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INTRODUÇÃO A UMA ECONOMIA BASEADA EM RECURSOS

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“Os velhos apelos para intolerância sexual, racial e religiosa, e aos fervores nacionalistas, estão começando a não mais funcionar. Uma nova consciência está surgindo que vê a Terra como

um único organismo, e reconhece que um organismo em guerra contra si mesmo está condenado. Somos UM PLANETA”.

- Carl Sagan

"A tremenda aceleração do desenvolvimento da ciência e tecnologia não foi acompanhada por um desenvolvimento igual na vida social, econômica e política [...] Estamos agora apenas começando a explorar as potencialidades ofertadas pela evolução da nossa cultura com

tecnologia, especialmente na área social. É seguro prever que essas invenções sociais como o moderno capitalismo, o fascismo e o comunismo serão consideradas como experiências

primitivas voltadas para o ajuste da sociedade moderna à tecnologia moderna”.

- Dr. Ralph Linton.

"O aspecto sinergético da indústria está fazendo cada vez mais o trabalho com cada vez menos investimento de tempo e energia por cada unidade de desempenho, fato que nunca foi

formalmente contabilizado como um ganho de terreno pela sociedade de capital. A eficácia sinérgica de um mundo inserido em um processo industrial integrado é inerentemente muito

maior do que o efeito sinérgico confinado de sistemas separados operacionais. Então, só a completa superação das soberanias nacionais pode permitir a realização de um conjunto

elevado de suporte padrão da humanidade”.

- Richard Buckminster Fuller.

Hoje, todo ser humano vivo pode ter sua linhagem rastreada para uma única mulher, uma ancestral comum a todos os homo sapiens, que viveu na África em torno de 200 mil anos atrás. “Eva mitocondrial” é como os cientistas poeticamente a apelidaram. É a prova que somos sem

dúvida, uma mesma família, e estamos compartilhando o mesmo planeta (ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Eva_mitocondrial).

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Visão global

Toda sociedade contemporânea é essencialmente administrada por indivíduos ou grupos, dentro das arenas da política ou dos negócios. E quando algo de errado ocorre no nível social, há uma tendência de um grupo ou subgrupo simplesmente impor a culpa sobre o outro: os de esquerda culparão os de direita, os conservadores culparão os liberais, uma nova administração culpará a antiga administração, os empresários culparão políticos, etc. No entanto, pouco se escuta a respeito do sistema socioeconômico em si, a economia monetária de livre mercado que compartilhamos. O sistema que controla nossas vidas parece ser pressuposto pela maioria, com pouca ou nenhuma alternativa, sequer questionamento, para a atual metodologia de competição, trabalho por renda, interesse próprio como motivador principal, e acima de tudo, escassez. E se, por acaso, justamente o jogo que jogamos for de fato o problema? E se, talvez, os numerosos problemas na ponta da língua de todos hoje não possuírem possibilidade de resolução de longo prazo dentro do sistema socioeconômico que utilizamos? Um sistema de séculos, senão milênios de idade, que continuamos a adotar sem questionamento. Nesse aspecto estamos parados no tempo, nosso sistema social não tem acompanhado as profundas mudanças técnicas e científicas crescentes, e aqui trataremos de uma nova organização social que busca atualizar a sociedade de acordo com o estado presente de nossas capacidades tecnológicas.

Vejamos um exemplo de como a causa de problemas pode ser sistêmica, seja porque esse sistema operacional esteja inadequado, ineficiente ou desatualizado, ao invés da visão amplamente defendida hoje de que a causa raiz dos problemas é questão simplesmente de práticas ruins de governo, leis insuficientes ou corrupção e desonestidade: suponhamos uma sala com 10 pessoas. Elas vão conviver durante um ano nessa sala, e a única forma de ganharem subsistência e todas outras necessidades será dependente de seu desempenho em um jogo de cartas, não importa qual jogo na verdade, poderia ser o “truco”, ou melhor, o Pôquer, por exemplo. Naturalmente, nem todos são iguais em suas capacidades, e constata-se que alguns jogadores são melhores do que outros. Portanto, enquanto digamos, 3 pessoas das 10 estão se saindo muito bem e ganhando os recursos necessários para viver com conforto, as outras estão cada vez com mais dificuldades, menos recursos e certamente, problemas de autoestima, com tal sofrimento e privação provavelmente inibindo o próprio desempenho no jogo. Eventualmente, antes de um ano, alguns vencedores terão acumulado mais do que o necessário para suas necessidades enquanto outros estarão doentes ou morrendo, talvez até oferecendo trabalhar para os mais bem sucedidos, em troca de comida provavelmente. Que tal colocarmos os vencedores em um pedestal, nas capas de revistas e mídia em geral, enquanto os outros passam por privação severa e sofrimento, além de serem associados à ideia de “fracasso”? E a pergunta recorrente, qual foi a causa raiz? Foram as pessoas que apresentaram falhas de comportamento inerentes, ou as próprias regras do jogo materializaram-se em consequências destrutivas? De onde toda essa ebulição de conflito, essa teia de insegurança de fato emergiu? É importante notar que ninguém coagiu os outros na sala, ninguém foi violento, antiético ou desonesto para com os demais, mas simplesmente por razão dos desdobramentos de ações no jogo e pelo fato de haver perdedores e vencedores criou-se desequilíbrio, uma progressão natural de um sistema competitivo.

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O objetivo do atual ensaio será o de delinear a linha de raciocínio básica que nos faz chegar a um modelo socioeconômico inteiramente novo, conhecido como Economia Baseada em Recursos, ou EBR, ou Economia de Lei Natural, que não se baseia no mecanismo de preços, competição ou na circulação de dinheiro, mas ao invés disso, concentra-se na administração eficiente dos recursos da Terra, através de inferência direta do mundo físico. Um sistema em que orçamentos não mais ditam a velocidade do progresso, mas sim a própria capacidade da Terra. Esse conceito foi idealizado pelo engenheiro industrial Jacque Fresco, hoje com 97 anos de idade, criador do Projeto Venus (ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jacque_Fresco). Ele entendeu desde 1930, vivendo a grande depressão, que a humanidade já estava em rota de colisão com a natureza, quando passávamos por sérias dificuldades de emprego e estagnação econômica, apesar de todos os recursos não terem sido alterados, o planeta era ainda repleto de recursos, pessoas ainda precisavam trabalhar e fábricas ainda podiam operar. Logo veio a 2ª Guerra Mundial, e Jacque calculou que os recursos usados para essa guerra poderiam ter sido usados para construir hospitais, laboratórios e escolas por todo o mundo, sem nenhuma região esquecida (ver: http://www.youtube.com/watch?v=TY4JpzQIj8U). Ao invés da visão amplamente defendida atualmente, de que soberanias são separadas, com países (e pessoas) competindo por mercados e recursos, esse novo método de abordagem enxerga o planeta Terra de forma holística, como um tabuleiro de xadrez, um “puzzle”, um problema de matemática, um problema de cálculo econômico, e tenta resolver como podemos tratar das necessidades de toda vida humana, animal e vegetal, a fim de maximizarmos sustentabilidade e eficiência, para todos. Patriotismo é algo tido em alta estima ainda hoje na sociedade, mas esse mesmo fervor nacionalista foi utilizado mais para o mal que para o bem historicamente, pode-se justificar qualquer guerra e genocídio em nome dessa suposta honra. Patriotismo é parecido com racismo, mas com uma bandeira. A ideia de que “nossos humanos são melhores que os seus humanos” é inexoravelmente irracional. A única bandeira verdadeira de fato é aquela que possui referência física, ou então, tudo se torna uma abstração. Temos que nos livrar do ruído separatista o mais rápido possível. Muitos perguntam se uma Economia de Lei Natural se trata de um sistema de esquerda ou direita. O sistema de pós-escassez de que estamos falando não se encaixa dentro de nenhuma dessas classificações, assim como não possui muitas semelhanças com qualquer sistema socioeconômico do passado, e, além disso, esquerda ou direita são abstrações arbitrárias baseadas em noções tradicionais pré-concebidas de comportamento humano, cientificamente inválidas com respeito à lei natural, não há referência física para tal conceito, portanto uma Economia de Lei Natural não segue esses parâmetros simplesmente porque não se pode escolher lados em um planeta redondo.

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Utilizando a abordagem sistêmica e holística, citaremos aqui vários mecanismos técnicos que podem solucionar nossos atuais problemas definitivamente e, por estarmos habituados ao nosso atual modelo de livre mercado, afinal vivemos nele, muitas das soluções aqui apresentadas poderão aparentar simplificações exageradas. Mas quando tomamos a linha de abordagem empírica e holística, há uma quantidade esmagadora de dados que provam que realmente é simples assim gerir a Terra, se esses mecanismos técnicos fossem adotados, e se nosso interesse fosse o de maximizar abundância, eficiência, sustentabilidade, e reduzir desperdícios, e não o atual interesse em preservar escassez. O que dificulta hoje a maioria dos empreendimentos são limitadores econômicos, não técnicos.

A história da humanidade é marcada por um processo constante de mudança, sem dúvida a única constante tem sido a mudança. Apesar de toda a espécie ter vivido ao menos 99% do tempo de sua existência na Terra como caçador-coletores, em regime de colaboração e propriedade comum dos recursos, um experimento humano curioso emergiu essencialmente nos últimos dez mil anos, mais aceleradamente depois da revolução agrícola. Todas essas mudanças são culturais, de valores. Nossos cérebros, genes, DNA, nada em nossa biologia mudou tão significativamente nesses dez mil anos que pudesse justificar mudanças tão dramáticas. Foi o advento da tecnologia, nosso real dom, nossa capacidade de criar, a engenhosidade humana que nos permitiu estar onde estamos. O que é tecnologia? Tecnologia é um lápis que nos permite solidificar ideias em papel. Tecnologia é um carro, que nos permite mover mais rápido que a pé, tecnologia é um par de óculos, que permitem visão àqueles que necessitam, ou um refrigerador que mantém nossa comida conservada. Quando entendemos que é tecnologia que resolve nossos problemas, não política ou negócios, nossa abordagem de tais problemas muda consideravelmente.

Mas outra entidade vem alegando responsabilidade pelo progresso, aliás, demonstra a pretensão de ser responsável por inovação, bem como a distribuição de todas as riquezas, ao mesmo tempo dando valor subjetivo a todos os bens e serviços, a economia de mercado. O mercado em sua lógica é ótimo, suas intenções e metas são inegavelmente louváveis. Porém, seus meios são insuficientes para atingir tão nobres objetivos, temos que entender que as raízes históricas de tal economia é claramente malthusiana, com o sagrado dogma de que não há o suficiente para todos, portanto devemos competir. Não estamos atacando a economia de mercado porque ela foi sempre ruim, ela serviu seu propósito e fez a humanidade prosperar bastante por muito tempo, o que ocorre é que ela não é mais relevante em um mundo onde podemos criar uma abundância de acesso. Aqui não estamos falando nem mesmo de capitalismo apenas, mas de algo mais fundamental, mais profundo: o monetarismo, o uso de dinheiro, a prática de se trabalhar por renda dentro de um ambiente competitivo, a prática de se obter alavancagem no mercado a partir da escassez intrínseca em toda sociedade, bases de qualquer economia moderna no mundo. A ideia de que não há o bastante para todos, criando a necessidade de restringir acesso, pois escassez sempre esteve presente, necessitando ser espelhada por algo igualmente escasso para as pessoas, o dinheiro. E não importa se estamos falando de dinheiro na forma de cartões eletrônicos, ouro, prata, notas promissórias, diamantes, grãos de café, não importa como é representado, sua função sempre foi a mesma, funcionar como um meio de troca, ou pelo menos assim definiriam os economistas. Mas será

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que é mesmo só isso? No começo da história do modelo econômico vigente, mais precisamente no mercantilismo, todos eram produtores, todos faziam trocas, isso era lindo em si para a realidade da época. Porém muitas mudanças ocorreram, começamos a comprar e vender horas de vida, trabalho dos outros, assim como temos consenso de preço para imóveis, direitos autorais, patentes, serviços de toda espécie, e tudo mais que se possa imaginar. Dinheiro deixou há tempos de ser “apenas um meio de troca”. Hoje ele é uma forma de propriedade abstrata. A tecnologia e outros vários parâmetros contribuíram para consolidação de poder em um nível tremendo, e estamos nos deparando com sérios riscos, devido aos nossos grandes números populacionais, de produção, taxas de crescimento de necessidades, etc. Chegamos a um ponto de nossa civilização em que nada pode dar errado, por assim dizer. Se o sistema bancário falhar, todos estarão entregues à insegurança financeira. Uma falta de eletricidade de maior duração provocaria grave instabilidade civil. Se houver uma falha no sistema de pensões seria caótico, etc. Mas historicamente, tem sido das pressões e dificuldades que surgem as soluções. Se analisarmos toda História da humanidade, percebemos uma tendência constante de progresso, e apesar de estarmos atrasados socialmente, nossa realidade técnica está nos evoluindo para um sistema melhor, um mundo de abundância material em que todas as necessidades podem estar disponíveis sem o uso de dinheiro, dívida, escambo ou qualquer tipo de servidão, assim como evoluímos para além da escravidão. Realmente não há melhor palavra do que evolução nesse caso. E nossa arcaica prática de restringir acesso através de dinheiro tem sido um detrimento para nosso progresso enquanto espécie, principalmente desde a década de 70, quando o padrão ouro foi abandonado pelos EUA. Hoje temos basicamente uma espécie de capitalismo com vencedores, em uma clara fusão, um continuum entre corporações e o poder governante, algo que deveria ser esperado, não encarado com surpresa, afinal o maior objetivo do “jogo” é ganhar vantagem diferencial para vencer os concorrentes, um sistema não muito diferente da lógica de guerra, em que corporações fazem uso de pequenas melhorias marginais por vantagem, prática que fantasiosamente acreditamos constituir inteligência numa ordem maior, inteligência nascida da competição provavelmente foi o grande delírio de economistas como Adam Smith e sua religiosa “mão invisível”, que seguimos até hoje sem questionar, apesar das imensas mudanças tecnológicas e científicas. É importante reconhecer a natureza emergente da realidade, significando que qualquer sistema natural, quando não inibido, sofrerá constantes mudanças ao longo do tempo. Porém, nossas instituições políticas e financeiras são aparentemente intocáveis, sagradas, indiscutíveis pela grande maioria da população, o que faz perfeito sentido, afinal o ethos do mercado é autopreservação, toda empresa, instituição governamental, setor da economia, todos precisam continuar, se manter, é um sistema estabelecido, não um sistema emergente que se adaptaria e evoluiria rapidamente conforme novas informações surgissem. É importante ressaltar que economia não é uma ciência. Em cursos de economia em universidades ela é apresentada como se fosse ciência, com grandes equações tradicionais e avançados gráficos… é tudo invenção, nada daquilo tem qualquer relação com recursos reais, não há relação com operação planetária em nível ecológico simbiótico, não tem qualquer base nas leis da natureza, não obedece ao uso mais apropriado dos materiais, etc. Talvez David Suzuki explique melhor (ver: http://www.youtube.com/watch?v=M_ygCEOGHVo, favor ativar legendas em português).

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Com problemas demais para tentar resumir, mas dentre eles, desestabilização climática em escala global, com todos os sistemas de suporte à vida em declínio no momento, a maior desigualdade de renda da História, um bilhão de pessoas passando fome, três bilhões vivendo em uma condição definida como “pobreza”, junto com outras tendências não muito promissoras, talvez faça sentido questionar a integridade de nossa economia em suas bases. E se você perguntar hoje para o cidadão mediano sobre os processos fundamentais que regem sua vida, por exemplo, como a comida cresce, ou o que é energia, ou o que define um eficiente sistema de produção e distribuição, não tenha dúvidas que terão respostas mais concretas sobre estatísticas de futebol, tendências de moda, enredos de novelas e seriados, e escrituras religiosas. Não querendo diminuir as atuais expressões de entretenimento, criatividade e espiritualidade, mas temos uma clara distorção de prioridades, com 90% das pessoas enfrentando problemas cumulativos diariamente, essas pessoas não somente desconhecem as raízes de tais problemas, mas sequer sabem quais perguntas deveriam ser feitas, muito menos quais as soluções necessárias. E a raiz é simples, o denominador comum que podemos encontrar é o sistema monetário. Dinheiro é erroneamente muitas vezes aclamado como a “solução para todos os problemas”. Isso provavelmente é verdadeiro, precisamente porque ele cria (quase) todos os problemas. O mercado precisa de ineficiência para operar, precisa de escassez para alavancagem. Se por acaso surgissem no mercado painéis solares com taxa de

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conversão de 80% de eficiência e se tais painéis fossem praticamente livres de manutenção, equipamentos que já existem hoje, toda atual indústria de hidrocarbonetos estaria fora da jogada, para sempre. Porém, só temos painéis comerciais com eficiência de conversão média de 20% hoje no mercado. E a razão para isso não é porque não conseguem fazer melhor, mas sim porque não conseguem fazer o “pulo do lucro”, para tudo há um custo, e se não conseguem vender a um preço viável, nada é feito. Isso vale para tudo na economia. Da mesma forma, mais gastos com saúde é algo tido como benéfico para a economia, ajuda no PIB e tudo mais, porém estamos falando de pessoas doentes e/ou morrendo. Se por acaso surgisse amanhã uma cura simples e barata para o câncer, uma indústria de 160 bilhões anuais iria desaparecer. Isso significa menos empregos e menos atividade econômica. O que cria empregos no mundo são problemas e suas soluções definitivas não são bem-vindas, é desejada apenas a manutenção cíclica do sintoma.

Em um mundo onde um bilhão de pessoas passa fome, com 1% da população detendo 46% da riqueza do planeta (ver: http://correiodobrasil.com.br/ultimas/relatorio-em-davos-mostra-que-85-pessoas-detem-46-da-riqueza-mundial/678819/), com uma pessoa morrendo a cada três segundos devido à pobreza e doenças curáveis, com a maior desigualdade de rendas da História com as 85 pessoas mais ricas tendo renda equivalente a metade mais pobre de todo mundo, ou 3,5 bilhões das pessoas mais pobres em conjunto (ver: http://www.huffingtonpost.com/2014/01/21/85-richest-people_n_4641021.html), com mais escravos hoje no mundo do que nunca antes, temos que concluir uma verdade óbvia: Algo está muito errado.

Vamos argumentar neste ensaio, que o fato de termos um bilhão de famintos não é resultado de cálculo matemático, muito menos do cálculo científico, mas sim resultado direto do cálculo monetário, a questão é econômica apenas. O cálculo feito de forma anárquica pelo sistema de preços no mercado é um cálculo falho. Precisamos de mais eficiência, mais precisão. O cálculo de preços apresenta uma forma truncada e semi-funcional de se alocar recursos e recompensar esforços, mas será que é de fato válido em termos de eficiência do ponto de vista técnico? Sete bilhões de pessoas no planeta, nove bilhões em duas décadas facilmente. Queremos coexistir ou brigar? Se quisermos coexistir, temos que mudar nossos costumes e tradições, nossos rumos como espécie. Não é uma questão de preferência, não é uma questão de “satisfazer o consumidor com o melhor bem possível ao menor preço possível” (uma lástima que o mercado não produz o melhor de nada e “satisfação” é apenas o resultado da concretização da compra, que nada mais é que uma compulsão condicionada sobre o consumidor, em pura franqueza), não importa o que as pessoas querem, por mais radical que tal declaração possa soar, há uma lei natural governante, é uma questão de sobrevivência, não de opinião, e temos que considerar o que é possível, o que for mais cientificamente correto. Podemos condicionar toda uma cultura a “precisar” de rochas de estimação no quintal, mas e se rochas forem escassas, vamos acabar com todas elas? É um exemplo ridículo, mas consegue ilustrar o ponto.

A sociedade é uma construção técnica. Vamos escrever isso novamente: Sociedade é uma construção técnica. Nossos problemas reais são técnicos, não políticos ou financeiros. Sociedades se constituem de infraestrutura e exigem organização, planejamento e cálculo. Esquerda, direita, tucanos, petistas, democratas e republicanos não são a resposta nesse cenário. Se quisermos ter uma sociedade que funcione, temos que entender que ciência e

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tecnologia são os atributos predominantes de todo interesse de organização social. Portanto, os especialistas que estudam tais atributos, deveriam ter em suas mãos, não o “controle” ou o “poder”, mas sim a vanguarda, a posição de frente na participação dos assuntos sociais, e os meios para serem ouvidos quando disserem que sim, que podemos alimentar e vestir todas as pessoas do mundo, que podemos tirar todos da miséria e dar a eles um alto padrão de vida, que somos tecnicamente capazes. Mas infelizmente eles estão presos na burocracia corporativa e, consequentemente na burocracia estatal, e o governo obviamente irá dizer que não temos o dinheiro para tais resoluções. A pergunta nunca foi se temos o dinheiro, dinheiro não representa os recursos hoje no planeta, não representa nossa real capacidade de produção, muito menos representa nossa real capacidade de criação. A pergunta sempre foi e sempre será:

“Temos nós, na Terra, a capacidade científica e tecnológica e os recursos naturais suficientes para tornarmos gratuitas todas as necessidades humanas para todos, sem ninguém ser deixado para trás, garantindo sustentabilidade da espécie, tudo sem uma etiqueta de preço?”

E a resposta é sim, nós temos. Temos na Terra hoje os recursos naturais e know-how tecnológico mais que suficientes para fazer isso no mínimo, ao mesmo tempo podendo elevar o padrão de vida de todos os habitantes a um nível tão alto, que futuras civilizações olharão para trás e não acreditarão no quão primitivo e arbitrário nosso mundo era de fato (ver: http://www.youtube.com/watch?v=uIZpn_qHLGs, com legendas em português). Ou então, podemos pensar em um exemplo histórico: no começo da 2ª Guerra mundial, os EUA tinham meros 600 aviões caça. Mas rapidamente superaram essa deficiência produzindo mais de 90.000 aviões por ano. No começo da Segunda Guerra Mundial, eles tinham dinheiro para produzir os implementos requeridos para guerra? A resposta era não, os EUA não tinham dinheiro suficiente, nem ouro suficiente, mas possuíam recursos mais que suficientes, fazendo os EUA alcançarem a alta produção e eficiência necessária para vencer. Infelizmente isto só é considerado em tempos de Guerra.

Desenvolvimento científico, enquanto a evoluir em paralelo com o desenvolvimento econômico tradicional ao longo dos últimos 400 anos ou mais, tem ainda sido largamente ignorado e visto como uma "externalidade" na teoria econômica. O resultado tem sido uma estrutura socioeconômica cada vez mais desligada da estrutura de suporte de vida da qual nós dependemos. Na maioria dos casos hoje em dia, para além de certos pressupostos técnicos com relação a como um sistema não baseado na dinâmica do mercado e o "mecanismo de preço" poderia funcionar, o argumento mais comum de apoio do capitalismo de mercado é que é um sistema de "liberdade”. O tamanho da verdade nisso depende muito da sua interpretação, apesar de tais termos genéricos serem muitas vezes onipresentes na retórica dos defensores do modelo. Com alguma análise, parece que tais noções são realmente reações às tentativas anteriores de sistemas sociais alternativos no passado, o que gerou problemas de administração como "totalitarismo". Assim, desde então, com base nesse medo, qualquer modelo concebido fora do quadro capitalista é muitas vezes impulsivamente relegado à suposta tendência histórica em direção a "tirania" e, em seguida, o novo é dispensado com displicente e negligente rapidez. Mas é muito importante deixar claro o que tal “liberdade” significa. Quando a elite ou a mídia fala em liberdade hoje, estão falando de liberdade de mercado, a liberdade de manipular com dinheiro praticamente tudo que se pode

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comprar e vender nesse sistema, ou mais simples, a liberdade do poder de compra. Tudo está à venda, e praticamente nada é sagrado. Alguém pode sim ser livre para caminhar nas ruas e falar com os vizinhos, mas assim que surge uma vontade ou necessidade, o indivíduo é apenas tão livre quanto seu poder de compra proporciona, da mesma forma que um prefeito é tão competente quanto seu orçamento o permite ser. Não deixando de fora o detalhe, nada na História acabou com mais vidas do que a busca pelo dinheiro. Vamos repetir: nada na História da humanidade matou mais do que a busca pelo dinheiro. Liberdade pode significar muitas coisas e pode ser perigosa.

Seja como for, este gesto subjacente de “liberdade”, independentemente da sua implicação no uso subjetivo, gerou uma neurose ou confusão em relação ao que isso significa para uma espécie como a nossa sobreviver e prosperar no habitat, um habitat claramente regido por leis naturais. O que descobrimos é que o nível de nosso relacionamento com o habitat não é flexível, não somos simplesmente “livres”. E ter uma orientação primordial de valores guiada pela suposta liberdade, que é aplicada também no método de operação de nossa economia global, tornou-se cada vez mais perigoso para a sustentabilidade humana no planeta Terra. A natureza é uma ditadura. Ela não tem ideia do que é um país, um banco, partido político ou dinheiro, ela não tem noção de tais conceitos. Sabemos que ela é baseada em leis imutáveis, leis que estavam aqui muito tempo antes de evoluirmos cérebros para entendê-las. E ela deixa uma clara mensagem, a de que ou nos alinhamos e nos guiamos por suas leis, ou sofremos as consequências. Não importa quanta fé ou vontade de dançar no teto alguém tenha, a lei da gravidade simplesmente não irá permitir. Podemos comer várias coisas tóxicas e toda espécie de lixo, mas teremos câncer ou alguma doença provavelmente, portanto somos limitados se quisermos manter a saúde. O mesmo vale para sociedade, se quisermos viver em uma sociedade pacífica, equilibrada, temos que levar tudo em conta e construir um modelo ao redor dessa meta de máxima eficiência e sustentabilidade, e não menos importante, felicidade, com a ordem natural sendo considerada a base do modelo econômico. Esse é o primeiro parâmetro, como estabelecemos tal meta? Queremos tal meta? Se a humanidade não quiser essa meta então não há sentido sequer em tentar alcançá-la, mas temos de supor que no fundo as pessoas queiram paz, equilíbrio e sustentabilidade.

Deixando a dificuldade das relações sociais de lado, os seres humanos, independentemente de seus costumes sociais tradicionais, são estritamente vinculados pelas leis naturais que regem a Terra e desviar-se desses princípios básicos empíricos é para comprometer e inibir invariavelmente a nossa sustentabilidade, prosperidade e saúde pública. Deve ser lembrado que a maioria das premissas fundamentais de nosso atual sistema econômico foi desenvolvida durante períodos de consciência substancialmente menos científica de nós mesmos e do nosso habitat. Muitas das consequências negativas agora comuns para as sociedades modernas simplesmente não existiam no passado e agora esse choque de sistemas está desestabilizando nosso mundo de muitas maneiras. De um lado a economia natural, da Terra. De outro, a invenção artificial humana, operando por cima, sobreposta, a economia de mercado. O objetivo desse ensaio é argumentar que as duas são profundamente incompatíveis, é como tentar encaixar algo quadrado em um buraco redondo por assim dizer, e os problemas vistos no mundo, tanto no nível humano quanto no nível ecológico são resultado dessa discórdia. Na visão do capitalismo de mercado, o planeta Terra não é nada além de um inventário a ser explorado e a ideia de se preservar é estruturalmente contraproducente, pois a economia moderna requer consumo constante e crescente a fim de manter níveis de emprego desejáveis.

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E caso o leitor não esteja ciente da importância de se respeitar esses limites naturais e biodiversidade, lembre-se de que dependemos disso para viver, e lembre-se que a natureza levou bilhões de anos para criar essa biosfera de leis simbióticas interdependentes, e nós seres humanos em pouco mais de um século, principalmente no último século, conseguimos perturbar quase todos seus elementos, e ao desestabilizar um atributo, sempre causa um efeito em muitos outros, é tudo interligado. Antes de prosseguir, vamos definir nossos termos:

Economia de Mercado: As decisões são baseadas em ações humanas independentes através do veículo da troca monetária regulamentada pelas pressões da oferta e da demanda. Produção e Distribuição são reguladas pela compra e venda de provisões trabalhistas e materiais, com as motivações de uma pessoa ou grupo (interesse próprio) como o atributo principal de desdobramento;

Economia da Terra: As decisões são tomadas diretamente com base em entendimentos científicos que dizem respeito à gestão do habitat, maximizando saúde de todos os seres vivos. Produção e Distribuição são reguladas pelas abordagens tecnicamente mais eficientes e sustentáveis conhecidas.

Em 2002, 192 países em associação com a Organização das Nações Unidas se reuniram para a “Convenção pela Diversidade Biológica” (The Convention on Biological Diversity), e todos fizeram o compromisso público de reduzir essa perda de biodiversidade até 2010. E o que aconteceu oito anos depois? Em sua publicação oficial de 2010 eles afirmam:

“Nenhum dos 21 sub-objetivos constituintes da meta principal de reduzir significativamente a taxa de perda de biodiversidade até 2010 pode ser considerado atingido globalmente [...] Ações para promover biodiversidade recebem uma fração pequena de financiamento comparado à infraestrutura e desenvolvimento industrial [...], além disso, tais considerações

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são geralmente ignoradas quando tais desenvolvimentos são planejados [...] O cenário futuro projeta continuidade de altos níveis de extinções e perda de habitat”.

O que estão basicamente dizendo é que depois de oito anos concluíram que não obtiveram sucesso, e a razão pela qual não conseguiram é porque todo o dinheiro está indo em direção ao desenvolvimento industrial e não para preservação, e essa é realmente uma daquelas declarações de testemunho, porque é óbvio que o dinheiro não irá para preservação, preservação não distribui dividendos no fim do período, pelo menos não em forma pecuniária (ver: http://www.cbd.int/gbo3/?pub=6667&section=6690). Outro estudo de 2011 da universidade de Washington também em parceria com a ONU descobriu que: “mesmo com milhões de quilômetros quadrados de terra atualmente sob proteção legal, pouco resultado ocorreu para diminuir a tendência em declínio”, e mais além, também publicaram a conclusão altamente perturbadora: “O excesso de uso dos recursos da Terra, ou overshoot, é possível porque recursos podem ser explorados mais rápido que se regeneram [...] O overshoot cumulativo de 1980s a 2002 resultou em uma “dívida ecológica” que requer 2,5 planetas como o nosso para ser paga, e mantendo as coisas como estão nossas demandas podem resultar na necessidade de 27 planetas Terra até 2050” (ver: http://www.sciencedaily.com/releases/2011/07/110728123059.htm e http://www.soc.hawaii.edu/mora/Publications/MoraPress1.pdf).

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Isso é muito sério, é desesperador, isso é algo que todos deveriam estar falando a respeito, na mídia e nos bares da esquina. Mas não estão, pois todos temem abordar o capitalismo de mercado. As mais diligentes organizações ativistas, os grupos ambientais, todos tentam “remendar” esse sistema, tentando salvar um navio afundando que nunca teve muita integridade para começar. Muitos até chegam perto, mas nunca atacam o capitalismo. Tornou-se um dogma social. Essas organizações atacam desigualdade de crença, desigualdade racial e de gênero com voracidade, mas praticamente “deixam passar” a desigualdade entre rendas.

Argumenta-se aqui que a integridade de qualquer modelo econômico é realmente melhor medida pelo quão bem alinhado este sistema está com as leis conhecidas que regem a natureza, historicamente sempre usamos de guia o maior sistema natural que podemos encontrar, para efeito de referência. E o que seria a Terra, o planeta em que habitamos, o que é essa rocha de fato? É um sistema, se trata de um sistema de leis simbióticas. O primeiro passo, caso o desejo seja o de adotar uma perspectiva legitimamente científica de abordagem, é reconhecer a Terra como um sistema, e tratá-la como tal. Um complexo sistema sinergético não pode ser propriamente entendido com uma visão reducionista baseada em isolamento, o que infelizmente é como as pessoas ainda percebem o mundo, com países, competição e pressuposições que apenas funcionariam no puro vácuo, mas jamais na prática, como a História tem demonstrado. Este conceito de direito natural, ou lei natural, não é de forma alguma aqui apresentado como algo esotérico ou metafísico, mas como fundamentalmente observável. Embora seja verdade que as leis da natureza são constantemente aperfeiçoadas e alteradas em nosso entendimento ao longo do tempo, certas realidades causais sempre existiram e continuam existindo, como definitivamente verdades. Não há debate que o organismo humano tem necessidades específicas de sobrevivência, tal como a necessidade de nutrição, água e ar. Não há debate com relação aos processos ecológicos fundamentais que garantem a estabilidade ambiental do nosso habitat, que devem seguir sem interferência em suas relações simbióticas sinérgicas. Também não há debate que a psique humana, por mais complexa que seja, tem, em média, reações previsíveis básicas quando se trata de estressores ambientais e, portanto, como as reações de violência, depressão, abuso e outras questões comportamentais negativas podem se manifestar como resultado.

Esta perspectiva científica, causal ou técnica de relações econômicas reduz todos os fatores relevantes para um quadro de referência e linha de pensamento de nossa compreensão atual do mundo físico e suas dinâmicas naturais, tangíveis. Esta lógica leva a ciência do estudo humano, por isso, mais uma vez, a natureza comum das necessidades humanas e de saúde pública e a combina com as regras comprovadas do nosso habitat, para o qual estamos em sinergia e simbiose, sempre interdependentes e conectados. Tais necessidades são virtualmente imutáveis, com pequenas variações marginais de um ser humano para outro, não são questão de opinião, são fatos científicos.

Isso não quer dizer que os argumentos subjetivos não possuam valor no que diz respeito ao entendimento da evolução cultural, mas sim quer dizer que, se uma visão de mundo verdadeiramente científica é tomada com relação ao que "funciona" ou "não funciona" na estratégia de eficiência exigida pelo jogo de xadrez da sobrevivência humana, há muito pouca necessidade de tal referência subjetiva.

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Mas o problema é que esses pontos de imutáveis conhecimentos científicos quase completamente não recebem reconhecimento no modelo econômico dominante. A ecologia praticamente não recebe atenção na atual conjuntura. Na verdade, vai-se argumentar que os dois sistemas não são apenas dissociados, eles são diametralmente opostos em muitos aspectos, referindo-se à realidade de que a economia de mercado competitivo não é realmente "solucionável” como um todo, e, portanto, um novo sistema baseado diretamente no mais moderno entendimento das “leis naturais", uma realidade científica, precisa ser construído a partir do zero.

Este ensaio vai examinar e contrastar uma série de considerações "econômicas", tanto do ponto de vista do sistema de mercado (lógica de mercado) como também contrastando com a respectiva lógica técnica. Ele vai expressar como "eficiência" tem dois significados muito diferentes em cada ponto de vista, argumentando que "a eficiência do mercado" funciona apenas para ser eficiente no que diz respeito a si mesma, usando sintéticos conjuntos de regras relacionadas principalmente à dinâmica da economia clássica, que facilita o lucro e crescimento, enquanto que a "Eficiência Técnica" faz referência às leis conhecidas da natureza, procurando a maneira industrial mais otimizada possível de preservar o hábitat, reduzir o desperdício e, finalmente, garantir a saúde pública e sustentabilidade, com base em entendimentos científicos emergentes.

Vamos analisar como ações humanas independentes em uma economia de mercado podem afetar negativamente nossa sustentabilidade no longo prazo: suponha uma empresa que se depara com a seguinte escolha: ao se utilizar o método de produção A, a empresa terá o maior lucro possível, causando considerável dano ambiental no processo. Se adotar o método de produção B, a empresa tem lucro menor, porém não há consequências negativas para o ambiente. Do ponto de vista do empresário, considerando-se que o dano ambiental não será punido ou não será descoberto, há mesmo algum incentivo em se utilizar o método B? É apenas uma empresa e sua poluição é relativamente pequena, como uma “gota no oceano”. Caso ela escolha o método B, muitos de seus concorrentes não farão o mesmo, e assim ela perderá vantagem competitiva. O problema é que temos inúmeras empresas no mundo, todas encarando as mesmas escolhas todos os dias, e, portanto, operando pela mesma lógica de lucro como principal referência, e nenhuma delas terão incentivos para adotar o método B. É um risco gravíssimo várias entidades operando sem saber como tudo interage como um sistema, por isso a abordagem sistêmica é de fato a única alternativa se nosso intuito for o de maximizar sustentabilidade e reduzir desperdícios.

O intuito de uma economia de mercado é alocar recursos eficientemente e supostamente, ao menos em sua intenção, cuidar do indivíduo (não da sociedade), mas vamos tentar chegar à essência da questão: se houvesse duas doenças, uma que estava afetando 200 pessoas, e outra afetando 200 milhões de pessoas, em qual doença a humanidade deveria concentrar esforços? A lógica do interesse próprio através de ações humanas independentes pode mudar o que de outra forma seria uma resposta evidente, afinal, e se minha filha fosse uma das 200

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pessoas, e se “eu” fosse uma das 200 pessoas? No entanto, se perguntássemos para qualquer oficial de saúde pública, qualquer instituição médica, certamente abordariam a questão de forma objetiva, considerando qual era a maior ameaça, qual poderia eventualmente causar uma epidemia e se alastrar por todo mundo, logicamente deveríamos nos concentrar na doença afetando o maior número de pessoas.

Dissemos acima que o sistema capitalista sempre foi bem intencionado, e isso é um fato. Ele deseja, procura atender as necessidades das pessoas. Porém, que tal adotarmos um sistema que vai além, que não só busque uma vida digna e um ambiente saudável para todos, mas um sistema que garanta, estruturalmente, todas as necessidades de toda população terrestre.

A humanidade deve começar a pensar sobre sua relação com o planeta Terra, e até que o façamos, estamos condenados, estamos em rota de colisão com nós mesmos, e com a natureza. Todas as tendências apontam para algo que pode ser classificado como autodestruição. Outra grande guerra entre os EUA e China é muito possível, alguns diriam até iminente. E essa guerra será para valer, não como as antigas que se baseavam em realinhamentos geopolíticos. Essa pode ser a guerra por sobrevivência dos países, ou mais provavelmente, a extinção de todos. E com o advento da nanotecnologia, em não mais que duas décadas haverá a possibilidade, em pequenos laboratórios, de se concentrar enormes capacidades de destruição, em digamos, uma pequena maleta, uma bomba para acabar com uma cidade inteira. Sugerimos aqui uma pesquisa online sobre armamentos de destruição em massa possíveis com a nanotecnologia, e confira o que está no horizonte de uma espécie ainda imatura, com interesse próprio e competição como principais motivadores, em essência não compartilhando ideias e recursos e agindo como crianças mimadas, brigando por tudo. Só um problema, nesse caso são crianças com armas da era espacial. Ou talvez, outro possível cenário, até mais possível e bem mais distópico, seria não um colapso financeiro rápido movido por pânico, corridas bancárias e filas por comida, guerra internacional, mas ao invés, um lento declínio na qualidade de vida e na saúde da população, com porções cada vez menores altamente ricas, e a crescente maioria cada vez mais miserável. Aliás, já temos estado em decadência por pelo menos cinco décadas, até que a população comece a encolher por falta de recursos, um final sem dúvida ainda pior que uma guerra violenta. Não vemos esse declínio porque o vivemos, devemos lembrar que todos nós estamos “dentro da caixa” de cultura, doutrinação e condicionamento. Muitos percebem problemas com a caixa, alguns veem os vazamentos e rachaduras nas paredes internas da caixa e tentam remendar os buracos, conter as rachaduras, manter o jogo em movimento, mas poucos param para pensar que talvez haja algo de errado com a caixa em si, que talvez a integridade da caixa seja inerentemente falha. Novamente, não devemos confundir o progresso que a tecnologia tem nos disponibilizado, com progresso cultural, econômico, social ou ambiental. Tecnologia e ciência, juntamente com a descoberta de energia barata, têm sido virtualmente as únicas responsáveis por uma atenuação das ineficiências sistêmicas, e sem elas, não teríamos sete bilhões de seres humanos hoje na Terra. Esses são os reais atributos que definem o progresso humano no planeta, não política ou negócios, o mercado apenas “surfou” a onda do avanço tecnológico, porém distribuindo os seus frutos de forma extremamente desigual por toda espécie. Até mesmo o barateamento dos produtos com o tempo, não são causados apenas por economias de escala e concorrência, mas também novamente, por razão do progresso tecnológico, a capacidade de se fazer mais com menos, ou “efemerização”, termo cunhado por

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R. Buckminster Fuller que denota essa capacidade progressiva de fazermos mais e mais com menos recursos (ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Efemeriza%C3%A7%C3%A3o).

Hoje temos um smartphone que incorpora as funções de rádio, relógio, calculadora, GPS, câmera fotográfica, câmera filmadora, computador (envia textos e navega a internet) e ainda funciona como telefone. Essa revolução técnica nada tem a ver com o mercado, não em sua origem, mas sim tem como principal responsável a engenhosidade humana, que precede o mercado. Desde a invenção do fogo, da álgebra, da roda, já presenciávamos o avanço tecnológico e engenhosidade em ação. O mercado e o Estado surgiram como etapas naturais de transição para um sistema de abundância de acesso, temos nos movido nessa direção desde sempre, mas como não se pode dar um passo muito grande entre organizações sociais, existem etapas intermediárias, é nesse ponto em que estamos agora, uma transição. Alguns elementos dessa futura abundância já chegaram, aos poucos, como com mídias e seus players, programas de computador em geral, cada vez menos pessoas compram músicas, livros e filmes, já que podem ser encontrados online. Fotografias e filmagem ficaram bem mais baratas e práticas. Jornais, revistas, enciclopédias, e toda uma série de aplicativos como calculadoras, relógio, rádio, TV, jogos de tabuleiro, conversores de medidas, jogos, mapas, etc. hoje encontram substitutos gratuitos na internet. A própria escassez na comunicação e altos custos de ligações telefônicas do passado estão sendo aliviados hoje com a facilidade de comunicação global que a internet trouxe, e hoje já é possível ligações para qualquer lugar do mundo a dois centavos de real (R$ 0,02) o minuto para telefone fixo e R$ 0,09 para celular pelo Skype, então, já existem em nossas vidas vários atributos dessa abundância, e entendemos que isso é algo que deve ser incentivado, acelerado, não temido, regulado ou inibido de forma alguma. E com o advento da impressão 3D, o mercado está prestes a sofrer uma revolução em termos de acesso. E apesar de nosso romantismo, tradicionalismo e materialismo atrasar isso, como por exemplo, o apego a livros de papel, fazendo com que mais árvores sejam cortadas desnecessariamente, e uma resistência natural (principalmente por parte das pessoas com mais idade) a novas tecnologias, essas mudanças são irreversíveis e irrefreáveis, as crianças do futuro não irão ligar para os brinquedos do passado, e assim como o automóvel aposentou a carruagem, assim como o antigo VHS foi substituído pelo formato mais eficiente do DVD, nossa atual cultura esbanjadora, voltada a vaidade e status pessoal irá mudar para algo mais adequado as nossas possibilidades em um planeta finito, fazendo muito mais, com muito menos.

Muito poderia ser dito aqui sobre a transição, sobre como chegaremos daqui até lá, do capitalismo moderno de mercado para uma Economia de Lei Natural Baseada em Recursos, a pergunta de um trilhão de dólares, como “mudar o mundo”? Mas esse não é o objetivo desse ensaio, e na verdade não é o que importa. Isso nos desvia do foco principal, que é simplesmente fazê-lo, de alguma forma, para salvar vidas. Quando quisemos fazer a bomba atômica no projeto Manhattan, fizemos em pouco tempo, só precisamos de conscientização. Enquanto discutimos por coisas pequenas, pessoas morrem na África de fome ou HIV, eles não têm coisa alguma! Enquanto discutimos como lucrar com todo serviço possível, tornando soluções “economicamente viáveis”, há pessoas morrendo desnecessariamente. Se não é necessário, é sim uma forma de violência, é como ter uma pessoa morrendo de sede na calçada com outra ao seu lado segurando uma garrafa. Mesmo “não sendo problema nosso”, uma frase em que absurdamente ainda acreditamos, não deixa de ser uma forma de violência. Esse é o ponto, é sempre complicado quando tentamos incluir a economia de mercado para resolver problemas, é por isso que defenderemos sua total remoção, pois não é mais

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necessária. Enquanto discutimos pequenas nuances de governo, pessoas morrem em guerras. Devemos ter perspectiva global, temos que entender o que é importante, o que é prioridade, o que é real. Ninguém está 100% seguro enquanto houver uma só pessoa morando nas ruas, e este sistema econômico que utilizamos deveria ter sido revisto no dia em que a primeira pessoa morreu de fome, ou melhor, ainda antes. Com essa mentalidade de que as “coisas são assim” porque “sempre foram assim” podemos justificar qualquer atrocidade.

Com as convenientes justificativas de hoje para os 1 bilhão de famintos, há mesmo alguma dúvida que não continuaremos com as mesmas desculpas para quando forem 2 bilhões de famintos...3 bilhões?

Não podemos ser automáticos ao seguir costumes e tradições. Um experimento científico mostra o motivo: 5 macacos foram colocados em uma sala. No centro da sala posicionam uma escada, dando acesso a muitas bananas presas ao teto. O experimento a princípio consistia em toda vez que um macaco pegasse uma banana, um banho de água gelada era dado em todos eles. Depois de alguns banhos, o macaco que foi pegar a banana foi agredido por todos os outros quando desceu. Eles haviam percebido a relação entre a água fria e o fato de um deles retirar uma banana. Depois de algumas horas, mais nenhum macaco se atrevia a comer. Os pesquisadores resolveram ir além, e decidiram parar com o banho frio, ainda assim, nenhum deles sequer subiu as escadas. Então acharam que precisariam trocar, retiraram um dos macacos da sala e no seu lugar introduziram um novo. Obviamente, assim que o novato chegou tentou comer bananas, e apanhou de todos os outros. Os pesquisadores continuaram trocando macacos, o segundo novo macaco levou uma surra, o terceiro também, o quarto, até o quinto e último. E o mais interessante, depois de todos os macacos trocados, todos estavam agredindo quem tentasse pegar as frutas, apesar do fato de que nenhum desses novos macacos foi alguma vez molhado com a água fria, nunca. E provavelmente, se perguntássemos para eles o motivo pelo qual estavam batendo uns nos outros, talvez “diriam” que é “assim que as coisas sempre foram por aqui”. (ver: http://blog.stsaint.com/philosophy/2010/05/5-monkeys-experiment/).

