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Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária

ITERRA

REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA

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Produção: Instituto Téc11ico de Capacitação e Pesquisa da Reforma AKrdria - !TERRA

Organização: Coletivo Político-Pedagógico do Instituto de Educação Josué de Castro

Projeco gráfico: Zap Desig11

Diagramação e capa: u11aide Busa11ello

Revisão: Daniela Ste/0110

lluscração da capa: Sérgio Furo

Todos os direiros reservados ao !TERRA.

1 •edição: ou cubro 2002

!TERRA- Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária

Rua Dr. José Montauri, 181 Cx. Postal, 134 95330-000 - Vcranópolis - RS Fone/Fax: (54)441-1755 Correio eletrônico: [email protected]. br

Sumário

APRESENTAÇÃ0 ................................................................................................... 5

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO JOSUÉ DE CASTRO: UMA ESCOLA DO MST - SUA GESTÃ0 ....................................................... 9

Mateus Trevisan

IEJC: NÚCLEOS DE BASE E SUA ORGANICIDADE .................................. 27 Antonio de Miranda

O PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NO ITERRA .................................................................................................................... 37

Dior/ei dos Santos e Pedro Ivan Christoffoli

DESAFIOS DE UMA SISTEMATIZAÇÃO COLETIVA. ............................... 57 /sabe/a Camini

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1 APRESENTAÇÃO

Tendo presente que escrever é preciso e que através da escrita

podemos contar a história de tantos educandos e educadores que passam

um significativo tempo de suas vidas estudando e trabalhando no Instituto

de Educação Josué de Castro, em Veranópolis, desde sua criação em janeiro de 1995, é que aqui apresentamos o Caderno do !TERRA nº 05.

Atualmente estamos com 10 turmas em funcionamento no IEJC,

entre o Tempo Escola e 'lempo Comunidade, envolvendo em torno de

400 educandos e educandas e 30 educadoras e educadores fixos (sendo

que alguns destes também são educandas e educandos em Tempo

Comunidade).

Trabalhamos com os seguintes cursos:

· Técnico em Administração de Cooperativas - TAC, com Ensino

Médio e Profissional, iniciado em 1993 e assumido nesta Escola cm 1995. r Ioje estão no IEJC a 7a e a 8a turmas deste curso.

·Magistério - Normal de Nível Médio, iniciado cm 1990 e assumido

nesta Escola em 1997. Hoje estamos com a 8a turma cm andamento e está previsto o início da 9a turma em novembro de 2002.

· Técnico cm Saúde Comunitária - TSC, com Ensino Médio e Profissional, iniciado em 2001, estando a la Turma em andamento.

· Curso de Ensino Médio com Qualificação Profissional em Comunicação Social, iniciado cm 2002, estando a la turma em andamento.

· Pedagogia da 1erra, a nível superior, iniciado em 2002, em uma

parceria do !TERRA com a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, estando a la turma cm andamento.

· Curso de Especialização cm Administração de Cooperativas -CEACOOP, em uma parceria do !TERRA com a Universidade de Brasília. Iniciou como curso de especialização e de extensão. A turma atual é apenas de extensão.

. Supletivo de lo e de 2o Graus. Iniciou cm 1998 com o lo Grau e

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Estamos nos desafiando a ser na prática também uma escola de

educação infantil, tendo cm vista a Ciranda Infantil que funciona de

forma permanente no IEJC.

Neste Caderno "Instituto de Educação Josué de Castro: Reflexões

sobre a prática" trazemos textos produzidos por educandos e educadores,

que a partir de suas monografias ou outras experiências de sistematização, contribuem com o processo de reflexão sobre a prática pedagógica em

nosso Instituto. Há textos produzidos em diferentes épocas e devem

ser lidos situados em seu tempo. Algumas destas reflexões acabaram se

traduzindo em ajustes no funcionamento do IEJC e na implementação

de seu método pedagógico.

O primeiro texto é do educando Mateus Trevisan. Vindo de uma experiência de escola de acampamento dos Sem Terra para fazer o Curso

de Magistério Turma VI no IEJC cm 1997, em sua monografia se debruçou sobre as formas de gestão assumidas no Instituto. Em síntese,

vejamos como o olhar investigativo capta o que se vive na realidade

numa experiência educativa como esta.

No segundo texto, o educando Antonio de Miranda faz uma síntese

de sua monografia realizada no Curso Técnico cm Administração de Cooperativas na turma V do IEJC, concluído em 2000. Aborda a formação

dos educandos a partir de sua atuação dentro dos Núcleos de Base. Ao

lê-lo podemos perceber a diferença que faz na vida de um educando quando se desafia a pesquisar, analisar e refletir sobre o que acontece no dia a dia do Instituto.

O terceiro texto traz uma reflexão feita pelo educando Diorlei dos Santos (turma VI, TAC - 2002) e pelo educador, seu orientador de

monografia, Pedro Ivan Christoffoli. Juntos procuram sintetizar o que significa o processo de organização do trabalho no !TERRA, já que o trabalho neste Instituto é considerado como dimensão fortemente educativa.

E por fim, como quarto texto, temos uma reflexão um pouco

diferente das anteriores, mas que consideramos importante publicá-la neste Caderno. A educadora Isabcla Camini, após uma trajetória de sistematização de experiências de educação no MST, traz à tona o desafio de uma sistematização coletiva. Este texto busca desmistificar a idéia de que só escrevem/pesquisam/sistematizam aqueles <JUC estão no mundo acadêmico. Ao adentrar na leitura, nos convenceremos que os

verdadeiros sujeitos, envolvidos na realidade são os autores legítimos

da reflexão e transformação que precisa ser feita a partir desta realidade.

Desejando uma boa leitura a todos e todas, esperamos que este

conjunto de textos ajude a provocar reflexões sobre nossas ações

pedagógicas, a partir das questões que cada educador e educando do Instituto abordou aqui. Também esperamos que ele estimule cada vez

mais a prática do registro e da pesquisa, tão importantes para a formação

que pretendemos.

Coletivo Político-Pedagógico do IEJC.

Veranópolis, outubro de 2002.

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INSTITUTO DE EDUCAÇÃO JOSUÉ DE CASTRO: UMA ESCOLA DO MST - SUA GESTÃO'

Mateus Trevisan

Introdução

Este texto foi elaborado a partir do trabalho de conclusão de curso

apresentado no "Curso de Magistério", turma 6, no ano de 1999. Sua

origem está no projeto de pesquisa que buscou aprofundar a constituição

do Instituto de Educação Josué de Castro e do seu funcionamento, principalmente dos elementos vinculados a sua gestão.

Após três anos transcorridos, faz-se este pequeno artigo, bastante

incompleto dada a abordagem específica, mas principalmente porque a

realidade estudada é muito dinâmica e os elementos mais práticos do

dia a dia se modificaram muito. Porém as idéias gerais e sua fidelidade aos princípios da educação do MST permanecem.

Optou-se por realizar a abordagem específica da organicidade do

Instituto, e aos que desejarem ter um conhecimento mais detalhado do

IEJC - Instituto de Educação Josué de Castro, podem consultar os Cadernos do !TERRA, nº 01 e 02, onde consta a memória cronológica e

a Proposta Pedagógica.

É bom destacar que o texto foi elaborado por alguém que faz parte da coletividade do Instituto, primeiramente como aluno e posteriormente

assumindo atividades de trabalho e acompanhamento de seus cursos e que por isso pode apresentar falhas ou pecar por falta de informações,

além de dificultar o distanciamento para se escrever e melhor analisar o que se vive. A emoção e a tensão permanente tendem a influenciar no jeito de escrever.

l .A organização da coletividade

A atual estrutura de funcionamento do IEJC- Instituto de Educação

l Texto elaborado a pai cir de monografia apresentada para o curso Normal do Insticuco de Educa­

ção Josué de Castro, cm junho de 1999.

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Josué de Castro é resultado de mudanças constantes que se fo ram processando no decorrer da história de concepção e fazimento deste Instituto. Por isso, ela não é assim por acaso, é o aprendizado que vamos tendo no avaliar e re-avaliar os erros e acertos, e projetar as novas ações.

Mesmo havendo mudado no aspecto organizativo, seus objetivos se

mantém os mesmos quando da sua fundação.

Observamos isto em conversa com Cerioli1 , que comenta: "a idéia

básica se mantém, o que mudou por exemplo foi a velocidade de

implantação, por questões de falta de recursos e coisa assim, mas a idéia

básica se mantém desde o início, e que seria de uma escola que atenderia

vários interesses, só que ela estaria voltada, de uma forma especial, para

a produção agroindustrial e teria oficinas nas várias áreas. O princípio

não mudou, o que houve foi uma série de discussões, de ajustes, por

questões externas, mas, na minha forma de ver, a primeira rota traçada

se mantém ... ".

O conjunto do MST, com as realidades para as quais as pessoas aqui

são fo rmadas, tem sido um dos principais determinantes no

funcionamento do Instituto de Educação Josué de Castro, pois são as

demandas que este apresenta, as suas necessidades que levam a

readequação interna.

Com o avanço da luta pela Reforma Agrária, os diferentes momentos por que passa o MST tem exigido cada vez mais uma qualificação da

organização. Esta reflexão é desenvolvida nas instâncias da organização

e também se refere ao IEJC, exigindo que este cada vez mais possa

desempenhar um papel de contribuir na construção da estratégia dos trabalhadores na luta pela Reforma Agrária. Assim as discussões e críticas

produzidas em espaços externos ao IEJC também tem contribuído para que se realizem avaliações e alterações no processo de funcionamento desta coletividade.

1.1. Princípios

No Instituto, em vários espaços podemos verificar a aplicação dos

princípios de educação e de organização do MST Aqui exploro a gestão do Instituto e o que vem a ser compreendida.

2 !\ lembro <lo Colccivo Polícico Pedagógico do IEJC

Considera-se que a gestão deve ser democrática e possa garantir o

máximo de participação dos membros da coletividade no processo de tomada das decisões. Assim, para a educação, a gestão democrática é compreendida:

"Considerar a democracia um princípio pedagógico significa dizer

que, c;egundo nossa proposta de educação, não basta os educadores

estudarem ou discutirem sobre ela; precisam também, e principalmente,

vivenciar um espaço de participação democrática, educando-se pela e

para a democracia social. (MST, p.19 1996)"

"A participação de todos os envolvidos no processo de gestão. Todos

devem aprender a tomar as decisões, a respeitar as decisões tomadas no

conjunto, a respeitar o que foi decidido, a avaliar o que está sendo feito

e a repartir os resultados (positivos e negativos) de cada ação coletiva.

Isto t democracia! E só acontece se o coletivo organizar instâncias de

participação, desde a direção política ou o planejamento mais geral da

atividade de educação, até a esfera específica do aprender e ensinar ou

da relação entre quem educa e quem é educando." (MST, p.19, 1996).

'làl concepção foi trazida para o Instituto de Educação Josué de

Castro como um princípio político pedagógico e vem norteando o seu

funcionamento, levando os membros da organização e uma gestão

coletiva dos interesses do Instituto e suas relações com o conjunto mais

amplo do MST Busca-se o desenvolvimento de uma consciência para a

luta e que sejam sujeitos desse processo.

Se falamos de gestão democrática, temos também que esclarecer o

entendimento que temos de democracia e que aqui é traduzido: resolver,

de forma organizada, os problemas de um coletivo ou coletividade, exigindo que as pessoas que fazem parte deste processo se organizem para dirigi­

lo. Ela exige uma direção coletiva dos interesses, é

"a forma de gestão onde todos são informados, discutem, ajudam a

decidir, mas após ter decidido, todos devem se subordinar a decisão

feita". (!TERRA, P.15, 1996).

Não entendemos democracia com a possibilidade de voto em eleições. Entendemos democracia como a participação de todos nos processos de informação, decisão, planejamento, execução, controle, avaliação e apropriação dos resultados de um determinado empreendimento social, mas tudo feita de forma organizada. Para cada uma das fases acima ela necessita de mecanismos que devem ser dominados por todos, embora nem todos participem.

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Tratando do assunto, Roscli Salctc Cal<lart3 comenta que: "11a co11cepçcio de cooperação, a participação, chamada de gestão democrática, é um princípio em que todas as pessoas aprendem a participar e esta

participação não se dá a "conta-gotas", participando um pouquinho, um pouquinho até que se aprende a participai; ela tem que ser um processo

contínuo incentivado no seu dia-a-dia."

1.2. Estrutura orgânica

A atual estrutura de funcionamento passou a ser discutida no final

do ano de t 997 e iniciou sua implantação cm meados de 1998. Ainda

não está terminada, e sabe-se que não chegará a estar, pois com o dia-a­dia da prática e reflexão é que vai se fazendo as definições necessárias, ajustes, normatizações etc.

Este processo também permite aos educandos extraírem elementos

de sua vivência prática para posterior implementação nas práticas que

irão desenvolver junto às suas comunidades de origem.

a) A relação com os setores do MST

Em vista das necessidades pelas quais foi criado, o !TERRA e o

IEJC estão diretamente imbricados com o todo do MST, cumprindo

com suas determinações.

Cerioli diz que: "A relação básica é de que o ITF.RRA é uma escola

e cumpre as tarefas que lhe são delegadas pelo Movimento" e que é

acompanhado pelos setores de: Formação; Produção, Cooperação e Meio

Ambiente; Satíde; Rducação, Comunicação. Eles ajudam a diswtir a

proposta, tornar as decisões e linhas pollticas para o bom andamento do

Instituto, buscar recursos e são os responsáveis por ettrsos que se realizam 110 JEJC.

Edgar Kolling4 relata que a relação do Instituto se dá na forma de

uma aprendizagem que vai sendo construída. "O Movimento foi/vai

aprendendo e o Instituto vai aprendendo. Porque se ele tomar decisões

que não encontram ressonância dentro da organização, ele não tem força

para levar adiante, é um processo dinâmico, dialético, pois como a

3 l\leml.ira <lo Secor de Educação do l\IST e <lo Coletivo Político Pedagógico do IEJC.

4 l\lc rnl.iro <lo Secor de Educação do l\IST e do Coletivo Polftico Pedagógico do IEJC.

organização não é homogênea, 110 sentido de e11te11rler o papel do Instituto

ou ter a mesma compreensão em todo o país, há um processo de tensão

entre tlmbos, onde os dois aprendem. Se o Instituto se submete de forma

passiva, nem cresce nem contribui para a 01ga11ização crescer, por outro

lado se ele não respeita a 01ganização como um todo vai ter problemas".

A prática tem mostrado que o Movimento através, da sua Direção

Nacional, toma as decisões mais gerais que são encaminhadas aos setores

e instâncias responsáveis pelo Instituto que também formulam contra

propostas. Essa lógica também é referendada por Kolling: "de/ato, quem

define, quem dá as linhas gerais tem que ser o A-fovimento, mas é

impo1tante que o Instituto, ao acompanhar o dia-a-dia do andamento,

do fazer pedagógico, também tenha uma reflexão e uma postura ativa

de fazer o Movimento entender a lógica mais educativa de tuna escola.

l importante manter a tensão em equilíbrio, nem achar que o Instituto

tem autonomia absoluta, nem que o Movimento tem a palavra final. "

Esta tensão existente é muito forre no que se refere ao método de

funcionamento do IEJC, já que o MST desenvolve diferentes cursos,

coordenado por diferentes setores e com metodologias diferentes. Assim,

cm vários fóruns de avaliação da organização são feitas críticas ao

funcionamento do IEJC a partir das informações que cada um

disponibiliza e das experiências que desenvolve.

Já dentro do Instituto, como instância que o integra, existe a Direção

Política, que faz urna espécie de ponte entre o conjunto do MST e o

Instituto. A Direção Política se constitui basicamente em um grupo de

pessoas, as quais o Movimento Sem Terra delegou a responsabilidade

sobre o Instituto. Dela fazem parte representantes dos setores que

possuem cursos no IEJC já citados, a direto ri a legal, um responsável

indicado pela Direção Nacional e, se necessário, são convidadas outras

pessoas. Esta é a instância que responde pelo Instituto perante o

Movimento Sem ' le rra.

b) A gestão interna

Todo o funcionamento interno está compreendido em duas

dinâmicas, que buscam separar o processo de tomada das decisões, da execução das mesmas, buscando garantir a gestão democrática sem perder a eficiência econômica. Estas duas dinâmicas são denominadas de Democracia Ascendente e Democracia Descendente.

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Democracia Ascendente é o processo em que a participação sobe da base até a Assembléia, passando pelas instâncias de coordenação intermediária.

"Nessa linha ascendente, deve ser garantido o mais amplo espaço para o debate e a participação dos associados. As questões partem dos

Núcleos de Base (que devem ser Núcleos de Base do MST). Aí discutem os problemas da cooperativa, os planos de trabalho, os temas que serão

posteriormente discutidos nas Assembléia Geral, os documentos e o

Jornal do MST, Te. O núcleo é a célula viva da organização. (Cristófolli, p. 80, 1998).

Núcleos de base - NB

Os Núcleos de Base são a primeira instância do processo de

Democracia Ascendente. É o espaço de participação das pessoas que integram a coletividade do IEJC. Fazem parte dos NB 's tanto educandos

que estão em tempo Instituto, quanto os educandos em tempo

comunidade no IEJC e educadores que trabalham no Instituto.

