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Boletim IOB - Manual de Procedimentos - Nov/2010 - Fascículo 46 TC 1 Manual de Procedimentos Temática Contábil e Balanços Boletim Reconhecimento de ativos intangíveis em situação de business combinations: um exemplo prático da aplicação dos CPC 04 e CPC 15 Tatiana Galo Saiki Profa. Maria Thereza Pompa Antunes SUMÁRIO 1. Introdução 2. A Lei n o 11.638/2007 e o grupo Ativo Intangível 3. Uma visão geral dos Pronunciamentos CPC 04 e CPC 15 4. Exemplo: reconhecimento de licença ambiental como ativo intangível 5. Considerações finais Referências bibliográficas 1. INTRODUÇÃO Para a Contabilidade, os ati- vos intangíveis sempre foram foco de estudo devido à impor- tância que representam para as organizações. Ao mesmo tempo, dada a sua natureza, esse tema sempre se revestiu de grande complexidade, uma vez que ativos intangíveis são aqueles que não têm existência física; logo, de não tão fá- cil reconhecimento, registro e evidenciação, visto esta estar atrelada às normas contábeis vigentes. Por outro lado, recentemente, a total convergência da contabilidade brasileira às normas internacionais de contabilidade emitidas pelo International Accounting Standards Board (IASB) propiciou as condições para que os ativos intangíveis sejam mais bem reconheci- dos e evidenciados. Todavia, esse processo não se apresenta de forma tão simples assim, conforme vere- mos a seguir. A Lei n o 6.404/1976 não contemplava um grupo específico para evidenciar os ativos intangíveis, mas facultava o registro de alguns deles em outros grupos. Assim, gastos de implantação, gastos pré-operacionais, gastos com pesquisa e desenvolvimento, bem como os com desenvolvimento de software, eram registrados no grupo do ativo diferido; os gastos com direitos de propriedade e de ativos adquiridos separadamente, no grupo do ativo imobilizado; e aqueles que fizessem par- te de uma combinação de negócios eram registrados, no Ativo, no grupo Investimentos (Fipecafi, 2000). De um avanço para a época, essa normatização passou a ser uma restrição. Com o passar dos anos, as exigências do mercado em relação à evidenciação dos intangíveis foram aumentando devido, entre ou- tros fatores, ao aumento da importância relativa que os ativos intangíveis passaram a represen- tar em relação ao ativo total das em- presas, de uma forma geral. A recente Lei n o 11.638/2007 introduziu importantes concei- tos do direito societário, tendo sido adaptados conceitos legais bastante utilizados em economias mais desenvolvidas, alinhando, também, a normatização brasileira às legislações dos Estados Unidos e de países da Europa. Foram trazidas inovações tanto para as demonstrações contábeis quanto para os princípios contábeis estabelecidos, visto que essas normas são baseadas muito mais em princípios do que em regras. Tal ato visou, entre outras coisas, melhorar a relevân- cia, a confiabilidade e a comparabilidade das infor- mações divulgadas. Como citado, em relação aos ati- vos intangíveis, essa lei trouxe uma nova abordagem, principalmente ao criar um grupo específico para evi- denciar os ativos intangíveis no Balanço Patrimonial. Assim, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) emitiu, em 2008, o Pronunciamento Técnico CPC 04 - Ativo Intangível, baseado no IAS 38 Intangible Assets, Contabilidade Internacional A recente Lei n o 11.638/2007 introduziu importantes conceitos do direito societário, tendo sido adaptados conceitos legais bastante utilizados em economias mais desenvolvidas

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Boletim IOB - Manual de Procedimentos - Nov/2010 - Fascículo 46 TC 1

Manual de ProcedimentosTemática Contábil e Balanços

Boletim

Reconhecimento de ativos intangíveis em situação de business combinations: um exemplo prático da aplicação dos CPC 04 e CPC 15

Tatiana Galo SaikiProfa. Maria Thereza Pompa Antunes

SUMÁRIO 1. Introdução 2. A Lei no 11.638/2007 e o grupo Ativo Intangível 3. Uma visão geral dos Pronunciamentos CPC 04 e CPC 15 4. Exemplo: reconhecimento de licença ambiental como

ativo intangível 5. Considerações finais Referências bibliográficas

1. INTRODUÇÃO

Para a Contabilidade, os ati-vos intangíveis sempre foram foco de estudo devido à impor-tância que representam para as organizações. Ao mesmo tempo, dada a sua natureza, esse tema sempre se revestiu de grande complexidade, uma vez que ativos intangíveis são aqueles que não têm existência física; logo, de não tão fá-cil reconhecimento, registro e evidenciação, visto esta estar atrelada às normas contábeis vigentes.