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No passado não usávamos dinheiro, ele teve de ser inventado em algum ponto, e defendemos que novamente chegamos ao ponto na História de não mais necessitarmos dele. Até 12 mil anos atrás, seres humanos viviam como caçador-coletores, por toda nossa História, vivíamos em estado de abundancia natural, um planeta grande, poucas pessoas, a ideia de propriedade não fazia sentido. Depois a população começou a aumentar e precisamos recorrer à agricultura, e desde esse ponto, escassez sempre esteve presente. Agora temos em nossas mãos a capacidade de alcançarmos abundância técnica, novamente tornando os conceitos de propriedade, comércio, competição, trabalho por renda e o próprio dinheiro obsoletos, deixando de usar este meio para trocas ou mesmo para recompensar esforços, pois simplesmente não é mais preciso. Nos últimos anos, sempre estivemos inseridos em conflitos. Apenas agora após a Guerra Fria temos vivido um período breve de relativa paz sem grandes guerras, um tempo para tomarmos fôlego e avaliarmos o que estamos fazendo e onde queremos chegar, e acima de tudo, assegurar nossa sobrevivência, se não a nossa própria, a de nossos filhos e netos, implantando mecanismos que facilitem uma abundância material que tornem o planeta Terra um belo jardim autossuficiente, cujos frutos serão de todos...

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Comunicação

A linguagem objetiva técnica também não recebe grande reconhecimento nas decisões mais importantes hoje em dia. Dois problemas podem ser observados em relação a esse assunto: a falta de objetividade técnica na linguagem e o “apelo à autoridade”. Ao invés de uma linguagem que não está sujeita à interpretação, como matemática, física, química, hoje em negócios e política ainda somos prejudicados por uma linguagem não técnica, pois geralmente pessoas de negócios ou políticos não possuem histórico em área técnica ou científica. A Bíblia é sujeita à interpretação e o resultado é que o cristianismo sozinho possui mais de 10 mil subgrupos. Simplesmente não podemos construir uma sociedade com esse tipo de incompetência. Infelizmente, a cultura no mundo hoje também cede à autoridade, e isso está presente obviamente em nossa comunicação e como apresentamos nossas ideias. Quantas vezes em uma discussão, pessoas recorrem as suas credenciais e experiência para supostamente colocar mais peso na informação, afirmando ser uma “autoridade” no assunto? E isso infelizmente funciona, pois pessoas em geral não são acostumadas a serem ouvintes críticos, que questionam tudo o que leem ou veem. Obviamente há aqui uma gradiente de relevância, se alguém vai a um médico, credenciais e experiência são importantes, pois os processos são técnicos e assim exigem, porém quando se trata do outro lado da moeda, quando se trata de pura análise de informação, quando se trata de sociologia, quando se trata de economia (pois economia não é uma ciência) credenciais não possuem valor e muitas vezes se tornam um detrimento, uma espécie de bloqueio mental em forma de doutrinação advinda de instituições ou modelos pré-existentes. Informação, fluxo de dados é independente do mensageiro, tudo o que importa é o dado, a mensagem. O mensageiro é realmente irrelevante e é por isso que o conhecimento humano evolui quase que sozinho, se assim não o fosse, as ideias de Einstein morreriam com ele. O conhecimento humano em si tem vida própria e continua evoluindo independentemente do indivíduo, o que alguns chamam de “evolução da consciência coletiva da humanidade”. Se toda informação for analisada levando em conta o autor, se for pesado o fato de que o autor “é isso” ou “fez aquilo”, isso cria uma nuvem de distorção e de fato perturba o ato comunicativo. Deve-se ler qualquer informação, independentemente do autor, como se estivesse sendo lida em um pedaço de papel sem autoria. E se lhe fosse entregue um papel com alguma informação contida nele, você realmente precisaria saber quem foi que escreveu para saber se concorda com ela ou não? Tenha isso em mente inclusive ao ler o presente texto, pois caso não concorde com alguma informação aqui contida, você não estará empiricamente discordando de mim, o autor, mas sim discordando da informação em si. Sou apenas um compilador de informações, um comunicador. Todo conteúdo neste ensaio possui uma fonte e procuraremos mantê-las em português sempre que possível. Quando se trata de informação, o dado é tudo o que há de fato, e deve-se tomar informação com uma análise caso a caso, sempre, e se a pessoa adota essa postura, suas visões se alteram dramaticamente, as pessoas deixam de apontar dedos e acusar outros, é impressionante como temos a tendência cultural de atacar o mensageiro e isso deve ser superado pela cultura o mais rápido possível.

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A “Marketização” da Vida

Jovens hoje à procura de uma razão socialmente relevante para existir têm apenas uma escolha binária: o sistema monetário oferece apenas duas opções, ou o indivíduo torna-se um parasita, ou uma prostituta. Lamentamos a crueza e franqueza, mas é a realidade. Alguém disposto a ganhar riqueza ou simplesmente as necessidades da vida hoje deve submeter-se ao sistema de compra e venda de horas de vida, o mercado de trabalho, vendendo seu tempo (e seus corpos), pouco diferente da forma pela qual prostitutas se vendem. A alternativa é tornar-se uma parasita, ganhando com o trabalho alheio. Simplesmente não há outra categoria.

A tendência da crescente mercantilização da vida criou uma profunda distorção de valores no mundo. Desde que a “liberdade” tem sido culturalmente associada com “democracia” e democracia no sentido econômico tem sido associada à capacidade de comprar e vender, a mercantilização de quase tudo o que se pode pensar vem ocorrendo. Os valores tradicionais da retórica das gerações anteriores têm muitas vezes visto o uso do dinheiro de certa forma como uma espécie de “mal necessário”, com alguns elementos de nossas vidas considerados "sagrados" e não para venda. O ato de prostituição, por exemplo, em que as pessoas vendem intimidade por dinheiro, é uma situação em que os valores culturais costumam encontrar alienação. Na maioria dos países o ato é ilegal, mesmo havendo pouca justificativa legal já que o envolvimento sexual em si é legal. É só quando o elemento de compra entra em jogo que se

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considera o ato repreensível. No entanto, tais santidades que foram culturalmente perpetuadas estão se tornando cada vez mais derrubadas pela mentalidade de mercado. Hoje, se legal ou não, quase tudo pode ser comprado ou vendido. Você pode comprar o direito de ignorar normas de emissões de carbono (ver: http://en.wikipedia.org/wiki/Emissions_trading e http://www.pointcarbon.com/), ou você pode aprimorar sua cela na prisão por uma pequena taxa (ver: http://www.nytimes.com/2007/04/29/us/29jail.html?pagewanted=all&_r=0), comprar o direito de caçar animais raros ou em extinção (ver: http://www.businessweek.com/magazine/content/10_51/b4208068688480.htm), e até mesmo comprar o seu ingresso em uma universidade de prestígio, sem reuniões ou testes (ver: http://online.wsj.com/public/resources/documents/Polk_Rich_Applicants.htm). Torna-se estranho quando alguns dos mais cotidianos atos da vida humana tornam-se incentivados por dinheiro, bem como a forma como ele está sendo usado para incentivar as crianças a ler (ver: http://giftedexchange.blogspot.com.br/2010/04/time-mag-is-cash-answer.html), ou encorajar a perda de peso (ver: http://ldihealtheconomist.com/media/paying-people-to-lose-weight-and-stop-smoking.original.pdf). Psicologicamente, o que significa para uma criança quando eles são reforçados com dinheiro em suas ações mais básicas? Como isso vai afetar seu sentido futuro de recompensa? Estas são questões importantes em um mundo à venda, com a orientação de valor fundamental que é somente quando se ganha dinheiro com uma ação é que a ação vale a pena ser feita, ou a chamada “mentalidade de suborno”. Tais valores de mercado aparecem como uma distorção social, pois a própria essência da existência e iniciativa humana está sendo transformada. Temos na cultura uma forma bastante perversa e distorcida de incentivo. Sem renda ou prêmios ainda haverá necessidades. Se a pessoa encontra prazer em pintar quadros, por exemplo, ela vai gostar de dar sua pintura às pessoas, não vendê-la. Um músico na realidade quer que sua canção seja ouvida pelo maior número de pessoas, não se precisa ganhar dinheiro com isso, não se as necessidades básicas já estivessem garantidas. Quando éramos crianças não precisávamos de incentivos para fazer qualquer coisa, sempre imaginativos e curiosos. É a repetição e a obrigatoriedade inerentes às atividades dentro do mercado que são geradores da preguiça, não uma solução para ela. Embora possamos não ter muita preocupação sobre questões aparentemente triviais como o fato de uma pessoa poder comprar o acesso ao corredor de ônibus (ver: http://online.wsj.com/news/articles/SB118237343090442433), a maior manifestação de uma cultura construída sobre a edificação monetária é a desumanização da sociedade, quando tudo e todos são reduzidos a meras commodities para se explorar. Hoje, tão chocante como ela é, a verdade é que existem mais escravos no mundo do que em qualquer momento na História humana. O tráfico humano sempre foi e continua a ser uma indústria enorme de lucro, vendendo homens, mulheres e crianças em vários papéis. O Departamento de Estado dos EUA publicou: "estima-se que algo em torno de 27 milhões de homens, mulheres e crianças ao redor do mundo são vítimas do que agora é frequentemente descrito como tráfico humano” (ver: http://www.cicatelli.org/titlex/downloadable/human%20trafficking%20statistics.pdf). No final, embora as pessoas que acreditam no sistema de livre mercado capitalista ficariam eticamente ultrajadas de indignação com estes abusos que ocorrem no mundo, geralmente fazendo distinções entre formas “morais” e “amorais” do comércio, a questão de fato é que o próprio conceito de mercantilização não pode desenhar linhas objetivas e tais realidades “extremas” são, na verdade, simplesmente uma questão de grau em que diz respeito a sua aplicação. De um ponto de vista puramente filosófico, não há diferença técnica alguma entre qualquer forma de exploração de mercado. A psicologia inerente - o distúrbio do sistema de valores – continua a perpetuar um desrespeito predatório dentro da cultura e somente quando esse mecanismo estrutural for retirado de nossa abordagem para a organização social, é que as questões supramencionadas encontrarão resolução duradoura e sustentável.

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Classismo Estrutural e Conflitos

Essa seção tratará do assunto foco de todo sofrimento humano no planeta em nossa História. Se quisermos liberdade verdadeira, temos que buscar não só a liberdade da tirania, de algum governo opressor. A maior das prisões humanas tem sido, até hoje, a necessidade de “ganhar o direito à vida”, com as constantes escolhas difíceis e pressões financeiras como dívidas, investimentos e poupança para velhice. Essa é das maiores fontes de estresse e preocupação hoje no planeta, e por consequência, de conflitos e mortes. Conflito humano tem sido uma característica constante da sociedade desde o início da história registrada. Enquanto justificativas deste variam de pressupostos imutáveis de propensão humana para a agressão e a territorialidade, à noção religiosa de poderes metafísicos polarizados, tais como forças do "bem” e do "mal”, a história tem revelado que os casos de conflito geralmente têm uma correlação racional para as circunstâncias ambientais e de cultura. Não importa se estamos falando da luta na cadeia alimentar, ou do frio planejamento calculado de guerra estratégica militar, há sempre uma razão para esse conflito e o interesse do público em geral para reduzir os conflitos exige, naturalmente, uma avaliação de causalidade o mais profunda possível.

Temos duas categorias gerais de guerra: “guerra imperial” e “guerra de classes”. Embora talvez aparentemente diferentes, os mecanismos psicológicos de raiz destas duas categorizações são basicamente os mesmos, juntamente com a forma como alguns dos mecanismos reais de "batalha" são realmente muito mais esquivos ou dissimulados do que muitos reconhecem. Assim como dois empresários sentam-se um de frente para o outro em uma mesa e engajam no que chamam de “negociações”, mas em essência o que fazem é tentar tirar vantagem um do outro o melhor que podem. No geral, a tese central é que a fonte dessas imutáveis realidades aparentemente reside dentro da premissa socioeconômica em si - no contexto de certa psicologia armada de esquemas e artifícios, portanto, sociológica - e não determinações rígidas em nossos genes ou falta de alguma aptidão moral. Genes podem controlar a forma do nariz, cor dos olhos, propensão a doenças, mas eles não controlam valores, isso é aprendido. Dito de outra forma, essas realidades presentes não são alimentadas ideologicamente por grupos isolados, como, por exemplo, o governo de um país desonesto ou alguns excepcionalmente “gananciosos” na mentalidade de negócios, mas sim pelos valores mais fundamentais, subjacentes inerentes à vida praticamente de todos na atual condição socioeconômica que perpetua como culturalmente "normal”, com toda uma cultura que idolatra dinheiro, propriedade e poder. A única diferença é o grau em que esses valores são aproveitados e para que finalidade (ver: http://www.collective-evolution.com/2014/01/04/science-suggests-humans-are-not-inately-violent-and-vicious/).

A Revolução Neolítica há cerca de 12.000 anos marcou um ponto de virada fundamental para a sociedade humana, com a transição de quase exclusivamente "viver da terra" limitada à regeneração natural do habitat, para uma tendência de aceleração de controle ambiental e manipulação de recursos. O desenvolvimento da agricultura e a criação de ferramentas de trabalho marcaram o início do que pode ser observado hoje, um período inédito em que o espectro da capacidade humana de utilizar a ciência para a alteração do mundo para a nossa vantagem parece praticamente ilimitado. No entanto, esta adaptação tecnológica inicialmente lenta pôs em movimento certos padrões e mudanças que sem dúvida geraram muitas das dificuldades que reconhecemos como comuns hoje em dia. Um exemplo seria como

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desequilíbrio através da pobreza relativa e estratificação econômica têm sido consequências evidentes desta nova capacidade.

Nas palavras do neurocientista e antropólogo Dr. Robert Sapolsky: “caçador-coletores tinham milhares de fontes selvagens de alimentos para subsistir. Agricultura mudou tudo isso, gerando uma dependência avassaladora em algumas dezenas de fontes de alimento... A agricultura permitiu a acumulação de recursos excedentes e, portanto, inevitavelmente, a acumulação desigual deles, a estratificação da sociedade e da invenção das classes. Assim, permitiu a invenção da pobreza”.

Da mesma forma, o estilo de vida nômade do caçador-coletor tornou-se lentamente substituído por tribos assentadas, protecionistas e, eventualmente, sociedades do tipo de cidades. Nas palavras de Richard A. Gabriel na obra Uma Breve História da Guerra: “A invenção e expansão da agricultura juntamente com a domesticação de animais são reconhecidos como os desenvolvimentos que prepararam o terreno para o surgimento das primeiras sociedades urbanas de grande escala, complexas. Essas sociedades, que apareceram quase simultaneamente em torno de 4000 AC no Egito e Mesopotâmia, utilizado ferramentas de pedra, mas em 500 anos as ferramentas de pedra mudaram para o bronze. Com fabricação bronze veio uma revolução na guerra”.

Este é também o período em que o conceito de “Estado" como a conhecemos e a permanência das "forças armadas" surgiram. Gabriel continua: "Essas sociedades primitivas produziram os primeiros exemplos de instituições do Estado/governo, inicialmente como chefias centralizadas e mais tarde como monarquias... Ao mesmo tempo, a centralização exigiu a criação de uma estrutura administrativa capaz de direcionar a atividade social e recursos em direção comum objetivos... O desenvolvimento das instituições do Estado central e um aparelho administrativo apoiando, inevitavelmente deram forma e estabilidade às estruturas militares. O resultado foi uma expansão e estabilização das castas guerreiras anteriormente soltas e instáveis ... Na Suméria havia uma estrutura militar totalmente articulada e organizada permanente ao longo de linhas modernas. O exército permanente emergiu como uma parte da estrutura social e era dotado de fortes reivindicações de legitimidade social. E ele tem estado conosco desde então”. Muitos assumem erroneamente uma separação entre o poder político e o poder financeiro, mas é uma falácia de continuidade, pois os mesmos princípios fundamentais regem ambos. Os dois grupos têm interesse próprio e autopreservação como motivadores, sucesso político é sempre medido através de dinâmicas financeiras, o sucesso em campanhas é diretamente proporcional ao orçamento de cada candidato, sem mencionar o fato de que os ocupantes de altos cargos políticos quase sempre também fazem parte da elite econômica. Em um mundo dominado pelo dinheiro, o único voto que conta é o voto monetário.

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Guerra Imperial e suas Ilusões

Enquanto a cultura tradicional pode geralmente pensar em guerra imperial como uma variação de guerra em geral, argumenta-se aqui que a base da raiz de todas as guerras nacionais é realmente imperial em sua natureza. Todas as guerras na História humana tiveram a ver principalmente com a aquisição de recursos, território, um grupo de trabalho ou expansão de seu poder e riqueza material, ou trabalhar para se proteger de outros tentando conquistar e absorver a sua energia e riqueza. Mesmo muitos conflitos históricos que na superfície parecem ter fins puramente ideológicos ou religiosos, na verdade, são muitas vezes manobras econômicas imperiais disfarçadas. As Cruzadas cristãs do século XI, por exemplo, são muitas vezes movimentos considerados estritamente religiosos ou expressões de fervor ideológico. No entanto, uma investigação mais profunda revela um poderoso tom de expansão do comércio e aquisição de recursos, principalmente terra, sob o pretexto "religioso" de guerra. Isso não quer dizer que as religiões não têm sido uma fonte de grande conflito historicamente, mas sim mostrar que muitas vezes há uma simplificação encontrada em textos históricos em que a relevância econômica muitas vezes é perdida ou ignorada. Independentemente disso, a noção de “cruzada moral" como uma forma de cobertura para o imperialismo nacional econômico continua até hoje, e o uso político da religião também.

Na verdade, há uma tendência profundamente coercitiva testemunhada ao longo da história quando se trata de ganhar apoio público para o ato de guerra nacional. Por exemplo, uma análise superficial da história vai achar que todos os atos "ofensivos" de guerra, ou seja, a guerra iniciada por um determinado poder, por qualquer motivo (não uma resposta à invasão direta), origina-se dos associados da entidade governamental e não a cidadania. Guerras tendem a começar com algum tipo de sugestão anunciada que emana do poder do Estado e, depois, alimentada pela mídia, a cidadania é lentamente preparada para apreciar a sugestão. Tais táticas para a manipulação de uma sociedade pode assumir muitas formas. O uso do medo, a honra (vingança), o paternalismo patriótico, a moralidade, e a "defesa comum" são provavelmente as manobras mais comuns. Na verdade, invariavelmente, todos os atos de guerra são justificados como "defensivos" na esfera pública, mesmo se não houver nenhuma ameaça pública racional, tangível, a noção de “terrorismo” é um exemplo clássico de uma luta contra uma abstração, em que o inimigo jamais poderá ser vencido, portanto perpetuando a condição de guerra.

Esse último ponto da cultura da nação é mais bem exemplificado com as modernas reivindicações imperiais ocidentais de tentar espalhar "Liberdade e Democracia”. Esta afirmação tem uma posição paternal, defendendo a ideia de que o atual clima político de uma nação alvo é simplesmente demasiado desumano e intervenção para “ajudar” os seus cidadãos se torna uma “obrigação moral" do poder invasor. Nos EUA, a frase "Eu sou contra a guerra, mas apoio as tropas" é comum entre aqueles que se opõem a um determinado conflito, mas deseja ser visto como ainda respeitoso de seu país em geral. Esta frase é única, pois é realmente irracional. Para logicamente se “apoiar as tropas” significaria apoiar o papel de se existir uma tropa para começar, portanto, os atos que são exigidos por esse papel. O gesto implícito é que se defende a necessidade de guerra e, portanto, suporta os homens e mulheres das forças armadas que assistem a essa necessidade. As forças armadas têm estado historicamente em alta estima do público em geral. Honra é formalizada através de prêmios, metais, desfiles, posturas de respeito e outros adornos que impressionam o público quanto ao

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valor suposto das ações dos soldados e, portanto, da instituição da guerra. Isso reforça ainda mais o tabu cultural em que insultar qualquer elemento do aparato de guerra é visto como mostrando desrespeito pelo sacrifício das forças armadas. Do ponto de vista da proteção verdadeira e resolução de problemas, como seria o caso “honroso" de um bombeiro que salva uma criança de um prédio em chamas, essa admiração se justifica. A posição de colocar a própria vida em risco para o benefício de outro é, naturalmente, um ato nobre. No entanto, no contexto da guerra histórica, o altruísmo pessoal de um soldado não justifica grandes atos de agressão imperial, não importa o quão bem-intencionado o soldado possa ser. Além disso, essa preservação do medo orientada pelo aparato governamental estabelecido também gera outra guerra invisível contra a própria cidadania nacional, quase sempre amplificada em tempos de guerra. Aqueles que desafiam ou se opõem a um determinado conflito nacional, historicamente, têm sido tratados com a opressão direta e, por extensão cultural, o ressentimento público. Violações legais comuns e ambíguas de “traição” são exemplos históricos, juntamente com o padrão de suspender os direitos dos cidadãos em tempos de guerra, às vezes incluindo até mesmo os de liberdade de expressão.

Guerra de Classes: Psicologia Inerente

Passando para a “guerra de classes”, esta noção tem sido observada na literatura histórica ao longo dos séculos com base, em parte, em pressupostos da natureza humana e, em parte, nos pressupostos de uma falta de capacidade da Terra e nossos meios de produção para atender às necessidades de todos e, em parte, na consciência de que o sistema de capitalismo de mercado garante inevitavelmente divisão de classes e desequilíbrio devido a seus mecanismos inerentes, tanto estruturalmente quanto psicologicamente. Ninguém parece se importar com o fato de que a regra de heranças trata-se de uma loteria. Não há uma escolha em qual família nascerá qualquer pessoa, muito menos em que posição social, ou seja, a posição inicial de vida de qualquer ser humano é definida por um “sorteio natural”. Parece justo, já que tudo na natureza parece ser dessa forma. Porém hoje, com a capacidade de criarmos uma abundância, com o que entendemos de justiça e liberdade, estamos ainda vivendo a mesma vida que se vivia há dois séculos. Por acaso devemos começar a condenar filhos pelos crimes cometidos por seus pais? Da mesma forma parece ilógico fazermos isso com a classe social, em que a vida do indivíduo será fortemente influenciada pela riqueza (ou falta dela) dos pais. Isso é ousadamente chamado hoje de “meritocracia”. O resultado tem sido o maior abismo entre rendas na história, e só vem aumentando. E o mais grave é a percepção social de status, o que provoca pobreza relativa e violência estrutural. Quando na realidade, o homem mais rico do mundo deveria ser o mais altruísta, se a lógica fosse à ênfase social, o interesse próprio se tornaria interesse social, e com isso os mais ricos perceberiam que foi a sociedade que os enriqueceram, e se racionais de fato, sentiriam a necessidade de devolver isso à sociedade de alguma maneira. O contrário é verificável na prática, significando que quanto maior a riqueza do indivíduo, maior o egoísmo, isolamento social e indiferença (ver: http://business.time.com/2011/08/12/study-the-rich-really-are-more-selfish/).

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Essa ética não se limita apenas a indivíduos, pois temos uma hierarquia de classes entre países também, com uma minoria rica controlando, sendo credores dos demais. Portanto temos a realidade de que pessoas competem por melhores salários, empresas competem por fatias de mercado, da mesma forma que um país tenta proteger regiões estratégicas para expansão imperial. Todos os países recebem bilhões em receita arrecadada, vindo a maior parte de corporações. Países se tornaram negócios. Seria muita ingenuidade pensar que dentro desta psicologia inerente, países, pessoas ou empresas se comportariam de forma diferente, porque na realidade, dentro do jogo do perde-ganha, do cada um por si anárquico do mercado, uma empresa, pessoa ou país deve ter exatamente as mesmas intenções, as de maximizar resultados financeiros, com interesse próprio como incentivo primordial, e farão o que for preciso para se manter acima d’água, autopreservação significa manter-se vivo, ou aumentar lucros para que os mais próximos permaneçam vivos: quando uma empresa se inicia ela incorpora muitos funcionários, e a vida dessas pessoas está fortemente ligada ao estabelecimento em vários níveis. E não que seja a intenção, mas muitas vezes essas instituições serão forçadas, pelas circunstâncias de mercado às vezes mesmo contra sua vontade, a cruzarem a tênue linha do que é considerado “corrupto”. Todos em suas vidas financeiras comumente são forçados por pressões a engajarem em comportamento inadequado por necessidade, isso não é novidade. E poucos percebem o quão prejudicial é termos uma mentalidade tão egoísta baseada em isolamento, como o principal motivador das interações humanas.

Guerra de Classes: Mecanismos estruturais

Nos dias de hoje, com 46% da riqueza do planeta sendo possuída por 1% da população do mundo, descobrimos que tanto em termos de estrutura do sistema e da psicologia de incentivo, poderosos mecanismos existem para manter e até acelerar esse desproporcional desequilíbrio de riqueza. Desnecessário dizer que, pelo fato de que a base de tudo no mundo de hoje ser financeira, com uma grande riqueza vem um grande poder. Assim, este poder permite uma estratégia mais robusta para ganho competitivo e autopreservação e, consequentemente, por consequência das interações econômicas na própria estrutura sistêmica, assegurando que a classe superior tenha maior facilidade de manutenção da sua riqueza, enquanto as classes mais baixas enfrentam enormes barreiras estruturais para alcançar qualquer nível básico de segurança financeira, ou até mesmo de sobrevivência.

Alguns mecanismos de opressão desta guerra de classes são bastante óbvios. Por exemplo, o debate sobre a tributação, e como houve um favorecimento histórico da empresa rica sobre os pobres trabalhadores é um exemplo. O argumento geralmente gira em torno da ideia de que uma vez que os ricos também são a “classe proprietária”, parcialmente responsável pela geração de emprego geral, que deve ser dado a eles maior liberdade financeira. Como um aparte, é fácil ver que há muito pouco mérito nesse argumento unilateral uma vez que a opressão financeira através da tributação púbica realmente limita o poder de compra do público em geral, criando um impedimento sem dúvida mais poderoso para o crescimento econômico do que a mera limitação dos cofres corporativos dos "empregadores”. A única exceção a esta, que transcende o argumento dos ricos como “criadores de emprego”, é o advento da plutonomia, que será abordado mais à frente neste ensaio.

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Tributação de lado, outros quatro fatores estruturais mais críticos serão discutidos: (a) Dívida, (b) juros, (c) a inflação e (d) a disparidade de renda.

(a) A dívida é uma prática social incompreendida em que a maioria das pessoas assume como sendo uma opção na sociedade de hoje. Na realidade, todo o sistema financeiro é construído em cima da dívida, literalmente. Todo o dinheiro é trazido à existência por meio de empréstimos na economia moderna, vindo de bancos centrais e comerciais que essencialmente criam o dinheiro da própria demanda. Sem falar no absurdo que é termos algo de valor sendo gerado a partir de dívida, vamos analisar como este mecanismo de criação monetária é uma poderosa força de opressão econômica. A dívida das famílias hoje tende a se constituir de empréstimos de cartão de crédito, empréstimos de habitação, crédito de automóvel e empréstimos para estudos (educacional). Porém, nas classes mais baixas, naturalmente, mantiveram-se níveis mais elevados deste endividamento do que nas classes mais altas, uma vez que a própria natureza de ser incapaz de pagar a título definitivo para necessidades sociais básicas, como um carro ou uma casa, força a necessidade de recorrer a bancos de empréstimos. O resultado é que a pressão da dívida é constante na vida da grande maioria. O salário geral e taxas de rendimento são o que são, em média, naturalmente, os mais baixos possíveis para estar de acordo com o ethos dominante capitalista de custo-eficácia sobre o qual toda a sociedade é projetada, o rendimento salarial feito pelo empregado médio tende a apenas mal satisfazer suas necessidades básicas de manutenção de crédito, disputando espaço entre as necessidades básicas de sobrevivência cotidiana. Assim, temos uma vida de “correr no mesmo lugar”, e a possibilidade de mobilidade social para cima na hierarquia de classe é profundamente impedida, proporcional à dificuldade de simplesmente sair da própria dívida, eventualmente, com quaisquer imprevistos que inevitavelmente surgirão, as pessoas começam a se complicar, não conseguem mais subir à tona, entram em uma espiral descendente e terminam com opções financeiras bastante limitadas. Para entender definitivamente como o sistema bancário de criação de dinheiro funciona, sugerimos o documentário legendado em português, Zeitgeist Addendum e isso deve resolver qualquer dúvida sobre a fraude na essência do sistema, na criação do dinheiro (ver: http://www.youtube.com/watch?v=EewGMBOB4Gg).

(b) Juros: se dívida é a arma usada para escravizar multidões, juros são a munição. Juntamente com dívida é o atributo associado, o lucro da venda do próprio dinheiro. Uma vez que a economia de mercado capitalista apoia a mercantilizarão de praticamente tudo o que há, não é nenhuma surpresa que o dinheiro em si é vendido, e o lucro desta venda vem na forma de juros. Quer se trate de um banco central na criação de dinheiro em troca de títulos do governo ou um banco comercial fazendo um empréstimo hipotecário para uma pessoa física, as taxas de juros estão sempre embutidas.

Como mencionado anteriormente, isso cria a condição em que mais dívida é gerada de dinheiro real em circulação para cobri-lo. Quando um empréstimo é feito, só o que é chamado de "principal" é disponibilizado. A oferta de dinheiro de qualquer país, e por extensão de todo o mundo, é constituída por este principal, que é o valor agregado de todos os empréstimos concedidos (criação de moeda). A taxa de juro, por outro lado, não existe, não no presente. Isso significa que, no plano social, todos aqueles que tomam empréstimos com juros devem encontrar mais dinheiro na oferta de moeda pré-existente, a fim de cobri-lo no futuro quando pagar o empréstimo de volta. Neste processo, uma vez que todo o juro pago está sendo recolocado na economia, é uma inevitabilidade matemática que certos empréstimos simplesmente não podem ser reembolsados. Simplesmente não há dinheiro suficiente no

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mercado, em qualquer momento. Há sempre mais dinheiro devido do que dinheiro em circulação no presente. O resultado é uma pressão ainda mais poderosa sobre aqueles que fizeram tais empréstimos, pois há sempre essa escassez na própria oferta de dinheiro e todo mundo trabalhando para atender seus empréstimos têm de lidar com a realidade inevitável que alguém deixará de cumprir seu pagamento, mais ou menos como em um jogo de “dança das cadeiras”, alguém ficará de fora quando a música parar. Falência é um resultado comum e inescapável, e mesmo se houvesse mais dinheiro em circulação, existiria ainda mais dívida e a inflação faria as coisas retornarem ao mesmo grau do atual. O sistema não foi feito para ser mudado, é para ser mantido. Ainda mais preocupante é a forma como os mecanismos dos bancos reagem a aqueles que são incapazes de cumprir a sua obrigação de empréstimo. O contrato de empréstimo e o sistema legal apoiam o poder dos bancos, na maioria dos casos, para “reaver” a propriedade física de quem não pode pagar. Se pensarmos profundamente sobre essa capacidade de “reaver”, concluiremos que é sem dúvida uma forma indireta de roubo. Se for inevitável que alguns vão sucumbir ao não cumprir seu reembolso devido à escassez inerente na própria oferta de dinheiro, com o possível resultado da propriedade física obtida a partir do dinheiro que foi emprestado ser recuperada pelo banco através de acordos contratuais, a acumulação de patrimonial é inevitável ao longo do tempo. Isto significa que os bancos, que são sempre de propriedade de membros da classe superior com certeza, estão levando casas, carros e propriedades das classes mais baixas, simplesmente porque o dinheiro que eles criaram do nada na forma de um empréstimo não está sendo devolvido a eles, e jamais seria, é impossível, simplesmente pela realidade matemática de que hoje ou em qualquer momento no tempo presente, temos que: (principal) < (principal + juros), sempre. Esta é, em essência, uma forma velada de transferência de riqueza física do pobre para a classe alta. No entanto, tais pressões são de pouco interesse direto para a classe alta devido ao excesso de riqueza inerente à sua situação financeira, juntamente com a falta de necessidade de tomar empréstimos, na maioria das vezes devido a esse excedente, a pressão da escassez inerente à oferta de dinheiro devido às taxas de juros sempre recai sobre os ombros das classes mais baixas. Ao mesmo tempo, os ricos são a classe mais protegida com o fenômeno dos rendimentos de investimento através de juros a partir de contas de poupança, certificados de depósito e outros meios, transformando este veículo de opressão social para os pobres em um veículo de vantagem financeira para os ricos. O juro tem um efeito de recompensa para quem já possui capital, e um efeito de castigo para quem não o possui, ou de despesa para os pobres e de receita para os ricos. Se um trabalhador vai ao banco emprestar para sua casa, ele paga os juros. Logo depois, se um milionário aparecer no banco para aplicar seu dinheiro, fará receita. Em tese, o banco está usando a quantia paga em juros pelos mais pobres para pagar os ricos, tirando o seu lucro de intermediário no processo, obviamente. Isso garante uma imensa divisão de classes, estruturalmente. Não deveria causar espanto esse abismo entre as riquezas pessoais, essa desigualdade não é uma anomalia inesperada, é exatamente como o sistema foi projetado para operar, essa disparidade de rendas só irá crescer e lutar contra essa tendência natural dentro da lógica em que foi desenhada é simplesmente perda de tempo. E o mundo desigual, ineficiente, desequilibrado e violento que vemos ao redor é o resultado.

(c) A inflação é geralmente definida como “A taxa em que o nível geral de preços de bens e serviços está crescendo, e, consequentemente, o poder de compra está caindo”. Infelizmente, esta definição comum não dá insights sobre sua verdadeira causalidade. Embora tenha havido debate sobre as verdadeiras causas da inflação em diferentes escolas econômicas, a "Teoria Quantitativa da Moeda” tem sido comprovada como a mais relevante. Em suma, esta teoria simplesmente reconhece que quanto mais dinheiro em circulação, mais inflação ou o aumento dos preços. Em outras palavras, todas as coisas sendo iguais, se dobrar a oferta de moeda, os

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níveis de preços também vão dobrar, etc. O novo dinheiro dilui o valor do dinheiro existente em uma variação de oferta e demanda de seu valor.

A consequência disso é o que poderíamos chamar de um “imposto oculto” na poupança das pessoas e as taxas de renda fixa. Por exemplo, vamos supor que a taxa de inflação é de 3,5 % ao ano. Se alguém tiver R$ 30 mil, depois de dez anos, a pessoa só vai comprar cerca de R$ 20 mil em mercadorias. Embora isso possa parecer ter um efeito igual para toda a sociedade, a realidade é que afeta os pobres muito mais do que os ricos quando se trata de sobrevivência. Uma pessoa com trinta milhões de reais em poupança é sim prejudicada pela perda de 3,5% do poder de compra. No entanto, uma pessoa com apenas trinta mil em poupança, trabalhando para talvez amortizar uma casa no futuro, é profundamente afetada por este imposto oculto. No contexto do classismo estrutural, os atributos fixos do sistema em si resultam na opressão dos pobres e ajuda aos ricos. A escassez na oferta de dinheiro para atender obrigações de dívida força mais empréstimos na economia. Juntamente com isto, temos o processo de expansão monetária agora globalmente utilizado conhecido como o sistema de empréstimo de reservas fracionárias. Ao contrário da crença popular, a maioria dos empréstimos não é dada a partir de depósitos existentes de um banco. Eles são inventados, em tempo real, limitados apenas por uma percentagem fixa de seus depósitos existentes. Em suma, devido a este processo ao longo do tempo, é possível que, para cada R$ 10.000,00 depositados, cerca de R$ 90.000,00 possam ser criados a partir dos R$ 10.000,00 originais através do processo de empréstimos e depósitos em curso em todo o sistema bancário mundial (ver: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1387). Esta pirâmide de dinheiro, juntamente com a pressão do interesse que cria a escassez da oferta de moeda, revela que o sistema é inerentemente inflacionário e esforços podem ser feitos apenas para amenizar sua velocidade.

(d) as diferenças de rendimento na sociedade também têm suas causalidades psicológica e estrutural. Psicologicamente são movidas, em parte, pelo lucro básico e pelo incentivo de minimizar custos para continuar competitivo e funcional no mercado. Em muitos aspectos, este incentivo pode ser considerado cognitivo estrutural, já que há um limite de comportamento que todos os intervenientes na economia de mercado devem seguir quando se trata de sobrevivência. Em outras palavras, os valores sociais são alterados por esta necessidade econômica de constante autopreservação e, muitas vezes, ela se manifesta em comportamentos que, por abstração, podem ser condenados como “excessivos”, ou “egoístas” ou “gananciosos” quando, na verdade, essas características são nada mais que meras extensões ou questões de grau com relação a esse condicionamento básico de "ficar na frente dos outros”.

Portanto, a tendência geral de aumento da desigualdade de renda não deve ser uma surpresa. Enquanto os Estados Unidos, com sua cultura profundamente competitiva, é um dos destaques da extrema desigualdade de classe, hoje a tendência é muito mais um fenômeno global. Podemos concluir que certos fatores estruturais estão ajudando a disparidade, com medidas assistencialistas cada vez maiores sendo necessárias. Podemos também concluir que esses mecanismos não são anomalias do sistema, mas sim representam uma evolução natural do capitalismo através do tempo, o sistema nunca foi sustentável, apenas levou todo esse tempo para as consequências de suas falhas se manifestarem mais claramente. Por exemplo, a grande renda agora vinda de “ganhos de capital” é um caso em ponto. Embora aparentemente

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uma nuance menor da renda geral, alguns analistas econômicos têm considerado os ganhos de capital como sendo o “ingrediente chave da disparidade de renda nos EUA”. Os ganhos de capital são definidos como “o montante pelo qual o preço de venda de um ativo excede o seu preço de compra inicial. Um ganho de capital realizado é um investimento que tem sido vendido com um lucro”. Seu contexto mais comum é a que diz respeito à venda de ações, títulos, imóveis, derivativos futuros e outros abstratos “veículos comerciais”. Verificou-se que nos Estados Unidos, 0,1% da população ganha cerca de metade de todos os ganhos de capital, e tais ganhos representam cerca de 60% da renda dos 400 cidadãos mais ricos. O mecanismo de classe de mais-valias é interessante porque é uma forma privilegiada de renda. Enquanto o mercado de ações pode ser usado como conservador de fundos mútuos e de investimento de aposentadoria pelo público em geral, é realmente um jogo de classe da pessoa superior quando se trata de retornos substanciais devido ao alto nível de capital inicialmente necessário para facilitar tais retornos de alto valor. Como o sistema bancário, o ganho de capital é um mecanismo de garantia de classe, alimentado pela riqueza preexistente.

É importante ressaltar que existem no mundo fortes ressalvas quando se fala de extinção de classes sociais, como uma Economia Baseada em Recursos faria por consequência do fato de dinheiro não ser mais necessário em um mundo com abundância de acesso. Algumas associações históricas são logo levantadas, como a semelhança com socialismo ou comunismo. As razões para eliminação de classes em uma EBR são outras. Não queremos igualdade apenas pelo bem da igualdade, queremos e devemos ser cientificamente corretos. É hoje provadamente certo afirmar que criar divisões artificiais dentro da sociedade, como classes sociais, é algo nocivo à saúde social. O mesmo pode ser dito quanto à remoção da ideia de propriedade privada, ela é ineficiente se comparada ao livre acesso universal de bens, com menos uso de recursos e desperdícios, portanto de novo, há uma racionalidade científica que não se encontra em lugar algum no marxismo. Muito menos estamos afirmando que toda pessoa é igual e deva ser tratada como tal, isso seria impossível, ninguém pode ser simplesmente “igual” a outro. Porém, reconhecemos a realidade de que somos sim os mesmos no que tange nossas necessidades biológicas, afinal todos nascemos nus, precisando de comida e água, abrigo e toque humano. Não é uma noção “marxista” organizar e administrar o planeta e seus recursos para maximizar sustentabilidade, Marx sequer sonhava com uma falta de recursos, assim como os filósofos do capitalismo, ambos os sistemas, capitalismo e socialismo, não incorporam possibilidade de esgotamento pelo próprio pressuposto de crescimento constante. Todos os “ismos”, capitalismo, fascismo, comunismo, socialismo são apenas variações do mesmo sistema, o monetarismo.

Há também o histórico receio de economias planejadas. Primeiramente uma EBR não é centralmente planejada, cada região/cidade será seu próprio polo independente. Há uma padronização quanto ao uso da metodologia científica, portanto poderíamos chama-la de “planificada” descentralizada, ou melhor, o termo “distribuído” parece mais adequado, pois não há poder concentrado, é totalmente distribuído como uma rede de computadores, assim como uma democracia direta é descrita em sua operação. O próprio conceito de “orçamento” denota planejamento, em todas as atividades dentro do sistema de mercado inclusive, se uma empresa não rastreia inventário, eventualmente ficará desorganizada. É apenas uma questão de se aplicar essa responsável gestão para todo o planeta.

Como um ponto final na questão da desigualdade de renda, é importante observar como o crescimento econômico nacional, muitas vezes relaciona-se com os da própria classe alta,

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reduzindo a relevância econômica das classes mais baixas. O termo “plutonomia” é usado neste caso. A “plutonomia” é definida como "a hegemonia e crescimento econômico sendo alimentado e consumido pelos mais ricos da sociedade”. Plutonomia refere-se a uma sociedade em que a maioria da riqueza é controlada por uma minoria cada vez menor e, como tal, o crescimento econômico da sociedade inteira torna-se dependente das fortunas dessa minoria rica. Poderia até ser argumentado que o próprio progresso tem guerra travada contra ele próprio desde que as instituições corporativas estabelecidas mantêm forte participação de mercado em um determinado setor, muitas vezes trabalhando para fechar impiedosamente tudo o que pode competir com eles, mesmo que o produto seja progressivamente melhor ou mais sustentável. Graças à concorrência, ideias melhores, em alguns casos, acabam prevalecendo, mas só depois de muito esforço, e essa é a questão, sofrimento e trabalho desnecessário. A mudança e o progresso em si, em termos reais, não são prontamente recebidos no sistema capitalista, uma vez que muitas vezes atrapalham o sucesso das instituições estabelecidas. A taxa incrivelmente lenta de aplicação de novas tecnologias é um bom exemplo.

Em nível nacional ou internacional, a "paz" hoje parece ser apenas uma pausa entre os conflitos na civilização global. Há uma guerra acontecendo em algum lugar praticamente o tempo todo e quando não há, as grandes potências estão ocupadas construindo armas mais avançadas e/ou vendendo essas armas para outros países, tudo sob o nome não só da proteção, mas em nome de "um bom negócio", como interesses do bem maior e comum. As próprias nações assumiram uma forma de hierarquia de classes dominantes com poucas no mundo subjugando as demais nações pobres, como o terceiro mundo. Nada de novo, tais noções como as de superpotências, estados emergentes e estados vassalos podem ser encontradas na literatura histórica com relação à hierarquia de classe internacional, e os mecanismos estruturais que mantêm este gradiente não são muito diferentes em sua interação do que os que mantêm as classes sociais como são. É assim que a espécie humana se comporta dentro de um ambiente de escassez, que sempre esteve presente, pelo menos ao longo dos últimos dez mil anos. Podemos ter inúmeras leis para coibir comportamento aberrante, porém enquanto tivermos escassez, ou medo dela, teremos seres humanos se comportando de maneira corrupta, quebrando essas leis. É importante que os reforços positivos sejam inerentes ao desenho sistêmico social, ou o comportamento desejado não irá prevalecer como dominante. Por exemplo, enquanto os sistemas da dívida e dos juros, como descrito, fazem muito bem para manter a pressão sobre as classes mais baixas, limitando estruturalmente prosperidade e mobilidade social, o mesmo efeito ocorre para reprimir uma nação através do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. Mesmo John Adams, o segundo presidente dos Estados Unidos apontou isso com sua declaração: "Há duas maneiras de conquistar e escravizar um país: uma é pela espada. A outra é pela dívida”. Na escala mais ampla, a verdadeira guerra está sendo travada na resolução de problemas e harmonia humana. A verdadeira guerra está em um equilíbrio de poder e justiça social. A verdadeira guerra, com efeito, é sobre a instituição da igualdade econômica. Talvez a maior guerra de fato hoje, está na noção de sustentabilidade cultural da espécie, nosso comportamento e valores, e a forma mais clara e gráfica de tais conflitos se mostra na forma de violência ou crimes.

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POBREZA E CRIME

Em todo o mundo de hoje as pessoas falam sobre a necessidade de igualdade. Boa parte das pessoas alfabetizadas no mundo não tem problemas com o gênero oposto ou preconceito racial. A ideia de ser sexista ou racista tornou-se uma visão profundamente indesejável, embora não foi há tanto tempo no mundo ocidental que tais pontos de vista culturais foram considerados "normais”. Parece haver um ciclo de evolução que pretende equalizar sociedade que é, por definição, o que o gesto base da "democracia” é suposto indicar. Historicamente há uma tendência: primeiro a questão de igualdade de raças; passamos por gênero; depois a polêmica da orientação sexual. Uma questão permanece, e provavelmente será a próxima, a divisão de classes, que é uma questão de direitos civis assim como as outras. A forma mais opressiva do sofrimento humano segregado continua largamente despercebida em seu verdadeiro contexto. Hoje, não é a raça, sexo ou credo que mantém a maioria oprimida, é a instituição de classes sociais. Agora temos a segregação entre “ricos” e “pobres" e, como no racismo, estas formas ideológicas e estruturais de opressão discriminam e dividem a espécie humana de maneira profundamente poderosa e destrutiva.

Na visão ampla, este teatro de guerra multidimensional, verdadeiramente um mundo em guerra contra si mesmo, é totalmente insustentável. Está se tornando cada vez mais claro, dado os problemas sociais em aceleração, que o ethos da concorrência do cada um por si e a visão estreita da autopreservação/interesse próprio em detrimento de outros valores mais colaborativos não serão fonte de qualquer resolução ou a prosperidade humana no longo prazo. Martin Luther King Jr. tinha um sonho de uma renda mínima garantida a todos os cidadãos, ricos e pobres, ele queria estabilizar a sociedade e foi morto pouco depois, porque ele sabia que preconceito não parava na cor da pele. Vivemos em um constante estado de racismo econômico, ou “classismo”. Começaremos analisando as causas raízes, o denominador comum quando o assunto é conflito, a pobreza.

