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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
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Machado de Assis Vai ao Cinema: Estudo da Adaptação Fílmica do Conto “A
Cartomante”1
Eugênio Vinci de Moraes2
Centro Universitário Uninter (PR)
Resumo
Este artigo discute a adaptação cinematográfica de “A cartomante”, de Machado de Assis,
realizada por Wagner de Assis (2004). Este trabalho integra o projeto de pesquisa sobre as
versões cinematográficas nacionais baseadas na obra de Machado. O objetivo geral é
identificar e interpretar as visões que o cinema nacional produziu com base na obra do
escritor carioca. Os comentários, as análises e a interpretação basearam-se nas categorias
narrativas formuladas Ismail Xavier, Robert Stam (cinema), Alcides Vilaça, Maria Augusta
Fonseca e Marlyse Meyer (literatura). Observou-se que o filme lê a narrativa machadiana
como uma alegoria sobre o destino, expressada por meio do gênero melodramático,
deixando de lado os aspectos irônicos e metadiscursivos do conto.
Palavras-chave: Cinema Brasileiro; Adaptação; Machado de Assis; A cartomante.
.
Introdução
A pesquisa da qual deriva este texto pretende fazer uma análise ampla da leitura da obra
machadiana pela cinematografia nacional3. A proposta inicial é comparar obra literária e os
filmes por suas estruturas comuns presentes no ato de narrar (ponto de vista do narrador,
tempo, espaço etc.) sem se preocupar com conceitos de fidelidade na linha proposta por
Ismail Xavier e Robert Stam (2006). Segundo Xavier, “Em todas essas formas de
expressão, o fato de estar presente o ato de narrar permite o uso de categorias comuns na
descrição dos elementos que organizam a obra em aspectos essenciais” (2003, p. 64).
Produziram-se cerca de 30 filmes com base na obra machadiana no Brasil, segundo um
primeiro levantamento.4 Dos nove romances escritos por Machado, quatro foram levados ao
cinema não necessariamente com o mesmo título: Iaiá Garcia (1878), Memórias póstumas
de Brás Cubas (1880), e Quincas Borba (1891) e Dom Casmurro (1899). Dentre os
romances machadianos, Memórias Póstumas é o que recebeu mais versões para cinema até
esta data, quatro. Entre os contos, destaca-se “A cartomante”, adaptado cinco vezes. Foi
1 Trabalho apresentado no GP Cinema, no XVI Encontro dos Grupos de Pesquisa da Intercom, evento componente
do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Doutor pela Universidade de São Paulo e professor do Centro Universitário Uninter-PR. 3 Pesquisa de Iniciação Científica realizada no Centro Universitário Uninter (DGP –Comunicação Tecnologia
e Sociedade). 4 Fontes usadas neste levantamento inicial: Academia Brasileira de Letras, Cinemateca Brasileira, MIS-SP, e a
página Memórias Cinematográficas de Machado de Assis (Disponível em:
www.imagemtempo.com/machadodeassis. Acesso em 29/07/2015).
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publicado em 1884 e depois selecionado para abrir o seu quinto livro de contos, Várias
histórias, de 1895.
Neste artigo apresentaremos alguns apontamentos decorrentes da análise comparativa entre
o conto e filme homônimo de Wagner de Assis, produzido em 2004. Exibido no mesmo
ano, produzido dirigido e roteirizado por ele, o filme mantém a história central do conto – a
“fábula banal” (FONSECA, 2008, p. 187) do adultério, as personagens Camilo, Rita e
Vilela – o casal de amantes e o marido – além da Cartomante. Em primeiro lugar, será feito
um comentário sobre o conto acrescido de uma hipótese interpretativa; em seguida,
abordaremos o filme; para, por último, tecer algumas considerações de cunho comparativo
acerca de livro e filme.
Um conto célebre
“A cartomante”5, conto de Machado de Assis, parece estar a todo o momento desafiando o
leitor ou fazendo troça dele. Centrada numa aventura protagonizada por “três nomes” –
Vilela, Camilo e Rita –, a história narra um episódio de adultério. No correr da história dois
modos de contar se defrontam: de um lado, formas de um melodrama; do outro, o drama,
em registro paródico. O primeiro modo se constitui pela forma que as personagens Rita e
Camilo, o casal adúltero, interpretam os sinais que lhe são lançados no correr da trama;
outro, pelos sinais inseridos pelo narrador, que ora aparecem como moldura da história
vulgar (como a referência ao Hamlet, de Shakespeare), ora pela forte ironia despejada pelo
narrador nas personagens mencionadas há pouco. Nesse sentido uma série de sugestões
aponta para um enredo em que os protagonistas ou não sabem ler ou leem mal ou, quando
não conseguem ler, apelam para um leitor muito especial, a cartomante. Essa inabilidade de
leitor leva o casal à morte.
