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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DIOGO LOPES VILELA BERBEL INVALIDEZ ACIDENTÁRIA: DEFINIÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E EFEITOS 2011

INVALIDEZ ACIDENTÁRIA: DEFINIÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E … · 2017-02-22 · DIOGO LOPES VILELA BERBEL INVALIDEZ ACIDENTÁRIA: DEFINIÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E EFEITOS MESTRADO EM

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

DIOGO LOPES VILELA BERBEL

INVALIDEZ ACIDENTÁRIA: DEFINIÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E EFEITOS

2011

DIOGO LOPES VILELA BERBEL

INVALIDEZ ACIDENTÁRIA: DEFINIÇÃO,

CARACTERIZAÇÃO E EFEITOS

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação de mestrado submetida à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito das Relações Sociais, subárea Direito Previdenciário, sobre a orientação do Professor Titular Wagner Balera.

2011

BANCA EXAMINADORA

___________________________

___________________________

___________________________

DEDICATÓRIA

Aos meus sobrinhos, Francisco e Luisa.

AGRADECIMENTO

Professor Wagner Balera;

A um homem nada se pode ensinar. Tudo que se pode fazer é ajudá-lo a se encontrar. Poucas foram as oportunidades que tive para lhe agradecer por tão grandioso trabalho. Obrigado!

RESUMO

Trata-se de dissertação de mestrado que investiga a invalidez acidentária. A investigação inicia-se na análise do contexto previdenciário, que é compreendido como fenômeno inerente à Seguridade Social. Vencida a contextualização da investigação, passa-se a análise do significado do risco social enquanto objeto da proteção previdenciária. Apesar de identificados, a dissertação não analise todos os riscos admitidos pela legislação brasileira. A investigação foca a invalidez e, sobretudo, a invalidez decorrente do acidente do trabalho, da doença profissional e da doença do trabalho. Os conceitos interessantes ao tema são definidos. Nessa etapa verificasse divergência conceitual entre os ramos do direito, que observando princípios próprios firmam definições relativas do fenômeno. Caracterizado o significado da invalidez, a dissertação adentra à seara da sua caracterização; genericamente, identifica-se dois métodos de aferição: i) nexo de causalidade; ii) nexo técnico; enquanto o primeiro verifica a relação de causa e efeito na realidade, o segundo se utiliza da estatística para caracterizar essa vinculação lógica. Antes das conclusões, a invalidez é analisada em face dos seus efeitos, seja no âmbito do direito do trabalho, seja na esfera macro do direito previdenciário. Essa dualidade ratifica a relatividade da definição, porque cada âmbito, sem vinculação, conceitua a invalidez por meio dos seus valores. No final, a dissertação apresenta conclusões pontuais sobre a investigação.

ABSTRACT

It's about a master's thesis which investigates the accidental disability. The investigation begins in the Previdenciary context analysis, which is understood as a phenomenon inherent in Social Security. Once the contextualization of research is won, the second step is to analyse the meaning of the social risk as an object of social welfare protection. Although identified, the paper does not analyze all the risks admitted by Brazilian law. The research focuses on disability and, above all, the disability caused by work accident, occupational disease and work disease. The related concepts to the subject are defined. At this stage, it is verified the conceptual divergence between the branches of law, which noting its own principles establish regarded definitions of the phenomenon. Characterized the meaning of disability, the paper goes into the harvest of its characterization; generally it is identified two methods of measurement: i) casual links; ii) technical connection, while the former checks the relation of cause and effect in reality, the latter uses statistics to characterize this logical connection. Before the conclusions, the disability is analyzed in the light of the its effects, be it under the labor law, be it in the macro social security law. This duality ratifies the relativity of the definition, because each part, without connection, defines disability through its values. In the end, the paper presents specific findings on the investigation.

LISTA DE ABREVIATURAS

ASO Atestado de Saúde Ocupacional

CAT Comunicação de Acidente do Trabalho

CF Constituição Federal

CID Classificação Internacional de Doenças

CNAE Classificação Nacional de Atividades Econômicas.

CNPJ Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas

CNPS Conselho Nacional de Previdência Social

CRPS Conselho de Recursos da Previdência Social

CTN Código Tributário Nacional

EPC Equipamento de Proteção Coletivo

EPI Equipamento de Proteção Individual

FAP Fator Acidentário de Prevenção

FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FUNRURAL Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

GFIP Guia de Fundo de Garantia e Informações à Previdência

Social

IAPI Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários

INPS Instituto Nacional de Previdência Social

INSS Instituto Nacional do Seguro Social

ISSB Instituto dos Serviços Sociais do Brasil

LER Lesão por Esforço Repetitivo

LTCAT Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho

MPS Ministério da Previdência Social

MET Ministério do Trabalho e Emprego

MS Ministério da Saúde

NTEP Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário

PCMSO Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional

PFE Procuradoria Fe12deral Especializada

PNSST Plano Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador

PPRA Programa de Prevenção de Riscos Ambientais

RFB Receita Federal do Brasil – RFB

RGPS Regime Geral de Previdência Social

RPPS Regime Próprio de Previdência Social

SAT Seguro de Acidente de Trabalho

SINPAS Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social

SUS Sistema Único de Saúde

STJ Superior Tribunal de Justiça

STF Supremo Tribunal Federal

SUMARIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 13

2 SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL .............................................................. 16

2.1 SAÚDE .............................................................................................................. 21

2.2 PREVIDÊNCIA ..................................................................................................... 22

2.3 ASSISTÊNCIA SOCIAL .......................................................................................... 24

2.4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SEGURIDADE SOCIAL ........................................ 27

2.4.1 Natureza Jurídica dos Princípios .................................................................. 29

2.4.2 Solidariedade ............................................................................................... 30

2.4.3 Universalidade da Cobertura e do Atendimento ........................................... 31

2.4.4 Seletividade e Distributividade na Prestação dos Benefícios e Serviços ..... 32

2.4.5 Uniformidade e Equivalência - Urbanos e Rurais ......................................... 33

2.4.6 Irredutibilidade do Valor dos Benefícios ....................................................... 35

2.4.7 Equidade na Forma de Participação do Custeio .......................................... 36

2.4.8 Princípio da Contrapartida ............................................................................ 37

3 A PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL ............................................................ 40

3.1 HISTORIOGRAFIA DA PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL .............................................. 42

3.2 EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO INFORTUNÍSTICA ........................................................ 44

4. RISCO SOCIAL ................................................................................................ 49

4.1 INVALIDEZ .......................................................................................................... 50

4.2 ESPÉCIES DE INVALIDEZ ..................................................................................... 54

4.3 INVALIDEZ ACIDENTÁRIA ..................................................................................... 59

4.3.1 Acidente do Trabalho ................................................................................... 59

4.3.2 Doença Profissional...................................................................................... 65

4.3.3 Doença do Trabalho ..................................................................................... 67

4.4 MÉTODOS DE CARACTERIZAÇÃO DA INVALIDEZ ACIDENTÁRIA ................................. 68

4.4.1 Nexo Causal ................................................................................................. 69

4.4.2 Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP ................................. 69

5 EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS DA INVALIDEZ ACIDENTÁRIA ...................... 72

5.1 ENQUADRAMENTO DA ALÍQUOTA SAT .................................................................. 73

5.2 FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO – FAP ....................................................... 77

5.2.1 Metodologia do Fator Acidentário de Prevenção .......................................... 80

5.2.2 O FAP Como Operador da Adequação ........................................................ 83

5.2.3 Hipóteses de majoração e redução da alíquota SAT ................................... 84

5.3 AÇÕES DE REGRESSO ........................................................................................ 84

5.3.1 Inconstitucionalidade do artigo 120 da Lei nº 8.213/91: Desequilíbrio Financeiro

e Atuarial ....................................................................................................... 86

5.3.2 Inconstitucionalidade do artigo 120 da Lei nº 8.213/91: risco protegido pelo

Seguro Acidente de Trabalho – SAT ............................................................ 91

6 EFEITOS TRABALHISTAS DO ACIDENTE DO TRABALHO .......................... 96

6.1 ESTABILIDADE DE EMPREGO ............................................................................... 96

6.2 MANUTENÇÃO DOS DEPÓSITOS PARA O FGTS ..................................................... 99

6.3 INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL ....................................................................... 100

7 DISTINÇÃO ENTRE AUXÍLIO-DOENÇA PREVIDENCIÁRIO E

ACIDENTÁRIO .............................................................................................. 105

7.1 AUXÍLIO-DOENÇA COMUM ................................................................................. 106

7.2 AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO ........................................................................ 109

8 REENQUADRAMENTO DO SAT .................................................................... 112

8.1 INCONSTITUCIONALIDADE DA METODOLOGIA E DA SISTEMÁTICA DOS DECRETOS Nº.

6.042/07 E 6.957/09: DESEQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL ............................. 112

8.2 INCONSTITUCIONALIDADE DA METODOLOGIA E DA SISTEMÁTICA DOS DECRETOS Nº.

6.042/07 E 6.957/09: MOTIVAÇÃO COMO VALOR CONSTITUCIONAL ........................ 115

8.3 LIMITAÇÃO AO PODER DE REGULAMENTAÇÃO: OBSERVÂNCIA ESTRITA DA

LEGALIDADE ...................................................................................................... 121

9 PROCEDIMENTO E PROCESSO ADMINISTRATIVO DE BENEFÍCIO ......... 124

9.1 LEGITIMIDADE DA EMPRESA NO REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO ........................... 125

9.2 EFEITOS DO RECURSO ADMINISTRATIVO ............................................................ 127

10 CONCLUSÃO ................................................................................................ 134

REFERÊNCIAS ................................................................................................... 136

13

1 INTRODUÇÃO

A proteção social conferida aos eventos decorrentes dos riscos

ambientais do trabalho está prevista na Constituição Federal de 1988 - CF88. O

artigo 7° da CF88, ao dispor sobre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,

instituiu, em seu inciso XXVII, fonte de custeio adicional, suportada pelo

empregador, aos benefícios decorrentes do acidente do trabalho, assegurando a

redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio da conjugação de esforços entre

saúde, segurança e higiene do trabalho.

O sistema constitucional compreendeu o acidente do trabalho como

risco social merecedor de proteção específica, vinculando a elevação da chance da

ocorrência do dano, direta ou indiretamente, ao descumprimento das normas

relativas à higiene, saúde e segurança do trabalho.

A fonte de custeio para a cobertura dos eventos decorrentes dos

riscos ambientais do trabalho – acidentes, doenças e aposentadorias especiais –

consiste na tarifação coletiva das empresas, seccionada por estabelecimento

detentor de um Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ próprio, conforme a

atividade preponderante, isto é, a ocupação que agregue o maior número de

empregados e avulsos, excluindo-se, portanto, os contribuintes individuais e

segurados facultativos.

Esse tributo, denominado Seguro de Acidente do Trabalho - SAT, é

identificado a partir da remuneração total paga, devida ou creditada aos segurados

empregados e avulsos, multiplicado por alíquotas de 1%, 2% e 3% (um, dois ou três

por cento), de acordo com riscos da atividade preponderante explorada pela

empresa.

A Lei n. 10.666/03 possibilitou a redução ou majoração do SAT,

recolhido pelas empresas e destinado ao financiamento dos benefícios decorrentes

dos riscos ambientais do trabalho. A Lei n. 10.666/03, em seu artigo 10, prescreveu

que as alíquotas de 1%, 2% e 3% (um, dois, três por centos) poderão variar entre a

14

metade e o dobro, de acordo com a metodologia aprovada pelo Conselho Nacional

de Previdência Social - CNPS.

Trata-se, portanto, da instituição de um Fator Acidentário de

Prevenção – FAP, que é um multiplicador sobre a alíquota de 1%, 2% e 3% (um,

dois, três por centos), variável em um intervalo fechado contínuo de 0,5 a 2,0 e

apurado de acordo com variáveis de frequência, gravidade e custo das ocorrências

acidentárias nas empresas.

O FAP objetiva estimular a melhoria das condições de trabalho e da

saúde do trabalhador, incentivando as empresas a criarem políticas efetivas de

saúde e segurança do trabalho, com o intuito de reduzir os acidentes de trabalho.

Paralelamente ao FAP, o legislador criou o Nexo Técnico

Epidemiológico Previdenciário - NTEP, mecanismo que tem como objetivo de

identificar quais doenças têm relação com a atividade profissional, provocadora da

incapacidade acidentária. Essa avaliação consiste em estabelecer o nexo técnico

entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a

enfermidade, motivadora da incapacidade. A presunção decorre da relação

estatística entre a doença e a atividade econômica praticada pelo empregador do

segurado.

Tal medida se justificou, em síntese, devido à praxe empresarial de

subnotificar os acidentes do trabalho e doenças equiparadas, da ausência de

uniformização e padronização das concessões acidentárias e de propiciar maior

segurança jurídica à relação previdenciária, em razão do menor grau de

manipulação das informações.

O escopo do estudo consiste na compreensão analítica da invalidez

acidentária, partindo-se de uma interpretação sistemática e teleológica da norma

jurídica previdenciária.

Para alcançar o intuito deste trabalho, a metodologia utilizada

embasou-se em um estudo bibliográfico, com aprofundamento em pesquisas

15

doutrinárias e jurisprudenciais, explicando e determinando sua abrangência, bem

como compreendendo sua respectiva problemática. Deste modo, utilizando-se de

um método lógico-dedutivo, foram coletados documentos, tais como textos,

doutrinas, jurisprudências e publicações, passando-se, em seguida, à produção de

fichamentos, documentos e leitura, a fim de iniciar a organização e montagem do

trabalho.

O trabalho estrutura-se em dez capítulos. No entanto, por meio do

método de pesquisa utilizado, julgamos ser necessária a separação da literatura em

três grandes temas: (i) Seguridade Social; (ii) Invalidez; (iii) Efeitos da Invalidez.

De início, almejamos abordar os aspectos inerentes ao Sistema da

Seguridade Social, descrevendo seus repertórios e estruturas: Saúde, Assistência e

Previdência Social. Em seguida, passamos a expor uma breve historiografia da

proteção social no Brasil, como forma de contextualizar o tema, encerrando a

primeira parte com uma explanação sobre os mais significativos princípios

constitucionais da Seguridade Social brasileira.

Na sequência, analisamos os métodos de caracterização da

invalidez (nexo causal/nexo técnico epidemiológico) e espécies de invalidez

acidentária (acidente do trabalho, doença profissional e doença do trabalho),

debatendo com a doutrina acerca das conclusões.

Por fim, fizemos um estudo mais aprofundado das espécies de

invalidez acidentária, passando a analisar/diferenciar o acidente do trabalho, doença

profissional e doença do trabalho. Objetivamos abordar sobre os efeitos da invalidez

no sistema de seguridade social, por meio de seu operador (Instituto Nacional do

Seguro Social - INSS), assim como no âmbito trabalhista e custeio da seguridade

social.

Ao final da dissertação, e baseando-se na exploração da literatura

pesquisada, concluímos nosso objeto de estudo de modo objetivo e sucinto.

16

2 SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL

Até a promulgação da CF88, a Seguridade Social não se encontrava

sistematizada. As ações de saúde, previdência e assistência social conviviam sem

conexão constitucional, embora estruturadas sobre o Sistema Nacional de

Previdência e Assistência Social - SINPAS. A sistematização iniciada pelo SINPAS

foi constitucionalizada na CF88, que aglomerou, sob um mesmo contexto, a

previdência, a saúde e a assistência social.

O novo contexto jurídico, encabeçado pelo artigo 194 da CF88

enuncia que ―a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de

iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos

relativos à saúde, à previdência e à assistência social‖.

Essa união não foi meramente formal. As políticas de previdência,

assistência e saúde, antes descoordenadas, passaram a ser costuradas

paralelamente. Ademais, os orçamentos, antes individualizados, foram juntados,

descaracterizando a destinação específica verificada no SINPAS.

No sistema europeu, a Seguridade Social constitui uma realidade

coletivamente assumida, que permanece indiscutível, para além de todas as

controvérsias. Seu principal objetivo é a de assegurar de forma organizada a

proteção dos cidadãos contra determinados riscos sociais, pois os efeitos desses

riscos não interessam apenas individualmente às pessoas, mas também à

sociedade em geral.

A sistematização constitucional da Seguridade Social não reduziu a

importância das formas privadas de proteção. Pelo contrário, as formas privadas de

proteção social foram absorvidas pela Seguridade Social, agindo em paralelo ou

como pressuposto da proteção social pública.

O privado não se manifesta apenas na previdência. Existem também

formas privadas de saúde e de assistência. Neste caso, a inexistência de proteção

privada é condição à assistência pública, pois um dos pressupostos para a

17

concessão do benefício de prestação continuada da assistência social é a ausência

de capacidade econômica da família (proteção privada) na manutenção do indivíduo

acidentado.

Em princípio, podemos conceituar o Sistema da Seguridade Social

como um conjunto de regras e princípios devidamente organizados, no intuito de

promover a proteção social. Apesar de se interessar pela proteção plena, a

Seguridade Social limita suas ações aos riscos sociais enunciados na CF88. Essa

limitação não é estática; desde que existam recursos financeiros para a expansão,

novos riscos sociais podem ser absorvidos pela Seguridade Social.

José Manuel Almansa Pastor1 define a Seguridade Social como um

instrumento estatal específico, protetor de necessidades sociais, individuais e

coletivas, a cuja proteção preventiva e reparadora têm direito os indivíduos, na

extensão, nos limites e nas condições dispostos pelas normas e conforme a

organização financeira permitida.

1 PASTOR, José Manuel Almansa. Derecho de La Seguridade Social. In: HORVATH JUNIOR,

Miguel. Direito Previdenciário, p.103.

Espécie Classe Gênero

Seguridade Social

Previdência

Privada

Social

Saúde

Privada

Social

Assistência

Privada

Social

18

Já Wagner Balera2 conceitua a Seguridade Social afirmando que ela

é o conjunto de medidas constitucionais de proteção dos direitos individuais e

coletivos concernentes à Saúde, à Previdência e à Assistência Sociais.

Para Ilídio das Neves3, os regimes de segurança social têm dois

grandes objetivos, que correspondem, respectivamente, aos regimes contributivos e

aos não contributivos. Por um lado, é assegurada a proteção dos trabalhadores e

suas famílias nas situações de riscos sociais (doença, desemprego, morte, etc...).

Visa-se aqui a garantia de rendimentos de substituição. Por outro lado, é assegurada

a proteção das pessoas que se encontram em situação de carência econômica.

Neste caso, visa-se a garantia de rendimentos mínimos, numa base de

solidariedade.

Diante destas considerações, a ação social visa a prevenção de

situações de carência, disfunção e exclusão social, em especial a grupos mais

vulneráveis às rupturas sócio-familiares.

Neves enuncia três pilares que estruturam o sistema da seguridade

social: o aparelho social, o aparelho financeiro e o aparelho gestionário. No entanto,

defende que o mais importante é o ordenamento jurídico, já que toda a proteção

social baseia-se em direito e garantidos aos cidadãos.

O aparelho social consiste naquele que define os objetos, os

princípios orientadores e as medidas políticas adequadas para a caracterização dos

direitos do sistema de segurança social.

Em segundo lugar, há o aparelho financeiro, ou seja, os meios

financeiros necessários, recolhidos para a aplicação de determinadas técnicas de

captação de receitas, em que constitui ponto fundamental a corresponsabilidade

financeira dos benefícios.

2 BALERA, Wagner, Seguridade Social na Constituição Federal de 1988, p.34.

3 NEVES, Ilídio das. Direito da segurança social: princípios fundamentais numa prospectiva. Coimbra: Coimbra. 1996.

19

Por último, há o aparelho gestionário, que se funda no conjunto das

instituições e da sua atividade administrativa, com as quais os beneficiários, os

contribuintes e os cidadãos estabelecem vínculos jurídicos de direito e obrigações.

Sobre o sentido provável da proteção social, na medida em que lhe

fixa os limites e contornos, Wagner Balera4 afirma que ―o Sistema deverá atuar, na

desordem social que o constituinte identifica e reconhece, a fim de conformá-la em

plano superior‖.

Dentre os objetivos do direito, encontramos o poder de atuar no

intuito de transformar as realidades encontradas na vida das comunidades. Tais

realidades revelam, no mundo da seguridade social, situações de necessidade nas

quais os sujeitos se encontram à espera de proteção.

A existência do sistema somente se justifica na medida em que sua

permanente e concreta atuação na vida social faz acontecer o objetivo de

cumprimento de determinada lei. Em se tratando do Sistema Nacional de

Seguridade Social, essa coação pode ser encontrada na mais eminente diretriz no

parágrafo único, inciso I, do artigo 194 de nossa Carta Magna: a ‗universalidade da

cobertura e do atendimento‘. Por tais razões, as finalidades da Ordem Social, sejam

elas o bem-estar e justiças sociais, serão alcançadas por meio da universalização

dos planos de proteção.

A Seguridade Social é o conjunto de meios que a sociedade usufrui

como forma de atingir uma proteção social plena. Assim, a ordem constitucional

brasileira não abrangeu sua plenitude na medida em que abarcou as proteções

relativas somente à saúde, previdência e assistência social. Limitando ainda mais as

ações, relativas a essas áreas, a determinados indivíduos.

A limitação atribuída à previdência é evidente. Suas ações atingem

somente seus segurados e dependentes. Na saúde e na assistência a limitação é

4 BALERA, Wagner. Sistema de seguridade social. 2º edição. São Paulo: Editora: LTr. 2002, pág.

12.

20

mascarada pela incorreta utilização do princípio da universalidade. Nem todos têm

direito à saúde ou assistência, mas somente aqueles que delas necessitarem.

A universalidade age na identificação do possível beneficiário da

saúde e da assistência. Essa universalidade, no entanto, é limitada na prática pela

seletividade e distributividade, que identificam entre os possíveis beneficiários

aqueles que realmente precisam das ações de saúde e de assistência.

No âmbito da justiça social, no qual se encontra a garantia de uma

vida digna ao ser humano, o sistema age como organismo que, ao especificar as

necessidades de proteção dos seres humanos, busca satisfazê-las juntamente.

Nesta linha, a Seguridade Social constitui ações de saúde,

previdência e assistência, sendo que as duas primeiras cumprem seu papel de

prevenção aos infortúnios da vida, e esta última atua no sentido de remediação às

carências vitais do cidadão. O sistema da seguridade social faz acontecer, do ponto

de vida jurídica, a justiça social, protegendo tanto trabalhadores, seus primitivos

destinatários, quanto os financeiramente mais necessitados.

Podemos inferir que a Seguridade Social é um sistema de proteção

social que, além de público e obrigatório, é privado e facultativo. Absolutamente

fundamental às políticas, tanto nos estados industrializados como dos países em

desenvolvimento, a conjunção desses fatores melhoram a eficácia do sistema. A

defesa contra eventuais riscos sociais não pode ser considerada uma questão

individual, que cada cidadão deva resolver de forma isolada, mas também não pode

ser considerada uma questão homogênea, que importa de igual modo a todos os

sujeitos.

Desta forma, é necessário tornar o sistema da Seguridade Social

conhecido de modo adequado, nos seus princípios e objetivos, bem como nas suas

técnicas e formas de intervenção social, como forma de propiciar cada vez mais uma

efetiva prestação e cobertura.

21

2.1 SAÚDE

A CF88, entre os artigos 196 e 200, regulamenta a saúde,

enunciando-a como ―direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante

políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros

agravos e ao acesso universal e igualitário a ações e serviços para sua promoção,

proteção e recuperação‖.

Da mesma forma que a assistência social, a prestação dos serviços

de saúde não exige contribuições específicas, como aponta Fábio Zambitte Ibrahim:

―A saúde é segmento autônomo da seguridade social, com organização distinta. Tem o escopo mais amplo de todos os ramos protetivos, já que não possui restrita à sua clientela protegida – qualquer pessoa tem direito ao atendimento providenciado pelo Estado – e, ainda, não necessita de comprovação de contribuição do beneficiário direto.‖

5

O Sistema único de Saúde - SUS atenderá e remediará a todos que

dele necessitar, assumindo como diretrizes a descentralização administrativa, a

integralidade do atendimento e a participação da comunidade.

No que diz respeito ao atendimento integral, este sistema deverá

priorizar as atividades preventivas, buscando evitar os riscos à saúde, por intermédio

de programas e campanhas de atuação e conscientização sociais em relação a

evitar riscos e enfermidades.

Além de sua função prioritária de prevenção, o SUS deverá voltar-se

ao atendimento curativo, aquele que deverá ser realizado posteriormente ao evento

danoso à saúde. Em outras palavras, prestará tratamentos e recuperação de

enfermos, conforme vem expresso em previsão constitucional, como necessidade de

prestação de serviços assistenciais.

5 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 12º edição. Rio de Janeiro: Editora:

Impetus, 2008. pág. 6.

22

A participação da sociedade pode também ser considerada como

uma importante diretriz deste sistema de saúde, pois por intermédio de sua

cooperação e adesão aos programas e campanhas preventivas de saúde, como com

efetiva prestação complementar do serviço de saúde, colaboram para a manutenção

deste instituto.

O artigo 199 da CF88 estabelece que a prestação da saúde poderá

ser de livre iniciativa privada. A forma privada de proteção social não concorre com a

social; há coexistência entre elas, principalmente porque ao se filiar ao regime

privado de saúde o sujeito não renúncia à forma social. A saúde privada é uma

opção constitucional conferida ao sujeito que, disposto aos custos, contrata proteção

específica, sem abandonar aquela atribuída ao Estado.

2.2 PREVIDÊNCIA

A previdência é técnica de Seguridade Social; age semelhantemente

ao seguro, concedendo prestação diante da ocorrência do risco social. Enquanto a

forma social impõe a filiação, a espécie privada de previdência faculta a vinculação a

quem se interessar. A condição de segurado da previdência social é uma situação

jurídica, adquirida independentemente da vontade ou do interesse do segurado.