“A maior forma de violência é a pobreza”

Mahatma Gandhi

Todos sabem os efeitos destrutivos da pobreza. Seja inibindo a sobrevivência ou comprometendo a felicidade dos indivíduos, falta de poder de compra é hoje, sem dúvida, não só a maior causa de estresse, doenças e suicídios, mas um cerceamento da liberdade em si. O fato do valor do indivíduo não ser reconhecido pelo critério de que a pessoa existe como um ser humano, mas pelo quanto ele pode ganhar no jogo monetário que estabelecemos é realmente o ponto a ser atacado. A grande confusão capitalista é que se trata de um sistema que mistura “necessidades” humanas com “vontades” humanas, considerando sobrevivência como uma prerrogativa, mas não uma garantia. A humanidade precisa basear suas “vontades” nos princípios científicos de sustentabilidade. Ninguém de fato tem escolha, ninguém pede para nascer no mundo, muito menos escolhe as condições de seu nascimento. E ao nascer, o pior erro que alguém pode cometer é o “azar” de nascer pobre. A palavra azar é perfeita nesse caso, pois denota a forte conotação arbitrária dessa loteria de heranças. É assim que uma pessoa tem definido o seu ponto de partida na vida, arbitrariamente. Antes de prosseguir, faz-se necessário diferenciar dois tipos de pobreza.

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Pobreza Absoluta:

Esta é a forma mais conhecida, tem a ver com a falta de recursos e os efeitos diretos da inibição do poder de compra. Doenças de todos os tipos é a consequência comum e até eventualmente a própria morte por insuficiência de água, calórica ou de vitaminas.

Pobreza relativa:

Pobreza relativa é mais escondida, velada. É a pobreza mental, de estado de espírito, que usualmente deriva da comparação relativa entre riquezas das pessoas. É uma forma de estresse psicossocial. Somos seres profundamente sociais, está impresso em nossa biologia evolutiva, por assim dizer. E o mais importante, essa forma de pobreza, apesar de não ser tão direta, é tida hoje como a mais severa, manifesta-se na forma de violência estrutural. Tudo indica que pior do que ser pobre, é sentir-se pobre, e as ramificações psicológicas são tremendas, e refletem naturalmente por toda sociedade.

Para ilustrar os efeitos da pobreza relativa, um estudo para o World Bank (K. Hoff and P. Pandey, Belief Systems and Durable Inequalities: An experimental investigation of Indian caste. Policy Research Working Paper. Washington, DC: World Bank, 2004) fez um pequeno experimento de colocar dois grupos de estudantes do mesmo nível escolar e idades, porém de classes sociais bem diferentes, juntos em uma sala para fazer dois testes sobre conhecimentos gerais, resolver enigmas e problemas em geral. Durante o primeiro teste, ambos os grupos são colocados em uma mesma sala, mas separados, os mais ricos de um lado, os mais pobres de outro, porém não lhes é informado sobre a circunstância de suas castas. São apenas meninos e meninas, juntos em uma sala, fazendo uma prova. Antes do segundo teste, porém, lhes é informado que um dos grupos é bastante rico na sociedade, enquanto que o outro é bastante carente. O resultado das provas, ou melhor, a diferença entre os resultados das duas provas é dramática: no primeiro teste, constatou-se que em todas as ocasiões em que o experimento foi repetido, todos os alunos obtiveram notas semelhantes, com os alunos mais pobres superando os mais ricos a propósito, mas com uma distribuição dispersada de desempenho em geral, como é de se esperar de crianças heterogêneas. Porém, o resultado do segundo teste, depois que souberam das diferenças de classes, demonstra uma substancial superioridade de desempenho entre os mais ricos em relação aos mais pobres, mas só depois que estão sabendo disso.

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Parece haver uma tendência no ser humano de se comportar mal quando se espera isso deles, e o contrário também é válido. Trata-se de um fenômeno de identidade e como a sociedade o percebe. E aparentemente quanto maior for o desprezo com que alguém é encarado pela sociedade, maior é a indiferença em relação a si mesmo. Os experimentos mostram que quando a sociedade não se importa conosco, não nos importamos também. Claro que em muitos haverá um efeito contrário e servirá como motivação pessoal, mas verifica-se, na maioria dos casos, que há uma tendência de desempenho inferior quando já se está “por baixo” na hierarquia. O psiquiatra criminal James Gilligan, professor da Harvard Medical School e diretor de Saúde Mental do sistema prisional de Massachusetts (ver: http://en.wikipedia.org/wiki/James_Gilligan), afirma que ao entrevistar os mais violentos prisioneiros que nossa sociedade já produziu e questioná-los por que razões mataram, as palavras são sempre semelhantes: medo, vergonha, humilhação e desonra são as mais comuns. A humilhação de ser “olhado por cima” parece insuportável dentre eles, o que faz sentido, dada a suas origens de profunda exploração. Temos a tendência de nos comportarmos mais violentamente e/ou desonestamente quanto maior for à situação de escassez, ou ameaça dela. Isso acontece com um país que vai para guerra com outro para adquirir recursos, posições estratégicas ou segurança na moeda, assim como quando um indivíduo recorre a pular a linha tênue do que é considerado “ético” ou “correto” quando tem sua integridade ameaçada. Ao nos sentirmos acuados em um canto, sem informações ou educação adequada, com percepção de menos oportunidades que outros, recorreremos ao crime. Não todos nós, mas uma boa parte. É tudo uma questão do grau da ameaça a nossa integridade. James Gilligan também descobriu que os mais cruéis molestadores de criança em sua maioria foram sobreviventes de suas próprias tentativas de abuso na infância, é um ciclo. Mas não só sobrevivência está em jogo. Nosso estado mental de autoestima também. Um pai, para não lidar com o fato de que não consegue dar um brinquedo ao filho, pode recorrer ao crime. Não é uma inevitabilidade, mas há uma propensão natural. O ponto principal é que

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pessoas não são inerentemente egoístas ou gananciosas, as interações dentro de uma economia de mercado exigem que as pessoas assim o sejam, quando sua capacidade de conforto, sustento, lazer e status estão atrelados diretamente ao seu poder de compra conquistado em um ambiente competitivo onde a sua capacidade de sucesso significa inibir o sucesso de outros, por exemplo, em uma entrevista de emprego, ou na briga por fatias de mercado, comportamento ganancioso é uma inevitabilidade. Pode ser educado, pode tudo ter aparência bastante cortês e a linguagem geralmente formal, mas as consequências desse jogo são bastante reais, um perde, outro ganha, e quando sua sobrevivência está em jogo, pessoas serão forçadas a pisar fora das linhas e agirão de forma aberrante. É um sistema competitivo até mesmo em sua arquitetura, ao olhar uma cidade de longe podemos saber quais são as mais capitalistas, as que possuem os maiores edifícios, cada um por si, desigual. Pois se eu sou o homem mais rico do mundo, por que não também ser dono do prédio mais alto do mundo? E o melhor carro. Talvez a melhor esposa... E se outro ousar fazer um edifício maior, eu faço outro ainda maior. É hilário e realmente inacreditável como as pessoas não percebem que nunca se poderá atingir paz duradoura com um sistema de valores assim, com uma mentalidade tão egoísta sendo o principal motivador. É essa mentalidade competitiva que não tem meio termo, que não tem equilíbrio, nunca poderemos atingir paz e prosperidade cultural real enquanto isso não mudar. Em suma, pessoas não são gananciosas ou corruptas, elas estão bem ajustadas a um sistema corrupto, ou seja, humanos estão se comportando como sempre nos comportamos, como a natureza nos fez, nos adaptando às situações, ao ambiente ao nosso redor, é assim que a espécie tem sobrevivido.

Vamos discutir escassez versus abundância sistematicamente. Suponhamos que chova ouro em pó no mundo todo por uma hora. Pessoas ficariam descontroladas, elas encheriam suas casas, todas as gavetas, provavelmente jogariam os móveis e tudo o mais que conseguissem para terem mais espaço em casa a fim de estocar ouro em pó. Agora, suponhamos que chova ouro por cinco anos, de modo que ele esteja por todo lugar, o que aconteceria? Pessoas iriam varrê-lo para fora, jogariam seus anéis, brincos e todo resto feito de ouro e o comportamento humano novamente se adaptaria a essa situação. Esta é a única razão por que não se vê ninguém roubando água do mar, oxigênio, grãos de areia numa praia, ou colocando um preço nos raios de sol. Crime só existe quando há escassez. Só existe um guarda/policial na frente de um lugar que contem algo a que as pessoas de fora não têm livre acesso. Se houvesse milhões de peixes facilmente acessíveis para cada ser humano, e frutas e legumes crescendo em todo lugar, com alguns milhões de metros quadrados de terra fértil para cada um, dinheiro não entraria em existência, a ideia de propriedade não se manifestaria, ninguém teria o interesse em delimitar seu território. Capitalismo, em suma, é a ideia de acumularmos recursos. O problema é que durante esse processo nos empolgamos um pouco, deixamos alguns acumularem demais e se fecharem dentro de seus condomínios, “trancando para fora” o restante da humanidade. Nada de novo, não é corrupção, desonestidade ou ganância, é apenas a velha liberdade de mercado. Essa é a raiz do problema, uma distorção no sistema de valores. Em que ponto aquele bilionário na capa da revista deixa de ser um ícone de status e sucesso, e passa a ser um exemplo de neurose e uma fonte de violência social? Há uma grande quantidade de violência material no mundo, e considerando ainda as duas formas de pobreza, relativa e absoluta, derivam delas duas formas de violência, física e estrutural. Pessoas perguntam se em uma EBR não existe propriedade privada, o que acontece se “eu quiser uma mansão com 100 cômodos e dois jatinhos no jardim da frente?”. A resposta que eu tenho para

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isso é: “e se “eu quiser” todo o continente da África como meu quintal?”. Isso é mesmo humano? Em que ponto na sociedade as coisas se tornam irracionais, loucas, e realmente violentas? E a pergunta mais importante que aparentemente a humanidade não tem resposta, “quanto é o suficiente”? Precisamos mudar essa ideia de que podemos ter muito mais e direta ou indiretamente atropelar outras pessoas porque simplesmente nosso sistema nos concede a “liberdade” para isso.

Violência física ou verbal:

Trata-se da forma mais usual, toma forma de agressão física ou verbal, e até certas formas mais indiretas de intimidação, coerção e ameaça.

Violência Estrutural:

Suponhamos uma mãe de família saudável aos 30 anos de idade. Em um fatídico dia alguém tira a vida dessa mulher em um assalto com arma de fogo. Ela tinha 80 anos de expectativa de vida, sendo, portanto, 50 anos retirados dela, sem dúvida uma forma de violência clara. Mas imagine agora o caso da mesma mãe agora em um ambiente de extrema pobreza, aos 30 anos. Devido a estresse e privação, essa mulher desenvolve problemas cardiovasculares (que provadamente tem origens em estresse e privação) e morre de um ataque, perdendo novamente 50 anos de vida. Isso não é também uma forma de violência? É o que chamamos de violência estrutural. Nosso sistema judiciário/legal nos condicionou a perceber violência como um ato comportamental direto, porém violência é um processo, sempre foi, nunca um ato isolado, não um evento singular. Esta forma de violência é oculta em sua maior parte. Tem a ver com as consequências diretas ou indiretas do fenômeno da disparidade de renda e comparação relativa. Entendemos bem as limitações de ser pobre, fome, sede, frio, mas os efeitos psicológicos da desigualdade são ainda mais profundos. A pobreza relativa é causa sofrimento não de fome, mas de estresse. Isso não aconteceria tão acentuadamente em um ambiente onde só houvesse pessoas pobres. É a comparação relativa dentro de uma realidade de desigualdade que traz o estresse psicossocial ao sermos associados à ideia de fracasso. As consequências disso são enormes. Pode-se discutir que violência estrutural é hoje a maior causa de morte no planeta Terra. Ela matou mais que todos os ditadores juntos, todas as guerras juntas, e todas as doenças juntas. Não é de se surpreender quando atos aleatórios de violência ocorrem (como tiroteio ou arrastões em shoppings e aeroportos, por exemplo) porque esse sistema é tão cáustico e desumano, e produz desigualdade social naturalmente e inevitavelmente. Não depende do grau de interferência do estado na economia, foram estudados países mais socialistas política e/ou economicamente, outros de mercados mais “livres”, mas não foi essa diferença que demonstrou correlação com os problemas sociais. O que os dados mostram é uma relação direta dos problemas estudados apenas com o nível de desigualdade de renda na região. Temos hoje, de longe, a maior desigualdade de renda da História (ver: http://www.youtube.com/watch?v=_TyiltuRss4). Vamos aos dados do estudo, tomando por base apenas os países mais desenvolvidos para efeito de foco, abordado no livro The Spirit Level (2009) dos autores Wilkinson & Pickett (ver: https://www.dur.ac.uk/resources/wolfson.institute/events/Wilkinson372010.pdf):

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1. Índice de bem estar infantil da UNICEF, maior em países mais iguais;

2. Gravidez na adolescência, menor em países mais iguais;

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3. Taxas de homicídio, menor em países mais iguais;

4. Mobilidade Social, maior em países mais iguais;

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5. Obesidade, menos comum em países mais iguais;

6. População carcerária, menor em países mais iguais;

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7. Desempenho Escolar, melhor em países mais iguais;

8. Uso de Drogas, menor em países mais iguais;

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9. Doenças Mentais, menos comum em países mais iguais;

10. Mortalidade Infantil, menor em países mais iguais;

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11. Expectativa de vida, maior em países mais iguais;

12. Finalmente, todos os problemas analisados de forma agregada:

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Os Estados Unidos, o mais rico e desigual do mundo acaba com a concorrência quando se trata de problemas sociais. Eles ainda possuem a maior população carcerária do planeta, ¼ da população carcerária no mundo, e ainda a população mais armada do mundo. Será mesmo um problema genético, ou de “pessoas ruins”? O Canadá logo ao lado, separados apenas por um pequeno rio, tem níveis de estresse e violência bem menores. Ambos os países são ricos, o que os diferencia bastante é a disparidade de renda, que no Canadá é ínfima em comparação. E para provar que o problema é de fato a desigualdade de renda e não a renda em si, os dados não mostram qualquer padrão quando são analisados considerando apenas pobreza absoluta:

Mas ninguém melhor que o próprio autor do livro, Richard Wilkinson, para explicar melhor todo o espectro de violência estrutural gerada pela pobreza relativa (ver: http://www.ted.com/talks/richard_wilkinson.html, legendado em português).

E a faceta mais violenta de tal guerra de classes se manifesta na forma de crimes. Em uma Economia Baseada em Recursos, esses crimes seriam praticamente todos eliminados, pela simples razão que 95% dos crimes aproximadamente, têm suas origens em privação material ou alguma razão monetária diretamente. Para se acabar com a criminalidade, temos que atender as necessidades humanas, sem uma etiqueta de preço. Hoje se um ladrão rouba por necessidade uma loja de conveniência e leva no bolso digamos três mil reais, eles são enviados para prisão, onde vão custar pelo menos trinta mil reais por ano para a sociedade, e eles não saem de lá melhores. Seria mais barato socialmente dar o dinheiro a ele antes do crime, sem a violência, custo do aparato policial e possível perda de vidas humanas, prevenir é sempre

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melhor que punir. Mas e quanto aos outros 5% dos crimes, os realmente violentos, são apenas “pessoas más”? Bem, dentre esses, grande parte é gerada indiretamente pela economia de mercado, por estresse ou neurose, afinal vivemos em um paradigma competitivo que ensina as pessoas a serem maus perdedores desde o nascimento, com a ideia de fracasso sendo associada a desemprego e renda insuficiente. Mesmo os mais ricos acabam por serem vítimas de tal estresse psicossocial, pois os efeitos dessa preocupação com autopreservação não são restritos exclusivamente aos mais pobres, tais pressões afetam os ricos igualmente, e muitas vezes de forma talvez até mais intensa, pois são eles os que possuem maior patrimônio a perder, e por isso vemos comportamento violento e antissocial também entre os ricos. Os ricos vivem em um ambiente farto, porém apenas para eles, não vivem em um mundo de igualdade e paz, onde todos estão seguros e não teriam motivos para tomar o que é dos outros. Outra parte desses 5% restantes dos crimes não materiais ou monetários é devido ao vício em drogas, o que geralmente só resulta em comportamento violento quando o usuário não tem dinheiro para ter acesso à droga, e vício em drogas é um distúrbio, não um crime. Há também os psicopatas violentos, que são basicamente pessoas doentes que precisam de tratamento. Provavelmente teríamos que tratá-los em instalações específicas, com atenção, dedicação, oferecendo todas as chances para que tais indivíduos possam se reintegrar à sociedade. Mas não é do intuito deste ensaio definir padrões ideais de moral, tampouco definir a forma ideal de lidarmos com infratores. Este ensaio é uma defesa do método científico de raciocínio e avaliação, e no futuro, em uma Economia de Lei Natural, recuperaremos os criminosos da melhor maneira que tivermos para fazê-lo na época, com os melhores métodos que a ciência inferir a partir de testes. Tudo indica que em um mundo saudável, criminosos ou quaisquer indivíduos que apresentem comportamento aberrante seriam encaminhados pra uma espécie de instituição com alguns atributos de escola, alguns elementos de hospital psiquiátrico e outros de aldeia comunitária, na tentativa de reinserir o “criminoso” no convívio social.

É importante frisar que crime é um fenômeno cultural. O ato de roubar ou mesmo matar, teve de ser aprendido em algum momento na vida. Ninguém nasce corrupto ou antiético, eles se tornam assim. Cada palavra que falamos foi aprendida, em algum ponto na vida o criminoso teve que aprender o ambiente competitivo e a escassez que o cerca, depois o que é um crime, o que é uma arma, como usar uma arma, testemunhar outros parceiros roubando, e ter as motivações necessárias. Há sociedades mais igualitárias como os Amish nos EUA e Canadá (ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Amish), ou a comunidade de Twin Oaks em Virgínia (ver: http://www.twinoaks.org/), ou então as comunidades Kibbutzim de Israel (ver: http://www.kibbutz.org.il/eng/081101_kibbutz-eng.htm), que não possuem um só caso de homicídio registrado em sua História. De fato, essas comunidades já foram até escolhidas para recuperação de criminosos, o que é facilitado quando a pessoa convive em um ambiente pacífico, com valores mais humanos, pois tendemos a nos adaptar ao mundo a nossa volta, a minoria tende a se adaptar à maioria, assim, se vivemos numa favela violenta, temos grandes chances de seguir uma vida de crimes, diferente de comunidades como essas, em que pessoas estão inseridas em um ambiente onde ninguém nunca usou uma arma, onde ninguém sequer recorda-se do último assalto ou homicídio.

Um julgamento criminal justo será impossível enquanto só olharmos para o evento pontual culminante, o ato criminoso. Esse é o sintoma, não a causa. Que tal começarmos a julgar, ou pelo menos considerar a motivação e histórico social e cultural da pessoa? Como podemos julgar pela culminação de uma série de ramificações na vida de alguém, sem levarmos em

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consideração seu ambiente e condicionamento? A maioria dos criminosos teve sua vida boicotada desde o nascimento. Temos que começar pelo começo, não pelo fim, não se pode ter a pretensão de corrigir ou punir, nem mesmo perdoar um ser humano por um ato consequente de uma série de eventos em cadeia. Temos que ir à raiz, no começo da história de cada um, e darmos aos seres humanos a capacidade de atingirem seu maior potencial, desde o berço, a fim de perseguirem na vida o que de fato têm vontade de alcançar, com educação e amor. Amor é outro ponto importante, alguém criado a vida toda sem receber carinho e amor, não terá amor para dar quando adulto.

Na tentativa de impedir crimes, temos a Constituição Federal e leis, ou seja, proclamações em papel. Essas são nada mais que tentativas de lidar e coibir as inevitáveis consequências das ineficiências do sistema econômico. Não se pode solucionar um subproduto da pobreza e privação? Vamos escrever em um papel que é errado roubar o que é dos outros e assumir isso como solução. Se infringirem a lei, não importa o motivo, jogaremos na cadeia. Essa é a forma que a sociedade “resolve” o problema, ou melhor, se livra dele, vira as costas para ele. Para começar, deveríamos estudar essas pessoas, entender o que houve a fim de tentar evitar que isso aconteça no futuro com outros, temos que entender o que faz um criminoso e como evitar. Mais além, a causa raiz está totalmente esquecida na análise. Por exemplo, nos EUA, a quarta emenda existe para tornar ilegal que o governo invada, questione ou apreenda quaisquer cidadãos sem uma causa provável. Qual seria a definição de “causa provável”? No dicionário podemos achar “provável” como “algo razoável de ocorrer”. Então vamos pesquisar a palavra “razoável” que no dicionário é definida como “não excessivo; moderado”. Portanto não há tal coisa como um “direito inalienável”, pois a referência pode ser manipulada à vontade, e isso explica o porquê de tais leis serem abusadas e distorcidas diariamente. Mas o que quase nenhum cidadão se pergunta, essa ideia ainda evita o problema de fato: por que o governo americano teria motivos para invadir e apreender para começar? Por que há incentivos dentro do sistema socioeconômico para alguém agredir, roubar ou matar outro, como isso é sequer possível? Leis em papel são abstrações, estamos inventando isso conforme os problemas aparecem, e crimes continuam a ser cometidos, onde estavam as leis? Na certa dentro de alguma gaveta. Isso não funciona, nunca funcionou. E para os possíveis nacionalistas lendo isso, não estamos aqui atacando a Constituição Federal. O documento é muito nobre em suas pretensões e intenções, mas não é a resposta, e é muita ingenuidade nossa acreditar que esse documento possui tanta força. Se quisermos de fato uma sociedade de paz e equilíbrio, os direitos de todos devem estar garantidos estruturalmente no desenho sistêmico, com reforços positivos inerentes, tornando desnecessárias quaisquer disputas dentro da sociedade.

Como ponto final sobre a questão de crimes, deve-se frisar que a marginalização de alguns indivíduos tem servido de forma bastante conveniente aos interesses da elite, que tem usado essa vantagem sempre que possível, repetindo-se na mídia a chamada “maldade” dos infratores, criando uma cultura de medo e ódio na população, mais ou menos a mesma tática usada para culpar exclusivamente o poder político pelas ineficiências estruturais inerentes de um sistema de darwinismo social, em sua predicação mais fundamental em violência e força, por sua raiz profunda e antiga em escassez, não podemos reiterar isso o bastante. E se por acaso a elite conseguir fazer com que a maioria destituída culpe uma pequena parcela da população por todos os problemas sistêmicos de um paradigma que favorece essa elite, a ilusão estará mantida. Intencionalmente ou não, a mídia e instituições estabelecidas têm se utilizado da falsa dualidade do “eu contra eles” ou o “nós contra eles”, dividindo para

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conquistar, quando na verdade o fato é que estamos todos juntos nesse experimento social, como uma grande família compartilhando a espaçonave Terra. Por acaso políticos são seres de outro planeta que dedicam cada segundo do seu tempo para que as coisas não funcionem aqui na Terra? Criminosos estão em casa sem nada para fazer e resolvem roubar dos outros, arriscando sua liberdade e a própria vida, por um capricho, são também alienígenas? Não, eles vêm de nossas mães, nossas famílias, nossas Igrejas e nossas escolas. Todos têm boas intenções, até mesmo os psicopatas, que constituem aproximadamente 3% da população, certamente acreditam que estão fazendo o certo, a maneira deles, ninguém é deliberadamente “mau”. Ao assumir essa posição de que a causa fundamental para comportamento violento “é genética” não estamos muito longe da eugenia. E essa visão fixa e quase supersticiosa a respeito do comportamento humano é aceita facilmente pela população, que acredita nessa conveniente justificativa do ser humano “ruim” ou nascido com algum defeito, porque a divisão é constantemente reforçada, sem mencionar o fato de que há uma necessidade implícita de todos em justificar a própria posição social, assumindo que devemos ter algum mérito para termos conquistado mais que outros em termos materiais, quando a realidade é que todos os países são basicamente corruptos. Todas as terras pertencentes hoje às todas as nações do planeta são produto de roubo à mão armada, sem exceção, em disputas sangrentas contra os nativos ou outras soberanias. Só depois de roubarem toda terra de que precisávamos é que colocamos a placa com os dizeres “não roubarás”. Portanto toda base de propriedade e os rendimentos e lucros provenientes de tais propriedades de todos os seres humanos são imediatamente inválidos, e corruptos por extensão. Se estivermos sendo sérios em nossa disposição de construir um mundo de paz, devemos declarar o planeta, junto com todos os seus recursos, uma herança comum de toda humanidade.

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Consumo Cíclico & Crescimento Econômico

O capitalismo de livre mercado em funcionamento basicamente pode ser generalizado como uma interação entre os proprietários, trabalhadores e consumidores. A demanda dos consumidores gera a necessidade de produzir através dos Proprietários ("capitalistas"), que, em seguida, empregam trabalhadores para realizar o ato de produção. Este ciclo tem origem essencialmente com a "demanda" e, portanto, o verdadeiro motor do mercado é o interesse, a necessidade de consumo cíclico, ou constante. Todas as recessões/depressões são resultado, em um nível ou outro, de uma perda de vendas. Portanto, a necessidade mais essencial para manter as pessoas empregadas e, consequentemente, manter a economia em um estado de "crescimento", é o constante ou cíclico consumo. Isso é o que importa para o planeta Terra, podemos pegar todas as teorias econômicas e jogá-las pela janela quando o assunto é sustentabilidade, tudo que importa é que toda a coisa é movida por consumo e não pode parar, NUNCA.

Crescimento econômico, que é geralmente definido como "um aumento na capacidade de uma economia para produzir bens e serviços, em comparação a partir de um período de tempo para outro" é interesse comum de qualquer economia nacional hoje e, consequentemente, de toda economia mundial. Por isso houve uma grande preocupação no mundo pós 2ª Guerra em transformar as pessoas em consumidores, criando “falsas necessidades” com publicidade e outras táticas, e o resultado é que hoje o consumo médio per capita no mundo é o dobro do que era antes da 2ª Guerra Mundial, e os níveis salariais sequer melhoraram consideravelmente, foi a poupança das pessoas que foi diminuída, o dinheiro que poupavam antes da Guerra, hoje estão gastando. Diversas táticas macroeconômicas são muitas vezes utilizadas em épocas de recessão para facilitar mais empréstimos, produção e consumo, a fim de manter a economia em funcionamento ou, idealmente, melhora-la além do seu nível atual. O ciclo de negócios, um período de oscilação de expansão e contração, há muito tempo sido reconhecido como uma característica da economia de mercado, devido à natureza de "disciplina de mercado", ou correção, que, de acordo com os teóricos, é em parte um fluxo e refluxo natural de sucessos e fracassos empresariais. Em suma, a taxa (aumento ou diminuição) do consumo é o que gera períodos do ciclo de negócios de crescimento ou contração, com regulação monetária macroeconômica geralmente aumentando e diminuindo a facilidade de liquidez (muitas vezes através de taxas de juro), a fim de "gerenciar" as expansões e contrações. Embora a política macroeconômica monetária moderna não seja o assunto deste ensaio, é importante ressaltar aqui, como um aparte, que o respeito mútuo para ambos os períodos de expansão e contração do ciclo de negócios não tem existido historicamente. Períodos de expansão monetária (muitas vezes via crédito mais barato), que geralmente se correlacionam com períodos de expansão econômica (como mais dinheiro está sendo colocado em uso) são saudados pelos cidadãos como sucessos nacionais para a sociedade, enquanto que todas as contrações são vistos como fracassos políticos.

Portanto, sempre houve um interesse por parte dos estabelecimentos políticos e as principais instituições do mercado em preservar os períodos de expansão o maior tempo possível e lutar contra todas as formas de contração. Esta perspectiva é natural dentro do sistema de valores inerentes ao capitalismo, um sistema em que a "dor" deve ser frustrada em todos os momentos, mesmo que por muitas vezes de uma maneira míope. Nenhuma empresa

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voluntariamente quer reduzir seu quadro de funcionários, nenhum partido político de boa vontade quer "ficar mal" com a sociedade, embora a teoria econômica tradicional nos diga que estes períodos de contração são "naturais" e devem ser permitidos.

O resultado foi, em suma, um aumento constante na oferta de dinheiro (ou seja, poder de compra e de capital) em tempos de recessão, com o resultado final sendo uma enorme dívida global, tanto pública como privada. A realidade é que todo o dinheiro vem à existência por meio de empréstimos e cada um desses empréstimos é feito com juros em anexo, onde o empréstimo deve ser pago de volta mais os juros (lucro do banco), o que significa que a própria natureza da criação de moeda implica automaticamente um saldo negativo por padrão. Há sempre mais dívida em existência do que há dinheiro em circulação. Sempre! Se fôssemos pagar todas as dívidas hoje, haveria uma quantidade enorme de dinheiro devida, que não existiria na economia hoje. Como pagamos pelo juro no futuro? Isso mesmo, com crescimento! Não é questão de ambição, não é questão de maldade, não é questão de indiferença ecológica, é questão de sobrevivência no mercado, se a empresa ou país não fizer um compromisso sagrado com crescimento, são simplesmente engolidos pela concorrência.

Portanto, voltando ao ponto principal no que diz respeito à necessidade de demanda para manter a economia girando, este processo de comércio e o foco em crescimento geral estão no coração do contexto de "eficiência" do mercado. No atual modelo, não importa o que está sendo produzido ou o efeito causado sobre o estado das relações humanas ou terrestre. Essas são todas, mais uma vez, "externalidades". Como um exemplo desta lógica, o mercado de ações, que é em si nada mais do que o comércio de dinheiro, gera um enorme PIB e o "crescimento" através de vendas/lucros resultantes. No entanto, o mercado de ações não produz coisa alguma de valor tangível ou de suporte a vida, não há ninguém em um fundo de ações atrás de uma mesa tentando inventar coisas para melhorar o mundo. O sistema de mercado de ações e as instituições financeiras agora maciçamente poderosas são completamente auxiliares à economia de produção real, e podemos eliminar todo setor de finanças que ainda assim teríamos nossa economia que nos permite viver com fábricas, produção e criatividade. Enquanto muitos argumentam que essas instituições de investimento facilitam negócios e empregos com a aplicação de capital, este ato é, mais uma vez, só sistemicamente relevante no sistema atual (eficiência de mercado) e totalmente irrelevante em termos de produção real (eficiência técnica). É importante frisar esse ponto porque a distorção central é um problema em nosso conjunto de valores, nós estamos buscando dinheiro por vantagem apenas, com o efeito colateral sendo melhoria social deixada em segundo plano. É triste o suficiente que alguns poucos terão uma vida de riqueza e glória enquanto a maioria passará todos os seus dias de vida na condição de pobreza. Mas o nível de constrangimento não para por aí. Em nossos valores, normalmente aceitos pela maioria, temos o costume de enaltecer e ostentar essa superioridade de riqueza. Esse sistema de valores de cada um por si, em que colocamos o vencedor em um pedestal desvalorizando os demais está no centro de uma cultura em declínio. E a passividade e complacência dos 99% da população que sofrem diariamente com tamanha privação, participando e contribuindo com os mesmos mecanismos sistêmicos que os oprimem, jogando um jogo que estão perdendo, deve servir de excelente espetáculo para os possíveis alienígenas nos assistindo. Pessoas foram tão condicionadas aos valores materialistas que hoje o acúmulo irrestrito de bens é simplesmente venerado pela sociedade. Não que igualdade deveria ser forçada. O problema é que nem a estamos buscando. Não que abundância material deva ser forçada, mas sequer estamos interessados, e para dificultar ainda mais, os próprios mecanismos de mercado não

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preveem em seu desenho original a abundância ou eficiência, problemas devem ser mantidos, pois são eles que geram empregos para se vender “soluções” que mais funcionam como remendos, dando “manutenção” aos problemas. Por exemplo, a indústria bilionária do câncer, ao vender remédios e tratamentos promove crescimento econômico, mesmo significando mais pessoas doentes e morrendo, qualquer venda é tida nessa ética como algo positivo. Essa realidade cria uma doença social, pois se torna possível que alguns lucrem com o sofrimento de outros. Também se pode lucrar vendendo soluções para o meio ambiente, cada vez mais poluído. Em suma, pode-se dizer que sustentabilidade, eficiência e abundância são inimigas do lucro e por consequência, do sistema monetário. Sem escassez não se pode conseguir nada em uma economia de mercado, nada abundante pode ser vendido. Portanto, todas as pessoas sofrendo e morrendo por falta de recursos básicos não é uma consequência de uma faltosa natureza humana, incompetência governamental ou empresarial, ou alguma falha na ordem natural ou falta de recursos. Eles são simplesmente produtos da criação, perpetuação e preservação de escassez artificial e ineficiência, inerentes e inseparáveis do nosso sistema socioeconômico.

Continuando, quando se trata de uma lógica de mercado, quanto maior o volume de negócios ou vendas, melhor. Independentemente se o item vendido é o crédito, rochas, esperança ou panquecas, o sistema de preços tem a absurda pretensão de dar valor a bens tangíveis e intangíveis. Qualquer tipo de poluição, protocolos de descarte de resíduos ou outros problemas são, mais uma vez, "externos". Não há consideração com o papel técnico dos processos de produção atuais e suas implicações reais no meio ambiente, estratégias de distribuição realmente eficientes, aplicativos de design ou similares. Todos os efeitos colaterais são considerados, metafisicamente, como um “mal necessário” e aceitos até esta data, afinal assumimos estar no melhor interesse das pessoas. No entanto, a crescente revolução nas ciências industriais, em que podemos fazer “mais com menos”, criou uma nova realidade em que o avanço da tecnologia industrial reverteu o padrão de "esforço de material acumulado" no que diz respeito à eficiência. A lógica de que "mais trabalho, mais energia e mais recursos irá produzir resultados proporcionalmente mais eficazes” tem sido contestada. Cada vez mais, a redução de energia, mão de obra e materiais para realizar determinadas tarefas, em comparação ao passado, tem sido o resultado, devido as nossas modernas aplicações científicas e tecnológicas. Por exemplo, comunicação baseada em satélites hoje, enquanto intelectualmente sofisticada, incorporando uma grande quantidade de conhecimento, é, na realidade física, mais simples e eficiente em termos de recursos usados em comparação com as alternativas anteriores de comunicação, que por sua aplicação global, envolveu uma enorme quantidade de materiais pesados, tais como fios de cobre, juntamente com a muitas vezes arriscada tarefa de instalar esses materiais por força de trabalho humano. O que é feito hoje com um conjunto de satélites em órbita, leves e pequenos, é verdadeiramente surpreendente por comparação. Esta revolução de design está no coração do que significa a verdadeira eficiência econômica (técnica), em oposição direta ao obsoleto consumo cíclico do modelo econômico baseado em crescimento. Mais uma vez, a intenção do sistema de mercado é manter ou elevar as taxas de volume de negócios, já que isso é o que mantém as pessoas empregadas e proporciona o chamado crescimento. Assim, em seu núcleo, a premissa inteira do mercado de eficiência é baseada em torno de táticas para alcançar este objetivo e, portanto, qualquer força que trabalhe para reduzir a necessidade de mão de obra ou comércio é considerada "ineficiente" do ponto de vista do mercado, embora possa ser muito eficiente em termos da verdadeira definição da própria economia, que significa conservação, reduzir o desperdício e fazer mais com menos. O objetivo de uma economia é economizar, não usar o que temos o mais rápido possível. Caso estivéssemos em uma pequena ilha, indo em direção ao esgotamento nessa velocidade, sem referência ao que o ambiente podia oferecer ou à

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quantidade de pessoas que pode ser suportada, protocolos de reciclagem ajustados às taxas de regeneração na natureza, etc. se, hipoteticamente, imaginarmos a nossa sociedade global em uma única, pequena ilha com uma pequena população, contando apenas com um número x de alimentos em regeneração natural, seria mesmo uma boa ideia criarmos um sistema econômico que procura aumentar a utilização e volume de negócios de recursos da ilha o mais rápido possível para o bem do "crescimento"? E estamos descobrindo que a Terra é realmente uma pequena “ilha” em um vasto oceano cósmico. Crescimento não é o que buscamos, até mesmo intuitivamente, a ética do uso estratégico e preservação iria se desenvolver como um princípio em tal condição. A ideia seria a de reduzir o desperdício, não acelerá-lo, o que, novamente, é a verdadeira definição de economia, economizar. Podemos dizer que hoje vivemos em uma “antieconomia”.

Acrescentando mais uma importante tangente a essa realidade de consumo perpétuo insustentável exigido pelo mercado, vamos pensar em números populacionais. Muitos afirmam que estamos superpovoados. Esse argumento pode ser amplamente discutido, pois depende de qual sistema econômico temos para sustentar essa população. Em um verdadeiro sistema econômico poderíamos facilmente cuidar de 10 bilhões de pessoas usando apenas 1% da área total do planeta, energia, comida e habitação inclusas (ver seção abaixo: Lidando com o mito da Superpopulação). Porém, vamos colocar isso em contexto e supor aqui que isso seja realidade, que estamos com excesso populacional, o que é bastante razoável afirmar enquanto vivermos no atual modelo capitalista de livre mercado, já que este não só exige crescimento populacional em forma de agentes econômicos, como também concentração populacional, para simples efeito de corte de custos (eficiência do mercado). Mas a insustentabilidade vai além: sob uma economia de mercado, infelizmente, JAMAIS poderemos diminuir nossa população, não é uma opção. Toda estrutura é montada em cima da ideia de crescimento, uma empresa abre as portas na necessidade de que no ano seguinte suas vendas sejam maiores que hoje, caso a população comece a encolher, padrões de consumo cairiam, o PIB de todos os países cairia, empregos cairiam e todo o sistema cairia. Da mesma forma, se implantarmos abundância dentro do atual modelo, toda economia quebraria, o mercado precisa de escassez para alavancagem. Alguns dizem que se somente “liberarmos o mercado” essa abundância e igualdade viriam naturalmente. Não, não viria. Se ficarmos apenas uma semana sem consumir a economia entra em crise, o que é bom para essa economia quase sempre não é bom para natureza. Abordaremos em breve os mecanismos técnicos necessários para se fornecer comida, água, energia, educação e uma abundância material para toda população do planeta. Por mais nobres e eficientes que tais ideias possam ser, se fôssemos implantar isso dentro do mercado hoje, toda economia entraria em colapso, pois há muito dinheiro circulando dentro desses setores, permitindo emprego e tudo mais para continuar, só que não se sustentam, tais atributos de uma economia de mercado definem a palavra “insustentável”. Porém, como disse Buckminster Fuller, “não é necessário lutar contra, ou derrubar o sistema vigente. Ao invés, cria-se um novo modelo melhor, que torna o anterior obsoleto”. Vamos falar um pouco de soluções, usando dados estatísticos de sistemas existentes, ao menos testados, e não projeções teóricas futuras, pois expor problemas apenas nos leva até certo ponto, a maioria já sabe dos problemas e reclamações apesar de não entenderem suas causas. Estaremos analisando exemplos clássicos e prioritários, as camadas de sobrevivência mais fundamentais no dia a dia de todos no mundo, que servem como iniciadores de uma transição para um mundo de pós-escassez (ver: http://technocracy.wikia.com/wiki/Post_scarcity).

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Alimentos Aparentemente temos um problema de escassez de alimentos no planeta, já que um bilhão de pessoas passa fome e que uma pessoa morre a cada 3.6 segundos devido à alimentação insuficiente (ver: http://www.statisticbrain.com/world-hunger-statistics/). Porém, todas grandes organizações e entidades de saúde internacionais comprovam que não há deficiência na produção, nem em calorias, nem em nutrientes, o problema é que não há dinheiro suficiente nessas comunidades para essas pessoas terem suas necessidades satisfeitas, o problema é apenas econômico. Já produzimos a comida suficiente, mesmo com os atuais métodos obsoletos. Vamos partir para uma questão fundamental, o que é economia? Qual seu propósito? Em grego a palavra quer dizer “administração de um lar”. É sobre ser eficiente, reduzir desperdício, alocar recursos de forma estratégica. E alocação, o que significa? Significa levar necessidades às pessoas, uma economia significa cuidar das pessoas, e isso tem sido um campo de estudo surpreendente e relativamente novo quando falamos em saúde pública e medicina preventiva. De acordo com a Institute of Mechanical Engineers, do Reino Unido, até 50% de toda comida produzida no mundo nunca chega a um estômago humano (ver: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/10/130110_alimentos_desperdiciorg.shtml). Por que permitimos nascer qualquer um nesse planeta de quem não podemos cuidar? E a questão de fato é que podemos! Esse é um assunto gigantesco que traz a necessidade de uma nova perspectiva de engajar materiais e como lidamos com produção, distribuição, e até mesmo inovação, uma discussão sobre como um sistema econômico inteiramente novo pode ser gerado, que leva em conta as necessidades de toda população humana de uma só vez. A questão nunca foi se temos o dinheiro. A questão sempre foi e sempre será se temos os recursos naturais e o know-how tecnológico. Dado que o problema nutricional é de ordem econômica, podemos não ter solução dentro do modelo de mercado, mas fora dele, temos muitas opções. E parece óbvio que a única forma de superarmos essa deficiência global em sua totalidade é atualizar o próprio sistema de produção de alimentos, através da localização estratégica em detrimento da atual cadeia de suprimentos globalizada. Produção de comida, se o interesse em preservar escassez para manutenção do alto valor no mercado for removido, poderia ser feita de formas muito mais eficientes do que são agora, e poderia ser cultivada de forma local removendo consequências indesejáveis que temos hoje no mercado como globalização, que é extremamente esbanjadora com energia, explora trabalho humano, etc. Globalização só faz sentido dentro de um sistema capitalista, em que extraímos recursos na África, onde a regulação é falha, produzimos na Ásia onde a mão de obra é barata e vendemos na Europa e Américas onde o mercado consumidor é o mais forte. O desperdício de energia e recursos é simplesmente inaceitável (ver: http://www.hypeness.com.br/2014/01/jornalista-mergulha-nos-maleficios-do-secreto-mundo-dos-navios-de-carga/). A teoria de “eficiência proximal” ou proximidade estratégica dos bens deve ser sempre o caminho preferível simplesmente porque a menor linha entre dois pontos é uma reta. Podemos hoje cultivar comida de forma local, usando técnicas relativamente simples como fazendas verticais, por meio de formas alternativas de cultivo como aquaponia, hidroponia ou aeroponia.

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Esse sistema aumenta a produção, ao mesmo tempo em que melhora a qualidade do alimento, e ainda reduzindo o dano ecológico, pois ocupa área infinitamente menor que os métodos tradicionais, sem necessidade de pesticidas. Não tenha dúvidas, ela pode até mesmo ser feita no mar, bastante versátil, permitindo produções de certos tipos de itens que algumas regiões jamais produziriam por métodos comuns devido a exigências climáticas de algumas culturas. Para o exemplo ficar ainda mais prático, tomaremos como exemplo o estado inteiro de São Paulo. De acordo com Dickson Despommier, microbiologista da universidade de Columbia, (ver: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=1clRcxZS52s), uma instalação de 18 andares pode alimentar 50.000 pessoas, usando aproximadamente um quarteirão, embora essas instalações podem se estender até 30 andares de altura (ver: http://www.nbcnews.com/id/21154137/#.Ulqua9I_s08).

Vamos aos números: o Estado de São Paulo possui população de 43 milhões de habitantes segundo o IBGE, em 2013. Isso significa que apenas 860 fazendas verticais no litoral poderiam alimentar o Estado inteiro, ocupando cada uma apenas 6.4 acres de área terrestre. E se extrapolarmos esse valor para o número total de habitantes da Terra, os 7,2 bilhões de humanos poderiam ser alimentados em todas suas necessidades calóricas com aproximadamente 144 mil dessas fazendas, usando 921 mil acres de terra ou 0,006% da

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superfície terrestre. Vamos além, dado que aproximadamente 38% da área do planeta são atualmente usados para agricultura e pecuária, dos quais 4,4 bilhões de acres são usados para cultivo apenas, excluindo-se a pecuária, se tomarmos por base esses 4,4 bilhões de acres hoje utilizados e teoricamente colocássemos essas fazendas verticais de 18 andares, uma a uma, lado a lado, teríamos uma produção suficiente para atender as necessidades nutricionais de 2720 calorias por cabeça de 34 trilhões de seres humanos, ou mais precisamente 34.440.000.000.000 de pessoas, hipoteticamente. Dado que apenas teremos de alimentar 9 bilhões até 2050, nós precisamos aproveitar apenas 0,02% desse potencial teórico. Em suma, temos hoje absoluto potencial de abundância global de alimentos.

O processo é simples e barato. Uma vez ligadas essas instalações pouquíssima intervenção humana é necessária. É um loop fechado de produção: criam-se peixes e cultivam-se algo em torno de 20 tipos de frutas e 20 de verduras/legumes, e alguns tipos de grãos. Não se utiliza o solo em nenhuma etapa, as plantas crescem diretamente da água. Essa água carrega os nutrientes necessários às plantas depois de passar por um tanque com peixes, os dejetos dos peixes adubam a água. Por sua vez, a água é rica em nutrientes das raízes e plantas, alimentando os peixes e assim fechando o ciclo. Portanto, juntamente com processos de dessalinização e processos de extração de nutrientes vindos do oceano, poderíamos crescer centenas de milhares de toneladas de comida vegetal orgânica, suficientes para atender com sobras toda necessidade nutricional de toda população do Estado, sem importações. Torna-se inclusive difícil conversar a respeito destes conceitos fora dos círculos técnicos, porque o público em geral não está informado o suficiente sobre nossa realidade tecnológica hoje, e como podemos criar uma abundância. Não é comida exótica, não é caviar, mas quando o assunto é sobrevivência, quando o assunto é manter um alto nível de saúde pública e assegurar sustentabilidade ambiental e cultural, que são os nossos verdadeiros limitadores de longo prazo, as leis da natureza, e se quisermos maximizar felicidade, tal abordagem é simplesmente sem paralelo, com eficiência e comodidade muito acima do que 99% da população de hoje no mundo conhece. Com essa simples solução haveria um enorme salto em saúde pública e menos luta na comunidade. Sustentabilidade cultural, nosso comportamento, é frequentemente desprezada, menos conflito na sociedade é também parte de saúde pública e medicina preventiva, devemos ter saúde de estado de espírito, saúde mental, não só física.