Nele deve se desenvolver a base da participação na gestão do Instituto.

É a instância que garante o espaço para que cada pessoa possa opinar e

ajudar a decidir sobre o funcionamento do Instituto e os rumos que ele

deve seguir. Também servem para se realizar estudos, discussões do Movimento Sem Terra, avaliar, enfim, se constituem Núcleos de Base do MST Uma das tarefas que os NB's também passam a incorporar é o de

acompanhamento do processo formativo de seus membros na sua inserção na coletividade, no cumprimento das tarefas, no desenvolvimento e

capacitação de cada um de seus membros. Conforme Regimento Interno:

"É o NB quem responde perante a coletividade pelos deslizes, desvios políticos-ideológicos, indisciplina, falta em tempos educativos,

pouco envolvimento nos estudos e trabalhos, responde pelas atitudes e comportamento de seus membros".

"A instância, o caminho por onde se participa é através do Núcleo de Base, este é o canal. Ele é a instância política de elaboração, de

planejamento, de tomada de decisões, é ali que se discute, se decide para depois no setor executar" co111jJ/eme111a Mário Lilf.

D:ducando da 1 'forma do Curso Técnico cm Administração de Coopcraci\"as - 'IJ\C e memhro

do \l~:n:

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Muitas vezes acontece que, por falta de informação, de domínio do funcionamento, dos princípios que são aplicados no Instituto e do nível

de consciência e organização, os NB 's acabam ficando indiferentes diante dos fatos, sem conseguir opinar ou intervindo apenas nas questões mais

pequenas. Aqui a capacidade de análise e proposição de cada integrante

determina a qualidade das discussões que são feitas e por isso, na

distribuição das pessoas é preciso buscar um equilíbrio na constituição

do núcleo. Não no sentido de que todos devam pensar da mesma forma,

porque justamente a diversidade das características dos componentes

dos Núcleos de Base é que permite a riqueza do processo educativo,

mas é preciso garantir que esta diversidade esteja distribuída para que o

conjunto dos núcleos de base possam ter um bom funcionamento. Logo

busca-se o equilíbrio na distribuição de gênero, das pessoas que se

destacam por habilidades, pela capacidade intelectual, pela liderança e

também das que têm mais dificuldades e limites.

Com o desenvolvimento do processo e o andar de cada curso busca­

se trabalhar para que os membros de cada Núcleo de Base possam cada

vez mais qualificar seu processo de participação na coletividade,

apropriando-se dos elementos que permitem a estes serem sujeitos do

próprio processo.

Coordenação dos Núcleos de Base do Instituto - CNBI

É a instância que tem as discussões mais abrangentes do Instituto.

Delas participam coordenadores de cada Núcleo de Base, os supervisores

das áreas e responsáveis pelo acompanhamento dos educandos no IEJC.

Como instância que tem o domínio do conjunto do processo, é

responsável pelo seu bom funcionamento e o zelo em relação as decisões

tomadas pela coletividade.

Pelas suas atribuições, deve tomar todas as decisões necessárias a

boa execução das determinações coletivas. Esta instância, além disso, é

quem deve se preocupar com o bom fluxo das informações e e.la qualidade

das discussões que são realizadas. No caso de os núcleos de base não conseguirem tomar as decisões que são necessárias, a coordenação deve

assumir para si esta responsabilidade.

Quem coordena esta instância (1 º, 2º e secretário) dá o ritmo de seu funcionamento. Se eles/as não tiverem as habilidades necessárias de condução de reunião, de visualização do conjunto do Instituto, acabar- ,

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se-á discutindo pequenas coisas e deixando o trem da história passar por

conta própria. Os coordenadores tem a tarefa de preparar a reunião da instância, pensar a pauta, organizar um Informe com Balanço Crítico,

analisando o andamento da coletividade.

Os membros da CNBI tem um período determinado pelo qual

exercem esta função, podendo serre-indicados ou não. Da mesma forma se for considerado que os mesmos não estão cumprindo as suas atribuições,

podem ser indicados novos coordenadores para desenvolver a tarefa.

Assembléia Geral do Instituto de Educação Josué de Castro

Esta é a instância máxima dentro do processo de democracia

ascendente. É a instância máxima da coletividade.

São seus participantes: todos os integrantes dos Núcleos de Base

mais os integrantes da Direção Política que estiverem no Instituto.

É convocada pela CNBI e normalmente acontece um vez por mês,

também podendo ser convocada extraordinariamente.

Nela são decididas questões como:

a) Estar diretamente submetida a Direção Política do Instituto, respeitando os objetivos e planejamento estratégico do mesmo.

b) Apreciar os planos de produção;

c) Apreciar a organização dos postos de trabalho;

d) Ratificar o Informe com Balanço Crítico do mês;

e) Apreciar a prestação de contas;

f) Apreciar os orçamentos;

g) Encaminhar mudanças no Regimento Interno e Normas de funcionamento;

h) Ratificar a Coordenação dos Núcleos de Base do Instituto -CNBI;

i) Ratificar o Conselho Fiscal;

j) Ratificar a Comissão de Disciplina;

Os documentos e decisões a serem tomadas pelas Assembléias são primeiro debatidas nos núcleos de base, onde se garante a possibilidade

de maior participação efetiva dos membros da coletividade e é possível aprofundar as discussões. Além disso as assembléias são precedidas de uma plenária da coletividade para aprofundar as discussões realizadas

nos núcleos, esclarecer as dúvidas, sendo possível unificar as propostas. Logo as assembléias exercem o papel de realizar a ratificação final das

questões que já passaram por amplo processo de debate.

Ela reflete o funcionamento das instâncias que a precedem,

principalmente dos Núcleos de Base, pois neles é efetuada a discussão

do que será levado cm aprovação. Percebe-se assim a capacidade de

interferência e questionamento que as pessoas possuem; se elas abraçam

a causa e fazem proposições ou se apenas permanecem como

telespectadores.

Pela importância que tem no processo, a assembléia também é um

momento de união d~ coletividade, onde se vivencia a mística, procede­

se informes de interesse coletivo e se estabelece combinações para o

andamento do processo. Uma assembléia bem feita melhora a coesão e

ânimo para encarar as tarefas.

Democracia descendente

Essa denominação é dada ao processo democrático interno que parte

da aprovação pela Assembléia Geral e vai até a execução das decisões.

"Na etapa de democracia descendente não é mais o espaço de abrir discussões. É o momento de cumprimento das decisões! E a estrutura

orgânica deve ser pensada com base nesse pressuposto, de agilidade e

eficácia no atingimento dos resultados. "(Cristófolli, p.80 1998).

Ccrioli também faz um esclarecimento sobre a origem do termo e

sua relação com o trabalho. · ·

"O trabalho é para executar aquilo que a mesma pessoa pode ter

decidido no seu Ntídeo de Base. É uma espécie de retorno ao mesmo princípio, por isso se chama democracia descendente. Porque 11tlo é uma imposição, ela é uma decisão que ela mesma aj11do11 a tomar, qtte é

diferente da relação de patrão, em que o patrão manda fazer aquilo que você não decidiu e é por isso que é visto com uma dimensão de democracia, sendo claro, que o que foi decidido não foi necessariamente pe11sado por uma zínica pessoa, foi pensado pelo conjunto como o que é

executado depois; o trabalho é feito pelo conjunto das pessoas, se tornando uma gestão coletiva dos interesses."

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Coordenação Executiva

É a instância que tem a tarefa de coordenar a execução das atividades a serem desenvolvidas pelo conjunto da coletividade. Para isso deve tomar todos os procedimentos necessários a realização da tarefa, acompanhar a

sua execução e informar as instâncias sobre o cumprimento da mesma.

É a instância onde participam os Coordenadores de cada setor; por

isso faz-se a leitura do andamento de todas as decisões tomadas e do

cumprimento dos planejamentos coletivos.

Deve buscar a organicidade para o bom andamento e cumprimento das decisões estabelecidas e do gerenciamento do dia-a-dia. Diferente de outras instâncias da coletividade, por serem os coordenadores de

setores pessoas que permanecem em trabalho no IEJC, há sempre um

grupo de pessoas da instância que permanece, o que possibilita a esta

manter uma estabilidade maior de procedimentos.

Áreas

Atualmente o sistema de trabalho do Instituto está dividido em 3 áreas: Área Político-Pedagógica, Área Econômica e Área de Moradia.

I lá existência destas áreas provém da análise da estrutura e busca-se viabilizar a execução das atividades da melhor forma possível. É a primeira divisão do trabalho.

Em cada uma das áreas existe um supervisor6 que acompanhará o

desenvolvimento do trabalho, respondendo pelas questões que dele surgirem e auxiliando os setores a resolver os problemas de maior abrangência.

Os supervisores devem organizar o trabalho e atividades da sua área, distribuir e encaminhar remanejamentos de mão-de-obra, avaliar a

eficiência das tarefas, exigir o cumprimento das atividade e verificar a qualidade com que as mesmas foram desenvolvidas.

Setores

São divisões das áreas, podendo ser de número variado. Os encarregados por eles, denominados coordenadores, são indicados pelos supervisores. Os

6 São pessoas indicadas para o exercício <la função pela Direç:io Política do 1 EJC.

1

coordenadores recebem as informações dos supervisores e as tratam de executar. Tem autonomia para resolver as questões dentro do seu setor, sem que estas interfiram em decisões maiores que já foram tomadas pela

coletividade. Fazem parte do processo de distribuição das tarefas.

Unidades

São caracterizadas pelas funções específicas que desenvolvem, sendo

exemplo delas: panifícios, cultura, ensino, portaria. Nelas acontecem os

últimos encaminhamentos para a realização do trabalho. As unidades

comportam os postos de trabalho, ocupados por pessoas que

desempenharão as atividades previstas e delegadas a cada posto.7

Conselho fiscal

Integrado por representantes das turmas e educadores que

permanecem no IEJC.

Í~ uma instância que fiscaliza o andamento do processo, verificando:

o patrimônio, contas do Instituto, o orçamento, planos de metas e

atividades, documentos, normas elaborando pareceres sobre as

constatações feitas e auxiliando no seu encaminhamento.

Ele é o "olho" dos membros da coletividade, que pode verificar o

cumprimento das atividades de forma mais minuciosa. Por isso seus relatórios têm a tarefa de esclarecer ou apontar limites no andamento da coletividade, permitindo tomar decisões com mais clareza.

Comissão de disciplina

Ela funciona como zeladora do cumprimento da disciplina e

combinações coletivas dentro do Instituto, normas e princípios. Deve averiguar as irregularidades e fatos que lhe são solicitados, obtendo dados

sobre os mesmos e propor encaminhamentos para as questões levancadas.

Deve trabalhar e propor métodos educativos na perspectiva de construir a disciplina da coletividade, não apenas agindo como instância investigativa.

7 Um aprofundamento maior sobre a organização do trabalho pode ser encontrado neste caderno

em texto específico.

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b) Instrumentos de gestão

São os elementos que os sujeitos do processo tem a sua disposição para desenvolverem a gestão da coletividade. Eles são importantes para se garantir a sua vitalidade e a participação das pessoas. São disponi­

biliz.ados como pauta de discussão, cada qual com sua instância específica

e responsáveis determinados. São documentos que são discutidos ou

espaços em que se contribui diretamente na gestão, normalmente

perpassam pelos vários espaços e instâncias.

Organização pedagógica

Para a organização pedagógica de cada curso e do Instituto, foram

estabelecidos documentos como o Proposta Pedagógica do IEJC, em que

se sistematiza os objetivos e o método pedagógico. Além deste existem as

Propostas Pedagógicas de cada curso, cm conformidade com o Proped IEJC.

Para a aplicação elabora-se o Promet - Projeto Metodológico. Este

documento estabelece como serão realizadas as etapas dos cursos. Ele

estabelece a aplicação prática das linhas gerais estabelecidas na proposta

do curso e faz os ajustes que são necessários no decorrer da caminhada

de cada uma das turmas. l~ elaborado pela coordenação dos cursos e pelos responsáveis pelo acompanhamento, a partir da análise da situação

das turmas e em vista dos objetivos que precisam ser alcançados.

Conforme a caminhada que as turmas vão desenvolvendo e o

domínio que passam a ter do próprio processo de vivência, os educandos

são convidados a discutir as metas de cada etapa e as atividades de ensino

e capacitação que serão desenvolvidas.

Organização econômica e do trabalho

Em vista da melhor organização do trabalho nas diferentes unidades

do IEJC, são organizados planos de produção mensal, em que são discutidas

e determinadas as diversas metas a serem cumpridas. Este documento é

elaborado com membros das unidades e debatido nos núcleos de base a

fim de ser ratificado pela coletividade. Com a aprovação também cabe a todos a dedicação cm vista de cumprir com o que foi determinado.

J\. partir das metas de produção e pedagógicas de cada etapa de curso é organizado um orçamento mensal do IEJC, estabelecendo as receitas e despesas a serem efetuadas no período. J\. cada final de mês é elaborada e apresentada a prestação de contas, demostrando o que foi ou não realizado.

A organização econômica mexe com os membros da coletividade, principalmente po r afetar diretamente interesses individuais e coletivos,

principalmente as atividades que implicam diretamente na

sobrevivência, como é o caso da alimentação, ou atividades de lazer,

como as viagens e atividades de campo.

Os recursos provêm da mantenedora do IEJC, mas também são

estabelecidas metas de geração de renda pelos educandos e educadores,

através das unidades de trabalho e principalmente via prestação de

serviços externos a pessoas da comunidade.

A circulação de informações

No Instituto são utilizados vários mecanismos em vista de faz.cr

circular as informações dentro da coletividade e permitir que, de posse

delas, as pessoas possam melhor participar e opinar sobre as decisões a serem tomadas. Estes mecanismo vão, desde o uso permanente de vários

murais, dos espaços de reuniões, de relatórios, informativos diários até

momentos de plenária e discussão coletiva.

Avaliação do processo

A avaliação é desenvolvida em diferentes âmbitos e

permanentemente. São feitas avaliações de educadores e educandos,

deste o aproveitamento de estudos (disciplinas), de capacitação (oficinas),

da vivência social e do desempenho na gestão e no trabalho.

Este processo de avaliação permite que se possa medir os avanços

individuais e coletivos e apontar onde permanecem deficiências que

precisam ser superadas.

2. A construção diária

A "arquitetura social" cm que funciona o instituto, é bastante complexa e geri-la não cem sido uma tarefa fácil ou simples; pelo contrário,

exige um esforço muito grande daqueles que trabalham e estudam, enfrentando várias jornadas extras de trabalho e demoradas reuniões.

~vt uicos elementos do funcionamento do I nstituto vêm sendo

ajustados permanentemente, restados e aplicados, para que se possa construir um ambiente e uma organização o mais eficiente possível no cumprime nto das suas tarefas.

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Uma questão de permanente conflit0 está vinculado aos elementos da democracia e a aut0nomia que 6 dada as instâncias do IEJC, princi­palmente aos educandos, para que possam decidir.

Os educandos passam períodos em Tempo Comunidade enquamo outras turmas estão no Instituto; isto faz com que o trem não pare e vão

acontecendo modificações no andamento. Existem modificações propostas

pelos próprios educandos e outras que são de responsabilidade das instâncias,

que tem a tarefa de responder pelo Instituto perante o MST Quando os

educandos retornam do TC, levam um certo tempo para compreender em

que "estação embarcaram" e como está se desenvolvendo o Instituto.

Por isso muitos não entendem o que foi feito e não assumem

responsabilidades pela sua gestão. Para Cerioli, "o pessoal está no nível da reclamação, não chegaram a um encaminhamento, dizer se queriam

que fosse diferente, encaminhar a instância e propor as mudanças. As pessoas ainda não estão no nível da gestão, estão no nível da reivindicação, isso q uc dizer· elas não estão se assumindo como escola, elas estão

reivindicando da escola. Se isso ocorre, a rigor, é estar olhando como um

outro e não como alguém que é a própria escola( ... ). Por não ser o único

sujeito do processo, sente-se meio agredido na democracia porque as

pessoas sempre acham que são o centro da história e tem dificuldades de que os outros também sejam sujeitos, deixando a sensação de que o

processo está fugindo das mãos, do controle, sem se dar por conta de que o próprio movimento é assim. Tem coisas que a gente não está na instância que decide, mas está na instância que executa."

Assim, é sempre necessário se desenvolver um esforço para chegar a esta compreensão coletiva e proporcionar espaços de auwnomia do

que se pode decidir cm cada moment0 e instância. Boa parte destas definições constam no Regimento Interno do Instituto, mas a cada

vez que são tomadas decisões que implicam na vida das demais pessoas

gera um processo de discussão e adaptação gradativa as mudanças feitas. Precisa de um tempo para madurar e analisar. O fato de restringir a participação a alguns aspectos também limitou o interesse e a

participação das pessoas, já que não decidem, não há razão de ficarem discutindo.