Por outro lado, recentemente, a total convergência da contabilidade brasileira às normas internacionais de contabilidade emitidas pelo International Accounting Standards Board (IASB) propiciou as condições para que os ativos intangíveis sejam mais bem reconheci-dos e evidenciados. Todavia, esse processo não se apresenta de forma tão simples assim, conforme vere-mos a seguir.

A Lei no 6.404/1976 não contemplava um grupo específico para evidenciar os ativos intangíveis, mas

facultava o registro de alguns deles em outros grupos. Assim, gastos de implantação, gastos pré-operacionais, gastos com pesquisa e desenvolvimento, bem como os com desenvolvimento de software, eram registrados no grupo do ativo diferido; os gastos com direitos de propriedade e de ativos adquiridos separadamente, no grupo do ativo imobilizado; e aqueles que fizessem par-te de uma combinação de negócios eram registrados, no Ativo, no grupo Investimentos (Fipecafi, 2000).

De um avanço para a época, essa normatização passou a ser uma restrição. Com o passar dos anos, as exigências do mercado em relação à evidenciação dos intangíveis foram aumentando devido, entre ou-tros fatores, ao aumento da importância relativa que

os ativos intangíveis passaram a represen-tar em relação ao ativo total das em-

presas, de uma forma geral.

A recente Lei no 11.638/2007 introduziu importantes concei-tos do direito societário, tendo sido adaptados conceitos legais

bastante utilizados em economias mais desenvolvidas, alinhando,

também, a normatização brasileira às legislações dos Estados Unidos e de países

da Europa. Foram trazidas inovações tanto para as demonstrações contábeis quanto para os princípios contábeis estabelecidos, visto que essas normas são baseadas muito mais em princípios do que em regras. Tal ato visou, entre outras coisas, melhorar a relevân-cia, a confiabilidade e a comparabilidade das infor-mações divulgadas. Como citado, em relação aos ati-vos intangíveis, essa lei trouxe uma nova abordagem, principalmente ao criar um grupo específico para evi-denciar os ativos intangíveis no Balanço Patrimonial.

Assim, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) emitiu, em 2008, o Pronunciamento Técnico CPC 04 - Ativo Intangível, baseado no IAS 38 Intangible Assets,

Contabilidade Internacional

A recente Lei

no 11.638/2007 introduziu importantes conceitos do direito societário, tendo sido adaptados

conceitos legais bastante utilizados em economias mais

desenvolvidas

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2 TC Manual de Procedimentos - Nov/2010 - Fascículo 46 - Boletim IOB

Manual de Procedimentos

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para definir especificamente o tratamento a ser dado aos ativos intangíveis. Da mesma forma, em 2009, emitiu o Pronunciamento Técnico CPC 15 - Combinação de Negó-cios, baseado no IFRS 3 Business Combinations, em que estabelece os princípios e exigências de como uma em-presa adquirente reconhece e mensura os ativos identifi-cáveis, os passivos assumidos e o ágio por rentabilidade futura (goodwill), dentre outras coisas.

O ponto principal é que, em função de essas nor-mas estarem mais baseadas em princípios do que em regras, resultou que o CPC 04 e o CPC 15 conceitu-am as condições para a identificação e mensuração dos ativos intangíveis, mas não disponibilizam uma sequência de procedimentos específicos que devem ser seguidos para a sua mensuração. Aliás, deve-se ressaltar que essa é uma característica da nova le-gislação como um todo, que enfatiza a liberdade de interpretação, julgamento e aplicação dos textos (no caso, dos pronunciamentos), por parte do profissio-nal, às especificidades da sua empresa.

Por um lado essa nova realidade veio contribuir para valorizar a profissão do contabilista, na qual se destacarão aqueles profissionais que mostrarem maior habilidade e conhecimento específico para a análise e interpretação das informações contidas nos pronuncia-mentos do CPC; por outro lado, é lícito supor que muitos profissionais possam encontrar dificuldades para inter-pretar e aplicar a nova legislação, resultando na divul-gação de balanços com diversos resultados e receitas, entre outros aspectos, conforme foi relatado na impren-sa especializada (Valor Econômico, 09.03.2009).