O que foi descrito acima ainda não se trata do novo modelo econômico em si, apenas uma transição para ele, ou seja, poderíamos ter, na transição, toda comida de graça em São Paulo, disponível para todos porque há uma abundância, e ninguém iria roubar ou acumular em casa, mesmo em um sistema de mercado, porque a comida estragaria. Os custos com pessoal nessas fazendas são mínimos, estamos falando em no máximo um supervisor em cada andar dessas imensas torres verticais, tudo hoje pode ser automatizado em processos desse tipo, é só questão de aumentar a escala. No atual sistema nem necessitariam ser voluntários, poderiam ser pagos como qualquer outra pessoa é paga, teríamos que subsidiar nesse estágio. Ou ganhar influencia corporativa suficiente para concordarem em colaborar, o que sempre é difícil. Por isso a transição é sempre a parte mais complicada. Por mais simples, viável, racionais e necessárias que as soluções sejam, a lógica do mercado é diferente. O compromisso financeiro de investimento para realizar projetos nacionais ou globais dessa magnitude é sempre grande, e nenhuma empresa/governo se mostra disposto a realizá-lo, pois não há lucro em dar comida às pessoas de graça. Lembre-se, no sistema monetário, se algo não gera retorno, simplesmente não será feito, ou será feito contra a lógica operante, e não é maldade ou indiferença de ninguém, são apenas negócios.

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Água

Segundo a Organização Mundial de Saúde, entre 3 e 4 bilhões de pessoas não possuem água encanada e saneamento adequado, e aproximadamente 1,1 bilhões de pessoas não têm acesso a qualquer tipo de fonte de água potável. Devido ao contínuo esgotamento, por volta de 2025 é estimado que quase 2,3 bilhões de pessoas viverão em áreas assoladas por escassez desse recurso vital, e dois terços da população global vivendo em áreas de “alerta”. A causa? Obviamente, lixo e poluição (ver: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-03-22/mais-da-metade-da-populacao-mundial-ainda-nao-tem-agua-de-qualidade-em-casa).

Consideremos as soluções técnicas, usando como base os atuais métodos de dessalinização e purificação, na escala macro industrial.

Purificação: O consumo médio de uma pessoa no mundo é hoje de 1.385 metros cúbicos de água por ano, contando atividades produtivas também, como agricultura (ver: http://www.pagina22.com.br/index.php/2012/04/sauditas-extraem-agua-fossil-para-plantar/). Pelo bem da argumentação, vamos considerar o que seria preciso para purificarmos 100% de toda água doce utilizada no mundo, em média, anualmente. Dado o consumo de 1385 m3

anuais e uma população de 7,2 bilhões, chegamos ao total de aproximadamente 10 trilhões de metros cúbicos. Usando uma instalação americana do estado de Nova York como uma medida de base, que tem capacidade de 3 bilhões de metros cúbicos por ano, tomando aproximadamente 3,7 acres de terra, precisaríamos de 3. 327 instalações dessas para atender a todos, usando 12 mil acres de terra. Desnecessário dizer que há muitos outros fatores que entram em jogo, como necessidades regionais e demandas, isso é justo, porém este é um pequeno inconveniente, 12 mil acres não é nada comparados aos 36 bilhões de acres do planeta Terra.

Para colocar isso em contexto, os militares dos EUA sozinhos possuem 845 mil bases em terra, que ocupam aproximadamente 30 milhões de acres de terra. Isso significa que se fechássemos apenas 0,4% das bases militares americanas teríamos o espaço necessário para acabar com a falta d’água no mundo, caso fosse necessário purificar toda água usada, o que obviamente não é o caso.

Dessalinização: Vamos fazer a mesma extrapolação teórica, o método mais comum usado hoje é a osmose reversa (ver: http://www.brasilescola.com/quimica/osmose-reversa-na-dessalinizacao-das-aguas-dos-mares.htm), e de acordo com a Associação Internacional de dessalinização, há mais de 14 mil instalações de dessalinização no planeta, e dentre os sistemas de dessalinização, a osmose reversa se destaca, tanto em número de instalações (68% das instalações), quanto em percentual da capacidade instalada (44% da capacidade) (ver: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-43662006000300028). Existem vários métodos melhores, mas queremos insistir aqui apenas nos métodos mais

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comuns em uso hoje. Há uma instalação dessas que se utiliza de osmose reversa em Israel, a planta de dessalinização chamada Hadera, que pode produzir em média 127 milhões de metros cúbicos por ano, ocupando aproximadamente 50 acres (ver: http://www.water-technology.net/projects/hadera-desalination/). Dado nosso consumo anual é de 10 trilhões de metros cúbicos, seriam necessárias 78 mil dessas instalações, que mesmo sendo relativamente grandes ocupariam apenas 18.000 milhas ou 28.962 km de costa marítima, ou 8,5% de toda área costeira continental no planeta. Obviamente isso não é exatamente ideal, ainda se trata de muita área costeira, mas esse exercício é sobre proporções. Claramente não seria preciso dessalinizar toda água consumida, tampouco ignoraríamos os atuais métodos de purificação, sem contar os sistemas de reuso emergindo hoje, em que construções são capazes de reutilizar água de múltiplas formas, reciclando água de sai da pia para dentro de privadas, dentre outros mecanismos.

Portanto, vamos pensar em um exemplo mais prático da vida real, combinando apenas purificação e dessalinização, considerando parâmetros estatísticos reais de escassez regional. No continente da África, 345 milhões de pessoas não têm acesso à água doce (ver: http://water.org/water-crisis/water-facts/water/). Usando a base novamente de 1.385 m3 de consumo anual por pessoa, para atender a todas essas pessoas precisaríamos de uma produção de 480 bilhões de metros cúbicos por ano. Se dividirmos esse número ao meio, e usarmos sistemas de purificação para uma metade e dessalinização para outra, seriam necessários 1,9% ou 600 km da área costeira africana para dessalinização. Para a outra metade, apenas 296 acres de terra para instalações de purificação, que é uma fração minúscula de toda área do continente da África e seus 7 bilhões de acres. Isso é facilmente viável, mesmo nesse exemplo simples. E obviamente, em todos os casos, buscaríamos maximizar uso dos processos de purificação, dado que é claramente mais eficiente, utilizando dessalinização para complementar a demanda restante. Em suma, é um absurdo qualquer pessoa não ter acesso à água para beber no planeta. E vale mencionar que 70% de toda água doce usada hoje é em agricultura, e seus conhecidos métodos grosseiramente esbanjadores. Se novamente, utilizarmos sistemas de fazendas verticais, que são estimados em reduzir o uso de água em aproximadamente 90% em comparação (ver: http://www.verticalfarms.com.au/advantages-vertical-farming), veríamos uma rápida solução para a escassez desnecessária desse recurso vital.

Isso são os métodos hoje já comumente utilizados, não queremos aqui nos desviar muito do foco, mas tenha em mente que tudo o que está sendo dito aqui possui avanços revolucionários num futuro muito próximo, como no caso da água, temos o Slingshot. Nada mais é do que uma máquina mágica que purifica qualquer espécie de água, seja de uma poça de lama, ou até mesmo urina em água potável, reciclando a própria água do corpo humano (em um caso de extrema necessidade) e estão com planos para uma instalação deles em massa na África (ver: http://www.huffingtonpost.com/2013/03/25/dean-kamen-slingshot-inventor_n_2951354.html). O inventor Dean Kamen afirma que poderíamos livrar metade dos leitos de hospitais em todo mundo se apenas fornecermos água de qualidade.

E devemos frisar que desde 2005 já temos a tecnologia dos Geradores de Água Atmosféricos, que são capazes de produzir água a partir da umidade do ar (ver: http://www.ardorm.com/index.php/products/atmospheric-water-generators.html). Uma bela

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iniciativa está colocando esses geradores de água atmosféricos em Billboards em regiões empobrecidas do globo (ver: http://www.filtersfast.com/blog/index.php/tag/atmospheric-water-generator/).

A maior dificuldade desses processos diz respeito à grande quantidade de energia necessária, mas como veremos logo abaixo, isso não é um problema na Terra, e uma vez que alcançarmos abundância energética, por extensão também teremos abundância de água. Não estamos ignorando as dificuldades, não estamos aqui para dizer que qualquer mudança desse tipo é fácil, entendemos os imensos obstáculos. Porém, se fôssemos partir dessa premissa de que estamos muito atrasados e o quão difíceis ou distantes as mudanças necessárias são, não estaríamos em lugar algum, não chegaríamos nem mesmo onde já chagamos. Precisamos ampliar um pouco as possibilidades, temos que pensar de forma mais abrangente e levar em consideração o atual estado da ciência e tecnologia aplicadas à preocupação social.

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Energia Supostamente temos grande crise energética no mundo hoje, pelo menos se olharmos na superfície das limitadas opções apresentadas. Porém, vivemos em uma gigantesca máquina de movimento perpétuo conhecida como o universo, estamos cercados de energia, quase tudo é energia. Se abrirmos as opções um pouco, veremos que há uma infinidade de alternativas, e que não há de fato uma crise energética, apenas uma crise de ignorância. O fato de ainda nos servirmos de estoques de combustíveis fósseis poluentes da Terra, que essencialmente são plantas e animais mortos, ou da incrivelmente instável e arriscada energia nuclear, que deixa pouco espaço para falha humana, é de fato assustador. Temos grandes capacidades com energia solar, das marés, das ondas, energia eólica, e energia geotérmica, diferenciais de calor, dentre muitas outras, todas renováveis, com potencial para atender a demanda do planeta inteiro, indefinidamente.

Energia Geotérmica: apenas com energia Geotérmica, de acordo com um estudo de 2006 da MIT em Massachussets (THE FUTURE OF GEOTHERMAL ENERGY – Impact of Enhanced Geothermal systems (EGS) on the United States in the 21st century) estima-se que na Terra hoje temos 13.000 zeta joules de energia geotérmica disponíveis. A população total mundial consome apenas 0,55 zeta joule por ano. Isso significa que temos energia para 4000 anos mantendo nosso consumo atual, e quando entendemos que essa fonte de calor terrestre é renovável, esse meio sozinho poderia abastecer o planeta, para sempre (ver: http://truthortale.weebly.com/alternative-energy.html). Energia Geotérmica também usa muito menos terra do que outros métodos, como hidrelétricas e termoelétricas. Para comparar, segundo esse mesmo estudo da MIT, uma instalação geotérmica utiliza 404m2 de terra por Giga Watt/hora, enquanto que uma usina de carvão usa 3632m2 por GWh, suficientes para colocarmos 9 plantas de energia geotérmica dentro de uma instalação termoelétrica, sem contar a imensa área utilizada para extração de carvão mineral, deixando buracos enormes na terra. E a beleza dessas fontes renováveis, principalmente geotérmica, eólica e solar, é que a localização de extração ou aproveitamento é quase sempre no mesmo local exato do processamento e distribuição. Todas as fontes de hidrocarbonetos por outro lado, requerem extração e instalações de produções em locais separados, e algumas vezes também refinarias em outros locais. Em 2013, a Etiópia anunciou que irá construir a maior instalação geotérmica do mundo, com capacidade de 1.000 Megawatts/hora (ver: http://oilprice.com/Alternative-Energy/Geothermal-Energy/Ethiopia-to-Build-Africas-Largest-Geothermal-Plant.html).

Usaremos isso como base para extrapolação hipotética: se uma dessas instalações geotérmicas de 1000 MWh funcionasse 24 horas/dia, 360 dias por ano, seriam produzidos 8,7 milhões (8.760.000) MWh/ano. O atual uso global de energia é de aproximadamente 153 bilhões de MWh/ano, o que significa que precisaríamos, em abstração, de 17.465 instalações para abastecer todo planeta, mantendo-se a atual taxa de uso. Dado que temos 2300 usinas termoelétricas em operação no mundo hoje, e sabendo-se que a área terrestre utilizada por uma usina de carvão ocupa o espaço de 9 instalações geotérmicas, o espaço de 1940 (ou 84% do espaço ocupado por termelétricas) instalações de carvão seriam utilizados para conter as 17,5 mil instalações geotérmicas. E devemos lembrar que carvão atende apenas 41% da demanda mundial, ao passo que as 17.465 plantas geotérmicas forneceriam 100% de nossa atual demanda mundial.

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Energia Eólica: Até mesmo a energia eólica, que é considerada das mais fracas entre as supramencionadas, tem o potencial abastecer todo planeta (ver: http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=potencial-eolico-global&id=010115120919).

Usando como base o Alta Wind Energy Center na Califórnia, uma fazenda eólica com capacidade de 1.320 MWh, totalizando 11.563.200 MWh/ano (ver: http://ecogeneration.com.au/news/the_alta_wind_energy_centre_a_wind_farm_behemoth/080467/). Isso significa que 13.231 dessas instalações de 9.000 acres seriam necessárias para atender a demanda global de 153 bilhões MWh. Isso equivale a 119 milhões de acres ou 0,3% da área total do planeta. No entanto, ventos no mar são conhecidos por serem muito mais potentes que aqueles existentes em terra firme. De acordo com o Assessment of Offshore Wind Resources (ver: http://www.nirs.org/alternatives/nreloffshorewindrpt.pdf), 4.150 giga watts (4.150.000 MW) com tecnologia de turbinas eólicas existem hoje apenas nos EUA. Assumindo que esse potencial fosse constante durante todo o ano, terminaríamos com um montante de energia de 36.354.000.000 MWh/ano. Dado que os EUA utilizam 25.776.000.000 MWh de energia, ventos offshore poderiam exceder a atual demanda doméstica norte-americana em 10,6 bilhões MWhs ou 41%. Com essa referência vemos que poderíamos abastecer todo o mundo com sobras por meio da energia eólica apenas.

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Temos também soluções mais localizadas como o Wind Cube, totalmente modular, com desenho “All in One”, feito para o estilo de vida nas cidades, capaz de gerar 21,6 Quilowatt-hora de energia por mês (ver: http://www.youtube.com/watch?v=DIHYDTC_ZGM).

Ilhas de Painéis Solares: Se a humanidade pudesse capturar 0,001% da energia solar atingindo a Terra em um dia, ou uma parte em mil, teríamos acesso a seis vezes mais energia que usamos de todas as formas hoje. A habilidade de se aproveitar esse poder é dependente da tecnologia e o quão alta é a taxa de eficiência de conversão energética. A instalação solar de Ivanpah na Califórnia ocupa 3.500 acres com uma produção anual de aproximadamente 1 milhão (1.079.232MWh/ano) (ver: http://www.energy.ca.gov/sitingcases/ivanpah/). Se fôssemos extrapolar usando isso como uma base teórica, iríamos precisar de 142 mil campos de painéis solares com 500 milhões de acres, ou 1,4% da área terrestre, para atender toda demanda mundial. Desertos ocupam aproximadamente um terço da área total do planeta, ou 14 bilhões de acres, e tendem a ser bastante apropriados para mineração solar devido à alta incidência do Sol, porém nada apropriados para ocupação humana. Dado os 500 milhões de acres teoricamente necessários para abastecer o mundo, apenas 4,1% da área desértica do planeta precisariam ser comprometidos com “ilhas” de painéis solares, com a atual taxa de eficiência, um território que praticamente não tem utilidade de outra forma. Hoje painéis solares tem uma média de eficiência em sua taxa de conversão em torno de 18%. Mas a empresa Microcontinuum já foi capaz de produzir painéis com células fotovoltaicas que operam no comprimento de onda infravermelho, significando que geram eletricidade a partir de calor e podem trabalhar à noite conforme o solo libera o calor absorvido durante o dia e têm uma eficiência teórica de até 80% (ver: http://www.microcontinuum.com/solar.htm). O custo da energia solar vem caindo, e não muito no futuro, em 2015, os painéis solares devem começar a dominar o mercado, pois seu preço a partir desse ponto compensará em relação às alternativas fósseis, a chamada Paridade Solar de preço (ver: http://www.energy-enviro.fi/index.php?PAGE=1901 e http://www.pagina22.com.br/index.php/2011/09/em-busca-da-paridade/ e http://institutoideal.org/ecologicas/wp-content/uploads/2012/08/ISABEL_SALAMONI.pdf). E a tendência realmente vem se confirmando, o preço por watt de células fotovoltaicas de silicone em 1977 era de 76,67 dólares, em 2013, apenas $ 0,74 por watt.

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Energias hídricas renováveis:

Ondas, com potencial de 27.280 TWh/ano; Marés, com potencial de 13.140 TWh/ano; Correntes marítimas, com potencial de 4000 TWh/ano; Osmótica, com potencial global de 1.500 TWh/ano; Maremotérmica, com potencial de 88.000 TWh/ano; WaterCourse, com potencial de 16.400 TWh/ano.

Juntos esses meios hídricos renováveis totalizam 150.320 TWh/ano ou 97% de todo uso global atual de 0,55 zeta joule por ano. E cientistas já concluíram que apenas com o uso de correntes marítimas, poderíamos abastecer todo globo, se aplicado corretamente (ver: http://www.telegraph.co.uk/earth/energy/renewableenergy/3535012/Ocean-currents-can-power-the-world-say-scientists.html). Outros meios simples como placas piezoeléctricas podem ajudar, um ótimo exemplo de método de reuso de energia, simples e barato, funciona com pessoas andando por cima dessas placas, ou mesmo automóveis e trens, através da

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pressão (ver: http://www.istoe.com.br/reportagens/73214_ENERGIA+LIMPA+SOB+NOSSOS+PES). Tal tecnologia já está sendo implantada para abastecer os metrôs de Tóquio (ver: http://inhabitat.com/tokyo-subway-stations-get-piezoelectric-floors/).

Portanto, cada uma das alternativas citadas pode praticamente sozinha atender a demanda global. Com a abordagem sistêmica, poderíamos até construir ilhas marítimas que poderiam combinar todas as alternativas renováveis em um só local, sem comprometer terras firmes utilizáveis.

Muitos são os métodos localizados que podemos utilizar. Novamente precisamos questionar a lógica, ou eficiência de mercado. O carro elétrico, por exemplo, surgiu em 1880 (ver: http://en.wikipedia.org/wiki/Electric_car#1890s_to_1900s:_Early_history). O que aconteceu? Por que essa tecnologia não se proliferou totalmente pelo mundo desde então? Simples, siga o dinheiro. Se algo não gera lucro, nada é feito. Indústrias se estabelecem e não querem mais mudar seus mecanismos de lucro, tornam-se uma instituição, e eles querem sobreviver, querem continuar, e geralmente a forma mais fácil de permanecer no topo é impedir que os outros cresçam, defendendo o status quo a qualquer custo. Então pela lógica de mercado, até o dia que patentearem o Sol ou o vento, não veremos o investimento necessário para mudar toda infraestrutura energética do planeta, um montante estimado em torno de 30 trilhões de dólares, especialmente com a dívida que atualmente estrangula praticamente todos os países (ver: http://www.alternet.org/environment/are-you-ready-100-percent-renewable-energy?akid=11143.258518.Ej2ip8&rd=1&src=newsletter924047&t=2).

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Produção e Desenvolvimento

Hoje no sistema de mercado não sabemos o que a Terra possui de fato. Corporações mantêm segredo do que há disponível, portanto não sabemos o quanto de cobre realmente existe, o quanto de alumínio, o quanto de diamantes ou ouro realmente existe, há pesquisas e levantamentos feitos, mas é direito das empresas guardarem esses segredos. Precisamos acessar isso e saber exatamente o que temos. Não podemos ser tão ingênuos em deixar empresas controlarem recursos planetários para seus próprios esquemas e lucros, recursos de que todos nós precisamos. Quando as pessoas nascem no planeta, elas “herdam” o planeta, o planeta é delas, é nosso, portanto tudo deveria ser herança comum, tudo, pois compartilhamos o mesmo espaço, as dificuldades, e não devemos esquecer, temos um futuro em comum. A maior ilusão de todas é a ilusão da separação. Sem ar e água, morremos. Retire as plantas ou a luz do Sol, morremos. Tudo está conectado.

Depois desse “inventário” do planeta, temos a capacidade de suporte da Terra, que é uma informação muito importante, saberemos quantos seres humanos a Terra pode de fato sustentar. Não importa nossa vontade ou “liberdade” de desejar ter uma enorme população, com muitas crianças alegrando a paisagem, se um barco tiver capacidade para 10 pessoas e colocarmos 15, ele irá afundar. Lembre-se, a natureza é uma ditadura. Mas essa restrição natural não chega a ser motivo para preocupação porque os números mostram que poderíamos facilmente sustentar 100 bilhões de pessoas no planeta, se os métodos utilizados fossem de fato eficientes (ver seção abaixo, Lidando com o mito da Superpopulação). Se desejável ou não uma grande população, é uma questão que deixaremos em aberto. Porém, não basta apenas contabilizar, também precisamos rastrear e monitorar, não se pode deixar esgotar nenhum desses recursos, isso seria ruim, portanto uma nova consciência ambiental intrínseca surge. Precisamos de um sistema de monitoramento e administração para organizar isso, hoje temos a capacidade computacional para tal tarefa, algo que não existia no planejamento do passado. E caso isso soe como ficção científica, tenha certeza de que grandes

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empresas e os militares já se utilizam de tais avançados métodos de gestão de recursos, é apenas questão de se aplicar numa escala global. Em outras palavras, podemos hoje calcular a sociedade. Por exemplo, podemos hoje colocar em um sistema de gestão toda quantidade de madeira aproveitável disponível nas matas do mundo, parametrizar as conhecidas taxas de regeneração natural e o sistema nos dirá até que ponto se pode desmatar sem diminuir a quantidade de florestas, pois seria, por definição, insustentável. É realmente surpreendente ainda não termos tal sistema eficiente de gestão, mesmo em uma época hoje em que esses entendimentos já nos são bastante claros. Nem sempre é preciso tomar decisões, votar, ir para o congresso, nada disso, frequentemente a decisão já foi tomada pela natureza, é apenas um problema de nos adequarmos a esses princípios econômicos fundamentais, utilizando todo nosso entendimento científico. Podemos por exemplo hoje, calcular qual o melhor metal condutor de eletricidade e porque ele deve ser utilizado em certas ocasiões, e não em outras. Podemos aplicar esse tipo de raciocínio para tudo. Temos que chegar às decisões, não tomá-las arbitrariamente baseado em opiniões, tradições ou sistemas pré-existentes, ou na noção de algum político de como deva ser o mundo. Nossas suposições e opiniões carregam muita bagagem, temos várias tendências comportamentais aberrantes e imutável falibilidade, somos emocionais, e temos ego. Fomos condicionados pela cultura hoje que “todos têm direito a sua opinião”, mas isso não quer dizer que estão certos. Tal opinião deve ser suportada por evidencias para ter validade científica. Ao invés de perguntarmos o que pessoas “acham” de determinado assunto, devemos começar a perguntar o que elas “entendem” de tal assunto, e caso não saibam, deveríamos dar todas as condições para aprenderem, a informação deve ser fornecida, gratuita e abertamente. Isso seria uma mudança colossal em nosso modo de encarar mérito e participação, algo mais parecido com uma real democracia. Uma das grandes revoluções psicológicas que tem de ocorrer se pretendemos sobreviver como espécie, é a de que devemos parar de delegar tomada de decisão a pessoas, e delegá-las a um processo de avaliação racional e lógica. Isso é infelizmente muito ausente no mundo hoje, portanto vamos expressar de forma mais elaborada o conceito: ao tomarmos essa linha de raciocínio, ela completamente tira as bases de existência do sistema político, a existência do sistema de negócios, e despedaça essa ilusão de “liberdade de escolha”, pois no final das contas, não somos livres, não há muita escolha quando queremos adotar a rota mais sustentável. Quando os engenheiros conversam, não há margem para interpretação de seus desenhos e projetos, uma ponte planejada no Brasil pode ser facilmente fabricada por construtores japoneses. Quando querem testar se um avião pode voar, além da teoria matemática, eles testam na prática, colocando peso nas asas até que se quebrem, até a matemática deve ser posta à prova. Eles não dizem: “acredite em mim, a resistência desse material é suficiente!”, mas sim fornecem um coeficiente de resistência do material que pode ser entendido por qualquer um que estude o assunto. E não há maneira “tucana”, “petista” ou “liberal democrata” de se fazer um avião, existe apenas uma, a científica, a maneira que funciona. E por isso talvez ele seja tão simples e ao mesmo tempo belo em seu desenho, não podemos colocar toda espécie de ornamentos e expressões pessoais de estilo na aerodinâmica de um avião, pelo bem da eficiência, e o mesmo compromisso com a eficiência técnica deve ser aplicado à sociedade. Temos que levar tudo em conta e construir o avião a partir do chão, planejando o futuro, não correndo atrás dos problemas como fazemos hoje. Não se podem ter várias empresas concorrendo cada uma fazendo o que bem quer, sem saber como o “avião” irá interagir como um todo, como um sistema, temos que ter um rumo, um norte como espécie.

Nosso sistema de monitoramento de recursos poderia ir ainda além, servindo de plataforma de interação para toda humanidade compartilhar processos produtivos e decisórios. Hoje temos a internet, e com ela várias novas maneiras de administração e tomada de decisão são possíveis. Vários grupos defendem a ideia de “democracia direta”, não mais votando em

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representantes no poder, mas sim com a população votando em leis diretamente através da internet (ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Real_democracia). Não é uma ideia ruim, mas não vai longe o bastante. Ao invés de votar em pessoas, ou em leis, devemos votar em ideias. Propomos aqui um novo aparato para interação da humanidade, em que todos decidam. Porém não estamos descrevendo um processo em que pessoas vão votar em algum plebiscito, algum referendum, mas em vez disso o real atributo de progresso humano que é a própria criação de bens, desenvolvimento de soluções, em outras palavras, a indústria em si. Não política, política é um subproduto, é uma espécie de contingência de retroação negativa em um sistema econômico que é tão ineficiente que precisamos de pessoas lá no topo para impedir que as coisas fujam do controle. Estamos falando de um sistema com pessoas compartilhando ideias de um jeito 100% Open Source, através de um meio que racionaliza tais parâmetros.

Assim como uma interface de desenho assistido por computador, ou AutoCAD, que pega as ideias do projetista, mas corrige falhas não percebidas inicialmente, mais ou menos como o Google corrige ou tenta corrigir o que de fato o usuário quis pesquisar, tal interface incorporaria protocolos de reciclagem e sustentabilidade estrategicamente, não deixando a exploração ultrapassar os conhecidos limites naturais. Caso o sistema por acaso não detectasse alguma falha, temos sempre milhares de usuários do mundo trabalhando no mesmo projeto para corrigi-las, exatamente da mesma forma como o Linux foi desenvolvido e tem sido até hoje constantemente aperfeiçoado. E a beleza desse método de criação global é que não existe risco de negligência ou falta de motivação ao inventar ou aprimorar um utensílio qualquer, pois é claro que só se interessariam as pessoas que entendem e gostam do projeto, que são familiarizados ou frequentemente profundos estudiosos do assunto. Por que uma pessoa interessada em culinária iria participar no desenvolvimento de celulares ou instrumentos musicais? As pessoas da área de educação física provavelmente se interessariam

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mais em desenvolver novos métodos e aparelhos para academia, fisioterapia e afins. Há quase que nenhum espaço para incompetência, pois tudo é voluntário.

Imagine o que seria das invenções hoje, se sem patentes ou segredos, os inventores pudessem contar com o input do mundo inteiro, para auxiliar a aperfeiçoar suas ideias.Como prova de que esse sistema funciona, já temos exemplos reais hoje de muito sucesso, 100% open source que não envolve patentes, direitos autorais de uso ou nada do gênero, é livre para todos usarem e aprimorarem:

O Linux, (ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_do_Linux);

A Wikipédia (ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_Wikip%C3%A9dia);

O video game open source OUYA (ver: http://ouyabr.com/);

O Mozilla Firefox (ver: http://www.public-communication.com/new%20website/http___www.quasso.nl/www.mozilla-europe.org/en/firefox/organic/index.html);

O Open Source Ecology, que possui um conjunto de ferramentas e equipamentos industriais de código aberto para que todos possam começar um eco polo ou eco cidade sustentáveis, apenas com seus projetos (ver: http://opensourceecology.org/ e http://pt.wikipedia.org/wiki/Open_Source_Ecology);

O KANO, o incrível computador em “kits” que todos podem configurar em casa (ver: http://www.revolucaodigital.net/2013/11/29/kit-kano-ensina-como-montar-computador-66214);

A impressora 3D que faz uma réplica de si mesma, a REPRAP (ver: http://reprap.org/wiki/RepRap), dentre uma tonelada de outros softwares e hardwares. E com o advento da impressão 3D temos agora a disposição páginas da internet dedicadas somente a modelos 3D de objetos que podem ser impressos depois de um simples download, como:

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O Thingiverse (ver: http://www.thingiverse.com/);

O Kraftwurx (ver: http://www.kraftwurx.com/pt/), esse cobra por seus downloads, o que dificilmente irá persistir como predominante, pois uma vez que um arquivo de CAD estiver na rede, será impossível impedir que não seja vítima de “pirataria”. Haverá leis que tentarão inibir tal prática, mas temos a referência histórica e acreditamos que terão o mesmo sucesso em impedir compartilhamento desses arquivos que têm tido até hoje em coibir a pirataria de todos os outros tipos de arquivos.

E se por acaso alguma parte dentro de você estiver sentindo-se enfurecida com essas pessoas inescrupulosas ilegalmente compartilhando software, tenha em mente que compartilhamento, ou “pirataria” como chamam, não se classifica como crime. Da mesma forma que uma pessoa pode comprar um DVD e emprestá-lo a um amigo ou vizinho, ele pode colocá-lo na internet. É compartilhamento, não roubo, pois no roubo o original é removido, na cópia, o original permanece. Não estamos aqui falando de pessoas copiando mídia e vendendo a cópia, lucrando com o trabalho alheio, isso sim seria exploração do trabalho intelectual alheio, isso é outra conversa.

Por que não direcionar um pouco dessa autêntica indignação para algo concreto como, por exemplo, a ideia absurda de uma sociedade que distribui mídia digital em formato físico, apenas para efeito de restrição de acesso? Esses formatos físicos utilizam recursos preciosos para fabricação de discos Blu-Ray, CDs, DVDs e suas respectivas embalagens e encartes, feitas de polipropileno e poliéster, que juntos são de difícil reciclagem e decomposição no ambiente, frequentemente sendo incineradas para descarte, jogando produtos químicos tóxicos na atmosfera, sem mencionar os recursos naturais utilizados na fabricação de seus requeridos “players” ou leitores. É assim que perpetuamos desperdício e poluição, pela forma tradicional baseada em costumes que adotamos para distribuir entretenimento, em face da possibilidade de utilizarmos formatos digitais não físicos já por quase duas décadas. Felizmente estão todos se tornando redundantes, devido ao advento da Smart TV, que pode exibir conteúdo diretamente da Internet, sem contar outras formas de bibliotecas de mídia virtual, como

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iTunes, iBooks além de serviços como Steam e NetFlix. A definitiva solução nesse caso seria a iniciativa do Copyleft (ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Copyleft). Deixando os capitalistas que querem enriquecer restringindo o livre fluxo de informações de lado, tal processo de participação global na criação de bens poderia catapultar a espécie humana para uma realidade de prosperidade e abundância material nunca antes vista. A flexibilidade de customização de desenho e individualidade seria sem precedentes, finalmente o gênio criativo do ser humano pode ser totalmente liberado. Realmente descobrimos algo com a internet que mal nos demos conta no momento de seu início.

Projetos podem até mesmo ser testados bem ali, no ambiente virtual. Muitos softwares, inclusive na indústria automobilística, já são capazes de simularem situações reais sem a necessidade de testes físicos, o que hoje já torna possível para muitos projetistas trabalharem em casa, o que hoje já permitiria a troca global de informações no processo de desenvolvimento da maioria dos produtos, se apenas tais informações não tivessem direitos proprietários...

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Se um inventor entrasse no sistema de interação, por exemplo, com um modelo de avião, em linguagem que o programa entenderia, a capacidade da interface pode levar isso para além do escopo do indivíduo, dando retroalimentação de dados como, por exemplo, informando erros na integridade do desenho, ou dizendo se o projeto já foi tentado anteriormente por outros, sugerindo melhorias, e indo além, incorporando sustentabilidade na forma de responsável administração dos materiais no planeta, checando se há disponibilidade de recursos no banco de dados para os projetos propostos. Isso pode soar complexo, mas nada mais é que uma super calculadora. E tenha certeza, o Pentágono e outras organizações militares internacionais, até mesmo grandes empresas, já possuem programas de gestão semelhantes para desenhar suas estratégias de guerra ou produção/distribuição. Uma empresa mineradora tem a sua disposição hoje um sistema para organização de inventário e estratégias de abordagem na extração de acordo com as reservas disponíveis. Já temos tal administração automatizada em vários níveis no mundo, porém de maneiras isoladas. É apenas uma questão de integrar o processo, de forma global. E como um aparte, muitos têm a preocupação de que engajar tais processos de criação é algo altamente complexo e requer muita experiência em desenho industrial. Mas assim como os primeiros sistemas operacionais eram complicados e requeriam longas linhas de comando evoluíram para a interface fluída e amigável de ícones e janelas de agora, teremos a mesma progressão aqui, para facilitar o acesso de todos.

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O problema do Cálculo Econômico

Uma crítica recorrente ao modelo econômico de Lei Natural Baseado em Recursos é também uma crítica ao socialismo do passado, a ideia levantada por Ludwig Von Mises de que sem preços não se pode comparar bens heterogêneos e seus valores subjetivos. Enquanto que verdadeiro para época, hoje o argumento mudou, hoje a discussão gira em torno do que seria mais eficiente e sustentável para espécie, não os meros mecanismos do movimento de dinheiro. Esse “problema” é exclusivamente um problema de mercado, é um problema de comércio. Como ele pode ser resolvido? Só há uma forma, eliminando as trocas monetárias inteiramente. No sistema de preços precisamos atribuir valores numéricos utilitários aos bens heterogêneos para efeito de comparação, mas essa comparação pode ser feita de outras formas se a necessidade de troca ou comércio for removida. Há sempre uma falsa dualidade entre capitalismo e socialismo, significando que se você não é um capitalista, você tem de ser um Marxista, como se essas fossem as duas únicas maneiras de se gerir o mundo. Hoje a realidade é outra, Karl Marx ou Ludwig Von Mises jamais poderiam sonhar com a revolução em robótica modular e impressão 3D que estamos presenciando. Trata-se de nada menos que uma democratização dos “meios de produção”, para se usar uma terminologia Marxista. Esses meios estão cada vez mais acessíveis ao consumidor final. Poucos param para pensar a respeito, mas no momento em que você hoje pode pesquisar fontes de virtualmente todo o mundo pela internet, compilar essas informações em um editor de texto, mandar o conteúdo para uma impressora que irá colocar tudo isso em papel, ou enviar o conteúdo online assim como foi feito com este texto que está lendo agora, poucos dão conta de que estão no controle de um “mini meio de produção”, uma fábrica em miniatura. Mais recentemente, temos agora “centros de impressão 3D” em que você não mais necessita ter uma impressora 3D em casa, pois ainda são caras para o consumidor final (da mesma forma que as impressoras 2D também já foram), mas você envia o arquivo para esses centros ao invés, e uma grande variedade de bens pode ser fabricada de forma local e imediata. O primeiro desses centros foi inaugurado em Londres no começo do ano de 2013, mas já existem vários outros (ver: http://www.youtube.com/watch?v=aVwz-iQySss). A tese defendida pelos capitalistas era a de que devemos “reforçar o direito de propriedade privada dos meios de produção”. Porém, não contavam que essa propriedade privada um dia seria acessível a todos, pode-se dizer poeticamente que a tecnologia implodirá o sistema por dentro, erodindo a necessidade de se usar dinheiro e criando um link direto de feedback, entre o consumidor e os meios de produção em si, em que o complexo industrial torna-se nada mais que uma ferramenta que é acessada pelo público para o desenvolvimento de produtos, sem intermediários.

A equação do verdadeiro cálculo econômico é a seguinte: suponhamos que precisamos de um metal condutor de eletricidade. Temos vários metais que fazem isso muito bem, porém com diferentes graus de eficiência e durabilidade. O que nosso atual poder computacional nos permite é elencar esses diferentes elementos criando gêneros de matérias, de acordo com um coeficiente de eficiência no atributo desejado, nesse caso, condução de eletricidade. É assim que podemos comparar bens heterogêneos sem um preço:

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Porém, isso é só parte do problema. Esses recursos também apresentam diferentes níveis de escassez. Daí a necessidade de termos um inventário preciso de tudo o que temos. Com isso em mãos, poderemos também elencar os metais baseados em seus diferentes níveis de escassez, atribuindo também um valor numérico para cada material, em uma escala de 0 a 100, sendo 0 o mais escasso, e 100 o mais abundante no planeta, 50 sendo o limite de regeneração, significando que ao usar determinado material abaixo da divisão dos 50 significaria engajar em uma prática insustentável.

O que o algoritmo de gestão pode fazer é racionalizar essas duas informações, um cálculo bastante simples por sinal, maximizando eficiência, porém priorizando naqueles materiais que temos maiores quantidades disponíveis, ponderando ambos os parâmetros em conjunto. Com isso o sistema pode chegar àquele melhor metal para a circunstância, o que chamaremos aqui de recurso ótimo, o melhor que podemos fazer no momento, e essa informação vai

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diretamente para o usuário, seja ele o inventor, projetista ou consumidor final. Se por acaso certo material ficasse mais escasso, uma contra medida seria automaticamente tomada, como substituição pelo próximo metal mais eficiente, pela ordem. Esse seria um real cálculo econômico, diferente da grosseira aproximação do sistema de preços. Um grupo de empresários alocando recursos em uma mesa de reuniões tem de ser um dos conceitos mais absurdos em que se pode pensar, pois nenhum desses “homens de negócio” têm de fato ideia do estado real daquele recurso, quanto temos disponível dele no total, qual o propósito científico de cada material, etc. Empresas apenas olham custo e maximização de lucro, nada mais. E obviamente tal trabalho é intenso e complexo, e precisamente por isso a tarefa tem de ser feita por computadores, pode ser feito, e deve ser feito por computadores, as limitações de um humano ou mesmo grupo de humanos tornaria tal tarefa impossível de ser realizada por pessoas. Computadores possuem mais capacidade de armazenamento e processamento. Se uma pessoa lesse uma página de um livro e outra lesse todo o livro, em quem você confiaria mais para perguntar informações a respeito do assunto? Obviamente a preferência é dada àqueles que leram o livro todo, e por isso mesmo temos que utilizar a memória e capacidade de cálculo dos softwares e algoritmos de gestão hoje possíveis, que possuem capacidade de armazenar tudo o que se tem para saber de determinado assunto no mundo e aplicar esse conceito de administração técnico-científica para cuidar de todo planeta.

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Distribuição

Distribuição funcionaria de forma não muito diferente de hoje. Podemos ter “centros de distribuição” semelhantes às lojas de departamento atuais, onde o “consumidor” entraria, escolheria o item, e o levaria para casa. Ou a pessoa poderia requisitar o bem pela internet e esse seria entregue em domicílio. A única diferença é que não existe dinheiro envolvido na transação. Demanda pode ser rastreada da mesma forma que fazemos hoje, o próprio sistema de pedidos poderia administrar as quantidades “vendidas” e analisar as tendências de pedidos de cada região, evitando faltas ou excessos, descobrindo o bem que faz mais sucesso, o que foi aceito pela população e o que não agradou, e para complementar, análises de tendências de consumo juntamente com pesquisas online podem ser feitas com pessoas simplesmente descrevendo o que irão precisar no mês seguinte, por exemplo, empresas fazem isso o tempo todo. A quantidade produzida sempre será maior que a necessária, se faltarem, digamos trens para o transporte, fazemos mais que o necessário, se faltarem lugares nos cinemas, fazemos mais cinemas, e quando a demanda for insuficiente gerando sobras, igualmente reduzimos o fornecimento, com muito mais flexibilidade que o atual sistema permite a propósito, sem necessidade de se manter fatia de mercado ou níveis elevados de consumo ou empregos. Porém, alguns bens não fazem sentido serem partilhados, como por exemplo, comida e roupas, esses sim serão de propriedade exclusiva do indivíduo. A diferença é que não seriam necessárias leis para proteger o direito de propriedade individual de ninguém, pois a própria superabundância que podemos ter de tais bens garante que haverá mais respeito pelo que é de outros do que nunca se viu na História. Não faz sentido roubar, invejar ou mesmo trocar ou comercializar algo a que eu, você e todos os seres humanos da Terra têm acesso. Trocas surgem da escassez, quando uma pessoa tem muitos tomates e outra tem muitas laranjas, então eles trocam, esse é o princípio do comércio e funciona muito bem. Porém, a partir do momento que temos os meios técnicos para produzir mil tomates e mais mil laranjas para ambos, o ato de troca perde o sentido.

Devido ao nosso condicionamento cultural dentro de um ambiente escasso, muitos têm o medo de que em um mundo onde tudo é gratuito, pessoas simplesmente saqueariam essas lojas, ou para usar uma linguagem mais suave, pegariam mais bens do que o necessário. Se pensarmos nas razões por trás desse comportamento entenderemos que é um medo irracional, apesar de intuitivamente lógico. Se tudo está disponível para todos, em todo lugar, não há sentido para uma pessoa entrar em um desses centros de distribuição e pegar digamos, 50 monitores de TV ou 200 celulares. Qual o incentivo? Primeiramente, todos têm o mesmo acesso a tais bens. Não há dinheiro, portanto não existe valor de revenda, não havendo escassez, não há razão para haver desvio ou acumulação desigual de itens. Por exemplo, suponhamos que a pessoa vá até um campo de golfe e lá encontre vários tacos de todas as medidas e especificações, disponíveis livremente. A ideia é que a pessoa entre, utilize os equipamentos para jogar, e os deixe lá ao sair. Porém, caso essa pessoa deseje “se apoderar” desses instrumentos e leva-los para casa, é seu peso para carregar. Faria mesmo sentido, em um mundo de abundância de acesso? Para que a pessoa faria isso, se não há valor de revenda? E sabendo-se que na próxima vez que o indivíduo quiser jogar, sempre haverá tacos disponíveis no próximo campo de golfe, onde está o incentivo? E ainda assim, em uma situação excepcional, existe um cálculo que pode ser feito: suponhamos que o indivíduo entre em um centro de distribuição e requeira 50 televisores, no caso de ele estar tendo uma peça de arte, algo excepcional. O sistema de gestão de inventário de recursos tem em seu banco de dados os recursos disponíveis e nossa atual capacidade de produção. O cálculo feito será

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simples: se não for possível para todos daquela região ou cidade terem acesso a 50 televisores caso necessitem igualmente, se tal aquisição não puder ser replicada para todos os habitantes da região, o pedido simplesmente não é fornecido na quantidade requisitada. Tudo é gerido de forma dinâmica e em tempo real pelo sistema de monitoramento de recursos, e precisamente a fim de evitar que isso aconteça, é que partilharemos os bens o máximo possível, não há milagres quando o assunto é escassez, é uma realidade da natureza, podemos apenas aliviar seus efeitos sendo mais inteligentes e precisos na gestão dos recursos. Em uma economia de mercado, quando um metal como o cobre está ficando mais escasso, a “inteligência” do mercado, por meio do mecanismo da oferta e demanda, apenas sobe o preço, deixando que esses recursos raros fiquem acessíveis apenas aos mais ricos. Em uma Economia de Lei Natural o preço não sobe, há simplesmente maior estratégia em como tal recurso é alocado. Criam-se substituições, desenvolvem-se novas ligas metálicas com propriedades parecidas, substitutos sintéticos, o que for contextual para cada caso. Não se pode ser sustentável quando uma economia ignora protocolos de reciclagem diariamente. Como tal processo não é antecipado já no estágio de desenvolvimento, pois simplesmente não estamos preocupados com isso, especialmente quando prejudica nossos lucros, muitos materiais são “estragados” para o processo de reciclagem, pois se cobre esses materiais com tintas e outros adornos cosméticos que distorcem as propriedades dos materiais, tornando-os menos aproveitáveis pelos atuais métodos de reciclagem. Porém, reciclagem é um dos atributos chave para sustentabilidade da espécie, e todo lixão que vemos lá fora é nada menos que um desperdício de potencial.

Juntamente com produção sustentável, só poderemos alcançar a abundância por meio de centros comunitários para partilha de ferramentas, equipamentos de imagem e vídeo, veículos de lazer/transporte como barcos, lanchas e jet-skis, etc. Bens seriam disponibilizados geralmente, quando possível, nos locais onde são utilizados. Por exemplo, onde utilizamos barcos e jet-skis? Em mares/rios/lagos. Portanto faria sentido termos um alto estoque desses equipamentos nesses locais. A pessoa chegaria, utilizaria o bem por quanto tempo quisesse, e o deixaria no local quando não mais precisasse. Não mais a trabalhosa tarefa de se manter e transportar tal bem sempre que preciso. Exatamente da mesma forma que utilizamos hoje carrinhos de compra nos mercados, por exemplo, ninguém briga pelo “direito de propriedade” de carrinhos de supermercado, simplesmente porque é ineficiente estocar essas coisas em casa, propriedade é algo desajeitado, raras vezes é prático e a manutenção e armazenamento de tais itens é sempre fonte de estresse, despesas e perda de tempo. E enquanto temos algo em torno de 100 carrinhos em um mercado de grande porte, afinal todo mundo não compra ao mesmo tempo, inúmeros seriam necessários caso a cultura fosse a de cada pessoa ter um em casa. Hoje faz sentido você comprar bens de uso esporádico e estocá-los em casa, pois é financeiramente inviável comprá-los sempre que necessário, porém em uma Economia Baseada em Recursos isso não seria um fator. Não é exatamente do bem material que as pessoas precisam, mas sim de sua utilidade, não é necessário propriedade, mas sim acesso. E se por acaso alguns lendo isso sentirem-se preocupados que poderão ter que engolir itens batidos, muito usados ou sem manutenção, como estamos acostumados a ver em locadoras e bibliotecas de hoje, devemos manter em mente que a responsável administração de recursos em uma EBR apenas permite a fabricação do que há de melhor cientificamente, de bens feitos para durar, com materiais resistentes, e a manutenção é sistêmica, feita sempre conforme necessidade, e não só manutenção, mas também a atualização. Por exemplo, atualmente já temos a capacidade de fabricarmos um aparelho celular, ou uma TV, de titânio (ver: http://www.tecmundo.com.br/celular/36387-celular-de-titanio-custa-us-2-500.htm), ou até mesmo de grafeno (ver: http://olhardigital.uol.com.br/video/36814/36814), ou a partir de vários outros materiais abundantes que já podemos até produzir em laboratório, materiais que facilmente durariam mais que o tempo de vida de seus usuários. Só não é feito, novamente,

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pela necessidade de consumo constante, manter empregos e a exigência de se cortar custos de todo produto. A redução de uso de recursos é gigantesca quando a durabilidade de bens é maximizada. Futuras atualizações devem ser previstas já na etapa de produção, para quando tivermos um celular de titânio que teria o potencial para durar 100 anos, você só atualize o software, ou troque a bateria, ou troque apenas a tela, e não jogue fora o produto todo só porque uma parte está danificada ou obsoleta, como fazemos hoje. Tais componentes, principalmente os eletrônicos, contêm uma série de recursos importantes e muitas vezes escassos, como ouro e cobre. Equipamentos modulares é o futuro, e já temos o celular do século XXI (ver: http://oglobo.globo.com/tecnologia/celular-ou-lego-aparelho-modular-permite-troca-de-pedacos-do-gadget-9931365). Com essa forma de planejamento, poderemos prolongar a vida útil dos bens, reduzindo drasticamente a extração de recursos e, ainda assim, aumentando o acesso da população a eles, por razão dessa redução de rotatividade.