O importante também é frisar que o direito de decidir é dado conforme a responsabilidade que cada pessoa e que cada instância tem. Assim, por exemplo, os educandos podem decidir o que fazer com a renda que eles gerarem ou com um percentual estabelecido pelo MST

e não com o conjunto do orçamento. Para tantO, algumas regras são

estabelecidas. Autonomia com responsabilidade.

3. Frutos da caminhada

Um dos elementos que permite avaliar a contribuição da escola para

a organização é a presença de educandos que nela se formaram e que

hoje contribuem nas instâncias do MST em seus diferentes setores e

estados. Muitos são anônimos, podem estar no escritório de uma

cooperativa, trabalhando na escola de um acampamento ou assenta­

mento, outros se incorporaram a instâncias de coordenação e percorrem

regiões ou estados do Brasil. O importante é que o Movimento também

soube incorporar e aproveitar, cm todas as suas diversas atividades, estas

pessoas, cada qual com a sua habilidade.

O fato de os educandos terem passado pelo IEJC e nele terem se

capacitado durante 3 anos, permite o desenvolvimento de características

pessoais que contribuem para o desenvolvimento das tarefas, nem

sempre apresentadas por todos, mas que compõe o perfil da maioria.

"O espírito de iniciativa; a agilidade de encaminhamentos diante de

uma tarefa;; uma racionalidade maior na hora de tomar as decisões;

maturidade na administração de conflitos interpessoais; melhor organização

do tempo; preocupação com o planejamento; hábito de registar o que se discute e debate nas reuniões; diminuição do machismo; disposição de se

colocar para ajudar outros estados; disposição de continuar estudando (muitos

querem fazer um curso superior); mais facilidade de relacionamento com as

pessoas; mais faci lidade de expressão oral e capacidade de intervir tomando

posição; novos gostos e costumes cm relação ao esporte, ao lazer; cultura cm geral; capacidade de liderança." (Caldart, 1996, p.26)

Nos dias mais atuais podemos tomar como exemplo o próprio

funcionamento do IEJC, em que muitas das pessoas que nele hoje

prestam serviços a organização já foram estudantes de algum dos cursos e hoje trabalham permanentemente no Instituto ou se deslocam a ele para realizar o acompanhamento específico de alguma de suas turmas.

Neste tempo de experiência tornou-se cada vez mais comprovado que "a forma, forma". Que a vivência das atividades objetivadas é um dos determinantes na formação da consciência dos sujeitos. Esta vivência de uma experiência de participação coletiva na gestão de uma escola tem permitido construir uma nova lógica, um novo jeit0 de educar.

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O educador Bernardo Mançano Fernandes,8 que esteve na escola ministrando aulas de geografia, dá sua opinião: "olha, a primeira vez que eu fui dar aula no Instituto de Educação Josué de Castro eu não acreditei no

que eu vil Quando eu vi os alunos gerindo, a estrutura de organização, a gerência do Instituto e sua forma de funcionamento, o compromisso com

que ele faz, eu fiquei um pouco surpreso porque é diferente de tudo que está aí. E por outro lado está diretamente relacionado com a sociedade que

o Movimento Sem Te1Ta propõe construir; então já é uma experiência de

nova sociedade. Quando você vê o compromisso, os alunos tem que trabalhar,

tem que arrecadar dinheiro, tem que conseguir daqui, de lá, e mesmo assim

conseguem fazer o que eles precisam fazer e cada vez estão fazendo melhor:

Então eu acho que tudo isso coloca o Instituto Josué de Castro como uma

escola do futuro, como essa escola do campo que n6s queremos construir."

O fato de as pessoas poderem a cada dia contribuir, seja na discussão

ou na realização direta das atividades para a construção da escola e

garantia da sua própria formação é o que trás satisfação para as mesmas, é o que permite dizer "isto eu ajudei a fazer". "É reconhecer o peso

educativo que tem o trabalho na secretaria, na administração, na

produção; é tttna forma de entender que nenhum processo educativo

pode acontecer apenas por discursos, por falar, por leituras; ele tem que

acontecer por práticas, além da dimensão de um exercício de gestão

democrática, ele é também um tempo pedagógico. Porque vincula teoria e prática, vincula fazer e pensar, é reconhecer que o trabalho é uma

matriz pedag6gica, que é educativa," afirma Miguel Arroyo9 •

Muitos elementos já foram construídos e muitas dificuldades ainda

se encontram. Estas questões irão aparecer a cada dia e a cada turma que iniciar, mas o importante é cada vez mais caminhar para a solução

das mesmas e que a vivência seja o mais real possível, por isso mais

plena de suas potencialidades educativas.

8 Educador no 1 EJC e membro do Setor de Educação do MST, co-autor do livro Josué de Castro -

Vida e Ohra da edicora Expressão Popular.

9 Encreviscado na J Conferência Nacional da ~:ducação do Campo, após ter assistido urna apresen­

tação do Insticuco em urna das plenárias de experiências. Também ministra aulas no lnsticuto e

assessora o Secor c.le Educação do MST

!

Bibliografia

BOGO, Adernar. A Vez dos Valores, São Paulo, 1998. Caderno de

Formação nº 26

CALDART, Roseli Salete. A formação dos Trabalhadores no MST: um

estudo sobre o curso Técnico em Administração de Cooperativas -

TAC. Porto Alegre, UFRGS, 1996

CALDART, Roseli Salete. Educação em Movimento - Formação de

Educadoras c Educadores no MST. Vozes, São Paulo, 1997

CERIOLI, Paulo Ricardo. Educação para a Cooperação -A experiência

do Curso Técnico em Administração de Cooperativas do MST. São

Leopoldo, UNISINOS, 1997

CRISTÓFOLI, Pedro 1 van. Eficiência Econômica e Gestão

Democrática nas Cooperativas de Produção Coletiva do MS'J: São

Leopoldo, UNISINOS, 1998.

IEJC. Regimento do Instituto de Educação Josué de Castro, Veranópolis,

2002-11-04

TTERRA. Memória Cronológica, fevereiro de 2001. Cadernos do

ITERRA nº 01

ITERRA. Proposta Pedagógica do Instituto de Educação Josué de Castro, Veranópolis, maio de 2001. Cadernos do !TERRA nº 02.

!TERRA. Proposta Pedagógica da Escola de Ensino Supletivo Josué

de Castro. Veranópolis, 1996.

ITERRA. Proposta Pedagógica. Veranópolis, 1996

MST. Princípios da Educação no MST. São Paulo, 1996. Caderno de

Formação nº 08

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IEJC: NÚCLEOS OE BASE E SUA ORGANICIDADE

Antonio de Miranda

1. Introdução

Este texto é fruto da monografia realizada no Curso Técnico de

Administração de Cooperativas - TAC (turma 5) do Instituto de

Educação Josué de Castro, cm setembro de 2000. Aqui pretendo, de

forma sintética, abordar a formação dos educandos, que se dá a partir

dos núcleos de base10 do Instituto, bem como a democracia, tentando

explicar como os educandos e educadores se comportam diante dos

relacionamentos e das contradições enfrentadas no dia a dia do processo

pedagógico. Também pretendo esclarecer a dimensão formativa dos

educandos, a chegada no Instituto no início do curso e o nível de entendimento, deles, analisar, no decorrer do processo, a sua evolução

na compreensão geral da sociedade.

Tento fazer um resgate de como os núcleos de base estão

estruturados e qual a sua composição e formação cm seu papel formativo. A partir desse assunto, abordar como as pessoas se comportam dentro

do processo e sua visão de democracia.

2. Núcleos de base

A forma de organicidadc do Instituto de Educação Josué de Castro

é a mesma forma de organicidade do MST, pois é composta por núcleos

de base, que são instâncias de avaliação, opinião, proposição e decisão

q uc conseguem dar mais agilidade e coesão na participação das pessoas quando nas tomadas de decisão e nas elaborações das propostas, estejam elas num acampamento, assentamento ou em outros espaços educativos.

Os núcleos de base no Instituto de Educação Josu6 de Castro não nasceram por acaso. E les são o resgate histórico das experiências vivenciadas na prática pelo MST. Estes são a fo rça motora no processo

10 O l\ lST NCtclt:o de Base é um gru po de .'i a 10 famíli as q ue se rc1í ncm para discutir assu nrns

referentes à organização social das familias pertenccnces ao l\ lovimenrn.

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de gestão do IEJC. Seu mérodo, o jeito de funcionar diante das discussões e das contradições internas, pelo seu processo de formação a partir da

prática e da realidade, dão o tom e a diferença no Instituto Nesta

experiência educativa, quem dá o ritmo e faz o movimento para tudo

funcionar são os educandos e os educador. Neste Instituto não há

diferença entre educandos e educadores, cada um tem suas

responsabilidades, mas nenhum é superior ao outro. Tenta-se primar

relação de subordinação entre iguais, que ora o educador, ora o educando

coordena o processo. A construção do respeito entre ambos é um

aprendizado, que às vezes chega a ser doloroso para ambos os níveis.

Nesta caminhada, o IEJC já percorreu grandes caminhos rumo a

sua organicidade e a formação de novos seres humanos. Internamente,

podemos perceber que no início, os núcleos não eram bem constituídos

como um núcleo de base, eram núcleos de militantes do MST, onde

recebiam tarefas para desenvolver, no cunho mais político, tanto

internamente junto aos educandos como fora do IEJC, junto a sociedade. Eram pessoas que já tinham uma maior caminhada e mais conhecimento

político do MST onde deviam ser os formadores e o exemplo diante dos demais educandos e da sociedade. Com o tempo essa lógica mudou e o

Instituto seguiu o jeito do MST funcionar, onde todos estão nuclcados.

Nem sempre as turmas que passavam pelo Instituto de Educação

Josué de Castro estavam num núcleo de base, pois as mesmas se organizavam por grupos de estudos. Os trabalhos e as decisões e

encaminhamentos eram feitos pelos setores de trabalho, pois eles se

constituíam uma instância de base e execução das atividades aprovadas

cm assembléias.

Os Núcleos de base, a exemplo do MST, surgiram a partir da

reestruturação do Instituto, cm 1998, com o objetivo de serem núcleos

de base do MST e para se aprofundar nos estudos referentes a

organicidade do IEJC e da própria organização do Movimento. 'làmhém

tinham a tarefa de discutir os rumos políticos que o MST e o IEJC deveriam seguir. Ou seja, para ajudar a dar rumo a um processo de

formação da personalidade humana, os núcleos eram para ser o educador, a célula que movimentava o processo e fazia as pessoas serem sujeitos formadores de seu próprio destino e na construção de uma nova sociedade.

dificul<lades de entendimento político e de acompanhar os conteúdos dados pelos professores. Neste caso, o núcleo de base não tinha o papel de fazer discussão política os encaminhamentos de propostas, seu

objetivo era estudar e entender o que estava acontecendo com o

companheiro em dificuldades.

Haviam brigadas organizadas que se responsabilizavam pelos

trabalhos extras, que não estavam nos postos de trabalhos ou que não

eram esperadas. Nesse caso a participação dos educandos era direta e o

processo de formação mais acirrado, pois a responsabilidade era deles

mesmos, inclusive de pensar como administrar e realizar estas atividades

extras. Estas eram oportunidades que proporcionavam um melhor

acompanhamento por parte dos próprios educandos, no sentido de um

ser o educador do outro.

Os núcleos de base seriam a base da democracia no Instituto dentro

da proposta que se tem, pois as pessoas que fazem parte de um núcleo,

estão também dentro de um setor de trabalho. Neste caso, elas deveriam

ter o conjunto das informações dentro do IEJC em mãos para poder

discutir, sugerir propostas e encaminhamentos para o avanço da

organização. Todos deveriam estar informados, tanto das fragilidades,

como dos avanços. Os educandos participavam das discussões, tomadas

de decisões, encaminhamentos e do cumprimento dos mesmos, ou seja,

havia momentos em que juntos discutiam e aprovavam e outros, que

apenas se cumpre o que foi aprovado coletivamente.

3. Os núcleos de base e a democracia

Quando falamos em democracia, falamos em participação coletiva,

da base nas discussões e encaminhamentos, respeitando as instâncias

dentro dos princípios organizativos do Movimento Sem Terra. Para nós,

está claro que as discussões e as tomadas de decisão devem respeitar a

participação da maioria, sem cair no basismo e nem perder a autoridade, caindo no centralismo de não dar espaço para as discussões, ficar preso e

amarrado, não dando encaminhamento algum.

Primeiro é preciso analisar a democracia ligada à organização e às necessidades internas, respeitando as normas e os princípios do f\Iovimcnto. Isto significa fidelidade à militância que trabalha para a causa do povo, que tem clareza política, que se subordina às decisões

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ª o ~ ~ Naquele período inicial, para estudar, organizavam-:se em grupos

de estudo que tinham como principal objetivo ajudar as pessoas com coletivas e não reclama de seu papel histórico na sociedade. Este é_µm ....._.

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primeiro ponto que temos que levar em consideração para discutir democracia. Saber que, em primeiro momento, é difícil entender seu papel, pois cada pessoa quer fazer as coisas de sua cabeça, conforme

suas vontades individuais, mas quem está convicto de seu papel não discute a decisão coletiva do MST. Claro que temos que ter a maior

participação da base, do povo, mas, não se pode deixar que quem não tem clareza dos objetivos tome as decisões, colocando a perder tudo o

que a história nos ensinou e o que já conquistamos. Nesse aspecto, os

educandos, quando chegam no Instituto, vivendo em núcleos de base,

percebem que são uma parte diante do todo. Por isso as decisões precisam

ser bem analisadas para tomar decisões inteligentes.

Temos que primeiro preparar os militantes para ter clareza do papel

que exercemos na história, dar condições para entender tudo isso, e ajudar

a tomar as decisões e dar rumo a organicidade do MST

O segundo aspecto é voltado para a responsabilidade da instância

quando assumida. Nesse caso não dá para ficar toda hora consultando a

base, se dá para fazer ou não as atividades que foram discutidas e

encaminhadas em momentos anteriores. As Instâncias, setores, devem ter autonomia para encaminhar as decisões, desde que sejam dentro da

linha estratégica. Os setores responsáveis têm o papel de encaminhar

com segurança, sem se preocupar em consultar novamente a base para

saber a forma que deve ser feito. A base precisa ter o entendimento de que teve a participação dela no momento da discussão e decisão.

É necessário entendermos que no MST, as decisões são tomadas

pelas instâncias mas são discutidas pela base organizada em núcleos onde

a mesma dá sugestões, levanta propostas de como enfrentar as

dificuldades e avanços encontrados no MST É necessário que possamos trabalhar a formação antes das pessoas irem para o IEJC, possam ter o

entendimento político e com o tempo, consigam entender e dominar

nossos princípios para contribuir nas discussões e ajudar nos

encaminhamentos para a organização da classe trabalhadora no geral.

Olhando criticamente para a questão prática dentro do Instituto, percebe-se que tem uma grande confusão no entendimento de como é o funcionamento do mesmo, principalmente no que se refere à

participação nas decisões coletivas. As pessoas não conseguem fazer uma boa discussão. Quando fazem é com uma visão basista, querendo que tudo passe pela discussão, desde a implementação das propostas, que em muitos momentos já foram discutidas por outras instâncias e pelos

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próprios núcleos de base. O problema reside na questão de que as turmas ficam apenas uma parte do ano no Instituto, a cada 50 dias mudam as

turmas e as pessoas têm dificuldade em entender que algumas decisões

foram tomadas quando ainda estavam em tempo comunidade . E caso

algum não tenha discutido, acha que ele não tem a responsabilidade de

implementar.

Observa-se no entanto, que há pessoas que não têm a clareza política

do funcionamento do MST, por isso têm dificuldades de entender o

que é proposto no Instituto.

Quando pessoas do Instituto de Educação Josué de Castro tentam

fazer com que as discussões e propostas sejam executadas e colocadas

em prática, algumas vezes são chamadas de autoritárias, querem mandar

no Instituto. Esta postura demonstra que ainda não conseguem ver a

dimensão do Instituto e nem a forma de organização do MST.

Também se percebe que nem todos conseguem ter uma definição

clara do que é democracia. Uma outra confusão que gera é a transição

dos educandos no tempo Escola 11 e o Tempo Comunidade12, pois

quando retornam os seus Estados de origem, deixam trabalhos e metas

produtivas do Tempo Escola encaminhadas para outra turma cumprir.

Isto tem gerado muita confusão. Entre os que chegam há os que dizem

que "não fomos nós que encaminhamos, então não temos o compromisso

de executar tais atividades". Nesse sentido, observa-se que as pessoas

não têm a clareza do funcionamento de coletivo e que ainda falta muito

confiança de turma para outra.

Claro que é difícil entender essa lógica de funcionamento pelo meio

cultural no qual vivemos, mas temos que ter convicção de que nosso

compromisso com a sociedade nos faz acreditar que é possível mudar a

existência das pessoas e transformar o indivíduo em sujeito formador de

sua própria história, a partir de sua prática vivenciada num novo jeito de educar e se educar coletivamente.