Além do par amoroso e adúltero, temos Vilela, o marido traído. Os homens são amigos
desde a infância. Bom tempo afastados, reencontram-se na vida adulta. Juiz e depois
advogado, Vilela casara-se com Rita, “formosa e tonta”, na descrição do narrador. A mulher
conhece Camilo, já funcionário público, homem sem crenças, sem experiência e sem
intuição. Apaixonam-se e logo veem seu caso em risco quando Camilo passa a receber
cartas e bilhetes anônimos advertindo-lhe acerca do mau passo. Ele resolve ausentar-se da
casa do amigo, que passara a frequentar desde que se reencontraram. Rita sente falta do
amante e por isso recorre à Cartomante para saber o que acontecera com ele. Neste ponto
5 Todas citações do conto são de Várias histórias, de Machado de Assis, edição preparada por Hélio
Guimarães (São Paulo: Martins Fontes, 2004).
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começa o conto, não a história. Tranquilizada pela Cartomante, Rita conta a Camilo que a
pitonisa dissera que ele a amava. O amante ri, faz troça e ambos acertam ter mais cuidados
dali por diante. Poucas semanas depois, Rita observa a mudança de comportamento do
marido e logo depois, num dia na repartição, Camilo recebe um bilhete de Vilela, pedindo-
lhe que fosse imediatamente a sua casa. Camilo hesita – ir ou não ir?, parodiando Hamlet.
Resolve ir, mas antes, devido a um incidente, para na Cartomante e ouve-lhe as predições.
Agora é ele quem sai tranquilizado. A sibila italiana garante-lhe que tudo está bem e diz-lhe
para ir em frente. Camilo vai e é morto por Vilela, que momentos antes assassinara a
mulher.
A narrativa começa com Rita contando ao amante o que a Cartomante lhe dissera. Que
ficara aliviada pois a adivinha lhe garantira que Camilo não a esquecera apesar de sua
ausência. Brincando, ele a interrompe, dizendo-lhe: “- Errou!”. Para, em seguida, zombar
que “a melhor cartomante era ele mesmo”. Páginas adiante essa situação se inverterá. Na
sequência final da história Camilo procurará Rita e, por fim, a cartomante para resolver o
seu dilema, ir ou não ir a casa de Vilela.
Ainda no primeiro episódio do conto Rita não deixará por menos e dirá a Camilo que a
mulher adivinhara tudo – “mas o certo é que”6 –, empregando inclusive termos forenses: “a
prova é que agora ela estava tranquila e satisfeita”. A cena vai terminando com a separação
dos dois, ambos certos do amor do outro: “Rita estava certa de ser amada; Camilo, não só o
estava, mas via-a estremecer e arriscar-se por ele, correr às cartomantes, e, por mais que a
repreendesse, não podia deixar de sentir-se lisonjeado”.
Nesse começo, o narrador apresenta a trama central em forma de diálogo jocoso entre
amantes, enredando o leitor num vaivém de acertos e erros. Se num primeiro momento,
dada a menção inicial ao Hamlet, de Shakespeare, a atmosfera poderia caminhar para um
plano misterioso (“Hamlet observa a Horácio que há mais cousas no céu e na terra do que
sonha a nossa filosofia”), a condução da narrativa, ao contrário, leva para um tom leve e
animado de conversa entre amantes, entremeada de recursos retóricos argumentativos
estabelecendo mais um jogo de contrários. Isso se vê pela sequência expressiva que vão
armando os termos “consultar”, “verdade”, “errei”, “o certo”, “a prova”, “certa de ser
amada”. Chama a atenção a primeira fala de Camilo: “Errou!”, quando ele julga a
cartomante, a mesma que decidirá seu “destino”. De fato, o leitor verá que a cartomante não
acerta; ou melhor, o próprio autor da frase é que erraria redondamente. Mas essa forma
6 Grifos, sempre nossos.
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estridente de iniciar o conto atinge também o leitor, como se um sinal lhe fosse enviado
pelo narrador, uma piscadela acerca do que viria pela frente.
Há ainda uma pequena digressão acerca de Camilo antes do desmanchar da cena. Nesse
trecho o narrador descreve-o como alguém despossuído de qualquer saber:
Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não
possuía um só argumento: limitava-se a negar tudo. E digo mal,
porque negar é ainda afirmar, e ele não formulava a incredulidade;
diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi
andando (ASSIS, 2004, p. 9)
Assim, o narrador num vaivém rápido ironiza a personagem que, destituída completamente
de ferramentas intelectuais, emite juízos peremptórios.
O leitor também não poderá esperar o contrário de Rita. Descrita como “formosa e tonta”,
de “lábios interrogativos”, ela não é mais arguta que Camilo, a não ser no que compete a
sua feminilidade, que descende de Eva e da serpente. Temos, pois, um diálogo entre bobos
encimado pela referência a Shakespeare, que dá mais relevo ainda à vulgaridade das
personagens (VILLAÇA, 1998). Porém, o diálogo e a descrição de Camilo se dão com
termos como o “argumento”, “verdade”, “certo”, “consulta”, que levam ao terreno mais
próprio ao da personagem sobre a qual ainda não se falou – e que fala pouco durante o
conto, a não ser por um bilhete: Vilela, magistrado e advogado. Talvez a personagem mais
indicada a dar qualquer parecer.