Hoje graças à competição e obsolescência, temos bens de marcas. Uma TV deve ter a marca “Sony” ou “LG” na parte frontal, e isso faz com que todos os componentes sejam incompatíveis entre eles. Componentes da televisão Sony não funcionam no aparelho da LG e vice-versa. Isso cria um enorme desperdício de recursos devido à duplicidade desnecessária, sem mencionar a dificuldade de uso. Se eliminarmos esses atributos, poderíamos ter bens com componentes universalmente intercambiáveis. Imagine a facilidade de manuseio, manutenção e utilização de um carregador universal de celulares, ou de uma placa mãe de computador que funcionasse em todos eles. Hoje estamos no outro extremo, com até mesmo a chamada “obsolescência percebida” que é a obsolescência advinda da moda. Pessoas se desfazem de computadores, monitores, televisores inteiros às vezes apenas por estarem fora de moda. As empresas sabem bem disso e fabricam vários bens, de modelos e cores padrões para cada época, usando a mídia para promovê-los, e a própria sociedade cuida do resto. Muitas pessoas

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trocam de celular porque a “moda” é ter equipamentos todos pretos, e você não pode ter um carro preto, um computador preto, uma geladeira preta, mas um celular branco, claro que não, não combinaria. Portanto trocamos para nos mantermos sempre em dia com as atualidades, do mesmo modo que fomos condicionados a trocar de carro todo ano, ou sempre que possível. O desperdício é inadmissível.

Obviamente, a velocidade do progresso tecnológico está cada vez maior, e atualizações são cada vez mais constantes, por isso devem ser antecipadas. É nessa hora que entra o gênio da produção, o engenheiro em seu talento de tentar acomodar novas características e atributos no velho equipamento. Sempre perguntam o que as pessoas fariam em um mundo sem dinheiro. Este tipo de coisa é o que faríamos, tentaríamos melhorar o sistema e métodos existentes, melhorar nossa qualidade de vida, nossa saúde, precisamos mudar nossos valores de forma que o guia central da experiência do homem na Terra seja não mais a aquisição de riqueza e vantagem, mas sim a constante melhoria do mundo, e por extensão, de nós mesmos, deve ser uma honra e um prazer servir à sociedade, não porque queremos prêmios, mas porque o mundo em que vivemos fica melhor, e nosso bem estar depende de tudo a nossa volta. Tentaríamos adequar todos novos avanços nos bens duráveis já existentes, e quando isso não fosse mais possível, quando a atualização fosse tão dramática a ponto de alterar a “carcaça” do equipamento (que é a parte durável), esse sim seria o momento de recolhermos tudo e reciclarmos o máximo que pudermos. Ainda assim, não estamos falando de um sistema perfeito, recursos ainda seriam jogados fora, mas é infinitamente melhor que o que fazemos hoje, pois sequer estamos tentando. Atualmente jogamos itens fora e descontinuamos várias produções por capricho. Hoje, em média, 40% dos recursos de toda produção industrial é desperdício, puro lixo, sem contar o lixo residencial (ver: http://avisite.com.br/clipping/imprimir.php?codclipping=18927). Quando se desperdiça essa quantidade de insumos, praticamente qualquer outra metodologia é superior, em outras palavras, dificilmente encontraremos um método menos eficiente de organizar materiais e produção do que este que temos em operação hoje.

Como um ponto final sobre produção, muito se teme por uma perda de individualidade, pessoas têm receio de que a “liberdade de escolha” de bens pode ser limitada se for removida a economia de mercado. Apesar de compreensível historicamente, esse medo não é aplicável ao sistema baseado em recursos de que estamos falando. A revolução que está acontecendo na tecnologia, em especial nos campos da robótica modular, com o advento de verdadeiras transformações como inteligência artificial aplicada à robótica no chão da fábrica, impressão 3D, que nos permite a impressão de bens inteiros em um só processo, bens “básicos” como moradias de 200 m² em 24 horas, em um setor de construção civil que é o mais insalubre de todos, com mais mortes e acidentes que na mineração, por exemplo (ver: http://www.hypeness.com.br/2013/08/professor-cria-maquina-3d-capaz-de-imprimir-casas-em-20-horas/). O nível de personalização que estamos prestes a presenciar em nossos produtos é algo nunca antes visto. E não é por causa do mercado, é pelo avanço tecnológico, que inclusive precede o mercado. Estamos falando de um mundo onde encontramos um anúncio de digamos, uma cadeira que queremos adquirir na internet. Porém, não queremos aquelas pernas, outro encosto, um pouco mais larga e mais alta e de outra cor, e as máquinas simplesmente o farão, sem nenhum ser humano envolvido em todo esse processo. Isso já é possível agora, com nosso atual estado tecnológico. Haverá muito mais escolhas no futuro. Essa suposição de que não podemos viver de outra forma porque o livre mercado permite essa “liberdade de escolha” é realmente um delírio, temos mais limitações hoje que podemos

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notar. Que tipo de escolha o mercado de fato permite? As coisas são mais 1984 do que se pode imaginar no mundo hoje, sim, há uma ilusão de variedade com pequenas diferenças cosméticas de um produto para outro, mas é tudo uma cópia de carbono dos demais, o que faz sentido em um mundo guiado apenas por incentivos corporativos, utilizando-se de produção em massa de forma extremamente ineficiente, temos pouquíssimas liberdades de fazer muitas coisas tecnicamente possíveis. Repare nas moradias comuns da população, há pouca ou nenhuma variação, a parte de infraestrutura dos imóveis certamente tem zero de variação, não podemos colocar painéis solares em nossos lares sem enormes quantidades de dinheiro, enfim, há inibições para onde olhar. Temos essa ilusão por causa de um pedaço de papel em nossas mãos que passa a impressão de que estamos escolhendo, porém o que não notamos é que essas escolhas apresentadas já foram pré-selecionadas pela própria lógica mercantil.

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Obsolescência desnecessária: Competitiva e Planejada

Apenas quando pensamos em obsolescência é que podemos considerar as rápidas mudanças tecnológicas que ocorrem no mundo de hoje. Em poucos anos, parece que a nossa comunicação, dispositivos de processamento e tecnologia de informática passam por rápido desenvolvimento. A "Lei de Moore", por exemplo, que denota essencialmente que o poder de processamento dobra a cada 18-24 meses (ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Moore), foi estendida a outras aplicações tecnológicas semelhantes, iluminando a forte tendência do avanço científico em geral. Isso se deve ao fato de que agora, não só mais software e hardware, mas outros setores têm se tornado tecnologia da Informação, como a medicina se tornou após o projeto genoma. E toda tecnologia da informação está sujeita a crescimento exponencial, não linear, o que alguns chamam de “lei dos retornos crescentes” (ver: http://www.kurzweilai.net/the-law-of-accelerating-returns). A diferença é grande na velocidade do progresso, quando comparamos uma progressão linear com uma exponencial geométrica, por exemplo, se tomarmos números na sequência linear, 1, 2, 3, 4...ao final de trinta passos estamos no 30. Se tomarmos a tendência exponencial, 2, 4, 8, 16, 32...ao final de 30 termos estamos em um bilhão. A diferença é enorme. É natural que não conseguimos entender esse avanço crescente, estamos habituados a situações lineares, nossos cérebros evoluíram em meio a circunstâncias lineares, não exponenciais de crescimento. E por que isso ocorre, por que estamos sempre dobrando nosso poder computacional a cada 18 meses? Simplesmente porque usamos a ultima tecnologia para desenvolver a próxima. Precisamos dos computadores de 2013 para desenvolver os computadores de 2014, o que não seria possível com os computadores de 2003. E mesmo quando esse paradigma atingir seu limite por volta de 2020, temos já no horizonte a computação quântica tridimensional em seus primeiros estágios, que promete continuar essa tendência exponencial de avanço tecnológico por pelo menos todo o século XXI.

No entanto, quando se trata da produção de bens, duas formas de obsolescência ocorrem hoje que não se baseiam na evolução natural da capacidade tecnológica, mas sim o resultado de (a) a artificial estrutura competitiva do sistema de mercado, juntamente com (b) o desejo permanente do mercado em aumentar o volume de negócios e o lucro recorrente.

A primeira (a) poderia ser chamada de "Obsolescência Competitiva". Esta é a obsolescência decorrente da natureza de uma economia competitiva, pois cada entidade produtiva trabalha para manter vantagem diferencial em detrimento de outra, reduzindo as despesas de produção, a fim de manter os preços "competitivos" para a compra do consumidor. Este mecanismo é tradicionalmente chamado de "eficiência de custos" e o resultado são produtos que são relativamente inferiores no momento em que são feitos. Esta necessidade competitiva permeia cada etapa da produção e acontece uma redução da eficiência técnica quanto mais se utilizam materiais, métodos e desenhos tão baratos quanto possíveis.

Imagine, hipoteticamente, se levarmos em conta todos os requisitos materiais para, por exemplo, a criação de um carro, buscando maximizar a sua eficiência, durabilidade e qualidade de forma mais estratégica, com base nos próprios materiais - e não no custo de desses materiais. O ciclo de vida do carro, então, seria determinado apenas pelo seu desgaste natural

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e para sermos sustentáveis, o foco do design do carro deve sempre prever e facilitar a atualização de atributos do veículo quando eles se tornaram obsoletos ou danificados por circunstâncias de uso natural. O resultado seria uma produção projetada para durar, reduzindo assim o desperdício e, invariavelmente, aumentando a eficácia do “serviço transporte”. É seguro supor que muitos no mundo de hoje acreditam que isso é o que realmente acontece na concepção e produção de bens, o que comprovadamente não é a realidade. É matematicamente impossível para qualquer empresa concorrente produzir o melhor estrategicamente, tecnicamente, numa economia de mercado, porque o mecanismo de "eficiência de custos" garante uma produção inferior àquela que seria ideal em parâmetros científicos.

A segunda forma (b) de obsolescência é conhecida como "planejada". Esta técnica de produção para garantir o consumo cíclico ganhou interesse no início do século XX, quando o desenvolvimento industrial estava avançando eficiência a um ritmo acelerado, produzindo produtos melhores, mais rapidamente. Na verdade, não era apenas uma necessidade de incentivar mais compras pelo público em geral. O aumento do ciclo de vida e o consequente aumento da eficiência geral dos bens também derrubou o consumo. Mais uma vez, o fenômeno do "mais com menos" foi surgindo de forma rápida.

Ao invés de permitir que a vida útil de um bem seja determinada pela sua capacidade técnica, com a intenção lógica demandada pela lei natural de existir tanto tempo quanto possível, dados os recursos limitados em um planeta finito e um interesse natural de economizar energia, materiais e trabalho, corporações decidiram que era melhor, ao invés, criarem seus próprios "tempo de vida" de bens, inibindo eficiência deliberadamente a fim de gerar compras repetidas.

Na década de 1930, alguns até queriam torná-la obrigatória para todos os setores, de forma legal, onde os ciclos de vida seriam decididos não pelo estado natural da capacidade tecnológica, mas pela mera necessidade contínua de aumento do consumo. Na verdade, o exemplo histórico mais notável deste período foi o cartel da lâmpada Phoebus da década de 1930, onde, em um tempo onde as lâmpadas foram capazes de durar até cerca de 25.000 horas, o cartel forçou cada empresa a restringir vida lâmpada para menos de 1000 horas para garantir compras repetidas. Hoje, todos os principais fabricantes planejam limitar ciclos da vida com base em modelos de marketing de consumo cíclico e o resultado é não só o desperdício repreensível de recursos finitos, mas um desperdício constante do trabalho humano e energia também. Porém, fora da dinâmica da economia de mercado, é extremamente difícil argumentar contra a necessidade de melhor design de produtos.

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Propriedade versus Acesso

“O primeiro homem que, depois de ter fechado um pedaço de chão, ousou dizer “isto é meu”, e encontrou pessoas humildes o suficiente para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. De quantos crimes, guerras e assassinatos, de quantos horrores e desgraças a humanidade não seria poupada, se alguém do povo erguesse sua estaca gritando para seus companheiros "Cuidado ao escutar este impostor; vocês estão perdidos se esquecerem por um só momento que os frutos da Terra pertencem a todos, enquanto que a própria Terra não pertence a ninguém”.

Jean-Jacques Rousseau

A tradição de propriedade pessoal tornou-se um marco da cultura moderna, com pouco ou nenhum incentivo financeiro em longo prazo para se utilizar um sistema de partilha ou de acesso. Embora existam alguns exemplos de partilha comunitária de mercadorias nos dias de hoje, a ética geral de "posse" e as características inerentes de valor/investimento da propriedade em si faz com que tais abordagens de partilha sejam mais caras para o usuário no longo prazo, do que envolver-se em compra direta. Propriedade é um conceito abstrato que teve a necessidade de surgir na História humana para se administrar escassez, não se pode ser dono de nada em um sentido físico real, pois concretamente não podemos fisicamente possuir nada, nem mesmo nossos corpos, que deixarão de ser nossos um dia, em outras palavras, tudo é “emprestado”. Toda informação é serial, toda informação aqui apresentada não é o resultado do autor, mas sim de um corpo de informação que revolve literalmente há milhões de anos, uma pessoa é simplesmente a incorporação de todas as ideias e experiências que teve durante a vida.

Do ponto de vista da eficiência do mercado, isso é uma coisa boa, quanto mais compras diretas de bens, melhor. De um modo geral, se 100 pessoas desejam dirigir um carro, tendo 100 pessoas compram esses carros um por um é mais eficiente para o mercado do que se 100 pessoas compartilharem 20 carros em um sistema de acesso estrategicamente projetado, permitindo a utilização com base no tempo de uso real.

Se analisarmos os padrões de uso real de um determinado bem, em média, muitos tipos de produtos são encontrados para serem usados de forma intermitente. Veículos de transporte, equipamentos de lazer, equipamentos de projeto, equipamentos de mídia em geral e vários outros gêneros de bens são comumente acessadas em intervalos relativamente distantes, tornando a ideia de propriedade não apenas um pouco de um inconveniente dado a necessidade de armazenar esses itens, mas também claramente ineficiente no contexto da verdadeira integridade econômica, que busca a redução de resíduos em todos os momentos. Uma pessoa utiliza seu automóvel, em média, apenas por 74,9 minutos por dia (ver: http://research.microsoft.com/en-us/um/people/jckrumm/Publications%202012/2012-01-0489%20SAE%20published.pdf). Todos os anos, inúmeros livros são emprestados praticamente de graça a partir de bibliotecas de todo o mundo, significando, não só poupar

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uma enorme quantidade de recursos materiais ao longo do tempo, mas também facilitar o acesso ao conhecimento para aqueles que poderiam não ter meios para obtê-lo. No entanto, esta prática é uma rara exceção em termos de eficiência em um mundo impulsionado pelo mercado hoje, claramente não é parte do modelo de mercado oferecer nada disponível sem compra direta.

Vamos agora hipoteticamente estender essa ideia do compartilhamento de conhecimento para a partilha (acesso estratégico) de bens materiais. Do ponto de vista da eficiência do mercado, seria extremamente inibidor. Lucro é gerado com rotatividade, menos trocas monetárias, menos lucros. Por outro lado, a eficiência técnica seria profunda. Não só menos recursos precisam ser utilizados (juntamente com menos força de trabalho), uma vez que menos unidades de cada bem precisam ser criadas para atender o tempo de uso dos cidadãos, como também a disponibilidade desses bens poderia muito bem estender-se a muitos que de outra forma não teriam a capacidade de pagar a compra. Em outras palavras, poderíamos reduzir a produção, enquanto que ao mesmo tempo, e contra intuitivamente, aumentar acesso das pessoas aos bens. A este respeito, a eficiência técnica tem dois níveis: ambiental e social. Do ponto de vista ambiental, uma redução drástica da utilização dos recursos, e do ponto de vista social (todo o resto igual), um aumento na disponibilidade de acesso de tais mercadorias.

Então, do ponto de vista de eficiência técnica, em profundo detrimento da eficiência de mercado, o acesso compartilhado de bens ao invés de uma sociedade orientada por propriedade individual seria excepcionalmente mais sustentável e benéfico. É claro que tal prática seria naturalmente desafiar algumas profundas identificações de valores comuns na cultura de hoje.

Essa abordagem responsável, essa inteligente gestão pode não só diminuir a exploração predatória de insumos, com bens compartilhados, fabricados para máxima durabilidade e eficiência, mas pode também fornecer às pessoas algo que o mundo nunca conheceu: uma abundância global de acesso.

Como exemplo de acesso estratégico, temos uma nova realidade, a “biblioteca de ferramentas” ou em inglês “Tool Library”. Ninguém usa chave de fendas, furadeiras, martelos o tempo todo, então alguém com muita imaginação resolveu criar um lugar onde as pessoas “doam” suas ferramentas e compartilham tais itens, gratuitamente. Eles já possuem inclusive uma impressora 3D, nada mal (ver: http://www.youtube.com/watch?v=YUZkujwu-WE).

O Zip Car em nova York é outra medida na direção certa (ver: http://nypost.com/2013/10/22/zipcar-technology-saves-nyc-millions/).

Rachel Botsman fala dessa questão muito bem (ver: http://www.youtube.com/watch?v=ln1RukDT-to).

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Competição versus Colaboração

A questão da sociedade buscando uma cultura competitiva ou colaborativa tem sido um debate de séculos, com os pressupostos comuns de “natureza humana” para a defesa da concorrência. Hoje, a concorrência é mais discutida pelos economistas como um incentivo necessário para continuar a inovação, juntamente com a suposição implícita que simplesmente não há o suficiente para todos os seres humanos do planeta e, portanto, a humanidade não tem escolha a não ser lutar em algum nível, com os perdedores inevitáveis.

Há dois ângulos principais a serem considerados: o primeiro é o (a) como a concorrência afeta a própria produção industrial, o segundo é (b) como ele realmente afeta inovação ou desenvolvimento criativo.

(A) Se examinarmos o layout da produção industrial de hoje, vemos um sistema global complexo de interação, movendo recursos, componentes e artigos constantemente de um local para outro para diversos fins de produção ou de distribuição. Negócios, em sua busca de lucro e eficiência de custos, invariavelmente procuram trabalho barato, equipamentos e instalações em todos os momentos para que continuem competitivos no mercado. Isto pode assumir a forma de trabalho imigrante local com salário mínimo, uma unidade de oficina de trabalho semiescravo de produção no exterior, uma fábrica de processamento relativamente barato em todo o país, etc.

Do ponto de vista de eficiência do mercado, a relação custo-benefício é o que importa, mesmo que o ato deste processamento global esteja usando quantidades desproporcionalmente grandes de combustível, meios de transporte, força de trabalho e assim por diante. Se há lucro, não importa o quanto foi gasto. A noção de "eficiência proximal", ou seja, neste caso a eficiência derivada da distância entre a produção/distribuição de pontos industriais, não é considerada e a prática da globalização hoje provoca grande quantidade de desperdício de recursos movimentados ao redor do mundo, explorando trabalho e gastando energia, baseado quase inteiramente no interesse de poupar dinheiro, não o ideal, que seria maximização da eficiência e sustentabilidade, em todos os níveis.

Ignorar a importância da "eficiência proximal" em ação industrial, nacional ou internacional, é a fonte das maiores realidades de desperdício. Hoje em dia, a produção industrial é quase inteiramente internacional, especialmente na idade tecnológica. Simplesmente não é necessário.

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Enquanto que a produção agrícola tem sido, historicamente, regional, dada a propensão de certas regiões para produzir certos tipos de produtos, estas questões são muito pequenas em proporção com a grande maioria das produções industriais, e hoje já existem várias soluções tecnológicas que superam essa necessidade regional para algumas culturas. "Produção localizada", que significa a redução deliberada da distância entre todas as facetas da produção e distribuição, é a forma tecnicamente mais eficiente para uma comunidade operar, levando em conta as exceções óbvias, como, por exemplo, a extração mineral. É simples de ver, especialmente no que diz respeito a aplicações de técnicas modernas, que atualmente não são utilizadas, como grande parte dos bens de sustentação da vida pode e deve ser gerado na proximidade local onde são utilizados.

Há um processo racional tecnicamente eficiente que diz respeito à utilização de proximidade, quando se trata de extração, produção, distribuição e reciclagem ou eliminação de resíduos. O resultado final seria enormes níveis de energia humana e recursos preservados, economia que de fato poderia ser realocada se necessário para continuar avançando projetos, ao invés de perdidas como mero desperdício através do modelo de mercado hoje.

Para ilustrar como a concorrência limita a eficiência técnica da produção industrial, aumentando os resíduos, a realidade da “multiplicidade" é outra questão. Apesar de toda a produção por empresas concorrentes ser tipicamente orientada em torno de estatísticas históricas sobre sua fatia de mercado e quantos bens eles podem vender, em média, por região, o fato de várias empresas estarem trabalhando no mesmo gênero de produção, produzindo produtos quase idênticos, com apenas leve variação, só contribui para o desperdício desnecessário. A ideia de, por exemplo, várias empresas de telefonia celular competindo por participação de mercado com mera variação do projeto, juntamente com a falta geral de compatibilidade dos componentes, dado o benefício financeiro de empurrar padrões proprietários como patentes, criando outra complexa teia de ineficiências. Claramente, a partir do ponto de vista da eficiência técnica, se todas as empresas de telefonia celular unissem esforços, ou melhor, se toda humanidade pudesse contribuir para o desenho dos melhores celulares possíveis estrategicamente e o mais adaptável (atualizável) design, universalmente compatível e intercambiável com todas outras tecnologias, não só seria mais respeitoso com o meio ambiente, mas também criaria uma enorme facilidade e eficiência de uso do bem, solucionando o problema de buscar peças de reposição e superando os problemas de compatibilidade.

Costuma-se argumentar, no entanto, que a busca da concorrência e as variações de produtos que surgem na busca por participação de mercado por empresas concorrentes é uma forma de introduzir novas ideias para o público. No entanto, tal método também poderia ser alcançado através de sistemas de pesquisa de demanda de massa direto do público com relação ao que é necessário, mais ou menos como um site de compras funciona hoje, informando sobre os produtos juntamente com uma campanha de sensibilização emergente sobre o que é possível, dada a evolução empírica do avanço tecnológico.

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(B) A segunda questão aqui tem a ver com a forma como a concorrência afeta a inovação ou o próprio desenvolvimento criativo. Enquanto a suposição ainda persiste hoje que vantagem diferencial de renda motiva pessoas a buscar tal recompensa, que é também uma justificação comum da existência de "classes", estudos sociológicos modernos encontram um número de pontos de vista conflitantes. A ideia de que os seres humanos são motivados intrinsecamente por uma necessidade de "vencer" os outros, por exemplo, ganhando recompensas materiais financeiras em excesso, é sem justificação credível, fora da visão intuitiva tirada do altamente competitivo mercado existente. Descobriu-se que seres humanos precisam de recompensa e motivação extrínseca (dinheiro ou prêmios) apenas quando a tarefa é repetitiva e monótona. Quando a atividade é interessante e voluntária, o resultado da tarefa em si é a recompensa. E como sabemos, tais trabalhos repetitivos podem ser automatizados (ver: http://www.youtube.com/watch?v=bIhHrL73d4s).

No entanto, mais uma vez, o debate sociológico pode ser posto de lado como o contexto aqui é a forma como se relaciona com a concorrência de mercado e eficiência técnica diretamente. Em suma, o sistema competitivo procura sigilo quando se trata de ideias de negócio, muitas vezes contra o natural fluxo livre de conhecimento. O uso de patentes e direitos de propriedade ou "segredos comerciais" perpetua não um avanço da inovação como muitos defensores do mercado competitivo supõem, mas um atraso.

É muito interessante pensar sobre o que significa conhecimento, como ele é gerado e como é estranho para alguém alegar racionalmente "propriedade" de uma ideia ou invenção. Em nenhum momento da história humana qualquer indivíduo singular culminou uma ideia que não tenha sido gerada em série por muitos outros antes dele. A culminação histórica do conhecimento é um processo social e, portanto, toda a reivindicação de propriedade de uma ideia por uma pessoa ou empresa é intrinsecamente falaciosa. O termo comum usado hoje é o "usufruto", que significa "o direito legal de usar e aproveitar os frutos ou lucros de algo pertencente a outro". Na realidade, porém, todos os atributos de cada ideia em existência hoje, no passado, e para sempre no futuro, têm, sem exceção, um ponto fortemente social, não pessoal de origem. Isso nada tem a ver com o “valor” do indivíduo, isso é outra conversa, aqui estamos falando sobre informação, conhecimento, e o que é mais importante, o mensageiro ou a mensagem, o matemático, ou o dado? E estudos históricos podem comprovar que os dados são tudo o que há de relevante quando se trata da evolução do conhecimento da humanidade. Einstein disse melhor: “E não inventei relatividade, não sozinho, eu a construí sobre os ombros de gigantes. Pois para eu tê-lo feito precisaria ter inventado todas as ferramentas matemáticas e físicas que utilizei, ferramentas que já existiam muito antes de eu ter nascido”.

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Torna-se óbvio que a noção de propriedade intelectual, ou seja, a posse de meros pensamentos e ideias tem se manifestado fora do vasto período da história humana, onde a criatividade tornou-se ligada a um senso de sobrevivência pessoal. Em um sistema econômico onde as ideias das pessoas têm a capacidade de gerar renda para eles pessoalmente, a ideia de tal propriedade torna-se relevante. Afinal, se "inventar" algo no sistema moderno, que poderia gerar vendas e, consequentemente, ajudar a sua sobrevivência econômica pessoal, seria extremamente ineficiente, no sentido do mercado, permitir que a ideia seja "open source", uma vez que os outros, buscando a própria sobrevivência, iriam aproveitar rapidamente a invenção para a sua própria exploração financeira.

Também é fácil ver como o fenômeno do "ego" se manifestou em torno da ideia de propriedade intelectual, bem como, uma vez que a base de recompensa em tal sistema sempre tem um laço psicológico para o senso pessoal de autoestima. Se uma pessoa "inventa" algo, alega propriedade intelectual e o explora para o lucro, isso se manifesta em muito dinheiro e patrimônio, tendo seu "status" como um ser humano tradicionalmente elevado de acordo com as normas estabelecidas pela cultura do que é considerado "sucesso". Porém, a natureza diz diferente: nada nos pertence, tudo é emprestado, até mesmo nossos corpos. Nada tínhamos antes de nascer, e nada levaremos ao morrer. Ao nascer, isso sim, todos herdamos o planeta, o planeta é nosso, e precisamos aprender a usá-lo sem termos a ingenuidade de permitir que corporações, para sua própria vantagem, utilizem recursos de que toda humanidade precisa.

No entanto, a partilha de conhecimento não tem consequência negativa alguma do lado de fora da premissa econômica da propriedade para a exploração de lucro. Não há nada a perder e, de fato, uma enorme quantidade a ser adquirida socialmente através da partilha de informação. Voltando ao exemplo anterior de empresas de telefonia celular concorrentes, vamos perceber que dentro dos limites de reuniões da diretoria, onde muitas vezes os

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comerciantes, designers e engenheiros consideram como melhorar seu produto, em geral, a partilha das suas ideias é primordial.

No entanto, imagine se essa reunião fosse estendida a todas as empresas de telefonia celular que competem ao mesmo tempo, onde não só eles poderiam retirar recursos de "marketing" concebidos para ganhar quota de mercado de outros concorrentes (como artifícios estéticos), eles poderiam trabalhar para produzir o "melhor" em acordo. Estendendo ainda mais, imagine o mundo que teríamos se todos os projetos fossem de "domínio público" no sentido de que qualquer pessoa no mundo que tivesse interesse em trabalhar em algo, seja pra usar, melhorar ou mesmo trocar ideias a respeito, pudesse fazê-lo sem restrições.

Os esquemas de projetos de aparelhos celulares podem ser expostos publicamente através de um sistema de interação técnica, onde as pessoas de todo o mundo podem ajudar, se eles tiverem a capacidade, com a eficiência técnica e a utilidade do design. Enquanto este é um exemplo hipotético abstrato, é claro que o resultado de uma abordagem aberta à partilha de informação pode facilitar uma explosão de criatividade e produtividade nunca antes presenciadas. A remoção do sistema de mercado monetário é crítica para a facilitação desta capacidade.

Existem vários tipos de ambientes competitivos obviamente. Temos competição nos esportes, por exemplo, será que devemos superá-la também? Precisamos fazer uma reflexão mais profunda se quisermos entender a natureza competitiva no ser humano, a necessidade de sentir-se melhor que os outros para sua autoestima, que o guia do interesse próprio no atual modelo econômico ajuda a enfatizar. Infelizmente, é uma ilusão, como muitas das espécies de “poder” que pessoas buscam atualmente. Ninguém pode ser o “melhor de todos”, ou “melhor que os outros”. Só podemos ser o melhor que nós podemos, só podemos atingir o nosso melhor, portanto é bem provável que no futuro teremos mais esportes que buscam testar os próprios limites do indivíduo, uma competição contra si mesmo, essa é a real competição, seja contra uma sombra virtual, contra seu melhor tempo, etc. Não necessariamente temos que vencer os outros o tempo todo, e só o fato de não possuirmos hoje na cultura praticamente nenhum esporte verdadeiramente colaborativo já é bastante revelador. Mas o tempo dirá a esse respeito, não sabemos que espécie de ser humano pode surgir quando atenuarmos a escassez e consequentemente, competição. Tudo indica que muitos elementos permearão no futuro, apesar de não haver troca de informação e ajuda mútua, em certos casos competição amistosa pode ser benéfica e até mesmo divertida, como nos esportes. Porém, no nível social, quando se trata de necessidades básicas da população, competição é realmente destrutiva e geralmente leva à violência na sociedade. Porém ela não é a causa raiz, ela é apenas consequência da escassez inerente.

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Trabalho por Renda versus Mecanização

No núcleo do sistema de mercado encontra-se a venda do trabalho de um indivíduo como uma mercadoria. Em muitos aspectos, a capacidade do mercado para empregar a população tornou-se uma medida da sua integridade. No entanto, o advento da "mecanização", ou a automação do trabalho humano, tornou-se um ponto de cada vez maior interferência ao longo do tempo.

Enquanto que o corte de custos é inerente à mecanização e, consequentemente, a melhoria geral de lucro, reduzindo os custos para os empresários, o deslocamento de trabalhadores humanos, conhecido hoje como "desemprego tecnológico" (ver: http://www.espacoacademico.com.br/036/36ccesar.htm), realmente funciona contra a própria eficiência do mercado na medida em que os trabalhadores desempregados são agora incapazes de contribuir para o consumo cíclico necessário que alimenta a economia, uma vez que eles perderam seu poder de compra como "consumidores". Os empresários não podem vender seus produtos para os robôs que trabalham para eles.

Muitos não entendem ou simplesmente negam as implicações desse fenômeno global, mesmo muitos economistas e políticos. O pressuposto básico é que a mecanização (ou de forma mais ampla, a inovação tecnológica) facilita a expansão industrial e, portanto, inevitável uma realocação de mão de obra deslocada pela máquina em novos setores emergentes. Esta é uma defesa comum. Historicamente falando, parece haver alguma verdade nisso, onde a redução da força de trabalho humano em um setor, como foi o caso com a automação da agricultura no Ocidente, foi compensado pelo avanço de outros setores de atividade, como o setor de serviços. No entanto, essa suposição de que a inovação tecnológica irá gerar novas formas de trabalho em conjunto com os deslocados por ela, criando um equilíbrio, é realmente muito

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difícil de defender, quando a taxa de variação da inovação, juntamente com a redução de custos para automação são levados em conta.

Quanto a este último, o "papel" de mecanização do ponto de vista da eficiência do mercado existe quase que exclusivamente para ajudar "corte de custos". Robótica nos dias atuais superou em muito a capacidade física do ser humano, juntamente com os processos de cálculo que avançam rapidamente que continuam a exceder largamente o pensamento cerebral. O resultado é a capacidade da indústria para empregar máquinas que, invariavelmente, têm mais padronização, segurança e capacidade produtiva em comparação ao trabalho humano, juntamente com o incentivo financeiro extremamente notável de responsabilidade reduzida para os empresários de muitas maneiras. Enquanto as máquinas podem requerer manutenção, eles não precisam de seguro de saúde, seguro-desemprego, férias, proteção sindical e muitos outros atributos comuns do emprego humano. Máquinas trabalham até no escuro e sequer requerem condicionamento de ar, o que reduz custos com eletricidade, uma grande parcela nos custos de qualquer processo industrial, sem falar no fim dos problemas de ego, emocionais e intrapessoais. Portanto, tendo em vista a lógica estreita inerente à busca do lucro, é natural que as empresas busquem a mecanização em todas as oportunidades, dada a sua vantagem de custo de longo prazo e, portanto, eficiência do mercado. E se caso algumas empresas não a adotem por completo, os seus concorrentes o farão e ganharão vantagem diferencial.

Quanto à sugestão de que um equilíbrio sempre será encontrado, eventualmente, entre as novas funções de trabalho e mão de obra deslocada devido à inovação tecnológica, o problema é que a taxa de variação do desenvolvimento tecnológico excede em muito a taxa de criação de novos empregos, e o desemprego que vemos a nossa volta é a consequência. Isso é fácil de provar, basta pensarmos que se retirássemos toda automação do campo na produção agrícola, teríamos empregos sobrando e pessoas faltando para manter a produção no mesmo nível, todos estariam empregados, e ainda precisaríamos procriar mais. Todo desemprego visto hoje no mundo é consequência quase que exclusiva da automação do trabalho. Se somarmos a isso toda automação da indústria, claramente perceberemos que as máquinas já fazem em torno de 70% de tudo o que usamos e aqueles que negam essa realidade estão tendo que se esforçar cada vez mais para continuar ignorando esse enorme “elefante” na sala. No Brasil já temos exemplos clássicos desse desemprego tecnológico, como no caso de parquímetros eletrônicos eliminando empregos de “flanelinhas”, ao ponto de tornar-se motivo de preocupação pelas autoridades de trânsito (ver: http://oglobo.globo.com/rio/novo-sistema-eletronico-de-vagas-para-carros-divide-opinioes-de-cariocas-11281464).

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Assim como a eficiência do mercado não tem consideração para o que realmente está sendo comprado e vendido em geral, contanto que seja mantido o consumo cíclico a um ritmo crescente, os papéis de trabalho hoje na produção são arbitrários. Em teoria, poderíamos imaginar um mundo onde as pessoas estão sendo pagos para fazer o que poderia ser considerado ocupações "inúteis", podemos imaginar uma sociedade de pessoas empregadas em ocupações que se resumem a beber cafezinho enquanto assistem a máquinas trabalhando o dia todo, só pelo bem de se ganhar um salário, gerando altos níveis de PIB praticamente sem verdadeira contribuição social. Na verdade, ainda hoje podemos voltar atrás e perguntar a nós mesmos qual é o papel social de muitas instituições realmente e, talvez, chegar à conclusão de que eles servem apenas para manter em movimento o jogo em torno do dinheiro, criativamente, poucos estão criando ou produzindo algo concreto para melhorar o mundo.

Estas são questões filosóficas complexas porque elas desafiam a ética tradicional dominante e a própria natureza do que o "progresso" realmente significa, em muitos aspectos. Por exemplo, o exercício seguinte vale a pena considerar. Imagine se tivéssemos de aplicar nossa tecnologia de hoje no sistema social do século XIX, onde muitas modernas realidades tecnológicas eram simplesmente impensáveis. O resultado seria que a população não teria que trabalhar nunca, pois teríamos a produção de tudo que se produzia na época 100% automatizado com as tecnologias atuais, de 2014. Tudo que existia em termos de fabricação no século XIX, inclusive automóveis, hoje já é, ou pode ser 100% automatizado.

Se esta sociedade foi capaz de sobrepor a enorme capacidade tecnológica da era moderna, há pouca dúvida de que praticamente tudo relacionado à sobrevivência do núcleo da população poderia ser automatizado, até mesmo com procedimentos médicos complexos sendo conduzidos por máquinas, e baseado no padrão, com taxas de sucesso muito melhores que a medicina tardia de hoje, não preventiva, que assim como nosso sistema social só aborda os

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sintomas, utilizando-se de cirurgias e práticas altamente intrusivas para lidar com a maioria das consequências que um estilo de vida insalubre sempre gerou na população. Que tal um doutor no seu bolso 24 horas por dia? (ver: http://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-2093827/Doctor-pocket--How-smartphones-able-diagnose-diseases-just-drop-blood-saliva-screen.html). Mesmo cirurgias e diagnósticos complexos são atividades mecânicas, passíveis de automação, tudo que um médico faz é observar um padrão em pacientes, enviando estes para realizar exames (que hoje já são feitos em máquinas) e usar-se de sua biblioteca mental como referência de todas as possibilidades e depois passa o mais adequado diagnóstico baseado no que aprendeu. Uma máquina segue a mesma lógica de operação, ela pode consultar o paciente da mesma forma que um doutor o faria, mas com uma varredura muito mais abrangente que o olho humano é capaz, realizando ela própria o exame e utilizando-se de seu banco de dados como referência do que é conhecido (também com muito maior capacidade de armazenamento de informações, talvez com toda a medicina conhecida dentro da base de dados) a fim de passar o melhor diagnóstico.

A questão torna-se então, o que as pessoas fazem agora com a liberdade? O que se torna o foco de suas vidas, se o trabalho penoso de sobrevivência foi removido? Será que devemos inventar novos postos de trabalho, simplesmente porque podemos? Será que não seria melhor ideia mudar, preservando e incorporando esta nova liberdade, alterando nosso próprio sistema social? No entanto, um valor cultural dominante hoje é o de "ganhar a vida”, a própria Bíblia diz que “o homem deve ganhar seu direito a vida pelo suor de sua sobrancelha”, e isso atrasa as pessoas. Temos esse folclore de que o trabalho dignifica as pessoas, o que é útil no atual modelo, mas provoca uma confusão a respeito de que viemos fazer na Terra, nosso próprio propósito na vida.

Por outro lado, do ponto de vista da eficiência técnica, uma vez mais vemos grande melhoria e imensas possibilidades em vários níveis. A capacidade de produção automatizada revela claramente um forte aumento da eficiência geral do próprio produto de extensão da precisão e integridade inerente na produção. Além disso, uma implicação deste novo nível de eficiência de produção é que a satisfação das necessidades da população mundial nunca esteve tão dentro de nosso alcance. É fácil ver que, sem a interferência da lógica de mercado sobre esta nova capacidade técnica, que, invariavelmente, inibe o seu potencial, o que poderia ser considerado abundância da maioria dos bens que sustentam a vida poderia ser facilitada para a população global.

E a questão do incentivo para se trabalhar? Humanos ainda trabalhariam se sua sobrevivência já estivesse garantida? Trabalharíamos “de graça”? Há vários estudos promovidos pela Khan Academy e muitas outras para descobrir o que de fato motiva as pessoas. O que tendemos a encontrar é que trabalhos monótonos e repetitivos, aqueles que podemos automatizar a propósito, realmente necessitam de recompensa extrínseca porque são muito mundanos e cansativos, como o dinheiro, prêmios e afins. Porém, quando a tarefa é relevante, a própria conclusão da tarefa é o incentivo, a recompensa. Os maiores gênios inventores com as maiores contribuições para humanidade não tiveram motivações monetárias, Newton não descobriu a gravidade porque estava a caminho de um contracheque. E o mais interessante que tais estudos apontam é o fato de que dinheiro parece inibir o processo criativo, pois as pessoas se

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concentram mais em ganhar do que na tarefa em si (ver: http://www.youtube.com/watch?v=4nBMYszOTB4).

É importante ressaltar novamente que hoje produção é inversamente proporcional a emprego.

Essa nova tendência mostra que estamos lutando uma batalha perdida, pois a automação eliminará a maioria dos empregos atuais, como tem feito historicamente. Temos reinventado setores na base de novas tecnologias emergentes assim que um setor é mecanizado. Quando as máquinas nos substituíram no setor agrícola, migramos para a indústria. Quando a indústria se automatizou, passamos para os serviços, no qual estamos agora, aparentemente o último refúgio restante para o emprego humano, que também está sendo crescentemente invadido por quiosques automatizados, caixas eletrônicos e toda espécie de facilidades, até mesmo lojas inteiras, sem nenhum funcionário (ver: http://www.youtube.com/watch?v=QHsXNvB9Yus). Onde está o próximo setor? Também podemos inferir que com menos pessoas e mais máquinas trabalhando podemos aumentar a produção, o que significa que é irresponsável não automatizar, pois é disso que precisamos para atingir a abundância. Não se pode lutar contra tecnologias que fazem sentido, que têm o potencial de liberar as pessoas de suas rotinas repetitivas que a humanidade sempre teve de aturar. E não é apenas uma questão de trabalhar menos, é também uma questão de maximizar eficiência.

O método científico pode não só dizer que devemos automatizar, mas como devemos fazê-lo, afinal o método de produção em si é tão importante quanto os recursos naturais que serão transformados. Um método eficaz de dessalinização da água é tão importante quanto a própria água; um bom método de produção de comida é tão importante quanto os alimentos em si.

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Em uma Economia Baseada em Recursos automação é coloca preferível a trabalho humano, em todos os níveis. Ela não luta contra a automação pela necessidade de manutenção de empregos, como fazemos hoje. Todos os processos seguirão com a menor intervenção humana quanto possível. Porém, isso implora pela pergunta, será que humanos não seriam necessários para supervisionar tais processos? Muito provavelmente a resposta é sim, porém essa necessidade decresceria com o tempo à medida que fôssemos encontrando novas formas de mecanizar ocupações. E baseado nas atuais tendências de trabalho voluntário pelo mundo, mesmo dentro deste sistema guiado pela competição e interesse próprio, não precisaríamos de mais pessoas que as que já estão trabalhando de graça, agora mesmo. Quatro em cada dez pessoas no mundo, ou 37%, já fazem alguma espécie de trabalho voluntário, isso em nosso sistema egoísta atual (ver: http://portalcorreio.uol.com.br/noticias/brasil/estatisticas/2012/09/01/NWS,214151,3,55,NOTICIAS,2190-18-BRASILEIROS-FAZEM-TRABALHO-VOLUNTARIO-SEGUNDO-IBOPE.aspx).

É muito seguro supor que em um sistema desenhado para tomar conta de toda população, de seus filhos e familiares, pessoas se voluntariarão de todos os lados para contribuir com um sistema feito para cuidar delas. O mito de que pessoas só farão coisas se houver recompensa financeira é míope. Pessoas farão milhares de coisas, se perceberem que existe retorno para elas, é com essa justificativa de bem social em mente que pessoas ainda pagam impostos, mesmo que por muitas vezes contra sua vontade. Isso ainda facilitado pela drástica redução na carga horária que a automação, juntamente com a remoção de ocupações irrelevantes tecnicamente pode possibilitar. Antes de passarmos aos cálculos, uma breve análise das profissões que devem ser eliminadas, e também as que irão permanecer no futuro.

Profissões que desaparecerão: político, empresário, vendedor, acionista e investidores em geral, caixa, advogado, policial, bombeiro, supervisor, contador, publicitário, pedreiro, lixeiro, professor, cozinheiro, carpinteiro, faxineiro, zelador, segurança, comerciantes e secretárias/recepcionistas. Porém removeremos apenas a parte desagradável de algumas dessas tarefas. Por exemplo, podemos ter robôs e cozinhas totalmente automatizadas para alta produção, porém ainda teríamos pessoas criando pratos e melhorando os processos, a participação é sempre aberta àqueles que têm conhecimento para tal.

Profissões que permanecerão: inventor, pesquisador, administrador, engenheiro, cientista, ator (talvez, pois as novas tecnologias de animação gráfica são concorrência forte), projetista/desenhista, escultor, profissões ligadas à área de informática e eletrônica, esportistas, profissões ligadas às artes, ao lazer, à biologia e à medicina.

E não somente a remoção de certas ocupações, nem tão só apenas automação, mas também novas tecnologias estão surgindo que eliminam a necessidade de certos trabalhos. Por exemplo, uma substância hidrofóbica que simplesmente não deixa a água ou qualquer outro líquido penetrar através de sua camada de proteção nano tecnológica. Muitas lavanderias e

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serviços de limpeza perderão a razão de existir com isso, que facilitará até mesmo na conservação de máquinas contra efeitos adversos do clima. Confira, parece mágica (ver: http://www.tecmundo.com.br/invencao/38809-ultra-ever-dry-diga-adeus-a-todas-as-melecas-grudentas-video-.htm).

