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JOSÉ MARIA SILVA MONTEIRO FUNANÁ: DE TRADIÇÃO À INOVAÇÃO – UMA ANÁLISE LITERÁRIA INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO JUNHO DE 2006

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JOSÉ MARIA SILVA MONTEIRO

FUNANÁ: DE TRADIÇÃO À INOVAÇÃO – UMA ANÁLISE LITERÁRIA

INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO

JUNHO DE 2006

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José Maria Silva Monteiro

FUNANÁ: DE TRADICÃOÀ INOVACÃO – UMA ANÁLISE LITERÁRIA –

Monografia como pré-requisito de conclusão do

curso de Licenciatura em Letras – ECVP – do

Instituto Superior de Educação, sob a orientação

do Professor José Maria Semedo.

INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO – ISE

Praia -2006

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Instituto Superior de Educação Departamento de Estudos Cabo-verdianos e Portugueses

Tema: FUNANÁ: DE TRADIÇÃO À INOVAÇÃO – UMA ANÁLISE LITERÁRIA

O Júri _________________________________

_________________________________

_________________________________

Praia, Junho de 2006

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DEDICATÓRIA

À Loly e ao Bentinho,

Que ao crescerem tornaram-me mais consciente dos meus deveres;

À minha avó,

Que partiu para sempre – que Deus a tenha;

Para os meus pais que me deram a vida e a oportunidade de estudar e trabalhar, não

obstante os parcos recursos que possuíam; assim como ao povo de Ribeirão Boi e

Santa Cruz inteiro que deram uma contribuição valiosa para o meu progresso.

Aos colegas de infância (em especial Loló), com quem palmilhei montes e vales,

vencendo ladeiras e cutelos nas sucessivas idas e vindas na ânsia de aprender. –

Consciente ou inconscientemente vocês me apoiaram. Obrigado à todos!

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AGRADECIMENTOS

Para que esse trabalho pudesse concretizar contamos com o apoio e dedicação de

algumas pessoas e entidades. Neste âmbito começaríamos por agradecer em primeiro

lugar ao Dr. José Maria Semedo, que sempre manifestou a sua disponibilidade em nos

orientar. A sua orientação foi excepcional!

De igual modo agradecemos a todos os Professores do ISE, que directa ou

indirectamente influenciaram o rumo dos nossos conhecimentos.

Ao Cláudio Furtado, que de maneira brilhante ajudou-nos a desenvolver na percepção

critica da realidade e do mundo.

Ao Leocádio Ramos da Silva, que sempre nos aconselhou, abrindo assim os nossos

horizontes.

Uma nota de apreço muito especial ao Zeca di Nha Reinalda, Kode di Dona, Kaká

Barbosa, Djudju (homem de letras e de “Kultura”) Dju di Rabenta e Stivie – Homens da

cultura com os quais tivemos um diálogo decisivo no quadro desse trabalho.

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"Nunca desesperes face às mais sombrias aflições de tua vida, pois das nuvens mais negras cai

“Funaná é caminho longe; funaná é liberdade.” João Cerilo Pereira Monteiro

(Pó-di- Terra)

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INDICE

Introdução

Pags. 10,11

I. Breve Enquadramento Teórico/Metodológico

12

1.Situação Geográfica De Cabo Verde

13

2.Situação Politica

14

3.Situação Económica

14

II. Origem

15,16

1. Breve Historial de Funaná

16

2. Um Novo Funaná

17,18

III. Breve Bibliografia Dos Principais Executantes 1. Kodé Di Dona

19

2.Norberto Tavares – O PioneiroPai Do Funaná Moderno

19,20

3.Carlos Alberto Silva Martins - Katxás 21IV. De Campo À Cidade: O papel do conjunto

“Bulimundo”

22

1.Inovação no Funaná

22,23

2. O Papel do conjunto “Bulimundo”

23

3.Funaná E A Religião

23-25

4. Funaná E A Politica

25-27

V. Análise Literária De Algumas Músicas Do Funaná

– “Fomi 47”– Kodé Di Dona

28,29

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1.Narração E Descrição Em Kodé Di Dona

30

2. Estrutura Do Texto (Plano Formal).

30,31

3.Tempo De Narração

32

4.O Eixo Paradigmático Da Canção.

33

5.Marcadores Da Narrativa E Da Oralidade.

34

6.“Fomi 47” Em diálogo com a Literatura

34

7.Os Recursos Expressivos Do Texto

35,36

8. Simbologia De Quatro Em Kode Di Dona

37

9.A Questão Da Rima.

38

VI. Ferru Gaita e o Ritmo da Modernidade 1. Fundu Baxu

39

2.Memória Textual

40

3.Estrutura Do Texto.

40

3.1.Plano Formal

42

3.2.Plano Ideológico

43

3.3.Plano Fónico

44

3.4.Conclusão Do Ponto De Vista Estilístico.

44

VII. Análise De “Dja´M Branku Dja)” – Bulimundo

45,46

1.Plano Semântico 46

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9

2.Plano Formal

46

3.Plano Ideológico

47

4.Plano Fónico

47

VIII. Evolução Do Funaná

48-51

IX. Conclusão

52

X. BIBLIOGRAFIA

53,54

XI. ANEXOS 55-65

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INTRODUÇÃO

A cultura cabo-verdiana, concretamente a música, desde principio indiciou um

costume estético demonstrativo de que a essência da arte musical é um factor que bem

utilizado constitui um dado histórico magistral na existência de um povo. A música, quer

enquanto poesia quer enquanto narração novelística, apresenta-se como um dado importante

no retratar do social, do espiritual e do psicológico de um país, de um povo ou de uma região.

A semelhança da literatura, na música os autores cabo-verdianos começaram a

empenhar-se em representar o ‘chão crioulo’e a usar a música para retratar a realidade social.

Deste ponto de vista, o ouvinte/leitor percebe nitidamente a importância de um tema como a

emigração na produção musical cabo-verdiana resultante de factores de ordem económico,

geográfico entre outros.

Neste trabalho pretendemos fazer um estudo ligado a música cabo-verdiana,

especificamente o "Funaná", esse ritmo quente e gostoso que veio apoiar no enaltecimento do

sentimento popular em Santiago porquanto que, só depois do aparecimento de executantes

talentos de nível de Carlos Alberto Silva Martins, “Katchás” e de conjuntos como os

“Apolos” ”Bulimundo” e “Finason”, que esse ritmo expandiu acabando por ser conhecido

nacional e internacionalmente.

Na literatura criada pelo Movimento Claridoso quer na poesia quer na novelística, a

emigração, a fome, o evasionismo eram temas recorrentes. Será possível perceber esses

aspectos nas letras da música “funaná”? Os compositores do funaná têm como atitude

espiritual exprimir determinadas situações da existência do povo cabo-verdiano, decorrente do

condicionamento geográfico e telúrico do arquipélago. Na literatura é conhecida a dicotomia

"querer partir e ter que ficar" ou "querer ficar e ter que partir’ – Será possível encontrarmos

esse aspecto também no funaná?

No âmbito desse trabalho propomos analisar esses e outros aspectos que fazem parte

da mundivivência do cabo-verdiano espelhado na nossa música, designadamente – o funaná.

Conforme veremos mais adiante, de início estava confinado ao espaço rural (interior

de S. Tiago), passou depois para a cidade, depois de feitas algumas mudanças a nível

instrumental. Dantes era executado apenas com “Gaita” e ferrinho, depois passou a ser tocado

com instrumentos electrónicos nomeadamente violas e percussão, a partir da independência

de Cabo Verde em 1975.

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Neste trabalho pretendemos fazer um breve apanhado ao que se tem dito em relação

ao funaná com vista a chegar a uma breve análise das letras desse estilo musical que encerra

algum valor poético. Resumidamente procuraremos fazer a decomposição de alguns textos do

funaná em suas partes constitutivas, para perceber o valor e o relacionamento que guardam

entre si e para melhor compreender, interpretar e sentir a musica/poema como um todo

completo e significativo.

Assim sendo teremos em consideração na nossa breve análise os seguintes aspectos

teóricos:

a)Plano Semântico

b) Plano Formal

c) Plano Fónico

d) Plano ideológico.

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I. BREVE ENQUADRAMENTO TEÓRICO/METODOLÓGICO

O funaná, estilo musical oriundo do interior de Santiago tem despertado interesse de

estudo por parte de diversos agentes culturais como etnólogos, antropólogos, sociólogos,

nomeadamente na sua vertente “musicológica”, dando realce ao ritmo, compasso e outros

elementos melódicos. Como estudante de literatura esse estilo chamou-nos atenção pela

beleza e riqueza das suas letras, do seu conteúdo temático e semântico, concretamente

falamos das diversas sugestões que a sua letra nos apresenta. Então, a partir das letras

pretendemos fazer uma análise literária com vista a aferir mudanças na produção literária que

enformam as letras dessa música. As questões iniciais e que permeiam este trabalho são as

seguintes:

- Que mensagem literária apresenta as letras do funaná?

- Que contributos tem dado o funaná, para o enriquecimento da cultura cabo-verdiana?

- As letras musicais do estilo funaná têm constituído uma mais valia para a nossa

cultura?

-Será que essas mensagens têm contribuído para a formação de identidade do cabo-

verdiano?

-A evolução do funaná fica devido a presença da nova geração ou esta simplesmente

deu uma nova roupagem ao já existente?

Propomos responder essas e outras questões ao longo deste trabalho através de pesquisas e

entrevistas.

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1.SITUAÇÃO GEOGRÁFICA DE CABO VERDE

Constituído por 10 ilhas e oito ilhéus, o arquipélago de Cabo Verde se divide em dois

grupos: o de Barlavento, formado pelas ilhas de Santo Antão, Sã Vicente, Santa Luzia, São

Nicolau, Sal e Boa Vista, e o grupo de Sotavento, formado pelas ilhas de Santiago, Maio,

Fogo, Brava.

As ilhas se dividem, quanto ao relevo, em ilhas planas e montanhosas. As planas são

as mais orientais, Sal, Boa Vista, e Maio. As montanhosas são as ilhas de Santo Antão,

Santiago e São Nicolau, sendo que as restantes são de relevo acidentado. O ponto culminante

do arquipélago situa-se na ilha do Fogo, com o cume do vulcão medindo 2.829 metros acima

do nível do mar.

A temperatura média anual do arquipélago é de 25º e a sua amplitude térmica não

ultrapassa os 11º, isto devido à presença do mar. A bruma, seca que por vezes aparece nas

ilhas, é proveniente dos ventos do deserto e tem duração incerta. Nos meses de Julho a

Outubro temos a época das chuvas, e é quando as ilhas se cobrem com verdejante manto

fresco e tão esperado por todos.

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2.SITUAÇÃO POLÍTICA

Depois de 15 anos de regime de partido único, Cabo Verde abraçou a democracia

representativa em 1990. As primeiras eleições livres e pluralistas aconteceram a 13 de Janeiro

de 1991, tendo sido vencidas pelo Movimento para a Democracia (MpD), passando o Partido

Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, sucedâneo do PAIGC) para a oposição.

O MpD, hoje na oposição, manteve-se no poder nos 10 anos seguintes, até ser substituído pelo

seu rival, PAICV.

De acordo com a actual Constituição, Cabo Verde é um Estado de direito democrático,

onde os direitos dos cidadãos são respeitados. O regime em vigor é de base republicana e

parlamentarista. Pedro Pires, veterano da luta pela independência, é o actual chefe de Estado;

e José Maria Neves, um dos mais jovens chefes de governo de África, o Primeiro-Ministro. A

Cidade da Praia é a capital do país, que ainda possui um poder local organizado em câmaras e

assembleias municipais.

3.SITUAÇÃO ECONÓMICA

As ilhas de Cabo Verde têm poucos recursos e são afectadas pela seca. A agricultura é

prejudicada pela falta de chuvas regulares e está restringida a apenas quatro ilhas. Estimado

actualmente à volta de 1500 dólares per capita, o PIB é produzido, maioritariamente, pelo

sector terciário, ou seja, pelos serviços. A moeda cabo-verdiana, o escudo, está indexada ao

euro, valendo um euro 110 CVE.

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II.ORIGEM

O funaná é um ritmo musical de Cabo Verde, mas precisamente da ilha de Santiago e

é tocado com gaita e ferrinho. Diz-se que a origem do termo "Funaná" vem de um homem que

se chamava Funa e tocava gaita (correspondente ao acordeão) e de uma mulher chamada

Nana que tocava ferro (ferrinhos). O "Funaná" nasceu no interior da Ilha de Santiago, na

República de Cabo Verde para animar as actividades nas zonas rurais, qualquer que fosse a

festa (um casamento, um baptizado, uma festa religiosa) era sempre ao som do "Funaná". A

sua origem é objecto de muita especulação porquanto não existem documentos que provem

esse aspecto. Assim sendo encontramos diferentes hipóteses sobre o seu surgimento.

O funaná ou badjo gaita foi no passado ao lado batuque músicas marginalizadas.

Significasse ou proviesse do “fungagá” (música reles, trivial), ou da aglutinação dos nomes

dos tocadores de gaita e ferrinho “ Funa” e “Naná” , facto é que até ao surgimento dos

conjuntos os “Apolos”1 e “Bulimundo”2, o termo “Funaná” evocava coisas reles e banal na

mentalidade de grande parte dos cabo-verdianos.