Nesse sentido, o presente texto tem como objetivo descrever como uma empresa de commodities agrícolas no Brasil reconheceu e mensurou seus ativos intangíveis seguindo os preceitos da Lei no 11.638/2007 e as orienta-ções dos Pronunciamentos Técnicos CPC 04 e 15, diante de uma situação de compra de uma usina de cana-de-açúcar. Especificamente, trata-se de descrever e analisar a metodologia utilizada para a mensuração dos ativos in-tangíveis identificáveis adquiridos dentro do valor pago a título de ágio por rentabilidade futura (goodwill).

Dessa forma, diante da conjuntura atual de adap-tação às novas normas, considera-se que a realidade aqui exposta possa inspirar a adoção de procedimen-tos semelhantes em empresas que se encontrem em situações de mesma natureza e suscitar discussões sobre a aplicabilidade da legislação em fóruns profis-sionais e acadêmicos.

Para tanto, faz-se necessário, primeiramente, uma ligeira revisão sobre os principais pontos trazidos pela

referida Lei e pelos citados pronunciamentos Técni-cos do CPC.

2. A LEI No 11.638/2007 E O GRUPO ATIVO INTANGÍVEL

Em linhas gerais, pode-se dizer que um dos avan-ços da Lei no 11.638/2007 foi alterar as regras aplicá-veis ao tratamento de ativos intangíveis no Balanço Patrimonial das companhias, a saber:

1) criou um grupo contábil específico para esses ativos, o que contribuiu para sua melhor identifi-cação e individualização no contexto do efetivo patrimônio, já que como exemplos de ativos in-tangíveis citam-se as marcas, patentes, direitos sobre recursos naturais, fundo de comércio etc.; e

2) passou a ser adotado um novo critério de reconhe-cimento dos bens, de forma que os direitos classi-ficados como intangíveis são contabilizados indivi-dualizadamente. São avaliados pelo custo incorri-do na aquisição, deduzido do saldo da respectiva conta de amortização. Isso beneficia as empresas que passam a determinar de forma mais clara e exata o real valor dos seus bens intangíveis.

Não obstante tal disposição, o art. 183, § 3o, da Lei das Sociedades por Ações, alterado pela Lei no 11.638/2007, também atribui à sociedade o dever de efetuar, periodicamente, a análise sobre a recupera-ção dos valores registrados no grupo Intangível com o objetivo de assegurar que sejam:

1) registradas as perdas de valor do capital aplicado, quando houver decisão de interromper as ativida-des a que tais ativos se destinavam, ou quando comprovado que não poderão trazer resultados suficientes para a recuperação desse valor; e

2) revisados e ajustados os critérios utilizados para a determinação da vida útil econômica de tais bens para o cálculo da respectiva de-preciação, exaustão e amortização.

Pode-se dizer que a principal consequência ime-diata da criação de um grupo específico para os ati-vos intangíveis nos balanços das companhias foi a necessidade de se classificar os direitos que tenham por objeto bens incorpóreos destinados à manuten-ção da companhia ou exercidos com essa finalidade, inclusive o fundo de comércio adquirido, e de reclas-sificar os ativos que, até então, estavam registrados no antigo grupo Ativo Permanente. Isso pode ter re-sultado, em algumas companhias, na redução de for-ma considerável dos grupos de contas Investimentos, Imobilizado e Diferido. Vale lembrar que o grupo Dife-rido foi extinto pela Lei no 11.941/2009, que em parte é

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a conversão em lei da Medida Provisória no 449/2008 e complementou a Lei no 11.638/2007. Nesse caso, o conteúdo desse grupo teve que ser analisado para que as devidas reclassificações fossem efetuadas aos demais grupos de ativos (Investimento, Imobilizado e Intangível), conforme o caso, podendo ser mantidos no Diferido, até sua efetiva realização, aqueles valores que não fossem passíveis de reclassificação.

3. UMA VISÃO GERAL DOS PRONUNCIAMENTOS CPC 04 E CPC 15

Ao se interpretar o Pronunciamento Técnico CPC 04, cujo objetivo principal é o de definir o tratamento contábil dos ativos intangíveis que não são abrangi-dos especificamente em outro pronunciamento, deve-se ter em mente a diferenciação conceitual existente entre ativos intangíveis e goodwill.

Um ativo, de acordo com o CPC-00 - Pronuncia-mento Conceitual Básico, item 49, é definido como “recurso controlado pela entidade como resultado de eventos passados e do qual se espera que resultem futuros benefícios econômicos para a entidade”, sen-do que o controle do ativo se dá quando a entidade detém o poder de obter benefícios econômicos futu-ros gerados pelo recurso e de restringir o acesso de terceiros a esses benefícios.