Portanto, a conclusão em uma estimativa grosseira é que metade das profissões de hoje podem ser substituídas por máquinas amanhã. Elas já o são de alguma maneira, em alguns casos, temos apenas de estender a lógica para toda economia. Continuando com nossa estimativa, sabemos que 1% da força de trabalho produz 30% de toda riqueza mundial atualmente, considerando as maiores 200 corporações, que são bastante automatizadas (ver item 5: http://www.ips-dc.org/reports/top_200_the_rise_of_corporate_global_power). Se hoje 1% produz 30% da riqueza, sendo pessimistas, podemos supor que 5% da população mundial (350 milhões) pode sozinha manter as coisas funcionando. Porém a automação pode ser ainda maior, e será com o tempo. É difícil supor que mais de 95% da população simplesmente “não faria nada”. Fazer nada também é cansativo depois de muito tempo. Sabemos que podemos automatizar em torno de 50% dos processos produtivos (ver: http://singularityhub.com/2013/09/24/nearly-half-of-u-s-jobs-could-be-done-by-computers-study-says/), e juntamente com a eliminação de ocupações não mais relevantes, se dividirmos todo o trabalho restante entre a população potencialmente ativa, considerando os novos três bilhões de pessoas hoje ausentes do processo de desenvolvimento que teriam acesso à educação e com isso às ferramentas para contribuir com a sociedade, tornando-se solucionadores de problemas, poderíamos aumentar a produção mesmo minimizando empregos. Pode-se ter times rotativos interdisciplinares de supervisão e monitoramento, composto de especialistas mais interessados em cada área de conhecimento. Estamos falando de um mundo Open Source, onde as pessoas não irão precisar trabalhar mais do que 2 horas por semana, mesmo sabendo que quando a tarefa é estimulante, pessoas tendem a trabalhar muito mais, por vontade. Obviamente são livres para trabalhar o quanto quiserem, muito mais ou muito menos. Mesmo no mundo moderno capitalista de hoje, se conseguíssemos incluir os 3 bilhões de miseráveis na força de trabalho, uma semana de 30 horas já seria possível agora, mesmo com a pouca automação aplicada atualmente, e mesmo com todas as ocupações irrelevantes. Estamos perdendo uma oportunidade sem precedentes. E, conclusão, mesmo que no futuro tivermos 80% da população completamente “preguiçosa” ou “ociosa”, ainda assim só precisaríamos de uma fração dos outros restantes para manter toda estrutura social em operação.

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Escassez versus Abundância

"Oferta e Demanda" é uma relação comum de mercado, que expressa, em parte, como o valor de um recurso ou bem é proporcional ao quanto ele está em existência ou acessível. Por exemplo, os diamantes são considerados quantitativamente mais raros e, portanto, de valor mais elevado do que a água, que pode ser encontrado numa abundância geral no planeta. Da mesma forma, certas criações humanas em pequenas quantidades, também estão sujeitas a essa dinâmica, mesmo que a percepção de raridade é culturalmente subjetiva, como com uma tela de pintura única de um artista de renome que pode ser muitas e muitas vezes o seu real valor em uma venda.

Do ponto de vista da eficiência do mercado, a escassez geral é uma coisa boa. Enquanto extrema escassez é, de fato, fator de desestabilização tanto para uma indústria ou de uma economia como um todo, o estado ideal dentro do qual o sistema de mercado busca existir é uma espécie de pressão equilibrada de escassez, daí a garantia de vendas produzindo demanda. Novamente, as condições de vida dos seres humanos não são reconhecidas nesta equação. Satisfação das necessidades humanas, na forma de alimentação, habitação, circunstâncias de baixa tensão para a saúde mental, etc., tudo isso é totalmente "externo" aqui e não tem relação direta com a eficiência do mercado. Satisfação das necessidades humanas em um sentido direto seria, mais uma vez, ser ineficiente para a lógica do mercado, uma vez que iria retirar a pressão da escassez que alimenta o consumo cíclico. Dito de outra forma existe uma necessidade para o desequilíbrio, a fim de abastecer esta pressão e a procura por este desequilíbrio pode vir em diversas formas.

A dívida, por exemplo, é uma forma de imposição de escassez, que coloca a pessoa em uma posição em que devem submeter-se, muitas vezes a trabalhos de maior "exploração", ou seja, a recompensa (geralmente o salário) é totalmente desproporcional ao que é necessário para manter um padrão saudável de vida.

Na verdade, a regulação da oferta de dinheiro na economia mundial é feita com base em escassez, se muito dinheiro é criado e não há um consequente acompanhamento proporcional nos bens e serviços que o dinheiro represente, temos inflação, que nada mais é que uma desvalorização do dinheiro e um imposto disfarçado sobre a população. E como todo dinheiro é criado da dívida, a única forma de uma pessoa começar um negócio são "empréstimos", com o mark-up na forma de juros associados, nada mais que o lucro dos bancos. No entanto, este lucro não é criado no momento do empréstimo. Por exemplo, se uma pessoa toma um empréstimo de 100 reais e paga 5% de juros sobre o empréstimo, o indivíduo é obrigado a pagar 105 reais no final. Mas, numa economia em que todo o dinheiro vem à existência por meio de empréstimos, o que é a realidade, apenas o principal (R$ 100,00) existe na oferta de dinheiro, o que vale para um empréstimo pode ser extrapolado para toda economia neste caso, quanto mais dinheiro em circulação, mais dinheiro devido. Estamos endividados hoje em nível planetário, praticamente todos os países estão devendo, como isso é possível?

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Portanto, há sempre mais dívida em existência do que há dinheiro para pagar. Neste modelo, a falência, por exemplo, não é um resultado de algum mau negócio, mas sim uma consequência inevitável, como um jogo de "dança das cadeiras", alguém tem que perder, para que outros possam ganhar. Essa realidade de que algo de valor só pode ser criado a partir da dívida, e que os juros funcionam como punição para quem tem pouco, e como recompensa, receita, para quem tem muito e pode aplicar o excedente, assegura uma enorme divisão de classes, estruturalmente, e essa talvez seja a pior face da economia atual, o mercado cria desigualdade social por seu próprio desenho estrutural, seu mecanismo natural de funcionamento gera desigualdade, não é um “acidente”, essa desigualdade está aí e vai apenas crescer, porque o capitalismo e o livre mercado são resultado da evolução de um sistema feudal em suas origens históricas, com fortes bases em escassez, feito para manter uma pequena classe de indivíduos sobre a maioria, é um sistema que incorpora falência e permite acumulação arbitrária. É um sistema feito para gravitar tudo em direção aos que já tem mais poder, e é o que tem ocorrido. Não há conserto, não é uma anomalia, não está com problemas, isso é o livre mercado e está mais livre do que nunca. Quando uma empresa polui para economizar em um processo de reciclagem responsável não é corrupção, é a liberdade do mercado. Eu tenho a liberdade no mercado de destruir meus concorrentes ou ser irresponsável ecologicamente se isso interferir com meus lucros, isso é o sistema de mercado, e não essa ilusão de que todos competirão livremente sem inibições nesse utópico laissez-faire de que tantos economistas falam. Tais mecanismos são embutidos, no mercado tudo está a venda e nada é sagrado, inclusive políticos e legislação, isso não é uma anomalia, isso é o mercado e não devemos esperar nada além da compra de políticos, contratos de interesses especiais, monopólios e conluios de toda espécie, a natureza do jogo é ganhar e destruir os concorrentes, não se pode pedir com carinho, ou apelar aos valores éticos e morais quando a lógica do jogo é contrária, especialmente quando nossa sobrevivência depende disso, é questão de perspicácia empresarial, negócios não são instituições de caridade e da mesma forma que nós não podemos “ser generosos” e comprar produtos de todas as empresas para ajudar a todas, empresas também não podem arcar com certos custos. Muitas das decisões diariamente tomadas no mercado estão fora de nosso controle, e por necessidade muitas vezes pessoas terminam com opções profissionais ou de negócio bastante limitadas, às vezes recorrendo a comportamento antiético, ou o chamado comportamento “corrupto”. Se o encorajamento e os reforços, se o incentivo para ser “correto” ou “ético” não estiver lá, o comportamento desejado não se manifestará, seja no estado, seja numa empresa privada, seja em qualquer elemento a sociedade. E em um sistema que busca autopreservação e vantagem competitiva, estamos perdendo de vista o todo de nossa meta como espécie, estamos perdendo de vista o bem social, buscando dinheiro pelo bem de vantagem de alguns indivíduos apenas, com o bem social deixado de lado, se é que está lá.

Um estudo da Universidade de Bonn conclui que interações no sistema de mercado de fato corrompem o comportamento humano e nossos valores (ver: http://www3.uni-bonn.de/Press-releases/markets-erode-moral-values). E não é “voluntário”, ou “livre”. Se fosse voluntário, muitos estariam longe, em algum planeta hippie onde pessoas de fato compartilham recursos e ideias para fazerem o melhor ao invés de termos uma batalha de personalidade nessa ética que temos de que um deve ser melhor que o outro. Isso não é dizer que todos nós somos “iguais”, isso seria impossível, somos iguais apenas em nossas necessidades biológicas básicas. É dizer que alguns contribuem porque suas habilidades são boas em certos casos, outras pessoas irão contribuir porque suas habilidades são boas de outras formas, e trocamos ideias para fazer o melhor, e não disputar tudo. A Terra é muito rica para isso. Competição é um fenômeno cultural, manifestada geralmente dentro de ambientes

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de escassez, algo que já podemos superar, pelo menos em muito maior grau que podíamos no passado. A comunidade “creative commons” e as comunidades open source têm nos mostrado um novo sistema de valores, em que quando alguém inventa ou cria algo, é colocado no domínio público para ser utilizado e aprimorado, para o bem do mundo. Se eu invento algo no sistema, isso tem retorno para mim, e para todos a minha volta. E quando outra pessoa inventa algo, vai para todos, para mim, e também para ela. Há dois tipos de interesse próprio: um em que eu digo que quero crescer, mas quero elevar todos a minha volta simultaneamente; e há outro em que eu olho apenas o meu lado, e boa sorte para os outros a minha volta. É um novo sistema de incentivo e motivação que, ao que tudo indica, será predominante no futuro, menos foco na recompensa monetária, mais no aprimoramento de nós mesmos, e do mundo.

Como um ponto final sobre esta questão de ineficiência do atual paradigma, o mercado busca a manutenção de problemas em todos os momentos. Tendo problemas vendemos soluções, ou melhor, paliativos, “manutenções” para o problema. Na verdade, pode-se afirmar geralmente que a ineficiência técnica é o condutor principal da eficiência do mercado. Resolução de problemas não é o que se busca, uma vez que, em seguida, cria um vazio de renda e, portanto, uma perda de ganho monetário. O resultado desses, em parte, é um reforço perverso de incentivo para buscar ou até mesmo avançar problemas em geral. Um século atrás, a ideia de vender água engarrafada teria sido absurda, dada a sua geral abundância. Nos dias de hoje, é uma indústria multimilionária anualmente, com o preço da garrafinha maior que o da Gasolina em vários casos, consequência principalmente da poluição da água, que ocorreu devido a práticas industriais irresponsáveis.

Eficiência do mercado, em geral, tem dois níveis: na escala macroeconômica, tudo o que pode aumentar as vendas, crescimento ou de consumo, independentemente da pressão de origem para a demanda ou o que está realmente a ser comprado e vendido, é considerado eficiente neste contexto. Na escala microeconômica, esta eficiência tem a forma de possibilitar condições que podem aumentar o lucro e reduzir os custos de entrada ("eficiência de custos") por parte da empresa. Esta "eficiência" inerente ao capitalismo opera sem qualquer respeito pelos custos sociais ou ambientais de seu processo para manter o consumo cíclico e lucro, e o mundo que você vê ao seu redor - cheio de desordem ecológica, privação humana e da instabilidade social e ambiental em geral - tem sido o resultado. Por outro lado, a eficiência técnica, que se poderia caracterizar como, de fato, um obstáculo para a eficiência do mercado, procura manter o meio ambiente, manter a saúde humana e, essencialmente, manter o equilíbrio do mundo natural. A redução de resíduos, a resolução de problemas e a manutenção de nosso alinhamento com a lei natural é a lógica do bom senso encarnado.

É lamentável perceber que hoje temos dois sistemas opostos de economia em operação simultaneamente. O sistema de mercado, que incorpora o sua lógica arcaica ao nosso sistema de valores, é totalmente fora de sincronia com a economia natural (técnica). O resultado é uma grande discórdia e desequilíbrio com os problemas sempre mutantes e as consequências para a espécie humana. É claro qual dos dois sistemas vai "ganhar" nesta batalha. Natureza vai persistir com as suas regras naturais, independentemente de quanto nós teorizamos esta ou aquela validação da forma como tradicionalmente nos organizamos neste planeta.

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A natureza não se preocupa com nossas grandes ideias econômicas monetárias, suas teorias de "valor", modelos financeiros sofisticados ou equações detalhadas sobre como pensamos o comportamento humano se manifesta ou por quê. A realidade técnica é simples: aprender, adaptar e alinhar com as leis que regem da natureza, ou sofrer as consequências. É absurdo pensar que a espécie humana, dada a sua evolução dentro das mesmas leis naturais, com toda capacidade de inferência e previsão de futuro, esteja hoje vivendo de forma completamente incompatível com tais leis. É apenas uma questão de maturidade e consciência. Os peixes não sabem que precisam reproduzir mais quando os humanos querem consumir mais; não há um só elemento na natureza que obedeça a “lei” da Oferta e Procura, isso é uma invenção humana, é “Praxeologia”, não é ciência, muito menos uma lei natural. Homens não sabem, nem devem fazer leis, as verdadeiras leis já estavam aqui muito tempo antes de evoluirmos um cérebro para entendê-las, e são leis que não podem ser quebradas, como a gravidade, a força nuclear e o eletromagnetismo, não adianta lutar contra nenhuma delas.

Surgiu uma tendência no século 21, na esteira de todos os crescentes e persistentes problemas ecológicos, pretende-se criar algo chamado de "economia verde", e afirmar a necessidade de termos “negócios sustentáveis” ou “responsáveis socialmente”.

Infelizmente, por mais positiva que a intenção destas novas organizações e planejadores de negócios possa ser, a ineficiência inerente ao modelo capitalista da economia (com toda a sua necessidade de certas formas artificiais de escassez para sobreviver) imediatamente polui e profundamente limita todas essas tentativas. A triste realidade é que, apesar de algumas melhorias serem possíveis, o progresso será inerentemente limitado a um grau cada vez maior, pois, como descrito, a base estrutural da forma como o capitalismo de mercado trabalha é ativamente contra as tendências da natureza e referências físicas. A única solução lógica é repensar toda a estrutura se estivermos dispostos a achar qualquer resolução de eficácia real e definitiva, prosperidade elevada e felicidade da espécie no longo prazo.

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Política

Muito se fala de solução política. Infelizmente, aqui reside outro exemplo de atraso e paralisia do sistema. Enquanto os profissionais envolvidos na política podem ter boas intenções, isso é proporcionalmente irrelevante e insuficiente quando o assunto é mudança de base. O poder dos políticos é limitado para as mudanças necessárias, esse é um ponto muito ignorado. Não é de mais leis que as pessoas precisam. Temos leis, milhares e milhares delas. Mesmo assim acontecem os mesmos problemas, apesar de estarmos trocando de políticos e criando leis há séculos. Primeiramente, porque a maioria dos políticos não tem formação técnica para solução dos problemas, que são na sua imensa maioria, problemas de ordem técnica, não política. Precisamos de mais produção, habitação, saúde, transportes eficientes e segurança. Esses problemas são técnicos, não políticos. Exemplo: suponhamos que temos duas plantas de energia em determinada região. O abastecimento da área deve ser monitorado por um sistema, com medidas de redundância embutidas para caso de problemas, mantendo um equilíbrio dinâmico com o meio. Em nosso caso anedótico, suponhamos que por razão de uma falha em uma das instalações, sua energia gerada caia em 20%. Devemos ter um sistema racional de cálculo para acomodar tais imprevistos, automaticamente regulando a segunda instalação a compensar pela falta, aumentando sua produção em 20%. Não é preciso votar, ir para o congresso, nada disso. Simplesmente é incorporado no desenho inicial porque é absolutamente evidente, é assim que nosso corpo funciona, em equilíbrio dinâmico. Imagine se nossos corpos operassem pela lógica estreita da competição e interesse próprio, o pulmão diria que é o órgão mais importante e precisa de mais nutrientes e energia, e de repente o coração diz que não, que ele é o órgão mais importante e ele necessita ou merece mais que os outros... nós apodreceríamos em algumas semanas. Igualmente, quando viajamos para o espaço, utilizamos lá em cima uma Economia Baseada em Recursos, pois não há mercado no espaço para determinar preços e alocar recursos, é tudo calculado antes na Terra, e administrado inteligentemente, sem cálculo monetário, sem meta de crescimento, nada.

Democracia é um conceito igualmente vazio quando tomamos por base a referência física. Como poderíamos definir democracia? Pode ser bem definida como um método que pessoas compartilham processos decisórios. Logo de súbito, há o risco de tal conceito se tornar a chamada “ditadura da maioria”. Pode ser que todos no mundo decidam matar determinado grupo, ou escravizá-lo. Ou quem sabe destruir o mundo por causa de maus métodos e negação em se adequar a princípios básicos como desestabilização climática e esgotamento devido à exploração de recursos. Democracia pode significar 10 homens brancos enforcando um negro. Isso quer dizer que democracia precisa de algo mais, ela requer um princípio educacional concreto, um quadro de referência para tornar o processo democrático razoável, pois senão, somos apenas macacos na selva. Hoje essa referência é a Constituição, mas essa também mostra sinais do tempo, em todos os países. Vamos argumentar que a referência científica é a ideal para processos decisórios, não baseados em opiniões, manipulação de valores, que em essência é o que políticos fazem, mas baseada em evidências, em linguagem técnica, linguagem essa que não é sujeita a interpretação. Ciência é única em sua abordagem, pois não somente todos os postulados devem ser provados para ter validade, mas também tudo o que a ciência faz deve ser inerentemente falsificável e reproduzível. Em outras palavras, ciência

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não tem ego, e todas as teorias podem ser provadas erradas eventualmente, à medida que o conhecimento progride. Ao contrário de um sistema baseado em popularidade (política), em dinheiro (negócios) ou em crenças (religião), esse sistema se baseia em fatos e evidências que validam tais fatos. Ninguém precisa “acreditar” na ciência ou votar nela. Aliás, esse verbo “acreditar” é muito perigoso, significando um salto de fé, a escolha de se aceitar algo mesmo sem ter todas as evidências necessárias. Não devemos acreditar em algo simplesmente porque temos vontade de acreditar. Devemos ser compelidos a acreditar apenas naquilo que as evidências são amplas e inegáveis. E quanto maior a suposição ou afirmação, maior deve ser a evidência que a suporta. Todo resto é passível de dúvida e crítica. Aliás, não se pode “acreditar” na ciência, podemos apenas entender a ciência. Sempre que possível, devemos procurar substituir em nossas vidas o verbo “acreditar” pelo verbo “entender”, ou estaremos sempre vulneráveis a fraudes e charlatões, e sempre seremos vítima daquilo que queremos ouvir, seja de um político, empresário, ou autoridade religiosa.

Muitas pessoas se confundem com a ideia de ir a uma urna e voltar em alguém. Não têm noção exata do tamanho da mudança que esse fato pode potencialmente trazer. Há uma falsa suposição de que o poder financeiro está abaixo do poder político, quando na verdade é o contrário, a legislação e o governo que a produz são produtos da ética econômica e do poder financeiro e não o contrário. Políticos essencialmente estão “nas mãos”, ou melhor, no bolso do poder financeiro, até a própria medida de sucesso político remete a dinâmicas monetárias. Assim como feudalismo baseava-se na terra e sua propriedade, mercantilismo logo após com mais coerção estatal, capitalismo segue a mesma regra, a questão é que durante toda história tivemos sistemas econômicos tão ineficientes que se torna necessária a presença de pessoas no topo, basicamente para manter as coisas sob controle. Muitos criticam sistemas assistencialistas, sem atentarem para o problema implícito, de que essa é a única forma de se manter certa ordem social, senão por isso, as massas se revoltam. Muitos questionam a natureza socialista de algumas medidas, mas é fundamental entender que se o mercado funcionasse perfeitamente como os economistas sonham, então ninguém iria interferir em seus mecanismos. Algumas medidas mais populares eventualmente devem ser tomadas para controlar a cidadania, para manter o jogo correndo, para não entrarmos em um colapso que está cada vez mais próximo, temos que socializar, muitas vezes não por opção, mas para manutenção da ordem social. O fato é que políticos não têm escolha, e eventualmente chega-se a um ponto que temos que socializar certos aspectos da vida, para os pobres não matarem os ricos, essencialmente.

Por último, a ilusão de escolha. O público não vota em ideias, nem em leis, mas sim em representantes. Isso cria uma distorção, que em parte é útil para manutenção do status quo. O público votou na entrada da última guerra? O povo votou no aumento dos remédios? Das passagens? Na redução daquela verba para a saúde? Nos estádios para a Copa do Mundo? Então onde exatamente reside a participação da população? O que ocorre na prática, e nem mesmo alguns políticos enxergam essa realidade, é que o poder financeiro encontrou uma espécie de bode expiatório, alguém para impor culpa, e funciona maravilhosamente,

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principalmente quando se pode pagar a mídia para colocar todos os problemas nas costas da classe política, independentemente da honestidade da classe. Há políticos honestos, muitos, provavelmente a maioria. E o que se perde para corrupção e mais surpreendentemente, saúde e educação, nosso futuro com seus míseros 3,34%, tudo isso desaparece em comparação aos juros e amortizações da dívida. Não estamos justificando a corrupção, estamos dizendo que corrupção política não é o maior problema:

E como acontece com o técnico de futebol, o político tem um papel de testa de ferro do sistema, se algum problema ocorre, é o político que se queima, simplesmente troca-se a pessoa, pronto, problema resolvido, a torcida está feliz novamente, pelo menos com ânimos renovados por mais um mandato. O poder financeiro continua com sua “fama de bonzinho, gerando empregos e facilitando bens e serviços para sociedade”, é um esquema perfeito. Se eu fosse um rico elitista, eu não ia querer nada além de que as classes desprovidas pensassem que “o livre mercado é a melhor opção de prosperidade na face da Terra, se não a única opção, e tudo o que ocorre de errado com o mercado em toda sua beleza fascista é culpa da desonestidade de algumas maçãs podres em postos de autoridade”. Essa “birra” entre empresas x governo existe há décadas senão séculos, alguns defendendo privatização de todos os meios produtivos e outros a estatização. A verdade é que ambos são igualmente ineficientes. Ao construirmos uma estrada, por exemplo, não importa se ela for feita pelo estado (que em essência apenas aloca dinheiro para uma empresa, pois ele não tem seus próprios times de construção), ou se ela foi ganha na concorrência do mercado, não importa,

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ainda será uma porcaria de estrada. Construir uma estrada é um conceito científico, deve-se ir direto aos recursos e usar os melhores e mais duráveis materiais, juntamente com as técnicas mais avançadas à disposição, sem restrições orçamentárias nem nada que limite as possibilidades.

Não precisamos de mais debates. Precisamos de acesso aos recursos. Isso não é uma decisão política, é um problema de logística. Hoje no atual sistema monetário, políticos não podem ser removidos precisamente por conta da questão orçamentária, que em essência é o que o poder político faz, aloca dinheiro para as prioridades, além de declarar guerras, é claro. A ciência pode muito bem fazer isso de forma mais eficiente, mais eficiente que o jogo político ou o sistema de negócios. Hoje para se fabricar um bem, só olhamos para custos e lucro, em geral números. Se um metal relativamente escasso é mais bem usado digamos, em transporte, na construção de MagLevs de alta velocidade automatizados não importa, pois se o mercado tiver uma grande empresa com dinheiro o bastante para fazer pés de mesa com esse metal, o transporte terá que se virar com outro material mais em conta. O governo ainda tenta inibir o abuso de exploração dos recursos, e é a única coisa que ainda impede a tendência monopolista inerente da economia de mercado.

Mas essa ação da classe política é ainda insuficiente, não há como fiscalizar tudo, e como dito anteriormente, a lógica do lucro é contra. Isso gera irresponsabilidade ambiental, pois todos os bens e seus processos de produção estão sendo feitos de maneira mais barata possível, aumentando rotatividade dos recursos. Não seria assim que uma economia de verdade funcionaria, uma economia de verdade analisaria recursos que temos e os utilizaria por sua relevância científica, seu ideal propósito. Hoje podemos calcular a sociedade. A ilusão que atualmente nos passam, é que na condução de assuntos humanos, há infinitos caminhos e infinitas metodologias. Será mesmo verdade? Seres humanos possuem de fato alguma liberdade como administrar a Terra? Não, existe apenas uma rota, se o caminho for maximizar eficiência. A ciência pode sim dizer qual o sistema de transporte devemos utilizar, e qual método de produção de tal sistema de transporte seria o mais eficiente. Em outras palavras, temos que maximizar eficiência sem a interferência e limitação que custos impõem. Também precisamos parar de fabricar produtos baratos, pelo bem da preservação ambiental. E assim, empiricamente através do método científico, chegar às decisões, e não tomá-las arbitrariamente baseado em caprichos da população ou de um grupo político, ou em tradições ou quaisquer métodos pré-existentes, mas sim primeiro fazemos o inventário global de tal recurso, precisamos saber exatamente o que temos a disposição, para depois pesar sua relevância científica em relação ao quão abundante o recurso é na natureza. Precisamos chegar às decisões como a ciência faz. Realmente não podemos operar de outra forma, se nosso intuito, novamente, for o de maximizar eficiência e sustentabilidade. Política, em suma, trata-se de um concurso de popularidade, pessoas se identificam com os políticos, gostam deles, às vezes até mesmo com seu plano, mas não há objetividade, ou mesmo própria avaliação de tais planos, não há objetividade nem mesmo na pré-seleção dos candidatos

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disponíveis para voto, como de fato podemos provar que as opções apresentadas são sequer as melhores? Só depois de eleito vemos quem de fato o candidato é, e não é surpresa que a imensa maioria dos candidatos termina com popularidade muito inferior a que tinham quando ingressaram no cargo, quando as expectativas por mudança na população estão no auge. E não é culpa da classe política. O jogo do dinheiro é simplesmente ineficiente. E assumir que planejamento econômico é inerentemente falho por causa dos problemas observados quando planejamos com trocas monetárias (que NUNCA maximizam eficiência) é uma falácia gigantesca.

No futuro, teremos um sistema de interação da humanidade, onde todos decidem. Pode parecer algo complexo, mas já possuímos hoje softwares de gestão e capacidade algorítmica computacional mais que suficientes para fazer isso. Para entender melhor a forma de “governo” do futuro, ver: http://www.youtube.com/watch?v=4Z9WVZddH9w (são 15 minutos de vídeo, ativar legendas em português e avançar o filme para 1 hora e 30 minutos, a explanação segue até a marca de 1 hora e 45 minutos do vídeo).

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Lidando com o mito da Superpopulação

Anteriormente abordamos algumas soluções, e tomamos por base apenas os métodos atualmente viáveis. Vamos um pouco além agora, levando em consideração métodos um pouco mais avançados que já temos o conhecimento e recursos necessários, porém economicamente ainda não são realidade, e dentro de um sistema de mercado provavelmente nunca serão, pois enquanto o sistema de mercado estiver em uso e lucro for a principal motivação para se realizar qualquer coisa, o que está descrito abaixo não acontecerá (empreendedores sociais, felizmente, não são motivados pelo lucro, mas isso é outra discussão). No entanto, assumindo a existência de infraestrutura necessária para atender às necessidades essenciais de todos (comida, água, abrigo, cuidados de saúde) e luxos essenciais (transporte, energia, educação, comunicação), a população deixará de aumentar e pode até começará a diminuir (ver: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2127rank.html).

Nações com níveis mais baixos de pobreza têm taxas de fertilidade em ou abaixo dos níveis de reposição, enquanto as nações com maiores níveis de pobreza têm taxas de fertilidade bem acima das taxas de substituição, sugerindo fortemente que assim que as necessidades básicas de todos estiverem atendidas, pararia ou mesmo inverteria o crescimento da população. Além disso, um relatório da Organização das Nações Unidas (ver: http://www.un.org/esa/population/publications/longrange2/WorldPop2300final.pdf) prevê que a população global crescente atingirá um ponto máximo, no máximo, 10,6 bilhões em 2050 e depois começaria a encolher (no pior dos cenários, essencialmente). Por uma questão de simplicidade nos cálculos, vamos supor uma população global de 10 bilhões de pessoas, poderiam ser bem mais, mas não há razões para acreditarmos que teremos algum dia uma população maior. Mas queremos deixar claro que a abordagem descrita abaixo não gera quaisquer consequências negativas para o ambiente, e da mesma forma que podemos sustentar 10 bilhões com 1% da área da Terra, poderíamos da mesma forma sustentar 100 bilhões utilizando 10% da superfície, e assim por diante.

Alimentação:

Um sistema de cultivo hidropônico básico (ver: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:ezRcpPE6EGwJ:www.carbon.org/senegal/india1.doc&cd=4&hl=en) produz aproximadamente 33,4 kcal por dia por m². Escalonando para um acre (4.046 m²), 135.000 kcal por dia é produzido. A ingestão calórica recomendada é de 2.000 kcal/dia, portanto, um acre poderia facilmente alimentar 70 pessoas. Assumindo que o básico da nutrição pode ser satisfeito sem carne (como vegetarianos

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sugerem poder provar), 0,4% da área terrestre do planeta total seriam necessários para alimentar 10 bilhões de pessoas com uma dieta baseada em vegetais.

Cálculos:

20 * 10 ^ 12 kcal por dia, para 10 bilhões de pessoas.

33,4 kcal por dia e por m²

20 * 10 ^ 12 kcal / 33,4 kcal por m² = 598,8024 * 10 ̂9 m² para alimentar 10 bilhões

598.802,4 km² necessários para alimentar 10 bilhões. A área terrestre do planeta total é de 148,94 milhões de quilômetros quadrados, ou seja, 0,4% da área terrestre do planeta total seriam necessários.

A área de Terra necessária seria ainda mais drasticamente reduzida com técnicas como orbitropismo, aeroponia, e fazendas verticais.

Entretanto, como nem todo mundo gostaria de adotar uma dieta baseada em vegetais e ainda quer comer carne, a produção de carne in vitro promete atender às demandas de carne enquanto reduzindo drasticamente os custos ambientais e energéticos associados. Atualmente, 34 milhões de km² são utilizados para a produção de carne do mundo (ver: http://invitromeat.org/content/view/12/55/), carne in vitro exigiria apenas 340.000 km², 99% menos área.

Seriam usados também 26% menos de energia, 87% menos emissões de gases de efeito estufa, e 89% menos água que na criação de gado. Muitos acreditam que vários anos passarão antes que esta tecnologia se desenvolva suficientemente (ver:http://www.reuters.com/article/2011/11/11/us-science-meat-f-idUSTRE7AA30020111111), no entanto, grupos como a PETA estão oferecendo grandes prêmios para equipes capazes de desenvolver isso mais rapidamente (ver: http://www.peta.org/features/In-Vitro-Meat-Contest.aspx).

Provavelmente serão ainda pelo menos 10 anos antes que carne in vitro torne-se viável, no entanto muitas pessoas (mães e pais principalmente) estariam bastante dispostas a comer mais vegetais orgânicos se sua produção fosse mais simples. Um sistema de hidroponia bruto em suas cidades, perto de casa, ou um sistema comunitário de hidroponia para fornecer verduras orgânicas gratuitamente para todos reduziria significativamente o número de hambúrgueres consumidos.

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Além de outras que surgirão, temos ainda alternativas mais criativas, como imitações que são indistinguíveis dos originais. Um substituto perfeito para o frango acaba de emergir e tem inclusive apoio de Bill Gates (ver: http://acidulante.com.br/tecnologia/o-frango-falso-que-quer-mudar-o-mundo-e-tem-apoio-de-bill-gates/).

Água:

Valores para o consumo de água são muito difíceis de encontrar. Para estimativas (muito) conservadoras, nós assumiremos que 10 bilhões de pessoas usarão a mesma quantidade de água, como o americano médio: 378,5 litros por dia, ou 100 galões (ver: http://ga.water.usgs.gov/edu/qa-home-percapita.html). Ignorando os sistemas de água cinza, compostagem sanitária, máquinas de lavar sem água, utilização de irrigação por gotejamento, hidroponia (ou aeroponia), carne in-vitro, etc., que iriam reduzir drasticamente a quantidade de água utilizada por pessoa e assumindo 10 bilhões de pessoas utilizam 378,5 L, o consumo diário de água seria de 3,785 km3. A quantidade de água na atmosfera são constantes 13.000 Km3 e é totalmente reabastecida a cada 8 dias, é impossível “se exaurir” uma gota que seja de água no planeta, sua quantidade sempre foi, e sempre será constante, pois nada se perde na natureza (ver: http://www.physicalgeography.net/fundamentals/8b.html). Isto significa, assumindo que 10 bilhões de pessoas sejam tão esbanjadoras como o americano médio (o que é bastante difícil), 0,03% de toda a água na atmosfera atenderia às necessidades de cada indivíduo de água e pode ser facilmente extraída através de geradores de água atmosféricos integrados nos próprios edifícios, ou projetada em turbinas eólicas para nos fornecer eletricidade (ver: http://www.eolewater.com/gb/our-products/technology.html).

Temos geradores de água atmosféricos capazes de produzir água potável a partir do ar (ver: http://en.wikipedia.org/wiki/Atmospheric_water_generator). Todas essas tecnologias são realidade hoje, e estaríamos ainda mais à frente se fossem buscadas com todo esforço, um esforço global. Porém, vivemos em um sistema de mercado e nesse modelo faz mais sentido gastar recursos em digamos, um míssil Tomahawk que custa em média 14 milhões de dólares para explodir recursos e queimar outras pessoas do que alimentar e cuidar de todo o mundo. Precisamos parar de desperdiçar recursos em armas de destruição em massa e movermos em direção ao interesse de criarmos armas de produção em massa.

O processo de dessalinização de águas oceânicas é conhecido, antigo já, simples e prático. O único problema dessa técnica é que é muito cara de se fazer em larga escala. E o motivo do alto custo é que o processo requer grandes quantidades de energia.

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Mas, como será abordado mais adiante, energia não é mais um problema, pelo menos desde umas 5 décadas, estamos basicamente cercados de energia limpa, grátis, superabundante por todos os cantos do planeta, e agora temos os meios para explorá-las, que não são colocados em prática mesmo beneficiando toda população e natureza, pois não satisfaz as necessidades de lucro de algumas empresas, ou melhor, de algumas pessoas. O sistema de mercado falharia em um dia se aplicássemos comida grátis e energia grátis para todos no planeta, não pode acontecer do ponto de vista do mercado, seria sua morte, porque há muito dinheiro e necessidade de serviços circulando dentro desses dois setores que geram empregos nos quais o sistema todo se suporta. São setores grandes demais para tornar-se Open Source e passarem por cima do mercado sem o destruir por completo.

Moradia:

Redesenhar cidades (tecnicamente, as cidades nunca foram projetados para começar) para que elas realmente satisfaçam as necessidades humanas ao invés de apenas aglomerar um monte de pessoas juntas teria o impacto mais significativo na redução da quantidade de terra necessária para abrigar 10 bilhões de pessoas. Reformar ou adequar as cidades já existentes não compensa, é mais produtivo e fácil no longo prazo construirmos cidades novas. Assumindo que as cidades são projetadas com um layout circular (para movimentação interna e otimização de espaço, o desenho circular é o ideal) e que 45% de área da cidade são exclusivos para habitação (os restantes 55% seriam destinados a produção de alimentos e água, educação, pesquisa e instalações médicas, instalações de lazer e entretenimento, etc.), em torno de 1 milhão de pessoas poderiam ser acomodadas em uma cidade de 60 km2 (diâmetro de 8,8 km - cálculos abaixo), e com apenas com 10.000 cidades facilmente atenderíamos as necessidades de 10 bilhões de pessoas que cobrem 600.000 km², 0,4% da área total do planeta. Comparando, hoje temos em torno de 320 mil cidades no mundo, considerando apenas as com mais de 20 mil habitantes.

O projeto mais ambicioso no que diz respeito ao redesenho de nossas cidades (e cultura) é o Projeto Venus, resultado do trabalho de toda uma vida do engenheiro industrial de 97 anos, Jacque Fresco, o idealizador do conceito de uma Economia de Baseada em Recursos em sua versão altamente tecnológica, mas também muito possível atualmente (ver: http://www.thevenusproject.com/).

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Até mesmo o mar, até hoje praticamente inacessível para ocupação pode ser usado para aliviar pressões populacionais em terra firme.

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A organização lançou um documentário chamado Paraíso ou Esquecimento, legendado em português, que descreve melhor sua visão (ver: http://www.youtube.com/watch?v=KphWsnhZ4Ag). Várias são as soluções apresentadas em suas cidades: as construções são auto eréteis, significando que constroem a si mesmas. São casas autolimpantes, sua pressão atmosférica interna é maior que a externa, não permitindo sequer a entrada de pó/sujeira. Nada na estrutura é inflamável, portanto não há riscos de incêndios, eliminando a necessidade de se manter um departamento contra incêndios. A infraestrutura conta em seu subsolo com sistemas eficientes não só de despejo de dejetos, como água e esgoto, mas também com toda estrutura de comunicação, energia e distribuição, é o fim dos carteiros e de empresas de entrega/transporte. Além de serem a prova de fogo, as moradias são a prova de terremotos, tornados ou tsunamis. As soluções apresentadas são simples na maioria das vezes, como por exemplo, no caso de furacões: nas áreas de risco, simplesmente muda-se o desenho das construções para o formato de um cone invertido, que é impossível ser apanhado por qualquer tornado, não importa sua força.

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A temperatura interna mantém equilíbrio dinâmico com o exterior das residências, significando que quanto mais quente do lado de fora, mais frio do lado de dentro, isso é feito através do material usado nas paredes, uma mistura de concreto revestido com cerâmica. Não há sequer uma fonte de luz dentro das casas, como lâmpadas, todo revestimento interno reflete a luz armazenada durante o dia, iluminando os ambientes por igual. As paredes mudam de cor conforme a preferência. Piscinas são a prova de afogamento, com sensores que sobem redes de salvamento ao primeiro sinal de risco na água. Diversão e lazer são embutidos no desenho, com pistas de corrida, trilha, lagos, quadras de esporte e tudo o mais que um condomínio de luxo sonha em oferecer. O centro da cidade é universidade, com centros médicos, de pesquisa e desenvolvimento. Todos moram onde querem, podem escolher a moradia que quiserem, na localização que bem entenderem. O transporte leva as pessoas a qualquer outro ponto da cidade (que é circular, portanto equidistante) em no máximo 10 minutos, inclusive verticalmente, por exemplo, é possível pegar um MagLev que te leve da porta de sua casa até digamos, o 15º andar do edifício onde trabalha. Toda fonte de energia é renovável e todas as residências são independentes em sua geração de eletricidade. Fora das áreas urbanas, tudo volta à natureza, com exceção das linhas dos MagLevs de alta velocidade que fazem o transporte entre as cidades. É o fim dos atropelamentos e assaltos no semáforo, pois não há carros, todo transporte é integrado à cidade. Para resumir, cidades sem leis, mas com todas as soluções. Sem policiais ou prisões, mas com segurança, e o mais importante, liberdade. O interessante é que tudo no desenho tem um propósito, nada do que existe no projeto está lá por preferencias estéticas superficiais do criador, a beleza do desenho está em sua eficiência, em como ele funciona, e cada atributo tem sua razão de existir. É assim com nossos corpos, não há órgão algum em nossos corpos que não tenha função definida, interagindo em um sistema. E ainda mais interessante é que tudo dentro da cidade é disponível sem uma etiqueta de preço, para quem quiser, quando necessário. A construção dessa cidade é muito mais rápida, pois além do processo ser automatizado é também padronizado quanto à metodologia e materiais. Quanto ao desenho das casas haverá mais variedade, pois os próprios moradores interagem com o sistema de criação e desenvolvem suas próprias habitações, não mais arquitetos e seus egos no desenho, o próprio sistema de interação garante a lógica e integridade do projeto, corrigindo falhas não percebidas e ajustando construções aos princípios científicos de sustentabilidade conhecidos, e com o tempo, sua interface ficará cada vez mais amigável para o usuário leigo.

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Cálculos:

60 km² x 45% = 27 km² para habitação

60% dos 27 Km² são alocados para casas uni familiares e 40% são destinados para condomínios

3 pessoas (em média) em cada unidade de casa ou apartamento; cada complexo de condomínio tem 1.000 unidades

Cada casa tem 4046 m² de terra, cada complexo tem 32.375 m² de terra

27 km² x60% = 16,2 km²; 27 km² x 40% = 10,8 km²

4.004 casas por cidade, três pessoas cada; 333 complexos de condomínio com 1.000 unidades cada, cada habitação 3 pessoas.

12.012 pessoas residentes em domicílios; 999.000 vivem em condomínios.

Cada casa do condomínio poderia ter 185 m² de espaço vital, que seria o espaçamento entre residências. Alguns hotéis de luxo têm menos de 120 m². Fora das cidades, tudo volta ao natural exceto pelas vias de ligação entre cidades, que serão muito bem distribuídas uma vez que não haverá cidades muito maiores que as outras, não há razão pra isso, não haveria motivos para concentrações populacionais muito grandes em qualquer lugar, mesmo beira-mar, lugares paradisíacos, etc. Primeiro porque o sistema de transporte é rápido, eficiente, limpo, seguro e grátis, portanto pode-se estar em qualquer lugar do mundo e inclusive sem necessidade de levar bagagem, acesso estratégico global garantiria que a pessoa lhe tem fornecido o que precisa conforme prossegue, nem as próprias habitações necessitam ter dono, hoje com realidades como Contour Crafting (ver: http://www.contourcrafting.org/ e http://idtraduzidas.com/imprima-sua-casa-em-uma-impressora-3d-com-contour-crafting/ e http://www.plantasdecasas.com/tecnologia-automatizar-construcao-casas/), agora prestes a construir uma casa de 600 m² em 24 horas (ver: http://arquitetesuasideias.com/2010/08/22/contour-crafting-construira-casa-de-600-m2-em-24-horas/). No mundo atual, simplesmente já podemos fazer mais casas do que necessário, a questão habitação é algo importante, durável, não estamos falando de meros bens de consumo, é investimento, precisamos ter uma superabundância de moradias no planeta se quisermos um cenário de paz, e por consequência, a ideia de propriedade não faria sentido no cenário de abundância aqui descrito. Segundo, nenhuma cidade ofereceria muito mais benefícios que outra, porque tudo está no domínio público, e dentro de um mundo Open Source, não há vantagens, quem não sabe fazer algo sempre pode aprender, não haverá mais empregos ou mais “oportunidades” em uma cidade específica, o mundo todo se torna uma terra de oportunidades, e de fato com comunicações acessíveis a todos, poderemos trabalhar de qualquer lugar do mundo, interagindo com qualquer pessoa.

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Saúde:

No que diz respeito à saúde, sabe-se que doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, doenças gastrointestinais e câncer causam mais da metade de todas as mortes no mundo (ver: http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_causes_of_death_by_rate). Utilizando sistemas de energia limpa (fotovoltaica, solar-térmica, das ondas, das marés, OTEC, eólica, geotérmica, fusão, etc.), pode-se fornecer infraestrutura em elétrica de trânsito, fabricação automatizada e sistemas de construção etc., removendo o lucro a partir da distribuição de cigarros e álcool, comendo menos carne vermelha e comendo mais plantas tornaria essas doenças um problema muito menor. Sem mencionar o fato de que com a eliminação de certas ocupações que apenas contam números, como advogados, publicitários, investidores e corretores, sobrariam pessoas para se tornar doutores, pesquisadores e profissionais da medicina e cuidados humanos em geral.

Transporte:

Sistemas elétricos de trânsito já existiam desde 1880 (ver: http://en.wikipedia.org/wiki/Electric_car#1890s_to_1900s:_Early_history). Em 1999, uma patente para sistemas de tubo evacuado de trânsito foi aprovada nos EUA (ver: http://et3.com/). O desenvolvedor ET3 possui parceria com o Projeto Venus e afirma que este sistema pode atingir velocidades de mais de 6.000 km/h para viagens inter e intracontinentais (eliminando a necessidade de trens, aviões, navios, etc.) e superior a 300 km/h para viagens regionais, com menos de 1/10 (um décimo) do custo de instalação de uma estrada de ferro sobre uma distância igual. Para o trânsito dentro das cidades, temos soluções como o SkyTran, que pode substituir os automóveis (ver: http://www.youtube.com/watch?v=echZPz4Pmig) utiliza vagões magneticamente levitados que podem seguramente viajar a velocidades de até 260 km/h com 1/100 (um centésimo) do custo de uma rodovia de distância equivalente (ver: http://en.wikipedia.org/wiki/Electric_locomotive#History). Porque tanto ET3 e SkyTran são sistemas totalmente automatizados, engarrafamentos e acidentes seriam, essencialmente, anomalias, e por causa de seus projetos se concentram no atendimento a tantas pessoas quanto possível, eles são muito mais eficientes que carros, trens, aviões, navios, etc. O usuário tem a disposição sua unidade por quanto tempo for necessário, por quanto tempo precisar, podem ser dias, meses, não importa. Quando terminado, o veículo torna-se disponível para outras pessoas. Fim dos estacionamentos, acidentes, engarrafamentos, autoescolas, semáforos, assalto em semáforos, etc. É de soluções que o mundo precisa, não de leis. Temos já muitas leis, milhares e milhares delas, e continuamos a criar mais, embora indícios muito fortes possam indicar que estamos cada vez pior com mais delas, leis são resultado direto de mais problemas na sociedade. Sem solução, cria-se uma lei, na esperança de inibir o comportamento “corrupto” indesejado. Garantias/leis de propriedade seriam irrelevantes nesse contexto, a abundância de acesso substituiria a atual falsa abundancia da posse, e o respeito pelo que outras pessoas estão utilizando emergiria naturalmente, é embutido no sistema, e seria muito maior do que o respeito à propriedade alheia demonstrou alcançar na História.

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Hoje, um carro elétrico pode facilmente superar até mesmo os melhores motores de combustão interna (ver: http://www.youtube.com/watch?v=369h-SEBXd8). Combustíveis fósseis para a propulsão são obsoletos. Combustíveis fósseis para a produção de eletricidade também são obsoletos. Se uma área um pouco maior que o estado de Washington (ver: http://en.wikipedia.org/wiki/Washington_(state)) for coberta pelas células solares mais eficientes disponíveis no mercado com 39,2% de eficiência (ver: http://boeing.mediaroom.com/index.php?s=20295&item=1531), energia suficiente seria gerada para atender a demanda global de energia em 2008 (ver: http://www.eia.gov/cfapps/ipdbproject/IEDIndex3.cfm?tid=44&pid=44&aid=2 - cálculos abaixo, assumindo 4 horas de pico por dia).