Fábio Lopes Vilela Berbel, diz que:

―A previdência para ser social tem que estabelecer filiação obrigatória, determinando, através de norma jurídica, a condição de filiado a todo o sujeito abstrato, independentemente da natureza da contingência que está protegido.‖

6

Destarte, a vinculação obrigatória é requisito fundamental à

socialização da previdência social. A obrigatoriedade na filiação é importante para

combater o descaso com o futuro, principalmente dos cidadãos dos países em

desenvolvimento, que diante das dificuldades presentes não planejam formas para

combater os problemas futuros.

6 BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Teoria geral da previdência social. São Paulo: Editora: Quartier

Latin, 2005, pág. 130.

23

Outro elemento caracterizador da previdência social é o

financiamento tripartite, ou seja, o custeio desta proteção tem de se dar por meio de

três fontes: por cota dos segurados, por cota dos empresários e por subsídios da

sociedade, na pessoa do Estado. A socialização no ramo da previdência será vista

quando contar com a participação simultânea destes agentes, ou seja, o provável

beneficiário (segurado), o gerador do infortúnio (empregador) e a parcela inserida

neste arcabouço de proteção (a sociedade).

Conforme o exposto, a previdência social é, antes de tudo, uma

forma de proteção que resulta da ação entre o Poder público e os demais indivíduos

sociais. A previdência, copiando a técnica do seguro, age sobre o risco social,

sobretudo daqueles comuns à vida. Nesta linha, Fabio Zambitte Ibrahim confirma

que:

―[...] A previdência social é técnica protetiva mais evoluída que os antigos seguros sociais, devido à maior abrangência de proteção e a flexibilização da correspectividade individual entre contribuição e benefício. A solidariedade é mais forte nos sistemas atuais. A seguridade social, como última etapa ainda a ser plenamente alcançada, abrangendo a previdência social, busca a proteção máxima, a ser implementada de acordo com as possibilidades orçamentárias.‖

7

Os riscos sociais cobertos pelos regimes de previdência são os

infortúnios da vida a que qualquer pessoa está exposta, como risco de doença ou

acidente, tanto quanto eventos que podem ser previstos, como a idade avançada;

são geradores de impedimento para o segurado providenciar sua manutenção.

Wagner Balera conceitua a previdência social como:

―[...] uma técnica de proteção que depende da articulação entre o Poder Público e os demais atores social. Estabelece diversas formas de seguro, para o qual ordinariamente contribuem os trabalhadores, o patronato e o Estado e mediante o qual se intenta reduzir ao

7 IBRAHIM, op. cit., pág. 6.

24

mínimo os riscos sociais, notadamente os mais graves: doença, velhice, invalidez, acidentes no trabalho e desemprego.‖

8

Diferentemente da assistência, a previdência não exige a

materialização dos efeitos do risco social. Sua ação se dá no exato momento que

essa necessidade, absolutamente presumida na norma jurídica, atingiria o segurado,

privando-o dos meios financeiros necessários à manutenção da sua dignidade.

2.3 ASSISTÊNCIA SOCIAL

Em alguns aspectos, a assistência se assemelha com a previdência

Social, pois ambas são formas de proteção. No entanto, sua mais importante função

é sua ação remediadora, pois esta será acionada após a consolidação da

contingência que vier a atingir o indivíduo, ou seja, a indigência. Ratificando, Wagner

Balera9 assinala que ―a assistência pública veio a ser a fórmula encontrada pelo

legislador para modelar – com o instrumental jurídico - pela primeira vez, a questão

social‖.

Os objetivos da assistência social estão previstos nos incisos do

artigo 203 da nossa Constituição Federal, sendo eles a proteção à família, à

maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e

adolescentes pecuniariamente desfavorecidos; a promoção da integração ao

mercado de trabalho; a habitação e reabilitação das pessoas portadoras de

8 BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. Editora: Quartier Latin, 2004. pág. 49.

9 BALERA, op. cit.. pág. 45. 2002.

Previdência Necessidade

decorrente do risco social

Assistência

25

deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária, bem como a garantia

de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao

idoso que comprovem não possuírem meios de proverem a própria manutenção ou

de tê-la provida por sua família.

Diferentemente do instituto da previdência em que os benefícios

serão destinados a quem somente implementar os requisitos exigidos em lei,

segundo previsão do referido artigo 203, da Constituição Federal, a assistência

social é uma forma de proteção social prestada a quem dela necessitar, não

dependendo para tanto filiação ou contribuições. É importante assinalar que não

podem ser confundidos os benefícios decorrentes da assistência social com os de

previdência social, em que pese por algumas vezes coincidirem os riscos sociais

acobertados por ambos.

Bem delineada em nosso texto constitucional, a diferença entre a

assistência e a previdência social já era enunciada por Cesarino Junior10, quando

considerava a existência de um ramo da ciência jurídica que viria a ser denominado

de Direito Assistencial, o qual seria parte do Direito Social, e seu objetivo maior seria

a satisfação das necessidades urgentes do ser humano, sem que para isso fosse

exigida uma contraprestação pecuniária.

Este mesmo autor ainda considerava a existência de duas

modalidades de assistência: pública e privada. Afirmava que ao direito de

subsistência, inerente aos necessitados, haveria um dever da coletividade em

auxiliá-los. Tal dever, em relação aos indivíduos que compõem o grupo social,

considerar-se-ia como um dever moral, derivando daí a chamada assistência

privada. Sob o ponto de vista do dever do Estado prestar a mesma assistência,

deveria ele ser considerado como um dever jurídico, o que lhe daria a obrigação de

assistência pública.

Tanto a assistência como a previdência social são formas de

proteção social. Por sua vez, a previdência social, derivada dos seguros privados,

10

CESARINO JUNIOR. A. F. Direito social brasileiro. 6. edição. São Paulo: Editora: Saraiva, 1970, pág. 94. v. 1

26

exige necessariamente que o benefício almejado corresponda a determinada

contribuição vertida.

A previdência social, na condição de seguro, apresentava-se como

instrumento de segurança destinada a determinado grupo, tendo em vista ser um

sistema seletivo e monetariamente caro para sua manutenção, em especial pela

busca de lucro das entidades privadas que os mantinham. Com isso, a filiação era

facultativa, enquadrando-se na proteção apenas os que assim o desejassem e

tivessem condições financeiras para tanto.

Assim sendo, Nilson Martins Lopes Júnior afirma que:

―[...] A partir do momento em que o Estado passa a intervir na atividade de proteção social, ampliando o sistema para abranger o maior número de beneficiários possível, bem como pondo a baixo o valor dos prêmios, torna-se necessário buscar uma forma de compensação para o barateamento da participação do beneficiário no custeio da previdência social, o que se faz mediante a imposição da filiação obrigatória de todos os trabalhadores. Incluindo até mesmo aqueles que aparentemente não necessitariam de qualquer auxílio do Estado.‖ 11

Não se pode restringir a diferenciação da assistência e a previdência

social somente em seu caráter contributivo ou não. Aliás, discordamos desta forma

de diferenciação, vejamos.

Para Ilídio das Neves12, a proteção social conferida no âmbito do

sistema da Seguridade Social pode ser preventiva, reparadora ou recuperadora das

indigências que podem vir a atingir o indivíduo resgatando sua dignidade. É desta

forma, um modo de proteção social que previne ou cura a enfermidade social.

Em se tratando do propósito de prevenir, o sistema de Seguridade

Social age por intermédio de ações de saúde, prevenindo por métodos sanitários as

indigências sociais. Sabe-se que a proteção oportunizada pela Seguridade Social

abrange aspectos morais, espirituais e materiais. Desta forma, nos restringindo ao

11

LOPES JÚNIOR, Nilson Martins. Direito previdenciário: custeio e benefícios. 2o. edição. São Paulo: Rideel, 2009, p. 54- 55.

12 NEVES, op. cit., pág. 50, 64.

27

campo do problema econômico, o sujeito desta proteção é o detentor de capacidade

de trabalho, tendo em vista que a prevenção incidirá sobre este aspecto, não

permitindo que ele se extinga.

No que diz respeito à reparação, esta será mantida pela previdência

social, pois nesta, em regra, não há indigência concreta. Fábio Berbel13 manifesta

seu entendimento afirmando que ‗o sujeito jurídico desta relação é o detentor de

capacidade laboral que se encontra à margem da indigência social‘, em outras

palavras, que está acometido de contingência social.

Por seu turno, as ações de recuperação serão desenvolvidas pelo

prisma assistencial. Diferentemente da previdência e da saúde, a assistência social,

atua após a concretização da necessidade social, tendo em vista que o indivíduo

hipotético dessa ação é aquele que se encontra em estado de indigência social.

Para este campo, é indiferente a capacidade para o trabalho do indigente, pois o

elemento essencial para sua caracterização é a miserabilidade que pode ser

entendida como a cumulação entre a impossibilidade de trabalho e a indigência.

Diante do exposto, a assistência e a previdência social diferenciam-

se entre si pelo modo de ação. Conclui-se que a primeira remedia a indigência

social, ao tempo que a segunda previne essa provável situação. Assim, afirmamos e

defendemos que esta seria a mais eminente diferença, sendo, deste modo,

equivocadas demais defesas quanto à gratuidade ou não dos benefícios. Isto se

ratifica pelo fato de o critério contributivo não poder ser o elemento caracterizador do

sistema previdenciário.

2.4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SEGURIDADE SOCIAL

Em 05 de outubro de 1988 foi promulgada a atual Constituição da

República Federativa do Brasil, que trouxe consigo, desde logo, em seu artigo 1º,

como fundamentos, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho,

dentre outros.

13

BERBEL, op. cit., p. 140.

28

Em se tratando do Título VII da Ordem Social, o artigo 193

estabelece que a ordem social tem, como base, o primado do trabalho e, como

objetivo, o bem-estar e as justiças sociais. Já o Capítulo II, deste mesmo Título,

passa então a tratar em específico de um tema que passou a figurar em nosso

ordenamento apenas a partir de 1988: a Seguridade Social.

Deste modo, trata-se de denominação genérica que abarca todos os

aspectos da proteção social, objetivando abranger preventivamente e curativamente

todas as formas de risco e de proteção contra os infortúnios da vida.

As disposições gerais a respeito da seguridade social cuidam de

estabelecer também os objetivos em que se baseiam sua disposição, sendo eles:

Universalidade de cobertura e do atendimento;

Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às

populações urbanas e rurais;

Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e

serviços;

Irredutibilidade do valor dos benefícios;

Equidade na forma de participação no custeio;

Diversidade da base de financiamento;

Caráter democrático e descentralizado da administração, mediante

gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos

empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos

colegiados.

Esses princípios, com maior ou menor intensidade, atingem ao

Sistema de Seguridade Social. Não obstante, existem princípios, oriundo do seguro

29

e do mutualismo, que interessam apenas à previdência. Existem outros, porém, que

atingem somente a assistência e a saúde, porque interessantes aos respectivos

modelos de atuação.

2.4.1 Natureza Jurídica dos Princípios

Não há como determinar a verdadeira natureza jurídica dos

princípios. Isso acontece porque eles podem, constantemente, modificar de função,

posição e características, conforme sua própria natureza. A referência aos princípios

como fontes formais de aplicação, integração ou interpretação do Direito, nem

sempre tem sido própria na prática regular.

Tendo em vista ser o campo do Direito Social extremamente

mutável, a utilização dos princípios deve ser regida com certa cautela, pois estes

podem desenvolver-se com uma grande rapidez vinda a gerar diversas

interpretações e podendo ser frágeis pela dinâmica social do trabalho.

Ao considerar que os princípios representam a consciência jurídica

do Direito, Wladimir Novaes Martinez sustenta que os princípios:

[...] Podem ser concebidos pela mente do cientista social ou medrar no trato diário da aplicação da norma jurídica. Criados artificialmente, não devem descurar de sua parte, razões mais elevadas, diretrizes ainda mais altas, os valores eternos da civilização, entre os quais avultam os postulados fundamentais da liberdade, o primado dos direitos humanos, o dogma da responsabilidade social e os preceitos de igualdade, equidade e legalidade.

14

Por este ensinamento, os princípios devem cumprir sua função de

prestar serviços, ser capazes de aplicação, possuírem utilidade, não podendo, de

forma alguma, serem utilizados como meros conselheiros. Devem ser preservados,

enriquecidos e utilizados. Cada um deles possui funções e campo de atuações

específicas, e hierarquizá-los pode ser impossível, tendo em vista sua natureza de

14

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 4º edição. São Paulo: Editora: LTr, 2001.

30

norte primordial. Os princípios devem ter eficácia. A utilidade é indispensável para

sua razão de ser.

Os princípios a seguir são pertinentes à previdência social; não há

exclusividade, porque podem atingir outras esferas da Seguridade Social. O rol não

é exaustivo, porque isso seria impossível. Sua sistematização tem o intuito de

demonstrar a existência e a autonomia deste ramo jurídico.

2.4.2 Solidariedade

A solidariedade significa união de pessoas em grupos, contribuindo

conjuntamente para a sustentação econômica de sujeitos em sociedade,

individualmente apreciados e, em dado momento, também poderão contribuir ou não

para a manutenção de outras pessoas. Wladimir Novaes Martinez15 ensina que ―no

momento da contribuição, é a sociedade quem contribui; no instante da percepção

da prestação, é o ser humano a usufruir‖.

Deste modo, embora no ato da contribuição seja possível

individualizar o contribuinte, não é possível vincular cada uma das contribuições a

cada um dos beneficiários, pois há um fundo anônimo de recursos e um número

determinável de beneficiários.

Este princípio da solidariedade é a justificativa para a

obrigatoriedade do sistema previdenciário, pois é por intermédio dele que os

indivíduos que exercem atividade profissional são obrigados a contribuir. A

contribuição individual, nesse contexto, é indispensável para que toda a rede de

proteção possa ser mantida, e não para a tutela do indivíduo isoladamente.

Por fim, a solidariedade é pressuposto para a ação cooperativa da

sociedade, sendo condição fundamental para que o bem-estar seja materializado,

objetivando a redução das desigualdades sociais. Assim sendo, o princípio da

solidariedade vai além dos tradicionais ideais do seguro social, não se restringindo

15

Ibidem.

31

apenas na manutenção do sistema, mas colabora também para que os objetivos da

Constituição Federal sejam mais efetivamente alcançados.

2.4.3 Universalidade da Cobertura e do Atendimento

A previsão da universalidade da cobertura e do atendimento refere-

se à indispensabilidade de serem instituídos em lei planos para objetivam sempre a

cobertura ampla e irrestrita de todos os riscos sociais previstos na Constituição

Federal. Não deixando de lado, evidentemente, os que venham a ser reconhecidos

da esfera infraconstitucional.

Nesse sentido, este princípio prevê que qualquer indivíduo tem a

possibilidade de participar da proteção social arcada financeiramente pelo Estado.

Conforme anteriormente comentado, na saúde e na assistência esta previsão é

regra, e será prestada a todos, sem exceção.

Porém, quanto à previdência social, tendo em vista seu caráter

contributivo é, em princípio, restrita aos que exercem atividade profissional. No

entanto, para que a norma constitucional seja respeitada na sua integralidade, a

previdência criou a modalidade de inserção no sistema como segurado facultativo.

Alguns doutrinadores fazem uma divisão deste princípio em duas

dimensões, como é o caso de Wagner Balera e Fábio Zambitte Ibrahim que

defendem, respectivamente:

―[...] a diretriz em questão possui uma dupla significação. De um lado, ela se refere ao elenco de prestações que serão fornecidas pelo sistema de seguridade. De outro, aos sujeitos protegidos.‖

16

[...] Este princípio possui duas dimensões objetiva e subjetiva, sendo a primeira voltada a alcançar todos os riscos sociais que possam gerar o estado de necessidade (universalidade de cobertura),

16

BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 83.

32

enquanto a segundo busca tutelar toda a pessoa pertencente ao sistema protetivo (universalidade de atendimento).

17

Por fim, cumpre afirmar que a universalidade de cobertura e

atendimento é inerente a um Sistema de Seguridade Social, já que todas as causas

sociais, relacionadas à área da seguridade são atendidas. Este princípio somente se

faz realizável se os recursos financeiros são possíveis. Assim, realça-se a

interrelação entre os princípios, com destaque para com o da participação no

custeio, pois a universalidade será atendida se as condições pecuniárias do sistema

permitirem.

2.4.4 Seletividade e Distributividade na Prestação dos Benefícios e Serviços

Tendo em vista serem os direitos sociais considerados como direitos

positivos, ou seja, aqueles que demandam determinada ação do governo, acabam

gerando um maior custo para o Estado. Deste modo, com o crescimento destas

obrigações positivas, evidencia-se o princípio da Reserva do Possível, que limita a

atuação estatal em suas possibilidades orçamentárias.

Neste sentido, surge o princípio da seletividade, que impõe a

concessão e manutenção das prestações sociais mais relevantes, sem deixar de

levar em consideração os objetivos do bem-estar e justiça social previstos em nossa

Constituição Federal.

Segundo ensina Balera18, a seletividade atua na delimitação do rol

de prestações, ou seja, na escolha dos benefícios e serviços a serem mantidos pela

Seguridade Social, enquanto a distributividade direciona a atuação do sistema de

proteção para as pessoas com maior necessidade, definindo o grau de proteção.

A seletividade na prestação dos benefícios e serviços refere-se à

necessária seleção dos riscos sociais a serem cobertos pelo sistema de seguridade

social. Assim, o princípio da seletividade pressupõe que os benefícios são

17

IBRAHIM, op. cit., p. 56. 18

BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004.

33

concedidos a quem deles efetivamente necessite, razão pela qual a Seguridade

Social deve apontar os requisitos para a sua concessão de benefícios e serviços.

A distributividade na prestação dos benefícios e serviços, por sua

vez, consiste na enumeração daquelas pessoas que podem ser beneficiadas por tal

proteção. No entanto, não se trata de regra de exclusão de direitos, mas tão-

somente de distribuição de justiça social, segundo a qual, por exemplo, o direito à

saúde deve ser colocado a favor de todos, enquanto a aposentadoria somente pode

ser distribuída aos segurados do regime de previdência social, uma vez que é

necessária a existência de prévia contribuição.

2.4.5 Uniformidade e Equivalência - Urbanos e Rurais

Até o advento da CF88, o trabalhador rural tinha tratamento

diferenciado em relação ao urbano. Enquanto aos trabalhadores urbanos o

ordenamento jurídico reservava uma ampla proteção social, aos trabalhadores rurais

era reservada uma tímida ação de assistência.

Essa estrutura, justificada na incapacidade dos trabalhadores rurais

equilibrarem financeiramente um sistema amplo de proteção social, foi derrubada

pela CF88, que, observando a diretriz da isonomia, igualou em todos os âmbitos dos

trabalhadores rurais aos urbanos. A intenção do constituinte nessa igualdade se

comprova na redundância dos dispositivos; o princípio da isonomia é reiterado em

várias oportunidades.

Sobre o principio Miguel Horvath Junior comenta:

―Com a regulamentação da CF/88 através das Leis nº 8.212/91 e 8.213/91, temos apenas uma previdência social que abrange as populações urbanas e rurais. A intenção constitucional é a eliminação completa de qualquer discriminação entre estas duas populações.‖

19

19

HORVATH JUNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 5a. edição. São Paulo. 2005. pág 53.

34

Podemos dizer que neste princípio aplicam-se conjuntamente os

princípios da solidariedade e da igualdade. O primeiro pelo fato de que os

trabalhadores urbanos auxiliam no custeio dos benefícios rurais e vice-versa. Já no

princípio da isonomia, a igualdade material determina parcelas de diferenciação

entre os segurados urbanos e rurais, na medida em que a própria CF88, em seu

artigo 195, §8º, prevê contribuições diferenciadas para o pequeno produtor rural.

Nílson Martins Lopes Júnior ratifica a assertiva afirmando que:

[...] Considerando-se que o princípio da igualdade ou da isonomia já se encontra firmamente previsto em diversos dispositivos constitucionais, especialmente quando se trata dos direitos e garantias fundamentais, poder-se-ia argumentar que a menção a uma uniformidade e equivalência de benefícios e serviços em favor das populações urbanas e rurais fosse dispensável.

20

Algumas diferenciações no custeio e nos benefícios concedidos aos

trabalhadores urbanos e rurais são possíveis, desde que para tanto sejam

justificáveis diante da isonomia material, e igualmente razoáveis, sem nenhuma

espécie de privilégios para qualquer das partes.

A isonomia constitucional, bem como a uniformidade e equivalência,

não impõe igualdade formal e absoluta entre os trabalhadores urbanos e rurais. Essa

igualdade é relativa; cada qual, diante das suas características, deve ser tratado com

especificidade, sem que essa seja capaz de desqualificar a igualdade genérica.

Assim, o princípio da isonomia pode ser utilizado para fundamentar a

desigualdade na forma de se calcular a prestação previdenciária dos trabalhadores

rurais, ou da sua contribuição para a Seguridade Social. Esse princípio, no entanto,

não pode ser utilizado para descaracterizar a proteção previdenciária dos

trabalhadores rural, porque no âmbito do risco social, esses trabalhadores se

identificam com os trabalhadores urbanos.

20

LOPES JUNIOR, op.cit.

35

2.4.6 Irredutibilidade do Valor dos Benefícios

Sendo concedidos os benefícios, especialmente aqueles de

prestação continuada, o texto constitucional exige a manutenção de seu valor

originário de forma a não permitir a redução de seu poder de compra com o decorrer

do tempo e principalmente pelos efeitos da inflação.

No entanto, muitos fazem afirmações errôneas sobre o valor dos

benefícios, alegando uma contrariedade a este princípio. Porém, ocorre que a

previdência social tem relação com a base de cálculo da contribuição, ou seja, o

salário de contribuição. Como este muitas vezes não oportuniza um mínimo

necessário garantidor de subsistência, tem sido comum que o benefício calculado da

mesma forma reproduza um valor insuficiente ao beneficiário. É importante assinalar

que se o segurado, durante toda sua vida, recolheu contribuições com valores

ínfimos, não há como o sistema garantir uma remuneração adequada.

Fábio Zambitte Ibrahim comenta sobre o real motivo deste princípio:

[...] Acredito que a principal razão de ser do princípio da irredutibilidade é justamente a imposição da correção monetária, cuja ausência, frequentemente, traduz-se em meio indireto de diminuição de benefícios e redutor de gastos estatais. O Poder Público não seria tolo o suficiente de reduzir o benefício diretamente. Quando o deseja, e assim nos mostra a história, tem-no feito pelo conhecido imposto inflacionário21.

Deste modo, é evidente que a irredutibilidade do benefício seja

resultado do direito adquirido, pois visa impedir a retroatividade mínima de norma

que venha a limitar pagamentos. No entanto, sem a devida correção monetária, a

proteção ao direito adquirido deixa de existir, já que a desvalorização promove a

redução real, e não simplesmente nominal do devido valor.

21

IBRAHIM, op. cit., p. 58-59.

36

2.4.7 Equidade na Forma de Participação do Custeio

Dentre as já citadas diretrizes da seguridade social, o artigo 194,

parágrafo único, inciso V, da CF88 prevê a ―equidade na forma de participação no

custeio‖. Este mandamento é uma derivação do princípio constitucional da

igualdade, pois ele traduz que não pode ser criada fonte de custeio diferenciada para

indivíduos em situação de igualdade e, ao mesmo tempo, que haja uma

diferenciação das pessoas segundo a sua capacidade contributiva.

Wagner Balera ratifica a assertiva, ensinando que:

[...] Há que se encontrar, pois, a justa proporção entre as quotas com que cada um dos atores sociais irá contribuir para a satisfação da seguridade social. Congruente com a máxima geral da isonomia, a equidade se acha baseada, aqui, na capacidade econômica dos contribuintes no que se conforma, plenamente, com o preceptivo expresso no art. 145º, § 1º, da Carta Magna.

22

Contudo, adverte-se que o fundamento da cobrança das prestações

sociais é a solidariedade entre o grupo, o que se faz necessário a participação de

todos. Para as cotizações pode-se aplicar uma linha de raciocínio semelhante aos

impostos, ou seja, fixa-se uma contribuição maior para aqueles que recebem uma

maior remuneração, receita ou lucro.

Essa técnica para dimensionar a equidade é, no entanto,

inconstitucional. A igualdade, no âmbito da Seguridade Social, é identificada pela

probabilidade do risco; quando maior a chance de acontecer o inesperado, maior

será a contribuição para o Sistema de Seguridade Social. Enquanto nos impostos a

igualdade é definida pela capacidade contributiva, nas contribuições sociais ela é

verificada pela chance de ocorrência do risco social.

22

BALERA, op. cit. 2004.

37

Como será estudado e exposto posteriormente, este princípio é

eminentemente aplicado no custeio do seguro de acidentes do trabalho, ao qual há a

previsão de haver aumento de alíquota em decorrência do maior risco de acidentes

de trabalho e exposição a agentes nocivos.

Em suma, o custeio deve abranger o esquema de contribuições,

respeitando o critério maior da isonomia entre os diferentes contribuintes. Esse

princípio não é observado integralmente pela legislação previdenciária. As

contribuições sociais dos segurados da previdência social, por exemplo, são

definidas pela capacidade contributiva.

2.4.8 Princípio da Contrapartida

A CF88, em seu artigo 195, parágrafo 5°, rege que ―nenhum

benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido

sem a correspondente fonte de custeio total‖. Embora não esteja previsto dentre os

objetivos da seguridade, especificamente no artigo 194, consideramos a

contrapartida um princípio, pois seu conteúdo reitera o princípio do equilíbrio

financeiro e atuarial, informando regras acerca desse objetivo. Fábio Zambitte

Ibrahim: também coaduna com este pensamento:

Isonomia tributária

Impostos

Capacidade contributiva

Contribuições para a

Seguridade Social

Probabilidade do risco social

38

[...] Não obstante a autoridade dos que assim se posicionam, acredito que a melhor compreensão seja no sentido de trata-se de um princípio, que visa a manutenção de um estado ideal de coisas (um sistema equilibrado), mas admite ponderação com outros princípios, sendo esta questão de especial importância no que diz respeito à possíveis extensões judiciais de benefícios assistenciais.