Assim, na definição de ativos intangíveis (CPC 04, item 8) acrescenta-se o fato de serem representados por ativo não monetário identificável e sem substância física, e a forma usual de as companhias controlarem os bene-fícios econômicos futuros do ativo intangível advém de direitos legais, direitos autorais, limitação de um acordo comercial, entre outros fatores. A exigência de que esse ativo seja identificável se faz necessária justamente para diferenciá-lo do ágio derivado da expectativa de rentabi-lidade futura, o que se denomina por goodwill.

Em linhas gerais, o CPC 04 determina que a sua identificação somente lhe seja permitida se o mesmo for separável e resultar de direitos contratuais ou de outros direitos legais.

Para o seu reconhecimento, o CPC 04 determina que a companhia tenha evidências de que o ativo sa-tisfaça as seguintes condições:

1) a definição de ativo intangível; e 2) os critérios de reconhecimento dos ativos in-

tangíveis.

Dessa forma, o seu reconhecimento, considerando a definição de ativo intangível, ocorrerá somente quando for provável que os benefícios econômicos futuros esperados

atribuíveis ao ativo sejam gerados em favor da entidade e o custo do ativo possa ser mensurado com segurança. Quanto aos critérios de reconhecimento dos ativos intan-gíveis, o CPC 04 dispõe sobre aqueles que são adquiridos separadamente e sobre os casos dos ativos intangíveis adquiridos em combinações de negócios.

No critério de reconhecimento de ativos intangíveis adquiridos separadamente, o CPC 04 considera que o preço pago pela companhia para adquirir separadamente um ativo intangível reflete sua expectativa sobre a proba-bilidade de os benefícios econômicos futuros esperados, incorporados no ativo, serem gerados a seu favor. Quanto ao custo, o CPC 04 (item 27) define que o mesmo inclui:

1) seu preço de compra, acrescido de impostos de importação e impostos não recuperáveis sobre a compra, depois de deduzidos os des-contos comerciais e abatimentos; e

2) qualquer custo atribuível à preparação do ati-vo para o objetivo proposto, porém os custos incorridos no uso ou na transferência ou reins-talação de um ativo intangível não são incluí-dos no seu valor contábil.

Para os casos de aquisição por meio de uma com-binação de negócios, o CPC 04 (item 33) menciona que o seu custo é o valor justo na data de aquisição, o qual reflete as expectativas sobre a probabilidade de que os benefícios econômicos futuros incorporados no ativo sejam gerados em favor da entidade. Dessa for-ma, a empresa adquirente deve reconhecer, na data da aquisição, separadamente do ágio derivado da expec-tativa de rentabilidade futura (goodwill), o ativo intan-gível da adquirida, independentemente de o ativo ter sido reconhecido pela adquirida antes da aquisição da empresa (CPC 04, item 34). Essa situação nos remete ao CPC 15 - Combinação de Negócios.

De acordo com o CPC 15, o goodwill é decorrente do pagamento derivado da expectativa de benefícios futuros sobre a empresa, acrescido do valor das participações de não controladores e dos ajustes provindos de combi-nações efetuadas em estágios, que excedem o valor jus-to dos seus ativos e passivos identificados no momento da combinação de negócios, inclusive intangíveis.

Em vista dessa definição, fica claro que goodwill se apresenta como um valor residual, e não é, como usual e erroneamente identificado, a diferença entre o valor de mercado da empresa e o seu valor patri-monial contábil; ele só existe para fins de registro na contabilidade financeira no momento da aquisição de uma empresa e é mensurado por esse valor pago na operação (Antunes e Martins, 2010).

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Antes de passarmos ao exemplo a que este texto se propõe, vale mencionar que o CPC 04 e o CPC 15 possibilitaram o reconhecimento de ativos intangíveis, antes não computados, gerados no momento de com-binação de negócios - daí se ressaltar a importância da identificação desses intangíveis separadamente do goodwill em relação ao período de amortização. O ágio gerado na prática anterior era amortizado em um pra-zo máximo de 10 anos; agora cada intangível deve ser analisado separadamente. Os ativos intangíveis com vida útil definida devem ser amortizados com relação ao seu período de vida útil econômica, e aqueles com vida útil indeterminada não são mais amortizados, de-vendo ser testado o valor de recuperabilidade desses ativos anualmente, em conformidade como o CPC 01 - Redução ao Valor Recuperável de Ativos.

