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INTRODUÇÃO
A palavra patrimônio é de origem latina e significa ‘herança paterna’. Com
o passar do tempo, seu significado foi alargado e passou a designar os conjuntos
de bens privados e públicos, empresariais, familiares e individuais. O
antropólogo José Reginaldo Gonçalves (GONÇALVES, 2003) afirma que a
palavra está entre as mais usadas no cotidiano e pode classificada ou dividida
em diversas categorias. São elas: móvel ou imóvel, arquitetônico, natural,
histórico, artístico, etnográfico, biológico, genético, ecológico, turístico, cultural,
tangível e intangível, entre outras.
Patrimônio tangível ou material são todos os objetos, obras de arte,
construções, vestígios ou evidências. Também, denominados “patrimônio de
pedra e cal”, o patrimônio intangível ou imaterial compreende as rezas, as festas,
as crenças, as músicas, danças, criações teatrais, romarias, além dos modos de
viver e fazer das comunidades. Embora esteja dotado de materialidade, o
patrimônio intangível não tem como foco o objeto, mas o conhecimento humano
e é expresso através dos sons, dos cheiros, da memória, da degustação e,
também da visão.
A Casa de José de Alencar está situada às margens da Avenida
Washington Soares, a principal ligação entre a capital e às praias do litoral leste.
Local de nascimento do escritor José de Alencar é um equipamento cultural da
Universidade Federal do Ceará desde 1964.
Embora tenha um pouco mais de cinquenta anos como equipamento
cultural, a história do Alagadiço Novo começa com a vinda da família Alencar
para a capital da província no início do século XIX. O terreno que, na época,
contava com mais de trinta hectares de extensão, abrigava várias construções,
entre elas a ‘casinha’1e o engenho de cana-de-açúcar2da família.
1Imóvel histórico remanescente da época de José de Alencar e sua família. Sua construção é
estimada entre os anos de 1820 e 1824.
2 O engenho, o primeiro a vapor da Província, contava com maquinário importado da França.
Projetado e construído por um engenheiro e um mestre de obras franceses, representou um
Em 1829, nasceu aquele que seria o mais ilustre membro da família
Alencar. No Alagadiço Novo, o menino Cazuza (apelido dado por sua mãe),
residiu durante a primeira década de vida. O pai do romancista, padre e
presidente da província, José Martiniano de Alencar, foi nomeado senador pelo
imperador D. Pedro I e a família passou a residir na cidade do Rio de Janeiro,
então capital do Império do Brasil. Na capital, Alencar cresceu, estudou e
produziu seus romances, entre eles, o mais famoso: Iracema, a virgem dos lábios
de mel.
Sobre o Alagadiço Novo, na ausência de seus proprietários, não foram
encontradas muitas informações. O que se sabe é que a fazenda foi
administrada por terceiros e para a propriedade retornou a filha caçula do
senador. Carolina Joaquina, também conhecida como D. Rolinha, casou-se com
um médico cearense e, depois de viúva, contraiu novas núpcias com um homem
bem mais jovem, Antônio de Barros. D. Rolinha viveu na propriedade até seu
falecimento, no início do século passado. Sem filhos, a irmã de José de Alencar,
deixou como único herdeiro o viúvo.
Na década de 1930, O Sr. Barros vendeu a ‘casinha’ para a prefeitura de
Fortaleza. Desde então foram tentados projetos de cunho educativo e cultural
para o imóvel. Projetos que, segundo informações coletadas em jornais,
esbarraram em dificuldades de infraestrutura e de acesso ao, então, distante
bairro de Messejana.
Quase três décadas e meia depois o imóvel foi tombado como Patrimônio
Público Federal. Em visita a Fortaleza, o General Humberto de Alencar Castelo
Branco visitou o terreno e providenciou o tombamento do imóvel entregando a
administração à Universidade do Ceará. Através de Castelo Branco foram
grande avanço na produção de aguardente, açúcar, melaço e outros produtos advindos do beneficiamento da cana.
adquiridos oito hectares no entorno da ‘casinha’ (o que incluía as ruínas do antigo
engenho) e foram iniciadas as obras da sede administrativa do equipamento.
A entrega do imóvel à Universidade aconteceu durante as comemorações
pela passagem da primeira década de criação da instituição, embora seu
documento oficial de criação seja datado de 1966.
Criada para ser um centro de memória do escritor José de Alencar e um
polo fomentador da literatura cearense (objetivos e missão expressos em seu
documento de criação - o Regulamento 166), A CJA, deveria manter em suas
dependências, um museu, uma biblioteca e uma pinacoteca com obras de e
sobre Alencar.
Com o passar dos anos apenas a pinacoteca saiu do papel. Na verdade,
a Casa, conta com duas pinacotecas. Duas salas com quadros inspirados nas
produções alencarinas. A sala mais antiga foi inaugurada em 1981 e leva o nome
do artista plástico maranhense, Floriano Teixeira.
Nascido em Cajapió, Maranhão, Floriano fez carreira no Ceará. Aqui
participou da Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP) e, entre outras
contribuições para a arte cearense, ajudou a criar o Museu de Arte da
Universidade do Ceará (MAUC). Em 1971, Antônio Martins Filho, criador e
primeiro reitor da UFC, encomendou ao artista cearense, parte das obras que
comporiam a pinacoteca.