Percebe-se que apesar de todas as deficiências e desencontros que ocorrem dentro do Instituto, a estrutura organizada dessa natureza só

11 Período em que os educandos permanecem fazendo atividades de estudo no próprio Instituto.

12 Período em que os educandos permanecem cm seus coletivos de origem desenvolvendo ativi­

dades práticas

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e

funciona por causa dos núcleos de base, pois na democracia ascendenteu

eles têm um papel fundamencal nas tomadas de decisões através ele seus coordenadores nas instâncias de decisão. Os núcleos de base geram

todas as discussões que são de interesse do Instiruto e das turmas de

educandos/escudantes, e as discussões que são de interesse dos núcleos

geralmente são resolvidas dentro do próprio núcleo de base. O que se

refere ao coletivo como um todo, é discutido nos núcleos e encaminhado

para as instâncias decidirem, ou seja, na Coordenação dos Núcleos de

Base do Instituto de Educação Josué de Castro ou nas assembléias, com

a participação de todos.

O que se percebe é que nem todos os núcleos conseguem fazer

uma discussão aprofundada sobre o conjunto do Instituto, pois falta

entendimento do processo e agilidade por parte de quem coordena o

processo formativo. Em muitos momentos, as pessoas ficam mais

interessadas no que diz respeito a elas mesmas e não ao que diz respeito

ao coletivo, o que as leva a se preocupar mais com a tarefa e não com a

qualidade dos resultados.

Percebe-se que os núcleos de base conseguem ser instância de

decisão no processo porque os coordenadores fazem parte da coordenação

do Instituto de Educação Josué de Castro, ajudando a tomar as decisões

necessárias. E quando a decisão é mais estratégica, que diz respeito ao

andamento de todo o coletivo, as propostas são levadas para a assembléia,

momento em que todos participam diretamente, tanto na tomada de

decisões, como no encaminhamento das linhas políticas assumidas no

conjunto por um determinado período.

Em muitos momentos não se tem uma avaliação aprofundada do

nível de consciência das pessoas que passam no IEJC e nem é levado

em consideração o tempo de MST e o nível de conhecimento prático

que os mesmos têm. Por isso demora muito tempo para as pessoas se

adapcarem ou assumir as atividades do Tempo Escola.

Observa-se, no entanto, que os educandos, quando chegam pela

primeira vez no Instituto, já encontram uma organicidade constituída e em muitos momentos o seu núcleo de base já esta pré-definido, o que

1.1 ~:onde se d;\ a parcícípação de codas as pessoas acravés das discussões, das análises das sugescão

e das proposcas feicas para o avanço du colcrivo. Conceíco utilizado até o ano de 2001.

f

exige engajamento imediato no processo para tocar as atividades dentro de um curto período de tempo, para se alimentar ou estudar, pois aqui se aprende a fazer fazendo. Em alguns momentos isto é questionado pelos educandos, que muitos educadores, e em grande parte não são questionados. As pessoas criam uma certa dependência, faltando iniciativa de fazer as atividades e até mesmo de propor e encaminhar.

Começam a reclamar da coordenação e de quem está acompanhando:

"porque é que os mesmos não o fazem"? Não se dão conta que os

responsáveis para realizar as atividades são os próprios educandos. Aos

educadores também lhes é reservada responsabilidades de fazer.

A grande maioria das pessoas que vêm para o Instituto de Educação

Josué de Castro são acampados ou assentados e o poucos têm conhecimento do funcionamento do MST em seu local de origem e da

sua regional. Quando chegam no Instituto logo já assumem como

coordenadores de núcleos de base, que ao mesmo tempo compõe a

coordenação geral do Instituto. Nesse caso, a responsabilidade a eles

atribuída é, muitas vezes, maior do que seu conhecimento e condições

para tal. Por essas razões começam as cobranças, muitos reclamam e entram cm desespero. No primeiro momento não é avaliada a função

que os mesmos vão assumir; de imediato, estes são cobrados como se tivessem uma longa caminhada na luta, ou seja, exigimos que encontrem

respostas concretas diante de problemas que surgem.

Olhando do ponto de vista prático isto é muito importante pois faz

com que as pessoas se dediquem cada vez mais para dar respostas diante

das exigências e desafios cotidianos. Por outro lado, cm determinados

momentos, isto gera resistência, As pessoas não conseguem entender o método de formação apresentado pelo MST, confundem seu papel, sua

responsabilidade e não ajudam encaminhar as coisas, porque tem maior laço de convivência junto aos educandos e acabam agindo pelo lado do

amiguismo. Com isso as pessoas fazem uma grande confusão, não aceitam as decisões tomadas por outras instâncias, muitas vezes por elas mesmas,

pois discutem que devem fazer tal atividade até tal tempo e se não cumprem dizem que é porque é muito. Caso cobrados diante da responsabilidade, dizem que as pessoas agem pelo autoritarismo. O que vemos é que em muitos momentos é necessário que se tenha maior diálogo com as pessoas para que elas possam entender a razão que leva o Movimento a propor esta formação humana e qual é o resultado que a história cobra de cada um de nós que passamos por este Instituto e por este Movimento.

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Se analisarmos a participação nos núcleos de base e o processo formativo dos educandos dentro de um pequeno espaço de discussão, podemos dizer que os núcleos de base são um espaço democrático no [nstituto de Educação Josué de Castro, embora muitas pessoas não

percebam. Nos núcleos, as pessoas se sentem sujeitas do processo e as

discussões se dão de forma transparente, pois são elas que coordenam

os núcleos e o ao mesmo tempo o próprio Instituto. Isto as leva, ao

entendimento da direção coletiva, na qual tudo deve ser discutido de forma coletiva e sabem que muitas vezes a forma de decisão precisa ser

até meio radical, mas é necessário para que as pessoas possam ter maior entendimento do IEJC e também comecem a perceber que alguém

precisa tomar a iniciativa e fazer alguma coisa; se elas não tiverem a iniciativa de fazer, quem está acompanhando vai fazer e os mesmos têm

de cumprir.

4. Conclusão

O Instituto de Educação Josué de Castro é um espaço que faz com que as pessoas sejam formadoras, educadores e educandos ao mesmo

tempo. Os núcleos de base são espaços onde os educandos expõem seus ideais e questionam o funcionamento do Instituto, fazem avaliação um

dos outros e dos assessores, no intuito de contribuir no processo de

formação humana; faz com que as pessoas que têm dificuldade de

expressão e participação se desafiem a discutir e participar.

Nesse sentido, os núcleos de base se tornam um dos mais importantes espaços de formação, pois desperta nas pessoas o interesse de participação.

Ao mesmo tempo, fazem com que estas assumam coletivamente as

responsabilidades, deixando assim o interesse individual de lado, porque

o pequeno grupo faz com que as pessoas se desafiem a fazer propostas e

análises do processo de um ponto de vista crítico e organizado. Quando as pessoas que participam de um determinado Núcleo não querem contribuir, os próprios componentes deste núcleo fazem as avaliações internas,

tentando corrigir e envolver as pessoas nas discussões. Na realidade, a vivência do dia a dia dentro do Instituto organizado pedagogicamente

desta forma, educa aqueles que estiverem envolvidos dentro do processo e se deixarem educar por ele.

Os valores, princípios e o conhecimento necessário vão sendo assimilados e adquiridos a partir do momento cm que as pessoas começam a participar do processo e vão se assumindo enquanto classe

trabalhadora e juntos buscam a mística que movimenta as pessoas em

torno de um novo projeto de vida, onde a busca da igualdade e a sede de justiça estejam estampadas no rosto de cada um.

Tendo presente a reflexão feita neste texto em relação ao cotidiano que educa dentro de nosso Instituto, podemos dizer que este espaço

educativo em Veranópolis e o MST como um todo, tem um papel importante e definitivo na vida de tantos jovens que se engajam na lura

pela Reforma Agrária, assumindo a condição de Sem Terra que os leva a

pensar e agir em uma sociedade brasileira que exclui tantos sujeitos

sociais capazes de trabalhar, estudar e fazer história. E com certeza o

~lo\'imento faz com que as pessoas sempre se questionem e reflitam sobre coisas novas.

5. Referências bibliográficas

CALDART, Roseli Salctc. Pedagogia do Movimento Sem Terra. Petrópolis, Vozes, 2000.

CI IRISTOFOLI, Pedro Ivan. Eficiência Econômica e Gestão Democrática nas Cooperativas de Produçrlo Coletiva do MST. São Leopoldo, l'nisinos, Monografia, 1998.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974.

MORAIS, Clodomir Santos de. Elementos Sobre a Teoria da Organização no Campo. São Paulo: MST. Cadernos de Formação do l\IS'J~ 1986.

l '\JSTITUTO TÉCNICO DE CAPACITAÇÃO E PESQUISA DA

REFORMA AGRÁRIA. Memória Cronológica. (Cadernos do ITERRA nº 01) Veranópolis, 2001.

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1

O PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NO ITERRA14

Diorlei dos Santos15

Pedro Ivan Christoffoli16

Introdução

Neste trabalho foram levantados alguns aspectos referentes à

organização do processo de trabalho no !TERRA. Portanto, parte desta

análise algumas considerações que foram vistas como problemáticas e a partir de discussões e levantamento teórico. Discute-se uma

metodologia de estudo_ e análise do trabalho para chegar a definição do

posto de trabalho, seja ele no !TERRA ou em qualquer outra organização.

Vale lembrar que esse artigo foi embasado na monografia apresentada

ao Curso TAC com o título: "O Processo de Organização do Trabalho

cm duas Organizações do MST: !TERRA e ERVATEIRA-PR". Esse artigo é uma síntese apenas do que se refere ao !TERRA.

Vivemos cm uma época de grandes e profundas transformações,

num ritmo acelerado, vinculadas, de uma forma ou de outra, ao trabalho, seja ele na agricu ltu ra ou em qualquer outro tipo de trabalho, já que

este é o que dá identidade aos homens.

A pesquisa em si teve o objetivo de analisar o conceito de Posto de Trabalho e como o mesmo é apropriado na organização do processo de

trabalho do !TERRA. Discute-se o processo de implantação desses

postos, como se deu a discussão anterior e o porque de organizar o trabalho em postos em uma Escola ligada ao MST. Para entender essas

questões buscaram-se alguns autores que teorizaram sobre as formas de organização do trabalho, em específico Marx, pelo seu profundo estudo

econômico e político da sociedade capitalista. Também se utiliza Taylor com a sua teoria sobre o estudo e análise do trabalho cm vista da

14 Artigo baseado no Trabalho de Conclusãu de Curso do primeiro autor no Curso Técnico em Administração de Cooperativas - TAC.

15 Técnico em Administração de Cooperativas, formado pelo !TERRA.

16 Membro do Secor de Produção, Cooperação e !Vicio Ambiente do l\1S'J~PR. Orientador do

TCC.

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influência que sua teoria teve sobre a organização especificamente capitalista do trabalho 17

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Também aqui se objetivou construir alguns conceitos que possam

vir a auxiliar a concretização dessa pesquisa, sendo esses conceitos

empregados para a análise do processo de trabalho na cozinha do

!TERRA. A aplicação dos conceitos e resultados deste estudo, na sua

amplitude, tenderia a levar a uma reestruturação da organização do

trabalho no Instituto. É aí onde deriva a maior importância e possibilidade

de utilização do mesmo. Acreditamos que esse trabalho ajude a subsid iar

a reflexão sobre a organização do trabalho no Instituto e nas organizações produtivas dos assentamentos.

Obviamente que o presente artigo e a monografia cm que o mesmo

se baseia apresentam inúmeros limites, os quais não cabe aqui listar. O

mais importante talvez seja situarmos os méritos do mesmo dentro da

perspectiva de que o objetivo de colocar em discussão o conceito de

posto de trabalho foi alcançado. Esperamos que isso abra espaço para

re-situarmos essa importante ferramenta de organização do processo de

trabalho na escola e nos assentamentos.

1. O processo de trabalho humano

Popularmente as pessoas tratam o trabalho como meio de ganhar a

vida. É comum ver as pessoas dizerem que tendo trabalho a vida é diferente e que para pessoas sem trabalho, a vida não tem sentido. Tudo isso se

refere não apenas às condições materiais que o trabalho oferece à vida humana, como comida, vestimentas etc., mas também envolve um fator determinante que é a auto-estima das pessoas. O trabalho possibilita criar,

por isso dá identidade, tanto que as pessoas se identificam pelo trabalho.

Uma pessoa sem trabalho se sente desvalorizada. Na sociedade

capitalista em que vivemos, o trabalho é visto como forma de exploração

e não como elemento libertador. Como sempre foi reprimida pelas mãos dos capitalistas, grande parte da sociedade só se vê capaz de sobreviver ao conseguir vender a sua força de trabalho. Portanto, ela não dispõe dos

meios de produção, e se obriga a vender para quem tem as condições materiais de produzir, nesse caso o industrial, o fazendeiro etc. Em muitos

17 Apesar de essa dinâmica também [Cí sido adorada na União Soviética.

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casos, "não vê o trabalho como um dever social, o vê como um castigo

Individual" (BOGO, 2000).

Mas o que é trabalho? Como ele se manifesta na vida das pessoas?

Para Engels "a natureza oferece a matéria prima ao homem, que depois

de imprimido o trabalho sobre ela é transformada em riqueza". Por isso

que "o trabalho é a fonte de toda a riqueza" (ENGELS, 1979:226).

Os primórdios do trabalho começam a aparecer com o homem pré­

histórico, a partir da confecção de ferramentas. "O trabalho propriamente

dito começa na realidade, com a confeq;ão de ferramentas. Entre estas,

ferramentas para a càça e para a pesca; e simultaneamente, as primeiras

armas" (ENGELS, 1979). O trabalho foi um fator determinante para a

evolução da espécie humana: o trabalho criou o homem (ENGELS, 1979).

A criação do homem pelo trabalho no sentido empregado por Engels sugere

que, dentro de um processo histórico de desenvolvimento, na medida em

que os ancestrais humanos começam a transformar conscientemente a natureza em vista de facilitar a obtenção das condições de sobrevivência é

que eles vão gradativamente se constituindo como seres humanos, como

seres diferenciados das espécies especificamente animais.

Isso quer dizer que no processo de trabalho, o ser humano altera a

natureza e ao mesmo tempo modifica a sua própria natureza, aperfeiçoando assim as qualidades humanas. O ser humano, na sua essência é o resultado

do trabalho, pois além do trabalho produzir o sustento humano, ele é responsável pelo relacionamento, afetividade, convivência e

desenvolvimento da consciência social. (ENGELS, 1979). Por isso que

no Instituto de Educação Josué de Castro o trabalho é considerado um

elemento pedagógico essencial para a formação dos educandos.

Para entender a forma atual de organização do trabalho, é preciso analisar

o passado e compreender o processo histórico, pois ela vem se conformando

desde os primórdios da relação do homem com a natureza, ou seja, desde o surgimento do próprio trabalho, com o desenvolvimento da sociedade e das

forças produtivas. É importante ressaltar a divisão do trabalho como elemento

central ligado ao desenvolvimento da sociedade humana.

Historicamente, as principais razões para o emprego da divisão do

trabalho são a obtenção do controle sobre o processo de trabalho e o aumento da sua produtividade. Assim as sociedades humanas e suas organizações dividem tarefas e especializam seus trabalhadores. Esse deve ser o motivo que devemos entender porque existe divisão do tra-

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balho. Imagine se cada pessoa tivesse que produzir todos os bens necessários para atender suas necessidades: produzir a roupa e a comida, fazer tijolos e construir casas etc. Se fosse assim a sociedade não cresceria

na mesma velocidade que vem ocorrendo até hoje.

Adam Smith 18 observou que uma das razões para que a

produtividade do trabalho aumente com a divisão do trabalho, é a

elevação da destreza do trabalhador pela especialização em uma só tarefa.

Ou seja, o trabalhador deve executar uma só tarefa com o domínio total

sobre ela; a razão para isso é a maior concentração no processo de trabalho.

A divisão natural do trabalho foi a primeira tendência de especialização

que surgiu na história do trabalho humano. Os critérios utilizados pela

mesma eram as diferenças de sexo, força e idade das pessoas.

[ .. .] as mulheres começam a se owpar do trabalho agrícola e do jardim, pois este era um trabalho mais leve. É que a mulher, por ter mais

percepção, se ocupava disso; os homens se encarregavam do trabalho rústico, mais pesado, a saber: a caça, a pesca e a guerra. Por desenvolverem essas atividades fortaleceram mais a musettlatura, o físico (SANTOS

DE MORAIS, 1986).

Essa divisão, embora tenha sido a primeira divisão do trabalho na

sociedade, ainda hoje existe, como no caso de algumas tribos indígenas.

Já a divisão social do trabalho (DST) acontece em vários estágios, conforme Santos de Morais. A primeira grande DST acontece quando

algumas tribos decidem se especializar em agricultura e outras cm criação

de animais, onde por necessidade de sobrevivência ocorria troca de

produtos, tanto agrícolas como carne e couro etc.

No período da divisão natural do trabalho (ONT) c fases iniciais, prevalece, na organização do processo de trabalho, o que Santos de Morais

(1986) chama de Processo Produtivo Único (PPU). No PPU, uma pessoa executa a produção sem a colaboração de outras pessoas, isto é, o

trabalhador domina todo o processo produtivo; ele simplesmente ignora

a cooperação de outros, faz tudo sozinho. Produz o sapato do começo ao

fim, desde o aprontamento do couro até seu acabamento, em um método totalmente artesanal.

