempo do herói grego Ulisses e do seu companheiro de aventuras, Aquiles, e se prolonga pela época visigótica. Assim, envoltas em lendas miraculosas, vêem-se expostas nos altares da capela principal desta igreja as relíquias dos seus 26 santos padroeiros que, em 1604, foram colocadas em esculturas mandadas fazer por D. Luísa de Noronha, benfeitora deste convento. Considerado “templo de maravilha”, por ter tanto para admirar e contar, veio a inspirar o nome desta freguesia de Maravilha, isto é, Marvila.

Recolheram-se aqui vestígios da ocupação romana, como o célebre sarcófago dos escritores, assim chamado por, no respectivo friso, ter quatro musas (Tália, Melpomene, Polísunia e Clio), cada qual acompanhando um escritor. A origem cristã do convento remonta pelo menos ao ano de 665, quando Recesvinto governava a monarquia visigótica e teria recebido as relíquias de S. Félix, martirizado em Gerona no ano 30 d. C., que foram trazidas para aqui numa barca pelo esteiro que então banhava o Vale de Chelas.

No século IX, Afonso III de Leão, o Magno, tomou Lisboa aos mouros e entregou a este convento as relíquias dos mártires St.º Adrião e sua mulher, St.ª Natália, provenientes da Galiza. Em 1147, D. Afonso Henriques reconstruiu esta casa religiosa, sagrou-a de novo, e doou-a à Ordem dos Templários, que se tornaram donatários de todo o Vale de Chelas e da zona oriental da cidade. Em 1290, esta casa de religião já estava na posse da Ordem de Santo Agostinho e, até 1219, teve duas comunidades reclusas: uma masculina e outra feminina, acabando só por restar esta última.

A partir de 1757, o arcebispo D. Miguel de Castro fez colocar as relíquias em arcas doadas por D. Isabel Scota junto da capela do Nascimento, sobre um portal onde as mães faziam passar os filhos doentes, invocando a protecção dos santos mártires e indo depois lavá-los na água de um poço junto do antigo cais de esteiro. Este antigo convento ainda conserva o seu pórtico manuelino, os azulejos policromos do átrio, o claustro com uma fonte e bancos de espaldar inclinados e alegretes com azulejos azuis e brancos, além da escadaria também guarnecida de azulejos.

“ De Aquiles a Chelas

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Neste mesmo local teria existido, no século VII a. C., um templo de vestais dedicado a Tétis, a rainha das nereides ou tágides, ao qual, segundo a lenda, Ulisses foi buscar Aquiles, que lá se refugiara e vivia disfarçado de donzela, isto é, participaria de algum tipo de Iniciação Matricial. Do nome de Aquiles teriam derivado Achelas e Chelas, que no tempo de D. João I também se grafava Celhas.