23

Josef Esser comenta sobre os princípios dizendo:

[...] há princípios que são, no sistema jurídico, ―imanentes‖ e ―informativos‖. Sustenta esse notável autor que, mesmo quando não estejam incorporados ao texto normativo, tais princípios funcionam como “diretrices” (guides) que noteiam o legislador. 24

Nesse contexto, Wagner Balera25 entende a regra da contrapartida

como um princípio virtual.

Este princípio busca tornar a Seguridade Social financeiramente

equilibrada, na medida em que orienta a ação do legislador no sentido de que a toda

despesa criada deve corresponder uma receita respectiva para fazer face ao gasto

instituído. Deste modo, nenhum recurso pode ser arrecadado pela Seguridade Social

que não se destine ao custeio de um serviço ou benefício.

Por outro enfoque, o princípio da contrapartida evita a politização da

Seguridade Social, principalmente a partir do aumento ou criação de novos

benefícios tentadores para os governantes em determinados períodos:

[...] a fórmula da contrapartida é limitação constitucional contra os abusos que o Poder Legislativo, seduzido pela demagogia (notadamente nos anos eleitorais), viesse a cometer, mediante a criação de prestações que não tivessem previsão das respectivas receitas de cobertura26..

Em virtude destas considerações, de nada adiantaria a existência de

norma (edição de leis) para a concessão ou ampliação de benefício já existente se

não houver a previsão da origem de recursos, pois a prestação concedida poderá

23

IBRAHIM, op. cit., p. 67. 24

ESSER, Josef. Principio y Norma em la Elaboracion Jurisprudencial del Derecho Privado, traduzido por Eduardo Valente Fiol, Bosh, Barcelona, 1961, p. 95. In BALERA, op. cit. 2004 pág.. 123 25

BALERA, op. cit. 2004 pág. 122 26

BALERA, op. cit. 2002.

39

ser considerada inconstitucional. Assim, o benefício ou serviço não poderá ser

criado, sem que antes haja ingressado numerário no caixa da Seguridade Social, da

mesma forma que a contribuição não poderá ser criada sem que haja despesa

respectiva.

40

3 A PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL

A ideia de previdência está intimamente ligada à noção de

necessidade social. Essa expressão pode ser examinada a partir de duas

perspectivas: uma, objetiva, que qualifica os riscos como sociais pelo fato de

atingirem qualquer indivíduo e serem inerentes à vida em sociedade; e outra,

subjetiva, por se tratar de riscos cuja prevenção somente a coletividade tem

condições de organizar e cujos danos somente ela pode reparar, pois os indivíduos,

isoladamente, não têm meios técnicos ou econômicos para lhes fazer frente.

A interrelação entre obra previdenciária e risco social, contudo, pode

conduzir a equívoco interpretativo. A expressão ―risco social‖ tem significado

semelhante a ―eventos infortunísticos‖, não obstante a proteção social atingir

igualmente os eventos venturosos, como a maternidade. Logo, entende-se que a

terminologia adequada seria ―necessidade social‖, como, exemplificativamente,

aquela decorrente do afastamento da gestante do ambiente de trabalho.

A divergência entre a Seguridade Social (gênero) e a previdência

social (espécie) está na priorização do indivíduo. A previdência se ocupa daquele

que tem capacidade de trabalho, independentemente se está ou não a utilizando. A

Seguridade Social atua em lacunas que a previdência social, protegendo

indistintamente todos vitimados pela indigência social, sejam eles trabalhadores ou

não.

Essa espécie de seguro pode se apresentar de vários modos. A

forma social está relacionada aos elementos presentes na relação jurídica, pois a

caracterização desse tipo de previdência encontra-se vinculada à existência, no

corpo da relação, dos seguintes elementos:

Obrigatoriedade: filiação obrigatória mediante a delimitação da

população jurídica abstrata, impondo o status de segurado sem

embargo da vontade;

41

Tripartição de custeio: a solidariedade intergerações se opera no

viés do custeio do Sistema de Seguridade Social, devendo ser

cotizado pelos segurados, empregadores e pela sociedade, na

pessoa do Estado;

Gestão Pública: dá-se através do Estado ou de instituições

instrumentais.

A previdência social brasileira divide-se em dois subsistemas: (i)

Regime Geral de Previdência Social – RGPS; (ii) Regimes Próprios de Previdência

Social – RPPS. A divisão figura-se no campo da população jurídica protegida. O

RGPS é residual, pois se relaciona com todos os sujeitos jurídicos previdenciários

discriminados pelos RPPS.

Esse subsistema, por força constitucional, mantém relação única e

exclusivamente com servidores públicos efetivos dos entes públicos que aderiram,

mediante lei, a essa forma de previdência social, conforme prescreve seu artigo 40:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e

atuarial e o disposto neste artigo27.

Não é a simples qualidade de efetividade no serviço público que

garante o status de vinculado ao RPPS, visto que há pessoas em Estados e

Municípios que não têm RPPS, sendo que seus servidores efetivos mantêm vínculo

obrigatório com o RGPS. Nem todos os servidores públicos que têm RPPS mantém

vínculo com esse regime, porque aqueles que não são efetivos se vinculam,

obrigatoriamente, ao RGPS.

3.1 HISTORIOGRAFIA DA PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL

27

BRASIL. Casa Civil. Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc20.htm>. Acesso em: 7 mar. 2010.

42

A evolução da proteção social brasileira seguiu uma ordem que

consiste numa transição entre a origem privada e voluntária, a formação dos

primeiros planos mútuos e a crescente intervenção do Estado.

No Brasil, as formas de montepios são as manifestações mais

antigas da previdência social. Montepios consistem nas instituições em que cada

membro adquire o direito de deixar uma pensão a alguém de sua escolha, em caso

de seu falecimento. Em 22 de junho de 1835, um grupo de pessoas associou-se e

contribuiu, no intuito de que se formasse um fundo para cobertura de determinados

infortúnios. Assim, surgiu o primeiro montepio.

No período do Império, por meio da Lei n. 3.397/88 foi autorizada

pelo governo a criação de uma ―Caixa de Socorro‖ para os trabalhadores das

estradas de ferro estatais. Outro fato relevante foi a Lei n. 3.724/19, que formalizou a

responsabilidade dos empregadores pelas consequências dos acidentes de trabalho.

A previdência social foi efetivamente implantada com a Lei Eloy

Chaves (Decreto Legislativo n. 4.682/23). Por meio dela, foram criadas as ―caixas de

aposentadorias e pensões‖ para os empregados de cada empresa ferroviária,

contemplando-os com os benefícios de aposentadoria por invalidez, aposentadoria

ordinária (a atual aposentadoria por tempo de contribuição), pensão por morte e a

assistência médica. Deste modo, a Lei Eloy Chaves é considerada o marco inicial da

Previdência Social brasileira, pois, a partir dela, surgiram dezenas de caixas de

aposentadorias e pensões, por empresa.

O ano de 1931 é considerado o momento de expansão. Neste

período, entrou em vigor o Decreto n. 20.465/31 que instituiu os ―beneficiários

hipotéticos‖, ou seja, englobou aqueles que não foram atendidos no passado e, das

caixas de pensões e aposentadorias, emergiram os institutos, cujo objetivo era

abranger o maior número possível de categorias semelhantes, para assim melhorar

as prestações.

43

Várias foram as tentativas em uniformizar e unificar a Previdência

Social no Brasil. Por meio do Decreto-Lei n. 6.526/45 tentou-se criar o Instituto dos

Serviços Sociais do Brasil – ISSB, no qual seria elaborado um plano de

contribuições e benefícios único. No entanto, por diversos fatores, este instituto não

conseguiu ser implantado.

Em 28 de agosto de 1960, com a Lei n. 3.807/60, a intitulada Lei

Orgânica da Previdência Social (LOPS), houve a uniformização da legislação

previdenciária, incluindo benefícios como auxílio-reclusão e o auxílio-natalidade,

permitindo, desta forma, um maior número de segurados.

Em 02 de março de 1963, por intermédio da Lei n. 4.214/63, foi

instituído o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – FUNRURAL, com o

objetivo de beneficiar os trabalhadores rurais, garantindo-lhes uma maior proteção

social. Segundo Ibrahim28, o fundo constituía-se de 1% do valor dos produtos

comercializados e era recolhido pelo produtor, quando da primeira operação ao

Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários – IAPI.

Por consequência, foi por meio do Decreto n. 72 de 21 de novembro

de 1966 que se permitiu a fusão dos institutos de aposentadorias e pensões,

originando, desta forma, o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS.

Na década de 70, fez-se necessário uma reestruturação da

Previdência Social. Assim sendo, foi criado, por meio da Lei n. 6.439/77 o SINPAS,

subordinado ao Ministério da Previdência Social - MPS, com o objetivo de rever as

formas de concessão e manutenção de benefícios e serviços, reorganizando a

gestão administrativa, financeira e patrimonial.

Com a CF88, esta unificação ganhou ainda mais força, na medida

em que foi institucionalizado no âmbito da norma constitucional um sistema amplo e

pleno de proteção social: a Seguridade Social. Em outras palavras, as ações de

iniciativas dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos

28

IBRAHIM, op. cit., p. 49.

44

relativos à saúde, previdência e assistência social, passaram a ser integradas e

consolidadas.

3.2 EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO INFORTUNÍSTICA

Tendo em vista a temática desta dissertação, não podemos perder

de vista a evolução da legislação infortunística, por sua importância e relação com a

gênese da atual Seguridade Social. Para tanto, se faz necessário o conhecimento de

sua origem e evolução para que se possa chegar às atuais regras infortunísticas,

inseridas na Lei n. 8.231/91.

A legislação infortunística, em 1919, e a legislação previdenciária,

em 1923, com a gênese da Lei Elói Chaves, representam o momento político

daquele princípio de século, marcado pela Primeira Guerra Mundial e suas

consequências. Devido à Revolução socialista da Rússia, o desenvolvimento da

Revolução Industrial atingiu um ponto de ruptura. O Capitalismo, até então, matinha

o poder institucional isolado. Com o socialismo soviético, passava a ser necessária a

convivência entre os contraditórios pensamentos. Deste modo, as conquistas e

concessões entre o Estado, os patrões e os trabalhadores passaram a ser

disputados em outro campo político, cada vez mais institucional e internacional.

No início do século XX, o Brasil começa a sua formação industrial e

edita sua primeira lei de proteção ao acidente derivado do trabalho.

Esta primeira lei refere-se aos trabalhadores que dependiam das

máquinas para exercerem sua atividade profissional, originando um sistema de

―autosseguro‖ em que cabia ao empregador o dever de pagar as indenizações.

Discutia-se sobre dois modelos de indenização tarifada (com valores

calculados, segundo a disposição legal e não por cláusulas de contratos). O primeiro

deles consistia em um valor calculado sobre o salário do empregado-vítima e as

consequências danosas da lesão sofrida, sendo paga ao lesado ou a seus familiares

de uma vez só. Enquanto o outro modelo era calculado nos mesmos critérios, sendo

pago mensalmente, por tempo determinado ou para sempre.

45

Assim, o Decreto Legislativo n. 3.724/19 se fundamentava na teoria

do risco profissional; prevendo em seu art. 2° a obrigação de o empregador pagar

indenização ao operário ou à sua família em caso de acidente de trabalho,

excetuando-se os casos de força maior ou dolo da própria vítima ou de estranhos.

Este referido Decreto, em seu Título II, determinava o pagamento

das indenizações calculadas com base na gravidade das consequências do

acidente, podendo ser estas: a morte; incapacidade total e permanente para o

trabalho; incapacidade total e temporária; incapacidade parcial e permanente; e a

incapacidade parcial e temporária.

Assinala-se ainda que, além das indenizações, a lei também previa a

obrigação do empregador na prestação de socorros farmacêuticos e médicos.

Assim, com as indenizações sendo atribuídas ao empregador,

fundamentada na teoria da responsabilidade objetiva, na ausência de um seguro

predeterminado obrigatório, o Decreto Legislativo n. 3.724/19 instaurou a legislação

acidentária no Brasil, sem a exigência de culpa para a responsabilização do

empregador. Responsabilidade objetiva esta que, ainda sem a existência do seguro

compulsório, mas com a obrigação patronal sem culpa.

Pouco tempo depois da promulgação da Lei n. 3.724/19, iniciam-se

debates sobre a necessidade de sua alteração. Esses debates resultaram no

Decreto n. 24.637/34, que repetindo a mesma classificação das consequências do

acidente citadas anteriormente pelo Decreto n. 3.724/19 e, em seu capítulo V, a

garantia que a indenização devia se dar por meio de contratos de seguro de

acidentes do trabalho ou de depósitos bancários em garantia.

Este método passou a ser considerado por muitos como o ―sistema

de autoseguro‖, em que a responsabilidade era direta do empregador, por meio de

seguro contratado ou de depósito bancário.

46

É importante assinalar, no entanto, que o grande marco da

legislação acidentária em nosso país foi o Decreto-Lei n. 7.036/44, regulamentado

pelo Decreto n. 18.809//45.

Seguindo modelos anteriores, o Decreto-Lei n. 7.036/44 adotava a

teoria do risco profissional, prevendo que entre o evento e a incapacidade ou morte

exista relação de causa e efeito. O conceito de acidente de trabalho foi ampliado,

equiparando a lesão típica à doença do trabalho, não deixando de fazer uma

distinção entre as doenças profissionais e as doenças derivadas das condições de

trabalho.

A incapacidade, sendo temporária, tinha o lapso temporal de um

ano, após o que se tornaria permanente, total ou parcial. Deste modo, o Decreto-Lei

n. 7.036/44 previa algumas indenizações como: i) por morte em razão de doença ou

acidente ou doença; ii) incapacidade total e permanente; iii) incapacidade parcial e

permanente iv) incapacidade temporária com limitação de um ano.

Em 1967, o projeto de estatização do seguro de acidente do trabalho

foi efetivado pela Lei n. 5.316/67. Desde 1953, já se pensava em incorporar o seguro

de acidentes de trabalho nas carteiras de acidentes do trabalho das instituições

previdenciárias que estavam sendo criadas, excluindo as seguradoras particulares

dessa cobertura.

Segundo Sérgio Pinto Martins29, quando o sistema de seguro de

acidente de trabalho passou a ser integrado no sistema previdenciário, ele deixou de

ser uma entidade privada, para ser administrado pelo INPS. O sistema deixou de ser

de risco social para ser de seguro social, abandonando a ideia do contrato de seguro

do Direito Civil.

Para Hertz Jacinto Costa30, sendo estatizado o seguro acidentário do

trabalho, a indenização passou a denominar-se ―prestações previdenciárias‖ e não

29

MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 23º edição. São Paulo: Atlas, 2006, p. 12. 30

COSTA, Hertz Jacinto. Acidente do trabalho. Disponível em: <http://www.acidentedotrabalho.adv.br/resumo/01.htm#08> Acesso em: 9 jun.2011.

47

mais ―indenização por acidente do trabalho‖. Assim, previa o artigo 1º e o parágrafo

único da Lei n. 5.316/67:

Art. 1º O seguro obrigatório de acidentes do trabalho, de que trata o artigo 158, item XVII, da Constituição Federal, será realizado na previdência social.

Parágrafo único. Entende-se como previdência social, para os fins desta Lei, o sistema de que trata a Lei n°. 3.807, de 26 de agosto 1960, com as alterações decorrentes do Decreto-lei n° 66, de 21 de novembro de 1966.

A nova lei de 1967 previu o acidente in itinere, a equiparação do

acidente típico à doença do trabalho, determinado alguns pagamentos como: i)

auxílio-doença, prestação previdenciária com base no salário-de-contribuição do dia

do acidente; ii) aposentadoria por invalidez, nas mesmas normas do benefício de

auxílio-doença; iii) pensão por morte acidentária, valor mensal aos dependentes,

calculado na mesma forma da aposentadoria por invalidez; iv) auxílio-acidente

mensal e reajustável; v) pecúlio de 25% para o caso de morte ou invalidez total,

quando a aposentadoria fosse igual ou superior a 90%. Nos mesmos termos, esta

Lei estendeu os benefícios aos presidiários e trabalhadores avulsos.

A Lei subsequente foi a Lei n. 6.195/74, que integrou o trabalhador

rural na Previdência Social, instituindo o FUNRURAL que permitiu a concessão das

prestações por acidentes do trabalho a esses trabalhadores.

A seguir, editou-se a Lei n. 6.367/76, que estendeu o benefício

acidentário ao trabalhador temporário, avulso e presidiário que exerciam atividade

remunerada, com exclusão do autônomo e do doméstico. Assim, possibilitaram-se

aos acidentados alguns benefícios: i) auxílio-doença acidentário; ii) auxílio-

suplementar de 20%; iii) auxílio-acidente de 40%, vitalício, sendo que metade do

valor ficaria incorporado na pensão por morte, em favor dos beneficiários; iv) em

caso de grande invalidez acidentária, pagamento em dinheiro de 25%; v) pecúlio por

morte acidentária, correspondendo a 30 vezes o valor de referência, em favor dos

beneficiários; vi) reabilitação profissional e assistência médica.

48

Por fim, em 24 de junho de 1991, entra em vigor a Lei n. 8.213/91

que, observando a evolução legislativa, manteve o seguro acidente do trabalho sob

a gestão do INSS, integrando suas prestações às prestações ordinárias concedidas

pela previdência social. Esta nova regulamentação já se encontra adequada ao

Sistema de Seguridade Social enunciado pela CF88, que balizou a proteção social

pelo efeito, não se interessando especificamente pela causa.

49

4. RISCO SOCIAL

Ilídio das Neves, analisando as diferenças quanto à cobertura dos

riscos sociais e os objetivos protetores, salienta:

[...] No sistema de segurança social os riscos sociais são acontecimentos danosos exteriores às pessoas (doença, morte, etc...), ocorrência naturais ou sociais que atingem sua estabilidade economia e social. Pelo contrário, na ação social, os riscos representam, uma incapacidade das famílias ou uma falta de estrutura familiar para assegurarem normalmente os apoios indispensáveis às crianças, aos idosos e aos deficientes. Trata-se assim, de comportamento humanos que atuam para fora se projetam no meio social por assim dizer atingem a coletividade31.

Deste modo, entende-se que no primeiro sistema, do risco social, o

que está em questão é exclusivamente a prestação pecuniária, de índole

reparadora. No que diz respeito à ação social, foca-se principalmente o apoio social

personalizado, substitutivo do apoio familiar inexistente ou insuficiente.

Assim, o risco é a fonte ou origem, ou também denominada por

muitos como causa primária qualificadora da necessidade social. Assim, é o

acidente de trabalho que gera a diminuição ou a redução da capacidade de trabalho,

que virá a necessitar da cobertura pela Seguridade Social.

O sistema brasileiro adota a técnica do risco-causa. O risco-causa é

o conceito de risco que atualmente tem-se adotado pelo seguro social.

Diferentemente do risco-previsão, que é o conceito de risco adotado no seguro

tradicional, que compreende o risco como previsão de cobertura, o risco causa é

baseado na hipótese de incidência. Nele, o sinistro ocorre pela verificação e

concretização do risco, que, consequentemente provoca a subsunção à relação

jurídica.

A incapacidade para o desenvolvimento do trabalho, atrelada ao

acidente de trabalho que o indivíduo está sujeito, é um contingente de grande

importância jurídica, tendo em vista que limita a principal fonte de subsistência do

31

NEVES, op.cit.

50

homem: a sua capacidade de trabalhar, compreendendo a sua força física e

psíquica.

Por tais razões, como veremos mais adiante, afirmamos que a

incapacidade de trabalhar é um risco social que demanda atenção específica pelo

nosso ordenamento, levando-se em consideração: a proteção do trabalhador por

meio de normas de segurança e medicina do trabalho; prevenção de infortúnios

laborais (como o fornecimento de equipamentos de proteção individual e ginástica

laboral); reestruturação no ambiente de trabalho assim como no mobiliário; e

reparação do acidente de trabalho por meio de uma indenização acidentária paga ao

segurado pelo INSS, além daquela derivada do direito comum, cujo pagamento cabe

ao empregador.

4.1 INVALIDEZ

Para estudarmos o risco social assegurado pelo Sistema de

Seguridade Social, devemos partir da análise do seu conceito jurídico, iniciando-se

no ordenamento jurídico constitucional.

Porém, a Constituição Federal foi omissa ao definir sua

conceituação, deixando a cargo do legislador ordinário esta função, que assim o fez

por meio do artigo 42, da Lei n. 8.213/91, definindo o que vem a ser ‗‘invalidez‘‘ no

sistema brasileiro:

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta

condição.

Ao analisarmos a estrutura da norma sobre a definição de

―invalidez‘‘, observamos que esse conceito pode ser utilizado para duas espécies de

prestação de benefícios previdenciários, sendo o primeiro a aposentadoria por

invalidez e o segundo o auxílio-doença.

51

O benefício previdenciário de auxílio-doença é por prazo

determinado. Cabe à perícia médica do INSS precisar o término da invalidez real,

impondo a essa data a cessação do benefício. O benefício previdenciário de

aposentadoria por invalidez é essencialmente semelhante ao benefício de auxílio-

doença; diferem, quanto ao fato gerador, apenas no tempo da invalidez. Nesse caso,

a invalidez é por prazo indeterminado; não se exige à concessão invalidez definitiva.

Ambas as prestações previdenciárias decorrem do mesmo conceito

de ―invalidez‖ previsto no artigo 42 da Lei n. 8.213/91. Extrai-se do artigo a definição

como sendo a incapacidade de reabilitação para exercício de atividade que lhe

garanta subsistência. Deste conceito, permite-se visualizar dois elementos

simultâneos: i) a existência da incapacidade de trabalho; ii) deixar de praticar

atividade que lhe garanta a sua subsistência.

Da reunião desses dois elementos, podemos definir o termo

―invalidez‖ como sendo a situação pessoal que impede, seja qual for a causa, o

sujeito de prestar as atividades profissionais que vinha prestando antes da causa, ou

que tem aptidão para exercer.

Benefício

Invalidez

Prazo determinado

Auxílio-doença

Prazo indeterminado

Aposentadoria por invalidez

52

O doente necessariamente não é inválido. Existem doenças que não

impõe a invalidez. O exemplo disso pode descrever a situação de um portador de

HIV; apesar de doente, o sujeito não se encontra necessariamente incapacitado para

exercer a atividade que lhe garanta a subsistência. Nesse caso, a invalidez poderá

decorrer do próprio tratamento, que tão agressivo às condições humanas impede o

sujeito de continuar trabalhando.

A preexistência da doença é indiferente ao cenário previdenciário; a

previdência social não confere benefícios ao doente, apesar de um de seus

benefícios se chamar auxílio-doença. Esse benefício, como a aposentadoria por

invalidez, não se ocupam da causa na definição de seu fato gerador. O dado

importante é a ocorrência da invalidez, seja ela decorrente de doença, de acidente

ou de outro fato. Assim, a preexistência importa à invalidez; se invalido antes da

filiação, não haverá benefício.

A preexistência da invalidez não impede o acesso ao benefício pelo

segurado. Trata-se de fato que importa na nulidade da filiação, seja ela obrigatória

ou facultativa. Como a filiação pressupõe o trabalho, a condição de validez é

essencial à aquisição da qualidade de segurado. Se inválido, o sujeito não atinge

esse status, mesmo pagando a contribuição.

Portanto, o elemento caracterizador do benefício é a ―invalidez‖, e

não a doença em si. Assim, a melhor nomenclatura para o benefício de auxílio-

doença (temporário) seria a de ―auxílio-invalidez‖, assim como ocorre na

aposentadoria por invalidez.

A definição da invalidez pode ser testada a partir da filiação.

Enquanto essa decorre do trabalho, aquela pressupõe a ausência desse fenômeno.

Há, portanto, invalidez quando o sujeito, seja qual for a causa, encontra-se incapaz

de praticar os fatos (trabalho) que lhe impõe a filiação ao RGPS.

53

A filiação à previdência social, como estudado nos capítulos

anteriores, decorre obrigatoriamente para os segurados obrigatórios do exercício de

atividade remunerada. Assim sendo, a filiação pressupõe a capacidade do sujeito

para atividade profissional.

Deste modo, o sujeito que se encontra inválido não pode se filiar ao

sistema previdenciário, porque a ―invalidez‘‘ presume a inaptidão para o trabalho. Já

a filiação presume a aptidão para exercício de atividade profissional.

Para melhor compreendermos o conceito de pessoa inválida para o

trabalho, interessante é a ilustração por meio da exemplificação: Comparemos duas

pessoas com as mesmas características físicas, porém diferentes intelectualmente.

O primeiro não teve acesso à educação e atualmente somente detém capacidade

para exercício de atividade que demandem enorme esforço físico. Já o outro, teve

boa educação e atualmente exerce função intelectual que não demanda árduo

esforço físico. Ambos sofrem um acidente que gera a perda de um membro do

corpo, nesse caso a perna. Pergunta-se, qual dos sujeitos encontra-se incapaz para

o trabalho?

Trabalho

Filiação

Invalidez Benefício

Reabilitação

54

Evidentemente, aquele que exerce a atividade que demanda a

capacidade física para o trabalho estará inválido, pois não detém capacidade para

exercer a atividade intelectual. No segundo caso, o sujeito que exerce a função

intelectual não perderá a sua capacidade, continuando assim filiado ao sistema de

previdência social.

A invalidez no primeiro caso não é vitalícia. Podendo cessar por

meio da reabilitação profissional, ou seja, caso o sistema qualifique esse sujeito para

realizar atividade intelectual, este será novamente considerado capaz para o

trabalho e assim conseguindo filia-se novamente ao sistema.

4.2 ESPÉCIES DE INVALIDEZ

Para a melhor compreensão da invalidez real, a classificaremos de

três formas: i) origem; ii) tempo; e iii) efeito.