18 Filósofo e economista escocês que enunciou a teoria do valor do trabalho. viveu de 1723 a 1790.

:'\'esse processo o trabalhador leva um tempo muito maior para produzir a mercadoria e, portanto, tem um maior custo, tendo em vista

que o preço da mercadoria gira em torno de seu valor e este é determinado pelo tempo socialmente necessário para sua produção.

A divisão técnica do trabalho é parte da DST. Nela prevalece um

processo produtivo socialmente dividido (PPSO), cm que vários

trabalhadores participam da produção de um determinado bem, de forma

organizada. cada trabalhador é responsável por uma parte do produto.

Nesse estágio surge aquilo que Marx denomina de trabalhador coletivo:

o tmbalhador coletivo tem olhos e mãos em todas as direções e possui,

dentro de certos limites, o dom da ubiqiiidade, concluem-se ao mesmo

tempo diversas partes do produto que estão separados no espaço. (1l!ÂRX, 7968:376)

Para Marx (1968) a divisão técnica do trabalho se dá quando se

estabelece a divisão de atividades, no que ele denomina manufatura.

Quando a fabricação de uma peça, quer seja uma roupa ou um sapato,

pressupõe o parcelamento do trabalho/processo de produção em tarefas parciais cada vez mais simples

Na divisão técnica do trabalho os trabalhadores cooperam na

produção do determinado bem, cada um fazendo uma parte do produto

e juntando essas várias partes, resultando no produto acabado ou produto

final. Um trabalhador é dependente do outro e o trabalho de um começa

a partir do que o outro fez no produto, existindo a dependência, um do

outro. Aqui o produto tende a ter um custo mais baixo, pois a sobrevivência desse tipo de processo produtivo num regime de

concorrência capitalista pressupõe que seja empregado o tempo de

trabalho médio necessário à sua produção, ao contrário de um produto produzido no PPU.

2.A evolução da organização do trabalho

A cooperação simples "é a forma de trabalho cm que muitos trabalham planejadamente, lado a lado e conjuntamente, no mesmo

processo de produção ou cm processos de produção diferentes, mas conexos" (Marx, 1988:246) e pressupõe a reunião de trabalhadores. Nessa forma de organização do trabalho, há várias mudanças em relação ao processo artesanal individual de produção. Uma delas é que há um aumento signifi~ativo da produção cm vista da elevação da produtividade

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do trabalho fomentada pela emulação entre os trabalhadores e a força do trabalho coletivo em contraposição ao trabalho do indivíduo isolado.

Outro aspecto refere-se a que "o trabalho individual de cada um pode

ainda assim representar, como parte do trabalho global, diferentes fases

do próprio processo de trabalho, as quais o objeto de trabalho percorre

mais rapidamente em virtude da cooperação" (Marx, 1988:247).

Mesmo a cooperação simples traz várias conseqüências para o

trabalhador. Uma delas é a perda parcial do controle sobre a produção

derivada da necessidade de coordenação coletiva desse trabalho. Aí

começam a aparecer os primórdios da separação entre concepção e

execução do trabalho, que irão constituir a gerência que pensa o trabalho,

para os trabalhadores braçais executarem.

Essa evolução na produção acontece apenas pelo efeito único da

junção dos trabalhadores. No período histórico dominado pela cooperação

simples, a divisão técnica do trabalho e a maquinaria ainda não

desempenhavam papel importante.

"O mero contato social provoca, na maioria dos trabalhos produtivos,

emulação e excitação particular dos espíritos vitais (animal Jpirits) que

elevam a capacidade individual de rendimento das pessoas, de forma

que 1 dúzia de pessoas juntas, numa jornada simultânea de 144 horas,

proporciona um produto global muito maior do que 12 trabalhadores

isolados, cada um dos quais trabalha 12 horas, ou do que 1 trabalhador

que trabalhe 12 dias consecutivos. Isso resulta do fato de que o homem

é, por natureza, se não um animal político, como acha Aristóteles, em

todo caso um animal social" (Marx, 1968:247)

No caso da agricultura há momentos que se tem de executar alguns

trabalhos urgentes. Na maioria das vezes isso é fixado pela própria

natureza, por exemplo, período de colheita, onde o agricultor apenas

com a família não consegue realizar a colheita, correndo o risco de

perda da produção. Nessa situação a cooperação possibilita o acúmulo

de jornadas múltiplas de trabalho num período de 24 horas, uma vez

que vários trabalhadores cooperem para acelerar o processo de colheita,

por exemplo.

A fase seguinte na evolução histórica da organização do trabalho é a manufatura. Ela surge da decomposição do trabalho artesanal em várias

partes. Aqui o trabalho passa a depender da colaboração de vários trabalhadores. Com a manufatura torna-se possível, historicamente, o

surgimento do trabalhador coletivo. Trabalhador coletivo é o conceito que Marx utilizou para designar a situação cm que um grupo de trabalhadores participa da produção de uma única mercadoria onde esta só pode ser produzida coletivamente. É impossível produzi-la individualmente, esse trabalho é complexo demais para um trabalhador fazer, e essa produção coletiva é altamente produtiva cm comparação

aos métodos anteriores de produção.

É portanto a manufatura que possibilita que surja como forma

dominante a divisão técnica do trabalho (DTT), pois nela prevalece a

organização do processo produtivo socialmente dividido (PPSD). É nesse

contexto de decomposição de segmentos e parcelas do trabalho em vistas

de obter aumentos da sua produtividade que surge o conceito de posto de trabalho. Consolida-se a idéia de especializar o trabalhador, designado a um

posto de trabalho onde se especializa nas tarefas que cabem a seu posto.

Com a evolução dos meios de produção e da sociedade, a tecnologia

foi avançando e revolucionando o modo de produzir. É com essa característica que aparece, dentro do modo de produção capitalista, o

que Marx denominou de maquinismo.

O maquinismo trouxe várias mudanças para a organização do trabalho, pois na cooperação simples e na manufatura o trabalhador ainda

tem algum poder de determinar o ritmo e contct'.ido do trabalho, enquanto que no processo de produção da maquinaria não. Neste, a submissão é

forçada pela máquina, pois ela impõe o modo de trabalhar e o ritmo do trabalho. Uma das principais conseqüências para o trabalhador é a

alienação e a perda de identidade do trabalhador, ele é subjugado por um monte de ferro vivo que o obriga a se submeter.

Com o maquinismo aumenta a produção de mais valia a partir da diminuição do tempo de trabalho necessário para a produção das

mercadorias e da reprodução da força de trabalho, pois o capitalista busca recuperar o capital investido na compra dos meios de produção o mais

rápido possível. O maquinismo possibilitou o uso de trabalho de mulheres e crianças em escala nunca vista anteriormente, pois com a máquina, a força muscular não é tão importante. Em muitos casos, o trabalhador assume mero papel de vigilante das máquinas e não realiza grande esforço físico. "A produção com a maquinaria aumenta, pois o número de ferramentas com que ela é ca/Jaz de atuar é muito maior do que o número de ferramentas com que o homem pode opera1; pois o homem é limitado jJe/os seus órgãos físicos" (MARX, 1968:427)

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A etapa e a forma de organização do trabalho denominada como

Taylorismo surge quando a grande indústria dominante já está na fase

do maquinismo. Porém sua contribuição aprimora o processo de

manufatura e do maquinismo

O Taylorismo surge no final do século XIX nos Estados Unidos

quando existia grande ineficiência e falta de padronização do processo

de trabalho. Como gerente, Taylor percebia que o trabalho na fábrica

era realizado de várias formas, existiam métodos diferentes, que ele

chamou de anarquia produtiva.

Ele percebia a resistência dos trabalhadores ao aumento da

intensidade do trabalho; pessoas que assumiam o cargo de gerência e

desconheciam a prática dos operários e tampouco percebiam o

desperdício de tempo; também constatou que faltava uniformidade e

padronização das formas de trabalho. Tendo por base esses problemas,

Taylor propôs um método racional para a organização do trabalho, com o

seu objetivo de aumentar a produtividade através da diminuição do

tempo de produção. Ele fazia isso tudo em prol do capital.

Após ter observado e constatado vários problemas de eficiência,

1àylor chegou à conclusão que a tarefa era a unidade básica para uma

melhor produtividade e especialização do trabalhador. Para isso, aplicou

na prática o seu método.

Na prática, o Taylorismo foi um meio de se apropriar do conheci­

mento do trabalhador através de estudo científico e utilizar esse conheci­

mento como principal elemento de escravização do trabalhador. "Esse

conjunto de conhecimentos empíricos ou tradicionais pode ser

considerado como principal recurso e patrimônio dos trabalhadores"

(CORIA1~ 1976)

3.A configuração de unidades individuais de trabalho

3.1. Tarefa

Quando um trabalhador está no processo de trabalho e não se tem o mínimo de organização do mesmo, é comum ele não saber exatamente

o que deve fazer ou fazer coisas que tomem o seu tempo apenas para o cumprimento de horários. No ITERRA é muito claro isso: pessoas não saberem o que fazer no seu posto de trabalho. Isso geralmente acontece no início de turmas ou até mesmo no início de Tempo Escola, onde

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acontece a transição de postos de trabalho entre os próprios educandos.

A idéia da tarefa tem que vir para cobrir essas lacunas que acontecem no

dia-a-dia.

O conceito de tarefa é desenvolvido com o estudo de Taylor para

maior eficiência no processo do trabalho. Sua idéia era buscar uma

produtividade maior para o capitalista.

O que está construído no texto com o nome de tarefa, na Escola popularmente se chama de atribuições, as tarefas/atribuições aparecem no processo de trabalho, seja ele produtivo (nas unidades de produção) ou em

processo de trabalho de serviços exemplo, na limpeza, alojamento etc.

"As tarefas podem ser especializadas em duas dimensões; a primeira é a extensão ou amplitude - quantas tarefas diferentes estão contidas em cada trabalho e quão ampla ou estreita é cada uma dessas tarefas. Em um extremo, o trabalhador é "pau para toda obra" sempre pulando de uma tarefa ampla para outra. No outro, ele resume seus esforços na mesma tare/ a altamente especializada, repetindo a execução dia por dia,

ou ainda minuto por minuto" (MINTZBERG, 1995:34).

3.2. Posto de trabalho

Um aspecto chave que se procurou desenvolver no trabalho foi a

construção e/ou apropriação de um conjunto de conceitos que

possibilitassem a análise do processo de trabalho no ITERRA e em outras

organizações ligadas ao MST Tendo em vista que o !TERRA já vem

adotando o conceito de posto de trabalho, buscou-se constituir elementos

de análise sobre sua adequada compreensão e utilização do mesmo nessa

dada situação.

O conceito de Posto de Trabalho indica um lugar determinado em

que um trabalhador é alocado para executar partes definidas do trabalho,

tendo em vista uma necessidade do processo produtivo.

Na prática, o posto formaliza o comportamento do trabalhador, tem

como objetivo que o mesmo seja guiado por uma seqüência obrigatória

de normas que devam ser cumpridas no processo de trabalho. Isso leva o trabalhador a não ficar solto no processo produtivo e ter uma

responsabilidade sobre a qual responde. Também o trabalho nesse processo não deveria deixar lacunas onde possa ocorrer desperdício de tempo (MINTZBERG, 1995).

A formalização do comportamento no processo produtivo visa a obtenção

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de uma produção mais eficiente. 19 Assim, as tarefas são formuladas para conseguir a repetição e impor o "procedimento mais eficiente". Isso também oferece uma vantagem de maior coordenação do trabalho.

A partir desses elementos, adotou-se a seguinte definição conceitua! em torno da questão do processo de trabalho:

Cargo: é a definição de um conjunto de funções e que pode conter um ou mais postos de trabalho, portanto pode ser ocupado por

um ou mais trabalhadores. Este conceito ainda não 6 utilizado no

!TERRA, sendo aqui tratado apenas conceitualmente.

Posto de Trabalho: é o lugar ocupado por um único trabalhador para

desenvolver uma ou mais atividades, com o tempo e habilidades necessárias,

mediante a um planejamento de necessidade de trabalho a ser realizado.

Atividade: é um conjunto ou grupos de tarefas reunidas de acordo com critérios de complementaridade e seqüência.

Tarefa: compreende um agrupamento de passos interligados,

de acordo com determinada seqüência, levando em consideração a

subdivisão do trabalho entre os trabalhadores. Ela deve ser previamente definida e claramente delimitada (ROCHA,1983).

Passos: é a subdivisão de como fazer a tarefa. Ela deve indicar

os mecanismos de realização das tarefas.

Graficamente podemos representar a relação entre os diversos níveis da divisão de trabalho em uma organização.

A B c D E

Passos

Tarefas

Atividades

Posto de Trabalho

Cargo

(ROCHA, 1983: 169)

19 No caso de se rrarar de processos de produção em massa onde se incluam operações repetitivas.

Segue abaixo um exemplo de aplicação desses conceitos a um

posto de trabalho do ITERRA:

Passos Tarefa Atividade Posto de Trabalho Car~o

Pegar Preparar Fazer Pão Panifício 1 Padeiro

o pacote a massa

de trigo

Pegar o sal Misturar os ingredientes

Etc.

Essa é uma das dificuldades de entendimento na Escola, pois parece que se criou uma compreensão que o posto de trabalho é apenas a

descrição de alguns afazeres. Não foi discutido o que de fato é um posto

de trabalho e qual a função do posto para o processo produtivo e

formativo.

3.3 Estudo e análise do trabalho

Para se realizar um estudo com análise do trabalho é preciso entender

esses conceitos. Tendo eles como base, formular um método onde possa oferecer um conjunto de informações que sirva de análise técnica para

verificar se tal organização é eficiente ou não. Depois de realizado o estudo, com conclusões pesquisadas e comprovadas, deve levar a uma

tomada de decisão. Tendo em vista o resultado da pesquisa, descreveremos a seguir os passos e o método a ser utilizado, com base

na metodologia proposta por ROCHA (1983). A seguir destacam-se os passos metodológicos para efetuar essa análise:

1 º-Relação das Tarefas individuais

Objetiva descrever a relação das tarefas individuais realizadas por cada trabalhador, registrando o tempo gasto em cada uma delas.

2º- Agrupamento das tarefas em atividades

Objetiva facilitar a análise por grupos de tarefas. Aqui elas são reunidas por características, para melhor poder definir as finalidades funcionais da unidade em análise.

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3º- Elaboração do quadro de distribuição do trabalho - (QDT)

Objetiva fazer um demonstrativo das tarefas desenvolvidas por trabalhador, com o tempo gasto para realizar cada tarefa. O quadro deve.

mostrar o que a unidade faz, quem executa a tarefa, o tempo gasto para realizar a mesma. Cada QDT deve ser aplicado a uma determinada

unidade.

4º-Análise do Quadro de Distribuição do Trabalho

J\nalisar os possíveis gargalos e problemas na unidade em estudo, e,

propor um novo QDT com base na pesquisa realizada. Discutir com os

trabalhadores as suas novas tarefas.20

5º- Fluxograma

Caso a análise do QDT não resolver os limites, aplica-se o

fluxograma, que tem como objetivo registrar a seqüência dos passos e

fases do trabalho. Na prática é um estudo que deve ser feito se a análise do QDT for insuficiente para a análise e superação dos problemas.

4. A configuração dos postos de trabalho do ITERRA

Neste parte relatam-se os resultados da pesquisa propriamente dita.

Essa análise é feita a partir da pesquisa de campo, onde se busca analisar

os limites referentes à organização do trabalho, a partir de entrevistas e

discussão com trabalhadores das unidades e pessoas que estão no dia a dia do processo pedagógico da Escola. Faz-se aqui a análise da organização do trabalho e também um histórico sobre a adoção de postos

de trabalho no !TERRA.

Na prática, essa pesquisa exigiria um estudo analítico com a aplicação

do método de análise do trabalho ao todo do instituto, mas por limite de tempo serão abordados aqui alguns elementos que ajudam a entender

os limites da organização do trabalho no Instituto a partir da amostra de

uma atividade específica.

20 /\aplicação desses conceicos aparece de forma resumida no irem 5.3 numa análise sobre a Cozi­

nha do !TERRA .

4.1. Histórico dos postos de trabalho do /TERRA

A adoção dos postos de trabalho no !TERRA aconteceu por vários

motivos, alguns conjunturais, outros por intencionalidade pedagógica.

Desde a criação do !TERRA, os cursos desenvolvidos se

caracterizaram pelo emprego do trabalho dos educandos como elemento pedagógico. No processo de trabalho discutiu-se por diversas vezes sobre

as formas de obter ganhos de produtividade cm vistas de alcançar maior volume de produção para a auto-sustentação dos cursos, das empresas

associativas constituídas pelas turmas21 e do próprio instituto.

Quando aconteceu a decisão de mudar a estrutura de funcionamento

da Escola Josué de Castro, em maio de 1998, toma-se a decisão de unificar

as empresas em vista de superar uma série de problemas de coordenação,

de intcrcooperação e de disputa entre turmas.Nesse momento a pergunta era como se organizaria essa empresa. Uma das medidas adotadas foi a

de se instituir os postos de trabalho como unidade de alocação da força de trabalho. O objetivo da reestruturação não se resumia aos postos de

trabalho, mas os mesmos visavam qualificar o trabalho desenvolvido,

padronizando as tarefas, possibilitando elevação na produtividade do

trabalho.