No campo da justiça além de muita oratória há muito papel: sentenças, petições etc. Esse é
o meio por excelência da certificação das coisas. As expressões da língua atestam: “pôr no
papel”, “de papel passado”, entre outras. Chama-se a atenção para isso pois outra ponta do
conto que deixa ver seus elementos mais internos é justamente a função do papel ou carta
na história. Além da cartomante, alguém que lê um tipo de papel, o envio de bilhetes marca
passagens cruciais na história. Três pelo menos: a descoberta do amor por Camilo e Rita, a
denúncia anônima, e o bilhete fatal manuscrito por Vilela. Uma rede de cartas e bilhetes
tece o conto. Conto, por sua vez, protagonizado por maus leitores, seja por lerem mal ou
por não lerem as entrelinhas, seja por lerem por interesse. Entre os primeiros, o par
amoroso; entre os segundos, a cartomante. A Vilela caberia a leitura final, a sentença.
No aniversário de Camilo, Rita lhe dá um bilhete escrito com “palavras vulgares”, mas
como diz o narrador, “há vulgaridades sublimes”. O narrador aproveita para tirar sua
casquinha e distanciar-se mais ainda das personagens remetendo-se ao Gênesis, ao narrar o
asfixiamento viperino promovido por Rita nas “costelas” de Camilo. No plano das
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personagens, vulgaridades; no plano do narrador, o sublime, o elevado (VILLAÇA, 1998).
Seja como for, o bilhete é como o filtro mágico que instila o amor em Camilo. Daí em
diante abre-se-lhes a estrada do amor, enfim se amam, se veem, sem que Vilela saiba. No
parágrafo seguinte, outro bilhete; desta vez anônimo e ameaçador: “a aventura era sabida de
todos”. É esta peripécia que levará à cena inicial do conto, a ida de Rita à Cartomante. Ao
receber este bilhete, Camilo passa a diminuir as visitas à casa de Vilela até estancá-las de
vez, o que deixou Rita insegura e a levou a procurar a adivinha. Camilo recebe mais duas
ou três cartas anônimas, o que leva ambos a decidirem não se verem por algumas semanas.
Então, mal o leitor respira, mais um bilhete surge, desta vez de Vilela, intimando o amigo a
ir até sua casa: “Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora”. Este bilhete acabara
levando Camilo a cartomante graças a um recurso folhetinesco usado pelo narrador que
interrompe a corrida do tílburi que Camilo pegara para chegar à casa de Vilela: uma carroça
tomba no meio da rua próxima à casa da Cartomante. Com isso, o tílburi para, retarda-se o
fecho da história, e permite-se que Camilo busque a sua leitura final, a da cartomante.
O movimento dos bilhetes dá o ritmo à história, que oscila entre o drama e o melodrama:
“Não faltam ao conto ingredientes de melodrama romântico: o nó da intriga se aperta com a
atuação acusatória e ameaçadora das cartas anônimas que vão chegando a Camilo”
(VILLAÇA, 1998, p. 6). O melodrama como definiu Décio de Almeida Prado é
“sentimental, moralizante, otimista”; o drama, “fatal, tenebroso, revoltado contra a
sociedade, secretamente tentado pelo mal” (apud FONSECA, 2008, p. 205). O narrador
parece brincar com esses gêneros, com as personagens e com o leitor. Perto do drama, um
melodrama é vulgar. Neste ponto, como notou Alcides Villaça o drama metafísico de
Hamlet é reduzido a uma dúvida imediata: “vou ou não vou?” (VILLAÇA, 1998 p. 6). Esta
oscilação poderia ser recolocada: melodrama ou drama? Final feliz ou trágico?
Camilo, quando recebe o bilhete de Vilela, imagina um drama: “Imaginariamente, viu a
ponta da orelha de um drama, Rita subjugada e lacrimosa, Vilela indignado, pegando da
pena e escrevendo o bilhete, certo de que ele acudiria, e esperando-o para matá-lo” (ASSIS,
2004, p. 14). Isso parecia-lhe “verossímil”, como diz o narrador. Esta leitura correta de
Camilo, da perspectiva final do conto, vai ser revirada pela leitura das cartas, pela
cartomante. O narrador empurra a personagem (e o leitor) para leitura equivocada
(“Errou!”), para o melodrama. O leitor empírico ou o narratário pode ou não perceber “a
ponta de um drama”.