Quanto à origem, a invalidez pode ser divida em: i) especial; ii)

comum. A invalidez será especial quando a sua causa ensejar isenção da carência,

hipótese prevista no inciso II do artigo 26º da Lei n. 8.213/91, para a concessão dos

benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença, ou seja, quando decorrer

da doença profissional, doença do trabalho, doença previdenciário ou acidente de

qualquer natureza.

Invalidez

Origem

Tempo

Efeito

55

Art. 26 - Independe de carência a concessão das seguintes prestações - II - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social a cada três anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado.

A invalidez comum decorre de fatos que não isentam a carência

para a concessão do benefício. Nesse caso, além de comprovar a invalidez, o sujeito

teria que comprovar que cumpriu a carência exigida para a concessão do benefício

de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença:

Quanto ao tempo, podemos classificar a invalidez em: i) por prazo

determinado; ii) por prazo indeterminado. Enquanto a primeira interessa ao benefício

de auxílio-doença, a segunda importa ao benefício de aposentadoria por invalidez.

Invalidez

Origem

Especial

Doença do trabalho

Doença profissional

Doença previdenciária

Acidente de qualquer natureza

Comum

56

Verifica-se a primeira espécie (por prazo determinado) quando, no

momento da concessão, já se identifica a data da cessação da invalidez. Nesse

caso, o INSS programa o fim do benefício, determinando o exato dia do término da

invalidez. Apesar de críticas, a ―alta programada‖ é pressuposto à concessão do

auxílio-doença, cujo fato gerador é a invalidez por prazo determinado.

A aposentadoria por invalidez não pressupõe invalidez permanente;

ademais, entendemos impossível essa situação, porque ao definir a permanência

estar-se-ia projetando para o futuro certeza possivelmente reversível. A

aposentadoria por invalidez exige tão-somente que a invalidez seja por prazo

indeterminando, ou seja, que no momento da concessão o INSS não disponha de

elementos científicos válidos para definir o momento do término da invalidez.

A ausência de permanência se justifica na natureza transitória da

aposentadoria por invalidez. Fosse a invalidez permanente, o benefício seria

vitalício. Sucede, no entanto, que o benefício de aposentadoria está vinculado à

invalidez; cessada a invalidez, o INSS cessará a aposentadoria, conforme enunciado

nos artigos 46 e 47 ambos da Lei n. 8.213/91, veja-se:

Art. 46. O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno.

Invalidez

Prazo determinado Auxílio-doença

Prazo indeterminado

Aposentadoria por invalidez

57

Art.47. Verificada a recuperação da capacidade de trabalho do aposentado por invalidez, será observado o seguinte procedimento:

I - quando a recuperação ocorrer dentro de 5 (cinco) anos, contados da data do início da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença que a antecedeu sem interrupção, o benefício cessará:

a) de imediato, para o segurado empregado que tiver direito a retornar à função que desempenhava na empresa quando se aposentou, na forma da legislação trabalhista, valendo como documento, para tal fim, o certificado de capacidade fornecido pela Previdência Social; ou

b) após tantos meses quantos forem os anos de duração do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, para os demais segurados;

II - quando a recuperação for parcial, ou ocorrer após o período do inciso I, ou ainda quando o segurado for declarado apto para o exercício de trabalho diverso do qual habitualmente exercia, a aposentadoria será mantida, sem prejuízo da volta à atividade:

a) no seu valor integral, durante 6 (seis) meses contados da data em que for verificada a recuperação da capacidade;

b) com redução de 50% (cinqüenta por cento), no período seguinte de 6 (seis) meses;

c) com redução de 75% (setenta e cinco por cento), também por igual período de 6 (seis) meses, ao término do qual cessará definitivamente.

A invalidez não importa apenas aos benefícios previdenciários.

Interessa também às relações de trabalho, sobretudo quanto à suspensão dos

deveres, a estabilidade e a manutenção do depósito ao Fundo de Garantia por

Tempo de Serviço - FGTS.

Sendo assim, podemos separar a invalidez como acidentária e

comum. Ambas repercutem na relação de trabalho. Enquanto a comum apenas

suspende as obrigações inerentes à relação, a segunda cria novas obrigações, seja

no curso da invalidez, seja após a sua cessação.

A invalidez acidentária pode ser classificada quanto: i) natureza do

nexo; e ii) origem da invalidez. Em se tratando da natureza do nexo, pode-se dividir

em: i) causal; ii) técnico. No tocante à origem, podemos separá-las em: i) acidente

58

do trabalho; ii) doença profissional e; iii) doença do trabalho. Vejamos o

demonstrativo abaixo:

Dessa análise podemos resumir essa classificação de invalidez da

seguinte maneira:

Quanto à origem a invalidez pode ser especial ou comum, sendo

que a primeira dispensa-se o requisito carência;

Quanto à temporariedade pode ser prazo determinado ou

indeterminado, sendo esta geradora da aposentadoria por

invalidez, e aquela do auxílio-doença;

Quanto ao efeito, todas repercutem em outras esferas do direito,

não obstante de forma específica.

Invalidez Efeitos

Acidentária

Nexo

Causalidade

Técnico

Origem

Doença do trabalho

Doença profissional

Acidente do trabalho

Comum

59

4.3 INVALIDEZ ACIDENTÁRIA

A constatação da incapacidade de trabalho, derivada do acidente de

trabalho, doença profissional ou doença do trabalho, pressupõe avaliação médica,

cujo objetivo é a verificação da invalidez e a sua origem.

À perícia médica não é conferida a missão de graduar a invalidez.

No âmbito da previdência social, a invalidez é binária; se está válido ou inválido. Sua

origem importa à carência, porque se acidentária, por exemplo, o inválido poderá se

beneficiar independentemente de ter contribuído minimamente com a previdência

social.

4.3.1 Acidente do Trabalho

O legislador ordinário conceituou o evento acidente do trabalho com

o artigo 19 da Lei n. 8.213/91, traduzindo-o como a lesão corporal ou perturbação

funcional que venha a atingir o trabalhador em decorrência da sua atividade de

trabalho:

[...] ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei (segurado especial), provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução,

permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

No mesmo sentido, o artigo 30, parágrafo único, do Decreto n.

3.048/99 define o acidente do trabalho como:

Parágrafo Único. Entende-se como acidente de qualquer natureza ou causa aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos e biológicos), que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda, ou a

redução permanente ou temporária da capacidade laborativa.

O acidente do trabalho é verificado, portanto, a partir de três

aspectos: i) causa; ii) consequências; iii) efeito. Quanto à causa, a origem deve se

relacionar, direta ou indiretamente, ao trabalho. A consequência é a lesão corporal

60

ou a perturbação funcional, e o efeito é a morte, a perda, ou a redução da

capacidade de trabalho.

Nem todas as lesões decorrentes do trabalho são, portanto,

acidentes do trabalho; essa condição é reservada apenas àquelas lesões, observada

a causa, que conferem ao acidentado ou ao seu dependente direitos previdenciários.

Se a lesão, embora decorrente do trabalho, não gerar o óbito do acidentado ou a sua

invalidez, o fato não será considerado acidente do trabalho.

O artigo 19 da Lei n. 8.213/91 enuncia outro requisito para a

caracterização do acidente do trabalho. Exige, outrossim, que o acidentado seja

segurado da previdência social:

Art.19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução,

permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Esse enunciado, no entanto, é redundante. Considerando que o

acidente do trabalho pressupõe o trabalho, e que esse impõe a filiação, é óbvio que

todo acidentado é segurado obrigatório da previdência social.

Importante enfatizar que o artigo 18 da Lei n. 8.213/91 ao elencar as

prestações aceitas pela Previdência Social, inclusive, em razão de eventos

decorrentes do acidente de trabalho, não restringiu a concessão do benefício a

nenhuma espécie específica de segurado. Desta forma, analisando o artigo 19 da

referida lei, ela não restringiu a uma espécie de segurado para a concessão desse

benefício, tão somente, exigiu que exercessem trabalho para empresa, além dos

segurados especiais.

Causa Consequência Efeito Acidente do

Trabalho

61

Para o estudo da prestação previdenciária acidentária, torna-se

importante conceituarmos a palavra ―empresa‖ descrita no artigo 19 da Lei n.

8.213/91. O conceito de ―empresa‖ está definido no artigo 15 da Lei n. 8.212/91

como sendo a ―firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade

econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos

entidades da administração pública direta, indireta e fundacional‖. Equipara-se,

ainda, ao conceito de ―empresa‖ os contribuintes individuais que tomam trabalho de

outros segurados.

Art. 15º. Considera-se:

I – empresa – a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativa ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta ou fundacional;

Parágrafo único. Equipara-se a empresa, para efeitos desta Lei, o contribuinte individual em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras.

Depreende-se desse contexto que atualmente as empresas vêm

cada vez mais se utilizado de mão de obra terceirizada, por meio de vínculos com

contribuintes individuais, para as suas atividades, com intuito de diminuir seus

encargos sociais. Esses trabalhadores, terceirizados, podem protagonizar acidente

do trabalho.

A fonte de custeio para este benefício de acidente do trabalho está

prevista no inciso III, do artigo 22 da Lei n. 8212/91, que impõe a empresa a

obrigação de recolhimento de 20% (vinte por cento) das remunerações pagas aos

contribuintes individuais que lhe emprestam serviços:

Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:

III – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas ou creditas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais que lhe prestem serviços;

62

Portanto, conclui-se que o contribuinte individual enquadra-se

perfeitamente no conceito descrito no artigo 19 da Lei n. 8.213/91 podendo assim

ser beneficiário hipotético dos benefícios acidentários em que pese não figurar como

credor do auxílio-acidente.

Por fim, o último requisito para a caracterização do acidente do

trabalho é a existência do nexo causal, que é a ligação entre a causa e o efeito

ocorrido entre o acidente e a atividade do trabalho.

O dado relevante para a caracterização do nexo causal é o fato do

acidente do trabalho ser decorrente do exercício profissional, sendo totalmente

irrelevante se o trabalho foi realizado nas dependências da empresa ou em

ambientes externos.

O inciso IV, do artigo 21 da Lei 8.213/91 exemplifica algumas

situações em que o acidente ocorridos fora do ambiente e do horário de serviço

também se equiparam como acidente do trabalho, conforme veja-se:

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:

IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e do horário de trabalho:

a) na execução de ordem ou na realização de serviços sob autoridade da empresa;

b) na prestação espontânea de qualquer serviços à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;

c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada para esta dentro de seus planos para melhorar capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veiculo de propriedade do segurado;

d) no percurso da residência para o local do trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive o veiculo de propriedade do segurado.

63

§1º. Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.

§2º. Não é considerada agravação ou complicação de acidente de trabalho a lesão que, resulte de acidente de outra origem, se associe o se superponha às consequências do anterior32.

O inciso I do artigo 21 da Lei n. 8.213/91 equipara como acidente do

trabalho a lesão vinculada ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única,

contribua diretamente para morte, redução ou perda da capacidade de trabalho ou

produzindo lesão que exija maior atenção médica para a sua recuperação.

Já o inciso II do mesmo artigo amplia a caracterização do acidente

do trabalho em lesões corporais sofrida no ambiente laborativo e no horário que o

segurado esteja prestando serviço decorrente de: i) ato de agressão, sabotagem ou

terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; ii) ofensa física

intencional, inclusive de terceiros, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; iii)

ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro

de trabalho; iv) ato de pessoa privada do uso da razão; iv) desabamento, inundação,

incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior.

32

BRASIL, op. cit.

64

A lesão ou perturbação funcional que não ocasione morte,

incapacidade substancial ou parcial para o trabalho do segurado, não pode ser

caracterizada como acidente do trabalho, diante do preceito estipulado no artigo 19

da Lei n. 8.213/91. Porém, a concessão do benefício previdenciário não é requisito

essencial para a caracterização do acidente de trabalho.

Apesar de a legislação previdenciária prever o início da prestação da

aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença somente no décimo sexto dia a

contar da data da lesão, a caracterização do acidente do trabalho se dá no dia em

que ocorreu lesão/inaptidão não importando se ocorreu a concessão do benefício,

ou seja, a invalidez seja superior a quinze dias.

Nexo causal

Ambiente

Lesões ocorridas no interior da empresa

Lesões ocorridas

externamente à empresa

Espécies

Direta

Relação direta entre a lesão e

a atividade prestada

Indireta

Em percurso

Fatos fortuítos ou de força

maior ocorridos na

empresa

Lesão sofrida por empregado

decorrente do trabalho

Gera invalidez, substancial ou

parcial Acidente do trabalho

Não gera invalidez Acidente comum

65

Portanto, conclui-se sinteticamente a hipótese de qualificação do

acidente do trabalho, conforme o quadro abaixo, pois, veja-se:

4.3.2 Doença Profissional

O inciso I, do artigo 20 da Lei n. 8.213/91 traz outra modalidade de

acidente do trabalho, a chamada doença profissional, que é considerada como a

incapacidade produzida ou desencadeada em função do exercício profissional

peculiar de determinada atividade constante da relação elaborada pelo MPS.

Destaca-se, por exemplo, como doença profissional a lesão por

esforço repetitivo – LER que é atualmente comum nos trabalhos de digitadores, call

centers, bancários, e outros, que aparecem em razão do trabalho repetitivo a doença

profissional.

Neste exemplo, podemos perceber que a caracterização da doença

profissional exige dois requisitos simultâneos: i) nexo causal, entre a doença e o

trabalho (LER – bancários) e; ii) a previsão da enfermidade em rol produzido pelo

MPS (LER).

Atualmente, a regulamentação do rol das enfermidades, encontra-se

prevista no anexo II, do Decreto n. 3.048/99, com redação alterada em 10 de

Lesão corporal ou perturbação

funcional

Sofrido por segurado empregado, avulso,

contribuinte individual e especial

Decorrente do exercício da

atividade laboral

ou

Em hipóteses onde a norma jurídica extende o nexo

causal

que

Configure a hipótese de incidência da

pensão por morte (morte de segurado),

aposentadoria por invalidez, auxílo-

doença ou auxílio-acidente

Acidente do trabalho

66

setembro de 2009 pelo Decreto n. 6.957, satisfazendo assim a exigência legal do

artigo 20 da Lei n. 8.213/91.

Para ser caracterizada como doença profissional, necessariamente

deve ocorrer simultaneamente o nexo causal com a atividade profissional e a doença

se encontrar prevista no rol do anexo II, do Decreto 3.048/99, conforme resumido na

figura abaixo:

A legislação previdenciária, no tocante a caracterização da doença

profissional, traz uma exceção no § 2º do artigo 20 da Lei n. 8.213/91 que permite ao

segurado que comprove, por meio da prova pericial, que a ―invalidez‘‘ é resultado

das condições especiais que o trabalho é executado e com ele se relaciona

diretamente:

§2º. Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo, resultou nas condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.

Oportunamente, para se compreender melhor acerca da exceção

prevista, verifica-se o quadro abaixo:

Doença Rol do Decreto

nº 3.048/99 Relação causal com o trabalho

Doença profissional

Doença Não listada no

Decreto nº 3.048/99

Decorrente do trabalho

Pertinente as condições ambientais

(nocividade)

Doença profissional

67

Nota-se que o fato importante para a caracterização da doença

profissional é a existência de nexo causal entre a doença/lesão e o trabalho exercido

pelo segurado.

A culpa do empregador, no resultado da lesão, é elemento

totalmente indispensável para a caracterização da doença profissional, tanto que o

inciso III do artigo 21 da Lei n. 8.213/91 dispõe que a contaminação mesmo que seja

acidental pelo empregado também é causa de surgimento de doença profissional.

Fato relevante é que a doença que não ocasionar a invalidez

substancial para o trabalho não enseja a qualificação de doença profissional.

4.3.3 Doença do Trabalho

A doença do trabalho está relacionada com o ambiente onde o

segurado exerce sua atividade profissional, ou seja, as condições especiais em que

o trabalho é desenvolvido pelo colaborador.

O inciso II, do artigo 20 da Lei n. 8.213/91 dispõe que a doença do

trabalho é entendida como aquela enfermidade desenvolvida em razão das

condições nocivas em que o trabalho é executado e com ele se relaciona

diretamente na relação contida no anexo II, do Decreto n. 3.048/99 elaborado pelo

MPS.

A doença do trabalho normalmente não é adquirida de forma

instantânea, mas sim ao longo da prestação de serviço realizada pelo colaborador, a

exemplo disso, o trabalhador que adquire silicose em decorrência a exposição à

sílica que é o principal componente da areia e a principal matéria prima para o vidro,

nas atividades desenvolvidas nas marmorarias, fundições e vidraçarias.

Para a verificação da doença do trabalho é necessária a

caracterização de dois requisitos: i) a existência da presença ou não de agentes

nocivos, bem como sua intensidade e habitualidades e; ii) constatação de nexo

causal entre as nocividades e a doença adquirida.

68

O Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho - LTCAT,

documento que deve ser confeccionado por Médico do Trabalho ou Engenheiro de

Segurança do Trabalho é o documento hábil para constatar a presença dos agentes

nocivos nos locais de trabalho, bem com sua intensidade e habitualidade.

Quanto ao segundo requisito, o Decreto n. 3.048/99, atualizado pelo

Decreto n. 6.957/09, estabeleceu os agentes nocivos que geram enfermidades

passiveis de aquisição da doença do trabalho.

Ressalta-se que somente o segurado, que exerça a sua atividade

em meio ambiente nocivo à saúde humana, poderá adquirir a doença do trabalho, ou

seja, os mesmos segurados hipotéticos de uma eventual aposentadoria especial,

pois ambas decorrem da mesma situação fática, a nocividade do ambiente de

trabalho, conforme exemplificado no quadro abaixo:

O §1º do artigo 20 da Lei n. 8.213/91 isenta as doenças

degenerativas, inerente ao grupo etário, que produzam incapacidade laborativa e as

doenças endêmicas adquiridas por segurado em ambiente de região que ela se

desenvolva do rol das doenças do trabalho.

4.4 MÉTODOS DE CARACTERIZAÇÃO DA INVALIDEZ ACIDENTÁRIA

A invalidez acidentária pressupõe a doença profissional, doença do

trabalho ou acidente do trabalho. A ausência desses fatos não inviabiliza,

necessariamente, a proteção previdenciária. Se superada a carência, o segurado

Ambientes laborais

Nocivas

Passivel de gerar aposentadoria

especial

Passível de atribuir ou desencadear

doença do trabalho

Comuns

69

poderá se beneficiar, desde que comprove a invalidez, independentemente da

origem.

A natureza acidentária da invalidez pode ser aferida por meio de

dois métodos: i) causal e; ii) técnico.

4.4.1 NEXO CAUSAL

Para o reconhecimento do acidente do trabalho, é essencial a

ocorrência do nexo de causalidade, ou seja, a demonstração da relação de causa e

efeito entre o trabalho e a lesão. A causalidade acidentária é verificada quando se

comprova que a lesão geradora da invalidez decorreu, direta ou indiretamente, do

trabalho ou de seu meio ambiente.

Com relação à caracterização da doença do trabalho, o nexo causal

é fator fundamental para averiguar se as condições nocivas no ambiente do trabalho

é elemento motivador da enfermidade, pois caso a doença seja gerada por outro

elemento externo ao ambiente, esta perderá a qualidade ―do trabalho‖.

Nesse sentido, para que esta doença continue tendo a qualificadora

acidentária, deve-se relacionar com outras circunstâncias inerentes a essa

qualificação.

O nexo causal, além de verificar a pertinência entre o

acidente/doença e a relação laboral, é também o elemento confirmador do NTEP.

4.4.2 Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP

A Lei n. 11.430/06 acrescentou o artigo 21-A na Lei n. 8.213/91

instituindo assim o NTEP:

Art. 21-A. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade

70

mórbida motivadora da incapacidade elencada na classificação internacional de doença – CID, em conformidade com o dispuser o regulamento.

§1º. A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo.

§2º. A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social.

A finalidade do NTEP é a identificação de doenças e acidentes

provavelmente relacionados com as práticas de determinas atividades profissionais.

O NTEP leva em consideração os dados constantes da Classificação Nacional de

Atividades Econômicas – CNAE e as doenças descritas no Decreto n. 3.048/99, que

atualmente estão regulamentadas pelo Decreto n. 6.957/09.

O NTEP presume que a incapacidade é acidentária quando o

trabalhador adquirir alguma das enfermidades relacionadas à atividade

preponderante do seu empregador, cruzando do código da Classificação

Internacional de Doenças - CID e do CNAE da atividade econômica. Trata-se de

relação de causalidade aferida por estatística que, por meio da reiteração, traça

perfil epidemiológico de cada atividade econômica.

A conclusão da existência do NTEP não é prova absoluta da

ocorrência da doença profissional, pois o § 2º do artigo 21-A da Lei n. 8.213/91

legitima qualquer uma das partes da relação, empresa ou segurado, a impugnar a

decisão administrativa que atribuiu à natureza acidentária ao benefício.

O NTEP não gera, portanto, presunção absoluta de acidentalidade.

O efeito é relativo, porque se desconstruído o nexo de causalidade a invalidez perde

sua condição acidentária. Essa desconstrução não importa, necessariamente, na

cessação do benefício acidentário; essa situação ocorre tão-somente nos casos em

que a causa da invalidez era necessária à concessão, por isentar a carência.

71

Portanto, nos casos de caracterização do NTEP para os segurados

empregados, poderá o empregador interpor recurso administrativo ao Conselho da

Previdência Social, objetivando a descaracterização da natureza acidentária do

benefício. Todavia, obrigação de comprovação passa a ser exclusivamente do

recorrente/empregador. Salienta-se que o recurso tem efeito suspensivo.

72

5 EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS DA INVALIDEZ ACIDENTÁRIA

A qualificação da invalidez como acidentária enseja efeitos em

outras relações jurídicas além da previdenciária. A constatação da invalidez, no

entanto, pode ser distinta entre os ramos do direito. Assim, o fato considerado como

acidente do trabalho para a seara previdenciária poderá, no entanto, ser

descaracterizado, por exemplo, pelo direito do trabalho, e vice-versa:

RECURSO DE REVISTA - ESTABILIDADE - DOENÇA OCUPACIONAL - LAUDO JUDICIAL - AUSÊNCIA DO NEXO DE CAUSALIDADE - LAUDO DO INSS - PRESUNÇÃO DO NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO - PREVALÊNCIA - MATÉRIA FÁTICA. A discussão que exsurge dos autos é o aparente conflito entre o laudo judicial e o laudo do INSS. Este, obtido no curso da instrução processual, a partir das alegações da parte de que laborava em atividade de digitação de dados para processamento e procedia à abertura de rígidos lacres que abasteciam os caixas eletrônicos, cuja conclusão foi pela existência de Nexo Técnico Epidemiológico entre a doença e o trabalho; e aquele elaborado a cargo de médico perito indicado pelo juízo, que, em vistoria ao local de trabalho do autor e análise das funções desempenhadas e da lesão sofrida, constatou a ausência de nexo de causalidade. O laudo obtido junto ao INSS presumiu o liame de causalidade a favor do empregado, nos termos do art. 21-A da Lei nº 8.213/91. Tal presunção, contudo, não é absoluta, transferindo ao empregador o ônus de desconstituir o que foi presumido pela lei. Ainda que o nexo de causalidade apontado pelo INSS seja fato novo superveniente à instrução processual, deverá ser considerado como meio de prova (art. 212º do CPC) e analisado conjuntamente com os demais elementos probatórios dos autos. A questão, portanto, envolve as provas produzidas nos autos e a influência que terão na formação do convencimento do julgador, nos termos dos arts. 131 e 436 do CPC. No caso em exame, o julgador ordinário fez prevalecer o laudo pericial produzido em juízo. Nesse sentido, constatado pela instância soberana na análise dos fatos e provas coligidos aos autos que não houve o nexo causal entre a atividade desempenhada pela autora e a lesão sofrida, para se chegar à conclusão diversa, de que o laudo produzido pelo INSS reflete o verdadeiro nexo causal, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, cujo óbice em sede extraordinária encontra-se previsto na Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista não conhecido.33

33 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 1ª Turma. RR - 615800-30.2003.5.09.0651. DJU

05/08/2011.

73

Cada ramo do direito, por meio dos seus princípios, axiomas e

regras, constroem conceitos próprios, válidos dentro da esfera de domínio do seu

conhecimento. Portanto, o conceito de invalidez do direito do trabalho não é,

necessariamente, o mesmo para o direito securitário, tampouco para o direito do

trabalho.

5.1 ENQUADRAMENTO DA ALÍQUOTA SAT

A previsão genérica da contribuição ao Seguro de Acidentes do

Trabalho – SAT está prevista no inciso I, do artigo 195 da Constituição Federal e

deve interpretada em conformidade com o princípio da equidade na forma de

custeio, previsto no inciso V, do artigo 194, do texto constitucional.

Como devidamente estudado em capítulos anteriores, o Sistema de

Seguridade Social se traduz na ideia de seguros privados, ou seja, a medida da

contribuição ao sistema é diretamente proporcional ao acontecimento do evento

danoso. Portanto, aquele contribuinte que gerar maior probabilidade de causar o

risco social, deve aportar valores maiores aos cofres da Seguridade Social.

Vislumbra-se que a Seguridade Social, consagrando a máxima

aristotélica, ou seja, tratando os iguais de maneira igualitária e os desiguais na

medida de suas desigualdades. Tributa mais agressiva àquele contribuinte/empresa

que em cuja atividade preponderante o risco de acontecimento de acidentes do

trabalho seja considerada alto.

O legislador ordinário em respeito a esse princípio, instituiu o inciso

II, do artigo 22 da Lei n. 8.212/91 alíquotas progressivas conforme a probabilidade

da empresa gerar acidentes de trabalho a seus colaboradores, de (i) 1% (um por

cento) determinada para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de

acidentes do trabalho seja considerado leve; (ii) 2% (dois por cento) para as

empresas cuja atividade preponderante o risco é moderado; (iii) 3% (três por cento)

para as empresas cuja atividade preponderante a probabilidade seja considerada

grave.