Na opinião de Kaká Barbosa, o funaná não existia como música e nem como ritmo.

Porque segundo ele os ritmos existem pela sua própria natureza. Agora o que aconteceu é que

depois da independência criou-se um chapéu e por baixo dele colocou-se vários ritmos:

funaná lento, funaná “rapikadu”. Chamou-se funaná para criar uma designação que coubesse

um determinado número de ritmos. A gaita de fole era tocada pelos camponeses, sobretudo no

interior de Santiago; Como ela não é um instrumento que contém todas as notas musicais é

provável que o tocador cortou as partes que não o interessava deixando aquilo que a gaita

pudesse exprimir dando origem a uma nova musica.

Segundo o mesmo para marcar o compasso usa-se a mão esquerda que faz o compasso

de baixo, é um compasso que de acordo com o teclado da mão direita com o puxar e levar a

gaita para exprimir uma certa melodia, determinado tom, houve deturpações, houve uma

nova acomodação tanto de ritmo como de melodia dando origem a uma música diferente que

é a música do interior de Santiago.

1 Nome dado ao conjunto musical cabo-verdiano surgido na década de 80 em homenagem ao Deus da música e da poesia. Segundo a mitologia, nasceu em Delos, num dia sete. Nesse dia, cisnes sagrados deram, sete vezes, a volta à ilha; (Cf. Dictionnaire dês Simboles). 2 Conjunto musical cabo-verdiano fundado pelo músico Carlos Alberto Martins. O nome provém da designação do maior edifício de Perda Badejo, terra natal do musico, que no passado funcionou como lugar de assistência aos doentes e famintos em épocas de crise.

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É um género recente, surgido, segundo uns, no final do século passado, segundo

outros nos princípios ou meados deste. Algumas pessoas, designadamente Lídia Mendonça3

afirmam que depois da importação da gaita ela difundiu-se pela ilha de Santiago, e que ao se

manusear o instrumento sem uma aprendizagem prévia, surgiu este tipo de música que

evoluiu e originou diversas variantes. Para outros, talvez pela igreja, para substituir os órgãos.

Constata-se a partir daí que a origem do funaná é bastante controverso.

1. BREVE HISTORIAL DE FUNANÁ

Segundo reza a história recente, o funaná constitui sempre uma música do campo, com

pouca aceitação na cidade e sem prestígio social nas camadas elitistas. Não era bem vista,

uma vez que nas actividades em que era, surgiam sempre atritos e confusões de que acabavam

por terminar com as actividades muitas vezes no meio de guerra, pancadarias, choros e

apupos; às vezes até terminavam com mortes.

No passado esse género de música foi proibido pelos colonialistas. Talvez por ser

muito eufórico e muito sensual, características que faziam dele uma musica conflituosa.

Segundo Virgolino, mas conhecido por Dju di Rabenta, conhecido tocador de gaita, a

mentalidade do povo não ajudava, pois o baixo nível cultural das pessoas propiciava o

surgimento desses conflitos. Os próprios tocadores também agitavam a assistência ao

disputarem o melhor executante. Normalmente nos bailes de funaná os tocadores tinham o

hábito de se desafiarem um ao outro; a medida que tocavam aproximavam – se um do outro

numa clara atitude de desafio; isso as vezes levaria a desentendimentos que não raro

terminavam em brigas sangrentas.

As pessoas aproveitavam do momento dessas festas para ajustarem as velhas contas,

que tinha por motivo na maioria das vezes a concorrência pelas meninas bonitas da aldeia, o

ciúme descontrolado, enfim - richas do passado. Esses aspectos originam sempre choques às

vezes sangrentos entre os familiares, e sendo festa de camponeses, com regras tradicionais

próprias, o desfecho de certos embates não era com certeza, de acordo com certas normas da

lei e moral dos colonizadores e de uma sociedade civilizada. Daí que, as apreciações que se

registam em relação ao funaná, na era colonial, sejam sempre depreciativas, o que motivou o

isolamento desta música, que se tornou um símbolo de resistência, no interior de Santiago,

facto até agora muito pouco estudado e assinalado pelos estudiosos.

3 Senhora já idosa residente Santa Cruz. Mulher de finaçon, txabeta e batuku; Conceituada dançarina do funaná.

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Para Carlos Gonçalves4, estudioso da música cabo-verdiana, em 1978, no seguimento

do movimento de retorno às fontes tradicionais da música, que surgiu a partir de 1974, o

músico e compositor Carlos Alberto Martins (Katxás), desencadeou com o seu conjunto

Bulimundo, o aproveitamento das bases melódicas e rítmicas do funaná e a sua adaptação aos

instrumentos electrónicos. Este trabalho, no início contestado por muitos intelectuais, mas

amplamente aceite pela camada jovem e pelo povo de Santiago, revestiria a forma de uma

verdadeira revolução musical no arquipélago. O surgimento do Bulimundo daria um impulso

novo na música de cabo Verde, que se viu enriquecida com mais uma forma musical. Trata-

se, pois, de uma nova forma de música com outra instrumentação e até outra estrutura musical

e temática, mas com raízes no funaná tradicional que lhe deu origem.

Actualmente, o funaná (na sua nova versão) é juntamente com a Morna e a Coladeira,

um género musical nacional, cujas composições fazem parte do reportório de qualquer

conjunto ou orquestra. A sua dança, do tipo europeu (dama e cavaleiro de braços dados) tem

características próprias e uma elegância digna de qualquer salão.

UM NOVO FUNANÁ

Ainda de acordo com Gonçalves a Independência de Cabo Verde em 1975, regista-se

uma verdadeira explosão musical, caracterizada pela popularização da chamada “Música

Revolucionaria”, que consistiu na tradução nos versos de mornas e Coladeiras, de temas sobre

o nacionalismo, louvações à independência e temas de protesto.

Nos finais dos anos 70, surge o conjunto “Bulimundo”, sob a orientação de Carlos

Alberto Martins que retoma o princípio do retorno às fontes. O trabalho desses grupos incide

primeiro sobre o funaná, e depois sobre o batuque, géneros da ilha de Santiago, com grandes

potencialidades e até então inexplorados. O “Bulimundo” efectuou um estudo profundo dos

ritmos, estrutura melódica e acordes, desses géneros, que transporta para uma orquestra de

instrumentos eléctricos. No início interpreta e adapta simplesmente, as composições de

músicos tradicionais (Sema Lopi, Kodé diDona, Caeteninho e outros). O sucesso e aceitação

desta nova música é imediato, pelo que o novo género “Funaná” (com instrumentos

electrónicos) passa logo a dispor de composições e compositores próprios, bem como de uma

quantidade de variantes de ritmo e de orquestrações.

4 Estudioso da música cabo-verdiano, tendo publicado um trabalho sobre funaná na revista fragata (nº22) em 1999, sob o título “ Funaná: O cartão de visita de Cabo Verde" (Pags.16,18 e 19).

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Nesta mesma altura, Norberto Tavares gravava em Lisboa, um disco com o sugestivo

título “Volta pa Fonti”, de facto, um regresso às fontes da música tradicional: o Batuque e o

Funaná. Embora distante (Lisboa e Praia) Norberto Tavares e Katxás estão coincidentes nos

objectivos destes novo movimento. Este trabalho, que tem muito sucesso, antecipa o

Bulimundo na gravação desta nova forma do Funaná (electrónico).

Controversa no seu início, esta nova música só consegue impor-se totalmente, depois

de uma grande luta com os tradicionalistas que julgavam estar-se perante a deturpação de uma

género folclórico, que devia ser conservado e interpretado tal qual. Nos anos 80, o tão

almejado e controverso terceiro género musical, muito procurado (desde 1973) consegue

impor-se na sua plenitude em todas as ilhas como musical nacional, em pé de igualdade com a

Morna e a Coladeira. O “Novo – Funaná” é, sem dúvida, a maior conquista da música cabo-

verdiana, no seu processo de evolução. Por um lado, enriqueceu o panorama musical nacional,

e por outro levou a uma revalorização da chamada música tradicional (que se circunscreve a

realidade regionais ou mesmo locais), que só viria a ter uma maior expansão nos finais dos

anos 80 e nos anos 90.

Como em outros países com músicas tradicionais por transmissão oral, o Funaná

esteve quase a desaparecer no final dos anos 70 do sec. XX. Como foi referido atrás, foi muito

importante o trabalho do Katchas nos “Bulimundo” para que o Funaná não morresse; É então

que no decorrer dos anos 80 muitos tocadores voltam a fazer bailes de Funaná, depois de

terem parado.

Com a evolução dos meios técnicos, muitos tocadores gravam CD’s: Bitori nha

Bibinha, Sema Lopi e Julinho da concertina (este residente em Portugal) entre outros.

Até que aparecem os Ferro Gaita (finais da década de 90 a combinarem a Gaita e o

Ferro com o Baixo eléctrico e a Caixa de ritmos (Drum’s machine) – à semelhança do que o

“Bulimundo” já tinham feito, que se tornam rapidamente num fenómeno de popularidade. De

referir que este movimento, a par do Batuco centra-se essencialmente na ilha de Santiago, em

oposição à Morna e Coladeira mais centradas em S. Vicente.

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II. BREVE BIBLIOGRAFIA DOS PRINCIPAIS EXECUTANTES

1.KODÉ DI DONA – (de gaita ao peito)

Nasceu em S. Domingos, a 10 de Julho de 1940, filho de Estêvão Vaz e de Francisca

Pereira Cabral, Kodé di Dona passou muito tempo da sua vida em Santa Cruz depois em S.

Francisco onde reside actualmente. Nas ilhas, a década de 40 seria uma das mais fustigadas

pelo flagelo das secas engendrando fomes imensas, com os mais fracos a morrer pelos

caminhos, na retirada para a cidade e para a emigração.

Segundo o testemunho do próprio ele não estudou: “puseram-me a correr atrás de

burros, cabras e vacas. A primeira gaita que tive foi trocada por um bidão de vinte e duas

quartas de milhos”

Foi parar a tribunal por ter tocado gaita numa festa de baptizado.

2.NORBERTO TAVARES – O “PIONEIRO” DO FUNANÁ MODERNO

De acordo com um artigo de Santos Spencer5, o artista de nome completo Norberto

Santos Tavares, nasceu no dia 6 de Junho de 1956 em Cutelo, próximo da Assomada, no

5 www.cvonline.com - Quinta-feira, 28 de Agosto de 2003

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concelho de Santa Catarina, filho de um santiaguense e de uma bravense. A música corre nas

suas veias uma vez que o seu pai, que infelizmente falecera quando Norberto tinha apenas 9

anos de idade, era um excelente executante de violino e violão enquanto que a mãe, residente

há largos anos nos EUA, sempre revelou queda para o canto.

Assim, sem poder receber lições do pai, o consagrado músico teve que “desenrascar”

sozinho na fase de aprendizagem, começando por adquirir um violão aos 11 anos de idade,

lançando-se no mundo das composições no ano seguinte.

Como era um “menino de igreja” que, inclusivamente vestia a pele de “ajudante de

padre” teve acesso a um órgão que acabou por ser peça fundamental na sua moldura artística.

Entre 1971 e 1972 foi activista cultural na então Vila da Assomada onde integrou o

grupo católico “Os Mensageiros”, que fazia teatro e música.

Em 1973 Norberto parte para a emigração, fixando residência, durante cerca de 6

anos, em Portugal onde exerceu a profissão de tipógrafo mas também desenvolveu uma

intensa actividade musical com a criação do seu primeiro grande conjunto, Black Power

(1974). Foi também em terras lusas que gravou o seu primeiro disco a solo, o célebre LP

“Volta pa fonti”, com a participação do prestigiado saxofonista Teck Duarte e do baterista dos

“Black Power”, Manel.

Em 1979 muda para os Estados Unidos da América onde assumiu de vez a condição

de músico profissional. Em finais de 79 com o irmão António Tavares (viola baixo) e outros

músicos da comunidade, entre eles, Terêncio (guitarra), Jack (bateria) e Felisberto (viola

ritmo) cria e lidera o conjunto Tropical Power com o qual viria a lançar dois discos, tendo o

segundo trabalho contado com a participação da cantora Gardénia Benrós.

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3.KATXÁS – O ESTILIZADOR, O COMPOSITOR E O

ORQUESTRADOR

Natural da vila de Pedra Badejo, Santiago, Carlos Alberto

Silva Martins, formou-se em Portugal no curso de Engenheiro

técnico agrário (ex regente agrícola). Como emigrante viveu algum tempo na França. De volta

a Cabo Verde e no interior da sua ilha natal, formou com mais companheiros o conjunto

Bulimundo.

Vítima de um acidente de viação, morreu numa terça-feira, 29 de Março de 1988 pelas

11 horas e 20 minutos, o guitarrista, compositor e orquestrador. O acidente que o vitimou

ocorreu na madrugada de domingo, pouco depois da realização do espectáculo de gala

realizado no palácio da ANP, para assinalar o encerramento do I encontro de Musica

Nacional. Assim noticiava o jornal “voz di povo”6, a quando do passamento físico de Katxás.