O estado de Washington tem aproximadamente 0,3% da área terrestre. Aproximadamente 28% da superfície terrestre são consideradas áreas desérticas, com alta incidência solar durante longos períodos de tempo, uma terra que simplesmente está lá, sem uso.

Isso ignora a eletricidade gerada a partir de energia eólica, térmica, solar com base no espaço, das ondas, das marés, OTEC, fusão, geotérmica, diferencial de calor, piezoeléctrica, etc. que nos permitiria muito mais opções para gerar eletricidade limpa superabundante, e baseia-se em células solares que operam no comprimento de onda visual com menos de 30% de eficiência. Atualmente, a Microcontinuum está desenvolvendo células fotovoltaicas que operam no comprimento de onda infravermelho, significando que geram eletricidade a partir de calor e podem trabalhar à noite conforme o solo libera o calor absorvido durante o dia e têm uma eficiência teórica de até 80% (ver: http://www.microcontinuum.com/solar.htm).

Cálculos:

1,366 kW (Constante Solar) x 39,2% = 0,535 kW por m²

493,014 x 10 ^ 15 Btu (consumo global de energia em 2008) = 144,488 x 10 ^ 12 kWh

144,488 x 10 ^ 12/365 (kWh por ano) = 395,858 * 10 ^ 9 (kWh por dia)

395,858 x 10 ^ 9 (kWh por dia) / 4 (número de horas de luz do dia de pico) = 98,964 x 10 ̂9 (kW por hora de luz de pico)

98,964 x 10 ^ 9 / 0,535 = 184,98 x 10 ^ 9 m²

184,98 x 10 ^ 9 m = 184.980 km²

Como solução de comunicação, a Internet, telefones celulares e toda vasta gama de aparatos atualmente pode já facilmente atender todas as demandas, e ao longo dos últimos anos, muitas empresas começaram a desenvolver vários meios de implantação de redes descentralizadas de comunicação para proporcionar as pessoas uma conexão de internet que

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não pode ser censurada ou desligada (ver: http://sarapis.org/what/, http://freedomboxfoundation.org/), a fim de assegurar o direito de todos ao irrestrito acesso às tecnologias de comunicação.

Educação é ainda mais fácil. Para qualquer cidadão que fala língua inglesa, é atualmente possível aprender tudo o que normalmente seria ensinado do jardim de infância até a faculdade, totalmente online, sem nunca ter pisado em uma sala de aula. Pode-se aprender astrofísica online, realmente é possível. Homeschooling e Unschooling (ver: http://en.wikipedia.org/wiki/Unschooling) permitem que as crianças aprendam de forma independente e online, sem nunca ter pisado em uma escola, e hoje legalmente, tornando o método tradicional do jardim de infância até o ensino médio completamente desnecessário. Infelizmente, você ainda não pode ganhar um belo pedaço de papel sem pagar por isso e sentado na sala de aula, mas, com sites como:

Khan Academy (ver: https://www.khanacademy.org/);

Terra Acadêmica (ver: http://academicearth.org/);

Consórcio OCW (ver: http://www.ocwconsortium.org/);

OpenStudy (ver: http://openstudy.com/);

Wikimedia (ver: http://wikimediafoundation.org/wiki/Our_projects), você pode aprender pelo menos tanto quanto qualquer graduado de faculdade sem o gasto de US$ 30,000 (ver: http://www.collegeboard.com/student/pay/add-it-up/4494.html) médio de 4 anos de estudos, incluindo livros, transporte, despesas de moradia e pessoais que os alunos gastam. Continuaremos com uma superpopulação enquanto utilizarmos os atuais métodos ineficientes, que já estavam obsoletos em torno de 80 anos atrás. Superpopulação e “subeconomia” são duas maneiras de se dizer a mesma coisa. Atualmente, temos uma subeconomia, incapaz de atender nossa população.

Em conclusão, se somarmos os 0.4% da área para alimentação (plantações), os 0.4% necessários para ocupação humana (cidades), os 0.3% para energia (ilhas de painéis solares, ilhas de turbinas eólicas, etc.), teremos cidades capazes de fornecer moradia, alimento, água, energia, lazer e transporte usando 1.1% da área total da Terra.

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Robôs roubarão seu emprego, mas ficará tudo bem

Robôs podem potencialmente “roubar” os empregos de pelo menos 50% dos humanos (ver: http://theeconomiccollapseblog.com/archives/oxford-professors-nearly-half-our-jobs-could-be-automated-within-the-next-20-years e http://www.technologyreview.com/featuredstory/515926/how-technology-is-destroying-jobs/). Há quatro anos, isso seria recebido com riso, desprezo, desconfiança no mínimo. Em 2009, quando comecei a falar sobre esses assuntos e estudar a respeito, ajudando a começar uma organização ativista conhecida como o Movimento Zeitgeist, na época do início de sua primeira regional paulista, ninguém nos levou a sério. Mas em 2014, as coisas mudaram. O que mudou? Bem, poucos estão rindo hoje. Em 2009, Martin Ford surge com seu livro “The Lights in the Tunnel” descreve uma economia cada vez mais automatizada. Muitos empregos sendo substituídos por máquinas, e muito poucos empregos sendo criados. Soa simples. E de fato, é. Em 2011, dois economistas da MIT têm a mesma tese. Vamos pensar em alguma evidência que possa nos esclarecer tal fenômeno: KODAK, a gigante da indústria fotográfica, possuía 90% de fatia de mercado nos EUA no ano de 1976. 145 mil empregados em 1984. E em 2012 tiveram um resultado final anual de negativos um bilhão de dólares e abriram falência. Por quê? Porque falharam em entender a importância de tendências exponenciais de avanços na tecnologia. De outro lado, Instagram uma companhia digital de fotografia, no mesmo ano de 2012 tinha apenas 13 empregados e foi vendida ao Facebook por um bilhão de dólares. A ironia é inegável, a KODAK foi pioneira em fotos digitais, eles de fato inventaram a primeira câmera digital em 1975 com a sua versão de 0.01 Megapixels. Porém, pensaram ser um brinquedo, e ignoraram. Hoje, a maioria ignora igualmente o advento da impressão 3D, consideram um brinquedo, mas alguns com mais visão estão investindo pesado nesse setor. É isso que acontece com exponenciais, não prestamos atenção. Vamos a outro exemplo: supomos que eu dê dois passos lineares em Progressão Aritmética (PA) a cada segundo, ou seja, dois metros, quatro metros, seis metros, oito metros... Agora imagine dois passos por segundo em Progressão Geométrica (PG), ou seja, dois metros, quatro metros, oito metros, dezesseis... Depois de trinta segundos, andaria 60 metros aproximadamente em PA. Entretanto, o crescimento em PG é exponencial, e o melhor está guardado para o final. Quanto andaria?

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Iria até a Lua. E voltaria. E poderia dar ainda mais oito voltas ao redor da Terra. Eis uma função exponencial. Isso pode ser comprovado perguntando a http://www.wolframalpha.com/, um avançado algoritmo de raciocínio computacional, um simulador de inteligência em outras palavras. De outra forma, suponha que você está algemado no lugar mais alto de um estádio de futebol, que nessa suposição será estanque. Agora, suponha que bem no meio do campo, eu jogue uma gota de água. Essa gota é mágica, e duplicará seu volume a cada minuto que se passar. Depois de um minuto, aquela gotinha agora está do tamanho de duas gotinhas. Depois de 5 minutos, você terá uma pequena poça d’água que encheria um dedal. A pergunta é simples. Quanto tempo você tem para escapar das algemas? Dias, meses, anos? A resposta é 49 minutos. Em menos de 50 minutos, o estádio estará transbordando. Mas vamos além com o exercício. A pergunta agora é a seguinte, depois de quanto tempo o estádio ainda estaria 90% vazio? Em outras palavras, em quanto tempo você “acordaria” para a gravidade da situação? A resposta, 44 minutos. Se você estivesse gritando no seu assento, pedindo ajuda, no momento que o campo estivesse coberto por míseros 1,5 metros de água, você teria menos de 5 minutos para se salvar. Com eventos exponenciais, a ação só esquenta no final. A propósito, em menos de 3 horas a água teria diâmetro maior que o do sistema solar. O problema é acumulação como explica Chris Anderson na mais brilhante análise da ameaça que sofre a vida na Terra neste exato momento em nossa evolução, altamente recomendado ao leitor apesar de sua longa extensão de 3 horas (ver: http://vimeo.com/23603991). A Foxconn, maior do mundo em manufatura de componentes eletrônicos, eles fazem essencialmente qualquer coisa, se um indivíduo tem algo no bolso, na mesa, na sala de estar que mostra imagens, faz sons e comunica-se, a Foxconn fabricou lá dentro algum componente. Não só Apple, eles fazem de tudo. É uma multinacional com valor de 100 bilhões de dólares e emprega 1,2 milhões de pessoas. O que estão fazendo? Qual é o objetivo da companhia em 2014? Automação 100%. Estão prestes a implantar um exército de um milhão de robôs cortando despesas e aumentando eficiência e produtividade. Efeito colateral: emprego zero (ver: http://tecnoblog.net/72034/foxconn-robos/). Canon está fazendo a mesma coisa (ver: http://singularityhub.com/2012/06/06/canon-camera-factory-to-go-fully-automated-phase-out-human-workers/) e muitas outras estão seguindo o caminho. E se o Wal-Mart os seguir? Maior multinacional do mundo que emprega 2,1 milhões de pessoas. Eles não podem? Não

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possuem a tecnologia? Pode apostar que possuem, pergunte à pequenina Amazon o que o poderoso do varejo está aprendendo com ela, sistemas avançados de movimentação de estoque (ver: http://mhpbooks.com/amazon-buys-robot-army-for-robot-apocalypse/), e entrega aérea automatizada para cargas pequenas (ver: http://rt.com/usa/amazon-drones-delivery-customers-580/). Andrew McAfee do MIT parece concordar (ver: http://www.technologyreview.com/news/428429/when-machines-do-your-job/). McAfee nos deixou um gráfico de simples interpretação:

A tendência é clara: PIB, lucro após impostos, produção, investimento estão só aumentando. Apenas emprego populacional (linha vermelha) decresce. Também concordamos que quando o assunto é automação, não vimos coisa alguma ainda. Esse é o carro autônomo da Google:

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Pequeno vídeo no YouTube, só para mostrar que é de fato tão incrível quanto soa (ver: http://www.youtube.com/watch?v=3plGzxnrnJk). Até mesmo testes de alto desempenho já foram feitos, levando os carros autônomos ao limite, e segundo eles, podemos esperar um carro desses nas ruas até o ano de 2020 (ver: http://www.theverge.com/2014/1/7/5285204/vegas-drift-taking-self-driving-bmw-to-the-limit). E trata-se de uma bela obra da engenhosidade humana, vários sensores, lasers, GPS, e algoritmos de aprendizagem. É mais seguro, melhor que qualquer humano, não fica cansado, não cochila, nunca colide, nunca quebra uma só regra de trânsito. Resumindo, simplesmente funciona como o motorista perfeito. Não precisamos de mais leis ou campanhas de conscientização para motoristas, precisamos de soluções. Enquanto seres humanos dirigirem carros, acidentes acontecerão, pois não somos padronizados em nossas ações, não conseguimos fazer a mesma tarefa do mesmo jeito sempre. A prova prática é que não conseguimos desenhar sequer um círculo perfeito, muito menos dois círculos perfeitos concêntricos enquanto uma máquina pode fazer e refazer vários, milhares de vezes, idênticos. Portanto todo acidente não pode ter culpa depositada exclusivamente sobre o motorista, pois parcialmente a culpa será sempre da falta de integridade da tecnologia utilizada, ao mesmo tempo em que temos o conhecimento de que erro humano é conhecido, imutável e, em certa extensão, até previsível. Com esse sistema de direção autônoma, temos a solução definitiva. O problema é que 3,6 milhões de pessoas apenas nos Estados Unidos trabalham dirigindo ou 2,6% da população norte-americana ganham a vida atrás de um volante, incluindo taxistas, caminhoneiros e motoristas de ônibus, mas sem contar profissionais auxiliares que dependem do trânsito sem carros autônomos, assim como guardas de trânsito, fabricantes de sinalização, professores de autoescolas, etc. Fica a forte impressão que essas pessoas serão afetadas por esse tipo de tecnologia. Contabilidade, estocagem, venda e atendimento de caixa, traduções, jornalismo, ninguém está a salvo. Os links abaixo fornecem alguma ilustração, e isso é apenas a ponta do iceberg:

Software jornalista (ver: http://thenextweb.com/media/2011/04/18/robot-journalist-

writes-a-better-story-than-human-sports-reporter/).

Software advogado (ver: http://www.nytimes.com/2011/03/05/science/05legal.html?pagewanted=all&_r=0);

Software tradutor (ver: http://bgr.com/2013/09/13/google-translate-future-enhancements/), que provavelmente estará em breve no Google Glass (ver: http://www.youtube.com/watch?v=P42H8iOxWOE) de muitas pessoas, é o fim da barreira linguística para sempre;

Que tal um sistema de estocagem onde é proibida a entrada de humanos? (Ver:

http://www.youtube.com/watch?v=6UXQRHObj1Q);

Caixas, uma das mais numerosas funções do setor de serviços parece que estão ameaçados, e justamente no Wal-Mart (ver: http://macdailynews.com/2012/09/05/walmart-calls-upon-apple-to-revolutionize-the-way-its-customers-shop-and-pay/);

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Estão falando do novo Scan&Go system, já é uma realidade (ver: http://www.imore.com/walmart-testing-new-store-scan-go-system-exclusively-iphone);

Lojas automatizadas, esse é o futuro próximo de como se fará compras (ver: http://www.youtube.com/watch?v=t49JkakYAoE); Intel e Adidas têm algo novo também com que contribuir (ver: http://www.youtube.com/watch?v=lUwL8tMHRNc);

Restaurantes automatizados (ver: http://www.youtube.com/watch?v=_h4KZwxFZ3g);

Plantações (ver:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=2hqAkAL2GJs);

Construção de casa de 200 m² em 24 horas (ver: http://www.youtube.com/watch?v=Ri2IODIWYTU);

Transporte público urbano sem condutores (ver:

http://www.youtube.com/watch?v=wadRL6NzQAk).

Como The Wall Street Journal colocou em belas palavras, “softwares estão devorando o mundo” (ver: http://online.wsj.com/article/SB10001424053111903480904576512250915629460.html).

Ninguém está a salvo e esses empregos não irão voltar. Ignorar essa tendência é miopia, não temos esse luxo estando no exato ponto de virada da curva em uma função de crescimento exponencial. Todas essas soluções são mais eficientes e baratas que humanos. E estão ficando mais baratas, e mais eficientes, exponencialmente. Não podemos superá-las, mas somos bons em implantá-las. E já temos recursos mais que suficientes para fazer tudo isso, falta o dinheiro. E é estatisticamente comprovado, até mesmo óbvio que temos mais que o suficiente, o problema é que nossos métodos são esbanjadores.

Se quiser realmente ter uma visão global sobre desemprego tecnológico, recomendamos o documentário “Will Work for Free” e isso resolverá qualquer dúvida sobre o futuro e a total ausência de necessidade humana para serviços (ver: http://www.youtube.com/watch?v=0SuGRgdJA_c, com legendas em inglês).

Então, o que fazer? Devemos desesperar? Que tal aumentar impostos sobre a tecnologia? Quem sabe bani-la ou regulamentá-la mais? Ou fazer uma revolução na educação, qualquer maneira inteligente que encontrarmos para dar a todos um emprego, genial. Criar empregos é o que estão prometendo virtualmente todos os políticos ao redor do mundo neste exato momento e parecem ter algo de concreto, afinal, segundo Voltaire, “Trabalho nos salva de três grandes males: tédio, vício e necessidade.” Ele escreveu isso em 1759. Seria esse o caso hoje, nesta

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sociedade? Será o caso em 2050, quando a ONU diz que precisaremos de 27 planetas como o nosso para sustentar a população, dívidas e consumo necessários, seguindo a tendência atual? A ciência ao contrário, diz que estamos perdendo uma grande oportunidade. Foi Confúcio que disse, “Escolhe um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida.” Hoje, essa missão é um pouco mais difícil. De acordo com índice de pesquisa Deloitte Shift, 80% da população mundial detesta seus empregos (ver: http://www.deloitte.com/view/en_US/us/index.htm). Isso não parece um tanto paradoxal? Com toda essa tecnologia em nossas mãos? Tecnologia não tem como objetivo fundamental melhorar nossas vidas? Sem ignorar todos os benefícios que todas as classes sociais tiveram com as atuais soluções, estamos caminhando para uma embaraçosa contradição.

Contraditoriamente, “trabalhamos cada vez mais horas, em empregos que odiamos, para comprar coisas que não precisamos, para impressionar pessoas de quem não gostamos”.

Tyler Durden Em uma ideia arcaica que a economia monetária e não os recursos planetários e engenhosidade criativa é o real limitador de nosso progresso, atualmente as restrições impostas pela seca global de crédito estão inibindo nosso desempenho em muitos níveis. Mas pior que isso, a maioria dos empregos existentes não representa satisfação, muito menos criam algo concreto na sociedade, em grande parte dos empregos hoje, tudo que se faz é contar números e analisar padrões financeiros. Vamos nos perguntar o que nossos computadores podem dizer a respeito. Podem ajudar? Empregos monótonos, mecânicos, repetitivos e irrelevantes, são bons nisso, é a especialidade deles. Depois de alguns anos trabalhando no problema, o propósito da vida parece óbvio. O propósito da vida é ser vivida, não ganhada, já ganhamos a vida há muito tempo (e o planeta, o herdamos) quando nascemos. Não, talvez não possamos dizer qual é o propósito da vida,

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muito menos para a vida de outros, não queremos cometer o mesmo erro dos planejadores centrais do passado. Mas podemos inferir com grande confiança o que o propósito da vida não é: o sentido da vida não pode ser trabalhar mais, em mais máquinas, consumir mais e mais, crescimento infinito em um planeta finito, “adicionando mais tecnologia à vida e não vida à tecnologia? Que tal uma nova meta: maximizar desemprego, para que possamos nos divertir. É a única forma de se a levar vida a sério. A possibilidade de viver um futuro como deuses é o motivo por que precisamos evoluir além do atual sistema político-econômico”, como disse o futurista Arthur C. Clark. Circunstâncias indicam que precisamos repensar o conceito de trabalho por renda, e ainda mais profundamente, o de que devemos “ganhar” a vida. Que tal viver a vida? É fato hoje que uma só pessoa em dez mil pode criar as soluções tecnológicas capazes de suportar os outros 9.999. Protestos ao redor do globo reconhecem essa questão muito bem. Seguimos inventando novas ocupações e novos setores inteiros para perpetuar o paradigma do trabalho por renda, porque de acordo com a teoria Darwinista-Malthusiana, “o homem deve justificar seu direito de existir”. Então seguimos insistindo em empregos como inspetor de inspetor, que adicionalmente conta com o trabalho de todos os fabricantes de instrumentos que inspecionam inspetores. “A verdade é que pessoas devem voltar para escola, e voltar a pensar no que quer que seja que pensavam antes de alguém aparecer e impor que eles precisavam achar uma maneira de ganhar o direito à vida”. Essas poderiam ser palavras ingênuas, de uma mente adolescente desconhecedoras da complexidade do tecido socioeconômico. Felizmente não são palavras minhas, mas as do gênio futurista e desenhista industrial Buckminster Fuller entrevistado em 1970 pela New York Magazine. Porém, não podemos ser utópicos idealistas, temos que encarar a realidade, como mudar esse sistema hoje? Como começar tamanha transição global? A resposta simples para isso é que não há resposta simples. Mas isso não muda as circunstâncias e desafios que temos como espécie a frente. Claramente precisamos de um plano e novamente, ciência tem as respostas. Seguir as únicas leis reais que nos governam, as leis da natureza. Mas as opções não são muitas. Por um lado, temos avanço exponencial tecnológico, com recursos limitados fisicamente pelos próprios limites do maior sistema de suporte à vida que conhecemos, a Terra. Adicionemos a tal conjuntura crescimento infinito e desejos infinitos fabricados pela cultura e teremos eventualmente, desemprego em massa, dano ambiental crescente, esgotamento de recursos, fome, violência global e instabilidade civil. Nada muito promissor. De outro lado, continuamos tendo avanço exponencial tecnológico, com recursos limitados fisicamente pelos próprios limites do planeta. Estamos restringidos a isso a menos que (a) dizimemos a raça humana, (b) encontremos outro planeta, ou (c) quebremos as leis da física. Mas podemos mudar nossa atitude, metas e propósito. Comunidades open source, sustentáveis, dependentes apenas de fontes de energia renováveis localizadas, dispensando por inteiro o modelo de mercado, se a espécie considerar abandonar crescimento infinito, trabalho por renda e consumo cíclico. É esse o futuro da vida humana em sociedade no planeta. Podemos usar maquinas que nada mais são que extensões das habilidades humanas para fazer mais com menos, usar a eficiência técnica descoberta pelas indústrias de produção, com mais tempo livre, indivíduos mais realizados em suas vidas, restaurar o equilíbrio ecológico global e desenvolver nossos maiores potenciais, ao invés de usar essa mesma engenhosidade para inventar mais empregos para manter o estilo

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atual de vida, que nos levará, de forma exponencialmente rápida, de encontro aos problemas supramencionados. Antes de tal visão ser rotulada de técnico-utópica, em que conta-se com a tecnologia para solução universal de problemas, o contrário pode ser afirmado, tecnologia é meramente o produto de nosso conhecimento aplicado na facilitação dos nossos intuitos. Imagine hoje sua vida sem um telefone, uma geladeira, um automóvel, tecnologia é praticamente a única responsável por menos sofrimento na Terra, não podemos resisti-la, faz parte de nós, nossa maior capacidade é a de criar, é nosso verdadeiro dom, não podemos limitar processos que simplesmente fazem sentido. A ideia de utopia assume certa finalidade, não existe tal coisa como o “estágio final de desenvolvimento humano no planeta”. Se por acaso hoje construíssemos um computador “utópico”, perfeito, o melhor computador que a humanidade é hoje capaz de desenvolver, no ano seguinte ele estará menor, mais leve, mais alcance e com mais memória. A utopia de hoje será a antiguidade de amanhã, e por isso devemos sempre nos adaptar o mais rápido possível a novas informações emergentes, essa é provavelmente a definição de inteligência humana, menos sobre o que sabemos, mais sobre o quão rápido podemos processar e incorporar novas informações. O planeta possui 4,6 bilhões de anos, os Homo Sapiens evoluíram há 200 mil anos, mas o método científico tem estado conosco há apenas alguns séculos, ainda não sabemos de coisa alguma sobre o universo, temos muito que aprender, muitos desafios pela frente. E não devemos esquecer que pisar na Lua já foi algo utópico, assim como praticamente todo novo avanço tecnológico. É sempre impossível, até que seja feito. Ao mesmo tempo, será possível continuarmos com nossos “desejos infinitos” em nosso pequeno planeta, sem base alguma na sua capacidade de suporte? É geralmente neste momento que pensamos que não podemos desistir de um modo de vida de milhares de anos, que seria contra a natureza humana: “nossos pais e avós viveram assim, como podemos abandonar tudo isso?” Não podemos nos esquecer da natureza emergente dos processos, pois qualquer sistema no universo, se não inibido, sofrerá constantes mudanças, essa pode ser a própria definição de evolução, rapidez de adaptação, agilidade para desistirmos do passado quando as circunstâncias exigem. Tivemos escravidão por muitos séculos, desistimos dela. Ou melhor, fomos forçados pelas circunstâncias a desistir dela. Não importa a perspectiva utilizada, estamos no amanhecer de um novo paradigma, uma nova civilização. Mas para isso poderemos ter de desistir das suposições que mais prezamos. Tecnologia jamais teve o propósito de aumentar produção para podermos trabalhar mais horas, em mais máquinas, em mais locais. Ela existe para tornar nossas vidas melhores. A propósito, isto não é novidade, muitos têm falado disso há décadas, desenhista industrial e engenheiro social Jacque Fresco tem falado a respeito desde a década de 30. Aristóteles, 2300 anos atrás já dizia exatamente a mesma coisa: “Se toda ferramenta, quando ordenada, ou até mesmo por sua própria vontade puder fazer o trabalho que convém ao homem, então não haveria necessidade tanto dos trabalhadores aprendizes, seus mestres ou de escravos para os senhores”.

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Por que então ainda “patinamos” no mesmo sistema socioeconômico, com problemas graves no horizonte, apáticos, complacentes, acorrentados ao tradicional com pouca ou zero mobilidade estrutural nas bases da nossa sociedade, à sombra de avanço tecnológico colossal? Para mudança de tal magnitude ser de fato possível, precisamos de três componentes:

Visão Recursos Tecnologia

No passado nós tínhamos a visão e os recursos, mas a tecnologia ainda não estava lá. Hoje, nós temos os recursos, por enquanto pelo menos, e temos a tecnologia, mas nos perdemos no caminho. Precisaremos reencontrar a visão perdida se quisermos continuar a partir daqui. A sociedade Ateniense da Antiguidade tinha essa visão. E nós estamos mais conservadores hoje. Humanidade está lutando uma batalha perdida. Não podemos vencer contra a natureza, suas leis imutáveis e recursos limitados. Nós dependemos da natureza. E certamente não podemos vencer contra robôs, inteligência artificial, e sua tendência exponencialmente crescente de qualidade. Mas, podemos vencer com eles. Uma Economia de Lei Natural Baseada em Recursos aceita por completo as imposições da natureza e da tecnologia, não luta contra, como fazemos hoje. Temos problemas aparentemente insolúveis como espécie, desemprego em massa, esgotamento de recursos, desigualdade social. Todos esses desafios não podem ser resolvidos usando o mesmo sistema e mentalidade que os criaram. Mas podemos resolvê-los, se mudarmos nossa visão, perspectiva, nosso foco, as prioridades que nos conduzem. Teremos nossos empregos roubados, mas ficará tudo bem. E pode ser mais que tudo bem, pode ser maravilhoso. Acreditamos que todo ser humano é uma obra-prima inestimável desde o nascimento. Nós como espécie somos destinados a coisas grandes, maiores que podemos imaginar com nosso estado atual imaturo da cultura, que não acompanhou o avanço técnico. E a premissa que estamos fazendo o melhor possível com o modelo monetário de mercado é o maior obstáculo a se atingir esses objetivos, pois além de estarmos inconscientemente caminhando para o abismo, ainda acreditamos que estamos fazendo o melhor que podemos. O que podemos fazer? Se respeitarmos as tendências e nosso intuito for o de sobreviver, só há uma alternativa: criar uma economia de fato, para cuidar da Terra e toda vida que ela suporta. Um mundo do qual podemos ter orgulho. Não seria essa a definição de sucesso? O êxito pelo qual nos relacionamos com o ambiente e moldamos sustentavelmente o futuro? Um futuro em que nossos filhos e netos irão crescer...

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Lidando com as Críticas

Agora, é justo que abordemos as mais robustas críticas ao modelo econômico baseado em recursos, desmistificando certos preceitos e desfazendo associações superficiais e desinformações comuns, de forma breve. Utilizaremos trechos traduzidos, tanto inalterados quanto possível, de críticas libertárias, filosofia econômica e social que é notadamente das ideologias mais determinadas dentre as defensoras do modelo de mercado, inspiradas pelo seu proeminente defensor, economista e filósofo, Ludwig Von Mises (ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ludwig_von_Mises). Extraídos do portal internacional, Mises.org, do artigo “Venus need some Austrians” (ver: http://mises.org/daily/4636), sendo todos trechos grifados traduções do artigo original em inglês. Esse artigo em particular foi escolhido por ser dos mais completos e sucintos em suas críticas, sendo ao mesmo tempo um dos mais racionais e intelectualmente justos. Algumas críticas comuns não citadas no artigo serão acrescentadas.

Libertários precisam aprender sobre Turing

Turing: processo que mede a capacidade de uma máquina apresentar comportamento inteligente, de forma equivalente ou indistinguível de um ser humano (ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Teste_de_Turing). Esta breve seção tem como principal objetivo discutir alguns pontos levantados pelo professor e autor Robert P. Murphy e mostrar algumas falhas recorrentes tanto nas críticas à economia natural baseada em recursos, assim como mostrar falhas que o mercado não conseguiu superar e que no presente artigo foram omitidas ou assumidas como resolvidas pelo livre mercado. Robert cita de início: “Embora as pessoas envolvidas estejam admiravelmente fazendo o que podem para livrar o mundo de injustiça, falta-lhes conhecimentos básicos de economia, e muito, da mesma forma que alguns religiosos não têm conhecimentos básicos da própria religião”. O que quer dizer que está apenas assumindo que este é o caso, até quando um ateu que de fato leu melhor a Bíblia se manifesta.

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“No entanto, estes pobres idealistas sonhadores (defensores da EBR) estão errando em culpar o capitalismo ou o dinheiro em si só pelo nosso mundo atual, disfuncional”. Logo de início, considero necessário frisar o ad hominem completamente desnecessário e fora de contexto, de fato suas críticas começam assim, e essa apelação vem sendo repetida quando o assunto é lidar com as falhas intrínsecas do modelo de mercado, mais por libertários que por economistas ortodoxos, quase sempre. Geralmente não costumo trazer isso à tona, mas torna-se relevante para o ponto a ser demonstrado, você provavelmente deve formular suas declarações sem envenenar previamente todo o poço se espera ser levado a sério, algo que é de se surpreender quando acontece em um portal econômico que se diz profissional. O apego emocional claramente presente à ideologia de mercado não é construtivo. Ele prossegue: “Esse sistema disfuncional e ineficiente do mundo hoje, ao contrário, será corrigido somente a partir do momento que todos respeitem os direitos de propriedade individual”. Respeito universal 100% à propriedade é impossível, por várias razões: Direitos de propriedade requerem força. Isso significa algum tipo de força sancionada pela sociedade (violência). As fronteiras de todos os países do globo terrestre, sem exceção, foram determinadas por guerras e disputas não amigáveis, em algum momento da história. Com essa mentalidade guia, fique à vontade para descrever o mecanismo pelo qual uma sociedade cheia de pessoas guiadas pelo interesse próprio (de acordo com a conjectura de escolha racional de Mises) e as entidades privadas, competindo por um conjunto comum de recursos, seriam bem-comportadas o suficiente para “respeitar os direitos de propriedade uns dos outros”. Além disso, a relação proprietário-propriedade não é bem definida. Há muitas propriedades que não têm dono conhecido. Quem é o dono, então? Há também grande quantidade de imóveis que têm uma disputa de propriedade. Quem é o dono da propriedade disputada? O árbitro de disputas seria um estado de fato. Não importa se tribunal privado ou estatal, a ideia de estado é a mesma, em sua essência. Mais que isso, há muitas atividades que danificam propriedade alheia não importa o que faça. Dirigir um carro é poluir o ar de outros. Em grande escala, maus investimentos desvalorizam propriedade alheia de pessoas que nada tem a ver com o investimento, etc. Estado e grandes empresas são os maiores ofensores nesse caso. Ingenuamente, libertários tem plena confiança que tais acumulações de poder e capital não ocorreriam em um mercado com liberdade econômica assegurada, embora não há exemplos significativos na história em que funcionou tal modelo na prática, e se houvesse, ainda assim aparentemente não se mostrou imune às falhas do Estado e nada garante que tais problemas não ocorram sempre que ausência parcial ou total do Estado for à realidade econômica vigente, não há como garantir que certo setor ou corporação não continuará a acumular poderes e se tornará algo parecido com um Estado, afinal, o objetivo do “jogo” é acumular poder e vantagem para derrotar os concorrentes.

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O professor do Instituto Mises prossegue: “De fato, em um mundo realmente livre, em que bilhões de pessoas cresceram sem nunca conhecer roubo – muito menos genocídio – a produtividade do trabalho e, o padrão de vida correspondente poderia ser tão altos, relativos aos nossos padrões atuais, que de fato pessoas estariam aparentemente vivendo em condições de pós-escassez. É claro, isso tecnicamente não seria verdade, se as leis da física permanecessem as mesmas, e desde que a mente humana criou desejos cada vez maiores. Mas considere alguém em nosso mundo real, agora, que vai de vida nas ruas de Calcutá a ser adotado por uma família de classe média na América suburbana”. Sim, o princípio de escassez. Espero que perdoem a ignorância econômica que defensores da EBR apresentam, mas não é citado um estudo sequer que comprove as condições exigidas para que o princípio de escassez seja verdadeiro. É um dogma econômico aparentemente. Mesmo assim, suponhamos que as premissas da escola austríaca sejam as mesmas que Mises apontou em sua obra Economic Calculation in the Socialist Common Wealth.

1. Desejos humanos são ilimitados (infinito contável). Tenho estudo que fornece evidência contrária (ver: http://www.pnas.org/content/107/38/16489.full). Vamos chamar isso de "Critério de Demanda não fixa".

2. Estes desejos ilimitados existem como informação (eles não são desejos "potenciais"). Isso violaria o “Bekenstein Bound” (http://en.wikipedia.org/wiki/Bekenstein_bound) no armazenamento de informações. Vamos chamar isso de "Critério de Demanda Instanciado".

3. Independentemente da verdade (1) ou (2), o desejo humano faz ou é capaz de manifestar-se como uma demanda por recursos que não pode ser cumprida por qualquer fonte finita de recursos, em dada quantidade de tempo. Em outras palavras, em qualquer instante t dado, a procura é maior do que a oferta. Vamos chamar isso de "Critério de Escassez Antropogênico".

4. Falhando 1,2,3: o desejo humano é finito, mas no momento atual, ou em qualquer

momento da nossa história, ultrapassou o fornecimento previsto pela Terra e do espaço acessível. Vamos chamar isso de "Critério de Escassez Natural".

5. Falhando 1-4: o desejo humano é finito, mas a produção constante de novos desejos,

eventualmente, resulta em um estado em que todos os recursos utilizáveis e acessíveis foram transformados em produtos. Vamos chamar isso de "Critério de subida íngreme".

Cumprindo (1,2,3) provaria a versão forte do princípio da escassez (recursos são finitos, os desejos são infinitos).

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Cumprindo (4) provaria a versão fraca do princípio da escassez (recursos não são suficientes para cumprir todas as exigências). Cumprindo (5) iria revelar uma versão ainda mais fraca do princípio da escassez (recursos podem ser suficientes agora, mas o desejo humano é tão grande que acabará por querer mais produtos do que os nossos materiais disponíveis podem formar). Em conclusão, e resumindo, o mantra dos próprios economistas de que “recursos são finitos e desejos são infinitos” invariavelmente, se verdadeiro, seria o anúncio do fim. A Terra não teria capacidade de nos mimar com todos os desejos infinitos e invariavelmente, não se sabe a data exata, iríamos nos matar pela última lata de sardinha. Obviamente é uma falácia. Seguindo: “O que estou discutindo, então, é que, em um mundo verdadeiramente livre, onde todos nós respeitamos a propriedade alheia, o aumento no padrão de vida seria análogo ao nosso menino hipotético que se muda das ruas de Calcutá para os subúrbios de Maine. Nesse mundo fantástico, dar uma cirurgia de coração pode ser tão barato como dar a alguém um pedaço de chiclete em nossa sociedade atual.” Exceto que os direitos de propriedade nada têm a ver com a diferença entre os EUA e a Índia. O fator determinante e suficiente nesse caso é a distribuição desigual da tecnologia, e, criticamente, o conhecimento por trás da tecnologia. A Índia poderia ter exatamente o mesmo padrão de vida se tivessem a capacidade de desenvolver essa tecnologia, que eles não o fazem, porque os EUA retêm essas informações como "propriedade intelectual", para fins de vantagem diferencial competitiva. Além disso, se tivéssemos de "respeitar a sua propriedade", então os EUA (por indução) ainda teriam problemas na sociedade que os indivíduos não teriam interesse em resolver, devido ao alto custo pessoal e baixo benefício pessoal. Problemas coletivos em geral teriam interesse secundário, sempre. “Se esse mundo realmente fosse tecnologicamente possível, deveríamos dar uma folga aos sonhadores socialistas. O problema não está com a sua visão, mas com os seus planos para alcançá-la.” Novamente, termos como “sonhador socialista” introduzem ad hominem dissimulado e impreciso não apto para discussão intelectual. Poder-se-ia facilmente dizer que a visão libertária é um fóssil de dinossauro delirante capitalista que alegremente ignora o mundo ao seu redor em 2012, ou finge que 100% de nossos problemas são causa de uma falta de respeito aos direitos de propriedade, ou culpa exclusiva do governo, mas isso é irrelevante para a discussão, que se trata de ideias EBR versus ideias anarcocapitalistas. Importante frisar que a falha libertária não remete a erros de Mises propriamente. Sua justificativa para o sistema de preços fazia sentido, e funcionava para realidade da época. Mises não teria como prever o estado da tecnologia, engenharia de sistemas e algoritmos que temos hoje. O erro é cometido por parte dos seus seguidores, que até os dias atuais continuam insistindo na mesma visão bicentenária de Ludwig Von Mises. Superstições de lado, escrituras sagradas podem ser sujeitas ao mesmo questionamento por parte da ciência e seu método.

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“Ao contrário das afirmações do site EBR, a Segunda Guerra Mundial não ilustra as forças produtivas da humanidade. Ao contrário, ela mostrou como o desperdício monstruoso dos recursos humanos pode tornar-se prejudicial quando direitos de propriedade são sistematicamente violados.” Na verdade, ambos estão muito incorretos. A Segunda Guerra Mundial poderia sequer ter acontecido se não fosse motivação do lucro, uma vez que a IBM vendeu aos nazistas todos os equipamentos de computador necessários para gerenciar o movimento dos submarinos e os campos de concentração. Ela ilustrou os poderes destrutivos da humanidade na medida em que há consolidação de poder de sistemas sociais. Outra falácia recorrente é a constante volta ao passado quando libertários tentam provar suas hipóteses. Não vamos falar sobre a Segunda Guerra Mundial, porque é um pouco monótono, não envolve circunstâncias econômicas usuais, e, além disso, estamos em 2013. Mas muito se pode comentar sobre a menção de "racionamento forçado" em um mundo de tamanha “liberdade” econômica. De acordo com Von Mises, o sistema de preços oferece uma função de racionamento. Onde exatamente está a liberdade? Se a propriedade é privatizada, significa que não somos livres para obter bens sem pagar por eles. Portanto, é forçado um racionamento, imposto às pessoas. O sistema demanda coerção no nível fundamental, sem base alguma quanto a mérito, afinal pessoas costumam nascer superiores ou inferiores financeiramente no mundo do mercado, o que por si só é uma arbitrariedade, não da natureza, pois todos nasceram humanos, nus, precisando das mesmas necessidades básicas, mas alguns nascem desde o primeiro dia com maior facilidade e meios para obtê-las. Quando é dito que as coisas são assim, que isso é alguma lei da natureza, isto se trata obviamente de uma visão supersticiosa do mundo, não diferente de quando escravos acreditavam que nasceram para ser escravos, ou que reis nascem para governar, etc. Por necessidade de trabalho por renda o sistema atual coage todos a fazerem coisas que não fariam normalmente sem a pressão de ter que participar no sistema. É uma ameaça de morte, velada. Mas não tenha dúvidas, se não tiver valor na economia, pode muito bem morrer porque não serve seu papel na sociedade, segundo a lógica de mercado. “Escritores da EBR oferecem pouca explicação de onde esta abundância virá, mas eles dizem o seguinte: como nós superamos a necessidade de profissões baseadas no sistema monetário, por exemplo, advogados, banqueiros, agentes de seguros, marketing e pessoal de publicidade, vendedores e corretores de valores, uma quantidade considerável de resíduos será eliminada, demonstrando que os escritores nunca ouviram falar do debate do cálculo socialista ou que eles não conseguiram aprender suas lições.” Essa declaração tem muito pouco a ver com o debate do cálculo socialista, que discute alocação centralmente planificada. E por que as lições de Mises têm de ser “respeitadas” se o intuito é exatamente provar que são falhas? Não obstante, Economia de Recursos é um sistema econômico de planejamento global não centralizado.

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“Ludwig Von Mises mostrou que os preços não são arbitrários, que realmente significa algo quando uma empresa sofre uma perda.” Então se torna necessário perguntar como um preço é formado? Supondo que estão se referindo a conjectura de utilidade marginal, que afirma que os preços são baseados em sua utilidade marginal para o usuário. Claro, desde que a utilidade marginal requer comparação, e de acordo com o "problema do cálculo econômico", a comparação de produtos heterogêneos requer um preço, o preço é necessário para determinar uma boa utilidade marginal, que é necessária para explicar preços. Preços explicam preços, e explicam os custos de determinar os preços. Isso soa como arbitrariedade, pelo menos para mim, embora esteja além de opinião. Eles continuam: “Especificamente, quando uma empresa perde dinheiro, significa que os clientes não estão dispostos a pagar tanto pelo produto acabado (ou serviço) quanto a empresa teve de gastar ao adquirir insumos.” Nem sempre. Pode significar que os clientes são ignorantes da existência do produto (informação imperfeita, tautologicamente verdadeira), ou as condições logísticas são desfavoráveis para o produto (por exemplo, um consumidor privado terá sérios empecilhos para adquirir trens de alta velocidade, mesmo podendo pagar), ou outras coisas que não são facilmente compreendidas através de modelos não variáveis. Como no caso da indústria do petróleo ganhando bilhões, apesar de ser o principal responsável por uma grande quantidade de ecocídio no último século ou dois. E não são apenas empresas petrolíferas que podem causar tal fenômeno. O preço do petróleo é subsidiado, afetados por externalidades, e mesmo na ausência dos dois, ainda assim não faz muito sentido. A razão é porque quase toda a nossa infraestrutura de transporte privado, bem como uma grande parte da nossa indústria de materiais, tem uma dependência direta das companhias petrolíferas. Ao manter os preços baixos, permite-se que a companhia de petróleo continue rolando em dinheiro, dando-nos uma escolha binária: Continue usando o nosso material dependente do petróleo, estando sujeito a tudo o que a indústria do petróleo decidir fazer com os seus produtos ou, pare de usar o nosso material dependente do petróleo, e pague muito mais caro, ofuscando assim quaisquer vantagens competitivas que se poderia ter. Este é basicamente o que acontece com qualquer indústria em uma sociedade capitalista: a indústria do petróleo, a indústria fonográfica, o setor bancário, a indústria automobilística, a indústria de informática, a indústria agrícola, e assim por diante. Algo mais novo e melhor sai (ou, no caso da agricultura, mais velho e melhor), e você pode ficar com o produto ineficiente padrão atual e ser prejudicado depois, ou mudar para a alternativa e ser lesado agora pagando mais. Onde está a liberdade econômica? Embora supostamente vão argumentar que tais indústrias não são reais exemplos para incorporar as ideias de um livre mercado, que estão mais para os barões da oligarquia corporativista no seu jogo constante de culpar o estado, não conseguimos ver tal separação entre corporativismo e “livre mercado”, pois as bases de interação são as mesmas, interesse próprio em um ambiente competitivo. Mesmo se conseguíssemos “liberar o mercado” eliminando o Estado por completo, a natural gravitação de poder para quem tem mais poder, a busca pela maximização de interesse pessoal no meio competitivo iria reverter as coisas rapidamente para o mesmo ponto que estamos hoje. O mercado está tão livre quanto ele pode ser, para não se autodestruir.