74

O §3º do artigo 202 do Decreto n. 3.048/99 define como atividade

preponderante aquela que na empresa ocupa o maior numero de segurados

empregados e trabalhadores avulsos, conforme se verifica abaixo:

―§3º. Considera-se preponderante a atividade que ocupa, na empresa, o maior numero de segurados empregados e trabalhadores avulsos‖.

O inciso II do artigo 22 da Lei n. 8.212/91 (Plano de Custeio da

Seguridade Social) determina que a alíquota do SAT, se 1%, 2% ou 3% (um, dois ou

três por cento), é definida pela atividade preponderante. A lei, não obstante a

utilização da expressão, não definiu o seu conceito.

O artigo 202 do Decreto n. 3.048/99, sob pena de ilegalidade,

manteve o mesmo critério legal para a identificação da alíquota do SAT. Essa

norma, no entanto, definiu o conceito de atividade preponderante, compreendendo-a

como a atividade que ocupa o maior número de empregados e trabalhadores

avulsos.

O inciso II do § 1º do artigo 72 da Instrução Normativa RFB n.

971/09 manteve o critério quantitativo para identificar a atividade preponderante,

definindo-a como a atividade que ocupa o maior número de empregados e

trabalhadores avulsos. A norma administrativa, porém, incutiu outro dado, excluindo

do cômputo da preponderância as atividades entendidas como aquelas que auxiliam

ou complementam indistintamente as diversas atividades econômicas da empresa.

Observando essas regras, sobretudo a hierarquia e compatibilidade,

podemos afirmar que a alíquota é definida pela atividade preponderante, assim

entendida a atividade que ocupa o maior número de empregados e trabalhadores

avulsos.

A identificação da preponderância observa a atividade de forma

isolada; dissociada do contexto em que ela é desenvolvida. A apreensão analisa a

atividade como se fosse única, identificando a realidade profissional desenvolvida

pelos trabalhadores.

75

A preponderância, portanto, não observa a atividade como uma

profissão, tampouco como um instrumento econômico; a atividade é investigada a

partir dos seus aspectos laborais, da realidade pragmática desenvolvida pelo

trabalhador.

Não interessa à preponderância o conhecimento do cargo, da

profissão ou da finalidade econômica da atividade desenvolvida; importa tão-

somente o conhecimento das práticas desempenhadas na atividade analisada.

Completando a nossa definição, podemos conceituar a atividade

preponderante como aquela prática laboral desempenhada pelo maior número de

empregados e trabalhadores avulsos. A atividade econômica não abrange a

atividade profissional, e vice-versa. São critérios diferentes de classificar o objeto

comum.

Os decretos que regulamentaram o SAT – 612/91, 2.713/97 e

3.048/99 – tampouco a Lei n. 8.212/91 excluíram as atividades-meio do cômputo da

preponderância. Essa exclusão decorre da Orientação Normativa INSS/AFAR n.

02/1997, reiterada na Instrução Normativa INSS/SRP n. 03/05 e na Instrução

Normativa RFB n. 971/09 (vigente).

Sem embargo, o Superior Tribunal de Justiça - STJ já analisou em

diversas ocasiões a legalidade dessa exclusão, concluindo pela ilegalidade:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. CONTRIBUIÇÃO AO SAT. INSTRUÇÃO NORMATIVA 2/1997. EXCLUSÃO DE EMPREGADOS DA ATIVIDADE-MEIO. ILEGALIDADE. 1. O entendimento em relação à legalidade da cobrança da contribuição ao SAT está consolidado no STJ, no sentido de que o decreto que estabeleça o que venha a ser atividade preponderante da empresa e seus correspondentes graus de risco - leve, médio ou grave - não exorbita de seu poder regulamentar. Precedentes do STJ. 2. O item 2.2.1 da Orientação Normativa 2/1997 ofendeu o princípio da legalidade, ao determinar a exclusão dos empregados que trabalham na atividade meio para verificação do grau de risco da empresa, uma vez que criou preceito não previsto

76

na Lei 8.212/1991, a qual disciplina o Seguro de Acidentes do Trabalho - SAT. 3. Agravo Regimental provido.34

TRIBUTÁRIO - SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO (SAT) – APLICAÇÃO DO ART. 557 DO CPC. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de reconhecer a legitimidade de se estabelecer, por decreto, o grau de risco (leve, médio ou grave) para determinação da contribuição para o SAT, partindo-se da "atividade preponderante" da empresa. 2. A Lei 8.212/91, para efeitos da cobrança do SAT, estabeleceu alíquota mais elevada para aquelas empresas cuja "atividade preponderante" sujeitasse o maior número de trabalhadores a maior grau de risco de trabalho, nos termos das regras do Decreto 2.173/97. 3. Ilegalidade da Orientação Normativa 2/97, pela qual deve ser desconsiderado o número de trabalhadores da área-meio da empresa para fins da determinação da "atividade preponderante". 4. Recurso parcialmente provido.35

O STJ ainda não se manifestou expressamente acerca da legalidade

da Instrução Normativa RFB n. 971/09, como já fizera em relação à Instrução

Normativa INSS/SRP n. 02/97. Isso, no entanto, não implica maiores consequências,

pois a conotação da regra da Instrução Normativa INSS/SRP n. 02/97 anulada pelo

STJ é idêntica ao significado do enunciado da alínea b o inciso II do § 1º do artigo 72

da Instrução Normativa RFB n. 971/09:

Instrução Normativa RFB n. 971/09 Orientação Normativa INSS/AFAR n. 02/97

Não serão considerados os segurados

empregados que prestam serviços em

atividades-meio, para a apuração do

grau de risco, assim entendidas aquelas

que auxiliam ou complementam

indistintamente as diversas atividades

econômicas da empresa, tais como

serviços de administração geral,

recepção, faturamento, cobrança,

contabilidade, vigilância, dentre outros;

Para fins de enquadramento não serão

considerados os empregados que

prestam serviços em atividades meio,

assim entendida aquelas que auxiliam

ou complementam indistintamente as

diversas atividades econômicas da

empresa, como por exemplo:

administração geral, recepção,

faturamento, cobrança, contabilidade,

administração geral, recepção,

faturamento, cobrança, contabilidade,

34

BRASIL. Superior de Justiça. AgRg no Ag 1134164, DJU 24/09/2009. 35

BRASIL. Superior de Justiça. Resp. 323094, DJU 01/06/2006.

77

vigilância, dentre outros;

O enquadramento é realizando levando-se em consideração a

individualização de cada estabelecimento, desde que tenha inscrição própria no

CNPJ, entendimento este, que foi sedimentado pelo STJ na Súmula n. 351:

Súmula – 351 ―A alíquota de contribuição para o Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) é aferida pelo grau de risco desenvolvido em cada empresa, individualizada pelo seu CNPJ, ou pelo grau de risco da atividade preponderante quando houver apenas um registro.‖

5.2 FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO – FAP

O artigo 1° de nossa Constituição Federal já estabelece como um

dos mais importantes princípios do Estado de Direito o valor social do trabalho.

Nesta esteira, deriva-se a proteção acidentária defendida por uma ação integrada de

institutos como dos MPS, do Ministério do Trabalho - MTE e do Ministério da Saúde -

MS. Nossa Carta Magna, em seu artigo 7° prevê a obrigatoriedade da existência de

um trabalho seguro, bem como a obrigação do empregador pelo custeio do seguro

acidente do trabalho. Da mesma forma, o valor social do trabalho está fortemente

estruturado em garantias sociais como o direito à segurança, à saúde, à previdência

social e ao trabalho.

Para que a cobertura de eventos e infortúnios derivados dos riscos

ambientais do trabalho, sejam eles doenças e acidentes de trabalho, ou as

aposentadorias especiais, possam ser proporcionadas e mantidas pecuniariamente,

é necessário uma fonte de custeio. A Lei n. 8.212/1991 prevê que estes benefícios

sejam custeados com base na tarifação coletiva das empresas, conforme o

enquadramento das atividades preponderantes de acordo com a Subclasse da

CNAE.

78

A referida lei estabelece esta tarifação coletiva que diz respeito a

1%, 2% e 3% (um, dois e três por cento), calculados sobre o total das remunerações

pagas aos segurados na modalidade de empregados e trabalhadores avulsos. No

entanto, estes percentuais não são fixos; podem ser majorados ou reduzidos

conforme previsão do artigo 10 da Lei 10.666/03:

Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinquenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de frequência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho

Nacional de Previdência Social.

Esta previsão demonstra a possibilidade de estabelecer a tarifação

individual da empresa, tornado possível a flexibilização do valor das alíquotas,

podendo ser elevadas ao dobro ou reduzidas pela metade. Essa flexibilização só se

fez acontecer em decorrência da aplicação da metodologia do FAP. Ou seja, a

incidência das alíquotas tornou-se maleável para o financiamento dos benefícios

pagos pela Previdência Social, decorrentes dos riscos ambientais do trabalho,

devido ao surgimento do FAP.

Assim, a metodologia foi aprovada pelo CNPS por meio de análise e

avaliação da proposta metodológica, bem como com a publicação em 2009 das

Resoluções do CNPS de n. 1308 e 1309. O CNPS consiste em uma instância

quadripartite que conta com a representação de trabalhadores, empregadores,

associações de aposentados e pensionistas e do Governo.

Registre-se ainda que esta metodologia aprovada busca beneficiar

aqueles empregadores que realizam constantemente melhorias ambientais em seus

estabelecimentos e postos de trabalho, apresentado menores índices de acidentes

entre seus funcionários. Da mesma forma, esta metodologia busca aumentar a

cobrança daquelas empresas que apresentam maiores índices de acidentalidade e

doenças ocupacionais, em comparação à média de seu setor econômico.

79

Acima de tudo, é fundamental ressaltar que a implementação da

metodologia do FAP servirá para incentivar a cultura da prevenção dos acidentes e

doenças do trabalho e auxiliar a estruturação do Plano Nacional de Segurança e

Saúde do Trabalhador – PNSST. Este plano vem sendo estruturado mediante a

condução dos referidos Ministérios (MPS, TEM e MS), permitindo fortalecer as

políticas públicas nesta área, assim como reforçar a relação social entre

trabalhadores e seus empregadores. Tudo isso colaborará para que uma melhor

qualidade de vida e melhorias ambientais no trabalho se tornem cada dia mais

comuns nas empresas brasileiras.

A CF88, conforme previsão em seu artigo 7º, inciso XXII, apresenta-

se como instrumento de maior relevo na tarefa de garantir ao trabalhador a ―redução

dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e

segurança‖.

Como ressalta Fábio Zambitte Ibrahim, a Lei:

[...] também traz dispositivo de relevância ao permitir que o Ministério da Previdência Social – MPS possa alterar, com base nas estatísticas de acidentes de trabalho, apuradas em inspeção, o enquadramento de empresas párea efeito da contribuição do SAT a fim de estimular investimentos em prevenção de acidentes (art. 22, § 3 da Lei n. 8.212/1991)36.

A legislação previdenciária, portanto, já dispunha de caminho para

que as alíquotas-parte para custeio da aposentadoria especial e dos benefícios

previdenciários, decorrentes de acidente de trabalho, fossem adaptadas em

conformidade com o efetivo risco individualizado da empresa ou de seu setor, como

bem estabelece o enunciado do § 3, artigo 22 da Lei 8.212/1991, veja-se:

[...] O Ministério do Trabalho e da Previdência Social poderá alterar, com base nas estatísticas de acidentes do trabalho, apuradas em inspeção, o enquadramento de empresas para efeito da contribuição a que se refere o inciso II deste artigo, a fim de estimular

investimentos em prevenção de acidentes.

36

IBRAHIM, op. cit.

80

Deste modo, como já mencionado anteriormente, o objetivo desta

previsão é estimular investimentos destinados a diminuir os riscos ambientais no

trabalho. Assim, o Decreto n. 3.048/1999, em seu artigo 203, dispõe que poderá ser

alterado ―o enquadramento de empresa que demonstre a melhoria das condições do

trabalho, com redução dos agravos à saúde do trabalhador, obtida por meio de

investimentos em prevenção e em sistemas gerenciais de risco‖.

Essa regulamentação foi ratificada por meio do artigo 10, da Lei

10.666/03, que dispõe sobre a concessão da aposentadoria especial ao cooperado

de cooperativa de trabalho ou de produção, nos seguintes termos:

A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinquenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de frequência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.

Por essa razão, uma flexibilização das alíquotas de contribuição

para o custeio foi criada pela Resolução 1.236/0437, editada pelo Conselho Nacional

de Previdência Social (CNPS), atualizada pela Resolução MPS/CNPS 1.269/2006.

Esta proposta metodológica buscava criar meios que identificassem as empresas

que investem em prevenção de acidentes de trabalho e que, consequentemente,

poderão receber até 50% de redução da alíquota da contribuição em estudo ou, em

dimensão oposta, onerar-se em até 100%.

5.2.1 Metodologia do Fator Acidentário de Prevenção

O artigo 10, da Lei n. 10.666/03 permitiu a possibilidade de aumento

ou de diminuição da alíquota SAT, senão veja-se:

37

BRASIL. Conselho Nacional de Previdência Social. Resolução MPS/CNPS nº 1.236, de 28 de abril de 2004 - DOU de 10/05/2004. Disponível em: <http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/72/mps-cnps/2004/1236.htm>. Acesso 10 jun. 2011.

81

Art. 10 – a alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida em até cinquenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de frequência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.

Esta norma corrobora com o princípio da equidade na forma de

participação e custeio, na medida em que busca favorecer aqueles contribuintes que

reduzem o número de concessões de benefícios por incapacidade comprovada, ao

contrário daqueles que dão prejuízo o sistema previdenciário.

Diante dessa situação, o contribuinte que conseguir reduzir os

efeitos das imperfeições no ambiente de trabalho, poderá obter sua alíquota SAT

reduzida pela metade, ou dobrada caso as empresas não tomem medidas cabíveis

em relação a saúde, higiene e segurança do trabalho.

Coube ao CNPS estipular um método para avaliar o desempenho

dos contribuintes entre si. Não obstante, este método deve respeitar os limites

impostos pela lei, isto é, o de apurar o desempenho dos contribuintes a partir dos

índices de frequência, gravidade e custo em relação aos benefícios decorrentes da

nocividade laboral, conforme fixado no §4º, do artigo 202-A, do Decreto n. 3.048/99,

pois, veja-se:

Art. 202-A. As alíquotas constantes nos incisos I a III do art. 202 serão reduzidas em até cinqüenta por cento ou aumentadas em até cem por cento, em razão do desempenho da empresa em relação à sua respectiva atividade, aferido pelo Fator Acidentário de Prevenção - FAP. Incluído pelo Decreto nº 6.042 - de 12/2/2007 - DOU DE 12/2/2007

§ 1º O FAP consiste num multiplicador variável num intervalo contínuo de cinco décimos (0,5000) a dois inteiros (2,0000), aplicado com quatro casas decimais, considerado o critério de arredondamento na quarta casa decimal, a ser aplicado à respectiva alíquota. (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

82

§ 2º Para fins da redução ou majoração a que se refere o caput, proceder-se-á à discriminação do desempenho da empresa, dentro da respectiva atividade econômica, a partir da criação de um índice composto pelos índices de gravidade, de frequência e de custo que pondera os respectivos percentis com pesos de cinquenta por cento, de trinta cinco por cento e de quinze por cento, respectivamente. (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

§ 3º (Revogado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

§ 4º Os índices de frequência, gravidade e custo serão calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social, levando-se em conta: Incluído pelo Decreto nº 6.042 - de 12/2/2007 - DOU DE 12/2/2007

I - para o índice de frequência, os registros de acidentes e doenças do trabalho informados ao INSS por meio de Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT e de benefícios acidentários estabelecidos por nexos técnicos pela perícia médica do INSS, ainda que sem CAT a eles vinculados; (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

II - para o índice de gravidade, todos os casos de auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, todos de natureza acidentária, aos quais são atribuídos pesos diferentes em razão da gravidade da ocorrência, como segue: (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

a) pensão por morte: peso de cinquenta por cento; (Incluído pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

b) aposentadoria por invalidez: peso de trinta por cento; e (Incluído pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

c) auxílio-doença e auxílio-acidente: peso de dez por cento para cada um; e (Incluído pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

III - para o índice de custo, os valores dos benefícios de natureza acidentários pagos ou devidos pela Previdência Social, apurados da seguinte forma: (Alterado pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

a) nos casos de auxílio-doença, com base no tempo de afastamento do trabalhador, em meses e fração de mês; e (Incluído pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009)

83

b) nos casos de morte ou de invalidez, parcial ou total, mediante projeção da expectativa de sobrevida do segurado, na data de início do benefício, a partir da tábua de mortalidade construída pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE para toda a população brasileira, considerando-se a média nacional única para ambos os sexos. (Incluído pela DECRETO Nº 6.957, DE 9/9/2009 – DOU DE 10/9/2009).

A resolução MPS/CNPS n. 1.269/06 ao definir o método de

apuração do desempenho dos contribuintes, não respeitou totalmente os limites

legais, pois em sua metodologia incluíram, além dos benefícios acidentários (v.g.,

B91, B92 e B93), também os benefícios de natureza comum (v.g., B31 e B32), cuja

causa sequer tem ligação com os riscos de acidente do trabalho.

Posto isto, o resultado deste método não é avaliado individualmente,

mas, sim em face da categoria em que o contribuinte está enquadrado no CNAE.

5.2.2 O FAP Como Operador da Adequação

Esse modelo estruturado pelo CNPS através da resolução

MPS/CNPS n. 1.269/06, ultrapassou os limites legais ao incluir elementos estranhos

ao objeto protegido, ou seja, incluiu benefícios cuja causa sequer tangencia os riscos

decorrentes do trabalho.

Como já estudado anteriormente, o regulamento não pode criar

direitos e deveres, mas, tão somente, regulamentar a lei, ou seja, caberia ao CNPS

somente considerar os benefícios decorrentes de acidentes de trabalho como critério

de avaliação, para consequentemente atingir sua finalidade, que nada mais é

averiguar as empresas que mais ensejam causas à concessão de benefícios

acidentários.

Desta forma, verifica-se o equívoco na inclusão dos benefícios de

espécie comum no método eleito pelo CNPS para apuração do FAP, portanto, não

nos resta outra conclusão, a não ser de entender pela ilegalidade da resolução.

84

5.2.3 Hipóteses de majoração e redução da alíquota SAT

A apuração da alíquota do FAP será confrontada com o resultado de

outros contribuintes do CNAE, levando em consideração três dimensões: frequência,

gravidade e custo. Sendo assim, a empresa que estiver na média das três

dimensões (0,0,0) terá o FAP igual a um. Já aquelas empresas que tiverem as três

dimensões (2,2,2) terá o fator máximo ou dois. Entretanto, em se tratando de

empresa cujas três dimensões (-2,-2,-2) terá o valor mínimo do FAP e

consequentemente irá se beneficiar da redução da alíquota SAT.

Percebe-se que o FAP tem sua variação de 0,5, sendo a menor

avaliação, até 2,0 a maior avaliação, e consequentemente a alíquota do SAT poderá

sofrer as seguintes alterações: i) empresas de risco leve: de 0,5 (meio por cento) até

2% (dois por cento); ii) empresas de risco médio de 1% (um por cento) a 4% (quatro

por cento); e iii) empresas de risco grave: de 1,5 % (um e meio por cento) a 6% (seis

por cento).

Enfatiza-se que, diante da grande variação do SAT, é de suma

importância que as empresas, nos dias atuais, aumentem a prevenção de acidentes

do trabalho, para que com isso diminuam a concessão de benefícios de

incapacidade comprovada, e tenham um melhor resultado na apuração do FAP,

beneficiando-se assim nas suas contribuições sociais.

5.3 Ações de Regresso

A legislação previdenciária nos artigos 120 e 121, ambos da Lei n.

8.213/91, reservou ao INSS a possibilidade de reaver os valores pagos a título de

benefícios previdenciários advindos de comportamento negligente, imprudente,

omisso ou doloso da empresa, senão vejamos:

Art.120 - Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

85

Art.121 - O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem.

O Decreto N. 3.048/99, regulamentador da lei de benefícios, também

disciplinou a respeito da matéria em seus artigos 341 e 342, senão vejamos:

Art.341-Nos casos de negligência quanto às normas de segurança e saúde do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, a previdência social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

Art.342-O pagamento pela previdência social das prestações decorrentes do acidente a que se refere o art. 336 não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de terceiros.

Mormente os artigos 120 e 121 da Lei n. 8.213/91 estar previstos

desde a publicação da Lei, ou seja, 24 de julho de 1991, a autarquia previdenciária

não aplicava o disposto, visto a ausência de regulamentação, que era imputada pela

ausência de metodologia para a apuração dos valores a serem cobrados. Esta

ausência foi solucionada por meio da Orientação Interna do INSS PFE-INSS nº

02/05, que estabeleceu junto ao INSS um procedimento comum.

Enfatiza-se que a as ações regressivas somente são permitidas nos

casos em que há a concessão de benefícios previdenciários decorrentes de atos de

negligencia, imprudência, omissão ou dolo do empregador ao seu colaborador.

A ação regressiva tem dois objetivos: i) o de reaver do causador do

―risco social‖ o que efetivamente se despendeu em pagamento de benefício

previdenciário; ii) coagir as empresas a tomar medidas profiláticas de higiene e

segurança do trabalho, para que ao longo do tempo se diminua a concessão dos

benefícios decorrentes de atos de culpa ou dolo do empregador.

Portanto, conclui-se que as ações de regresso não visam somente a

restituição dos valores pagos a título de benefícios previdenciários decorrentes de

atos de negligência, imperícias, omissão ou dolo do empregador, mas também

objetiva a fazer com o que a cada dia mais as empresas se preocupem em melhorar

as condições do meio ambiente do trabalho.

86

A regra de competência para o processamento e julgamento das

ações regressivas, é da Justiça da Federal, conforme disposto no artigo 109 da

Justiça Federal, porém a exceções que a competência será do Juiz Estadual

investido de jurisdição federal, nas hipóteses do réu ter domicílio em local onde não

há fórum da Justiça Federal, conforme disposto nos §§1º,3º, e 4º do artigo

supracitado.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA PROPOSTA PELO INSS CONTRA O EMPREGADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. A competência para processar e julgar a ação regressiva ajuizada pelo INSS contra o empregador visando ao ressarcimento de gastos com o pagamento de benefício previdenciário em decorrência de acidente do trabalho é da Justiça Federal.38.

AÇÃO REGRESSIVA. ACIDENTE DE TRABALHO. EC 45/04. COMPETÊNCIA JUSTIÇA FEDERAL. Tratando-se de ação de regresso de indenização, a competência para processar e julgar a causa continua sendo da Justiça Federal, ainda que a causa primária da concessão do benefício previdenciário por acidente de trabalho, cuja concessão originou a ação de regresso, seja mesmo uma relação empregatícia.39.

5.3.1 Inconstitucionalidade do artigo 120 da Lei n. 8.213/91: Desequilíbrio

Financeiro e Atuarial

O caput do artigo 201 da CF88 enuncia um dos mais valiosos

princípios da Previdência Social, quem sabe da Seguridade Social. Trata-se do

princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, que, dada a sua importância, deveria

estar arrolado no parágrafo único do artigo 194, ao lado dos objetivos gerais da

Seguridade Social.

A importância desse princípio é confirmada pela forma redundante

que o constituinte aborda o seu valor. Inobstante o claro sentido do princípio, o

constituinte reitera o valor através da regra presente no § 5º do artigo 195 da CF,

38 BRASIL. Tribunal Regional da 4ª Região. Quarta Turma. RS 0032936-80.2010.404.0000, DJU

07/12/2010. 39

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Terceira Turma. AG 200604000125560. DJU 23/08/2006.

87

que veda, no intuito de preservar o equilíbrio, a elevação de despesas sem a

correspondente fonte de custeio total:

§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

A interpretação do enunciado do § 5º do artigo 195 da CF88

pressupõe a sua contextualização, pois a interpretação desse enunciado deve,

necessariamente, observar a natureza sistêmica a qual se encontra submetida a

Seguridade Social.

O desequilíbrio financeiro e atuarial não procede apenas pela

elevação disforme da despesa ou redução da receita. O déficit não é a única forma

de manifestação do desequilíbrio; a essa forma podemos acrescentar o superávit, na

medida em que o excesso de receita, ou a redução de despesa também é encarado

pelo sistema como um problema.

É o que se pode extrair do artigo 20 da Lei Complementar n. 109/01,

que impõe a revisão dos planos de previdência superavitários objetivando o

equacionamento do plano desequilibrado.

A Constituição Federal, por meio do princípio do equilíbrio financeiro

e atuarial e da regra estampada no § 5º do artigo 195 da CF88, veda o desequilíbrio

do sistema de Seguridade Social, impedindo, simultaneamente, a ocorrência do

déficit e do superávit. As leis que objetivam o desequilíbrio, seja pela elevação

desnecessária da receita, seja pela diminuição injustificada das despesas, devem,

portanto, ser declaradas inconstitucionais.

A ação de regresso, sob a ótica financeira e atuarial, se justificaria

na ausência de proteção previdenciária da morte decorrente da negligência quanto

às normas padrão de segurança e higiene do trabalho, ou seja, caso estivessem

presentes os seguintes fatores:

88

Que esse risco não se encontra mensurado no valor das

contribuições previdenciárias pagas pelo empregador, ou;

Que a probabilidade dos atos ilegais – negligência quanto às normas

de segurança e higiene do trabalho – não é compreendida pelas contribuições pagas

pelo empregado.

Sucede que esse risco encontra-se dimensionado no custeio exigido

dos contribuintes. Isso porque, a relação previdenciária de proteção não releva, para

fins de identificação do fato gerador, a causa do evento, mas tão-somente o evento

em si.

Os artigos 74 e 75 da Lei n. 8.213/91 modelam a norma jurídica da

pensão por morte. O artigo 74 cuida do fato imponível descrevendo-o como a morte

de segurado, aposentado ou não. O artigo 75 dimensiona o valor da prestação,

enunciando que será igual a cem por cento do valor da aposentadoria que o

segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por

invalidez na data de seu falecimento.

Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:

I - do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste;

II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;

III - da decisão judicial, no caso de morte presumida.

Art. 75. O valor mensal da pensão por morte será de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento, observado o disposto no art. 33 desta lei.

A constitucionalidade do artigo 120 da Lei n. 8.213/91 é questionável

uma vez que a causa da morte não interessa ao fato gerador da prestação,

tampouco à forma de apurar o seu valor. É indiferente à incidência da norma a

89

origem da morte, se decorrente de um acidente do trabalho, de uma doença ou de

um crime (suicídio). Todas as mortes de segurados, aposentados ou não, geram

pensão por morte, seja qual for a sua causa.

A origem da morte também não altera o valor da prestação. O único

discriminem está na condição do segurado falecido, pois, se aposentado o valor da

pensão será o mesmo da aposentadoria, e se não-aposentado o valor será

equivalente ao da aposentadoria por invalidez.

A contingência social protegida pelo sistema não é qualificada pela

causa, pois todas as mortes serão protegidas com igualdade pela Previdência

Social. A legalidade do evento também não interessa à qualificação da contingência.

A morte proveniente do suicídio, não obstante a ilegalidade do ato, ensejará

proteção da mesma forma que a morte derivada de uma doença ou de um acidente.

O cálculo do custeio da contingência morte despreza, portanto,

dados acerca da sua origem e licitude, apreendendo-se tão-somente sobre as

qualidades (segurado ou aposentado) da pessoa natural sujeita à contingência. Isso

significa que as contribuições previdenciárias custeiam todas as mortes de

segurados, seja qual for a sua origem ou causa.

O cálculo do prêmio do seguro (contribuições previdenciárias)

observa, exclusivamente, o risco protegido. Se o seguro não releva a causa do

evento na sua qualificação, essa causa também não será relevada na apuração do

prêmio.

Outra interpretação permitiria ao INSS, quando da análise da

concessão dos benefícios, negar a pensão por morte aos dependentes do segurado

que cometeu suicídio, ou colaborou diretamente para a ocorrência da morte.

Autorizaria, também, ao INSS a regressar contra os homicidas, o Estado ou quem

provocou ou colaborou com a morte de outrem.

90

Essa não nos parece à melhor alternativa, sobretudo porque inexiste

qualquer previsão legal que especifique as mortes pela causa atribuindo-as

consequências próprias.

Sendo assim, podemos concluir que:

A Previdência Social não discrimina as mortes pela causa, mas pela

qualidade do sujeito falecido. Todas as mortes de segurados, aposentados ou não,

seja qual for a causa, mesmo que ilegais, serão reconhecidas como fatos geradores

da pensão por morte;

Como a causa da morte não importa à definição da contingência;

todas as mortes de segurados, aposentados ou não, encontram-se custeadas pelas

contribuições previdenciárias ordinárias, que são mensuradas, observadas as

técnicas da atuária, a partir da definição do evento protegido.

A ação de regresso objetiva um custeio extraordinário; um plus para

amparar um evento não mensurado pelo algoritmo atuarial (prejuízo). Ocorre,

contudo, que as mortes decorrentes de negligência quanto às normas padrão de

segurança e higiene do trabalho estão contempladas pelo cálculo atuarial que

dimensionou o valor das contribuições, pois todas as mortes de segurados, até

mesmo as decorrentes dessa causa, integraram as premissas atuariais.

Esse plus, no presente caso, não seria um complemento das

contribuições previdenciárias pagas pela empresa, mas um excesso injustificado de

receitas que implicaria no desequilíbrio financeiro e atuarial presumido. Os valores

devolvidos não recomporiam o caixa do sistema, porém gerariam um superávit

inconstitucional, haja vista que a despesa que motiva o regresso já se encontra

provisionada nas contribuições previdenciárias vencidas e por vencer.

O artigo 120 da Lei n. 8.213/91 é, portanto, inconstitucional, pois, ao

criar uma espécie de receita sem a correspondente despesa, gera um desequilíbrio

financeiro e atuarial presumido e inexorável. O silêncio quanto a essa

inconstitucionalidade seria demasiado arriscado, notadamente porque enfraqueceria

91

os instrumentos constitucionais de manutenção do equilíbrio sistêmico; a tão

anunciada crise previdenciária certamente seria antecipada, principalmente pelo

descrédito dos métodos constitucionais de preservação do status.

Ademais, além de inconstitucional, o enunciado do artigo 120 é

totalmente imoral, pois autoriza a previdência social cobrar por algo que já se

encontra pago.

5.3.2 Inconstitucionalidade do artigo 120 da Lei nº 8.213/91: risco protegido

pelo Seguro Acidente de Trabalho – SAT

O inciso XXXVIII do artigo 7º da CF88 aponta como direito dos

trabalhadores o ―seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem

excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa‖.

O enunciado constitucional modela uma típica relação securitária,

atribuindo ao empregador a condição de patrocinador (prêmio), ao acidente de

trabalho a qualidade de sinistro (dano) e ao empregado o status de beneficiário da

indenização.

O sinistro não é especificado, mas apreendido na sua acepção geral.

O seguro custeado pelo empregador em benefício do empregado não limita o dano

protegido, porém atinge todas as espécies da classe acidente do trabalho.

Essa conjectura se comprova na análise sistemática do § 10 do

artigo 201 da CF88, que atribui à lei a definição da cobertura do risco de acidente do

trabalho, ex vi:

§ 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado.

A definição da amplitude da proteção do acidente do trabalho foi

conferida à Lei n. 8.213/91, que regendo as formas de indenização (prestações

previdenciárias) enuncia os fatos que geram a concessão.

92

O acidente do trabalho, por uma simples exclusão lógica, relaciona-

se apenas com os benefícios de: i) auxílio-doença, ii) auxílio-acidente, iii)

aposentadoria por invalidez e iv) pensão por morte. Em ambos os casos, o evento

acidentário é tratado na sua generalidade, eis que a lei não especifica o sinistro

separando os acidentes do trabalho que justificam proteção dos acidentes não

amparados pelo seguro:

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.

Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.

Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data.

Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.

O seguro de acidente do trabalho previsto no inciso XXXVIII do

artigo 7º da CF88 não ampara apenas os acidentes do trabalho decorrentes de

fatalidades, mas também aqueles provenientes de negligências do empregador. O

prêmio pago pelo empregador, portanto, custeia todos os sinistros decorrentes do

acidente do trabalho, seja qual for a sua causa.

Estivesse o prêmio restrito ao custeio dos acidentes do trabalho, o

que admitimos apenas para argumentação, os enunciados da Lei n. 8.213/91 que

descrevem o sinistro deveriam limitar a proteção a esse tipo de acidente, negando a

concessão, por exemplo, da indenização aos segurados invalidados por acidentes

do trabalho originados da negligência do empregador quanto às normas padrão de

segurança e higiene do trabalho, pois como define o artigo 757 do CC:

93

Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

A concessão dos benefícios ora regressados já desperta a

inconstitucionalidade do fundamento jurídico apresentado, pois:

Se a concessão do benefício significa que o risco/sinistro estava

garantido.

Se a garantia se dá mediante o pagamento de contribuições

obrigatórias para o seguro acidente do trabalho, nos termos do

artigo 22 da Lei n. 8.212/91.

Logo, as contribuições compulsórias do empregador garantem

todos os danos decorrentes de acidente do trabalho, e não

apenas aqueles decorrentes do acaso.

Não verificamos alternativa senão afirmar: i) que o seguro previsto

no inciso XXXVIII do artigo 7º da CF88 compreende todos os tipos de acidente do

trabalho, seja os decorrentes do acaso, do dolo ou da culpa; ii) que as contribuições

sociais previstas no inciso II do artigo 22 da Lei n. 8.212/91 custeiam a integralidade

desse seguro, e não apenas a parte que se destina à proteção dos acidentes do

trabalho provenientes da fatalidade:

II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:

a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;

b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;

94

c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.

Essas conclusões ratificam a inconstitucionalidade do artigo 120 da

Lei n. 8.213/91, que, não obstante o modelo encabeçado pelo inciso XXXVIII do

artigo 7º da CF88 insiste na arrecadação de um prêmio sem atribuir uma

contrapartida específica. Assim também apresentam os tribunais:

CONSTITUCIONAL. ACIDENTE DE TRABALHO. PEDIDO DE RESSARCIMENTO DE VALORES PAGOS PELA PREVIDÊNCIA. ARTIGO 120 DA LEI 8.123/91. INCOMPATIBILIDADE FRENTE À NORMA CONSTANTE DO ARTIGO 7º, INCISO XXVIII, DA CF. O artigo 120 da Lei 8.213/91 ao possibilitar à Previdência Social a propositura de ação regressiva nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva contraria o texto constitucional constante do artigo 7º, inciso XXVIII, que assegura aos trabalhadores urbanos e rurais o seguro contra acidentes de trabalho, atestando a natureza securitária do vínculo jurídico que une o empregado ao INSS. Arguição de inconstitucionalidade do artigo 120 da Lei 8.123/91 a ser submetida ao Plenário deste Tribunal. 40

A inconstitucionalidade do artigo 120 da Lei n. 8.213/91 perante o

inciso XXXVIII do artigo 7º da CF88 é reforçada pelo axioma presente do inciso IV

do artigo 150 da CF88, que impede o Estado de exigir prestação confiscatória: sem

causa, ou demasiado excessiva.

O final do inciso XXXVIII do artigo 7º da CF88 não se destina ao

segurador do seguro custeado pelo empregador, mas apenas ao beneficiário do

seguro, ou seja, ao empregado. O direito de indenização em decorrência do dolo ou

da culpa do empregador não é atribuído ao segurador (INSS), pois, ante o

pagamento do prêmio, não há prejuízo que justifique a indenização.

Além do dolo ou da culpa, o direito subjetivo de indenização, desde

as primeiras legislações, pressupõe o dano (prejuízo) e o nexo de causalidade entre

esses extremos. A conduta dolosa ou culposa do empregador não enseja prejuízo

ao segurador (INSS), pois as contribuições pagas para o custeio do seguro cobrem

40

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Terceira Turma. AC - APELAÇÃO CIVEL, Processo: 199804010236548. DJU 14/12/2000.

95

todas as causas de acidente do trabalho, e não exclusivamente aqueles sem

culpabilidade.

96

6 EFEITOS TRABALHISTAS DO ACIDENTE DO TRABALHO

As consequências do acidente do trabalho não interessam apenas à

previdência social. Atingem, igualmente, outros ramos do direito, em especial o

direito do trabalho.

6.1 Estabilidade de Emprego

O artigo 118, da Lei n. 8.213/91 garante a estabilidade do contrato

de trabalho de 12 meses, iniciados após a cessação da invalidez, para o segurado

que sofrer acidente do trabalho. Deste modo, após a cessação da incapacidade

acidentária o contrato de trabalho somente poderá ser rescindido após o período de

estabilidade. Poderá o empregador rescindir o contrato antecipadamente mediante

uma indenização ao empregado:

Art. 118 – o segurado que sofrer acidente do trabalho tem garantia, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção de seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente da percepção de auxílio-acidente.

Alguns doutrinadores defendem a inconstitucionalidade da

estabilidade prevista na lei previdenciária, sob o fundamento de que a Lei n.

8.213/91 é lei ordinária e conforme previsão do inciso I, do artigo 7º da CF88, a

estabilidade somente poderá ser regulamentada por meio de lei complementar:

Art. 7 – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que prevê da indenização compensatória dentre outros direitos;

Todavia, esta corrente doutrinaria não tem fundamento, pois o artigo

supracitado não traz alusão à estabilidade por isso não há impedimento legal que a

lei ordinária crie direitos de estabilidade aos empregados que sofrerem acidente do

trabalho. Ademais, esta discussão encerrou-se com o entendimento jurisprudencial,

por meio da Súmula n. 378 Tribunal Superior do Trabalho – TST, a seguir transcrita:

97

SÚMULA – 378. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI N. 8.213/91. CONSTITUCIONALIDADE. PRESSUPOSTOS (conversão das Orientações Jurisprudenciais n. 105 e 130 da SBDI-1) – Res.129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.

I – É constitucional o artigo 118 da Lei n 8.213/91 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentário. (ex – OJ n. 105 da SBDI-1 – inserida em 01/10/1997);

II – São pressupostos da concessão da estabilidade e o afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxilio doença acidentário, salvo se constatada após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego. (primeira parte – ex – OJ n 230 da SBDI-1 inserida em 20/06/2001).

Superada a questão da constitucionalidade, passaremos a estudar a

regra do artigo 118 da Lei n. 8.213/91. A incidência da citada norma deverá respeitar

a observação de dois requisitos: i) a cessação da invalidez e; ii) a natureza

acidentária da invalidez cessada. Ambos os requisitos devem ser analisados pelas

partes envolvidas no contrato de trabalho, e não aferidos pelo INSS, quer dizer, o

fato do INSS considerar a incapacidade acidentária não impõe necessariamente que

a Justiça do Trabalho reconheça essa incapacidade como sendo acidentária,

conforme aresto abaixo citado:

RECURSO DE REVISTA - ESTABILIDADE - DOENÇA OCUPACIONAL - LAUDO JUDICIAL - AUSÊNCIA DO NEXO DE CAUSALIDADE - LAUDO DO INSS - PRESUNÇÃO DO NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO - PREVALÊNCIA - MATÉRIA FÁTICA. A discussão que exsurge dos autos é o aparente conflito entre o laudo judicial e o laudo do INSS. Este, obtido no curso da instrução processual, a partir das alegações da parte de que laborava em atividade de digitação de dados para processamento e procedia à abertura de rígidos lacres que abasteciam os caixas eletrônicos, cuja conclusão foi pela existência de Nexo Técnico Epidemiológico entre a doença e o trabalho; e aquele elaborado a cargo de médico perito indicado pelo juízo, que, em vistoria ao local de trabalho do autor e análise das funções desempenhadas e da lesão sofrida, constatou a ausência de nexo de causalidade. O laudo obtido junto ao INSS presumiu o liame de causalidade a favor do empregado, nos termos do art. 21-A da Lei nº 8.213/91. Tal presunção, contudo, não é absoluta, transferindo ao empregador o ônus de desconstituir o que foi presumido pela lei. Ainda que o nexo de causalidade apontado pelo INSS seja fato novo superveniente à instrução processual, deverá ser considerado como meio de prova

98

(art. 212 do CPC) e analisado conjuntamente com os demais elementos probatórios dos autos. A questão, portanto, envolve as provas produzidas nos autos e a influência que terão na formação do convencimento do julgador, nos termos dos arts. 131 e 436 do CPC. No caso em exame, o julgador ordinário fez prevalecer o laudo pericial produzido em juízo. Nesse sentido, constatado pela instância soberana na análise dos fatos e provas coligidos aos autos que não houve o nexo causal entre a atividade desempenhada pela autora e a lesão sofrida, para se chegar à conclusão diversa, de que o laudo produzido pelo INSS reflete o verdadeiro nexo causal, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, cujo óbice em sede extraordinária encontra-se previsto na Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista não conhecido. 41.

Salienta-se que o aresto supracitado não é a corrente majoritária,

pois a concessão do benefício acidentário na via administrativa é um início de prova

substancial para o reconhecimento da caracterização do acidente do trabalho,

conforme jurisprudência abaixo:

RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE PROVISÓRIA - AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO - ART. 118 DA LEI Nº 8.213/91. "O afastamento do trabalho por prazo superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio doença acidentário constituem pressupostos para o direito à estabilidade prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/91, assegurada por período de 12 meses, após a cessação do auxílio-doença" (OJ da SBDI/TST nº 230). Recurso de revista não conhecido, com apoio no Enunciado/TST nº 333 e no § 4° do art. 896 da Consolidação das Leis do Trabalho. 42.

Estabilidade acidentária. Decisão recorrida em consonância com a Orientação Jurisprudencial nº 230 da SBDI-2, que firmou a tese de que "o afastamento do trabalho por prazo superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença-acidentário constituem pressuposto para o direito à estabilidade prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/91, assegurada por período de 12 meses, após a cessação do auxílio-doença". Recurso de revista de que não se conhece, com fulcro no Enunciado nº 333 do TST. 43.

Diante desse quadro, torna-se de suma importância que as

empresas participem do procedimento administrativo de concessão de benefícios

por invalidez comprovada, sobretudo, pela existência do NTEP, que doenças ou

41

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Primeira Turma. RR - 615800-30.2003.5.09.0651. DJU 05/08/2011. 42

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Segunda Turma. RR - 708276-43.2000.5.12.5555. DJU 19/09/2003. 43

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Quarta Turma. RR - 6990400-02.2002.5.02.0900. DJU 13/02/2004.

99

acidentes não acidentários, sejam reconhecidos como tais pelo INSS, implicando

efeitos procedimentais que dificultam a descaracterização acidentária no âmbito da

Justiça Trabalhista.

6.2 MANUTENÇÃO DOS DEPÓSITOS PARA O FGTS

O período em que o trabalhador se encontra afastado, em

decorrência do acidente do trabalho, ou seja, com o contrato de trabalho suspenso,

impõe a obrigatoriedade do empregador na manutenção do deposito do Fundo de

Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, em decorrência da aplicação do § 5º do

artigo 15, da Lei n. 8.036/90 com redação dada pela Lei n. 9.711/98, conforme se

verifica abaixo:

Art. 15 – para os fins prevista nesta lei, todos os empregadores ficam obrigados a depositar, até o dia 7 (sete) de cada mês, em conta bancária vinculada a importância correspondente a 8 (oito) por cento da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas na remuneração das parcelas de que trata os arts. 457 e 458 da CLT e a gratificação de Natal, a que se refere a Lei n. 4.090, de 13 de julho de 1962, com as modificações da lei n. 4.749, de 12 de agosto de 1965.

§5º - o deposito que trata o caput deste artigo é obrigatório nos casos de afastamento para prestação do serviço militar obrigatório e licença por acidente do trabalho.

A respeito da natureza jurídica do FGTS tem-se uma enorme

discussão doutrinária, assim, alguns doutrinadores entendem ser o FGTS como

natureza de crédito legal dos trabalhadores decorrentes da execução do contrato de

trabalho. Já a outra corrente doutrinária entende ser o FGTS a característica de

natureza tributária.

O Supremo Tribunal Federal – STF por meio do Recurso

Extraordinário n. 100.249-2, compreendeu que o FGTS é um direito do trabalhador,

afastando assim a natureza tributária. Não obstante, o STF atualmente vem

entendendo como o depósito ao FGTS como uma espécie de contribuição social.

100

Nesse sentido, podemos exemplificar o caso de um empregado

requerer a concessão de um benefício de auxílio-doença previdenciário de natureza

comum, entretanto o perito através da análise do NTEP concede o benefício de

natureza acidentária. Ressalta-se que a empresa não tomou ciência da concessão

do benefício, e por tal motivo suspendeu o depósito ao FGTS e logo após a

cessação do benefício rescindiu o contrato de trabalho, sem respeitar a eventual

estabilidade e indenizar o segurado.

Diante dessa situação, o empregado pode tomar duas providências:

i) concordar com a empresa, no sentido de que a sua doença não tem natureza

acidentária, neste caso nada lhe é devido; ii) no caso de concordar com o INSS, o

empregado poderá pleitear a sua reintegração ou sua indenização, bem como o

depósito do FGTS.

Por meio do exemplo supracitado, há enorme importância da

configuração da natureza jurídica do FGTS. Nesse exemplo, o problema será

resolvido pelo poder judiciário, a quem tem o poder da resolução de conflitos entre

as partes.

6.3 INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL

O artigo 186 do Código Civil trata a respeito da responsabilidade

civil, dispondo o seguinte:

Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligencia, ou imprudência, violar direito e causar prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

No mesmo sentido, o artigo 942 do Código Civil aduz que o

seguinte:

Art. 942 – Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver de mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

101

Nota-se que o Código Civil impõe responsabilidade objetiva ao

causador do dano, ou seja, bastando a constatação do acidente para ensejar a

indenização, independentemente da comprovação da culpa do empregador.

A teoria da responsabilidade objetiva do empregador também

encontra respaldo jurídico no inciso XXVIII, do artigo 7º, da Constituição Federal na

medida em que dispensou a demonstração da culpa grave, conforme veja-se abaixo:

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

O inciso X, do artigo 5º, da Constituição Federal igualmente estipula a reparação do dano moral, veja-se, pois:

X – é assegurado o direito a resposta proporcional ao agravo, além a indenização por dano material, moral ou à imagem;

Podemos asseverar no sentindo de que a Constituição Federal foi

demasiadamente inovadora ao permitir a reparação de danos pela Seguridade

Social, juntamente com a responsabilidade civil da empresa em caso de dolo ou

culpa.

O ordenamento jurídico brasileiro traz a obrigação das empresas em

proporcionar aos seus empregados o ambiente de trabalho seguro e higiênico, com

a finalidade de diminuir ao máximo as probabilidades de eventos prejudiciais à

saúde e à integridade física do trabalhador, utilizando-se de mecanismos como o

Equipamento de Proteção Individual – EPI, Equipamento de Proteção Coletivo –

EPC, bem como treinamentos, com intuito de capacitação da mão-de-obra.

As lesões acidentárias podem ocasionar perdas patrimoniais ao

colaborador, tais perdas patrimoniais traduzem o chamado dano material, que pode

envolver duas situações: i) aquele que efetivamente perdeu (despesas); ii) aquele

que deixou de ganhar (lucro cessantes).

102

Além disso, podem gerar consequências psicológicas, afetando

assim a moral do trabalhador, denominado no meio jurídico como dano moral. Por

sua vez, o dano moral não precisa ser oriundo do mesmo fato originário do dano

material, uma vez que o objeto protegido é distinto.

Não obstante, o dano material e moral, a Constituição Federal, no

inciso X, do artigo 5º supracitado, assegura o direito à indenização por eventuais

danos estéticos decorrentes das lesões acidentárias. Por sua vez, o dano estético se

configura quando as lesões tomam proporções que acarretem constrangimento ao

trabalhador, como deformidades físicas.

É tão verdade que o STJ, por meio do voto do Excelentíssimo

Ministro Athos Carneiro quando do julgamento do Recurso Especial n. 1.604 — SP

(Registro n.º 89.0012435-8), nos diz:

[...] A reparabilidade do dano moral, como observa Aguiar Dias, é hoje admitida em quase todos os países civilizados. A seu favor e com o prestígio da sua autoridade, pronunciaram-se os irmãos Mazeaud, afirmando que não é possível, em sociedade avançada como a nossa, tolerar o contra-senso de mandar reparar o menor dano patrimonial e deixar sem reparação o dano moral (conforme Aguiar Dias, ‗A RESPONSABILIDADE CIVIL‘, tomo II, p. 737). E concluem esses mesmos autores: ‗Não é razão suficiente para não indenizar, e assim beneficiar o responsável, no fato de não ser possível estabelecer equivalente exato, porque, em matéria de dano moral, o arbitrário é até da essência das coisas‘. Nem afastaria a reparabilidade do dano não patrimonial a consideração tantas vezes repetida de que é repugnante à consciência jurídica atribuir equivalente pecuniário a bem jurídico da grandeza dos que integram o patrimônio moral, operação que resultaria em degradação daquilo que se visa a proteger. A argumentação só serve ao interesse do ofensor e não deixa de ser, até certa medida, simplista.

O inolvidável Pedro Lessa mostrou, em mais de uma ocasião,

segundo lembra Aguiar Dias em rodapé à p. 727, que ‗o fato da inconversibilidade do

dano moral, em moeda, por falta de denominador econômico para o direito violado,

não podia ter por efeito deixá-lo sem reparação.

‗De fato, não há equivalência entre o prejuízo e o ressarcimento. A

condenação do responsável visa apenas resguardar, decerto imperfeitamente, mas

103

pela única forma possível, o direito lesado‘ (acórdão do STF, 18.8.91, ‗Revista de

Direito‘, n.º 61, p. 90). Aliás, nem mesmo no dano patrimonial há perfeita

equivalência entre o prejuízo e o ressarcimento. Os irmãos Henri e Léon Mazeaud,

em seu clássico ‗Tratado Teórico e Prático da Responsabilidade Civil‘, advertem,

rebatendo esse argumento dos inimigos da responsabilidade do dano moral, que:

―[...] o direito, ciência humana, deve resignar-se às soluções imperfeitas como a da reparação, no verdadeiro sentido da palavra. Cumpre ver, nas perdas e danos atribuídos à vítima, não o dinheiro em si, mas tudo que ele pode proporcionar no domínio material ou moral [..]"

Assevera-se que ao acidentado poderão ser devidos os três

indenizações, ou seja, material, moral ou estética, ainda que o resultado decorra do

mesmo fato gerador, conforme analise dos arestos abaixo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL, MORAL E ESTÉTICO. O Regional, amparado nas provas dos autos, concluiu que a negligência do empregador em fornecer condições seguras de trabalho propiciou a ocorrência do acidente de trabalho que vitimou o reclamante, o qual, sendo destro, teve comprometimento da mão direita, além de dano estético em grau médio e redução da capacidade laborativa em 50%. Nesse contexto, incólumes os arts. 7º, XXVIII, da CF/88 e 186 e 927 do CC. Incidência da Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido. 44.

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE PROVISÓRIA - INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DO TRABALHO - DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS - VALOR DA INDENIZAÇÃO (DANO MORAL - R$ 8.000,00 E DANO ESTÉTICO - R$ 4.000,00). Recurso de revista que não merece admissibilidade em face da aplicação das Súmulas nos 126, 333 e 396, item I, desta Corte e do que dispõe o artigo 896, § 4º, da CLT, bem como porque não restou configurada, de forma direta e literal, nos termos em que estabelece a alínea -c- do artigo 896 consolidado, a alegada ofensa aos artigos 5º, inciso V, 7º, inciso XXVIII, e 93, inciso IX, da Constituição Federal, 832 da CLT, 818 da Lei nº 8.213/91 e 186, 884 e 927 do Código Civil, pelo que, não infirmados os fundamentos do despacho denegatório do recurso de revista, mantém-se a decisão agravada por seus próprios fundamentos. Ressalta-se que, conforme entendimento pacificado da Suprema Corte (MS-27.350/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/06/2008), não configura negativa de prestação jurisdicional ou

44

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Oitava Turma. RR - AIRR - 44100-10.2009.5.04.0771. DJU 15/08/2011.