Katxás, que contava 36 anos de idade, foi um dos responsáveis pela valorização e

divulgação do funaná na sociedade cabo-verdiana pós-independencia. Até então confinado ao

meio rural de Santiago este género musical passara a conhecer dias de gloria, em parte, graças

ao trabalho meritório de Carlos Alberto Silva Martins e dos seus companheiros do

Bulimundo.

Da sua fundação em 1978 até 1985 esse agrupamento musical gravou seis álbuns,

todos sob a orientação de Carlos A. Martins. Além do funaná constam desses trabalhos

discográficos todos os géneros musicais de cabo verde o que fazia desse agrupamento um

conjunto nacional na sua essência.

Considerado por muitos como o pai do funaná moderno, Katxás é um homem que fica

na história, pois provocou mudanças no panorama musical cabo-verdiano, as quais reflectiram

nas gerações que lhe sucederam.

6 In: “Voz di Povo” , edição de 30 de Março de 1988.

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IV. DE CAMPO À CIDADE

1.O PAPEL DO CONJUNTO “BULIMUNDO”

O conjunto musical ”bulimundo ”surgiu no ano de 1978, três anos depois da

independência de Cabo Verde, tendo como fundador principal Carlos Alberto Silva Martins,

conhecido por Katxás como já foi referido.

Segundo Zeca de Nha Reinalda,7 o nome advém do facto desse agrupamento ter sido

fundado em Pedra Badejo onde existe um edifício chamado “Bulimundo” que faz parte da

história de Pedra Badejo.

Na sua fundação participaram: Katxás, Kim di Santiagu, Mandala, Silva Lú di pala, Rui

Casimiro (batarista). Depois deu se a fusão com “Opus Sete”.

O papel desse conjunto no cenário musical cabo-verdiano é de valor indelével segundo

Kaká Barbosa8:

“Bulimundo” trouxe uma música nova, inovou, trouxe uma coisa nova para a

Praia. Na altura a Praia era ignorante em relação àquilo que se fazia no interior

de Santiago. Praia não era na altura uma Praia esclarecida. Só abriu os olhos

depois da independência.”

2.INOVAÇÃO NO FUNANÁ

Na opinião de Gláucha Nogueira9 embora Katchás, o líder do “Bulimundo”, apareça

como o grande rosto dessa “revolução” que foi trazer a música de ferro e gaita para a cidade e

para os instrumentos eléctrico, é ele próprio que, num artigo no jornal Tribuna, em 1986,

reconhece: “Se tivesse tido a intenção de fazer o primeiro disco da história do funaná,

Norberto Tavares tê-lo ia realizado.”

O próprio Norberto Tavares revela não ter a noção deste pioneirismo: “Não tenho em

mente quando é que o “Bulimundo” começou a gravar, mas se foi a partir de 1980, eu gravei

antes, 1979, o funaná Mariazinha Lebam bu Palavra”.

7 Elemento do grupo “Opus Sete” que integrou o grupo “Bulimundo” cinco meses após a sua fundação a convite de Katchás. É um distinto e conceituado músico cabo-verdiano, sendo considerado “rei de Funaná”. 8 Conhecido músico, activista cultura, homem de tradição oral cabo-verdiano e actualmente é deputado nacional. 9 Num artigo escrito para a revista de bordo dos “TACV”, nº 2, III série, 2005 – de Julho a Setembro, Gláucha Nogueira, reconhece Norberto Tavares como o pioneiro do funaná eléctrico.

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Deve-se referir que na mesma altura estava na forja um outro conjunto denominado

“Opus Sete”, que integrava os irmãos Zeca e Zezé de Nha Reinalda. Esse conjunto veio a

fundir-se dando origem ao “Bulimundo”. Conta Zeca:

“A fusão processou – se da seguinte forma: correram rumores de que Katxás iria regressar para França, ele veio e trouxe uns materiais, então eu tinha algum dinheiro; Pedi uma reunião com ele em minha casa, para negociar com ele aqueles materiais, então fomos à minha casa e lembro inclusive do almoço daquele dia que era Congo; alias eu gosto muito do Congo, mas antes já tinha avisado aos rapazes do opus sete e levei-lhe para uma demonstração uma vez que nós também já tínhamos iniciado a tocar funaná. Fomos o primeiro conjunto a tocar “Djonzinhu Kabral. Quando ele viu o que estávamos a fazer, e para minha surpresa cinco dias volvidos convidou 5 elementos do opus sete para integrarem “Bulimundo”. Fui eu , Tony, Santos, Zé Gustu mais tarde saiu Lú di Pala do “Bulimundo” e entrou Zé Cara Bedja”

3.FUNANÁ E A RELIGIÃO

Segundo Kodé Di Dona, sendo uma música de pendor pagã, nunca se deu bem com a

igreja, designadamente igreja católica que no passado teve maior convívio com a cultura

cabo-verdiana devido à própria história da igreja em Cabo verde que confunde muitas vezes

com o próprio povoamentos das ilhas, pois foi a primeira religião a ser implantada no país

pelos colonos. Evidentemente seria ela uma das primeiras instituições a opor a esse tipo de

música por considerá-la um obstáculo ao incremento da fé cristã. Como se sabe o funaná e é

uma música de combate e por isso agita muitos espíritos designadamente ao retratar o

quotidiano.

O funaná foi muito bem acolhido no campo (interior de Santiago) mas pouco

apreciado pela igreja que via nessa música uma forma dos fies darem costas a igreja, isto por

um lado, por outro a mensagem do funaná era muitas vezes considerada pecaminosa. Note-se

que na época além das músicas religiosas, praticamente não se ouvia outras músicas no campo

e o funaná apareceu exactamente neste contexto de dominação religiosa. Sobre isso

transcrevemos o testemunho de um Ansião de Santa Cruz:

“Na altura só se ouvia a música na missa. Quando ia à Praia costumava ouvir músicas

do Brasil com um amigo. Não se ouvia música cabo-verdiana. De vez em quanto ouvia-se

falar da morna”.

“ Quando apareciam tocadores de gaita, era uma festa, todos queriam ver gente da

terra a tocar, a cantar; isso não era todos os dias. Havia quem faltasse a missa para ir ao baile;

se o padre ou o catequista soubessem essa pessoa não tomava comunhão no próximo

domingo”. Tinha pecado, conclui o nosso entrevistado.

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Neste aspecto Kaká Barbosa, tem a uma opinião muito mais contido:

“A igreja nunca esteve de acordo que as festas religiosas integrassem o

paganismo. Não era contra o funaná. Era contra o que era tradição popular para

se juntar com a festa religiosa. Talvez a igreja gostasse que a festa religiosa

fosse uma festa unicamente religiosa, as pessoas rezassem e fossem para casa.

Mas o povo nunca entendeu assim. O povo tem as suas tradições, a sua cultura,

a sua vivência; tem a sua forma própria de conviver e de estar com a cultura.

Essas eram coisas evidentes da cultura que tinham de ser exercida - ao lado da

igreja, sem igreja - tinha que ser exercida na mesma.”

De resto diga-se de passagem que funaná era tocado essencialmente por “badios di

fora”, pessoas simples, de baixa condição social, iletrados que a olhos de colonos eram

vadios, vagabundos; enfim gente desocupada. O curioso é que segundo algumas pessoas mais

idosas o funaná terá surgido a partir das condições criadas pela própria igreja ao substituir os

pesados órgãos por gaita, instrumento esse utilizado no acompanhamento das missas. Alias o

próprio Norberto Tavares, um dos exímios do funaná moderno terá formado no seio da

própria igreja:

Norberto refere em entrevista a Santos Spencer:

“Sempre quis fazer um trabalho com ideias que tinha, com a música de Cabo-

verde, ou melhor de Santiago. Mas, no grupo, isso não foi possível, porque a

maior parte dos elementos não percebia as minhas razões, ao querer gravar

coisas como o funaná e o batuque. Então, quando o conjunto acabou, fui para o

estúdio fazer aquilo sozinho, toquei praticamente todos os instrumentos”.

E continua:

“ O funaná e o batuque eram menosprezados, o se considerava musica de

Cabo Verde eram a morna e a coladeira”, confirma Tavares que, na infância,

ouvia o pai tocar estes generosos nos vários instrumentos que dominava.

Contudo, lembra o artista, “ fui sempre uma pessoa observadora, cresci na vila

de Assomada e via as pessoas que vinham do campo com a gaita ao peito, para

tocar no dia de Santa Catarina e em outras datas simbólicas… Eram coisas que

me intrigavam, porque parecia que só havia coladeira e morna, mas não era

verdade. Mas as pessoas desprezam as essas coisas de badio di fora… Eu via

essa reacção e não fazia perguntas, mas sentis que havia um desprezo”.

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O certo é que o funaná é tocado na maioria das vezes nas festas de carácter religioso

designadamente baptismos, casamento e festas de santos o que demonstra ser um tanto quanto

paradoxo.

A entrevista de Kodé di Dona é elucidativo em relação a isso:

«Tocávamos Funaná e batuque nas festas de casamento e de baptizado. E fins-

de-semana, sábados, na função. As festas de Santiago, do Divino Senhor, de

São Domingos, de Salvador do Mundo, Santa Catarina. Tudo festa religiosa. »

“Quando havia festa, as pessoas dançavam. E os catequistas iam dizer ao

padre, fazer queixa da gente... A gente não se importava, mas uma vez o cabo-

chefe veio buscar e levou-me a tribunal, por tocar concertina em festa de

funaná.”

4.FUNANÁ E A POLITICA

Não foi só o clero a não gostar do funaná. Também o governo colonial não tinha

«grandes amores» para esse estilo. Como se vê das afirmações de Kodé di Dona, inclusivé o

cabo-chefe, representante da autoridade judicial na comunidade intervinha para por fim a esse

género de música e a semelhança do que aconteceu em relação à religião, o funaná foi

perseguido pela classe política desde a sua génese.

Os colonos depreciavam – no por considerá-lo um atentado à ordem e a segurança

públicas e à cultura, dita erudita. Eis porque não se perseguia a morna ou a coladeira; estes

eram considerados géneros civilizados. É evidente que devido ao seu conteúdo denunciador e

revolucionário, não agradava em nada os colonos que consideravam-no rebelde, contra a

decência e provocante. Aliás foi sempre assim e sabemos que os tocadores foram perseguidos

por tocarem gaita e ferro; esse estrato de música de João Cirilo é elucidativo:

“Funana é kaminhu longi,

Funana é liderdadi,

Colonialista manda prende’m ku nha gaita,

Só pamodi n’ grita viva funaná,

É txoma’m di diskudadu,

É txoma’m di vagabundu.”

Esse trecho ilustra o quanto o funaná foi perseguido na época colonial. Houve casos

mais extremos em que artistas foram julgados no tribunal e só não foram parar a cadeia por

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terem pago uma pesada multa. É o caso de Kodé di Dona, que pagou trezentos escudos de

multa por ter tocado funaná por dois dias seguidos. O padre não gostou, fez a queixa e o

músico/tocador foi punido severamente segundo o próprio:

“ Paguei uma fortuna naquela época. Trezentos escudos eram muito dinheiro.

Queixaram de mim por ter feito festa de funaná. Era baptismo do meu filho. Como não tinha

lugar para os convidados deitarem toquei funaná, mas o catequista não gostou. Foi dizer ao

padre, que por seu turno queixou de mim.”

Com a independência, e por conseguinte com a almejada liberdade o cenário

melhorou, mas não a ponto de agradar a todos. Assim surgiram mais tocadores do funaná, que

teve como corolário a criação do grupo “Bulimundo”. Por um lado queriam fazer emergir a

cultura cabo-verdiana com a introdução de um novo estilo no panorama musical cabo-

verdiano. A par disso continuaram a transmitir a mensagem do campo, e a retratar as difíceis

situações por que passavam a população rural em particular e a cabo-verdiana em geral.

Porém, alguns, fizeram isso as expensas da crítica as instituições e ao governo. A reacção foi

imediata e traduziu-se um congelamento de muitas obras discográficas e silenciaram muitos

artistas, uns com sucesso, outros continuaram a revelia a produzir músicas revolucionárias e

de combate. Norberto Tavares contemporâneo de Katxas, foi um dos recusou

determinantemente a ceder, e como auge dessa rebeldia cantou “Na nha juiz ê mi ki ta manda”

e com um conteúdo ímpar:

“Marra’m mom, marra’m pé , marra’m boka. Má bu ca podi marra’m

pensamento… Ma bu ca ngana’m nem nha tripa, nem nha bofi-bofi, qui fari

nha miolo”

Antes já tinha cantado “PAIGC ki ta branda nhos” e “si e pa bu n´pinha bu terra kubri

bu kasa di padja”. Ambas foram silenciadas e praticamente não ouviu essas músicas por um

longo período.

A esse respeito Kaká Barbosa diz:

“Havia uma elite instruída que estava sobretudo na praia e nas outras ilhas que

desconheciam o interior de Santiago, é normal que essa gente considerasse uma

música mal tocada na gaita, que fosse música de gente indígena ou

marginalizada, sem expressão naquela sociedade instruída. Eles não entendiam

a mensagem, não entendiam, a música. É normal que rejeitassem.”

De facto os tempos mudaram e os ventos da mudança chegaram à Cabo Verde. Era a

democracia emergente e a liberdade consequente.