Em 1981, Floriano compôs as outras obras e a sala com seu nome foi,
oficialmente, inaugurada. São, aproximadamente, trinta e seis óleos sobre tela,
desenhos à carvão e à grafite que narram cenas e personagens descritos em
romances, contos e peças teatrais de Alencar. Floriano faleceu em 2000, em
Salvador, capital baiana.
A segunda pinacoteca foi inaugurada em 2006. Composta por quarenta
desenhos à nanquim e um óleo sobre tela, a sala é dedicada ao romance
Iracema. As obras foram adquiridas junto ao artista cearense, Descartes
Gadelha.
Nascido na Fortaleza da década de 1940, Gadelha participou de inúmeros
salões de arte e é presença constante no Museu da Universidade, onde há uma
sala dedicada ao artista. Artista plástico e músico atuante, Descartes Gadelha,
continua produzindo. Além do trabalho como escultor, desenhista e pintor, é
fundador do Maracatu Solar e padrinho da Escola de Samba Unidos da Casa
Caiada (nome dado em alusão à ‘casinha’).
A biblioteca e o museu são compostos por acervos oriundos de outros
equipamentos. No caso da biblioteca, ela foi adquirida na década de 1980 e nela
estão os livros do acervo particular do escritor e bibliófilo cearense, Braga
Montenegro3. Após a morte de Braga Montenegro, a família do bibliófilo vendeu
os livros e as estantes confeccionadas por ele para a UFC. Inicialmente levada
para o Campus do Pici, a biblioteca foi transferida para o Alagadiço em 1981.
O museu é composto por peças que pertenceram ao extinto Instituto de
Antropologia da Universidade do Ceará (IAUC). O IAUC nasceu como serviço,
em 1957 e foi transformado em Instituto no seguinte. Foi extinto em 1969 e
durante o tempo de sua existência foi o responsável pela coordenação de
estudos cunho antropológico na área do semiárido nordestino. Esses estudos
tinham como objetivo o mapeamento do clima, da geografia e da população da
região, além do levantamento da cultura e da produção artesanal com o intuito
de auxiliar na criação de propostas de desenvolvimento econômico e social.
Idealizado e dirigido pelo engenheiro Thomaz Pompeu Sobrinho até 1967,
o IAUC, contava com um museu. Para ele foram adquiridas junto à Biblioteca
Nacional, o acervo do casal Arthur e Luíza Ramos e, no decorrer de sua
existência, acrescentadas as peças coletadas pelos pesquisadores do próprio
Instituto.
3Trata-se de uma biblioteca particular composta por assuntos e autores diversos. Nela
encontramos algumas raridades como as primeiras edições de livros de Machado de Assis e do próprio José de Alencar. Sem condições de funcionar, a biblioteca permaneceu fechada por algum tempo e, atualmente, embora ainda não realize empréstimos, conta com a presença de uma bibliotecária que atende no período da manhã. Todos os seus volumes estão na base de dados da UFC.
Alagoano da cidade de Pilar, Arthur Ramos, nasceu em 1903 e faleceu
em 1949. Psiquiatra, estudou na Faculdade de Medicina da Bahia onde se
formou em 1928. Ainda na Bahia, dirigiu o Instituto Nina Rodrigues4. No Instituto
entrou em contato com os estudos do, também, médico maranhense Raimundo
Nina Rodrigues, dele passando a se intitular discípulo.
O final do século XIX foi marcado pela emergência das teorias positivistas
e raciais. Teorias pautadas na ideia de civilização branca e europeia como ápice
da evolução humana, positivismo e racismo, classificavam como bárbaros
qualquer povo fora dos padrões eurocêntricos. No Brasil onde índios, negros e,
principalmente, mestiços somavam mais da metade dos habitantes, era
impossível crer que o país poderia ocupar um lugar entre as nações ditas
'civilizadas'.
A década de 1930 trouxe a mestiçagem para o centro das discussões e,
ao contrário do século anterior, os mestiços passaram a ser os grandes
representantes da Nação. Influenciados pelos artistas modernistas da década de
1920, intelectuais, como Arthur Ramos, começaram a pesquisar as expressões
populares.
Pesquisador interessado em diversos temas, o Dr. Ramos, notabilizou-se
pelas pesquisas acerca da presença negra no Brasil, sua influência em na
formação da cultura brasileira, principalmente, o papel das religiões de matriz
africana. Para levar a termo suas pesquisas, o médico, reuniu um acervo de
estudo que conta com quase trezentas peças. São instrumentos musicais,
estátuas, ervas e outros elementos ligados aos rituais de umbanda e candomblé.
4 O Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR) é o mais antigo dos cinco Institutos que
compõem a estrutura do Departamento de Polícia Técnica. Criado em 1905 pelo Prof. Oscar
Freire, recebeu o nome Nina Rodrigues da Congregação da Faculdade de Medicina da Bahia,
em homenagem ao Professor catedrático de Medicina-Legal, Raimundo Nina Rodrigues, falecido
naquele mesmo ano.