Na época, a discussão e um dos desafios do curso TAC era ser uma

espécie de laboratório, de fomentador de experiências para o sistema

cooperativista dos Assentados22, no que se referia à organização da

cooperação nos assentamentos e de empresas associativas. Por que ser um laboratório de experiência? Pois como elemento educativo e

formativo para os educandos e para o MST, a idéia é que a experiência

educativa seja real, pois assim as pessoas aprendem mais a fundo e, por

ser Escola, era possível avaliar os erros e acertos que ocorriam em relação à organização da produção e do trabalho em si. Então a criação dos postos,

era uma decisão essencial do ponto de vista organizativo e de gestão do trabalho.

21 Num primeiro momento do curso TAC cada turma consriruía uma cooperariva que rinha exis­

t6ncia real porém não era efetuado seu registro oficial. O objcrivo era de se consriruir cnquanco

espaço de aprendizado real em termos de gesrão financeira e do processo produrivo. Obviamenre a

quesrão da produtividade do trabalho sempre permeou as discussões.

22 Secor de Produção, Coopcráção e meio ambienre, a partir de 2002.

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Uma outra questão é o elemento pedagógico; que os educandos

pudessem fazer/vivenciar processos de racionalização do trabalho, porque

a tendência das pessoas era de aproveitar toda a mão de obra disponível

sem qualquer planejamento, como ainda acontece hoje. Uma discussão

girava em torno de corno "enxugar" as unidades internas cm vista de

atingir situações adequadas de produtividade do trabalho no todo da

organização, pois também nessa época as experiências das CPAs23

mostravam que muitas vezes desistiam considerável número de

associados e as famílias que permaneciam conseguiam seguir tocando a

produção, muitas vezes produzindo volumes ainda maiores. Então a

criação dos postos de trabalho seria também para tentar estudar o processo

e fazer um enxugamento. As pessoas que sobrassem teriam que encontrar

outras formas de trabalho ou estudo, ou até mesmo discutir a criação de

outras linhas de produção para absorver a mão de obra e não mais permitir

um amontoamento24 de pessoas nas unidades de trabalho existente.

Antes da concretização da mudança de estrutura, em maio de 1998,

foi discutido e elaborado o esquema da gestão da Escola, baseado na

concepção de democracia ascendente e descendente25 , c riando um

organograma com áreas, serores, unidades e postos de trabalho. Os postos

de trabalho estão alocados na estrutura correspondente à democracia

descendente, onde têm a função de cumprimento das decisões e execução

do trabalho após a discussão e aprovação na assembléia. Nesse período

um dos principais desafios foi de os Educandos irem se envolvendo nos

postos de trabalho, bem como assumir a responsabilidade da co-gestão do

Instituto através de sua participação ativa nos núcleos de base.

23 Cooperativas <le Produção Agropecuária, uma das formas <le Cooperação do MST.

24 Em razão de ser uma escola e, portanto, a prioridade escar direcionada às atividades ligadas ao

ensino relegava a um segundo plano a questão da otimização da utilização da mão de obra existen­

te. Com isso era comum que o número variasse de 40 para 125 alunos em poucos dias, resultando

em extrema dificuldade para a gestão do trabalho.

25 A democracia ascendente e descendente estabelece a relação entre o processo <le romada de

decisões, assegurando a ampla participação <los E<lucandos(as) e funcionários no processo <le ges­

tão <la Escola, ao passo que estabelece normas mais rígidas em vista <le assegurar o cumprimento

das decisões tomadas pelo coletivo via instâncias <le execução das políticas e do trabalho.

DEl\IOCRAC IA ASCENDENTE - momento em que se discuce os problemas da Escola com a

participação de wdos através dos Núcleos de Ilase, onde se dá a participação através de discusão e

levantamento de proposta, que vai ate! a assembléia para aprovação ou não.

DEf\IOCRJ\CIA DESCENDENTE- processo de execução <las decisões tomadas na assembléia

nas áreas, setores e unidades.

No momento em que se realizou o presente estudo, o Instituro de

Educação Josué de Castro se organiza em três áreas (moradia, político­

pedagógica e Econômica) e 8 setores (comercial, produção, pedagógico,

formação, finanças, planejamenro, restaurante e serviços). Esses setores

possuem 23 unidades, com 95 posros d e trabalho, sendo 31 na área

político-pedagógica, 34 na área econômica e 30 na área de moradia.

O número de postos de trabalho variou, no período em análise, de

um mínimo de 95 (noventa e cinco) até um máximo de 108 (cento e

oito) posros.

4.2 -A problemática da organização do trabalho no /TERRA.

Analisando a organização do trabalho do Instituto de Educação Josué

de Castro, podemos dizer que a execução das tarcfas/atribuições26

acontece, mas de forma não-racionalizada em parte devido ao fato de as

pessoas ainda não entenderem o que deve ser de fato um posto de

trabalho (tanto os educandos como os Educadores que têm papel de

direcionar o processo). O conceito de posto de trabalho, no entendimento

das pessoas, está desvirtuado, o que se aplica é uma concepção de

cooperação simples tanto de parte da coordenação como de quem executa

o trabalho. Em um certo sentido, a "anarquia produtiva" reina, pois as

pessoas/Educandos principalmente que estão nos postos, não têm claro

o que e corno devem fazer.

Não existe um planejamento de necessidade do trabalho e cm alguns

momentos os responsáveis simplesmente solicitam pessoas para as

unidades de alocação, apenas por estar sobrando gente em outros setores.

Em alguns momentos as unidades decidem aleatoriamente que deva haver

"x" pessoas na unidade e as requisitam para a ttnidade de alocafão27 • Então

essa forma de agir não segue uma forma racional de organizar o trabalho.

O que prevalece é a Divisão Social do Trabalho cm seus fundamentos

mais simplificados, onde muitas vezes se adota a lógica de mutirão, o que

reflete muito mais um estágio de cooperação simples do que manufatura

ou assemelhado, certamente mais adequados à complexidade do Instituro.

26 O que é 1racado na pesquisa como tarefa no !T ERRA. Popularmente é chamado de atribuições

dos postos de crabalho. Na prática no !TERRA existe urna confusão de conceico entre tarefa com atividade e posto de trabalho.

27 Dentro <lo organograma da Escola, essa é a unidade responsável para coordenar a mão de obra

da Escola.

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Outro problema se origina do grau de complexidade, como foi

pensada a estrutura geral do Instituto e dos postos de trabalho cm

particular, pois houve dificuldades de aplicar as medidas até o fim,

ficando-se a meio caminho nas aplicações. Isso se deu tanto pela falta

de assessoramento por parte de quem concebeu a proposta, como pela

falta de treinamento e formalização sobre a concepção implantada. Com

isso muitas coisas foram se perdendo, como os elementos das discussões

anteriores que ocorria a cada renovação de turmas ou troca da equipe

pedagógica (ou de supervisores de produção).

Por isso para fazer um ajustamento dos postos no atual estágio

não é suficiente uma conversa com as pessoas que estão

coordenando o trabalho. É preciso fazer um estudo analítico da

realidade, onde vai-se dizer quais setores têm necessidades objetivas

de novos postos de trabalho para determinados níveis de produção.

Para definir um posto de trabalho é preciso estudo e análise do

trabalho, pois o posto compreende planejar tudo o que o trabalhador

vai desempenhar no processo de trabalho. A definição do posto deve

ser embasada num estudo técnico de planejamento, quais são as

tarefas que o trabalhador vai desempenhar para assegurar que seja

executado aquilo que for determinado e não que cada um possa

fazer a partir do que lhe venha à cabeça ou o que exigir menor

esforço físico e mental.

Somente com um planejamento de necessidade é possível

determinar cada posto de trabalho e com isso determinar-se a quantidade

total de trabalhadores necessária a uma dada tecnologia produtiva e a

determinados níveis de produção. Para se chegar ao nível que se possa

delimitar os postos de trabalho e ter clareza sobre esse elemento

fundamental para a formação técnica e para a sustentação econômica

das organizações produtivas.

Com isso é possível dizer que quando 80 pessoas estiverem

hospedadas no Instituto, que se necessita de, por exemplo, 3 postos de

trabalho na cozinha, pois sabemos que esses 3 postos vão garantir a

alimentação para as oitenta pessoas.

Outra questão é que isso dá identidade aos educandos e eles

aparecem como sujeitos do processo, pois se o meu posto de trabalho é

cozinheiro eu tenho a responsabilidade de ser cozinheiro para as 80

pessoas/refeições, se for preparador de vegetais, eu respondo pelos vegetais. E assim divide-se o trabalho, com mais qualidade e em menor

tempo, sendo cada militante responsável por partes do grande trabalho

coletivo.

4.3 -Aplicação dos conceitos e metodologia de análise do trabalho à cozinha do /TERRA.

Com o objetivo de aplicar os conceitos construídos observou-se a

unidade da cozinha por dois dias (12 e 14/01/2002). Metodologicamente,

teria sido mais indicado estudar as tarefas de cada trabalhador em

momentos distintos para se ter um Quadro de Distribuição do Trabalho

mais detalhado, pois algumas tarefas variam de acordo com o cardápio.

Porém dificuldades de tempo impossibilitaram a aplicação de tal

procedimento.

Esse QDT foi montado com base na produção de alimentação para

93 pessoas, sendo o tempo de trabalho disponível de cada um dos 8

educandos, de 3 horas/dia, o que resulta num total de 6 horas/educando

para os dois dias pesquisados, com exceção de um trabalhador cujo turno

é de 8 horas/dia, totalizando 16 horas para os dois dias. Somando-se o

tempo total disponível para esses trabalhadores, resultam 58 horas

disponíveis para a execução das tarefas.

Destas, constatou-se terem sido utilizadas 49,43 horas para perfazer

o trabalho assignado, portanto, um montante de apenas 85,23% do tempo

de trabalho total disponível. Ou seja, uma simples coordenação mais

eficaz do processo de trabalho permitiria um acréscimo de 18% no tempo

efetivamente trabalhado, resultando conseqüentemente em ganhos de

produtividade.

Considerando-se que esse resultado foi obtido sem fazer uma análise

mais aprofundada sobre eventuais tarefas e passos desnecessários que

tenham sido realizados durante o período analisado, nem tampouco

houve tempo hábil para se aplicar o conceito de posto de trabalho, com

o conseqüente ganho de produtividade esperado, demonstra-se o

potencial que a aplicação dessa metodologia poderia trazer para a

organização do processo de trabalho no Instituto e em outras organizações.

No quadro estudado se percebe que as atividades limpeza de louça e do chão consomem 26.51 % do trabalho da unidade, enquanto a

atividade preparar verdura consome 24,98%. Essas duas atividades

consomem, portanto, mais de 50% do tempo de trabalho realizado e

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todos os trabalhadores as realizam de forma aleatória ou alternada. Ainda

não se estabeleceu, por exemplo, que a atividade preparar verdura seja

de responsabilidade de determinado posto de trabalho.

Essas e outras tarefas poderiam ser feitas em menor tempo e com

melhor qualidade caso estivessem alocadas a posros de trabalho fixo28 ,

pois os trabalhadores poderiam se especializar e executá-las de forma

mais eficiente e eficaz. Some-se a isso o fato de não existir responsável

designado para cada tarefa, que torna difícil fixar os posros de trabalho.

A elaboração de uma proposta de postos de trabalho para a unidade

Cozinha ao nível de produção de 93 refeições por turno com base nos

conceitos construídos no capitulo 4 não foi possível devido à exigüidade

do tempo. Essa ação deverá ser retomada por outros educandos ou

mesmo dentro do processo operacional de funcionamento do Instituto.

5. Conclusões

Os objetivos das discussões levantadas neste artigo não devem ser

entendidos apenas como a busca de redução da mão de obra no processo

produtivo, mas deve ser visto como uma forma dos educandos discutirem

e se apropriarem da metodologia para racionalizar o processo de trabalho.

Ao se analisar o quadro de distribuição do trabalho (QOT) da

unidade da cozinha, verificou-se que os postos de trabalho não funcionam

de acordo com a lógica com que foram originalmente pensados. Existe

uma discriminação de tarefas, porém poucos a seguem e não existem

mecanismos de auditoria interna para verificar seu cumprimento.

Ao se conseguir delimitar os postos e, porventura, identificar

excedentes de força de trabalho, poder-se-ia alocar esses educandos

para tarefas de estudo ou prestação de serviços e até mesmo discutir

novas linhas de produção que serviriam como elemento de capacitação

e geração de renda. Também a reformulação da organização do trabalho

traria aumentos de eficiência produtiva, pois no geral a produtividade

do trabalho na escola segue sendo muito baixa.

28 !\lesmo cm se aplicando conceitos mais modernos como o de células de produção, a noção de

postos de trabalho pode ser adotada e preservada. A questão é 4ue a divisão e rotação <lo trabalho

dentro das c6lulas pressupõem a qualificação dos trabalhadores e a definição dos postos dentro da

célula.

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Os pontos de vista aqui abordados podem contribuir também para

que seja melhor compreendido o quanto se pode ganhar na forma de

organizar o processo de trabalho nas diversas organizações ligadas ao

movimento popular. Obviamente devem ser compreendidas as

limitações do presente trabalho por se constituir a partir do trabalho de

conclusão de curso de uma turma de nível médio com limitações de

tempo, recursos (dentre os quais destacamos a dificuldade de bibliografia

adequada ao tema) e dificuldades increntes à comunicação escrita de

educandos de extração popular, em especial agricultores sem terra.

Porém, nos limites a que se propõe esse tipo de trabalho, cabe-nos

registrar o sucesso com que se conseguiu desenvolver a conceituação

teórica e sua posterior aplicação em um processo concreto, resultando

em conclusões que nos permitem sermos otimistas quanto à correção do

seu rumo e à adequação ao momenro e às necessidades de nossas

organizações.

6. Bibliografia

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Janeiro RJ: Jorge Zahar Editor. 1988.

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DESAFIOS DE UMA SISTEMATIZAÇÃO COLETIVA

Isabcla Camini'

Saber que será má a obra que não fará nunca. Pio1; porém, será a

qtte nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre,

mas existe". Fernando Pessoa. Livro do Desassossego, 1995.

Introdução

Gostaria aqui de fazer uma reflexão sobre o que temos feito

coletivamente, nos números 1, 2, 3 e 4 da Coleção Fazendo Escola -

experiências pedagógicas no MST A idéia aqui é contar como, com quem

e onde fazemos este trabalho, para que mais educadores e outras

entidades possam, a partir dos lugares onde se encontram, escrever e

refletir sobre suas experiências de forma a considerar o saber que está

na memória viva das pessoas que ali vivem e que delas fazem parte.

Antes, porém, de entrarmos diretamente na questão da metodologia

utilizada na construção de cada número da Coleção Fazendo Escola, é importante pensarmos no que significa o desafio de irmos registrando as

nossas experiências práticas, desafio este que exige a mesma coragem e

ousadia que nos impu lsiona a ocuparmos o latifúndio de terras

improdutivas e o também o do saber.

Bem, em nossa experiência até aqui, uma questão que nos salta aos

olhos, de modo geral, é que sempre quando nos é solicitado refletir e

escrever sobre um determinado tema, em forma de monografia, relatório,

sistematização, enfim, o conflito se instala de imediato, as pessoas,

apavoradas, começam a levantar desculpas: Não sei o que fazer, não sei

escrevet~ nem por onde começat; nunca fiz. Isto é para os pesquisadores, escritores, para quern sabe escrever..! E nós perguntamos: Estas pessoas

aprenderam de quem, como, quando?

/\.experiência tem nos mostrado que quando percebemos que não podemos mais fugir da responsabilidade de fazermos o nosso trabalho,

seja de conclusão de um curso ou sistematizar a nossa prática, de imediato

•Educadora do Sccor de Educação do l\IST, 2002.

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nos perguntamos: O que é mesmo sistematizar? O que é escrever de forma coletiva, dando voz e vez aos sujeitos envolvidos no cotidiano de

uma experiência? Sistematizar é a mesma coisa que resgatar a história,

fazer memória?

Oscar jara, educador popular nos diz que "não é possível que uma pessoa totalmente alheia à experiência pretenda sistematizá-la". Com

isto, vemos que a sistematização não é propriedade de alguns

especialistas, algo reservado a poucos, mas acessível a todos. Diante de

uma necessidade e prioridade, como sistematizar a experiência de

Educação de Jovens e Adultos, no Estado do Ceará, e se convencidos

de que é importante escrever para poder melhor perceber os avanços e

limites da prática, alguém, que tenha percepção de si mesmo como

sujeito desta experiência, necessariamente precisa tomar a frente, reunir

as pessoas diretamente implicadas no assunto e convencê-las de sua

capacidade de escrever, coletar dados, informações, fotos, depoimentos,

fazer entrevistas, enfim .... Porém, uma coisa é muito importante:

Sistematizar uma experiência, escrever e refletir sobre um determinado

tema que se quer contar para mais pessoas, requer percepção de si mesmo

como sujeito, sensibilidade, disposição, paixão, envolvimento, tempo e

discipl ina do grupo envolvido. E ainda mais, a metodologia da

participação coletiva na produção de materiais precisa ser entendida por

todos para que possam opinar sobre todo o processo.