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Na verdade houve uma evolução, mas não a ponto desejado e não passou muito tempo

para os compositores começaram a demonstrar o seu descontentamento. Uns um pouco mais

contidos, outros mais acutilantes. A suposta liberdade de expressão tão propalada não se

efectivou e não passou de miragem, segundo alguns cantores, designadamente Zeca di Nha

Reinalda. Segundo ele, o artista deve cantar o real “real” e não o real imaginário, dai que a

convivência não foi pacífica, uma vez que as características do real colidem com os interesses

de políticos ou de grandes grupos económicos. No excerto seguinte nota-se exactamente isso:

“Nhu manu braku ki nu brinkaba di djunto

Djunto nu subiba na puder,

Mas na puder é torna puderosu,

E mandanu pa nu ba korri arku.

Es ta pita, es ta djuga

Es ta djuga, es ta pita.

Divergência na Kambra, kulpa é di poder

Abuso na asembleia, kulpa é di poder”

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ANÁLISE LITERÁRIA DE ALGUMAS MÚSICAS DO FUNANÁ

FOMI 47 – Kodé di dona

Ie, Eh, Eh, Eh…

Era na 59,

Txuba skoregadu,

Dizanimadu nha bida,

N’djobe santa,

Pa n bai S. Tomé.

N bem Praia Santa Maria,

Na skritoriu Fernandi Soza,

N´dal nomi é po na papel,

Es dan numbru 37.

Coro- Ie, Eh, Eh… Hum…

Kuato dia, ku kuatu noti,

Era kuato ora di madrugada,

N´odja barku Ana Mafalda,

N´odja luz toma baia.

N´da rinkada n ba pilorinhu,

Txiga na Bibi di keta ),

N’ pol nha prubulema,

É djuda’n mata fomi.

Coro- Ie, Eh, Eh… Hum…

Kuato dia, ku kuatu noti,

Era kuato ora di madrugada,

N´odja barku Ana Mafalda,

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N´odja luz toma baia.

Fladu Ana Mafalda ki dja bem,

Pa leba argúem pa S. Tomé e Príncipe,

N´poi kabessa na txon ,

N´xinta , n kuda bida.

Oh Naná, oh Naná,

Oh Naná, oh Naná, - hum…

N´djunta nhas manduchu ,

N´po dentu sakutelu,

Toma boti n´ba pa Bordu,

Rumadu moda saku.

Kantu dia sem sustentu,

Kantu dia sem kebra djudjum,

Kantu dia sem mata fomi,

Na puron de barku ta bai.

Oh Naná, oh Naná,

Oh Naná, oh Naná, - hum

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1. NARRAÇÃO E DESCRIÇÃO EM KODÉ DI DONA

Kodé di Dona é um artista que usa a técnica da narratividade em parceria com a

descrição para compor as suas músicas. Em «Fomi 47» por exemplo encontramos elementos

que confirmam essa afirmação a permear toda a composição. Começa por narrar a situação de

fome que assolou Cabo Verde na década de 40, no século passado. Através da memória desse

acontecimento perfeitamente catastrófico, o artista rememora, narra e descreve de forma

magistral uma das etapas mais tristes da história de Cabo Verde recente.

Usando a descrição como um modo textual que dificilmente se apresenta de forma

autónoma, mas se integra nos outros modos discursivos, com as mais diversas funções, o

artista forma uma espécie de “retrato”, que permite conhecer paisagens, ambientes, pessoas e

processos que levaram à emigrar uma grande quantidade de cabo-verdianos, tendo com

destino as ilhas de São Tomé e Príncipe, tendo a migração como proposta de solução de uma

seria de problemas insolúveis de forma simplista. Porém, a questão da emigração como linha

temática na literatura como na música cabo-verdiana não é despida de polémica. Em 1963, o

escritor e crítico Onésimo Silveira10 denunciou o aspecto ‘evasionista’ da literatura cabo-

verdiana no seu artigo "Consciencialização na literatura cabo-verdiana". Nesta música a

temática de emigração é tratada como algo que resolve os problemas, mas na actualidade

torna-se cada vez mais evidente que a emigração não resolvesse os problemas “tout-court”

como alguns nos fizeram saber nas suas obras.

Em “fomi 47”, o compositor pormenoriza e individualiza o ser /objecto descrito pelo

uso de elementos linguísticos importantes, substantivos e adjectivos, e por recursos

estilísticos, figuras de linguagens, responsáveis por “fazer ver” e “fazer sentir”

respectivamente. No processo de composição, o descritor selecciona esses elementos e os

organiza para levar o interlocutor a formar e a conhecer a imagem do ser descrito.

2.PLANO FORMAL – ESTRUTURA DO TEXTO.

Mesmo sendo uma letra de música, portanto um texto para ser ouvido, “FOMI 47”

apresenta bonito trabalho formal. O texto se compõe, fundamentalmente, de oito estrofes de

quatro cada versos com excepção da estrofe introdutória que dispõe de cinco versos livres. As

10 Consciencialização na literatura cabo-verdiana (1968).

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estrofes não apresentam um esquema fixo de rimas: o primeiro verso nem sempre rima com o

segundo, mas no caso da quarta estrofe notamos que o segundo verso rima com a quarta:

Era kuato ora di madrugada

N´odja barku Ana Mafalda

Já o refrão é repetitivo ao longo do poema. É um refrão similar ao choro, o que sugere

dizer que o sujeito poético quis transmitir todo o seu lamento, enquanto evoca o interlocutor,

neste caso, Naná.

Oh Naná, oh Naná,

Oh Naná, oh Naná, - hum

Do ponto de vista métrico, observa-se que o autor não se preocupou em criar uma

métrica elaborada: os versos que constituem as estrofes não são do mesmo tamanho e é

notório a simplicidade que norteia a formação dos mesmos. Inocente ou não, a verdade é que

essa música é um hino à Santiago numa época de crise e a todo a sua gente com todo sua

simplicidade; Os primeiros verso funcionam como refrão. As ideias básicas do poema são

expostas logo no início e reafirmadas pelo fim do poema que traz o refrão como se quisesse

iniciar uma nona estrofe. Ao introduzir no final do poema a repetição, como se fosse iniciar

uma nova estrofe, o autor deixa livre para a reflexão do leitor que poderá buscar no

subconsciente qualquer facto que se assemelha às amarguras anteriores (possivelmente

vividas pelo ouvinte apreciador) para completá-lo.

Essa é, sem dúvida uma das características de Kodé di Dona com semelhança em

relação a outros músicos desse género. As músicas “Yota Barela” e “Beta Branka”, são claros

exemplos paradigmáticos desse estilo, de autoria masculina para um Eu-lírico feminino, cujo

tema sugere um lamento pela ausência, a dor de amor a falta de pão e consequentemente a

partida como solução imposta. Esse é, sem dúvida, um recurso marcante nas músicas funaná

designadamente as de Kodé di Dona e de Katxas. É também usado nas músicas dos autores

contemporâneos como por exemplo Norberto Tavares e Zeca Di Nha Reinalda.

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3.TEMPO DE NARRAÇÃO

Como sugere o próprio título a música “fomi 47”, tem como tema a fome, e como

assunto a emigração; narra-se aspectos do passado, pondo tónica nas agruras e nas

dificuldades que pairavam sobre os cabo-verdianos num passado não muito distante. “fomi

47” designa também uma época de incertezas e sofrimentos que se foram prolongando

durante vários anos (desde a decáda de 40 até década de 60 aproximadamente. Por esse facto

o autor/compositor menciona neste música a data de 1959. Essa data simboliza o desespero de

tantos cabo-verdianos que esperaram anos a fio para que as coisas melhorassem e na

impossibilidade de ocorrerem melhorias muitos decidiram emigrar mesmo depois de 47 época

de fome mais conhecida em Cabo Verde. Na realidade o período de fome foi mais além de 47.

Temos em Fomi 47 que chora essa ida á S.Tomé, porém, mesmo assim é considerada uma

possível solução.

Já numa análise contrastiva essa composição é diametralmente oposto a quadra

“Príncipe di Ximento” do já falecido compositor Frank Minita:

Oh príncipe di Ximentu,

Oh rapaz di mementu,

O príncipe ka bu bai pa,

Santo Tomé e Príncipe,

Nha buro ka nha besta,

Ta kumé banana,

Sabidu na skritoriu,

Ta kumé cacau.

Nhu buro ka nha besta,

Nhos temkabesa rixu…

Aqui o compositor apresentou com toda a clarividência a sua aversão à ida para S.

Tomé, chamando de “burros” e “bestas” àqueles que optam por essa emigração.

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4.O EIXO PARADIGMÁTICO DA CANÇÃO.

No que se refere aos aspectos sintácticos, deve-se referir que o sujeito presente na

canção constitui o (SN – sintagma nominal) e seus respectivos predicados (SV – sintagma

verbal). O ponto mais importante da canção está no segundo verso de cada estrofe. Ele tem

sua carga significativa centrada no verbo, sempre na primeira pessoa do singular, tendo como

SN - ELE, o sujeito poético. Evidentemente que esse sujeito representa no contexto da

história um colectivo, pois, muitas pessoas a semelhança do sujeito dessa canção tiveram o

mesmo destino. Há, também, outro SN que é introduzido no enredo e faz parte do contexto,

sem importância central mas que desempenharam um papel no âmbito das actividades

desenvolvidas na época, referimos essencialmente a Fernandi Soza, Bibi di Keta11. Mas o

eixo paradigmático da canção é marcado pelo SV, mais notadamente com a presença dos

verbos conjugados em 1ª pessoa do singular, sendo fundamentalmente verbos de movimento

que expressam a grande dinâmica das acções verificadas na música. Eles se fazem presente no

segundo verso de cada estrofe, denunciando a desafortunada vida de cabo-verdianos, numa

determinada altura. Assim, desanima, anda, procura, chora, emigra; Temos, assim, um ciclo

que se inicia com o verbo Ser (era) e fecha – se com p verbo arrumar (rumado)para

demonstrar a forma desumana com que eram tratados aqueles que decidiram escolher S.

Tomé como destino.

Quanto aos verbos, podemos afirmar que eles fazem a função da narrativa, exibindo a

condição do sujeito, o “eu”lírico da canção.

11 Bibi di Riketa - senhora que viveu na cidade da Praia nas décadas de 50-60. Era detentora responsável dos impostos no mercado da Praia naquela época. Em consequência disso gozava de algum prestígio social decorrente da sua presença “imponenete” e da posse que detinha. Já naquela época ela usava um dente de oiro e possuía um carrinho com rodas semelhantes as dos motos. Fernando Souza – senhor que também viveu na cidade da praia a semelhança de Bibi di Riketa. Era ao lado de Alfredo Veiga responsável pela contratação de mão de obra para as roças de São Tomé e Príncipe.

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5.MARCADORES DA NARRATIVA E DA ORALIDADE.

Há muito, muito pouca característica de oralidade no poema, podendo somente ser percebida

no refrão, mais notadamente no coro. Na instância da narrativa não observamos fortes

demarcações de tempo (não se define época ou momento histórico; considera-se um tempo

determinado, falando no presente, mas se referindo a um passado determinado). Quanto ao

espaço, este é demarcado como a cidade da Praia, antigamente denominada de Praia Santa

Maria, havendo menções ao porto, ao ma, à barco “Ana Mafalda, ao pelourinho etc. Faz – se

referencia à S.Tomé e Príncipe com espaço de destino.

Do ponto de vista semântico, há um grande emprego de palavras com muita aproximação

outras com muito distanciamento. Podemos destacar algumas palavras mais próximas

semanticamente: skoregadu.. dizanimadu; prubulema... fomi; arguém… cabeça… Por outro

lado, há outras mais distantes semanticamente: noti... luz; boti... bordu; manduxu...

sakutelu;. Mas o texto em si apresenta um grande sentido e existe uma grande unidade formal.

Nota-se uma relação íntima entre a forma e o conteúdo. Assim como irregulares os versos

também é desequilibrada a vida das pessoas em “fomi 47”

É notório que o poema em construído em quadras na sua maior parte. O que nos

remete para o numero quatro. Alias, quatro é um numero marcante nas composições de Kodé

di Dona :

Kuato dia, ku kuatu noti

Era kuato ora di madrugada

N´odja barku Ana Mafalda

N´odja luz toma baia.

6.FOMI 47 EM DIÁLOGO COM A LITERATURA

“Fomi 47” ” estabelece um diálogo com alguns textos que fazem parte da literatura cabo-

verdiana. Quando se pensa no ideário dos claridosos, mas concretamente na temática que

permeava a sua produção, observa-se que fome, a seca e a emigração eram temas recorrentes.

Referimos aos escritores têm ajudado a desvendar o inconsciente colectivo, a fixar a memória

colectiva e a própria história do povo cabo-verdiano permitindo assim a paulatina formação

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de uma consciência histórica, referencial de base para qualquer povo e qualquer época,

designadamente as obras:

• “O Escravo” de Evaristo d’Almeida

• “Chiquinho” de Baltasar Lopes

• “Flagelos do Vento Leste” de Manuel Lopes

• “Arquipélago” de Jorge Barbosa

• “O enterro do Sr. Napumoceno da Silva Araújo” de Germano Almeida

Kodé di Dona, apesar de não ser escolarizado, soube observar bem o drama do seu

povo e da sua gente, transferindo esse olhar e esse sentir na música que produz. De forma

poética ou narrada o autor faz-nos lembrar os escritores claridosos.