4. EXEMPLO: RECONHECIMENTO DE LICENÇA AMBIENTAL COMO ATIVO INTANGÍVEL

Este exemplo trata de um caso real de reconheci-mento de uma licença ambiental adquirida em um pro-cesso de business combinations. Todavia, por solicita-ção da empresa, os números aqui apresentados foram modificados, mesmo assim refletem de forma fidedigna a situação em análise; da mesma forma foram atribuídos nomes fictícios às empresas envolvidas. Cabe ressaltar, ainda, que esse procedimento adotado para identificar e mensurar o valor do ativo intangível foi validado pela auditoria externa da empresa.

4.1 Situação-problema

A empresa “Alfa” é uma multinacional que atua no setor de commodities agrícolas, tendo como principais atividades a originação de soja e o processamento de oleaginosas, trigo, cacau e milho. A direção da empresa, ao se decidir por entrar no mercado de cana-de-açúcar, de forma a aumentar o seu portfólio de produtos brasilei-ros, se deparou com duas possibilidades, a saber:

a) construir sua própria usina e, com isso, aguar-dar até 2 anos para obter as licenças ambien-tais necessárias para explorar esse tipo de negócio; ou

b) adquirir uma usina que já possuía as licenças ambientais para entrar em atividade.

Considerando que o horizonte de tempo estimado para se obter essas licenças é de 2 anos, a empresa “Alfa” decidiu adquirir a usina “Beta”, em fase inicial de operação e, portanto, já tendo obtido as licen-ças ambientais. A atividade principal da “Beta” é a transformação da cana-de-açúcar em açúcar, álcool e energia. O valor acordado entre as partes para a aquisição da usina foi de US$ 18 milhões, e o valor

do seu acervo líquido contábil, no momento da aquisi-ção, era de US$ 6 milhões.

I - Procedimentos iniciais

Considerando o valor de compra de US$ 18 mi-lhões e os US$ 6 milhões do seu acervo líquido, pela prática contábil anterior seria reconhecido um ágio de US$ 12 milhões, mas, em conformidade com a nova norma, alguns procedimentos são necessários.

Primeiramente, todos os ativos e passivos devem ser avaliados a valor justo (de mercado, basicamente), inclusive os ativos intangíveis não reconhecidos ante-riormente pela adquirida para, na sequência, se apurar o valor do goodwill. Conforme exposto anteriormente, o valor do goodwill deve ser calculado pela diferen-ça entre o valor pago e o valor dos ativos e passivos identificados, a seus valores justos. Ressalta-se que não foram necessários ajustes de participação de não controladores e de combinações por estágios por não estarem contidos no caso em questão; ou seja, houve a compra da totalidade das ações da usina “Beta”, e a aquisição foi realizada numa única transação.

II - Processo de identificação dos ativos e passivos

A análise dos itens do acervo líquido da usina “Beta”, incluindo as possibilidades levantadas para a identificação de ativos intangíveis não contabilizados em seu patrimônio, resultou nos seguintes itens com as respectivas conclusões:

a) Ativo Imobilizado: a diferença do valor contabili-zado no Balanço Patrimonial para o valor de mer-cado mostrou-se imaterial, portanto manteve-se o valor contábil já identificado no acervo líquido;

b) contratos de equipamentos: não continham ne-nhum benefício em relação ao mercado corrente, pois os contratos de equipamentos tinham sido feitos recentemente com os fornecedores e não apresentavam diferença entre o valor contratado para o valor do mercado corrente. Dessa forma, foi mantido o valor do acervo líquido contábil;

c) fornecedores de cana-de-açúcar: não apre-sentaram nenhum benefício ou prejuízo para a companhia, uma vez que as cláusulas de seus contratos caracterizavam preço a mercado. As-sim, o valor contábil já registrado foi mantido;

d) marca: não apresenta valor de mercado rele-vante, devido ao fato de que essa usina esta-va em fase de construção e não possuía uma marca conhecida e consolidada no mercado;

e) licenças ambientais: este se revelou o único item relevante e identificável, visto que essas

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licenças são necessárias para uma usina en-trar em operação e levam, em média, 2 anos para serem concedidas pelo governo.