O IMLNR funcionou por mais de 60 anos junto ao prédio da tradicional Faculdade de Medicina
da Bahia, à época, localizada no Terreiro de Jesus. Fonte: http://www.dpt.ba.gov.br
Maria Luíza de Araújo Ramos, era professora de música. Casada com o
médico por mais de uma década, foi sua principal colaboradora. Conheceram-
se em 1934, quando ele reunia material para seu mais famoso livro: 'O Negro
Brasileiro”. Ela, viúva de Luciano Gallet, maestro e pesquisador de música
popular, cedeu o material de pesquisa do falecido marido (informação contida no
prefácio do livro O Negro Brasileiro).
Em 1936 casaram-se iniciando uma união e uma parceria que durou até
a morte precoce do antropólogo em 31 de outubro de 1949, em um hotel em
Paris. Em vários prefácios, Arthur Ramos, destaca a atuação da esposa.
Segundo ele, a Sra. Ramos, era responsável por datilografar, levantar
bibliografia, traduzir textos, fazer fichamentos, compilar dados estatísticos, entre
outras tarefas.
Além do auxílio ao marido, a professora também atuou como
pesquisadora. Colecionadora de rendas desde a infância, uniu a paixão pelo
objeto colecionado e o interesse acadêmico ao contrair núpcias com o
antropólogo. Auxiliada pelo marido, elaborou questionários, coletou amostras de
rendas e outros elementos ligados à produção do referido artesanato, levantou
e analisou dados, reunindo um material que resultou na publicação: A renda de
bilros e sua aculturação no Brasil. Depois da morte do marido, D. Luíza, retornou
ao Brasil e, em 1952 vendeu para a Biblioteca Nacional (BN), as peças de
pesquisa do casal, o arquivo particular, a discoteca, e a biblioteca do falecido
marido.
Em 1957, foi criado o Serviço de Antropologia da Universidade do Ceará
(SAUC) que, em 1960, passou a ser Instituto (IAUC). Equipamento de pesquisa
responsável pelo mapeamento histórico, social e antropológico da região do
semiárido nordestino, o SAUC/IAUC, tinha como missão a formação de
pesquisadores aptos a desenvolver projetos de pesquisa voltados para o
semiárido e, seu objetivo principal era dar suporte às propostas de
desenvolvimento para a região.
Idealizado e dirigido até 1967, pelo engenheiro e ex-diretor do
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), Thomaz Pompeu
Sobrinho, o IAUC contou com o apoio do fundador e Reitor da UC, Antônio
Martins Filho. Para compor o IAUC foram convidados alguns professores como
o jovem antropólogo Francisco Alencar. Aluno egresso dos cursos do Museu
Nacional, Francisco Alencar, relata ter sido o responsável não apenas pela
redação do Estatuto do SAUC, mas de sua montagem, incluindo a negociação
do acervo do casal Ramos junto à BN.
No Ceará, as peças foram recebidas pela conservadora (e a partir de 1981
professora do Departamento de História), Valdelice Girão. Responsável pela
higienização, catalogação e acondicionamento do acervo, a conservadora,
atuou, também, como pesquisadora. Pautando-se no material de pesquisa do
casal Ramos, entrevistou diversas rendeiras, observando e descrevendo
detalhadamente o processo produtivo. As duas coleções e todo o trabalho de
catalogação e pesquisa da historiadora podem ser vistos no catálogo A Renda
de Bilros. Publicado em 1981 e reeditado em 2014, contém imagens e descrições
técnicas pormenorizadas.
Além das rendas, outros objetos também foram adquiridos pelos
pesquisadores. Todos os objetos estão ligados às diversas pesquisas realizadas
no Instituto. Eram pesquisas sobre a pesca, o artesanato e outras atividades
desenvolvidas no Estado do Ceará e em áreas limítrofes.
O IAUC existiu até 1969 esua extinção deu origem ao curso de Ciências
Sociais e Filosofia. A partir do ano de 1969, o museu, passou por várias sedes,
fechou as portas, entre os anos de 1974 e 1979 e, finalmente, em 1981, foi
enviado para a Casa de José de Alencar onde permanece até hoje.
Atualmente, além das peças do extinto IAUC e dos quadros expostos nas
duas pinacotecas, a CJA, conta com uma coleção arqueológica. A coleção é
formada pelas peças retiradas do engenho do Senador Alencar. Construído pelo
pai do escritor, o engenho passou por uma prospecção coordenada pelo
professor Marcos Albuquerque da Universidade Federal de Pernambuco no ano
2000.
O material foi guardado na reserva técnica da Casa de José de Alencar e
parte dele foi exposto em uma sala do museu. A sala reúne, além das peças do
antigo engenho, fotografias, cartazes e outros documentos que permitem contar
a trajetória da CJA.
Em 2004 ingressei na Universidade Federal do Ceará para trabalhar no
Museu de Arte da UFC (MAUC). Lotada no Instituto de Cultura e Arte (ICA), fui
convidada a realizar um inventário do acervo museológico. O inventário era parte
de um projeto de recuperação da Casa de José de Alencar e previa, além do
levantamento do acervo, a continuidade das obras de conservação nas ruínas
do engenho e outras ações estruturais, educativas e culturais cujo objetivo era
recuperar o Alagadiço Novo.