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“Grosseiramente falando, então, uma empresa que perde dinheiro é aquela que extrai recursos valiosos e os transforma em algo que a sociedade valoriza menos.” Assumindo o perfeito conhecimento e concorrência perfeita, sim. “Ludwig Von Mises colocou o dedo no problema fundamental do socialismo. Se o estado possui todos os recursos, então não pode haver preços de mercado para os tratores, de quilowatts-hora, de barris de petróleo, e outras coisas necessárias para a produção.” De acordo com o que? Nada nos critérios de preço diz que ele deve ser definido por uma empresa. Como os preços são, sem dúvida, arbitrários (se qualquer preço em um sistema econômico é impreciso, quaisquer preços dependentes ou derivados dele também serão imprecisos) e modificados por loops de feedback negativo, o estado pode simplesmente definir os preços, e modificá-los de acordo com o número de compras, assim como uma empresa privada faz. Se você simplesmente tratar o Estado como uma empresa privada muito grande, nada muda exceto que não há competição, que é um grande problema. “Olhando para os vários empreendimentos produtivos em operação a qualquer momento, os planejadores centrais não têm um denominador comum para todas as diferentes combinações de insumos que entram em cada um.” Eles não têm um preço para todas as diferentes combinações de entradas, mas existem inúmeros denominadores comuns: Consumo de energia, tempo de produção, massa/quantidade necessária de insumos, etc. O método comparativo usado para escolher de insumos, assim como todo resto em uma EBR, é o científico, define-se o objetivo de máxima eficiência e sustentabilidade, e usamos o método científico para julgar a eficiência de cada ação, a priori, testando antes de disponibilizar ao público. As prioridades também seriam definidas através de tal método. “Os planejadores não vão saber se uma fábrica de automóveis "faz sentido", porque só haverá um fluxo enorme de dados que descrevem os vários recursos que vão para a fábrica, e da quantidade de carros acabados que saem da fábrica. Estes fatos brutos não contam aos planejadores se há uma utilização eficiente dos recursos que estão sendo consumidos na fábrica.” De acordo com o que? Primeiramente, não existem “planejadores” em uma Economia Baseada em Recursos. Segundo, se sabemos que 10 mil toneladas de aço e 10 MW de energia

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estão entrando em uma fábrica A de automóveis que produz 100 carros por dia, e 7kt de aço e 15 MW de energia estão indo em outra fábrica B de automóveis que produz 100 carros por dia, a fábrica B é 142% mais eficiente com o aço e 67% menos eficiente com a energia na produção de 100 carros. Então, qual é melhor? Bem, nós temos quantidades enormes de energia espantosa caindo em nosso planeta a cada dia como a luz solar, ventos, etc. Não temos muito aço caindo em nosso planeta a cada dia. Portanto, devemos ser mais conservadores com aço, assumindo que estamos usando a energia renovável, e não usando combustíveis que requerem energia prévia de extração, como petróleo. Então, como é que o modelo de mercado vai determinar se uma fábrica de automóveis em particular "faz sentido"? A fábrica de automóveis A gasta $ 100 para fazer $ 300. A fábrica B gasta $ 200 para fazer $ 600. O que é mais eficiente? Quais as informações que você infere do preço apenas? É suficiente para fazer qualquer julgamento sobre o funcionamento real da fábrica? Claro que não, uma vez que ninguém pode reverter a operação de preço de um bem (ter um preço e obter os insumos que determinaram esse preço sem informações adicionais). Quando leio absurdos como esses, de economistas renomados que possuem uma legião de jovens seguidores, depois do choque inicial, sempre me pergunto se já leram alguma coisa sobre engenharia industrial e de sistemas. E principalmente, se sabem a fundo como funciona a otimização de um sistema de computador ou linha de produção? Eu duvido, pois parecem pensar que decisões ótimas não só podem ser tomadas utilizando apenas um único valor, mas que elas obrigatoriamente precisam ser tomadas desta maneira. Testes de benchmarking, mesmo com computadores, que determinam o desempenho do computador em valores individuais, executam vários testes diferentes e produzem vários resultados diferentes, os quais precisam ser examinados para determinar o desempenho no mundo real (e ainda assim não vão realmente dizer muito sobre o desempenho no mundo real). Ao contrário, a afirmação libertária é que não só nós precisamos de menos valores para avaliar o desempenho, mas que o sistema econômico é tão complexo e intratável que nenhum outro método de avaliação de desempenho pode ser tão preciso quanto um preço de mercado. Agora vamos provar que o "problema do cálculo econômico" não é um problema. Premissa 1. Cálculo econômico requer certo número de passos de resolução de problemas; Premissa 1a. O número de passos é finito ou infinito em um período de tempo finito, ou o número de passos é finito em um período de tempo infinito; Conclusão 1a. Se o número de passos é finito em um período de tempo finito, então o cálculo econômico não é uma super tarefa. Mais fácil ainda à medida que o tempo tende ao infinito; Conclusão 1b. Se o número de passos é infinito, em um período de tempo finito ou infinito, então nenhum conjunto de seres humanos pode realizar cálculos econômicos; Premissa 2. Cálculo econômico deve ser um problema solúvel se o livre mercado é capaz de realizar o cálculo econômico; Conclusão 2. Cálculo econômico é um problema solucionável, por seu próprio argumento; Conclusão 3. Cálculo econômico é calculável, porque é determinável e requer apenas um número finito de passos em um intervalo de tempo finito;

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Conclusão 4. Cálculo econômico é computável, de acordo com a tese de Church-Turing (ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tese_de_Church-Turing); Conclusão 4a. Cálculo econômico é computável por uma Máquina de Turing Universal. Agora, isso não diz nada sobre a complexidade dos cálculos. Talvez o cálculo econômico seja “NP-hard”. Claro que, sendo “NP-hard” significaria também que o livre mercado é limitado pela mesma complexidade. Na verdade, já é de conhecimento dos cientistas da computação que ele é. Dado um conjunto de bens X, um conjunto de preços P, um orçamento B, e um conjunto de valores de utilidade U, temos o conjunto de bens que irá otimizar pela fórmula:

Qualquer pessoa que estudou ciência da computação deve reconhecer isso como “o problema da mochila”. Este é um problema NP-completo, mas esta "maximização da utilidade" é que é, supostamente, a solução para estes problemas de alocação intratáveis. Então, o que é mais provável, que os seres humanos são de alguma forma incapazes de calcular soluções para este problema em tempo polinomial, mas só quando eles não estão intencionalmente tentando resolver o problema? Ou que os seres humanos não podem eficientemente "maximizar utilidade" com o preço e as restrições orçamentárias? Parece-me que a segunda possibilidade é a mais provável, já que um ser humano definitivamente não pode resolver o problema da mochila, ou já seria um bilionário. Houve alegações de que as preferências reveladas transformam este problema de maximização em uma monótona crescente, função linear por partes, côncava, o que não é um problema NP-completo; no entanto, isso pressupõe que as preferências estão em uma ordem parcial imutável (monótona aumentando) no tempo que demora a resolver o problema (entre outras). Provadamente não é o caso, pois definitivamente temos a capacidade de comparar bens heterogêneos, sem a utilização de um preço. Fazemos isso o tempo todo, quando estamos comprando, antes mesmo de olhar para o preço. Aliás, os preços tornam mais difíceis tais comparações, é uma interferência, parcialmente devido ao fato de que preferências não podem ser satisfeitas quando o acesso é limitado, quando propaganda é um fator, mas principalmente pelo fato de uma função de preço não ser injetora (mapeia vários valores para poucos valores, neste caso, apenas um, o preço). Funções não injetoras são irreversíveis, e vamos ver por que isso é um problema: Por um lado, acho que todo ser humano de grau escolar fundamental concordaria com a declaração de que o uso de um objeto é mais importante do que o seu preço. Se eu precisar de um prego em uma parede, eu posso comprar um martelo por $ 10. No entanto, nem todos os

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martelos de $ 10 são equivalentes, nem uma chave de fendas de $ 10 é equivalente a um martelo de $ 10. Também é improvável que um martelo de $ 10 e uma chave de fenda de $ 10 têm o mesmo impacto sobre a cadeia de suprimentos, apesar de ser mais ou menos igual em utilidade. Claro que, devido à característica de irreversibilidade da função de preço, o uso de um objeto não pode ser determinado a partir do seu preço. Se o uso não pode ser identificado pelo preço, e o preço é mesmo completamente irrelevante até o momento que sabemos que a utilidade do bem se mostrou suficiente, por que então o quesito “utilidade" é incluído no conjunto de dados mapeados para a função? Isso deixaria apenas oferta, demanda e lucro. "Custo" é a dependência definida do produto, vezes sua multiplicidade (k = fornecimento/q) do produto. "Custo" = k x p.dep Custo é, portanto, um conjunto de classificação | p.dep |, da forma {k (k_1 * q_1) ... k (k_n * q_n)} Com todos k, k_i sendo constantes. O custo de um produto, por conseguinte, pode ser obtido a partir do valor da oferta na representação econômica natural (na Economia Baseada em Recursos). Oferta e procura é medida em termos de uma constante vezes q. Portanto, uma paridade entre oferta e demanda vai nos dizer se há escassez (oferta - demanda < 0) ou abundância (oferta – demanda > 0). Uma Economia de Recursos é muito simples, simplicidade que a ciência tem mostrado ser eficiente em outras áreas, o que traz à tona uma questão: seria a complexidade nos jargões e termos econômicos apenas uma máscara para desencorajar leigos a entender seus critérios? Continuando, demanda pode ser medida em unidades (minha demanda por café é de 50 ml por dia) ou como um uso do tempo (a minha demanda para o meu computador é de 3 horas por dia, ou 12,5% do seu tempo de atividade diária, o que significa que em 87,5% restantes está num estado abundante). Além disso, não se pode determinar se ou não um determinado preço é válido. Como os recursos são mantidos em mãos de particulares, não há maneira de se determinar a quantidade existente, que não seja por todos os partidos que detêm esse recurso revelando um inventário preciso. É claro, há fortes incentivos para não o fazer, especialmente quando há um mono/oligopólio sobre os recursos, o que é o caso (ironicamente) da água, por exemplo. Se a oferta de recursos é indeterminada, não podemos fazer afirmações para saber se eles são escassos ou abundantes. Nós sabemos que a população tem crescido substancialmente no último século, o que significa que deve haver um excedente de necessidades. Também sabemos disso porque há perda significativa de alimentos, água, energia, minerais, etc. No entanto, também há muitas pessoas no planeta privadas dessas necessidades, ou seja, o mercado está distribuindo mal os recursos, isso é um fato inegável, que muitos ainda negam. Isso deixa o preço como simplesmente sendo justificativa para o lucro, já que não tem outros usos únicos. Não é, como alegado, uma ferramenta indispensável. Junto com a propriedade

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privada e o petróleo, constituem o que mais precisamos dispensar se planejamos manter a civilização humana em um futuro próximo. Muito mais poderia ser dito, mas como mercado não é assunto central do presente ensaio, concluirei por aqui. Outras críticas comuns: “Mesmo que o sistema de gerenciamento mundial de recursos fosse capaz de realizar o cálculo econômico, ainda assim há o risco de ser manipulado por vantagens, alguém tem de programar qualquer computador”. Não é assim que a ciência funciona. Essa é uma grande confusão, comum ao se tratar o modelo econômico baseado em recursos. A natureza da ciência sempre foi chegar às decisões e não tomá-las arbitrariamente. As decisões já foram tomadas, pela natureza e a capacidade de nosso planeta. Só temos que escolher nos ajustar a elas. Na ciência, resultados devem ser replicáveis em qualquer outro experimento nas mesmas condições, até que sejam falsificados ou superados por outros. Nesse caso, portanto, não estamos lidando com falta de conhecimento econômico, mas sim desconhecimento do método científico propriamente. Obviamente, os dados sempre serão de domínio público, e a própria comunidade será a guardiã das redundâncias de segurança previstas no sistema. A rede é descentralizada, espalhada por todas as cidades, e mesmo todos os lares do globo terrestre, exatamente da mesma maneira que a internet funciona hoje. Podemos comprometer ou desativar web sites, claro, porém não se pode derrubar a internet propriamente, não sem desligar todos os computadores do mundo, porque tudo está distribuído dentre milhões de servidores, em potencial ou de fato. A centralização no planejamento provavelmente seria a causa principal de falhas do modelo socialista, que rapidamente tomou forma ditatorial e muito pouco restou de socialismo. Mas se planejamento em si não funcionasse, os carros não funcionariam, nossos computadores não funcionariam, a própria noção de “orçamento” denota planejamento e dispensar cegamente a ideia de planejamento econômico por causa de problemas observados em planejamento centralizado de trocas monetárias no mercado (que nunca maximizam eficiência, independentemente do sistema socioeconômico) é um erro grave. “Os mesmos resultados catastróficos socialistas serão repetidos se uma EBR for implantada, devido a sua mesma natureza coletivista”. Em nenhum ponto na história tivemos uma verdadeira sociedade coletivista. A não ser em casos extremamente isolados e desconhecidos, e muito bem sucedidos por sinal, como a comunidade de Twin Oaks em Virgínia nos EUA (ver: http://www.twinoaks.org/) ou então as comunidades Kibbutzim de Israel (ver: http://www.kibbutz.org.il/eng/081101_kibbutz-eng.htm).

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Nunca houve socialismo, comunismo ou coletivismo real, pelo menos não do modo que uma economia de recursos, inferindo da lei natural usando método científico possibilita ser a vida em sociedade. A melhor analogia seria a de uma família, global nesse caso. Diferenças entre socialismo e capitalismo não são tão grandes quanto se pensa, a China socialista não é muito menos capitalista que os Estados Unidos, sendo a única diferença significativa o grau pelo qual o Estado interfere na economia. Estamos sempre substituindo esse sistema com variações dele mesmo sem nunca mexermos na base. As linhas mestras do socialismo ainda são competição, trabalho por renda, e escassez. Força, competição e coerção, assim como hoje no modelo de mercado, eram as bases do sistema, pelo menos na prática. Dentro da família é diferente, não se costuma dar gorjetas às mães toda vez que nos trazem comida à mesa. Já temos uma economia baseada nos recursos dentro de nossas casas e talvez dentro do círculo de amizades mais íntimo. Quando minha sobrinha de três anos de idade pede leite, eu não a cobro nada, apenas verifico se tenho disponível em estoque, administro e monitoro esse estoque conforme sei que ela precisa, sem envolver dinheiro. Quando dou carona ao meu vizinho, não costumo cobrar R$ 9,99. Quando os astronautas foram à Lua, não havia mercado lá em cima. Todos os recursos foram calculados antes, na Terra.

E sim, por mais fictício que possa parecer, uma complexa calculadora é tudo o que é necessário. Quando retiramos recursos da terra, frutas das árvores, nada se cobra. O Sol, a atmosfera, as nuvens, todos trabalham de graça para nos dar ar, água e calor, os três componentes mais indispensáveis para vida, sem uma etiqueta de preço. Todos que recebem heranças também tiveram “coisas por nada”. Até mesmo afirmar propriedade sobre tecnologias como nossa TV, nossos automóveis ou nossos celulares é tendencioso, afinal não inventamos todas essas coisas, não sozinhos. É um conceito muito básico e prático de seres humanos compartilhando recursos em um planeta finito.

Mais diferenças entre uma EBR e socialismo podem ser citadas como o uso de prisões, classes sociais, trocas materiais, uso de uma ou mais polícias e exército. Uma Economia de Lei Natural Baseada em Recursos não dispõe de nenhum desses, polícia e exército seriam substituídos por times interdisciplinares, já que 95% dos crimes são de causa monetária, a própria palavra “corrupção” é uma invenção monetária. Crimes de propriedade não teriam base para ocorrer num mundo de pós-escassez, gerada pela preservação, consciência ambiental intrínseca e pelo compartilhamento dos recursos, além do fato que estaremos planejando a frente, de forma preventiva para evitar faltas, ao contrário do sistema anárquico de hoje, onde a mecânica do movimento de dinheiro define tudo o que será, e principalmente, o que não será feito. Um sistema burro, que mostra claramente que distribuição “eficiente” de recursos significa limitar o consumo da maioria da população para se colocar tudo nas mãos de quem pode pagar o alto preço da escassez.

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Transição

A transição para um novo sistema social é obviamente algo difícil de se descrever. Muitos acreditam que somente um total colapso social pode iniciar mudança tão revolucionária. Não compartilhamos dessa ideia, pois entendemos que a ciência e tecnologia vão mudar o mundo de dentro para fora, erodindo a necessidade de dinheiro, instituições tradicionais e praticamente todo o resto, essa revolução não deixará uma só pedra no lugar. Invenções como impressão 3D irão concorrer com mercados tradicionais e a própria organização social terá concorrência, na forma de eco polos e comunidades verdadeiramente sustentáveis, que oferecem alternativas mais acessíveis para população viver. Acreditamos que circunstâncias emergirão para mudança, da mesma forma que ninguém aboliu a escravidão, condições emergiram que tornaram escravidão ineficiente em relação à servidão, a prova sendo que virtualmente todos os países a abandonaram mais ou menos simultaneamente. Não é necessário derrubar o sistema atual, ele certamente cairá sozinho, não pode mais ser ressuscitado nesse ponto em que chegamos, instituições tradicionais do mercado e política cairão no esquecimento conforme as soluções vão surgindo e a necessidade de tais órgãos públicos e privados vão diminuindo, da mesma forma que a carruagem foi eliminada pelo automóvel, veremos a substituição, ou melhor, a atualização de nosso sistema social. Porém, mesmo não necessitando “lutar” para “derrubar” o atual sistema, podemos acelerar essa mudança, fortalecendo ideias Open Source e apoiando ou simplesmente divulgando as falhas do atual método e mostrando a solução para as pessoas. Não é pretensão falar disso em nenhum detalhe no momento, mas podemos resumir algumas linhas mestras do novo modelo econômico que devem ser buscadas porque precisam acontecer, nossa sobrevivência depende disso:

1. O primeiro passo seria a instalação de mecanismos técnicos que facilitariam uma abundância. Precisamos começar a criar mecanismos que interfiram com o mercado um pouco, como fazendas verticais, geração renovável de eletricidade, produção em impressoras 3D, fortalecimento do open source, etc. Precisamos de planos para criar uma abundância, e principalmente, precisamos mudar nossos valores em direção ao interesse de criarmos uma abundância ao invés do interesse de preservarmos escassez, da qual o mercado depende para ter alavancagem.

2. Surgimento de comunidades sustentáveis, o mais autossuficientes possível, “concorrendo” com as antigas cidades. Isso aliviará a pressão demográfica nas cidades, especialmente porque podem ser uma escola de novos valores. Quando falamos de mudança, literalmente, é uma mudança do ser humano. É uma mudança minha e sua. Não só uma reestruturação de nosso sistema socioeconômico é necessária, ou de nossas cidades, é uma reestruturação da cultura. Uma revolução verdadeira é uma revolução de valores.

3. Precisamos mudar de nosso atual modelo baseado em competição para um sistema em que colaboração seja encorajada e recompensada pelo sistema, em que a contribuição de cada indivíduo retorne para sociedade como um todo, não para um seleto grupo. Há inúmeros estudos que mostram como a competição afeta o processo

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criativo. O estresse de ter que vencer tira o foco da tarefa em si. E não há troca de informação. Hoje poderíamos ter todos os componentes eletrônicos, automotivos, domésticos universalmente compatíveis e intercambiáveis. Hoje não podemos fazer isso, apenas porque as empresas estão em competição uma com as outras.

4. Temos que sair de nosso sistema de crescimento para um modelo econômico de “Steady-State” ou uma economia de equilíbrio. Queremos encontrar equilíbrio com o habitat, não queremos crescimento, seja expansão monetária, seja de trabalho, seja expansão populacional, crescimento é a última coisa de que precisamos. Crescimento é a ideologia da célula cancerígena. Crescimento infinito é simplesmente impossível em um planeta finito.

5. Automação deve ser preferível a trabalho humano, em todos os níveis. Hoje, em todas as indústrias, a quantidade produzida é inversa ao emprego, em outras palavras, quanto mais automatizamos, maior a produção. Qualidade e padronização igualmente são inversas ao número de empregados. É irresponsável não automatizar, pois só assim podemos criar uma abundância. É mais seguro. Simplesmente faz mais sentido. É para isso que a tecnologia existe, para liberar e facilitar o trabalho humano. E sempre são melhores que seus inventores nas tarefas em que são especializadas. O inventor da calculadora provavelmente não é capaz de fazer contas como ela; o inventor da balança de precisão não consegue saber o peso com aproximação centesimal; o inventor do guindaste não consegue levantar uma tonelada. Do mesmo jeito que ninguém quer pregar um prego na parede com a mão, não se pode ignorar ou dispensar a maior dádiva que nosso poder de criação nos proporcionou. Essa é nossa maior dádiva, nossa capacidade de criar. Precisaremos sim de pessoas ainda, como supervisores e pesquisadores, mas em um sistema feito para garantir a saúde e felicidade de todos, voluntários não faltarão. Quando entendemos o fato de que a grande maioria das ocupações hoje cuida apenas da parte financeira das operações sociais, veríamos que em torno de 70% das profissões não teriam mais sentido em existir. Muitas pessoas teriam o tempo livre e educação necessários para engajarem-se em quaisquer atividades que desejassem. Os trabalhos repetitivos, tediosos e insalubres já podem ser, ou já são, feitos por máquinas.

6. Obsolescência e redução de custos são substituídas por desenho otimizado, com objetivo de máxima eficiência e durabilidade. Durabilidade dos materiais é essencial para sustentabilidade em longo prazo. Atualizações são previstas e incorporadas ao desenho original, lá atrás, ainda no estágio de criação, juntamente com protocolos de reciclagem, redundâncias obrigatórias para sustentabilidade. Quando não pudermos incorporar mais atualizações, recolhemos tudo e reciclamos o máximo possível. É assim que uma economia racional funciona, prevendo e já acomodando o futuro, não correndo atrás do prejuízo, sempre um passo atrás do problema, remediando e remendando, como fazemos hoje.

7. Finalmente, precisamos nos movimentar para longe de um sistema com base em propriedade e nos aproximar mais de um mundo de acesso universal. Propriedade é ineficiente. Faz mesmo sentido, todos os seres humanos do planeta possuindo uma

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coisa de cada? Em um dia que posso ter utilizado meu carro 10% do tempo, não faria sentido esse recurso ter sido alocado para outro usuário enquanto ocioso? Imagine a facilidade de viajar sem bagagens, em um mundo onde o que for necessário é fornecido no local, enquanto viaja? Propriedade não é liberdade como fomos condicionados a pensar. Hoje nossas coisas são nossos “donos”, e trabalhamos por elas. Elas são dispendiosas para manter e simplesmente não fazem sentido do ponto de vista da sustentabilidade. Com tal abordagem, podemos de fato reduzir a produção, enquanto ao mesmo tempo, contra intuitivamente, ampliamos o acesso a esses bens para incluir toda população.

8. O objetivo final: Declarar todos os recursos do planeta, uma herança comum de todos os seres humanos.

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Vamos Construir Ecopolos?

Estamos há muito tempo em decadência. Uma olhada rápida no mundo a nossa volta fornece alguns insights de para onde ele está indo. Se não fizermos nada, nada acontecerá, continuaremos na mesma repetição de problemas sociais e, muito provavelmente, com o agravamento de todos eles a situação pode ficar irreversível. Mesmo que um provável colapso não seja muito grande, pânico pode rapidamente nos fazer cruzar um ponto sem volta. A pobreza dobrou no mundo desde 1970. Se nada for feito, essa tendência irá continuar. O desemprego tecnológico não nos permitirá ter os mesmos níveis de emprego do passado e não veremos uma solução mágica para energias renováveis. Provavelmente a próxima etapa será grande instabilidade civil, algo que já começamos a presenciar em um nível ou outro pelo mundo. Mas dessa vez a revolução não será como as antigas, com pessoas protestando com cartazes na frente de algum edifício público, implorando a alguns milionários por migalhas. Dessa vez a revolução será a criação de um novo modelo que torne o antigo obsoleto e temos que nos dirigir a esse novo paradigma no horizonte o mais rápido possível, nossa sobrevivência depende disso. E acreditamos que até as pessoas mais ricas, as pessoas mais altas na hierarquia do poder vão acordar para essa realidade em breve, à medida que o atual sistema continua a se deteriorar em sua operação, até o ponto de seu inevitável fracasso, pelas suas próprias limitações estruturais. Se você entender esse sistema de mercado pelo que ele realmente é, saberá que ele não pode mais ser ressuscitado a essa altura. E conforme a vida no atual sistema piora, pressões emergem e as alternativas sustentáveis ganham momentum, essa transição ocorrerá por conta própria. A evolução social, no estágio em que se encontra, possui não menos que um câncer chamado sistema monetário, e já passou da hora do sistema imunológico da Terra se erguer para derrubá-lo.

Diante de tudo que foi exposto nesse ensaio, desde as possibilidades técnicas para solucionar as necessidades mais básicas da humanidade até as falhas inerentes de um sistema competitivo voltado ao lucro, é necessário criar um método que opere ainda dentro da realidade que nos encontramos, mas que comece a criar dentro de si uma nova filosofia de vida colaborativa e que funcione muito mais guiado por soluções técnicas que decisões arbitrárias de gestão focadas unicamente em parâmetros financeiros. É como uma bolha saudável que surge dentro de um sistema doente, e ela deve se expandir de modo a ocupar cada vez mais espaço na sociedade, curando muitos problemas que existem no processo. Essa é a intenção dos ecopolos, transicionar a sociedade do atual contexto monetário para uma nova gestão de recursos, pautada por inferência direta das leis naturais do universo.

Na definição mais simples, ecopolos são cidades ecológicas que melhoram a qualidade de vida das pessoas através da cooperação entre elas. É um espaço pra morar, trabalhar, estudar, se divertir e viver bem. Esse conceito vai muito além de condomínios ecológicos que podem existir por aí, uma vez que a finalidade principal não se restringe a moradia. Os ecopolos têm a pretensão e o compromisso de se envolver em todas as áreas da vida humana, seja na alimentação, lazer, cultura, ou na produção de bens e serviços de diversas naturezas e com

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uma economia solidária, uma vez que os benefícios de tais práticas devem retornar aos residentes. Vale lembrar que o conceito também é diferente de ecovilas, pois essas não tem a pretensão de crescer em rede e nem tem a obrigação de seguir parâmetros científicos em sua gestão, razão pela qual boa parcela foi criada por pessoas que buscavam apenas isolarem-se da sociedade para seguir suas vidas de acordo com filosofias místicas ou religiosas. O Ecopolo não segue nenhuma doutrina religiosa, mas seus habitantes são livres para acreditarem no que quiserem. Embora ecovilas sejam criadas com foco ambiental, estas não possuem qualquer obrigação ou compromisso em fornecer sistemas de trabalho a seus habitantes e nem tem o objetivo de crescer e se expandir em novas unidades. Portanto, qualquer iniciativa sustentável que não leve isso em consideração não pode ser chamada de ecopolo.

Em sua essência, os ecopolos apresentam três princípios que regem seu funcionamento: (a) economia de recursos, (b) isonomia social, e (c) democracia direta científica. Todos estes constituem juntos a base para se criar um ambiente saudável e planejado para cuidar das pessoas, sendo que a falta de qualquer um já descaracteriza qualquer iniciativa neste sentido como ecopolo.

(A) Qualquer cidade ecológica deve buscar se organizar e utilizar os recursos da maneira mais eficiente, de modo a produzir mais com menos, e com menor “pegada ecológica” possível. Deste modo, tanto o design das cidades quanto a cadeia produtiva devem estar alinhadas a uma organização inteligente que requer planejamento/testes prévios para fazer uso dos melhores materiais e processos possíveis de acordo com critérios de sustentabilidade e de eficiência. Além da produção, a vida dos moradores deve ser facilitada com inúmeras iniciativas de acesso estratégico dos recursos, que devem prever o máximo de reutilização e reciclagem dos produtos, assim como a prática do compartilhamento de bens e instalações.

(B) Embora os ecopolos tenham toda uma preocupação ambiental, são acima de tudo iniciativas solidárias de caráter humanitário, portanto possuem um compromisso de forma a propiciar um ambiente fraterno que beneficie a todos. Como percebido nas evidências citadas nesse ensaio, menores níveis de desigualdade melhoram inúmeros critérios sociais. Quer dizer, a base de uma comunidade saudável começa se inserindo níveis elevados de isonomia nas relações das pessoas. Quanto mais horizontais forem as relações, maior será a percepção de justiça e de pertença à comunidade, o que automaticamente ajusta o comportamento dos indivíduos em direção ao bem social.

(C) Para conciliar tanto os princípios ambientais e sociais anteriores, é necessário um método eficiente para organizar e gerir a comunidade de acordo com tais parâmetros. A democracia direta ajuda a dar isonomia social por permitir a todos os moradores participarem por igual, garantindo autogestão com horizontalidade nas relações. Porém, a democracia direta conta com o inconveniente de ser baseada em opiniões e crenças pessoais, muitas vezes com base nenhuma na realidade, podendo levar a um desperdício no uso dos recursos. Por isso se usa da ciência como um filtro, de modo que a comunidade decide horizontalmente por democracia direta quais as suas necessidades, sendo que essa decisão será validada por decisões de departamentos técnicos que irão apontar as melhores opções já validadas objetivamente em critérios científicos e que estejam disponíveis dentro do orçamento financeiro da comunidade.

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Como o ecopolo ainda está imerso em uma sociedade regida por critérios financeiros, não há como se desvencilhar completamente do dinheiro. Por mais que se tente produzir ao máximo com os recursos locais, ainda será necessário adquirir matéria-prima de fora, e o comércio será o meio utilizado. Vale lembrar que os ecopolos começam pequenos, serão construídos em terrenos rurais e de início não contarão com tecnologias automatizadas em larga escala, o que irá requerer o uso do dinheiro para muitas atividades internas. Porém, com o tempo as cidades irão se desenvolver e à medida que a rede de pessoas aumenta, várias vantagens nos negócios permitirão não só a comunidade obter os recursos de que precisa mais barato, mas também adquirir tecnologias que beneficiarão a todos os residentes. Assim, por já estar inserido em um sistema já estabelecido e com muitos atributos de autopreservação, não compensa querer romper totalmente com esse modelo, seja porque a população ainda não está preparada e conscientizada para se organizar em uma nova lógica de funcionamento ou porque iria se investir muita energia para pouco resultado. É mais eficiente fazer uma transição gradual, que retira progressivamente as pessoas da dependência das atuais instituições. Portanto, é preciso que a comunidade de cada ecopolo se organize em critérios já existentes no atual sistema, que permita desenvolver suas atividades com todos os princípios já mencionados. Sendo assim, por trás de cada ecopolo é preciso ter uma associação com um regimento próprio garantindo no seu modo de funcionamento a prática da economia de recursos, isonomia social e democracia direta científica. No Brasil, a instituição mais adiantada nesse sentido é a Aliança Luz (ver: http://aliancaluz.wix.com/lightalliance), que está prestes a inaugurar seu primeiro ecopolo.

Ao criar uma associação, as pessoas se organizam para juntas colaborarem de inúmeros meios de forma que os benefícios dessas práticas sejam vantajosos na vida de cada um. Uma dessas vantagens reside no compartilhamento de recursos, já que a associação pode criar lavanderias, almoxarifados, academias, áreas de lazer e cozinhas comunitárias, dentre inúmeros outros recursos e instalações de uso coletivo, já que o uso destes sai mais barato pra comunidade que se cada pessoa tivesse que arcar sozinha (vale lembrar que o compartilhamento é ambientalmente correto, pois com menos recursos se pode satisfazer a necessidade de mais pessoas). Outra vantagem está nas compras coletivas, pois ao se formar uma rede de ecopolos, quanto mais pessoas participarem, maior o poder para se organizem para comprar bens no atacado. Isso garante ganhos de escala, pois quando forem comprar insumos, máquinas e equipamentos (que ainda não consigam produzir por si próprios), irão comprar o que se precisa para várias unidades de uma vez, o que confere a associação mais poderes de barganha e mais descontos. Desse modo, a soma dos benefícios do compartilhamento e das compras coletivas permite uma redução enorme no custo de vida, complementada pelo o design inteligente das cidades. Com a competição alguns poucos ganham, mas com a colaboração, todo mundo ganha.

A associação serve justamente para dar poder e autonomia às comunidades. Com a produção local de alimentos, energia, moradia e itens diversos (algo que ficará cada vez mais frequente com o advento das tecnologias emergentes), a dependência de recursos externos vai diminuir drasticamente, o que propiciará aos residentes bons níveis de conforto moderno sem que tais mordomias extrapolem os limites ambientais. Tendo em vista que a intenção dos ecopolos é maximizar o padrão de vida das pessoas com soluções sustentáveis, certos aspectos como o transporte serão totalmente reformulados. Diferente das cidades atuais, em que um excesso de automóveis individuais lota as ruas engessando o tráfico e gerando prejuízos a todos, nos ecopolos esse desperdício de recursos não ocorre porque todos os transportes que circulam

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em seus domínios serão coletivos. Assim sendo, a economia resultante de um transporte mais fluido e barato acaba gerando benefícios à qualidade de vida de todos que façam parte da comunidade. Esse é mais um exemplo, senão o principal, que prova que o custo de vida simplesmente fica muito menor quando as pessoas cooperam entre si. Combinados todos os fatores, o custo de vida dos ecopolos acaba sendo apenas uma fração do que é atualmente nos grandes centros urbanos. E com um custo de vida tão reduzido, as pessoas podem trabalhar muito menos para se sustentarem, sobrando tempo livre para se dedicarem ao que quiserem.

Vale lembrar que a associação é feita de associados e possui um sistema de trabalho próprio. As pessoas são livres para trabalhar nela ou não, mas quem morar nos ecopolos irá receber inúmeros benefícios da comunidade, como serviços de água, eletricidade, condução. Para custear isso, ou o morador paga a taxa de condomínio (se tiver alguma renda externa) ou então é só trabalhar para a associação (no caso, a cooperativa que pertence a ela). Embora ninguém seja obrigado, quem trabalhar para a associação sempre terá a segurança de ter suas necessidades básicas atendidas. É fácil entender isso, se o ecopolo produz comida, água, moradia e transporte compartilhado em abundância, não há razão alguma para que seus residentes não os recebam. Além disso, outro aspecto em que a associação precisa ser sólida é em relação ao sistema monetário, razão pela qual tanto o transporte como os imóveis (incluindo aí as residências e o terreno) devem pertencer unicamente à associação. Tal ajuste permitirá a continuidade das atividades no ecopolo mesmo que uns poucos desistam por qualquer motivo pessoal. A associação cederá as moradias por comodato, nas quais as pessoas poderão viver o tempo que quiserem, mas caso resolvam sair ou se mudar, a casa será destinada a outros.

Embora imerso em um mundo financeiro, os ecopolos utilizam do seu baixo custo de vida para facilitar as relações comerciais. Como o custo da produção interna é reduzido, fica mais fácil conquistar mercados e ter uma balança financeira positiva no final, com sobras para a associação (lembrando que esta pertence a toda a comunidade que trabalha nela, então todos ganham com isonomia, sem exclusão). Porém, o interessante nos ecopolos é que grande parte das sobras devem ser revertidas não na distribuição por cada trabalhador, mas na melhoria do patrimônio da associação, melhorias estas que retornarão aos moradores na forma de serviços diversos. Quando a associação retém alguma quantidade de dinheiro é para investir em diversas coisas para a própria comunidade, que irão beneficiar a todos, e como faz uma compra coletiva, naturalmente consegue adquirir muito mais recursos a preços menores. Isso facilita um rápido desenvolvimento local e melhoria tanto na qualidade de vida da população como nas atividades comerciais que o ecopolo faz. É claro que ter muito dinheiro no cofre de uma associação exige mecanismos eficientes, por isso a gestão se dá por democracia direta (os associados poderão conferir todos os gastos e opinar por igual em suas utilidades) e a decisão será feita pela ciência (os departamentos técnicos irão analisar quais opções de investimento seriam mais eficientes e trariam maior benefício a todos). Ou seja, o ecopolo é um sistema voluntário que se usa da união coletiva e administração científica para baixar custos, mas com a meta de erodir a necessidade de renda e uso do dinheiro e empregos ao invés de aumentar tais requisitos como as atuais instituições do sistema monetário o fazem unicamente pelo bem do crescimento perpétuo.

No entanto, diferente do sistema monetário, o crescimento dos ecopolos não é predatório, há um plano de implantação e crescimento até certo ponto (em que se começa a comprometer a

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resiliência), e após isso se cria novos ecopolos, sempre limitados aos recursos disponíveis em cada região. Ainda assim, mesmo que cada vez mais pessoas fossem morar lá e que a associação construísse cada vez mais ecopolos, tal crescimento é aparente, pois as pessoas apenas estão se deslocando dos grandes centros urbanos para viver em cidades planejadas que economizam muito mais recursos (especialmente em busca da notável qualidade de vida superior). Portanto, se toda a população passar a habitar ecopolos, cessará a necessidade de crescer e criar novas unidades. Com tanta gente, os ecopolos teriam toda a tecnologia para automatizar virtualmente a esmagadora maioria dos trabalhos repetitivos e desenvolver um sistema de gestão inferindo diretamente dos recursos, sem a interferência do dinheiro ou trocas mercantis no processo. Nesse contexto, o patrimônio das associações teria abrangência global, sendo todos os seus recursos do planeta declarados como herança comum a humanidade, já que as pessoas fariam parte da associação e têm direito ao que é dela.

Essa é a visão ideal que traduziria a transição para uma Economia Baseada em Recursos. É mais provável que na prática sejam criadas diversas associações distintas operando com modelos variados de ecopolos. De todo modo, seja por pressões vindas de dívidas financeiras ou pelo desemprego tecnológico, muitas pessoas acabarão empurradas para se organizar em ecovilas e ecopolos, uma vez que tecnologias como impressoras 3d passarão a permitir inúmeros tipos de produções mesmo nos locais mais remotos. Os terrenos rurais são um terreno fértil para a construção de comunidades, pois são muito mais baratos, o que não significa que irão se restringir a grupos pequenos de pessoas. Afinal, quanto mais a rede for crescendo, mais a associação terá propriedades (recursos materiais), pessoas (recursos humanos e tecnológicos) e renda (recursos financeiros), o que facilitará a construção de ecopolos maiores e mais tecnológicos, como as cidades o que facilitará a construção de ecopolos maiores e mais tecnológicos, como as cidades:

Projeto Vênus (ver: http://thevenusproject.com); Masdar City (ver: http://www.dinheirovivo.pt/Buzz/Artigo/CIECO191203.html); Songdo (ver: http://tecnologia.terra.com.br/cidade-hi-tech-tem-coleta-de-lixo-

automatica-e-reciclagem-de-agua,2a8656db926d0410VgnCLD2000000ec6eb0aRCRD.html).

Quando houver uma boa quantidade de ecopolos desse porte é porque uma parcela considerável da população já estará vivendo sustentavelmente e com tecnologia própria para automatizar bastante a produção. Nesse caso a maior parte dos trabalhos já seria realizada por máquinas, liberando as pessoas para realizar trabalhos de natureza criativa que gostassem. Isso mostra que, mesmo antes de se chegar a economia baseada em recursos, basta alcançar um estágio avançado de ecopolos e de tecnologias livres (open source) que as pessoas poderiam viver praticamente de férias, se dedicando aos seus hobbies oferecendo algumas horas por semana ao sistema que cuida delas. Nesse contexto os conceitos de trabalho e diversão acabariam se confundindo, pois ambos passariam a estar juntos nas mesmas atividades. Diferentemente das empresas no mercado, nos ecopolos todos são associados e estão em pé de igualdade, com isonomia, possuindo os mesmos direitos de trabalhar para a associação. Essa dinâmica de pleno emprego garante aos trabalhadores a liberdade de serem direcionados a outras atividades (que tivessem demandas maiores para a sociedade) quando seus setores forem automatizados. Mas com a rápida evolução tecnológica, é de se esperar que a maior parte dos trabalhos seja rapidamente substituída por máquinas e robôs (ou

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tecnologias de outras naturezas), restando muitos poucos trabalhos para muitas pessoas disponíveis, de modo que basta dividir essas poucas ocupações que todos poderiam trabalhar tão pouco que faz os atuais trabalhadores da atual sociedade mercantil se sentirem escravos. As recentes crises econômicas (financeiras e de desemprego tecnológico) estão empurrando as pessoas para buscar alternativas de vida incomuns como os ecopolos, mas também oferecem dificuldades devido às instabilidades sociais generalizadas que causam. Porém, os ecopolos agem como uma bolha protetora, que cria um ambiente saudável para garantir aos moradores o mínimo de recursos para que possam viver dignamente, elevando a chance de prosperar frente às adversidades. A tendência é de que se multipliquem, somem forças e cresçam juntos, do mesmo jeito que várias bolhas menores vão se fundindo em uma maior, pois mesmo apesar das dificuldades ainda poderiam propiciar melhorias contínuas na qualidade de vida de sua própria população como também acomodar iniciativas de êxodo urbano e aliviar também pressões sociais nas grandes cidades decorrentes da exclusão e desigualdades.

Por mais que a transição seja complicada dentro de um sistema baseado na competição excessiva na busca do lucro, os ecopolos (juntamente com as tecnologias open source) oferecem alternativas para as pessoas migrarem para uma lógica colaborativa, independente e distribuída, que elimina os elementos da violência estrutural do mercado por garantir a todos sua sobrevivência e necessidades básicas atendidas (ninguém mais precisará trabalhar em ocupações inúteis ou degradantes por esses motivos). Assim se constrói um novo caminho, pautado em novos princípios, comportamentos e motivações, que só irá acelerar o processo de transição, superando de vez o maior e mais profundo problema que tem afetado a humanidade, a crise de consciência (que deturpa os valores e ações em prol de futilidades, relegando as preocupações mais essenciais a segundo plano). Portanto, os ecopolos são o futuro da ocupação humana em sociedade no planeta, estão em sintonia com princípios científicos fundamentais que garantem sustentabilidade ambiental e cultural. Essa é a semente que queremos plantar. Resta a nós colaborarmos para esse conceito ganhar força, pois basta ter apoio de apenas uma pequena parcela da população que se conseguirá iniciar projetos de pequena complexidade, os quais irão caminhar com as próprias pernas, estimulando maior interesse e participação social, até evoluir em uma vasta rede que possua ecopolos grandes e complexos. Nesse processo haverá uma mudança profunda não apenas na melhoria da saúde do meio ambiente e da sociedade, mas também a mentalidade das pessoas irá amadurecer decorrente das vivências que terão em um ambiente colaborativo. Haverá muito mais espaço para sentimentos fraternos se manifestarem e serem a base das relações humanas. É nesse processo de evolução dos ecopolos que se constroem as bases da Economia Baseada em Recursos, sejam essas a criação de cidades com infraestrutura e tecnologias avançadas ou a própria mudança de valores humanos num sentido mais solidário e respeitoso com as outras pessoas e o meio ambiente. Só é necessária uma cidade funcionando dentro desses atributos para mostrar o exemplo ao mundo, e uma vez que as pessoas reconhecerem o mérito dessa nova organização social, quando notarem que há uma região totalmente sustentável, fora da rede elétrica, recebendo sua energia do Sol, comida orgânica de qualidade, compartilhando recursos na região de forma simples e eficiente, com um padrão de vida equivalente ou melhor que em cidades apertadas, não planejadas e insalubres, o interesse em volta deste conceito irá crescer. E isso que vale para uma cidade eventualmente valerá para países, e por consequência, todo o mundo.

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Considerações Finais

Como com qualquer coisa dessa brevidade, sofremos de uma incompletude inevitável. Outros fatores, tanto macro como microeconômicos, poderiam ter sido expressos em mais detalhes. No entanto, se a pessoa seguir esta linha básica de pensamento, uma linha de raciocínio regida pela lógica científica para garantir a eficiência física otimizada e sustentabilidade planetária, estes outros parâmetros, inevitavelmente, tornam-se evidentes. Embora muitos acreditem que podemos elaborar nosso futuro através do pensamento, ação, conhecimento e valores de hoje, nada está tão além da verdade especialmente em nosso mundo atual de rápidas mudanças. Uma criança recém-nascida não entra num mundo criado por ela mesma. Cada geração herda os valores, conquistas, esperanças, sucessos e derrotas daquelas que a antecederam, assim como o resultado de suas decisões. Acreditamos que não podemos mudar o ser humano desconsiderando o ambiente, mas sim o contrário, devemos primeiramente desenvolver um ambiente de equilíbrio para termos uma base sólida de saúde pública e altos níveis de felicidade para que todos tenham condições de atingir seu máximo potencial, sem ninguém deixado para trás. Ainda assim, a primeira e mais importante mudança deve ocorrer dentro de nós. Talvez seja o momento de olhar no espelho, livrar-se do ruído materialista e divisório que fomos condicionados a assumir como válido e entendermos onde queremos chegar como espécie.

Muito se fala em ética, moral e justiça. “Não matarás” é um belo lema, mas não parece ter adiantado muito simplesmente dizer isso para as pessoas, tem de haver uma referência sistêmica. Em outras palavras não se pode querer um comportamento na sociedade que não é reforçado, ou facilitado pelo sistema social, se não houver reforços positivos inerentes, não importa quais são seus códigos de conduta, as pessoas continuarão a se desviar em direção ao que funciona, e infelizmente, corrupção, compra de influências, exploração, egoísmo e até certo ponto indiferença são o que funciona num ambiente de mercado. A organização geral da sociedade de hoje é baseada em uma competição humana em muitos níveis: os países competem entre si por recursos físicos/econômicos; as entidades do mercado corporativo competem por lucro/participação de mercado, e os trabalhadores comuns competem por ocupações que proporcionem salários e, portanto, sobrevivência pessoal. Sob a superfície desta ética social competitiva está um desrespeito psicológico básico ao bem-estar alheio e ao habitat. A própria natureza da competição pressupõe levar vantagem sobre os outros por um ganho pessoal, a palavra “negociação” implica esse gesto de disputa, sem dúvida uma mentalidade de guerra (entre seres humanos e o meio ambiente) e, logo, divisão e exploração são atributos fundamentais da ordem social vigente. Praticamente todas as ditas "corrupções", definidas como "crime" no mundo contemporâneo, são baseadas na mesma mentalidade que orienta o "progresso" do mundo através do valor competitivo.

Não é à toa, de fato, dado este quadro e sua crescente miopia, que várias outras divisões sociais, superficiais e nocivas, ainda são perpetradas - tais como raça, religião, credo, classe ou preconceito xenófobo. Essa antiga bagagem de divisão trazida dos estágios de medo da nossa evolução cultural, simplesmente não tem sentido dentro da realidade física e agora serve apenas para impedir o progresso, a segurança e a sustentabilidade.

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Hoje, os possíveis métodos produtores de abundância e eficiência (que poderiam remover a maior parte das privações humanas, aumentar muito o padrão médio de vida, aperfeiçoar a saúde pública e melhorar a sustentabilidade ecológica) são deixados de lado devido às tradições sociais antigas que ainda vigoram, incluindo o conceito de Estado-nação. O fato é que existe tecnicamente apenas uma raça, a Raça Humana; há apenas um único habitat básico, a Terra; e existe apenas uma maneira funcional de pensamento operacional, a científica. Em suma, o resultado deste sistema Econômico Baseado nos Recursos e Lei Natural requer o mesmo tipo de engajamento respeitoso como com qualquer outro sistema natural. Assim como a nossa compreensão da floresta e sua regeneração e da biodiversidade levou a filosofia básica para participar desse ecossistema no que diz respeito às suas vulnerabilidades, garantindo sua integridade em longo prazo, a mesma lógica se aplica a Economia Baseada em Recursos como um todo. Este modelo social é uma tentativa de espelhar o mundo natural, da maneira mais direta possível, e pode ser considerado um "sistema natural" como qualquer outra coisa que encontramos na natureza, como um ecossistema. Será perfeito? Uma Utopia? Não, longe disso, novos problemas sempre existirão, ainda nem começamos a entender nosso lugar no cosmo, solucionar toda gama de doenças, além de aprimorar sempre nosso sistema socioeconômico, sem mencionar, viver a vida. Muitos desafios surgirão, como sempre. Mas a eficiência potencial é muito superior quando comparada ao estado de coisas hoje. Uma Economia de Lei Natural não é o estágio final do progresso humano no planeta, é apenas o próximo passo.

E como não poderia deixar de ser, esta obra e todas as suas fontes é também Open Source, a utilização, reutilização, e divulgação são não somente permitidas, mas encorajadas.

Recomendamos os documentários Zeitgeist Addedum (ver: http://www.youtube.com/watch?v=EewGMBOB4Gg) e Zeitgeist Moving Forward (ver: http://www.youtube.com/watch?v=4Z9WVZddH9w), ambos legendados em português.

Se quiser saber mais sobre uma Economia Baseada em Recursos, e sobre as organizações trabalhando para torná-la uma realidade, visite http://mzbr.com.br/ e http://thevenusproject.com/, para mais informações. Agradecemos por seu tempo.