III - Cálculo do valor do Ativo Intangível - Licenças ambientais

De forma a se atribuir um valor para essas licen-ças ambientais, adotou-se a estratégia de se elaborar dois fluxos de caixa para a usina “Beta”: um com a antecipação de resultados, em função da licença am-biental preexistente, e outro sem considerá-la.A ela-boração desses dois fluxos de caixa foi realizada em 4 etapas:

Etapa 1: projeção de moagem e produção de ál-cool, açúcar e energia;Etapa 2: projeção das receitas de vendas;

Etapa 3: projeção do resultado;Etapa 4: projeção do fluxo de caixa da empresa

adquirida, considerando atingir a maior capa-

cidade de extração de uma margem de pro-dução e tendo como base cada tonelada de cana-de-açúcar processada, de acordo com a estrutura da usina.

Etapa 1: Projeção de moagem e produção de ál-cool, açúcar e energia

A projeção da produção considerou os 3 proces-sos de produção da seguinte forma: o primeiro é o da industrialização da cana-de-açúcar para a produção de álcool com previsão para início em 2009; o segun-do é a produção de açúcar com previsão para início em 2011; o terceiro trata da produção e comerciali-zação de energia elétrica por meio da utilização do bagaço da cana-de-açúcar (biomassa), também com previsão de início em 2011.

A Tabela 1 indica a previsão da capacidade de moagem e produção de álcool, açúcar e energia da usina para 10 anos:

TABELA 1: PROJEÇÃO DE MOAGEM E PRODUÇÃO DE ÁLCOOL, AÇÚCAR E ENERGIA

Em linhas gerais, para se fazer a projeção da moagem, levou-se em consideração o mercado de cana-de-açúcar brasileiro e, partindo-se do primeiro ano com 549 mt, estimou-se que a usina atingiria, em 10 anos, a moagem de 2.112 mt de cana-de-açúcar. Para se chegar à produção de álcool a partir da mo-agem de cana-de-açúcar, utilizou-se uma tabela de conversão de 11,52, ou seja, 549 mt de cana-de-açú-car moída produzirá 47 m3 de álcool no primeiro ano. No segundo ano, 1.076 mt de cana-de-açúcar moída produzirá 93 m3 de álcool e assim por diante. No ano de 2011, além da produção de álcool, considerou-se o início da produção de açúcar e energia. Assim, para a conversão de cana-de-açúcar para o álcool, o açú-car e a energia adotaram-se os seguintes fatores de conversão: a moagem da cana-de-açúcar de 1.731 mt foi convertida para álcool pelo fator de conversão 11,52 e para o açúcar pelo fator de conversão 7,47, levando-se em consideração que somente a metade

da cana-de-açúcar moída resultará em álcool e açú-car. A previsão de energia resultante de 1.731 mt de moagem de cana-de-açúcar foi estimada em 138 mw de energia.

Etapa 2: Projeção das receitas de vendas

A Tabela 2 exibe os resultados da projeção da receita de vendas para os 3 produtos. Nessa etapa, considerou-se que os produtos finais podem ser co-mercializados no mercado interno ou externo nas di-versas modalidades de comercialização (preço fixo, preço a fixar, preço-base fixo etc.) e que a venda de bagaço para a unidade de energia deve ser feita a valor de mercado. Contudo, como não existe uma pu-blicação de preços para ser utilizada como referên-cia, foi feita uma pesquisa de preço entre as usinas de uma mesma região para se determinar esse valor de referência.

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6 TC Manual de Procedimentos - Nov/2010 - Fascículo 46 - Boletim IOB

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TABELA 2: PROJEÇÃO DAS RECEITA DE VENDAS (US$ 000)

Etapa 3: Projeção do resultado

A projeção do resultado da usina “Beta” foi baseada nas projeções de moagem e de receita anteriormente citadas (Tabelas 1 e 2). Sobre as receitas de vendas, foram apurados os impostos incidentes (contribuição para o PIS-Pasep, Cofins e ICMS). Os custos e despesas da usina foram

apurados com base nas suas áreas industrial e administrativo/financeira. Após o cálculo do Ebtida (Earnings Before Income Tax, Depreciation and Amortization), foram apuradas as despesas com depreciação a fim de se obter o Ebit (Earnings Before Income Tax); com o desconto do Imposto de Renda, apurou-se o resultado líquido da empre-sa. A Tabela 3 exibe esses resultados.

TABELA 3: PROJEÇÃO DO RESULTADO (US$ 000)

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Etapa 4: Projeção do fluxo de caixa da empresa adquirida

A Tabela 4 exibe os resultados da projeção do fluxo de caixa da usina “Beta” para o período de 2009 a 2018.