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Temos, então, primeiro, personagens que se deixam levar pela leitura fácil, seja pela
brevidade dos bilhetes, seja pela rapidez da mensagem mágica trazida pelo divino por
intermédio da cartomante. Vazio intelectual e moralmente, Camilo precisa de uma resposta
que o alivie, que o console, não de uma verdade, não de um juízo verdadeiro. Ele recusa o
juízo e acaba na mão do juiz. Segundo, temos o narrador que, sobranceiro, cita
Shakespeare, alude ao Gênesis e escreve de forma a “de modo algum deixar-se confundir
com seu objeto” (VILLAÇA, 1998, p. 13-14) e enche o texto de pistas – como num conto
policial –, que podem ser compreendidas ou não dependendo do leitor que as lê. Por fim,
teríamos o gênero. A alusão a Hamlet é uma primeira pista de que estamos diante de um
drama, vulgar mas drama. Ou melhor, um drama burguês, já que contracenado por um
funcionário público, um advogado e ex-juiz, e uma dama “formosa e tola”. Mas o próprio
Machado ao vulgarizá-lo, não pode seguir regras estritas desse gênero, claro. Nem gostaria,
já que a essa altura de sua obra a mistura de gêneros, tons e tudo mais já é o seu estilo, ou
melhor, a sua poética. Primeiro, trata-se de um conto, que por si só é novidade e Machado
será não só no Brasil como no mundo todo um dos primeiros a dar-lhe uma feição
autônoma em face dos gêneros mais prestigiados. Mas, ao contrário de Poe, cuja obra o
escritor carioca conhecia a ponto de traduzi-la, Machado não enveredou neste caso para um
tema dramático ou trágico, mas, muito diferentemente, apelou para um tema já batido dos
romances e folhetins, o adultério. O desenrolar do conto, como mencionamos, se faz: 1.
Pela oposição sublime (narrador) x vulgar (personagens); 2. Drama x melodrama; 3. Alta
literatura x folhetim.
Assim, o conto aponta, entre outras direções, para o fazer literário do seu tempo. Escrever o
drama burguês no Brasil só seria possível via paródia, do humor, sarcasmo ou ironia como
o narrador faz impiedosamente como as personagens Camilo e Rita – também com Capitu-
Bentinho, Cubas-Virgília, entre outros. O drama burguês parece precisar emprestar ao
melodrama sua estrutura, que num plano “opõe personagens representativos de valores
opostos: vício e virtude” e num outro “alterna momentos de extrema desolação e desespero
com outros de serenidade ou de euforia, fazendo a mudança com espantosa velocidade”
(HUPPES, 2000, p.27). Esse vaivém sentimental é nuclear na história (sabe, não sabe; vai,
não vai), assim como as mudanças trazidas pelas várias reviravoltas que aparecem num
texto tão curto quanto um conto. Rita e Camilo, leitores sentimentais e otimistas, colocados
no rolo de peripécias que prendem a respiração do leitor. Com isso Machado estaria
ironizando os gêneros de entretenimento, ou seus leitores, em favor da alta literatura, e de
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seus leitores? Nesse sentido a justiça feita aos dois seria um modo de o escritor escarnecer o
mau leitor, em especial, os seus próprios leitores, uma vez que ele publicou o próprio conto
no jornal e publicou boa parte da sua obra em periódicos como o Jornal da Famílias,
destinado a um leitor “vulgar”?
Contudo, que papel teria Vilela, o vilão, como bem observou Maria Augusta Fonseca, o
único a ser mencionado pelo sobrenome? Vilela é diminutivo de “vila”, ou seja, Vilela é um
proprietário. Como dissemos é ele quem tem um saber: o da justiça, o da lei. Portanto, ele lê
o mundo como o burguês: se ambos morrem é porque infligem uma norma burguesa. Isso
que o casal adúltero não soube ler. Além disso, seu saber serve de contraponto ao da
Cartomante. O pensamento dela seria ao mesmo tempo mágico e enxovalhado, palavra
usada pelo narrador para designar as cartas dela antes de serem acionadas para revelar o
destino de Camilo e Rita. Se é mágico, é sem mediação, bem ao gosto das personagens
machadianas, lembremos de Brás Cubas e seu emplasto. No conto, a solução da contradição
entre “ir ou não ir”, “Vilela sabe ou não sabe” é buscada no âmbito do pensamento mágico,
o da Cartomante. Acontece que as cartas da Cartomante são enxovalhadas, que além de
significar sujas, maculadas, na sua origem está a palavra enxovia, “prisão”. O leitor dessas
cartas está preso a seu texto, sem discernimento, ao contrário de Vilela. Seria isso mesmo?