Ao iniciar a coleta dos dados para o levantamento do acervo, encontramos
dificuldade em mapear informações relacioandas não apenas ao acervo
museológico, mas à história da Casa de José de Alencar. O inventário só foi
possível graças a ajuda dos demais servidores. Foram as memórias dos colegas
que permitiram reunir documentos dispersos dentro da CJA, percorrer
departamentos da UFC, conversar com pessoas e buscar informações que
ajudaram, e continuam ajudando, a elucidar diversas perguntas acerca do
equipamento e seu eclético acervo.
Os relatos dos servidores deram um norte à equipe formada por mim e
dois bolsistas. Em 2009, convidamos os cinco servidores mais antigos para
registrar seus depoimentos em vídeo, transcrever e utilizar o material como fonte
de pesquisa. Os servidores escolhidos ingressaram na CJA entre os anos de
1977 e 1982. Através do projeto intitulado: A trajetória da Casa de José de
Alencar através das memórias de seus servidores mais antigos, obtivemos apoio
da UFC, que remunerou os bolsistas e da direção da CJA que disponibilizou a
câmera, scanner e o computador para a captação das imagens e para as
transcrições.
José do Carmo Rodrigues, Maria Elsanira Máximo de Oliveira, Vera Maria
Barros da Silva, José Maria Silvestre Farias e Tereza Lúcia Maia de Oliveira,
foram os servidores escolhidos. Durante meses coletamos seus depoimentos e
transcrevemos. Os relatos forneceram elementos que ajudaram a compreender
a trajetória da CJA enquanto equipamento cultural Federal, auxiliando em nossa
pesquisa interna e fornecendo informações capazes de auxiliar na elaboração
de monografia (2010), dissertação (2014) e artigo (2016), além de outros
resultados como uma palestra com os cinco servidores, a museóloga que
coordenou as entrevistas e o administrador e historiador, Frederico Andrade
Pontes, atual diretor do equipamento.
A palestra foi parte da programação da Semana de Museus de 2011 o
evento tivemos a oportunidade de exibir as imagens dos colegas. Evento anual
promovido pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), a Semana de Museus
que acontece na semana do dia 18 de maio (dia dos museus) e todo ano tem
um tema diferente. Em 2011 o tema foi Museu e Memória.
CASA DE JOSÉ DE ALENCAR PARA ALÉM DA PEDRA E CAL
Pedra e cal são termos utilizados para designar o patrimônio material,
notadamente, os imóveis onde residiram nobres, políticos, intelectuais e outras
figuras notáveis ligadas à elite política, financeira e intelectual do Brasil. Crítica
a excessiva materialidade das políticas patrimoniais dos primeiros anos e da
representatividade relacionada aos grupos hegemônicos, a denominação pedra
e cal, demonstra a seletividade da imagem oficial que se pretendia criar do país,
pois ficaram de fora casas simples, objetos de uso cotidiano da população da ou
qualquer elemento referente ao habitante mais simples do campo e da cidade.
Em Para além da pedra e cal: por uma concepção ampla do patrimônio
cultural (FONSECA: 2003), assinala que a expressão ‘patrimônio histórico e
artístico’ evoca entre as pessoas uma imagem de ‘um conjunto de monumentos
que devemos preservar, ou porque constituem obras de arte excepcionais, ou
por terem sido palco de eventos marcantes’ (p. 57). Uma imagem que, segundo
Fonseca, está longe de refletir a diversidade, as tensões e os conflitos que
marcam a produção cultural do Brasil, mais nitidamente a atual, mas também a
do passado.
Citando como exemplo as imagens evocadas pela Praça XV, no centro do
Rio de Janeiro, a autora ressalta que o Paço Imperial e a Igreja do Carmo, antiga
catedral, não representam toda a pluralidade da capital fluminense. Evocando
as imagens do poder hegemônico representado pelo tanto pelo poder da família
real/imperial quanto da igreja católica, os edifícios não registram a presença dos
escravos, dos mercadores e de toda a sociedade complexa e multifacetada que
por ali circulava. Foram os estrangeiros que, sem o compromisso de promover
uma imagem ideal, em moldes europeus, registraram, em imagens, o que lhes
parecia peculiar, ‘e próprio daquelas terras que costumava “incluir” na paisagem
os “excluídos”, não apenas daqueles espaços que também ocupavam, mas da
memória coletiva” (p.57).
Normalmente destinados a funções educativas, burocráticas ou culturais,
os edifícios tombados são franqueados à população (caso da Casa de José de
Alencar) tornando-se parte da rotina da cidade ou do bairro. Locais de trabalho
e estudo ligados à educação, cultura ou segurança, esses lugares são o que o
historiador Pierre Nora chamou de ‘lugares de memória’. Criados para exaltar
figuras expoentes nacionais ou locais, para marcar fatos considerados
relevantes para a nação, os monumentos, podem ser reinterpretados por seus
usuários; aqueles que transitam ou trabalham em suas dependências esporádica
ou diariamente.
Alguns autores diferenciam memória e história definindo memória como
um fenômeno atual e inconsciente dela mesma. Poderosa e autoritária ou
absoluta, tem como principal forma de expressão a oralidade. Já a história é
conceituada como uma representação do passado. É consciente, racional e
relativa se expressa através da escrita.
Jacques Le Goff afirma que memória e passado são objetos da história e
motores para seu desenvolvimento. Segundo este autor, a memória é
indispensável para a constituição da história oral e integra-se à história geral.