TABELA 4: PROJEÇÃO DO FLUXO DE CAIXA (US$ 000)

Na sequência, com base na projeção do fluxo de caixa (Tabela 4) adotaram-se os seguintes procedi-mentos para se atribuir um valor monetário para as licenças ambientais adquiridas pela empresa “Alfa”. A Tabela 5 exibe esses resultados.

a) calculou-se o valor presente líquido do fluxo de caixa projetado para a usina “Beta” para o período de 10 anos, ou seja, de 2009 a 2018, utilizando-se como taxa de desconto 7,5% a.a., o que corresponde ao custo de captação de recursos da empresa “Alfa”, chegando-se ao valor de US$ 21.777 milhões;

b) considerando-se que a usina “Beta” já pos-sui as licenças ambientais necessárias que

normalmente levariam 2 anos para serem obtidas, recalculou-se o valor presente lí-quido com a mesma taxa de desconto an-tecipando-se o fluxo em 2 anos, ou seja, de 2011 a 2020, eliminando-se, dessa forma, o período necessário para a obtenção das licenças ambientais. Esse novo cálculo re-sultou em um valor presente líquido de US$ 25.166 milhões;

c) considerando-se que a diferença entre os dois valores presentes líquidos se deve às licenças ambientais, utilizou-se essa cifra (US$ 3.389) como o valor do Ativo Intangível - Licenças Ambientais identificado.

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8 TC Manual de Procedimentos - Nov/2010 - Fascículo 46 - Boletim IOB

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TABELA 5: PROJEÇÃO DO FLUXO DE CAIXA DESCONTADO EM US$

4.2 Contabilização do Ativo Intangível - Licenças Ambientais

Em conformidade com a nova norma, o valor a ser contabilizado a título de ágio por rentabilidade futura (goodwill) é de US$ 8.611 milhões, e “Alfa” ainda tem identificado, em seu patrimônio, um ativo intangível no valor de US$ 3.389, o qual se refere à licença am-biental que não estava reconhecida no patrimônio da usina “Beta”.

Dessa forma, observa-se que com a contabiliza-ção do valor intangível na conta patrimonial Ativo In-tangível, a empresa reduz o valor da conta goodwill, pois, conforme já comentado, segundo a norma ante-rior, o valor desse ativo seria de US$ 12 milhões.

Com isso, “Alfa” passa a amortizar o valor do Ativo Intangível de acordo com o benefício que o mesmo tra-rá, ou seja, em 2 anos, e o valor alocado na conta de goodwill não será amortizado, passando a sua recupe-rabilidade a ser testada anualmente. Na prática contábil anterior, não haveria essa contabilização em separado do Intangível - Licenças Ambientais e a empresa de-veria manter esse valor intangível alocado na conta de goodwill (Investimentos), ocorrendo uma amortização conjunta em um prazo não superior a 10 anos.

Por fim, apresenta-se a Tabela 6, que evidencia a comparação entre as antigas e as novas normas quanto à evidenciação no Balanço Patrimonial, consi-derando-se as contas analisadas neste exemplo.

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TABELA 6: COMPARAÇÃO DAS PRÁTICAS CONTÁBEIS APLICADAS NO ESTUDO (R$ MILHÕES)

Práticas anteriores Novas práticas Observações

Investimento

Investimento em “Beta” 6.000 6.000 Permaneceu igual por não existirem dife-renças entre o valor contábil e o valor de mercado dos ativos e passivos já reco-nhecidos na prática anterior.

Ágio 12.000 Houve nova classificação do ágio por expectativa de resultados futuros (goo-dwill).

Intangível

Licenças Ambientais 3.389 Foi o Ativo Intangível identificado no mo-mento da combinação de negócios ao valor justo.

Goodwill 8.611 Foi reclassificado para o grupo Intangí-vel e remensurado, considerando-se o ativo intangível identificado (Licenças Ambientais).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este texto abordou o tema ativos intangíveis com o objetivo principal de apresentar, por meio de um exemplo, a metodologia que uma empresa de com-modities agrícolas do Brasil desenvolveu para iden-tificar, mensurar e evidenciar o Ativo Intangível - Li-cenças Ambientais, adquirido quando da compra de uma usina de cana-de-açúcar, tendo como base as orientações do CPC 04 e CPC 15.

A sua relevância pode ser atribuída, principalmen-te, ao momento atual que a contabilidade brasileira vivencia, em função de sua convergência às normas internacionais de contabilidade.