Não há resposta definitiva, mas arriscamos uma hipótese. Este é um conto marcado pelo
campo semântico do papel, a partir do próprio nome Cartomante, seja pelo papel do leitor,
seja pelo gênero que se coloca no papel, seja pelo papel da literatura na periferia. No conto,
Machado joga com sua poética – a do “tradutor de si mesmo” detalhada por Alcides Vilaça
–, que mistura estilos, brinca com a intertextualidade, parodia; que lança mão de recursos
do folhetim ou melodrama ao escolher um tema batido e rebatido nesse gênero e povoar a
breve história de um bom número de reviravoltas ecoando Rocambole (MEYER, 1996); e
acentuar o dado realista do drama burguês dialogando com o drama shakespeariano. Ou
seja, o conto não renega o folhetim ou o melodrama por inteiro por não poder fazê-lo – vide
o fato de o conto ser o primeiro do Várias Histórias e o mais adaptado dos contos
machadianos – por ser irremediável ter de usar essas estratégias num ambiente em que o
leitor brasileiro é leitor de folhetim como se vê nos próprios textos de Machado, como
mostrou Marlyse Meyer (MEYER, 1998). O fato de inserir suas estratégias em seu conto é
mais um artifício da própria poética machadiana, luciânica, como apontaram Merquior
(1972) e Sá Rego (1989). Em suma, esse conto parecer resolver o sofrimento do “Homem
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célebre”, outro conto de Várias histórias, pois há nele Mozart (Hamlet) e a polca
(Folhetim/melodrama).
Polca em película: a Cartomante de Wagner Assis.
“A cartomante”, de Machado de Assis é relida, por um diretor cujas origens vêm de um
campo oposto ao do escritor: da arte como entretenimento. Wagner de Assis foi roteirista da
Globo e dos filmes de Xuxa Xuxa Popstar (2000), Xuxa e os Duendes (2001) e Xuxa e os
Duendes 2 (2002). Em 2004 resolve se aventurar numa produção, segundo ele,
independente. Em depoimento publicado no livro da série Aplauso Cinema Brasil, editado
pela Imprensa Oficial (2005), o diretor relata a escolha de maneira bastante aleatória para
não dizer superficial. O pai do seu parceiro de direção, Pablo Uranga, e a sua mãe lhe
indicam o conto de Machado. Wagner de Assis lê, se apaixona pelo texto e o escolhe,
sempre segundo ele, como fonte do filme. Neste relato em nenhum momento faz referências
a outras versões da mesma história já realizadas, em especial a de Marcos Farias, de 1974,
diretor de um dos episódios de (“O favelado”) Cinco vezes favela (1962), filme importante
que marca os inícios do Cinema Novo. Assis prossegue e conta as várias redações do
roteiro, sendo a mais importante aquela em que diz ter desistido da adaptação de época por
causa das limitações financeiras. Por fim, o diretor resolve fazer um thriller romântico,
pois, segundo ele, “Como romântico, eu não tinha medo de escrever bobagens, nem ser
melodramático”, (ASSIS, 2005, p. 71). Essa foi a chave então para largar Machado e tentar
alçar voo próprio: “Deixei o bruxo do Cosme velho de lado com o coração partido”
(ASSIS, 2005, p. 71).
Há três aspectos que chamam a atenção nesses depoimentos do autor: a ausência de fontes
ou referências cinematográficas ou literárias na idealização inicial que presidissem o
roteiro; a declaração do ponto de vista romântico; e uso do clichê para anunciar o
rompimento com a obra inicial que pretendia adaptar. O diretor não parte, portanto, nem de
intérpretes da obra (da crítica literária, por exemplo) nem de adaptações precedentes. Ou
seja, não faz uma pesquisa sobre as leituras anteriores, sejam literárias, sejam fílmicas.
Nesse sentido é bem econômico: “A presença de uma previsão ‘equivocada’ no final, como
se o destino estivesse enganando os amantes, fez-me perder a respiração”. Ele opta então
por um ponto de vista romântico, que, como vimos, vai de encontro com a perspectiva do
conto. Aliás parece estar uma das chaves de leitura dessa aventura cinematográfica: a
adoção do ponto de vista das personagens do conto, e não do narrador, muito menos do
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autor. A nosso ver, é essa (falta de) interpretação que leva à má composição da história do
filme. Opor-se à visão do narrador não seria problema, desde que fosse uma opção
consciente, justificada por razões expressivas, ideológicas etc. Fica ainda a pergunta, por
que não escolher, então, outra história do autor, da primeira fase do escritor, por exemplo?
Por fim, a expressão que ele usa para dizer que deixaria para trás a obra do escritor
fluminense é temperada pelo clichê, mecanismo que usa e abusa durante o filme: “coração
partido”, que parece ser o grande drama pessoal do diretor – não partir corações. O clichê,
contudo, esconde outro problema: ele não abandonou de fato “A cartomante”. Vejamos
como isso se dá.