7.OS RECURSOS EXPRESSIVOS DO TEXTO

“Fomi 47” é texto muito bem elaborado, tanto na sua estrutura quanto nas referências

à um dado momento histórico do nosso país. Numa primeira leitura ou audição dessa música

somos fisgados pela emoção estética da música, podendo até nos determos em algumas

passagens específicas. Mas só com sucessivas leituras, realizando um trabalho mais racional

(sem perder a emoção) é que chagamos à uma interpretação mais rica do texto. Isso faz dela

um poema, embora haja indícios de narrativa ao passar uma ideia do que aconteceu com os

cabo-verdianos, designadamente os santiaguenses nas décadas de 40 – 60. Algumas metáforas

mais expressivas podem ser destacadas facilmente na canção e sua significação é, quase

sempre, muito subtil.

Outro recurso o presente é a comparação. Ao expressar a condição do cabo-verdiano,

o autor valoriza suas palavras com ideias comparartivas, para realçar uma ideia já

apresentada:

N´djunta nhas manduchu

N´po dentu sakutelu

Toma boti n´ba pa Bordu (portu)

Rumadu moda saku

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O autor usa também metáforas na sua composição, para construir os seus versos dando

ao poema uma outra linguagem, sugerindo várias ideias.

Kuato dia, ku kuatu noti

Era kuato ora di madrugada

N´odja barku Ana Mafalda

N´odja luz toma baia.

/Quatro dias e quatro noite/Eram quatro horas de madrugada/vi

barco Ana Mafalda/vi a baía tomada de luz/

“Luz na baía” parece ser uma metáfora querendo significar esperança para tantos

quantos como o sujeito poético, passavam noites ao vento e ao relento, a luz das “kafukas”12 e

as vezes ao som de gaita a espera que o navio aparecesse. Além do sentido denotativo essa

expressão sugere uma ideia conotada de alegria instantânea pela presença do barco que era

sinónimo de viagem. Viagem que muitas vezes era definitiva e sem regresso.

Refere-se ainda ao uso da anáfora, figura de linguagem usada para realçar o número

de dias que os candidatos a emigração passavam no barco depois da para partida para São

Tomé até chegarem:

Kantu dia sem sustentu

Kantu dia sem kebra djudjum

Kantu dia sem mata fomi

Na puron de barku ta bai.

/Quantos dias sem sustento/quantos dias sem tomar café/quantos dias sem comer/

12 Candeeiro feito a base de pedaços de pano colocado no gargalo de uma garrafa com petróleo para iluminar as pessoas nas longos noites que faziam na época da crise

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8. SIMBOLOGIA DE QUATRO EM KODE DI DONA

Se atentarmos na simbologia do número quatro13, verificaremos que está ligado ao

quadrado e a cruz que é a marca mais evidente do sofrimento para os cristãos.

Desde épocas próximas da pré-história que esse número foi utilizado para significar o

sólido, o tangível, sensível. A sua relação com a cruz fazia dele um símbolo incomparável de

plenitude, de universalidade, um símbolo totalizador. O cruzamento de um meridiano e um

paralelo divide a terra em quatro sectores. Em todos os continentes, chefes e rei são chamados

Senhores dos quatro mares….dos quatro sois… etc. o que pode significar ao mesmo tempo a

extensão do seu poder em superfície e a totalidade do seu poder sobre todos os actos súbditos.

Existem quatro pontos cardeais, quatro ventos, quatro pilares do Universo, quatro

fases da lua, quatro estações do ano, quatro elementos, quatro humores, quatro rios do paraíso,

quatro letras no nome de Deus (YAHV), do primeiro homem (Adão), quatro braços da cruz,

quatro Evangelistas etc. O quatro designa o primeiro quadrado da década.

Quatro é também o número que caracteriza o Universo na sua totalidade (na maioria

das vezes trata-se do mundo material, sensível); Assim os quatro rios que saem do Éden,

segundo o Génesis, 2,10 – irrigam e delimitam o universo habitável. O Apocalipse (7, 1;20, 8)

fala das quatro extremidades da terra donde sopram os quatro ventos (Jeremias, 49, 36;

Ezequiel ,37,8; Daniel, 2e7) e distingue quatro grandes períodos que abrangem toda a historia

do mundo.

O espaço divide-se em quatro partes; o tempo mede-se por quatro unidades: o dia, a

noite, a lua e o ano; as plantas têm quatro partes: a raiz, o caule, a flor e o fruto; A vida

humana divide-se em quatro colinas: a infância, a juventude, a maturidade e a velhice; quatro

virtudes fundamentais existem no homem: a coragem, a paciência, a generosidade e a

felicidade.

Kodé Di Dona, não obstante ser um iletrado, apresentou o número quatro com

diversas significações e conotações como se verifica na composição desta letra, dando –o

diversas dimensões ao longo desta composição.

13 Dicionário de símbolos.

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9.A QUESTÃO DA RIMA.

As rimas em “Fomi 47” parecem ser simples, tendo a presença marcante dos verbos

desanimar, escorregar, dar, ajudar isto é verbos terminados em “AR” nas primeiras estrofes do

poema musical. Contudo existe uma variação nas terminações verbais sempre ocupação com a

rima. É de se enaltecer um aspecto de rima emparelhada na 4ªestrofe, um caso de rima

perfeita:

Era kuato ora di madrugada

N´odja barku Ana Mafalda

Mas, nem por isso não podemos afirmar que as rimas que se apresentam na canção

não são muito sofisticadas. Elas existem certamente em diversas instâncias dessa canção, em

forma de rimas toantes internas.

A seguir, destacamos alguns pares dessas rimas:

Verbos Estrofe

Escorregar Desanimar

Skoregadu Dizanimadu

Praia Maria

Dia Baia 4ª

Bem Arguem 5ª

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VI.FERRU GAITA E O RITMO DA MODERNIDADE

1.FUNDU BAXU

Fundu baxu rubera era xeio d’agu

Ntinha baka parida n’tinha boi ta pilaba

N’subi riba laxidu, n’djobi la ponta baxu,

N’odja txada ta treme, n’odja rotxa ta bai,

Mi Ntoni Lopi n’ta kunfia na nha azagua,

N’ta kunfia na limaria, nem ‘nka tem medu trabadju.

Toti Guida fla mós larga di kel seka,

Bu larga storia di inxada bu sai na djobi otu bida.

Ki ta duem é pa n’larga nha família,

Pa n’larga lem di rubera,

Pa n’tra nha tudu speransa.

Mas o txuba fla’n undi bu sta,

Ku nha fé di kampunes n’ta sperau ti ki bu bem

N’subi riba laxidu ma n’djobi la ponta baxu,

N’po nha mo na kexada ma n’pidi Diós pa djuda’m,

Ma kantu nta xinti ma n’tinha lagua na odjo,

E mi ke Ntoni Lopi dja’m sta bedju n’ka bali nada.

Sodadi dja da’m,

Sodadi dja da’m,

Sodadi dja da’m,

Sodadi dja da’m.

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2.MEMÓRIA TEXTUAL

“Fundo Baxu”, uma canção do conjunto musical “ferru gaita” é uma composição de

anos 90 em plena época da implantação da democracia em cabo Verde. É um funaná que

retrata a saudade da vida no campo durante épocas de fartura. É uma dedicatória ao camponês

e as suas gentes. Muito simples, marcado por uma mensagem iminentimente telúrica. Prega

um misto de saudosismo, nostalgia e frustração do sujeito poétioo que presumivelmente terá

sido incitado a deixar o campo, algo que não se efectivou devido a resistência desse mesmo

sujeito

3.ESTRUTURA DO TEXTO.

“Fundu baxu” é estilisticamente um poema, cujo tema é natureza e o assunto a seca.

Semanticamente encontramos várias palavras que estão directa ou indirectamente ligadas a

natureza:

Rubera

Agu

Baka

Boi

Txada

Rotxa

Limaria

Txuba

Kampunes

Dios

Além de sua estrutura poética, possui também a narrativa, o que faz dele um mini conto, pois

possui um só núcleo. Sua narração começa em num dado momento do ano e as acções são

introduzidas sequencialmente até chegar a um fim esperado. Por isso, a narração é

homodiegético, centrada no narrador. Com o foco narrativo na 1.ª pessoa, o narrador vê tudo

e pouco pode fazer para mudar o decurso da sua história. Assim, observa-se que ele detém

saberes do campo que ele não pode aplicar em outras paragens, devido à diversos

condicionalismos, como por exemplo a idade dele. Ele não consegue controlar toda a

mudança que se foi ocorrendo no campo depois de anos de seca. A seca aparece aqui como

enfoque principal dessa uma narração.

Constituído por seis estrofes e um refrão. A primeira e a terceira estrofes constituem

um dístico assim como a quinta estrofe. A segunda estrofe e a quinta formam uma quadra

perfeita.

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A música começa com um lamento em jeito nostálgico, tendo o sujeito poético

começado por rememorar dos tempos passados e que fundo baxu (lugar da natureza rural) era

aquele espaço ideal e idílico, onde não faltava nada e a fartura grassava pela abundância das

chuvas, pela criação de animais e pelo fabrico de grogue (aguardente de cana). Esses

primeiros versos representam o antes, o glorioso:

Fundu baxu rubera era xeio d’agu,

Ntinha baka parida n’tinha boi ta pilaba.

A segunda estrofe ao contrário da primeira nos remete para um outro tempo, onde as

coisas mudaram. O que dantes constituía um motivo de júbilo transformou-se na razão do

sofrimento e de tristeza. Há como que um misto de sofrimento e lamento no espírito do

observador/sujeito poético, motivado pela observância de um quadro que antes era fabuloso e

que de repente se transfigurou sem solução a vista, apesar de ser trabalhador e esperançoso:

N’subi riba laxidu, n’djobi la ponta baxu´,

N’odja txada ta treme, n’odja rotxa ta bai,

Mi Ntoni Lopi n’ta kunfia na nha azagua,

N’ta kunfia na limaria, nem n’ka tem medu trabadju.

De súbito como que aparece Toti Guida a interceder junto desse sujeito dando-lhe

conselhos no sentido de abandonar o campo e se detenha em outros afazeres porquanto a vida

no campo já não resulta. Esses dois versos nos ajudam a compreender a razão por que muitos

abandonam o campo, invadem a cidade provocando o chamado êxodo rural e a emigração:

Toti Guida fla mós larga di kel seka

Bu larga storia di inxada bu sai na djobi otu bida.

Porém o sujeito insiste e não pretende abandonar o campo de ânimo leve uma vez que

para que tal aconteça ele teria que abandonar as suas esperanças, a sua ribeira, o seu cutelo e

os seus animais. E isso na óptica desse sujeito lhe traria tristezas e sofrimentos:

Ki ta duem é pa n’larga nha família

Pa n’larga lem di rubera,

Pa n’tra nah tudu speransa.

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Na mesma linha ele continua nas estrofes seguintes a explicar as suas razões, as suas

mágoas e as suas dores de saudade. Saudade de um lugar, saudade de um passado, saudade

que provoca lágrimas de sofrimentos. Tempos que já lá vão:

N’subi riba laxidu ma n’djobi la ponta baxu

N’po nha mo na kexada ma n’pidi Diós pa djuda’m

Ma kantu n’ta xinti ma n’tinha lagua na odjo

E mi ke Ntoni Lopi dja’m sta badju n’ka bali nada.

Sodadi dja da’m

Sodadi dja da’m

Sodadi dja da’m

Sodadi dja da’m

3.1.PLANO FORMAL

A natureza é o elemento que provoca um misto de sentimentos no espírito do sujeito

poético. Esse sentimento é manifestado por um lado através do animismo, uma das figuras do

estilo presentes no texto:

N’odja txada ta treme

N’odja rotxa ta bai.

De igual modo usa também a personificação, nomeadamente no terceiro dístico:

Mas o txuba fla’m undi bu sta

Ku nha fé di campunes n’ta sperau ti ki bu bem.

Nota-se também a presença da função apelativa da língua, empregado para expressar o

apelo de uma personagem ao sujeito poético.

Toti Guida fla mós larga di kel seka

Bu larga storia di inxada bu sai na djobi otu bida.

Em síntese temos uma composição com três dísticos, duas quadras, um terceto e um

refrão; Pode-se identificar uma situação de antítese na estrofe inicial em relação a segunda e

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terceira estrofes. Encontramos expressões que nos remetem para uma conotação positiva e

outras que traduzem uma situação negativa. Essa oposição pode ser resumido no seguinte:

Conotação

Positiva Negativa

Agu Txada treme

Baka Rotxa bai

Boi Seka

Limaria Mo na kexada

Txuba Lagua na odju

3.2.PLANO IDEOLÓGICO

Trata-se de uma música caracterizada por uma pobreza ideológica evidente. Remete-

nos para nostalgia aliada a ideia de sofrimento e impotência. No entanto, a natureza aparece

como responsável pelo sofrimento imposto ao sujeito poético. Ela procura comprar a vida no

campo em duas épocas distintas. É exactamente as mudanças ocorridas na natureza amada

que provocam um estado de nostalgia e melancolia na alma do “eu” poético.