Outra questão a considerar: sempre quando vamos decidir e escolher

uma experiência a ser sistematizada, precisamos estar cientes de que

outras tantas experiências, ricas, também ficarão fora c que, logo aí,

precisam ser pensadas. Sabendo que não podemos escrever sobre tudo,

precisamos fazer opções que nos ajudem a dar passos para frente.

Portanto, é bom irmos olhando para frente, sem esquecer o ontem, o

hoje. É este presente, bem pensado, que nos dará condições para projetar

o futuro, que em breve será o nosso presente. O importante é convenccr­

se de que colocar no papel o que fazemos é necessário e que, se estamos

trabalhando cm um Movimento Social em movimento, que requer

registrar a história que fazemos, não temos mais o direito de deixar outros

contarem esta história de forma a deturpá-la, como aconteceu com a própria história de nosso Brasil, contada pelos vencedores e poderosos.

Diante diste, para mim, a grande lição está dada. Cada um que está envolvido em alguma experiência popular sabe que a gente aprende fazer fazendo, colocando as mãos na massa e amassando. Para aprender a capinar

~

por exemplo, é preciso colocar as mãos no cabo da enxada e puxá-la, decididamente da frente para trás, sempre caminhando para frente, rasgando os inços que impedem a produção de crescer. No começo é

sempre duro, pesado, até impossível. O não saber fazer nos dá uma sensação

de incapacidade, de inutilidade, de insegurança, medo de começar. Porém,

só a prática de capinar vai levar o sujeito a capinar bem e rápido.

Escrever é algo parecido. Se aprende escrever, escrevendo. No início,

é um pouco mais exigente, dolorido, pois além de exigir exercício,

concentração e disciplina, requer boa dose de imaginação e uma paixão

considerada pelo tema a ser escrito. É aproveitar cada passo, cada

conversa, cada olhar, cada viagem para buscar um pouco mais de

elementos que possam ajudar a construir o objeto que se deseja construir.

Então, somente a prática de escrever, sistematizar, vai capacitar alguém a escrever e sistematizar bem.

Parece-nos ficar claro que sistematizar uma experiência, levando

cm conta os sujeitos da prática, permitindo que eles mesmos usem sua capacidade de pensar, falar, escrever e refletir sobre ela, não é tão fácil

assim. Geralmente, eles se mostram tímidos, com medo, inseguros, não

se permitindo ser autores, sujeitos de sua ação. Precisamos, no entanto, insistir para que os sujeitos envolvidos no cotidiano de uma experiência

se exercitem, escrevam, reflitam sobre a ação realizada. Caso contrário,

e isto não é uma crítica, teremos que admitir aquela forma de pesquisa

em que, alguém estranho a nós, venha fazer entrevistas, observar,

conversar, e depois, distante, fechado no seu mundo, em frente ao

computador escreve, analisa, publica o que de inspiração nasceu daquele

trabalho. Ali, em silêncio, busca conecção com o tema a ser escrito,

refletindo e escrevendo sobre uma realidade que não é por ele vivida,

compartida, mas que, desta forma o legitima, porque por ele escreveu.

Ele planeja, pensa, repensa, elabora, escreve, reescreve e publica como

obra sua, de sua autoria. E, na maioria das vezes, o trabalho é apenas

para conseguir um título, concluir um curso, o que deixa o povo que foi

entrevistado e a realidade para trás, sem mesmo retornar àqueles que o

instrumentalizaram e ajudaram dar os primeiros passos na sua pesquisa.

Assim, do outro lado, ficamos nós, os sujeitos envolvidos, às vezes, nos sentindo incapazes de colocar no papel nossas experiências. O que se constata entre nós é que a maioria sabe falar tudo sobre o tema,

conhece a experiência, fala com desenvoltura dela, faz análise, mas muitos se vêem incapacitados de organizar as idéias no papel. Então, o

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nosso desafio está cm ajudá-los, como se ajuda uma criança a caminhar, que geralmente começa pelo "engatinhar". Ou seja, aos poucos irmos

formando/capacitando aqueles que vão coordenar e ajudar aos que

conhecem a experiência a colocá-la para fora, para os outros, não só

na fala, mas de forma elaborada, sistematizada, ajudando-os a construir

uma metodologia que lhes permita perder o medo e ir desenhando

as primeiras letras, pronunciando as palavras e expressando as

primeiras idéias, que em seguida vão formar o primeiro parágrafo e,

logo mais, o texto em questão. Isto, a nosso ver, é ajudar a fazer um

parto, sem fazê-lo pelo outro, totalmente envolvido na ação e

conhecedor do que faz.

A tarefa, sem dúvida, é ir permitindo e incentivando ações de ambos

os lados, ou seja: nós fazermos a nossa parte e deixarmos os outros fazerem

a deles, sem com isto nos sentirmos intimidados no nosso compromisso

social de contarmos e sistematizarmos as experiências vividas pelos

trabalhadores que fazem história. Que tal, vamos lá?

Quanto à metodologia do trabalho

A necessidade e a motivação

A necessidade de escrever sobre algo que seja significativo

sempre é a mola propulsora de nossa ação. Também, a necessidade

de que mais educadores, escolas, entidades educativas possam

conhecer e nos ajudar a refletir sobre nossas experiências pedagógicas,

que entre tantas, sentimos estar nos aproximando daquilo que

sonhamos como seres humanos livres para dizer a palavra e

transformar o mundo. Outra razão ainda é o desafio de realizar a

si::>tematização coletiva, envolvendo diretamente os sujeitos da ação

na reflexão, trabalho que começamos em 1998, quando abrimos a

Coleção "Fazendo Escola", no Setor de Educação do MST e que, ao

nosso ver, tem ajudado muito na formação e capacitação de novos

sujeitos que vêem aprendendo a registrar o que fazem e também a

socializar as experiências de educação.

Ao longo destes 20 anos, de luta pela terra e pela escola no MST, vamos inaugurando algumas experiências de educação que aos poucos se aproximam do nosso sonho e que aqui queremos contar. Contar para melhorar nossa interlocução com aqueles que nos apoiam e que desejam contribuir com este projeto de educação no MST

1- Escola Itinerante em Acampamentos do MST - 1998

Em 1998, enquanto a Escola Itinerante, com apenas dois anos de vida, estava acompanhando uma marcha dos acampados dos dois

acampamentos existentes na época no Estado do RS, que caminhavam, vindos do interior do Estado em direção à Capital para acampar em frente ao INCRA e no Parque da Harmonia cm protesto à não realização dos

assentamentos, fomos chamados e desafiados a escrever sobre o que era a experiência desta Escola, chamada "Itinerante". Ela era uma

interrogação para muicos, principalmente para aqueles que freqüentavam

as aulas, dadas nos mais diferentes e inusitados lugares e municípios do

estado, como por exemplo: à beira das estradas, em ginásios de esporte, em galpões improvisados, à sobra das árvores, por onde passava a marcha, sob o olhar e observação de muitas pessoas.

Na ocasião, reunimos os educadores/as já acampados em Porto

Alegre, nos turnos em que não estavam cm sala de aula. Fomos conversando sobre a necessidade de escrever a nossa experiência. A

princípio, ninguém sabia mesmo o que fazer, como fazer e por onde começar. Só sabíamos que tínhamos a tarefa de organizar as idéias,

escrever, contar como estávamos fazendo a Escola Itinerante nas

condições de acampamento em marcha. Depois de começar, ficamos

sabendo que havia um entendimento no Setor de Educação de que era necessário colocar no papel as experiências de educação que se

identificassem com os valores e princípios da organização e que fossem como referência no processo pedagógico em construção.

Depois de uma longa conversa, o grupo entendeu que deveria se

desafiar, muito embora "por onde começar era um grande problema".

Num primeiro momento, começamos a imaginar, construir um possível

sumário, um caminho por onde poderíamos caminhar. Lembro que foi um intenso debate acerca do que deveríamos colocar no papel. Embora com

pouca certeza de estarmos acertando, nos organizamos em du pias para iniciar a escrever sobre cada capítulo que havíamos imaginado. Decidimos o tempo

e fomos fazer o primeiro exercício. Depois de um tempo determinado, retornamos timidamente ao grupo maior. Cada dupla voltou com algumas idéias em poucos parágrafos, onde já continhan fatos da realidade vivida por eles no processo. Claro, veio pouco, considerando o tamanho da experiência. Quem mais conseguiu escrever chegou à meia página de caderno tamanho pequeno. Começamos então a leitura. Todos ouvimos com atenção cada texto escrito, podendo questionar, sugerir, acrescentar.

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No primeiro enconuo, as pessoas do grupo pensavam que não seriam capazes, que não eram elas as que deveriam e sabiam fazer. Depois de muita conversa, incentivo e estímulo, fomos nos convencendo de que é

fazendo que se aprende. Ainda com medo, continuamos a escrever, ainda

que desorganizadamcnte.

E assim, encerramos o primeiro encontro, marcando um outro

momento e local para continuarmos o trabalho. Já à noite, de retorno ao

acampamento, que estava cm frente ao prédio do INCRA, em Porto

Alegre- RS, os educadores levaram uma tarefa: a de continuar a reflexão

e escrita sobre o que havíamos iniciado, pois, por ser uma experiência

nova de escola e, em movimento constante, a equipe também foi

itinerante, nos locais e nos momentos da elaboração das idéias.

Neste ir e vir, não custou muito acharmos o caminho: reorganizamos

o sumário, já entendido como as idéias principais, que viriam nortear

nosso trabalho ao encontro do desafio. Foi assim que nos encontros

posteriores, de dois a dois, novamente continuamos a elaborar melhor as primeiras idéias, formular frases, fechar parágrafos, preencher páginas,

alinhavando e costurando uma primeira cartilha.

Este trabalho, também por ser o primeiro, nos custou suor e lágrimas.

No grupo sempre havia alguém que questionava, que estimulava a

melhorar o texto, a deixá-lo mais bonito na forma, no conteúdo e no estilo de dizer. Ou seja, para alguém que coordenava, nunca estava no

ponto. Sempre era necessário pensar mais um pouco e mais um pouco, refletindo sobre a prática ao escrever. Assim, nos encontramos várias

vezes para ler e reler, escrever e reescrever cada capítulo. Depois de quase pronto, entregamos o texto para algumas pessoas que não haviam

participado do processo para delas ouvirmos sugestões, críticas. Esta

ajuda, este olhar estranho ao que estávamos fazendo foi fundamental

para o grupo. Cada vez que voltávamos à tarefa junto ao coletivo, o texto vinha mais organizado, elaborado, mais refletido, bonito. E foi assim

que fomos tecendo cada fio que seriam os ossos e amassando o barro que seria a carne, colocando alma e coração no material que hoje está

nas mãos de milhares de educadores/as, cm cada acampamenro e assentamento deste país. E, porque aceitamos o desafio e acreditamos que escrever se aprende escrevendo, nos emociona até hoje ouvir um educador de Cuiabá dizer:

"Quando fizemos o acampamento do MST em frente ao Palácio do Governo no Mato Grosso, nós, educadores, fomos estudar a Cartilha da

Escola Itinerante do Rio Grande do Sul para ver como iríamos nos

organizar e começar a nossa escola com tantas crianças que existiam".

2- Crianças em Movimento -As mobilizações infantis no MST- 1999

Na certeza de que a Coleção deveria continuar e de que a publicação

de outras experiências não deveria se distanciar tanto uma da outra no

Coletivo Nacional de Educação, decidiu-se sistematizar a experiência

sobre as Mobilizações Infantis no MS'C sendo esta uma experiência

nacional, pois acontecem mobilizações infantis em vários Estados do

País, na qual as crianças Sem Terra estão buscando suas formas de organização.

Diante do grande desafio, ainda cm setembro de 1998, no Rio Grande

do Sul, um novo grupo se reuniu para imaginar como seria o trabalho.

Uma coisa estava clara: trabalhar uma experiência nacional não seria nada

fácil. Timidamente, o grupo se interrogava como que se auto convencendo

da impossibilidade de assumir mi e tamanho desafio. E as interrogações

eram várias: Quem fará parte do grupo de sistematização? Onde se

encontrar? Qual será nosso caminho? Por onde começar, já que as

mobilizações infantis acontecem em vários estados do país? Diante de

tantas perguntas que nos fazíamos, fomos levados pelo pavor a justificar que seria impossível realizar mi trabalho. Porém, nenhuma justificativa

foi suficientemente convincente, a nos permitir abandonar o barco. A

ordem era começar o quanto antes. Lembro que, na oportunidade, em

meio ao desespero, alinhávamos as primeiras idéias que norteariam nosso trabalho, às quais foram elaboradas e refeitas várias vezes.

O segundo passo foi reunir um grupo maior, em São Paulo, cm

novembro do mesmo ano. Eram pessoas dos estados onde aconteciam há mais tempo as mobilizações infantis. Embora convencidas política e pedagogicamente da importância da tarefa, o tamanho da mesma

apavorava mais uma vez a todos nós. Novamente aparece o medo, as desculpas de não saber escrever, não serem os melhores indicados, não terem tempo, enfim.

'lendo mais ou menos presente o sumário, nos dividimos cm grupos menores e fomos fazer um primeiro exercício, durante três horas. Depois de um tempo, retornamos para o grande grupo para ler o que havíamos elaborado. Uns escreveram duas páginas, outros meia, e outros nada saiu. Assim, trabalhamos apenas um dia e meio, o que precisou de muita

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insistência e encorajamento para o trabalho continuar. Após esta experiência de produção coletiva, recolhemos e juntamos as primeiras

idéias, já tentando dar corpo ao trabalho. Na impossibilidade de

continuarmos reunidos ali, algumas pessoas retornaram para os seus

assentamentos e acampamentos de origem com a tarefa de continuar a

reflexão e sistematização que também precisou de muita insistência para

que escrevessem e enviassem o que haviam feito à coordenação.

Enquanto isso, como coordenadora do trabalho, íamos digitando tudo o

que vinha, tentando dar forma e estilo à primeira versão da Cartilha,

embora, a nosso ver, incompleta e sem muita consistência.

Ao olharmos para o trabalho, sabíamos que o desafio não era pequeno

e que para isso, era necessário tempo. Precisávamos articular e buscar

boas interlocuções, fazermos algumas entrevistas com crianças,

educadores, pais e dirigentes do movimento. Foi o que algumas pessoas

da equipe se propuseram a fazer.

Embora a cartilha estivesse constituída em capítulos já escritos,

chegou um momento em que o trabalho parou de vez. Nos vimos

estacionados numa encruzilhada sem saída, o que nos permitiu mais

uma vez, sentirmo-nos limitados para colocar no papel tamanha e ousada experiência. Era necessário partilharmos, esta angústia com alguém que

pudesse nos ajudar a achar o caminho. Foi então que decidimos nos

reunir, nos retirar numa "caverna", num grupo reduzido durante três

dias intensivos para ler e reler cada palavra, cada frase, cada capítulo e

todo o trabalho que ali estava escrito. Foi o momento de mergulhar no

texto, penetrar nas idéias, analisar os fatos ali relatados. Com muito

critério, tiramos, acrescentamos, reelaboramos, tomamos algumas

decisões, de como apresentaríamos o texto, pois tínhamos uma matéria

prima rica em nossas mãos que não poderia ser engavetada por falta de

competência nossa. Porém, o que faltava mesmo era modelar, conectar,

apresentar. As decisões ali tomadas foram fundamentais para a conclusão

do texto, que depois de um longo tempo de seu início, chegou, em fins

de setembro de 1999, às mãos dos leitores e leitoras.

. Persistentemente o texto foi sendo costurado, ponto por ponto. Cada palavra, cada idéia, era um fio importante na construção do tecido que aos poucos foi chegando a 10, 20, 40 páginas. Os autores têm orgulho de ter participado desta construção, elaboração. Agora, olhando a obra feita, admiram a construção, o resultado, a sua obra, acreditando um pouco mais em sua capacidade e na capacidade que os trabalhadores

têm de romper as cadeias que os aprisionam, que os impedem de viver a vida intensamente, de dizer o que pensam, escrever bem o que sabem e dar consistência a um novo saber que brota da prática, da vida.

3 - Construindo o Caminho numa Escola de assentamento doMST-2000

Conforme o planejamento do Setor Nacional de Educação, este trabalho, era para ter começado ainda cm 1999, o que não foi possível

por várias razões. Portanto, ao iniciarmos o ano de 2000 nada mais poderia

justificar ou jogar para frente o início do trabalho.

Antes ainda da Cartilha nº 02, Crianças em Movimento: As

Mobilizações Infantis do MST, já se falava da necessidade de

escrevermos sobre esta experiência, pois a comissão de educação do

assentamento vinha, há muito tempo, solicitando que fôssemos ajudá­

la a refletir sua caminhada na escola, mas a decisão foi priorizar as

mobilizações. Então, não tínhamos dúvidas, a decisão política estava

tomada, o desafio era começar.