104

inexistência de motivação a decisão do Juízo ad quem pela qual se adotam, como razões de decidir, os próprios fundamentos constantes da decisão da instância recorrida (motivação per relationem), uma vez que atendida a exigência constitucional e legal da motivação das decisões emanadas do Poder Judiciário. Agravo de instrumento desprovido. 45.

Tal conjectura, tornar-se cada vez mais importante as políticas de

prevenção de acidente do trabalho, por meio dos programas de prevenção, tais

como o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA, Programa de

Controle Médico e Saúde Ocupacional – PCMSO, entre outros, para que assim a

empresa consiga mitigar ao máximo os acidentes de trabalho aos seus

colaboradores.

Posto isso, podemos concluir que o dano moral é uma forma eficaz

de compelir a empresa a investir cada dia mais em maneiras protetivas aos

trabalhadores, melhorando assim a qualidade do ambiente do trabalho, perpetrando

na condição da saúde e integridade física dos socialmente protegidos.

45

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Segunda Turma. AIRR - 35540-67.2008.5.03.0084. DJU 19/08/2011.

105

7. DISTINÇÃO ENTRE AUXÍLIO-DOENÇA PREVIDENCIÁRIO E ACIDENTÁRIO

Até meados do ano de 1995, com a edição da Lei n. 9.032/95, uma

das principais distinções entre o auxílio-doença previdenciário e o acidentário residia

na forma de cálculo do valor do benefício.

A redação original da Lei n. 8.213/1991 previa que a renda mensal

do auxílio-doença previdenciário corresponderia a 80% (oitenta por cento) do salário

de benefício, acrescido de 1% (um por cento) deste por grupo de doze contribuições,

não podendo ultrapassar 92% (noventa e dois por cento) do salário-de-benefício. No

que diz respeito ao benefício do auxílio-doença acidentário, estabelecia que a renda

mensal do benefício deveria corresponder a 92% (noventa e dois por cento) do

salário-de-benefício ou do salário de contribuição, o que fosse mais vantajoso para o

segurado.

Atualmente, o auxílio-doença, tanto o previdenciário quanto o

acidentário, corresponde numa renda mensal igual a 91% (noventa e um por cento)

do salário-de-benefício.

Para a concessão do benefício acidentário não é exigido

cumprimento do período de carência, a teor do disposto no inciso II, do artigo 26, da

Lei n. 8.213/1991. Note-se, entretanto, que a carência não é exigida do benefício

acidentário, nem daquele decorrente de acidente de qualquer natureza ou causa:

Art. 26 - II - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social a cada três anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado;

A estabilidade no trabalho, tópico este que será mais aprofundado

em capítulo específico, é outra garantia do trabalhador que, tendo sofrido acidente

106

de trabalho, encontra-se em gozo do auxílio-doença. Dispõe o artigo 118, da Lei n.

8.213/1991:

Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.

Para Luciana Bueno Arruda da Quinta46, a estabilidade no trabalho é

garantia somente do segurado que tiver acometido de acidente do trabalho. Não

tem, portanto, direito à estabilidade o segurado que tiver sofrido acidente de

qualquer natureza. Neste caso, a favor do segurado, há somente a desnecessidade

de comprovação do cumprimento do período de carência.

O segurado que, acometido de acidente de trabalho, que não tiver

feito jus ao auxílio-doença acidentário, tem direito à estabilidade prevista no artigo

118 da Lei n. 8.213/1991, mas sim a outra prestação previdenciária relativa ao

acidente do trabalho, como auxílio-acidente ou aposentadoria por invalidez

acidentária.

Diante destas considerações preliminares, a análise específica do

benefício previdenciário auxílio-doença será estudado em suas duas vertentes,

como auxílio-doença comum e acidentário. A começar pelo primeiro.

7.1 AUXÍLIO-DOENÇA COMUM

O benefício auxílio-doença tem como regra matriz de sua

estruturação material a disposição do artigo 59 da Lei n. 8.213/1991.

Art. 59 - O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.

46

QUINTA, Luciana Bueno Arruda da. Auxílio-Doença. São Paulo p. 105-107. 2005.

107

A materialidade do auxílio-doença corresponde à situação material

se a necessidade que o segurado enfrenta, decorrente da incapacidade laborativa,

ou como quer a lei, o fato de o segurado ―ficar incapacitado para o seu trabalho ou

para a sua atividade habitual‖.

Tal representação pela lei corresponde a um fato no modo verbal

―ficar incapacitado‖, porque a lei previdenciária visa proteger eventos concretos que

sujeitam o segurado durante sua existência e durante o exercício de sua atividade

profissional.

A causa da incapacidade pode ser derivada da situação da doença e

a situação do acidente, mas aqui, no benefício auxílio-doença, acidente de qualquer

natureza.

Como essas causas, tidas por comuns, não se relacionam em sua

origem circunstancial com o exercício do trabalho, podem ser derivadas de

quaisquer situações da vida que façam o segurado se sujeitar à doença ou ao

acidente de qualquer natureza que lhe ocorra.

Nesta linha, o artigo 30 do Decreto n. 3.048/1999, bem nos explana:

Parágrafo único: Entende-se como acidente de qualquer natureza ou causa aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos e biológicos), que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda, ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa.

A doença e o acidente de qualquer natureza são causas de origem

traumática e por exposição a agentes físicos (objetos, bens e coisas), químicos

(substâncias) e biológicos (seres vivos em geral), que submetem o segurado a

consequências que alteram seu estado de vida, especialmente na relação do

trabalho.

Essa especial alteração é observada na consequência, cuja

proteção do auxílio-doença está afetada à incapacidade para o exercício do trabalho.

108

Já, na consequência, a abrangência da expressão incapacidade

para fins do auxílio-doença é a incapacidade total e temporária para o exercício do

trabalho.

A incapacidade é temporária, porque as consequências geradas

pela materialização das causas de doenças e acidentes de qualquer natureza que,

sobre as condições físicas e funcionais do segurado no desempenho de suas

atividades laborais, são passíveis de recuperação.

Para tanto, faz-se necessário que o segurado, após a ocorrência da

doença ou do acidente que lhe causem incapacidade para o exercício do trabalho,

seja afastado de suas atividades laborais.

No caso dos segurados empregados, o contrato de trabalho ficará

suspenso pelo período que durar o afastamento decorrente da incapacidade,

conforme disposição do artigo 63 da Lei n. 8.213/1991: ―O segurado empregado em

gozo de auxílio-doença será considerado pela empresa como licenciado‖.

O parágrafo único do artigo 59, da referida lei, dispõe uma limitação

à concessão do auxílio-doença, que é a de que será devido o benefício se o

segurado já for portador da doença ou da lesão invocada como causa, salvo quando

a incapacidade for causada como reflexo da progressão ou agravamento dessa

doença ou lesão.

Parágrafo único. Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento

dessa doença ou lesão.

Para Michel Cutait Neto47, a proteção social oferecida pelo benefício

previdenciário auxílio-doença atende ao verbo ―ficar incapacitado‖ e não ―ser

incapacitado‖, isto é, o risco social protegido é a especial situação de necessidade

47

CUTAIT NETO, Michel. Auxílio-Doença. São Paulo: Editora J. H. Zuno, 2006. p. 11.

109

que altera o estado da vida do segurado, e não a situação a que o segurado já

esteja submetido, pois, assim, tal situação seria outra, e o bem protegido também.

Do mesmo modo, cumpre salientar que no objetivo de preservar

aquelas situações em que, embora portador de doença ou lesão, o segurado tenha

condições de exercer atividades laborais, a incapacidade decorra da progressão ou

do agravamento da doença ou lesão preexistente. Pois, nessas situações, houve

alteração do estado de vida do segurado.

7.2 AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO

Após a explanação sobre o benefício auxílio-doença comum (em

razão de doenças e acidentes comuns), passa-se a estudar o auxílio-doença

acidentário.

Ressalva seja feita que a Lei n. 8.213/1991 não criou e estabeleceu,

separadamente, dois benefícios de auxílio-doença, cada qual segundo regras

próprias e específicas, mas, de outro modo, a lei criou duas materialidades distintas.

A materialidade do auxílio-doença acidentário, diferentemente do

que diz respeito à materialidade do auxílio-doença comum, está fortemente

relacionado com a questão do trabalho, mas não se restringindo na consequência da

incapacidade que justifica sua existência, mas principalmente na causa, pois este é

o evento de que deriva a consequência.

O auxílio-doença acidentário tem como objetivo amparar a situação

de necessidade que a incapacidade para o exercício do trabalho reflete na vida do

segurado, seja o afastamento de suas atividades laborais, ou prejudicando sua

renda familiar com a provável ausência de remuneração.

No entanto, para que esta incapacidade seja considerada

―acidentária‖, mister se faz que tenha sido causada por uma das situações previstas

do artigo 19 até o artigo 23 da Lei n. 8.213/91.

110

O auxílio-doença acidentário tem como causa ou evento doença

profissional ou doença do trabalho, eminentemente o evento acidente do trabalho.

Segundo o artigo 19 da Lei n. 8.213/1991, o acidente de trabalho é

conceituado como:

[...] Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução,

permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho48.

O acidente do trabalho, diferentemente do comum, ocorre pelo

exercício do trabalho, em razão dele, sob suas circunstâncias e dentro do ambiente

em que o trabalho é desenvolvido.

Da mesma forma, segundo os incisos I e II, do artigo 20 da referida

Lei de Benefícios, o auxílio-doença também será devido quando a incapacidade para

o exercício do trabalho decorrer da doença profissional ou doença do trabalho veja:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

Deste modo, observa-se que o ordenamento jurídico brasileiro

sempre deixou claro o tratamento especial que as questões referentes ao acidente

de trabalho traduzem para a sociedade. Tanto a Constituição Federal de 1988 como

as atuais legislações previdenciárias tratam o acidente de trabalho de maneira

específica, com a previsão de conceitos próprios, sujeitando a regras diferenciadas,

48

BRASIL, op. cit., 1991.

111

como disciplina o art. 201, § 10 da Carta Magna ‖[...] Lei disciplinará a cobertura do

risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de

previdência social e pelo setor privado.

O artigo 124 da Lei n. 8.213/1991 apresenta o rol da hipótese em

que há a vedação de acúmulo de benefícios da Previdência Social com o auxílio-

doença, seja o de cunho previdenciário (comum), seja o acidentário. São eles: a

aposentadoria; o auxílio-acidente, desde que advindo do mesmo acidente ou da

mesma doença que gerou o salário-maternidade e o auxílio-reclusão. Veja:

Art. 124 - Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios da Previdência Social:

I - aposentadoria e auxílio-doença;

II - mais de uma aposentadoria;

III - aposentadoria e abono de permanência em serviço;

IV - salário-maternidade e auxílio-doença;

V - mais de um auxílio-acidente;

VI - mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro, ressalvado o direito de opção pela mais vantajosa.

Deste modo, como o auxílio-acidente, desde que este seja originário

de outro acidente diverso ou de outra doença, bem como a pensão por morte e o

abono de permanência em serviço não estão inseridos nesse rol, pode-se considerá-

los como passíveis de acumulação com o benefício de prestação continuada auxílio-

doença, devido à ausência de previsão legal.

Por fim, registre-se que, por força do art. 109, I da Constituição, a

causa laboral-acidentária importa para a fixação da Justiça competente para julgar

eventuais demandas relativas à concessão do benefício.

112

8. REENQUADRAMENTO DO SAT

O Decreto n. 6.957/09 regulamentou o artigo 10 da Lei n. 10.666/03,

estabelecendo o método de verificação do desempenho da empresa em relação às

doenças do trabalho, com o escopo de reavaliar as alíquotas utilizadas na

mensuração do tributo descrito no inciso II do artigo 22 da Lei n. 8.212/91.

Afora isso, o Decreto n. 6.957/09 reavaliou o risco das atividades

econômicas, atribuindo a certas atividades uma nova graduação de probabilidade de

dano. Os produtores de carvão vegetal em floresta nativa (CNAE 0220-9/02), por

exemplo, anteriormente compreendidas no risco elevado (3) foram rebaixadas para o

risco moderado (2), passando a contribuir para o SAT com 2% sobre a folha de

salários dos empregados e avulsos.

8.1 INCONSTITUCIONALIDADE DA METODOLOGIA E DA SISTEMÁTICA DOS DECRETOS Nº.

6.042/07 E 6.957/09: DESEQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL

O caput do artigo 201 da CF88 enuncia o princípio do equilíbrio

financeiro e atuarial; garantia fundamental à manutenção eficaz do sistema de

Seguridade Social. Esse princípio é operado pela regra prevista no § 5º do artigo

195 da CF88, que impede a criação, majoração ou extensão de despesa sem a

correspondente fonte de receita:

§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

A regra não evita apenas a elevação de despesa sem a

contrapartida financeira; atinge também a tentativa de aumentar as receitas sem a

correspondente despesa, pois, tal como o déficit, o superávit também significa

desequilíbrio financeiro e atuarial. Ambos os defeitos exigem equacionamento (arts.

20 e 21 da Lei Complementar n. 109/01), sobretudo para garantir a viabilidade do

sistema.

113

Qualquer ajuste de receita ou de despesa deve ser precedido de

estudo financeiro e atuarial; análise técnica que verifique o impacto presente e futuro

da alteração sugerida. O sistema não admite alteração abrupta ou de afogadilho,

tampouco movida por motivação política. Sob pena de inviabilidade, todas as

alterações devem ser pensadas, repensadas, discutidas, modeladas e testadas,

antes de serem aplicadas.

Esse cronograma de viabilidade é operado pelo Orçamento da

Seguridade Social, que define anualmente as receitas e as despesas da previdência

social, da saúde e da assistência social, na forma do inciso III do § 5º do artigo 165

da CF88:

§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá:

III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

O orçamento de 2007, previsto em 2006, não identificava o aumento

do risco custeado pela contribuição social tipificada no inciso II do artigo 22 da Lei n.

8.212/91, tampouco redução das receitas dessa contribuição. O orçamento, ao

contrário, identificava a estabilidade entre as receitas e despesas, aferindo o

equilíbrio financeiro e atuarial.

Não obstante esse dado, o Poder Executivo, por meio dos Decretos

ns. 6.042/07 e 6.957/09, modificou o Decreto n. 3.048/99, alterando o SAT de várias

atividades econômicas. Essas alterações não estavam prevista no Orçamento da

Seguridade Social de 2007, tampouco de 2009, que identificava o vínculo pela

estrutura outrora vigente.

A inobservância do orçamento – elevação das receitas além do

necessário – gerou o esperado: desequilíbrio do sistema de Seguridade Social. O

sistema, idealizado para empatar, tornou-se superavitário, na medida em que a

114

desproporção entre a elevação das receitas e o custo do risco gerou sobra do

produto arrecadado.

Não se faz necessária mais comprovações para identificar essa

realidade; o dado legal já é suficiente, notadamente quando o superávit decorrente

dessa elevação é utilizado para outro fim senão a proteção social. A União Federal,

por meio da Lei n. 11.546/07, reconhece esse superávit, transferindo ao Ministério

do Planejamento, Orçamento e Gestão a sobra da arrecadação:

LEI Nº 11.546, DE 19 DE NOVEMBRO DE 2007.

Abre ao Orçamento da Seguridade Social da União, em favor do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, crédito suplementar no valor de R$ 80.990.000,00, para reforço de dotação constante da Lei Orçamentária vigente.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Fica aberto ao Orçamento da Seguridade Social da União (Lei no 11.451, de 7 de fevereiro de 2007), em favor do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, crédito suplementar no valor de R$ 80.990.000,00 (oitenta milhões, novecentos e noventa mil reais), para atender à programação constante do Anexo desta Lei.

Art. 2º Os recursos necessários à abertura do crédito de que trata o art. 1o decorrem de superávit financeiro apurado no Balanço Patrimonial da União do exercício de 2006.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 19 de novembro de 2007; 186º da Independência e 119º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Paulo Bernardo Silva

Essa lei é exemplificativa, porque diversas, com o mesmo conteúdo,

foram publicadas nesse e em outros exercícios financeiro.

115

A alteração do SAT operada pelos Decretos ns. 6.042/07 e 6.957/09,

ao negligenciar o Orçamento da Seguridade Social, desequilibrou o sistema de

Seguridade Social, gerando superávit financeiro que fora utilizado para outra

finalidade senão a proteção social.

A União Federal, utilizando-se da boa-fé dos contribuintes da

Seguridade Social, eleva as contribuições para suportar outros gastos. Afora imoral,

essa tática também é inconstitucional, seja porque desequilibra a dependência do

sistema previdenciário, seja porque confisca riquezas dos contribuintes para custear

ações estatais desconexas à Seguridade Social.

Sendo assim, não há outra conclusão senão a que confirma a

inconstitucionalidade dos Decretos ns. 6.042/07 e 6.957/09 que, a despeito do

orçamento da Seguridade Social, elevaram contribuições sociais desequilibrando a

Seguridade Social com o objetivo de arrecadar por meio dessa relação para custear

gastos estatais diversos daquele suportados por esse sistema de proteção social.

8.2 INCONSTITUCIONALIDADE DA METODOLOGIA E DA SISTEMÁTICA DOS DECRETOS NS.

6.042/07 E 6.957/09: MOTIVAÇÃO COMO VALOR CONSTITUCIONAL

O objetivo do Estado de Direito é proteger os cidadãos das

arbitrariedades e do despotismo dos governantes, submetendo o próprio Estado às

normas vigentes. Trata-se de direito subjetivo conquistado pelas sociedades

modernas a partir do século XIII, com a assinatura da Magna Carta pelo Rei João

sem terra.

No sentido de assegurar um Estado não arbitrário, algumas normas

foram direcionadas para a própria atuação estatal, estabelecendo a forma em que os

atos administrativos deveriam ser praticados e quais os princípios que todos eles

deveriam observar.

Esses princípios, por sua vez, podem ser previstos explicita ou

implicitamente em nosso ordenamento jurídico ou até mesmo pela teoria do ato

administrativo, o que não os torna mais ou menos importantes.

116

Diante da importância do controle da função administrativa, a própria

CF88 em seu artigo 37, caput, já expressa a obrigação de observar vários princípios

a ela relacionados:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

O legislador originário se preocupou em estabelecer princípios

gerais que deveriam nortear todos os atos administrativos, assegurando aos

cidadãos a impossibilidade da prática de atos não permitidos por lei, imorais,

obscuros, ineficientes e/ou privilegiosos.

No mesmo sentido da CF88, a Lei n. 9.784/99 assim dispõe:

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

A fixação destes princípios e garantias é um dos principais baluartes

do Estado Democrático de Direito, no qual, segundo a própria Constituição Federal,

todo poder emana do povo e por ele é exercido através de seus representantes.

Se todo poder emana do povo e é exercício por meros

representantes, aqueles que desempenham a função pública não são donos da

coisa pública, mas apenas a gerem em favor do povo, a quem é garantida a mais

profunda transparência e moralidade na prática dos atos administrativos.

Em defesa do direito do povo, com a finalidade de fiscalizar a

perfeição da administração de seus bens (coisa pública), é que o Direito se preocupa

em estabelecer rígido sistema de normas sobre o assunto, sempre no sentido de

oferecer meios a mais ampla fiscalização dos atos administrativos.

De acordo com o professor Hely Lopes Meirelles, são doze os

princípios básicos que devem nortear a prática de qualquer ato pela administração:

117

Os princípios básicos da administração pública estão consubstanciados em doze regras de observância permanente e obrigatória para o bom administrador: legalidade, moralidade, impessoalidade ou finalidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica,

motivação e supremacia do interesse público sobre o privado. 49

.

Como salientado, por esses padrões é que deverão se pautar todos

os atos e atividades administrativos de todos aqueles que exercem o poder público.

Constituem, por assim dizer, os fundamentos da ação administrativa, ou, por outras

palavras, os sustentáculos da atividade pública. Relegá-los é desvirtuar a gestão dos

negócios públicos e esquecer o que há de mais elementar para a boa guarda e zelo

dos interesses sociais.

Além disso, é interessante lembrar que o ocupante de função pública

não goza de livre poder na prática de seus atos, mas do poder-dever de praticá-los.

Todos os seus atos devem ser direcionados à observação do interesse público,

sempre pela maneira mais eficiente.

Assim, o administrador não tem carta branca para praticar atos a seu

bel prazer, mas a obrigação de agir de acordo com as prescrições legais, em

caminho do interesse social.

Os princípios acima narrados são importantíssimas ferramentas para

a fiscalização do exercício do poder-dever pelo ocupante de cargo público de

direção e na verificação de sua legalidade. Somente os atos praticados com

observação de todos estes princípios podem garantir sua total transparência para, se

for o caso, possível impugnação perante o judiciário.

São, portanto, as ferramentas de controle da administração pelo

administrado. A questão ora enfrentada trata-se da falha na observação de um

destes princípios, causa de invalidade do ato administrativo praticado, conforme a

seguir demonstrado.

49

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 15 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 77-78.

118

Expresso na Lei n. 9.784/99, o princípio da motivação ocupa lugar

de destaque dentre aqueles que norteiam a prática do ato administrativo. É a dicção

do art. 50 da Lei n. 9.784/99:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

Como pressuposto para a validade do ato administrativo deve o

administrador, portanto, explicitar os motivos que deram causa sua realização.

Para isso, previamente ao ato deve ser demonstrado seu

fundamento legal, os fatos que o embasaram e a relação lógica (nexo) entre fatos,

conteúdo do ato e autorização legal para tanto.

Sem isso, torna-se impossível considerar a validade do ato. Saber o

motivo que o fundamenta é garantia ao administrado de ter a certeza de que o ato

praticado não padece de desvio de finalidade ou de vícios como falta de proporção,

razoabilidade, eficiência. É o que permite saber se havia necessidade ou não

daquele ato para controle externo da administração.

É a adequação entre motivo e conteúdo que definirá a pertinência ou

não do ato praticado. Sobre o assunto, Celso Antônio Bandeira de Mello é

categórico:

Dito princípio implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situação que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo.

119

Assim, atos administrativos praticados sem a tempestiva e suficiente motivação são ilegítimos e invalidáveis pelo Poder Judiciário toda vez que sua fundamentação tardia, apresentada apenas depois de impugnados em juízo, não possa oferecer segurança e certeza de que os motivos aduzidos efetivamente existiam ou foram aqueles que embasaram a providência contestada50.

O professor vai ainda mais longe ao vincular a necessidade de

motivação do ato à essência do Estado Democrático de Direito e à mera função de

gerenciamento do ocupante de cargo público diretivo:

Logo, parece óbvio que, praticado o ato em um Estado onde tal preceito é assumido e que, ademais, qualifica-se como ―Estado Democrático de Direito‖ (art. 1º, caput), proclamando, ainda, ter como um de seus fundamentos a ―cidadania‖ (inciso II), os cidadãos e em particular o interessado no ato têm o direito de saber por que foi

praticado, isto é, que fundamentos o justificam. 51.

É, destarte, inválido o ato administrativo sem motivação, o que deve

ser analisado pelo judiciário, instado pelo administrado por isso prejudicado.

Nossos Tribunais, em seu turno, já analisaram diversas vezes

questões idênticas, sempre defendendo a obrigação da motivação dos atos

administrativos.

Muitas decisões neste sentido são fundadas nos seguintes acórdãos

do Supremo Tribunal Federal:

IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. - MOMENTO DA OCORRENCIA DO FATO GERADOR, EM SE TRATANDO DE MERCADORIA DESPACHADA PARA CONSUMO. COMPATIBILIDADE DO ART. 23 DO DECRETO-LEI N. 37/66 COM O ART. 19 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. - RESOLUÇÃO DO C.P.A. NECESSIDADE DE SUA MOTIVAÇÃO, AO FIXAR PAUTA DE VALOR MINIMO. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM DISSIDIO COM A DECISÃO RECORRIDA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO PELO SEGUNDO FUNDAMENTO E PROVIDO.

50

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 94 51

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 94

120

ILEGALIDADE DAS RESOLUÇÕES DO CONSELHO DE POLÍTICA ADUANEIRA, QUANDO NÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS, RECURSO CONHECIDO E PROVIDO52.

Note-se que os julgamentos apresentados envolvem questões

extremamente similares à apresentada agora, a invalidade de atos administrativos

normativos expedidos sem que fossem elucidados os motivos que os causaram.

Nos casos acima a matéria também envolvia questão tributária, o

que obriga à análise dos fatos com olhares ainda mais críticos, haja vista a

submissão desta matéria ao regime da estrita legalidade.

No mesmo sentido também se manifesta o Tribunal Regional

Federal da 3ª Região:

ADMINISTRATIVO E TRIBUTARIO - PAUTA DE VALOR MINIMO - DECRETO-LEI N.º 1.111/70 - RESOLUÇAO N.º 2.457 DO CPA - INVALIDADE.

1. A Resolução nº 2.457, editada pelo Conselho de Política Aduaneira com fundamento em competência prevista no Decreto-lei nº 1.111/70, é inválida, por ausência de motivo fático e motivação do ato administrativo.

2.Precedentes do C. STF e desta Corte Regional. 53.

Analisado o dever de motivação do ato administrativo, necessário

verificar a invalidade ou não dos Decretos ns. 6.042/07 e 6.957/09.

A elevação das alíquotas operada pelos Decretos ns. 6.042/07 e

6.957/09 é imotivada, porque não havia necessidade financeira ou atuarial para essa

modificação. Tanto é que a alteração de alíquotas desequilibrou o sistema, gerando

superávit numa relação que se encontrava equilibrada.