3.3.PLANO FÓNICO

Existe, nesta composição, a predominância da vogal aberta [a], que aponta para o

sofrimento do poeta, numa tradução do seu lamento:

baka

rubera

agu

seka

azagua

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O som fechado [i], está, também, presente e traduz ainda o grito de dor, provocado

pelo sofrimento do “eu” poético:

subi

djobi

bai

xinti

bali

3.4.CONCLUSÃO DO PONTO DE VISTA ESTILÍSTICO.

“Fundo Baxu” é um poema narrado a semelhança do “fomi 47” . Sua história ocorre

no pretérito, numa época bem determinada. Ao contrário de “fomi 47”, “fundo baxu” espelha

uma época de “sabura” seguida de uma época de crise. Enquanto que no fomi 47 a esperança

residia no partir, no deixar a pátria; aqui a esperança está exactamente no ficar no campo a

espera de melhores dias. O campo aparece como espaço de realização onde o homem realiza

os seus desejos com o esforço do seu trabalho, mas também contando com ajuda divina. Por

essa razão deus é evocado para mandar chuvas abundantes com vista a obterem boas

colheitas. Essa musica é “anti-evasionista” não preconinizando a fuga como resolução de

situações difíceis que o camponês enfrenta.

VII.ANÁLISE DE “DJA´M BRANKU DJA)” – BULIMUNDO

1.PLANO SEMÂNTICO

É uma composição cujo tema é “Mudança”. Tendo em conta que a música contribui

para a mudança de mentalidade e de situações que não favorecem o ser e o estar do homem; e

considerando a sua função “Pedagógica” e instrumental o compositor possivelmente ciente

disso fez essa composição.

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A ascensão social, a mudança no status social aparecem como um objectivo que se

alcança através de artimanhas, cinismo, hipocrisia. O engano e o maquiavelismo são tidos

como ponte para mudança de status na sociedade.

Na primeira estrofe encontramos um sujeito poético cínico que procura através do

fingimento alcançar os seus objectivos.

N’ta kontra ku bo na rua,

N’ta mostrabu nha dentona,

N’ta xinta n’ta ri ku bo,

Bu ta kuda ma mi é bu amigu.

A segunda estrofe vem na mesma linha de continuidade, evidenciando com mais

clareza como ele (o “eu” poético) conseguiu a partir da inversão de valores reverter a situação

a seu favor::

La di riba na nha trabadju,

Xefi grandi gosta di mi,

Di serbemti n’bira kapataz,

Kapataz bira serbenti.

A melhoria de vida do sujeito poético não ocorreu só a nível profissional, também a

nível social, pois os seus familiares também beneficiaram com a astúcia do mesmo. É o que

reza a terceira estrofe:

Nha korpu sta bem dispostu,

Nha bariguinha dja bira grandi,

La na kasa ka tem prublema,

Nha minis sta tudu gordinhu.

Já na quarta estrofe, ele aconselha ao seu interlocutor, demonstrando-lhe vias, forma

ou modelos de ascensão; segundo ele é preciso ser “mantegueru” e “n´graxador” para se

poder ser bem sucedido. Nessa lógica não faz sentido estudar, pois o sucesso, para ele

depende somente de artimanhas e troque:

Si bu kre ser sima mi

Si bu kre sabi nha segredu

Bu fala ku mantegueru

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Bu fala ku ngraxador

O, io,io ioi

Dja´m branku dja

O, io,io ioi

Dja´m branku dja

2.PLANO FORMAL

A música é caracterizada por elementos que numa determinada sociedade e numa dada

conjuntura onde a subserviência e a manha podem ser vistos como formas de subir na vida.

Toda a composição fica permeada por palavras que demonstram a inversão de valores. É um

texto com muita harmonia e pode-se verificar a unidade entre forma e conteúdo, pois os

versos dispõem praticamente do mesmo tamanho e são uniformes. Ser uniforme é não

contrariar – é estar sempre disposto a aceitar tudo passivamente para alcançar os objectivos

pretendidos. Dai a presença de adjectivos fortes como:

• Manteguero

• N’graxador

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As diferentes classes de palavras que aparecem são exactamente para realçar essa

uniformidade. Vejamos algumas dessas palavras:

Substantivos Adjectivos Verbos advérbios

Rua Dentona Kontra La

Amigu Garandi Xinta

Kapataz Mantegueru Gosta

Korpu N’graxador Bira

Bariguinha Sta

Serbenti Tem

Xefi

3.PLANO IDEOLOGICO

Essa música foi composta nos anos 80, isto é em plena época de partido unico. A música foi

usada com um papel de denúncia, de critica e neste caso de satirizar.

4.PLANO FONICO

Observa-se a presença da aliteração logo no título, resultante da repetição de sons

consonânticos:

- Dja’m branku dja - (D+D+J+J+a ) = Dja + branku+dja. Temos uma consoante

sonora (d) associada a uma consoante constritiva (j), que por seu turno se associa a uma vogal

aberta (a).

De uma forma geral predomina a presença de vogais abertas, sons que indiciam uma

certa alegria manifestada pelo sujeito poético – como ele diz : “Dja’m branku dja”.

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VIII.EVOLUÇÃO DO FUNANÁ

O funaná enquanto género musical passou por muitas transformações ao longo da sua

história. Como elemento cultural de indiscutível valor que é esse ritmo enriqueceu o

panorama cultural nacional devido a sua evolução, evolução essa ocorrida devido a vários

factores como por exemplo o conhecimento adquirido pelos compositores e pelos executantes.

A interpretação do real que se verifica na música funaná está intimamente ligada ao estudo,

pois isso ajuda numa boa análise da realidade.

Com as mudanças sociais e políticas que ocorreram nos últimos anos houve uma

transfiguração social, dando abertura ao diálgo e ao debate outrora proibida; novos horizontes

apareceram como que por encanto; novas responsabilidades se impuseram nos ombros do

Cabo-verdiano, responsabilidades essas que envolveram, entre outras coisas, a reestruturação

social, económica e política, que por si só dão a entender e conhecer o ambiente que se viveu

em Cabo verde nos últimos anos. Como não podia deixar de ser, a música cabo-verdiana

também sofreu o impacto.

Sendo um elemento de comunicação que é, também o funaná teve que se adaptar a

novos tempos e costumes, trazendo outras mensagens, embora se deva reconhecer que

também há muita repetição. A esse respeito Zeca di Nha Reinalda é de opinião que:

“Para mim não evoluiu, pois cada vez que oiço essa música vejo coisas

que já tinha cantado, pedaços de coisas que já tinha cantado, melodias

que já tinha tocado. Há dias fui á Santiago para ouvi-los cantar “nbem

di fora”, “nha guenti es ano n’ pasa ma”l, música de mais ou menos

vinte e tal ou trinta anos. Parece-me a mim que deveriam ir mais para

frente ao invés de ficarem com coisas do passado”.

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Muitos conjuntos pararam. Os melhores pararam, cada um com seus

motivos, “Bulimundo”, “Finason”…

“Bulimundo” está presente, mas se formos ouvi-los cantar, vê – se que

são músicas de 1978 e 1980 que ainda tocam. Penso que deveriam lutar

para trazer novidades. O mundo evoluiu em termos de letras, muita

coisa mudou, mas eles continuaram na mesma. A mensagem antiga é

boa para as pessoas antigas que recordam o seu passado, mas e a

juventude de hoje que não têm nada ver com aquelas músicas?”

Sem pretensão de fazer juízos valorativos pensamos que o funaná não ficou no ponto

de partida, pois o que dantes era executado por apenas dois elementos, transformou chegando

ao ponto onde vários elementos se ajustam para executar um ritmo semelhante ao genuíno

mas com nuances de diferença em relação ao passado. A revolução tecnológica permitiu que

com evolução social, o funaná seja tocado com instrumentos electrónicos e executado por

grandes grupos de dimensão transnacional.

Se formos ver em termos de conteúdo, constata-se que houve um tempo em que as

músicas do campo retratassem apenas a vida social no campo e a temática era virada para esse

componente social. Tudo se circunscrevia ao campo o ponto de partida desse género musical.

A vivência no campo constituía elementos essenciais das composições até uma determinada

altura. Ao ser estilizado saiu do seu habitat e passou a assumir um outro o papel - o da critica

social tendo sido valorizados aspectos sócio-politicos e a critica social passou a ser mais

avançada e mais elaborada. Portanto em termos de letra houve evolução.

Não raramente encontramos composições fervorosas onde a temática “liberdade” se

torna o centro das atenções. Às vezes uma mistura de liberdade, política e um pouco de

sensibilidade artística consegue nos proporcionar composições maravilhosas como essa de

Norberto Tavares:

“Maran pé, maran mo, maran boka, – bu ka podi maran pensamento”

Ou então essa de Zeca di Nha Reinalda que metaforiza o poder político instalado a

partir de 1990 chamando-o de “minina bó é boa”, querendo com isto dizer que PODER é

algo muito bom; que as pessoas esperassem um pouco para ver o quê que os novos dirigente

iam fazer para o país:

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“N’kre staba riba pico di antoni,

Pam papai ku tudo povo,

Pam flas pa nu sumara tempu”

Ó minina bo é boa - minina bo é boa,

Ó minina bo é rai di boa.”

Hoje temos 3 quadros do funaná:

• Funaná inicial, executado com gaita e ferrinho.

• Funaná estilizado, tocado pelo grupo “Bulimundo”, “Finaçon” e outros, com

instrumentos eléctricos/electrónicos.

• Funaná mix, resultante da mistura dos instrumentos já apresentados (gaita, ferrinho,

viola etc).

De referir que a par dos músicos já citados temos uma longa lista de executantes,

compositores e intérpretes do funaná entre os quais se pode destacar:

• Séma Lopi

• Txota Suaris

• Bitori´l Bibinha

• Caitaninho (já falecido)

• Virgulino (Dju di Rabenta)

• Ntoni Sancha

• Kaká Barbosa

• Kim di Santiago

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O funaná enquanto género musical, evoluiu à semelhança de outros elementos culturais

cabo-verdianos. Sendo a linguagem uma coisa dinâmica e se considerarmos a musica uma

linguagem verifica-se que ocorreram algumas mudanças no decurso da história do funaná.

“Em termos melódicos também evoluiu bastante, porque a linha melódica do funaná

antigo em relação ao funaná moderno é totalmente diferente. Hoje há mais acabamento. As

melodias são muito mais acabadas e mais perfeitas”. Diz-nos Kaká Barbosa.

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IXCONCLUSÃO

A Independência nacional trouxe uma grande valia para a nossa música. Após 1975,

sucessivas constituições e governos têm reconhecido a todos os cidadãos o direito à educação,

o que tem implicado na massificação do ensino o que contribui de forma incontestável para o

aumento do nível intelectual e cultural do nosso povo. Algumas estruturas foram criadas para

a edição e divulgação de música, designadamente o Instituto Cabo-verdiano do Livro e do

Disco. Estúdios de gravação foram criados e muitos produtores começaram a aparecer e a

apostar na música nacional.

Neste quadro, Cabo Verde passou por rupturas culturais e inevitáveis atinentes a um

processo de transformação, com o ganho de uma nova dinâmica, através da dignificação do

povo cabo-verdiano, de maior abertura ao mundo, de novo dinamismo no exercício do

pensamento, da perda de vários medos, do contacto mais facilitado com novas formas novas

realidades a nível mundial e, sobretudo, por ter oportunizado aos músicos cabo-verdianos o

contacto descomplexado com a realidade nacional e transnacional.

Tudo isto terá influenciado as novas gerações de músicos e, dentro de algum tempo,

pensamos que já se poderá falar, sem arrogância e saudosismo, por um lado, e timidez, por

outro, de um novo quadro do funaná, marcando assim a presença na panorama musical

universal.

O funaná não obstante ser um estilo musical tipicamente rural, saiu do seu “habitat”

dando um contributo valioso na valorização da cultura cabo-verdiana; fazendo por

conseguinte avançar a sua Civilização e a sua idiossincrasia. O funaná ajudou a representar a

terra através de muitos factores determinantes à toda problemática cabo-verdiana quer no

aspecto económico e social, como ainda psíquicos.

O funaná desempenhou, em Cabo Verde, aquilo que a música deve desempenhar em

qualquer parte: Ela é uma imitação da vida nos âmbitos do sonho e da esperança; é mensagem

pessoal e colectiva; Sendo uma das principais formas de expressão cultural, contribuiu para a

divulgação da cultura do nosso Povo, o reforço de Identidade nacional e a manifestação da

nossa capacidade individual e colectiva para, livremente, exprimirmos os nossos sentimentos,

os nossos anseios, as nossas ambições e preocupações.

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X.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SILVEIRA, Onésimo, (1968)), consciencialização na literatura cabo-verdiana, CEI

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ANEXOS

ENTREVISTA COM ZECA DI NHA REINALDA

1. O que é funaná?

Bom, há quem diga que originou de uma mulher que se chamava funa e outro que se

chamava Naná. Mas isso nunca me entrou na cabeça. Penso que um nome dado pelos

colonialistas naquele tempo, não essa hipótese de Funa e Nana.

2.Quando terá surgido?