Pode ser não ser um dado preciso, mas possuir dados que, às vezes, o
documento escrito não tem. Se impõe como primordial para o estudo do tempo
presente e, através dela, podemos conhecer sonhos, anseios, crenças e
lembranças do passado de pessoas anônimas, simples, sem nenhum status
político ou econômico, mas que viveram os acontecimentos de sua época.
OS NARRADORES DA CASA DE JOSÉ DE ALENCAR
No filme Os narradores de Javé de 2003. A diretora Eliane Café conta a
história do Vale de Javé. Cidade fictícia, que será inundada por uma barragem,
Javé não conta com qualquer registro escrito ou iconográfico que façam
referência a fundação, fatos e personagens históricos da cidade. Com uma
população majoritariamente analfabeta, os habitantes são avisados que a única
chance de impedir a inundação e comprovar a importância histórica do
município.
Encontrar quem escrevesse o documento histórico tornou-se um
problema. A solução encontrada foi chamar o antigo carteiro da extinta agência
dos correios. O escolhido foi o inimigo número um da cidade, Antônio Biá. Na
tentativa de aumentar o fluxo de correspondências, evitando o fechamento da
agência e a consequente perda do emprego, Biá, escreveu cartas com conteúdo
difamatório a respeito dos moradores de Javé, para seus familiares, amigos e
conhecidos residentes em outras cidades. Criou uma verdadeira corrente de
fofocas e difamações que movimentaram a agência, mas não evitaram o
fechamento do posto.
Com a incumbência de coletar as narrativas dos moradores para escrever
o livro histórico da cidade, Biá, conversou com cada um dos moradores e
percebeu as múltiplas narrativas acerca do mesmo fato. Depois de ouvir muitas
histórias e conhecer as fantasias e as memórias do povo de Javé, o ex-carteiro,
percebeu a dificuldade de colocar no papel as histórias do povo. Em uma
narrativa bem-humorada, o filme, mostra elementos como: a oposição entre
história e memória, heranças históricas, verdade e invenção, a formação cultural
do povo, a importância da oralidade na construção científica, a dimensão da
escrita e da fala, além do confronto entre o progresso e as tradições do vilarejo.
Histórias tão plurais e, às vezes, inventadas que revelavam a riqueza da
formação cultural do povo, mas que não contribuíram para a elaboração do
documento que poderia evitar que Javé fosse tragada pelo progresso. Sem
poder contar com outras fontes de pesquisa, Biá, não escreve o livro e a cidade
é inundada.
Segundo Maurice Halbwachs a história oral, cujas fontes são a memória
e a oralidade, é uma história do tempo presente, pois todo relato, mesmo que
faça referência ao passado é narrado a partir das memórias evocadas no tempo
presente. Assinala Halbwachs que, assim como qualquer documento, a fonte
oral é passível de manipulação e comporta lembranças, esquecimentos e
silêncios. Apesar de ser uma narrativa individual, expressa códigos, formas de
viver, pensar e agir do grupo ao qual pertence o narrador, expressando conceitos
e valores da memória coletiva.
Ao contrário do filme, a CJA, possui toda a documentação que
comprovam que o terreno e os imóveis nele existentes são propriedades da
União. Registrada em livro de tombo, a ‘casinha’ possui sua certidão oficial de
Patrimônio Público Federal e, nem ela nem os demais imóveis e objetos correm
riscos de desaparecer para dar lugar a uma barragem, qualquer outro
empreendimento ou ação considerados ameaçadores ao patrimônio.
Nossos narradores são alfabetizados e não coube a equipe de pesquisa
criar uma história ou um documento que provasse a importância da CJA. Os
fatos narrados foram alvo de pesquisa prévia e de coleta de fontes escritas e
iconográficas, além de levantamentos em outros equipamentos como o Museu
de Arte da UFC e a hemeroteca da Biblioteca Dolor Barreira. Com o objetivo de
preencher as possíveis lacunas deixadas pela documentação escrita,
comparando, não apenas as fontes orais e as escritas, mas as cinco narrativas,
para corrigir possíveis enganos, resolvemos registrar esses depoimentos,
disponibilizando-os para futuras pesquisas.
No caso da Casa de José de Alencar, os 'narradores' são os cinco
servidores técnico administrativos mais antigos do equipamento. Uma memória
registrada a partir da identidade laboral, que não apenas ajuda na composição
de uma história patrimonial, mas a compreender relações institucionais; com a
chefia, os colegas e os usuários do equipamento. Permite, também perceber as
trajetórias de vida a partir da identidade 'servidor técnico administrativo' e
como as memórias laborais são permeadas de outras memórias e identidades:
familiares, afetivas, escolares, etc.
O primeiro servidor entrevistado foi José do Carmo Rodrigues. Nascido
em Beberibe no ano de 1956 'Zé do Carmo' ou 'Tio zé', ingressou na Casa de
José de Alencar em 1977, na direção de Francisco Paiva de Azevedo. É o mais
antigo em atividade.