Desta forma, diante da ausência de motivação para alterar as

alíquotas da contribuição social do inciso II do artigo 22 da Lei n. 8.212/91, por meio

52

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão nº 94167. Primeira Turma, DJU 29/05/1981. 53

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. AMS 92519 SP 98.03.092519-9. Sexta Turma, DJU 28/08/2008.

121

da alteração do grau de risco das atividades econômicas, não há dúvidas acerca da

inconstitucionalidade dos Decretos ns. 6.042/07 e 6.957/09, sobretudo porque deve

ser garantido ao contribuinte o direito de saber o motivo que embasa sua tributação,

podendo esclarecer se a Lei é cumprida em seu fiel sentido, ou se o Poder

Executivo, em desvio de finalidade, abusa do dever de regulamentar aumentando

alíquotas tributárias com critérios confiscatórios.

8.3 LIMITAÇÃO AO PODER DE REGULAMENTAÇÃO: OBSERVÂNCIA ESTRITA DA LEGALIDADE

O inciso II do artigo 22 da Lei n. 8.212/91 atribuiu ao regulamento à

tarefa de definir o grau de risco de cada atividade preponderante, se leve, médio ou

grave. Essa atribuição não é absoluta, tampouco ilimitada; o legislador reservou a si

a capacidade de delimitar o modelo de definição, impedindo a desvirtuação da mens

legis.

A regulamentação não é atividade discricionária ou desvinculada,

mas tarefa limitada e vinculada pelo enunciado legal regulamentado. O regulamento

não pode alterar ou inovar o texto legal, quiçá estender o sentido e a prática de suas

significações; a interpretação admitida é sobremodo restritiva, notadamente quando

o objeto impõe exigências aos administrados. Em verdade, a legalidade é a

materialização da proteção dos administrados frente quaisquer atos autoritários ou

confiscatórios do Estado.

O regulamento que avança o limite do texto regulamentado, criando

princípio de direito material, estendendo ou restringindo benefício, taxando proibição

exemplificativa e vice-versa, transformando dispositivo interpretativo em regra

impositiva ou proibitiva, é ilegal, senão inconstitucional.

A omissão aos limites importa em inovação jurídica; competência

constitucional reservada ao legislador. Ao incutir novo dado no sistema jurídico, o

regulamento, afora as regras de competência, também afronta a legalidade, na

medida em que estar-se-ia atribuindo dever à revelia da lei.

122

Se o regulamento cria direitos ou obrigações novas, estranhos à lei,

ou faz reviver direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações ou exceções, que a

lei apagou, é inconstitucional. Por exemplo: se faz exemplificativo o que é taxativo,

ou vice-versa. Tampouco pode ele limitar ou ampliar direitos, deveres, pretensões,

obrigações ou exceções à proibição, [...]. Nem ordenar o que a lei não ordena [...].

Nenhum princípio novo, ou diferente, de direito material se lhe pode introduzir. Em

consequência disso, não fixa nem diminui, nem eleva vencimentos, nem institui

penas, cobranças, taxas ou isenções. Vale dentro da lei; fora da lei a que se reporta,

ou das outras leis, não vale. Em se tratando de regra jurídica de direito formal, o

regulamento não pode ir além da edição de regras que impliquem a maneira a ser

observada a regra jurídica.

Sempre que no regulamento se insere o que se afasta, para mais ou

para menos, da lei, é nulo, por ser contrária à lei a regra jurídica que se tentou

embutir no sistema jurídico.

Se, regulamentando a lei (a), o regulamento fere a Constituição ou

outra lei, é contrário à Constituição, ou à lei, e – em consequência – nulo o que

editou.

A pretexto de regulamentar a lei (a), não pode o regulamento,

sequer, ofender o que, a propósito de lei (b), outro regulamento estabelecera.

A interpretação utilizada na regulamentação deve observar o método

inerente ao contexto regulado (crivo legislativo). O Código Tributário Nacional – CTN

cuida da definição do método, privilegiando a restrição das significações quando a

ampliação importar em majoração, seja pela extensão do fato imponível, seja divisão

da base-de-cálculo ou alíquota da exigência tributária.

Os significados e prática das expressões devem se restringir à

literalidade da significação, evitando que a ambiguidade aja na extensão dos limites

impostos pelo texto legal regulamentado .

123

A ilegalidade/inconstitucionalidade do regulamento não é aferida,

pois, tão-somente por meio da desobediência sintática. O regulamento que altera o

sentido do regulamentado também é inválido, porque através da adulteração dos

significados atribui-se conotação diversa da existente, consubstanciando-se em

preceito autônomo àquele que ele pretende efetivar.

O inciso II do artigo 22 da Lei n. 8.212/91 não transferiu ao Poder

Executivo a capacidade de definir a alíquota de cada contribuinte, mas a mera tarefa

de verificar os riscos das atividades econômicas, com base na probabilidade da

atividade gerar benefício por incapacidade de trabalho decorrentes dos riscos

ambientais do trabalho.

Além de definir a forma de aferição do risco de cada atividade

econômica, o legislador também previu o mecanismo para essa identificação,

transferindo à prova pericial, na forma do Laudo Técnico de Condições Ambientais

do Trabalho – LTCAT ou do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA,

a constatação das condições ambientais dos estabelecimentos, nos termos do § 1º

do artigo 58 da Lei n. 8.213/91:

§ 1º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista.

Antes de delegar ao Poder Executivo a regulamentação do inciso II

do artigo 22 da Lei n. 8.212/91, o legislador firmou as possibilidades impedindo

regulamento que não defina o risco ambiental do trabalho a partir das condições

reais de cada atividade econômica. O regulamento negligente, seja aquele que não

identifica o risco de cada setor, ou que identifique a partir de mecanismos irreais, é

ilegal senão inconstitucional, sendo o seu afastamento resolvido pela integração.

9. PROCEDIMENTO E PROCESSO ADMINISTRATIVO DE BENEFÍCIO

124

Segundo o artigo 23 da Lei n. 8.213/1991, considera-se como dia do

acidente, na ocorrência de doença profissional ou do trabalho, a data do início da

incapacidade para exercer a função para o exercício da atividade habitual, ou do dia

do afastamento compulsório, ou o dia em que for realizado o diagnóstico, valendo

para este efeito o que ocorrer primeiro.

Para que o segurado possa ter direito ao recebimento do benefício

auxílio doença acidentário, deve comprovar junto ao INSS a data em que teve início

a sua incapacidade laborativa. Esta comprovação pode ser feita a partir da data do

seu afastamento para tratamento médico. Caso o segurado nunca tenha se afastado

em razão do acidente do trabalho que ele sofreu, e o diagnóstico médico não for

capaz de fornecer uma data aproximada do dia do acidente, a data de início do

benefício auxílio-doença acidentário será a data em que o órgão previdenciário for

citado, visto que esta é a data em que se dá notícia ao INSS do infortúnio, conforme

já aceito em inúmeros julgados.

Art. 22. A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada

nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social.

Nos termos do §2° deste referido artigo, a Comunicação de Acidente

do Trabalho (CAT) é obrigação da empresa, todavia o próprio acidentado, seus

dependentes, o sindicato de classe, o médico que assistiu o segurado ou qualquer

autoridade pública poderão formalizá-la em caso de descumprimento da obrigação

de fazer por parte do empregador. A emissão da CAT é de suma importância, tendo

em vista as informações nela contidas, não apenas do ponto de vista previdenciário,

estatístico e epidemiológico, mas também trabalhista, econômico e social.

§ 2-Na falta de comunicação por parte da empresa, podem formalizá-la o próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública, não prevalecendo nestes casos o prazo previsto neste artigo.

125

Para que o segurado possa usufruir do benefício de auxílio-doença

acidentário, precisa antes de tudo de provocação da administração pública, que

ocorre mediante a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) e

posterior requerimento junto ao Instituto Nacional do Seguro Social. O formulário de

requerimento do benefício deverá vir acompanhado de provas de que se dispõe para

comprovar o alegado.

O acidente do trabalho deverá ser caracterizado administrativamente

pelo setor de benefícios do INSS, que estabelecerá o nexo entre o trabalho exercido

e o acidente e, tecnicamente, pela perícia médica do INSS, que estabelecerá o nexo

de causa e efeito entre a doença e a lesão, entre a doença e o trabalho e, se for o

caso, entre a causa mortis e o acidente.

A competência da ação para a concessão de benefício acidentário é

da Justiça Estadual ou do Distrito Federal, uma vez que o segurado lesado postula a

concessão de um benefício previdenciário. Ressalta-se, ainda, que não há

necessidade de esgotar os procedimentos de natureza administrativa, como já

corroborado por nossos tribunais.

9.1 LEGITIMIDADE DA EMPRESA NO REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO

A legitimidade se traduz no pressuposto processual do qual a lei

seleciona os sujeitos de direitos admitidos a participar no procedimento de

concessão do benefício previdenciário. Em via de regra, nos casos de concessão de

prestação previdenciária, a legitimidade é somente pelos segurados ou

dependentes.

No entanto, existem situações em que a decisão do procedimento

administrativo afeta terceiros diferentes da relação originária, por exemplo, a

empresa pode ser interessada nos casos de concessão de benefícios acidentários,

porque a caracterização ou não, refletirá diretamente a este.

Esses casos se assemelham a intervenção de terceiros previsto no

código de processo civil. A lei previdenciária seguiu o mesmo caminho, em 12 de

126

fevereiro de 2006, ao publicar o Decreto n. 5.699, incluindo o artigo 76-A do Decreto

n. 3.048/99, que faculta a empresa requerer benefícios de auxílio-doença a seus

colaboradores, conforme estipulado abaixo:

Art. 76-A – é facultado à empresa protocolar requerimento de auxílio-doença ou documento dele originário de seu empregado ou de contribuinte individual a ela vinculado ou a seu serviço na forma estabelecida pelo INSS.

Parágrafo único – a empresa que adotar o procedimento previsto no caput terá acesso às decisões administrativas a ele relativas.

Esta inovação trazida pelo Decreto n. 5.699/06 permite que a

empresa tenha total acesso as decisões administrativas relativas ao procedimento

de concessão de benefício, ou seja, a empresa deverá ser notificada das datas das

perícias, bem como intimada de todos os atos administrativos.

A exemplo disso, a empresa poderá se utilizar-se do mecanismo da

medida cautelar administrativa, prevista no artigo 129, da Lei n. 8.213/91, com intuito

de afastar a incidência do NTEP na concessão dos benefícios, repercutindo nos

âmbitos previdenciários, trabalhistas e tributários, conforme se verifica do artigo

abaixo:

Art. 129 – os litígios e medidas cautelares relativos a acidentes do trabalho serão apreciados:

I - Na esfera administrativa, pelos órgãos da Previdência Social, segundo as regras e prazos aplicáveis às demais prestações, com prioridade para conclusão; e

A medida cautelar é o mecanismo que evita a constituição do dado,

ou seja, a concessão do benefício acidentário, antecipando as provas e

possibilitando a desconsideração do FAP nos termos do §7º do Decreto n. 3.048/99,

pois, veja-se:

Art. 337 – o acidente do trabalho se caracterizado tecnicamente pela pericia medica do INSS, mediante a identificação do nexo e entre o trabalho e o agravo.

127

§7º - a empresa poderá requerer ao INSS a não aplicação do nexo técnico epidemiológico ao caso concreto mediante a demonstração

de inexistência de correspondente nexo entre o trabalho e o agravo.

Frisa-se que a medida cautelar torna-se o mecanismo complementar

que age sobre o dado antes de sua qualificação como espécie acidentaria.

Podemos concluir que esse mecanismo auxilia na desoneração

tributária das empresas, descaracterizando o NTEP e consequentemente reduzindo

a alíquota do FAP e SAT do contribuinte.

9.2 EFEITOS DO RECURSO ADMINISTRATIVO

No infortúnio do trabalho, os recursos são administrativos e judiciais.

O recurso administrativo está previsto no art. 126 da Lei 8.213/1991, em que se

estabelece que das decisões do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, da qual

há interesse dos beneficiários e contribuintes da seguridade social, caberá recurso

para o Conselho de Recursos da Previdência Social, conforme dispuser o

Regulamento.

Os órgãos que compõem a etapa recursal do processo

administrativo não dizem respeito à estrutura organizacional do INSS, mas sim ao do

Ministério da Previdência Social. A 2ª instância administrativa é de responsabilidade

da Junta de Recursos; a Câmara de Julgamento pertence à 3ª instância

administrativa. Estas instâncias compõem o Conselho de Recursos da Previdência

Social – CRPS, colegiado responsável pelo controle da legalidade das decisões do

INSS em matéria de benefício, regulamentado pela Portaria MPS nº 323/2007.

Requerimento Medida cautelar

administrativa Perícia médica

Impugnação da perícia

Decisão Recurso

administrativo

128

Das decisões emitidas pelas Agências da Previdência Social do

INSS, dentro do prazo de 30 dias, caberá recurso ordinário pelo interessado para

julgamento perante a Junta de Recursos. Os recursos serão protocolizados no órgão

de origem do INSS, que proferiu a decisão administrativa, e deverá providenciar a

devida instrução com a posterior remessa dos autos à 2ª instância.

O INSS será intimado para, no prazo de 30 dias, contados da

interposição do recurso, apresentar contrarrazões. Nesta, será possível reconhecer

o erro administrativo de sua decisão inicial e reformá-la, no intuito de conceder o

direito subjetivo postulado pelo recorrente. Caso não reformada a primeira decisão,

nem apresentadas as contrarrazões, serão considerados como tais os motivos do

indeferimento do pedido do benefício e encaminhado o recurso ordinário para

julgamento na Junta de Recursos.

No prazo de 30 dias, é cabível a interposição de Recurso Especial

contra os acórdãos proferidos pela Junta de Recursos, contados da intimação da

decisão. Somente nas seguintes situações é permitido ao INSS propor recurso

especial:

Quando violarem disposição de lei, de decreto ou de portaria

ministerial;

Divergirem de súmula ou de parecer do Advogado Geral da

União;

Divergirem de pareceres da Consultoria Jurídica do MPS ou da

Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, aprovados

pelo Procurador-Chefe;

Divergirem de enunciados editados pelo Conselho Pleno do

CRPS;

Contiverem vício insanável, considerado como tal as ocorrências

elencadas no § 1º do art. 60 da Portaria MPS nº 323/2007.

129

O objetivo de se restringir as hipóteses de cabimento do recurso

ordinário pelo INSS é evitar a rediscussão de matéria fática por provocação da

própria autarquia federal, tendo em vista que a esta coube a presidência de toda a

fase instrutória do processo. A interposição tempestiva do recurso especial

suspende a execução da decisão proferida pela Junta de Recursos, retornando à

Câmara de Julgamento o conhecimento integral da matéria.

O INSS é autorizado, em qualquer fase do processo, a reconhecer o

direito do interessado e reformar sua decisão, deixando de encaminhar o recurso à

instância competente ou, caso o recurso esteja em andamento perante o órgão

superior, será necessário comunicar-lhe sua nova decisão, para fins de extinção do

processo com apreciação do mérito, por reconhecimento do pedido.

O Regulamento da Previdência Social, atendendo a axioma

constitucional, determina a concessão de efeito suspensivo ao recurso especial,

interposto ao Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS54:

Art. 308 - Os recursos tempestivos contra decisões das Juntas de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social têm efeito suspensivo e devolutivo. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)

A despeito da omissão administrativa na regulamentação, qualquer

método interpretativo adotado permitirá concluir pela necessária concessão de efeito

suspensivo ao recurso ordinário à JRPS. A Portaria MPS n° 323, de 27, de agosto

de 2007, que aprovou o Regimento Interno do Conselho de Recursos da Previdência

Social – CRPS, trata, em seu artigo 29, acerca do recurso ordinário:

Art. 29. Denomina-se recurso ordinário aquele interposto pelo interessado, segurado ou beneficiário da Previdência Social, em face de decisão proferida pelo INSS, dirigido às Juntas de Recursos do CRPS, observada a competência prevista no art. 17 deste Regimento55.

54

BRASIL. Ministerio da Previdencia Social. Portaria MPS Nº 323, de 27 de agosto de 2007 - DOU de 29/08/2007 – alterado. Disponível em: <http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/66/MPS/2007/323.htm>. Acesso em: 22 jul. 2011.

55 Ibidem.

130

Essa omissão foi sanada, no âmbito administrativo, com a

publicação da Portaria MPS n. 713, de 9 de dezembro de 1993, que ao dispor sobre

os efeitos dos recursos interpostos à JRPS, estabelece expressamente, em seu

artigo 14, que ambos recursos, ordinário e especial, serão dotados de efeitos

suspensivo: ―Os recursos serão recebidos com efeito devolutivo e suspensivo.‖

Seria inconcebível admitir a possibilidade de obtenção de efeito

suspensivo da decisão de 1ª instância, quando interposto recurso especial ao CRPS,

e ter o recurso precedente à JRPS, recebido apenas sob efeito devolutivo. Isto é,

vislumbrar a hipótese de um recurso excepcional ser dotado de efeito que sequer o

ordinário ostente.

O artigo 30, da Portaria Ministerial, estabelece a dialética recursal no

âmbito administrativo. O § único, por sua vez, seguindo a lógica da redundância,

determina o recebimento do recurso especial ao CRPS em ambos os efeitos,

condicionando a eficácia da decisão de primeira instância à reapreciação da matéria.

Art. 30. Das decisões proferidas no julgamento do recurso ordinário caberá recurso especial dirigido às Câmaras de Julgamento, órgãos de última instância recursal administrativa, ressalvada a competência exclusiva das Juntas de Recursos definida no art. 18 deste Regimento.

Parágrafo único. A interposição tempestiva do recurso especial suspende os efeitos da decisão de primeira instância e devolve à instância superior o conhecimento integral da causa.

Não obstante a imprecisão técnica na redação do Decreto n.

3.048/99, reiterada no Regimento Interno do Conselho de Recursos da Previdência

Social, tal omissão foi suprimida pela jurisprudência, que esclareceu a necessidade

de se conceder efeito suspensivo aos recursos administrativos previdenciários.

Neste sentido, decidiu a Sexta Turma do E. Tribunal Regional

Federal da 4ª Região – TRF da 4ª Região, ao compreender que o efeito suspensivo

típico do recurso administrativo não se deve tão somente ao principio constitucional,

mas é determinada pela legislação previdenciária, conforme arresto:

131

PREVIDENCIÁRIO. ADMINISTRATIVO. RECURSO. EFEITO SUSPENSIVO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CPC. LEI Nº 8.213/91, ARTS. 126 E 127. DECRETO Nº 2.172/97, ART. 209.

1. A concessão de efeito suspensivo ao recurso administrativo não se deve tão-somente à principiologia constitucional, mas é determinada pela legislação previdenciária.

2. O regulamento (Decreto nº 2.172/97), ao determinar a aplicação do Regimento Interno do CRPS, no que tange ao regramento da matéria atinente a recursos, não inova, nem restringe ou afronta a Lei nº 8.213/91, pois o legislador conferiu margem de liberdade ao Chefe do Poder Executivo, no cumprimento da tarefa de expedir regras destinadas a regular o processamento dos recursos administrativos.

3. Descabe a aplicação subsidiária do art. 520º, II, do CPC, no caso presente, porquanto não se pode confundir o cunho alimentar dos proventos previdenciários com a natureza das demandas que envolvam a prestação de alimentos. Ademais, inexistindo vácuo legislativo acerca da matéria, a aplicação subsidiária do CPC não cria espaço para interpretação por analogia, porque, salvo as exceções previstas na lei, a apelação deve ser recebida em ambos os efeitos (art. 520, caput, do CPC).

56.

A jurisprudência da Quinta Turma do E. TRF da 4ª Região entendeu,

ao julgar caso análogo, ser a JRPS nada mais do que um órgão integrante do

CRPS, isto é, instância inferior e subordinada daquela entidade administrativa,

conforme ementa lavrada sobre o voto da eminente desembargadora Virgínia

Amaral da Cunha Sheibe.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AMPLA DEFESA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. PORTARIA Nº 4.414/98. 1. As disposições da Lei 9469/97 não constituem óbice à antecipação de tutela concedida porque o caso presente não é de execução de sentença, mas sim, antecipação de tutela. 2. As disposições da Lei 9494/97, objeto da ADIN 4-6/DF, não interferem com a antecipação em causa, porquanto não se trata de concessão de aumento ou vantagem a servidor público, mas sim, concessão de benefício previdenciário, espécie que escapa à hipótese legal em referência. 3. De acordo

56

BRASIL. Tribunal Regional Federal. Previdenciário. Administrativo. Recurso. Efeito suspensivo. Aplicação subsidiária do CPC. Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, DJ 04/07/2001. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8649005/apelacao-em-mandado-de-seguranca-ams-8747-pr-20000401008747-3-trf4>. Acesso em: 12 jul. 2011.

132

com a Portaria nº 4.414/98, os recursos interpostos aos órgãos do Conselho de Recursos da Previdência Social tem efeito suspensivo, impossibilitando o imediato cumprimento da decisão administrativa

antes de findo o prazo recursal. 57

A jurisprudência da E. Corte Regional é unânime. Apregoou, em

julgamento de caso concreto assemelhado, que a outorga de efeito suspensivo ao

recurso administrativo decorre da combinação das seguintes normas jurídicas: CF,

artigo 5°, LV; Lei n. 8.213/91, art. 126; o revogado Decreto n. 2.172/97 e a Portaria

n. 4.414/98, em seu artigo 31:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PRESSUPOSTOS. CPC, ART. 273. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.

l. O processo administrativo deve obedecer às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, somente podendo ser cancelado o beneficio previdenciário após ultrapassada a fase do recurso administrativo, ou seja, da decisão de segunda instância administrativa.

2. A outorga de efeito suspensivo ao recurso administrativo decorre da combinação das seguintes normas jurídicas: CF, art. 5º, LV; Lei nº 8.213/91, art. 126; Decreto nº 2.172/97, art. 209; Portaria nº 4.414/98 (Regimento Interno do Conselho de Recursos da Previdência Social),

art. 31. 58

Por fim, cumpre observar que inobstante a Lei n. 9.784/99 ter

indicado que os recursos administrativos não são dotados de efeito suspensivo,

abriu a possibilidade de outorga deste efeito, de ofício ou a pedido, em havendo

justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução.

Embora o artigo 308 do Decreto n. 3.048/99 tenha sido explícito

somente quanto aos efeitos do recurso interposto da decisão das Juntas de

Recursos, não dispôs em sentido contrário quanto aos recursos ordinários. A

omissão legal, contudo, fora suprimida, no âmbito administrativo, com a edição da

57

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Quinta Turma. AG 1999.04.01.106319-8 DJU 01/03/2000.

58 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Sexta Turma. AG 1999.04.01.1026367-2 DJU 31/05/2000.

133

Portaria Ministerial da Previdência Social n. 713/93, que dispôs, em seu artigo 14,

que os recursos serão recebidos com efeito devolutivo e suspensivo, sendo que

essa norma infralegal encontra-se com plena vigência e eficácia jurídica.

Hertz Costa59 defende que a regra no direito processual brasileiro é

o da suspensividade do recurso. Mesmo quando o texto legal silencia, há de se

entender que o recurso produz efeito suspensivo, ficando paralisada, portanto, a

eficácia da decisão. Para que não exista essa eficácia, mister se torna que o texto de

lei revele, apesar do recurso, que ele não tem efeito suspensivo, o que faz de forma

indireta, expressando que o recurso é recebido no ―efeito devolutivo‖.

59

COSTA, Hertz Jacinto. Manual de acidente do trabalho. Curitiba: Jaruá, 2006, p. 267-269.

134

10. CONCLUSÃO

i) A previdência social integra a Seguridade Social. Diferentemente da

assistência social, a previdência é contributiva e preventiva. Nesse

aspecto se assemelha à saúde, embora essa técnica beneficiar

independentemente de contribuição;

ii) A previdência social, enquanto parte da Seguridade Social, ocupa-

se da proteção preventiva dos efeitos do risco social.

iii) A invalidez é risco social. Caracteriza-se como incapacidade

substancial para o trabalho; dado real contrário ao fato que impõe a

filiação.

iv) Existem várias espécies de invalidez. Sem embargo, optamos pela

análise quanto à origem e ao tempo. No primeiro caso, a invalidez é

acidentária ou comum; no segundo, é por prazo determinado ou

indeterminado.

v) Enquanto a invalidez por prazo determinado gera o auxílio-doença,

a por prazo indeterminado concede a aposentadoria por invalidez.

Se a origem for acidentária, o benefício será acidentário; se comum,

o benefício será previdenciário.

vi) A natureza acidentária é caracterizada pela causalidade, pela

estatística ou pela prova ambiental. No primeiro caso, o INSS

analisa, na realidade, o nexo entre o trabalho e a invalidez; se

existente, mesmo que indireto, o benefício será considerado

acidentário. O método estatístico, conhecido como NTEP, se utiliza

da probabilidade, gerando presunção de que determinada invalidez

decorreu do trabalho. A forma ambiental, relaciona a invalidez aos

agentes nocivos do trabalho.

135

vii) A caracterização da natureza acidentária pelo INSS não é absoluta.

No âmbito da Justiça do Trabalho, o dado produzido pelo INSS é

mero indício de prova do acidente do trabalho, e vice-versa.

viii) A invalidez acidentária, mesmo que não identificada pelo INSS, gera

efeitos no contrato de trabalho. Além de suspender o contrato,

confere direito de estabilidade após a cessação da incapacidade, e

mantém os depósitos para FGTS enquanto vigente a suspensão.

ix) No âmbito da previdenciária, a invalidez acidentária é objeto da ação

de regresso. Não obstante as tentativas do INSS, a responsabilidade

nessa ação é subjetiva. Assim, além de provar a natureza

acidentária da invalidez, o INSS deverá comprar a culpa da empresa

nesse evento. Ademais, a invalidez acidentária importa ao FAP,

porque é contabilizada no desempenho da empresa na mitigação

dos riscos ambientais do trabalho; dado que poderá beneficiar ou

prejudicar a empresa na redução da alíquota do SAT.

136

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