Desta vez, lembro que organizamos uma equipe de quatro pessoas,

membros do coletivo nacional de educação, para irmos ao assentamento

e iniciarmos a tarefa, pois a comunidade estava definitivamente disposta

a fazê-la, embora não imaginava a forma, as exigências, o tempo

necessário, quem iria fazer, e tampouco o quanto daria de trabalho.

A princípio, por ser esta a terceira cartilha que iríamos escrever,

não nos assustava tanto. E por ser uma experiência bem localizada, numa

escola de assentamento de pré a 4" série, isso nos animava antes mesmo

de iniciarmos a sistematização. Tudo indicava que seria mais fácil, um

parto menos dolorido, mais empolgante. E de fato, o processo foi muito

bonito, bem organizado, bem participativo. Um processo, uma

experiência, sem dúvida, que nos levou a acreditar, s.empre mais, na

capacidade e sensibilidade de nosso povo assentado, com relação às

questões que dizem respeito ao processo educativo, que se dá desde o

acampamento até o assentamento, tanto dos adultos quanto das crianças.

Antecipadamente, a Comissão de Educação do assentamento e toda a comunidade foi consultada sobre a possível data de iniciarmos as primeiras reflexões, pois fomos informados de que aquela comunidade sempre tinha uma agenda para frente em relação às visitas e trabalhos

realizados lá. Foi então, que no dia 15 de maio, nossa equipe chegou lá

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e, durante 4 dias intensivos, estudamos, dialogamos, refletimos e

escrevemos. Enfim, construímos/elaboramos as primeiras idéias. Lembro que fomos recebidos com alegria e com toda a empolgação que os

animava, pois sabiam que, este seria um momento privilegiado para uma

reflexão sobre o processo educativo que vinha acontecendo há tempo

naquela escola e em todo o assentamento. Que era momento de pararmos para uma avaliação e para retomarmos a caminhada. A oportunidade de

escrevermos juntos sobre a experiência, vinha, sem dúvida, ao encontro

do que esperavam.

Chegando na comunidade, nos encontramos com uma Comissão de Educação do assentamento e mais algumas pessoas, indicadas pelos

núcleos de famílias, que seria a equipe responsável de pensar e escrever juntos a Cartilha que ainda não tinha um nome. Depois de uma pequena

Mística, que apresentava o desafio, conversando sobre os objetivos da

Coleção e como havíamos feito as outras cartilhas, uns olhavam para os

outros, parecendo dizer: "Nós não somos capazes, nós não sabemos fazer,

quem vai fazer são vocês." Mas, aos poucos, este sentimento foi

desaparecendo, pois em nenhum momento foi lhes tirado a responsabilidade de que seriam eles mesmos os sujeitos daquela prática

e portanto, os sujeitos de uma elaboração que contaria como viviam antes,

como estão organizados hoje e como vão se reeducando no coletivo e

educando as novas gerações no cotidiano da vida de assentados.

Em seguida, construímos uma proposta de sumário e, de imediato,

entendemos que era por aí o caminho. Nos dividimos em três grupos e

começamos a escrever. Posteriormente, entendemos que poderia ter a participação também de educandos, para que, na experiência que fosse contada, tivesse o ponto de vista deles. Tomada a decisão, eles foram

convocados para compor nossa equipe, e vieram com muita alegria. E assim, ficamos alojados na "Escola Construindo o Caminho", de 15 a 18 de maio, dando vida, colocando carne, ossos e coração a mais este

material. Em um dia de nosso trabalho, o Secretário de Educação de Dionísio Cerqueira participou, pois desejava entender o que estávamos fazendo. Além de trabalhar a história do Assentamento, desde o

acampamento, a organização em cooperativa, esta cartilha traz presente a Escola, a sua pedagogia, o cotidiano educativo dos educandos. Como a escola foi pensada desde o acampamento das 60 famílias e como está organizada hoje. Como vivem os pais, como é a vida das crianças nesse assentamento. O que estudam nesta escola? Quais as ações educativas que acontecem para além da escola? Fala também da saudade que sentem

aqueles educandos que hoje estudam em outra escola, fora do

assentamento.

Num primeiro momento foram quatro dias intensivos de trabalho na escola do assentamento. A equipe de pesquisa que se reuniu com a

comissão de educação pensou, planejou e escreveu. Juntos, educandos,

educadores, agricultores e assessores, vimos a possibilidade de escrever,

de organizar as idéias, de colocar no papel, uma linha após a outra e assim

darmos forma, corpo e vida ao terceiro número da Coleção Fazendo Escola.

Concluído o primeiro momento no assentamento, posteriormente,

o texto foi trabalhado pela coordenação. Aos poucos, após longas horas

de reflexão sobre a matéria prima, ela foi tomando consistência, o que

nos levou, como havíamos combinado, a colocá-la, devolvê-la à

comunidade, nas mãos dos seis núcleos de famílias do assentamento

para ser estudada, analisada, criticada. Após ler e estudar a primeira versão

da cartilha, cada núcleo deu sugestões valiosíssimas. Após este momento,

a equipe voltou a se reunir novamente, em 11 e 12 de outubro, agregando

as idéias dos núcleos e refletindo novamente sobre o texto como um

todo. Naquele momento surgiram outras e outras idéias, que não haviam

aparecido no primeiro momento. Esta parada que fizemos foi

fundamental, pois nos levou a fazermos uma nova reflexão, sem dúvida melhorando nossa elaboração. É importante que se diga que tudo foi

decidido no coletivo. Buscamos as fotos existentes desde o início da

história do assentamento e escolhemos quais seriam as mais adequadas para cada capítulo. J\ foto da capa, da forma como queríamos, não existia,

foi então encaminhado para que fossem feitas várias outras fotos, para podermos posteriormente escolher a melhor. Foi aqui que o assentamento decidiu, junto com a equipe de pesquisa, fazer o

lançamento da Cartilha cm 16 de dezembro de 2000, junto com a

formatura do pré-escolar e de Jacir Estrapasson, que havia concluído o

curso de Agronomia em fevereiro do mesmo ano, na Universidade

Federal de Florianópolis - Santa Catarina.

Neste trabalho de produção coletiva sentimos que cada vez que a gente lê o texto por nós elaborado vê outras coisas interessantes

que deveriam entrar no texto e assim vamos pensando profundamente sobre a nossa história, a nossa organização, pedagogia, o nosso jeito de viver em coletivo. O companheiro Markus dizia: "eu não pensava que nós tf11hamos tanta coisa na cabeça, ainda viva na mem6ria. Muita gente veio aqui fazer pesquisa, como ttm trabalho de faculdade, mas

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não fomos nós que escrevemos. Este material sim é nosso, nós que

elaboramos".

Sem dúvida, podemos dizer que o material aqui apresentado é muito

rico em vivências. Nos depoimentos, a vida das pessoas aparece em

primeiro lugar. São depoimentos que emocionam, porque verdadeiros,

porque de pessoas que se educam mutuamente para serem mais

humanas, projeto este do MST. O povo vai em busca da identidade

Sem Terra29, desde o longo tempo de acampamento, e depois no

assentamento. Chegando na cerra, os assentados buscam primeiro plantar

para comer, porque nos três anos de acampamento a fome doeu. Em

seguida, veio a organização em cooperativa para alimentar a esperança

do sonho de viver coletivo.

O respeito à ecologia, o amor a terra e ao trabalho se faz sentir no

movimento e no coração de cada assentado. A escola, o sonho de uma

escola diferente sempre foi a grande meta. "Se meu filho crescer aqui,

também vai ter o que aprende1; tem alguém que vai ensinar: "

A escola "Construindo o Caminho" é uma experiência de Escola

de Assentamento, que merece ser conhecida, divulgada, contada. Por

isso a equipe se alojou nela para, a partir de dentro, ouvir a sua pedagogia,

os pais, as educadoras/es, os educandos. O trabalho foi incenso e há

orgulho de tanta boniteza encontrada na memória viva desses sujeitos, que vivem a experiência da mística na reforma agrária, convencidos de

que uma boa escola é indispensável na lura pela terra.

E como havíamos combinado, em 16 de dezembro de 2000, lá

estávamos para o lançamento. Foi uma linda festa, comunidade toda presente, convidados de assentamentos vizinhos, prefeito e secretário

de Educação de Dionísio Cerqueira, pesquisadores da Itália,

representante do Coletivo Nacional de Educação do MST. As crianças

eram as mais felizes, embora se via muita emoção no rosto de cada sujeito daquela história construída há 12 anos, agora escrita no papel, em forma

de livro. Cada uma das 60 famílias assentadas recebeu uma cartilha em suas mãos. Nela consta a história deles, contada por eles mesmos.

29 Sem Terra com letras mai(1sculas é o nome dado ao sujeito constiwído pelas lmas do l\ IST scm­

terra com hífem, é subscanrivo de dois gC::neros e dois números, designação sócio-política de indiví­

duo do meio rural sem propriedade e sem trabalho(l 998, p.601 ). Dicionário Lufr, 1998.

Não temos dúvidas de que esta cartilha Construindo o Caminho numa escola de assentamento do MST foi um trabalho sério, bonito,

tecido fio a fio pelas mãos de quem lá vive e lá busca dignificar e

resignificar a sua vida, trazendo a mística do MST para dentro e, ao

mesmo tempo divulgando o MST para milhares de pessoas que passam

pelo assentamento Conquista na Fronteira. Agora, nas mãos de tantos,

educadores do MST ou não, todos estão convidados a lê-la do início ao

fim e a contá-la para alguém e para mais alguém. O desafio é ir

construindo o caminho e outras experiências de escola embasadas nos

princípios e valores de nossa luta, tendo presente que "Escola é mais do

que Escola na pedagogia do Movimento Sem Terra".

Como diz no interior da própria cartilha, o Assentamento Conquista

na Fronteira mantêm grandes relações com entidades, Universidades e

Escolas, que buscam conhecer o assentamento, a sua forma de

organização e a pedagogia vivenciada na escola. Portanto, este material

servirá como um instrumento vivo dos assentados, que além do diálogo

com os visitantes, mostrando sua experiência, podem também entregá­

lo às mãos das pessoas, como uma forma de levarem e divulgarem melhor

o que conheceram.

E conforme Sposito, 1993:

"Todos os que procuram reconstituir a história do ponto de vista

dos trabalhadores, dos excluídos, conhecer suas trajetórias, suas

vicissitudes, sua cultura e suas práticas cotidianas sabem que estão desafiando algumas regras. Na verdade, esse tipo de pesquisa procura

desvendar a história dos homens simples que foram proibidos de fazer e

escrever sua própria história."

4. Escola Itinerante - uma prática pedagógica em acampamentos - 200 I

Ao entrarmos em 2000, logo fomos lembrando que a Escola Itinerante completava 4 anos de experiência pedagógica e, por isso, concluía-se o prazo desta experiência, aprovada pelo Conselho Estadual de Educação do RS, em 19 de novembro de 1996. O momento é de construir o regimento escolar que torna a escola válida para sempre.

Tendo presente esta situação e por entendermos que precisamos refletir nossa prática pedagógica permanentemente, sistematizando cada passo que damos em direção aos nossos objetivos, por ocasião do 2º

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Encontro de Educadores/as das Escolas Estaduais Itinerantes do RS, realizado cm Palmeiras das Missões, entre 11 a 13 de maio de 2000, entendemos que deveríamos continuar refletindo, escrevendo sobre a pedagogia de nossa escola, o que vem a ser o segundo material sobre

nossa pedagogia itinerante. Tendo presente esta necessidade, uma

equipe assumiu a tarefa de ir pensando como seria o trabalho, enquanto

a coordenação ficou de convocar os demais para uma reunião.

Em 29 de maio, a equipe ainda reduzida se encontrou pela primeira

vez na Secretaria Estadual da Educação, em Porto Alegre, para começar

a construir um possível sumário. Convencidos de que a experiência

pedagógica da Escola Itinerante precisa ser registrada e refletida

cotidianamentc, devido às condições e a realidade onde ela se dá,

marcamos a primeira oficina de trabalho, que aconteceu entre 21 e 23

de agosto, na AEC/ Porto Alegre.

Lá estando, primeiramente a equipe se debruçou sobre o que já

havíamos escrito na cartilha anterior, cm 1998. Relendo-a, percebemos

que de fato, a experiência foi ampliada e que é tempo oportuno para

continuarmos registrando passos da pedagogia que se dá debaixo das lonas

pretas. Em dois anos, a experiência cresceu, as escolas, os educadores e

educandos aumentaram porque os acampamentos são muitos. Debruçados

sobre a pedagogia e a realidade vivida em cada escola, a equipe pensou,

refletiu, escreveu. Foram vários exercícios de escrever de forma individual

ou cm duplas, rerornar ao grupo, lendo o qµe haviam escrito, ouvindo os

comentários, as críticas, as sugestões. Voltar a escrever, considerando as

sugestões recebidas. Foram dois dias de trabalho intensivo, com tema de

casa, para a noite. Concluída esta primeira tarefa, a coordenação do trabalho

recolheu tudo e ao digitar fez nova reflexão. Buscou entregar cópias das

primeiras idéias para outros interlocutores do MST. Em seguida, apresentou uma versão preliminar, no Terceiro Encontro Estadual de

Educadores/as das Itinerantes, de 25 a 28 de outubro de 2000, no Centro

de Formação Cristo Rei, em São Leopoldo - RS.

Ourante um dia, todo o grupo de educadores se debruçou sobre o

que já estava escrit0. Em pequenos grupos leram todo o texto e depois analisaram, discutiram e apresentaram sugestões, apenas de um capítulo, cada grupo. O momento foi muito importante. Vieram sugestões, novas idéias, novos depoimentos, muita coisa que o grupo, que realizou o primeiro trabalho não havia colocado. O debate sobre cada parte do texto, as contribuições que vieram, enriqueceram mais uma vez este trabalho.

Mais uma vez, a coordenação dos trabalhos se debruçou sobre o

texto, acrescentando as sugestões que vieram do grande grupo.

Num outro momento foi reunido o grupo de educadores itinerantes que estudam no Curso de Magistério, turmas 7 e 8 na Escola Josué de Castro, em Veranópolis - RS. Foi o momento de relermos e fazermos

uma reflexão sobre todo o trabalho. Ali analisamos os depoimentos,

melhoramos o texto, visualizando a função social da escola dentro de um acampamento dos Sem Terra.

Em seguida foi o momento de voltarmos com a equipe de elaboração

da cartilha. Durante um dia rodo olhamos para cada capítulo, questionamos, aprofundamos o que consideramos que estava pendente: os temas, a metodologia, os conteúdos, a avaliação, as oficinas. Em quase todos os momentos percebemos o quanto as pessoas sabem falar de como é ou, de

como deveria ser. A grande dificuldade está, exatamente, em essas mesmas

pessoas que têm claro a realidade na sua cabeça, colocar no papel, de um

jeito que fique compreensível para os leitores, que serão muitos, e farão várias interpretações e que ainda terão muitas interrogações.

Também, como a nossa pretensão era buscar outras interlocuções durante o processo, que nos ajudassem a pensar melhor sobre a pedagogia que acontece debaixo das lonas, uma realidade tão diferente de tantas

escolas, que ensina as crianças a soletrar a liberdade, a ter amor ao Movimento a que pertencem, a pensar e a ter esperança, a lutar junto com seus pais em busca de terra, vida e liberdade, este foi o momento

em que o texto passou a ser olhado/lido por várias outras pessoas, inclusive algumas que não participaram do processo de sistematização, pois consideramos importante um olhar estranho ao texro, que pudesse apontar para os limites e lacunas ainda existentes e não vistas por quem estava totalmente imerso nele. Como resultado, vieram muitas críticas, observações, sugestões. A partir disro, nos remetemos novamente ao texto, revendo cada página, cada nota de rodapé, com o objetivo de

acolher e acrescentar as sugestões vindas dos leitores aos quais solicitamos a contribuição.

Por fim, mais uma leitura minunciosa. Alguém, apaixonada pelo que viemos fazendo cm nossas escolas, leu atentamente cada palavra, frase, página, o texto todo, deixando-o belo e bem apresentado.

Finalmente, um material escrito a tantas mãos, chega o momento de concluí-lo, sem com isto fechar as discussões. Provavelmente, este material será lido e discutido por milhares de leitores mundo afora. Cada

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um dará a sua opinião, fará os seus comentários, suas críticas. E assim, deixamos margem para outros pensarem, criticarem, continuarem, contarem outras histórias, outras lindas experiências que ainda precisam

ser colocadas no papel e com urgência.

E para concluir esta reflexão sobre as várias sistematizações/

reflexões feitas e construídas, fio a fio, por grupos de educadores/as

imersos nas práticas aqui apresentadas, me valho de uma idéia, à qual

acredito muito.

"Além de melhor conhecer a experiência, os indivíduos e grupos

que passam por um processo de sistematização não permanecem os mesmos: sem dúvida, tanto suas práticas como seus sistemas de valores

passam por mudanças. E este momento de análise e interpretação

desempenha um papel significativo no desencadeamento e na orientação

dessas mudanças". Elza Falkembach, 2000.

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