É uma pergunta difícil, pois temos pessoas com oitenta e tal anos, noventa anos que é

Antão Barreto, tocava funaná, ele talvez mais do que eu, ele sabe onde começou. Ele pode

até saber onde é que começou.

3.Onde?

Eu acredito mais que isso aconteceu na zona de cidade velha, apesar de não existirem

muitos tocadores de gaita naquela zona, acredito ser ali

4.Quem? Com quem? Como?

É a mesma coisa que eu te disse. É melhor chegar numa pessoa mais velha do que eu

(Antão Barreto), ele está praticamente no seu final e pode ter mais informação acerca

disso.

5. Será que o funaná evoluiu? Se sim, como? Se não, porquê?

Acho que relacionado com o nosso tempo (“bulimundo” e “finaçon”) eu acho que o

funaná decaiu, funaná veio para trás, porque se vires um conjunto como ferro gaita, que

para mim é um grande conjunto, cada vez que eu os vejo tocar, cada vez que eu os vejo

cantar, vejo sempre um pedaço daquilo que eu já tinha feito. Eu vou ouvi-los para ouvir

coisas diferentes, para aprender coisas diferentes, mas quando eu for e oiço 1,2,3 oiço

coisas do meu tempo. Não vejo nada para frente.

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6.Então para não evoluiu?

Para mim não evoluiu, pois cada vez que oiço essa música vejo coisas que já tinha

cantado, pedaços de coisas que já tinha cantado, melodias que já tinha tocado. Há dias fui

á Santiago para ouvi-los cantar “nbem di fora”, “nha guenti es ano n’ pasa mal”, músicas

de mais ou menos vinte e tal ou trinta anos. Parece-me a mim que deveriam ir mais para

frente ao invés de ficarem com coisas do passado.

7.Porque n’bem di fora?

Talvez porque o conjunto formou-se no interior de Santiago, na Pedra Badejo. Quem fez

essa música foi Katxás, deu-lhe esse título, pois ele também veio do interior.

8.Quantos estilos de funaná temos?

Eu conheço funaná lento, funaná tipo sambado, conheço funaná meio andamento, (tipo

fomi 47), conheço funaná rápido e ainda um mais rápido que é designado de Pilan Katuta

– é tocado frequentemente na zona dos Picos.

9.“Fomi 47”. O que tu achas dessa música?

Essa música posso te dizer que é uma música minha e do Kodé e vice-versa. Maior

parte das letras daquela música são minhas, Ex.Eh, é é... Aquelas lamentos e choros todos

são meus, inclusive aquela expressão o Naná. Aquela de “n’da rinkada n’ba pilorinhu”.

Cantei isso porque antigamente a minha gente rematava mercados e pelourinhos, tempo de

Bibi di Riketa. Foi minha família, lembrei da sua história e outras história.

10. Mas quem era essa pessoa, de quem se tratava? O que ela representava?

Ela era uma mulher que na altura, naquele tempo só namorava com mulheres. Era uma

mulher grande que andava sempre com um pau nas mãos, nunca arranjou homens, só

tinha pequenas. Naquela altura ela tinha carro.

11. Aqueles choros e lamentos, que tu inseriste na “fomi 47” tinha que função

concretamente. Seria para clarificar os sofrimentos que as pessoas tinham?

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Como era uma música que fala se S.Tomé e as pessoas não iam lá em sabura, iam á

procura de uma vida melhor e iam sempre injuriados e maltratados. Foi feito para retratar

uma situação concreta para pessoas que não presenciaram esse triste capitulo da nossa

historia.

12.Mas esse “Naná” tem alguma a ver com a outra/o que tocava com “funa” e que

deu origem ao funaná (para alguns)?

Não. Absolutamente nada a ver. Nem sequer estava a lembrar que havia “funa” e

“nana”. Veja a coincidência: eu falo de fernmandi Soza, dizem que ele e Alfredo Veiga

que eram os responsáveis pela emigração das pessoas para S. Tomé. Eles contratavam-

nas. Ainda menino, recorda as pessoas no fundo de Taiti a espera do barco. As noites

antes da chegada do barco era de “gaitadas” a base de “kafuca” . Eu assisti ainda criança.

Então apareceu essa parte “o Naná” , como uma situação momentânea. Não tinha a ver

com a outra. E veja, hoje quem o representante de Fernandi Soza é o Nana

advogado(Arnaldo Silva)! Que coincidência! (risos).

13.Então não evolução, só há repetição. Na tua opinião o que terá contribuído para

que não houvesse evolução?

Muitos conjuntos pararam. Os melhores pararam, cada um com seus

motivos,”Bulimundo”,” Finason”…Bulimundo está presente, mas se formos ouvi-los

cantar, vê – se que são músicas de 78 e 80 que ainda tocam. Penso que deveriam lutar para

trazer novidades. O mundo evoluiu em termos de letras, muita coisa mudou, mas eles

continuaram na mesma. A mensagem antiga é boa para as pessoas antigas que recordam o

seu passado, mas e a juventude de hoje que não têm nada ver com aquelas músicas?

14.Então achas que não estão a retratar a realidade actual? Sempre voltam para o

passado?

Sim eu os ouvi a tocar na Gambôa, e foram músicas do meu tempo; eu deixei os

“Bulimundo” faz já 23 anos.

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15.Achas que o artista deve sempre acompanhar a evolução social?

Claro. Se não deixa de ser artista. Deve acompanhar para poder retratar com arte.

16. “BULIMUNDO”. Porquê deste nome?

Em entrei 5 meses após a fundação… Mas penso que o nome advém do facto de o

conjunto ter sido fundado em Pedra Badejo onde existe um edifício chamado exactamente

“Bulimundo”. Esse edifício faz parte da história de Pedra Badejo.

17. Quando surgiu?

Surgiu no ano de 1978.

18.Quais são os fundadores?

Os primeiros são: Katxás, Kim di Santiagu, Mandala, Silva Lú di pala, Rui Casimiro

(batarista)

19.. Como foi a fusão com o opus sete?

A fusão processou – se da seguinte forma: correram rumores de que Katxas ia

regressar para França, ele veio e trouxe uns materiais, então eu tinha algum dinheiro; Pedi

uma reunião com ele em minha casa, para negociar com ele aqueles materiais, então

fomos à minha casa e lembro inclusive do almoço daquele dia que era Congo; alias eu

gosto muito do Congo, mas antes já tinha avisado aos rapazes do opus sete e levei para

uma demonstração uma vez que nós também já tínhamos iniciado a tocar funaná. Fomos o

primeiro conjunto a tocar “Djonzinhu Kabral”, a mais conhecida música chamava-se

Lucianu Brazão. Era na altura do 3º congresso do PAIGC.

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Quando ele viu o que estávamos a fazer, e para minha surpresa em cinco dias

convidou 5 elementos do opus sete para integrarem Bulimundo. Fui eu , Tony, Santos, Zé

Gustu mais tarde saiu Lu di pla dos Bulimundo e entrou Zé Cara Bedja

20. Então estavam na mesma linha?

Sim. Mais penso que éramos mais forte que bulimundo.

21.Mas porque não usavam gaita?

Não o próprio “bulimundo” começou com 4 violas: 3 violas de 6 cordas e um baixo.

Tocodao por Katxas, Toni e Santos. Silva tocava baixo. Mas tarde arranjamos um teclado.

22.E porque não usavam gaita?

Sabes que Katxás estudou em e trabalhou no estrangeiro, nomeadamente em França. Ele

tinha um outro nível de formação o que lhe facilitava na execução de instrumentos como a

viola e outros instrumentos modernos.

Relação: funaná/igreja

23.Como foi a relação do funaná com a igreja no passado? Diz-se que a relação não

era muito pacífica. Porquê?

Por dois motivos. Primeiramente a igreja achava que o funaná desviava as pessoas das

missas matinais. E assim sendo reduzia o número de fieis e aumentava o número de

pagãos. Por outro lado a igreja estava junto com os colonizadores que não gostavam que

as pessoas cantavam em crioulo. Não digo que isso só acontece ao funaná e ao batuque;

pois em crioulo podemos falar muitas coisas que os colonialistas não entendiam. As

pessoas criticavam e eles não entendiam. Podia-se mandar mensagens, que eles não

entendiam.

Eu me lembro que no nosso caso, em 1991, apoiei o MPD, mas eu cantava musicas

que tinham como alvo o regime que acabou de ser implantado no país. Tinha a ver com

eles, mas no entanto eles dançavam contentes, pois não compreenderam a minha

mensagem. Por exemplo quando eu cantei “ Menina bó é boa”, “menina” para mim era

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sinónimo de poder que o MPD alcançou na altura. “N’kre staba riba pico di Antoni pa’m

papai ku tudo povo, pa’m flas pa nu sumara tempu”. Os dirigentes do país dançavam essa

música, gritavam de alegria, porque não perceberam a letra. Mas as pessoas do povo eram

capazes de entender aquela mensagem. Quando as pessoas estão no poder esquecem de

que existe algo de baixo que lhes possa beliscar.

24.E quando perceberam, qual foi a reacção?

Mas eles não perceberam, depois cantei “ Ta pita ta djuga”, de forma mais evidente.

Aí é que começaram os problemas. Eu disse: Já cantei e não compreendem, então deixe-

me ser claro. Muitas vezes as pessoas pensam que o artista canta só por cantar. Mas na

maioria das vezes o artista pretende mandar uma mensagem, chamar atenção para uma

determinada situação. As vezes o povo está contra você, você está lutando por ele e ele

não entende. A parte positiva disso tudo é que existem pessoas que estão contigo e que

entendem o alcance da sua mensagem.

25. Então os colonizadores proibiram o funaná. E em relação a morna?

A morna é menos profundo. É mais claro. É diferente do funaná ou batuque que usa

muitos provérbios e linguagem figurada. Os colonizadores sabiam que a mensagem da

morna não lhes prejudicava.

26.Qual foi a relação dos “finaçon” com o poder?

Desde que fundamos o “finaçon”, lutamos pela existência da democracia em Cabo Verde.

Para que houvesse liberdade para todos. Lembro-me uma vez em 1987, estávamos a

cantar em Pedra Badejo e chegou um grupo de dirigentes do PAIGC/CV, cantei uma

excerto da musica que dizia “nhos ka ta nganan”. Eles voltaram para mim olhando… mas

o dito excerto fazia parte do contexto musical que estava cantando naquele momento. Mas

eu fiz aquilo consciente. Antes da existência do multipartidarismo em Cabo Verde já

cantávamos “Dexa koitadu vivi di si manera”, pa ke manda mininu ba skola. Poquê

mandar os meninos para escola? Se eles aprendem e não podem falar, para quê ir à escola?

Não pode demonstrar o que aprendeu… Cada baile era um comício. Por isso penso que

lutamos muito para que houvesse abertura em 1990 ao invés de outros que estavam

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usufruindo das mordomias do poder. Uma vez eu disse isso no programa 13-14 com

Rosana Almeida e acabaram com o referido programa.

27.Considera funaná música de combate?

Sim é de combate, de conquista e de cultura de Cabo Verde e o dia-a-dia do nosso

povo. É isso que encontramos no meu último disco cujo título é exactamente “dia-a-dia”.

28. Quem é o pai do funaná moderno? Zeca, Katxás ou Norberto Tavares?

Eu lembro-me que já no “opus sete”, cantei a música de Norberto Tavares “

Mariazinha Lebam bu palavra”. Lembro-me de ter cantado essa música no cinema.

Podemos chamar essa música de funaná mal tocado, claro que no princípio não tinha

chegado no ritmo que hoje o conhecemos. Penso que quem gravou o primeiro funaná foi

Norberto Tavares.

29. Pensas que o funaná contribui para o enriquecimento da cultura cabo -

verdiana? Poderá ser considerada como factor de unidade nacional?

Sem dúvida. Pois em todos os lugares onde vou cantar é por causa do funaná. Agora

todos os cabo - verdianos cantam o funaná. Muitos “sampadjudus” cantam e gravam o

funaná, que pode ser considerado um ritmo de Santiago.

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ENTREVISTA COM:

Kaká Barbosa

1.Em termos de origem, como acha ter surgido o funaná?

No meu ponto de vista eu acho que é um aproveitamento de ritmos que havia. Mas eu

queria explicar: no meu ponto de vista e em conformidade que já escrevi é que o funaná

não existia como musica e nem como ritmo. Porque os ritmos existem pela sua própria

natureza. Mazurca não é funaná, uma marcha não é funaná. Agora o que aconteceu é que

depois da independência criou-se um chapéu e debaixo desse chapéu há vários ritmos:

funaná lento, funaná rapikadu, chamou-se funaná para criar uma designação que coubesse

um determinado número de ritmos. Mas a gaita de fole tocada pelos camponeses,

sobretudo no interior de Santiago; Como a gaita de fole não é um instrumento que tem

todas as notas musicais é provável que o tocador cortou as partes que não o interessava

deixando aquilo que a gaita pudesse exprimir deu origem a uma nova musica.

Mas também o compasso que a mão esquerda faz que é o compasso de baixo é um

compasso que de acordo com o teclado da mão direita com o puxar e levar a gaita de fole

para exprimir uma certa melodia, determinado tom, houve deturpações, houve uma nova

acomodação tanto de ritmo como de melodia dando origem a uma música diferente que é

a música do interior de Santiago.