Na tarde do dia 29 de junho de 2009. Nos reunimos, eu – Márcia Pereira
de Oliveira e os bolsistas: Atila Saraiva, Tales Maciel e Amanda Duarte, na
Biblioteca Braga Montenegro para conversar com Zé do Carmo. Durante
quarenta minutos, ele nos relatou sua chegada em Fortaleza e seu ingresso na
firma de limpeza terceirizada. Foi incorporado aos quadros da Universidade em
1983.
Apesar de trabalhar na zeladoria do prédio, Zé do Carmo é registrado
como jardineiro e relata que desempenhou outras atividades como: atendente e
cozinheiro no restaurante. Atualmente, além de cuidar do prédio, ele auxilia os
mediadores culturais no atendimento em dias de movimento mais intenso.
Dono de uma memória prodigiosa, falante e extremamente simpático,
além de ótimo narrador, Zé do Carmo, falou sobre os eventos e as festas que
aconteceram na CJA, especialmente, as festas de São Gonçalo, ainda na gestão
de Francisco Paiva de Azevedo (Seu Paiva), as quartas culturais e as festas de
São João promovidas por Romeu Cysne Prado (Seu Romeu)
Segundo o servidor, a Casa ficava cheia de ônibus das agências de
viagens, que traziam turistas de outros estados. Época de intenso movimento, a
CJA, estava no roteiro oficial das agências e os eventos contavam com a
presença de artistas como Patativa do Assaré e Banda Cabaçal, além de
artesãos que vendiam suas produções: rendas, cerâmica, couro e outros
produtos apreciados pela indústria do turismo. Nos eventos também era possível
saborear o baião de dois, cuscuz, tapioca e outras iguarias da culinária cearense.
Na mesma biblioteca entrevistamos a servidora Vera Maria Barros da
Silva. Natural de Fortaleza, ingressou na CJA em 1980. Diarista, foi chamada
para fazer um ‘bico’ (extra) de uma semana na Casa de José de Alencar e
acabou contratada pela empresa terceirizada.
Desde 1983 é servidora técnica administrativa. Durante esse tempo
trabalhou no restaurante, foi responsável pela limpeza do equipamento e
assistência aos hóspedes (era comum a CJA hospedar professores, artistas e
grupos de participantes das atividades culturais e acadêmicas desenvolvidas na
Casa). Trabalhou nos encontros culturais e nas festas juninas. Ainda dentro de
suas funções, auxiliou no translado das peças do extinto IAUC e da Biblioteca
do Reitor Antônio Martins Filho.
Em sua fala, a servidora, destaca o viveiro de aves, as redes embaixo das
árvores, o açude, os móveis que ficavam na casinha e hoje estão na reserva e
as salas que foram mudadas, entre outros detalhes.
Indo além das funções exigidas pelo cargo, Vera Maria, foi um importante
apoio a partir de 2004, auxiliando na higienização, organização e
acondicionamento do acervo da reserva técnica e das áreas de exposição. Sua
atuação foi de extrema importância, também, para a localização e organização
de documentos dispersos e outras informações ligadas ao mapeamento do
acervo.
Maria Elsanira Máximo de Oliveira foi entrevistada na reserva técnica na
tarde do dia 15 de maio de 2009. Ingressou na CJA em outubro de 1981, aos
vinte anos de idade. Aluna do Instituto de Educação, ingressou como bolsista,
sendo em seguida contratada por uma empresa terceirizada para trabalhar como
atendente de turismo. Atividade na qual permaneceu até o ano de 1997, quando
passou a ser secretária, cargo que ocupa até hoje.
A secretária relata que, assim como os demais servidores, ela atuava no
restaurante e em outras atividades durante os encontros culturais e nas festas
juninas. Nesses períodos era comum trabalhar na cozinha, no atendimento e na
venda de ingressos. Eventos promovidos na administração de Romeu Cysne
Prado (1987-1998), as festas e eventos culturais, tinham entrada paga, e eram
uma forma de angariar recursos para pequenos reparos e obras menos
complexas, como a construção do muro que hoje cerca a Casa de José de
Alencar. Serviam também, para a compra de insumos como papel, caneta e
outros materiais de uso cotidiano.
Elsanira fala com emoção da Casa: da tristeza nos momentos difíceis e a
alegria em ver a recuperação do equipamento. A emoção da servidora foi
registrada por uma repórter do Diário do Nordeste. Em 2006, durante uma
entrevista com a, então, diretora Angela Gutierrez, percebeu que a secretária
chorava de emoção por presenciar a restauração da casinha e a recuperação do
equipamento como um todo.
Ao perceber o choro da servidora, a repórter se interessou em saber o
porquê das lágrimas. Ao que Elsanira respondeu: “(...) eu quero primeiro que
valorize aqui. Porque sem isso aqui, eu não ‘taria’ aqui, na CJA se a Casa não
existisse” .
O quarto servidor foi José Maria Silvestre Farias. O mais velho entre todos
os entrevistados e o único aposentado (2014), ‘Zé Maria’, nasceu na cidade de
Aracati em janeiro de 1944. Único a escolher seu local de entrevista (todos
puderam escolher, mas apenas Zé Maria o fez), Zé Maria foi entrevistado em 29
de maio de 2009. Contou ter ido morar em Messejana aos oito anos de idade.
Residindo próximo à ‘casinha’ e nos arredores do que viria a ser o equipamento
cultural Casa de José de Alencar, Zé Maria, conheceu ocupantes do terreno e
viu as paredes do engenho ainda de pé.