O filme mantém o núcleo da história do conto, alterando-o minimamente. Rita (Débora
Secco), prestes a se casar com o médico Vilela (Ilya São Paulo), apaixona-se pelo bad boy
Camilo (Luigi Baricelli), melhor amigo do médico. Deste entrecho inicial decorrem as
peripécias do filme. Ela é menina ingênua, leitora de horóscopo, cujo sonho maior é ter um
príncipe encantado (resquícios dos filmes da Xuxa?). Vilela seria esse príncipe, não fosse a
inserção do amigo entre os dois. Seduzida pelo bad boy – depois da cena clichê com planos
fechados nos rostos dos personagens e uso de câmara lenta em que se encontram – ela vai
atrás de uma cartomante. A cartomante a induz a ir em frente e ela se entrega ao amante.
Próximo do fim, Rita separa-se de Vilela e de Camilo, mas ela reencontra tempos depois o
amante em um Museu e terminam, em happy end, juntos.
“A cartomante”, quarta figura do filme, na verdade é uma psiquiatra, que se constitui na
personagem criada pelo diretor ou pela produtora, a própria atriz, Silvia Pfeiffer. Além dela,
o diretor inclui o que parecer ser uma história paralela, protagonizada por uma empresária,
Karen Albuquerque (Giovanna Antonelli). Na verdade esta história irá se juntar à principal
por meio de Antônia Maria dos Anjos, a psiquiatra, que também é a Cartomante e
personagem chave (que faz às vezes de narrador) quando o filme está terminando. O papel
dela seria o de manipular Rita, seja por prazer pessoal, seja para molestar Vilela, colega de
hospital de Antônia. Assim, há a história da traição, as mesmas personagens, com a
diferença que a Cartomante, no filme, é na verdade a psiquiatra de Rita. No final, os três
protagonistas do caso amoroso – Camilo, Rita e Vilela – descobrem que Antônia manipulou
Rita e seus pacientes a fim de testá-los até o limite.
Assim, em relação às diferenças, a mais acentuada é a temporal, uma vez que o filme passa
na década de 1990. Por causa disso, mudam-se alguns aspectos das personagens para que se
adaptem a essa modificação histórica. Em vez de juiz, Vilela é médico; Camilo, em vez de
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funcionário público, é um típico bad boy carioca; e Rita, uma comerciária. A caracterização
psicológica das personagens adúlteras é parecida: Rita é ingênua; e Camilo, entre tolo e
esperto. Já Vilela, por aparecer mais no filme do que no conto, adquire mais traços. O
principal talvez o de ser ambicioso, diferentemente do estabelecido Vilela do conto. A
mudança mais significativa se dá em relação à cartomante, que ganha nome e função social,
a psiquiatra Antônia, que ocupa papel importante, inclusive de dividir o papel de narradora
no filme.
O filme começa justamente com a história de Karen, que foi manipulada por Antônia e se
mata. Personagens e espectadores só descobrem isso só no final. Na sequência que antecede
o fim do filme, quando se revelam as vilanices da psiquiatra, as quatro personagens estão
reunidas e a ação termina em uma imagem congelada de um tiro: Rita atirando em Antônia.
Há um corte e daí em diante vem a resolução do conflito na forma de tomadas separadas
das três personagens utilizando voz em off: Vilela parte para outra, vai em busca de outro
amor e atrás de sua obsessão, ser diretor de hospital; Camilo perdoa o pai e com isso
supostamente rompe com o passado para poder buscar outras experiências e Rita larga seus
horóscopo e a maquiagem para, mais experiente, buscar outro amor. Mas quando
pensávamos que tudo havia terminado, o diretor inclui mais uma sequência: nela vemos
Rita e Camilo se reencontrarem num museu, no qual, à distância, vemos Vilela tomando um
café. Camilo e Rita se beijam enquanto uma voz over surge, da nova e última personagem,
Vitória – cujo nome é precedido pela imagem da estátua Vitória de Samotrácia exposta no
mesmo museu em que estão Rita e Camilo – que faz um discurso parecido com o de
Antônia, com quem, por fim, sabemos ser sua interlocutora. Os cabelos compridos da
psiquiatra indicam o tempo transcorrido da última cena até aquela.
Assim, embora o trio amoroso inicialmente sejam os protagonistas da história, no final –
numa forma quase de ex-machina – é a figura de Antônia que passa a ser protagonista, uma
vez que explica as ações da história. Ela, então, está acima das demais personagens por
saber quem são, por saber levá-las para onde deseja e por enganá-los o tempo todo. Essa
superioridade é metaforizada pela imagem que inicia o filme e o termina: ela no alto de um
prédio olhando para a orla do Rio de Janeiro, falando de si mesma, por meio da voz off -
recurso narrativo empregado pelo diretor em várias sequências do filme -, cuja fala é esta:
“meu interesse é o ser humano, mas essa não é minha história”. Fala essa que se repete no
começo e no fim do filme. Além disso, Antônia é um anjo, como sinaliza seu nome, que
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controla toda a história. Espécie de anjo da guarda às avessas, ela encarna o destino e o
narrador do filme ao mesmo tempo.