2.Porque razões os tocadores usavam somente a gaita e não a viola?

O pobre não pode comprar viola. Gaita foi o primeiro instrumento achegar as mãos do

camponês de Santiago, por via da igreja provavelmente.

3.Acha que o funaná evoluiu?

Toda coisa evolui. A música evolui. Uma língua é viva. Os instrumentos são vivos.

Tudo aquilo que é vivo evolui.

4.Em termos de conteúdo?

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Houve um tempo em que as músicas do campo retratassem a vida social no campo e a

temática era virada para esse componente social.

A vivência no campo. Portanto saiu dali passou a assumir um outro o papel de critica e

tem politica e tem critica social mais avançada. Portanto em termos de letra houve

evolução. Em termos melódicos também evoluiu bastante, porque a linha melódica do

funaná antigo como do funaná moderno é totalmente diferente. Hoje há mais acabamento.

As melodias são muito mais acabadas e mais perfeitas.

5.Não acha que há muita repetição?

Eu acho que há muita coisa que foi feita após a independência e que foi roubada ao

passado porque quem é que faz muitas melodias e muitas letras? Não se sabe quem, mas

nasceu no interior de Santiago, agora as pessoas aproveitaram e roubaram, roubaram isso

e fizeram suas essas músicas o que de facto não são. Porque eu lembro-me de várias

melodias que existiram há muitos anos em Santa Catarina que é um fundão da tradição

oral popular, da música.

6.Quem deverá ser considerado o pai do funaná?

Eu não diria “pai” eu diria estilizador. Porque a grande verdade é que Norberto

Tavares começou a trabalhar primeiro. Agora essas coisas dependem da oportunidade. Se

formos ver que gravou primeiro foi Katxás, gravou numa outra altura e teve impacto.

7.Dizem que Norberto gravou primeiro.

Mas está bem. Poderia ter gravado primeiro, numa altura que essa musica não tinha

impacto nenhum. Katxas é o estilizador é o homem que concebeu o projecto e chegou lá e

apresentou.

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8.Qual terá sido a razão desse sucesso?

“Bulimundo” trouxe uma música nova, inovou trouxe uma coisa nova para a Praia. Na

altura a Praia era ignorante em relação àquilo que se fazia no interior de Santiago. Praia

não era na altura uma Praia esclarecida. Só abriu os olhos depois da independência.

9.Batuque/funaná/confusão. Porquê dessa relação?

Sabe, as festas no interior são bem vividas. É muito natural que nos momentos mais

eufóricos desse juntamente de pessoas para celebrarem os dias dos seus santos e fizerem

as suas festas, matarem o seu gado estarem a volta é normal que nessa função o funaná

entre com o uma coisa de tal ordem que fizesse exaltar os ânimos. É provável que a

exaltação exagerada de ânimos dêem lugar a atritos, a confusão a facadas até.

10.Como foi a relação com a igreja?

A igreja nunca esteve de acordo que as festas religiosas integrassem o paganismo. Não

era contra o funaná. Era contra o que era tradição popular para se juntar com a festa

religiosa. Talvez a igreja gostasse que a festa religiosa fosse uma festa unicamente

religiosa, as pessoas rezassem e fossem para casa. Mas o povo nunca entendeu assim. O

povo tem as suas tradições, a sua cultura, a sua vivência, tem a sua forma própria de

conviver e de estar com a cultura.

Essas eram coisas evidentes da cultura que tinham de ser exercida - ao lado da igreja, sem

igreja, tinha que ser exercida na mesma.

Havia uma elite instruída que estava sobretudo na praia e nas outras ilhas que

desconheciam o interior de Santiago, é normal que essa gente considerasse uma musica

mal tocada na gaita, que fosse musica de gente indígena ou marginalizada, sem expressão

naquela sociedade instruída. Eles não entendias a mensagem, não entendiam, a musica. É

normal que rejeitassem.

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11.Rejeitar a ponto de perseguir?

Bem as leis coloniais achavam isso de selvageria. Uma coisa selvagem não poderia

estar na cidade, na urbe, onde havia uma determinada regra. A tabanka não ia ao “platô”.

Não tinha lugar dentro de uma cultura que os colonizadores defendiam. Uma cultura

portuguesa que tinha de ficar a frente da cultura com raiz africana. Não conseguiram

eliminar isso porque isso nunca se elimina.

Depois da independência houve um resgate daquilo que é autenticamente nosso.

Passamos a ser nós mesmos, com as nossas coisas. É normal que a nossa vivência popular

ganhou expressividade porque passaram a considerar parte da nossa cultura. Havia gente

colonial que considerava que não, a maior parte do povo considerava que sim. Depois da

independência regressamos ao ponto de todos dizerem que isso é nosso.

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BETA BRANKA

E,Eh,E,Eh,E,Eh

Portu Nhu Santiagu

Portu Baxu só faluxu

Portu Riba só taberna

Kutelinhu ta da ku pedra.

Nha Rufam Barela

Bò é pikinoti

Ma bu petu é fraku

Sakedu ketu pan papia ku bó

O Beta Branca

Ba 10 di janeru na kadjeta

Pidiu licensa pan skrebebu um karta

Bu fla boamenti de boa vontadi

Nbem na Portu di Nhu Santiagu

Na kaza Djusé Beniciu Montero

Man kumpra um karta pa quato tistom

N xinta baxu pé di amendua.

N’pista Tomás Montero kaneta

N’skrebe karta n’manda kadjeta

Ku Karlinhu Moniz

Pa dá Beta Branka na portu.

Kantu n’ba katorze janeru

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Bespa di Nossa Senhora Socor

Ami na Saltu Baxu

N’kontra ku menina.

N’dal bo tardi é ka ruspondem

Mam passa n’ba Ponta Berdi

Kasa denxul’Rita

N’passa noti ti cedo parmanham.

Kantu n’ sai kin ta bem di lá

N’da rinkada n’ta bem kalheita

Ma atxa Beta Branka

Xintadu riba di porta.

É fla Kod´txiga na kasa

N´fla Beta Branca n’ka ta bai

É fla pamo bu ka a bem

É ba tadjan na strada

N’fla Beta Branka n’ka ta bai

Pamodi bu fazem falsia

Ndabu botardi bu ka ruspondem

Na meio d’amigu ku tudo kolega.

É fla kodé ka bu atxa mal di mi

Pamodi mi é pikinoti, mi pikinoti

Man ka tem idade.

Bizinhus di roda

Ba konta mamãe na kaza man sa ta tem

Ku Kodé di Dona lá di portu nhu Santiagu.

Gosi n’ka ta ba rubera,

Mamaé ka ta dexam, oki bu sta li,

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N’da rinkada pa Ponta Berdi,

Bu kamba Nona sukuru,

N’ba pa fundu

Nu ba kontrá.

Kantu n’bai kim ta bem di lá,

Fla Beta Branka Kodé dja bai,

É tra si lencinhu mé tapá na rostu

Ta txora lagua, korasom da duem,

Ami djan bai, Kodé dja bai

Kantu n’bai na Portu,

Ki n’odja Salina

Ki n’odja Bulimundo

Kurasom ta duem.

Na tempus antigu

Portu Baxu só faluxu

Portu Riba só taberna

Salina só sal , ku nomi.

Lagoa grandi só tainha

Lagoainha só tabuga

Sodadi Txada Fazenda

Kodé di Dona dja bai

Fla Sabu Preta nha mama

La Txada Fazenda

Kodé di Dona dja bai

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YOTA BARELA

Yota Barela nha fidju kuse bu tem

É tempu fomi 47,

É Txiku Nhu Kaitanu Baru

Ki dam um quarta e meio de midjo

Korenta merés di dinheru

Nu tinha três dia nu ka pega lumi.

O Yota, o Yota,

Cedu ki dja manxi parmanham

Abo tristi riba bu banku mo na kexada

Bum ai purguntau, nha fidju kuse bu tem

Mamai ka febri, ka dor di kabesa

Ka sezan, ka dor di bariga.

Mamai é nobu kim ka sta

Pamodi ki bu ka fla Muxim,

Nka fla pamo é ka purguntam

O Yota sodadi Libron Kokeru

Tudo povo sekedu ta sakuta

Bodi na korda, mandika rinkadu

Ta spera fogueti pa povo djunta

Nem fogueti ka obidu

Maninhu Lopi, n’pidiu kabrito bu nega dan

Si bu daba mi bu kabrito, kabritu txomada

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Bibinhua Lopi,

Busca kabritu, bu ba oferta noiba ké bedja

Oi ma noiba bedja ka ta ronkadu

Koitadu é Djusé Txota

Ki bendi tera kumpra fogueti

Oi ke bendi terra kumpra véu

Trokadu um koxa noiba bedja

Minuniu fêmea fika ku skola na kabesa

Na karis ka ta ruspondedu

Na sombra banana ma ka ta badu

Rubera di tardi kambar di sol

Tudo rapasis bera rubera

Pur isso nhos sa ta ka ka guetu

Oi, o Yota, nha fidju.

MARIAZINHA LEVAM BU PALAVRA

Mariazinha ba rubera

Kamba na orta bu speram

N’sata bai ku boi

Sa ta libra só pés kodjam

Mariazinha mi djam krebu

Ma bu mai ku bu pai ka kre pa bu krem

Ma si bó bu krem sima kreu sima n´krebu

Nem ke fim di mundu nu ta bai.

Mariazinha leba lata

N´ta leba nha boi

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Mariazinha lebam bu palavra

N´ta lebu di um bês.

Príncipe di Xumentu

Frank Mimita

Oh príncipe di Xumentu

Oh rapaz di mementu

O príncipe ka bu bai pa Santo Tomé e Príncipe

Nhu burrro ka nha besta Ta kumé banana

Sabidu na skritoriu ta kumé cacau

Nhu burrro ka nha besta nhos temkabesa rixu

Bibinha é temoza

Nha tem kabesa rixu

Djondjon dja flaba nha ma es midjo é pa kamoka.

FORTI TRABADJA PA ARGUEM

Oio, o, io, io,ioi

Nha guenti forti trabadjas pa arguem

Nha rabu nha kria frida ka sta recebe kurativi

N’ba Santo Tomé es flan pa n’fla sim sinhor

N´ba pa Lisboa es flam pa n’ fla sim sinhor

Kantu n´txiga na txom di Holanda,

Es flam pa n´fla sim sinhor

Nha geunti és flam pa n´fla

Sim sinhor só pa n’kredu.

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N’BEM DI FORA – BULIMUNDO

Nau, nau k anhos stranham

Mi si kim fetu

Nhor Dês ki fazem si

Nha boka ka sabi lixonxa

Pamo n’ka kria na meio di branku

Mi ti kim intxi n’ta pupa

N’ta rabentu pan.

N’bem di fora oi

N’bem di fora oi

N’bem di fora oi

É mi,

É mi ki bai S. Tomé

Ku fomi

Ma ku sperança….

FUNDU BAXU

Fundu baxu rubera era xeio d’agu

Ntinha baka parida n’tinha boi ta pilaba

N’subi riba laxidu , n’djobi la ponta baxu

N’odja txada ta treme, n’odja rotxa ta bai

Mi Ntoni Lopi n’ta kunfia na nha azagua

N’ta kunfia na limaria, nem ‘nka tem medu trabadju.

Toti Guida fla mós larga di kel seka

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Bu larga storia di inxada bu sai na djobi otu bida

Ki ta duem é pa n’larga nha família

Pa n’larga lem di rubera,

Pa n’tra nah tudu speransa

Mas o txuba fla’n undi bus ta

Ku nha fé di kampunes n’ta sperau ti ki bu bem

N’subi riba laxidu ma n’djobi la ponta baxu

N’po nha mo na kexada ma n’pidi Diós pa djuda’m

Ma kantu nta xinti ma n’tinha lagua na odjo

E mi ke Ntoni Lopi dja’m sta badju n’ka bali nada.

Sodadi dja da’m

Sodadi dja da’m

Sodadi dja da’m

Sodadi dja da’m

Djam Branku Dja

N’ta kontra ku bo na rua

N’ta mostrabu nha dentona

N’ta xinta n’ta ri ku bo

Bu ta kuda ma mi é bu amigu

La di riba na nha trabadju

Xefi grandi gosta di mi

Ti serbemti bira kapataz

Kapataz bira serbenti

Nha korpu sta bem dispostu

Nha bariguinha dja bira grandi

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La na kasa ka tem prublema

Nha minis sta tudu gosdinhu

Si bu kre ser sima mi

Si bu kre sabi nha segredu

Bu fala ku mantegueru

Bu fala ku ngraxador

Na mo skerdu n’tem lata graxu

Na mo direita n’tem skova fina

O, io,io ioi

Dja’m branku dja

Dja’m branku dja

Dja’m branku dja

O, io,io ioi

Mundu sta pa bó.

Zezé di Nha Reinalda

Funaná é so na barraca papelon

Catriça po calderon

Ragala odju pa ca torra cima carbon

Tidi Deus pa txuba catem

Pa kama ka solopa

Pa mininus ka deta na lama sima liton

So morna na palaciu na maior salon

Fatu rascon, vison, diskriminaçon

Cantiga di povu ta nkomoda ambienti

Ambienti di kés mesmu djentis

Ki ngana ma ngananu kontenti

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