Falou da vida no interior, da mudança para a cidade e seu cotidiano em
Messejana. Relatou ter trabalhado na construção da sede administrativa durante
o ano de 1966. Em 1983, trabalhou por seis meses em uma firma terceirizada
que prestava serviço para a Universidade. Levado por um primo ele foi
contratado como jardineiro, cargo que ocupou até se aposentar.
A narrativa de Zé Maria extrapolou os limites espaço/tempo. Sem
obedecer aos parâmetros sugeridos (o tempo de trabalho e o espaço CJA), o
servidor, falou das relações com o local, os colegas de trabalho e a chefia.
Estendeu sua narrativa até o Sr. Antônio de Barros e a irmã de José de Alencar
e descreveu lojas e casas de show existentes nos arredores da Casa.
Único trabalhador da parte externa a ser entrevistado, Zé Maria,
demonstrou uma relação estreita com a fauna e a flora existentes no Alagadiço
Novo. As perguntas a ele dirigidas foram reestruturadas no momento da
entrevista, pois mostrava-se mais à vontade em descrever o plantas e animais
do que eventos.
Descreveu o Bosque da Jurema e as plantas nela existentes, assim como
os demais vegetais dispersos pelo Sítio. Demonstrou conhecer as ervas,
narrando quais as venenosas e quais podem ser usadas como remédio. Muito à
vontade, falou sobre as frutas cobras, teiús e guaxinins que habitam a área.
Em todas as entrevistas solicitamos aos colegas que nos dissessem qual
seu local favorito. O único a indicar esse lugar foi José Maria. Ao ser questionado
ele nos pediu que o seguíssemos e nos levou a um passeio entre as plantas, nos
mostrou e descreveu cada uma das árvores e cada uma das plantas rasteiras.
Mais do que informar, José Maria, nos fez lembrar que patrimônio não é apenas
o que está dentro da sede administrativa, mas o que está fora.
Quinta e última entrevistada, Tereza Lúcia de Oliveira Maia, nasceu em
Fortaleza no ano de 1965 e, assim como sua família reside em Messejana. Por
causa de problemas com a qualidade do som e da imagem, tivemos que gravar
dois depoimentos de Tereza.
No dia 12 de junho de 2009, gravamos o primeiro CD e um mês depois
gravamos o segundo. As duas entrevistas aconteceram na parte da tarde. Para
conversar com Tereza, escolhemos a área da entrada da sede administrativa.
Nas imagens conseguimos captar a casinha e parte da área verde.
Definindo a Casa como o local que guarda toda sua vida, relata que o avô
dizia ter conhecido D. Carolina Joaquina ou D. Rolinha e, que eram comuns, as
broncas da irmã de José de Alencar com as crianças que entravam na
propriedade para se banhar em um córrego. Relatos que Tereza nunca pode
comprovar, mas que passou a infância inteira ouvindo e mesmo inventados,
demonstram a relação estreita e familiar da depoente com o equipamento.
Tereza contou que chegou ao Alagadiço Novo em 1981 como bolsista,
foi contratada por uma firma terceirizada e foi incorporada ao serviço público
Federal em 1983. Assim como Maria Elsanira, era aluna do segundo grau (atual
ensino médio) do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará (CEFET)
e, ao ingressar fez um curso sobre conservação de acervos com a professora e
conservadora do IAUC, Valdelice Carneiro Girão e com o museólogo e professor
Alfredo Dunas de Sá Pessoa.
Trabalhou no museu com Valdelice até 1986, e lá verificava a existência
de fungos e parasitas nas peças. Cuidou da exposição e auxiliou pesquisador
Raul Lody que, no ano de 1983, pesquisou o acervo e elaborou o catálogo Arthur
Ramos, o mais recente entre todos os catálogos até o momento.
Sua atuação não ficou restrita ao museu, pois Tereza, também, trabalhou
com a identificação e catalogação dos livros da Biblioteca Braga Montenegro.
Segundo ela, os livros recebiam os carimbos da Universidade, sendo
incorporados ao acervo do equipamento.
Destaca a mudança de horário implementada por Romeu Cysne Prado,
pois com o antecessor, Wilson Fernandes, o horário de funcionamento da Casa
era o mesmo de outros museus: de terça a domingo em dois turnos. Com Cysne
Prado, passou a ser de segunda a segunda. Aos fins de semana havia uma
escala diferenciada, os servidores se alternavam aos sábados e a servidora Ana
Maria trabalhava aos domingos.
Pedagoga, trabalha atualmente na mediação cultural e, unindo a teoria à
prática, Tereza, ressalta o ecletismo do público, o desafio de lidar com essas
diferenças e destaca a necessidade de treinamento e da elaboração de ações
educativas que possam contemplar, especialmente, o público escolar.
Na dedada de 1990, Tereza, foi responsável pela conservação do prédio
e ressalta as peculiaridades da manutenção de um monumento histórico ligado
a uma Universidade pública. Segundo Tereza, essa não é uma tarefa simples
como a manutenção de uma residência ou mesmo de uma empresa privada.