Resumindo, o que acontece de nuclear e importante no filme não foge muito ao entrecho do
conto. Guardadas inconciliáveis proporções, o enlace entre os amantes que ficam entre o
jogo de esconde-esconde com Vilela é o que move também a película. Acrescenta-se a
possibilidade de fugirem para realizarem seu grande amor, pois o século XXI dá abertura
para isso, obviamente. Mas como Camilo é fraco, como é néscio o Camilo do conto, e Rita
é ingênua, como a tola do conto, não conseguem dar esse passo – nesse sentido ecoam as
personagens do conto, que são ingênuos e tolos, portanto, fracos. Ou melhor, esse passo só
se dá no fim, com a ajuda do ponto de vista do diretor, que insere uma sequência final,
descolada da intriga central do filme, como vimos. Como o próprio Wagner de Assis disse,
ele é um romântico e o gênero é um thriller romântico, foi “obrigado” a criar o final feliz.
Mas isso só vai se dar, como vimos, depois de uma sucessão de fatos mal encadeados em
que o papel da psiquiatra vai se mostrando central. O que nos obriga a falar dela.
A princípio Antônia está, como um anjo, acima dos mortais. Ela pode inserir e tirar
obstáculos de frente das personagens. É médica psiquiatra, pode tirar e receitar remédios a
quem quiser. Ou induzir a tomar drogas demais como faz com a personagem Karen da
suposta trama paralela. No fim do filme fica-se sabendo que ela induziu a empresária a se
matar – e por extensão o marido dela. Ou então isto: ela teria instilado ideias contraditórias
na paciente de modo a obrigá-la a fazer escolhas. Se certas, libertação; se erradas, a morte
via suicídio. Sabemos disso no final do filme quando Antônia completa o texto que iniciou
no começo do filme: sua empregada teria cortado os pulsos três vezes, três vezes ela a teria
salvado; na quarta a deixou esvair-se em sangue até morrer.
Chega-se, então, a umas das ideias-chave do filme enunciada por uma das suas personagens
– aliás personagem secundária: “Você acha que controla o destino? Espere para ver o que o
destino acha disso?”. Ou seja, o filme gira em torno desse eixo: ninguém controla o acaso,
nada é previsível, tudo é regido pelo imponderável: “Assim, trouxe comigo a presença
marcante do imponderável, a tensão psicológica, o destino como agente transformador da
vida das personagens”, escreve Wagner de Assis (2005, p. 65).
Tal ideia parece não se amarrar à função da psiquiatra, pois não sabemos se ela está ali para
mostrar que o destino não tem papel algum, o que existe são as escolhas que fazemos –
como ela mesma diz no final do filme. Ou, então, nem como psiquiatra nem como anjo ela
é capaz de alterar o que tem de acontecer. Se for isso, que sentido teria sua presença no
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filme? Se fosse para criticar o papel do cientista ou do saber, poderia funcionar, inclusive
utilizado o próprio Machado do “Alienista”, do “Conto Alexandrino” e até da “Causa
Secreta”. A escolha do nome Vitória para a última personagem que aparece no filme deixa
mais enigmática a mensagem. Seria ela o destino, o anjo, por isso sempre vitoriosa? Ou
seja, independente do que acontecer é sempre o destino que rege tudo? Do suicídio da
empregada ao final feliz entre Rita e Camilo? Então, a psiquiatra-anjo seria a personificação
do destino? Mas o que fica para o espectador dessa história? Faça as escolhas certas, que
tudo vai dar certo? E a empregada? Escolheu errado ou foi manipulada? Voltamos a
possibilidade de uma crítica ao poder, seja médico, seja político tanto faz a essa altura, mas
nada parece convergir para isso. Seria propositadamente ambígua? Nada disso fica claro ou
bem amarrado no filme. Até porque a questão do amor é central no filme, marcadamente na
personagem mais forte do trio, Rita, simbolizado pela Vênus de Milo, que intermedeia o
enlace entre ela e Camilo.
O filme comporta uma contradição entre a mensagem do filme (plano do conteúdo) e sua
realização (plano da expressão): se o filme é todo recheado de perguntas acerca do destino;
se o imponderável é a palavra-chave usada pelo o autor para explicar o seu roteiro, a
resposta que recebemos é mais que previsível: “mocinha e mocinho [sic] ficam juntos e
tudo acaba bem, vitória!”. O destino do espectador está traçado: haja o que houver, ele terá
um final feliz. Seria quase uma inversão do conto. Ou seja, tudo ali é para dar errado,
menos com a Psiquiatra, mas tudo acaba bem, e para todos. Sem exceção. Nesse sentido é
um filme que utiliza o gênero folhetinesco, que podemos atualizar pela palavra
entretenimento, baseado numa obra da alta literatura.
Nesse sentido, Wagner de Assis não se consegue desprender da obra de Machado a despeito
do que afirma na apresentação de seu Roteiro citado acima. Como que hipnotizado pela
fábula fácil, o adultério, o diretor não larga dela apesar de tentar produzir algo diferente,
autoral. E ao não conseguir se desprender dela, escolhe caminhos equivocados.