Uma instituição pública está ligada a uma estrutura complexa. Obras,
consertos e aquisição de materiais estão sujeitos aos trâmites burocráticos do
poder público. Uma manutenção adequada do equipamento não depende
apenas da vontade ou da capacidade de seus gestores imediatos ou servidores,
mas da administração superior e, principalmente, das políticas para a educação
e a cultura. A servidora relata que entre os anos de 1996 e 2004, a CJA, viveu
um período de esquecimento. Assinala que: “(...) todo o nosso trabalho foi por
água abaixo, foi quebrando e não foi substituindo”.
A mudança das políticas federais em relação às universidades, trouxeram
novos rumos ao equipamento. De 2004 para cá, a sede administrativa foi
recuperada, a casinha foi restaurada, equipes de manutenção trabalham na
poda de árvores e na retirada do mato e ervas daninhas e o restaurante (fechado
por mais de dez anos) voltou a funcionar.
Ao fim da entrevista perguntamos para Tereza o que a CJA significa para
ela. Ela respondeu que não é apenas o trabalho dela, mas a vida toda dela está
aqui dentro. Diz Tereza: “(...) já tô aqui desde os 18 anos. Acho que mesmo
depois de me aposentar, eu vou procurar alguma coisa por aqui”
Dizendo sentir-se em casa, Tereza ressalta:
“(...), quando venho pra cá eu não posso dizer que vou trabalhar, eu venho pra casa também, porque eu curto muito aqui. Eu gosto, eu quero que isso aqui vá muito à frente. Às vezes eu me irrito com o descaso de quem pode fazer alguma coisa e não faz” (OLIVEIRA, 2009, p. 15).
Continua a servidora:
“Eu gosto dessa Casa. Gosto de fazer com que ela continue assim. Quero ajudar, mas meu objetivo é esse. É que a Casa continue exercendo o papel dela, (...), garantir que as futuras gerações conheçam José de Alencar” (OLIVEIRA, 2009, p. 15).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um artigo é muito pouco para descrever a riqueza de detalhes de cada
entrevista. Mais do que mapear o patrimônio, tivemos a oportunidade de
conhecer cada servidor, através dos olhares que cada um tem do local de
trabalho e das atividades que desempenha. É importante ressaltar que, ao
coletar os depoimentos conseguimos observar como o trabalhador se vê dentro
do equipamento, qual o grau de satisfação ou insatisfação de cada um, e os
problemas e soluções encontrados em cada momento. Acima de tudo foi tocante
perceber a emoção de cada colega ao relatar sua trajetória e, notadamente, ao
definir o que a casa significa para eles.
As definições de Tereza estão transcritas acima. Assim como a mediadora
cultural, os demais entrevistados, definem o que a CJA representa. Uma
definição muito parecida com a de Tereza é a de Maria Elsanira, para ela é
“tudo”, além do lugar onde trabalha e no qual pretende permanecer após a
aposentadoria, é o lugar em que conheceu a literatura alencarina e escritores
como Jorge Amado e Rachel de Queiróz. Para o simpático, Zé do Carmo, é o
local onde ele fez e faz muitas amizades. O jardineiro e conhecedor de plantas,
Zé Maria define como: “lugar que a gente chega e não fica preso, apertado” e
para a mãe de família, Vera Maria, é lugar no qual ela chegou e conseguiu criar
seus cinco filhos.
É nossa intenção continuar a coletar depoimentos, não apenas dos
servidores ativos, mas dos inativos, além dos ex-diretores. Apesar de já termos
coletado depoimentos de quatro dos ex-diretores é nossa meta fazer um trabalho
mais apurado, com equipamentos mais sofisticados e com uma produção mais
adequada. No entanto, o trabalho realizado até agora, foi proveitoso e um
importante auxílio para a pesquisa.
A pesquisa iniciada com o intuito de coletar informações acerca da Casa
de José de Alencar e preencher possíveis lacunas deixadas pela documentação
escrita, foi muito além das expectativas iniciais. As coletas de depoimentos
auxiliaram na elaboração de trabalhos acadêmicos e foi tema da Semana de
Museus.
As entrevistas também permitem observar as múltiplas relações com o
patrimônio edificado. Ajudando a perceber que, patrimônio, não é somente o que
está oficialmente instituído (caso da CJA), mas os significados dados pela
comunidade e por todos os que frequentam o local.
No caso da CJA, nota-se que os servidores têm uma relação de carinho
e cuidado com o equipamento. Para eles, não apenas o edifício, mas plantas,
animais, todo o conjunto do entorno do Alagadiço Novo e, mesmo a avenida, as
construções externas e toda a vida que transita nos arredores do Sítio, fazem
parte de um conjunto que ajudam a formar aquilo que chamamos de Patrimônio
Histórico.
Fontes
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letras de músicas e documentos diversos.
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_____. Relatório Geral do Museu Antropológico do Instituto de Antropologia da
Universidade do Ceará. Fortaleza: Universidade do Ceará. 1965.
_____. Relatório Geral do Museu Antropológico do Instituto de Antropologia da
Universidade do Ceará. Fortaleza: Universidade do Ceará. 1966.
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Universidade do Ceará. Fortaleza: Universidade do Ceará. 1967.
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Universidade do Ceará. Fortaleza: Universidade do Ceará. 1968.
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da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará.
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Universidade Federal do Ceará. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará.
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