Considerações finais
Se o conto encena, como se viu, um dos dilemas literários do século XIX, ou seja, a
contaminação entre gêneros literários altos e baixos, o filme desfaz o problema, escolhendo
a via do entretenimento. A encenação proposta por Machado é irônica, uma vez que
trapaceia o leitor ao prometer um melodrama e entregar uma meia-tragédia. Meia-tragédia
justamente porque o conto emprega, ainda que ironicamente, as estratégias do Folhetim.
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Nesse sentido, “A Cartomante” pode ser compreendida como uma obra que resolve o
dilema de Pestana, personagem de “Um conto célebre”, músico que sofria por causa do seu
sucesso como compositor de polcas e seu fracasso como autor de obras eruditas. Em “A
cartomante”, Machado atira esse problema para o leitor, mantendo-se à distância,
manipulando os cordéis dos dois gêneros, afirmando-se como um autor moderno,
consciente da contaminação incontornável entre as esferas literárias alta e baixa, oriunda
das influências dos novos meios de comunicação no campo da literatura.
O filme de Wagner de Assis, por sua vez, não percebe o dilema do conto nem o dilema do
cinema de seu tempo. As discussões do Cinema Novo e do Cinema da Retomada por
exemplo sequer são comentadas pelo diretor. Por exemplo, a opção por filmar adaptações
de obras literárias como recurso para driblar a censura durante a ditadura militar tomada por
cineastas como Nelson Pereira dos Santos, que adaptou “O alienista”,7 do mesmo Machado
de Assis, e Joaquim Pedro de Andrade,8 que adaptou Macunaíma, de Mário de Andrade.
Wagner de Assis buscou o verniz da alta literatura para um filme “global” ao adaptar “A
cartomante”. Ao misturar thriller romântico com sinais de filme autoral, produziu uma obra
inconsistente, por um lado, mas emblemática de uma marca muito nacional de nosso
arrivismo local, por outro lado. Solitariamente, sem pesquisa, sem diálogo com seus
predecessores, valendo-se de atores conhecidos, de um gênero rentável, buscou
reconhecimento e bilheteria como se estivesse seguindo as instruções do pai de Janjão, do
conto “A teoria do medalhão”.
Como recepção à obra machadiana, o filme revela o traço bacharelesco que segmentos
conservadores leem os textos do escritor carioca, relevando mais o aspecto tradicional e
superficial de sua obra; segmentos como os da Academia Brasileira de Letras, ou
segmentos ligados a certa tradição escolar, que o veem mais como totem de nossa literatura
e menos como autor de mil faces, irônico e crítico da sociedade brasileira e do homem em
geral. Nesse sentido, o filme faz recuar a leitura ou a visão de Machado para fins do século
XIX e início do XX, quando perdurava a visão do Machado ático, clássico e bem-
comportado. Do ponto de vista de nossa filmografia, a película representa a ligação entre o
cinema e a tevê brasileira, ou seja, a tentativa de levar para a tela técnicas e linguagens da
mídia televisiva como processo vinculado a nossa incipiente indústria midiática. Ligação
que ao mesmo tempo exibe a ausência de vínculo com a tradição cinematográfica nacional
propriamente dita. Tradição esta rica em adaptações literárias.
7 Azyllo muito louco, de 1969. 8 Macunaíma (1969)
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Referências bibliográficas
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Paulo: Martins Fontes, 2004.
ASSIS, Wagner de. A cartomante. Roteiro comentado. São Paulo: Imprensa Oficial, 2005.
FONSECA, Maria A. Fonseca. “A cartomante”: ciladas do conto. In: FANTINI, Marli.
Crônicas da antiga corte. Literatura e memória em Machado de Assis. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2008, p. 185-212.
HUPPES, Ivete. Melodrama: o gênero e sua permanência. São Paulo: Ateliê, 2000.
MEYER, Marlyse. As mil faces de um herói canalha e outros ensaios. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1998.
MEYER, Marlyse. Folhetim. Uma história. São Paulo: Cia. das Letras, 1996.
STAM, Robert. Teoria e prática da adaptação: Da fidelidade à intertextualidade. Ilha do
Desterro, Florianópolis, n. 51, p. 19-53, jul./dez. 2006.
VILLAÇA, Alcides. Machado de Assis, tradutor de si mesmo. Novos Estudos, n. 51, p. 3-
14, julho de 1998.
XAVIER, Ismail. Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no cinema. In:
PELEGRINI, Tânia et al. Literatura, cinema e televisão. São Paulo: Senac/Itaú Cultural,
2003, pp. 61-90.
Referência fílmica
A CARTOMANTE. Direção: Wagner de Assis e Pablo Uranga. Roteiro: Wagner de Assis.
São Paulo, 2004. 95 min. Color.