Especificamente em relação aos ativos intangí-veis, pode-se concluir que essa convergência con-tribuiu para uma melhor evidenciação dos ativos an-teriormente já reconhecidos, possibilitou o reconhe-cimento de outros ativos intangíveis gerados no mo-mento de uma combinação de negócios e, também, a identificação desses intangíveis separadamente do goodwill. Isso propicia maior comparabilidade en-tre as empresas, contribuindo para a harmonização da legislação societária brasileira com os princípios e melhores práticas contábeis internacionais. Além disso, a contabilização dos valores intangíveis em conta específica torna mais transparente a situação patrimonial da empresa, visto que a conta referente ao ativo intangível fica evidenciada com o seu valor devidamente alocado.

Por outro lado, a nova norma não permite eviden-ciar, ainda, a grande parte dos ativos intangíveis ge-rados internamente, a que muitos identificam como Capital Intelectual (a esse respeito ver Antunes e Mar-tins, 2010). Nesse ponto, vale mencionar que, antes da divulgação dos respectivos pronunciamentos, ha-via uma expectativa bastante positiva por parte dos estudiosos mais aficionados pelo tema. Finalmente, esses elementos, tais como: capacidade de inovação, relacionamento com os stakeholders, riscos ambien-tais inerentes ao negócio, processos e estruturas or-ganizacionais, entre outros, ocupariam, efetivamente, o seu lugar no Balanço Patrimonial? Essa expectativa favorável não se confirmou, pois a resposta é a se-guinte: ainda não.

Por fim, vale mencionar que a convergência às normas internacionais de contabilidade trouxe, tam-bém, uma mudança cultural na prática da profissão, na medida em que a mesma é baseada em princípios, e não em regras, e no princípio da primazia da essên-cia sobre a forma, enfatizando a liberdade de interpre-tação e julgamentos fundamentados dos pronuncia-mentos emitidos pelo CPC. Essa nova realidade, por sua vez, passa a exigir do profissional um raciocínio analítico ao qual não estava até então habituado; em contrapartida, essa nova abordagem vem contribuir para a valorização da profissão. É sabido que no cam-po da sociologia das profissões, as mais diversas cor-rentes de pensamento são unânimes na concordância de que a complexidade e o conhecimento específico são aspectos que valorizam o profissional e justifi-

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Manual de Procedimentos

Temática Contábil e Balanços

cam perante a sociedade o monopólio, o status e os benefícios que ela lhes concede, conforme Freidson (1986; 1988), Diniz (2001) e Abbot (1988). Logo, esse período inicial de mudança, que vem acompanhado por inseguranças e incertezas, deve ser encarado de forma bastante positiva pela classe contábil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABBOTT, A. The system of professions. Chicago: University of Chicago Press, 1988.

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Auditoria

Opinião “modificada” do auditor independente - Tipos e utilização SUMÁRIO 1. Introdução 2. Os três tipos de opinião modificada e tipo de opinião a

ser utilizada 3. Quando se torna necessária a opinião modificada?

1. INTRODUÇÃO

A NBC-TA 705, aprovada pela Resolução CFC no 1.232/2009, trata das modificações na opinião do auditor independente e de sua responsabilidade na

emissão de relatório apropriado nas circunstâncias em que, ao formar uma opinião sobre as demonstrações contábeis de acordo com a NBC-TA 700, conclui que é necessária uma modificação em sua opinião sobre as demonstrações contábeis auditadas.

Nessa situação, o relatório de auditoria poderá ter uma opinião “com ressalva” ou “adversa” ou será emi-tido “com abstenção de opinião”.

Nota-se que modificação da opinião tem o signi-ficado de emitir um relatório diferente do “limpo”, ou

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Manual de Procedimentos

Temática Contábil e Balanços

seja, observando um dos tipos comentados. Portan-to, opinião modificada compreende opinião com res-salva, adversa ou abstenção de opinião.

Neste texto discorremos sobre o tema.

Nota

A Resolução CFC no 1.232/2009 é aplicável à auditoria de demonstra-ções contábeis para períodos iniciados em ou após 1o.01.2010.

2. OS TRÊS TIPOS DE OPINIÃO MODIFICADA E TIPO DE OPINIÃO A SER UTILIZADA

Vimos anteriormente os três tipos de opinião mo-dificada possíveis: opinião com ressalva, opinião ad-versa e abstenção de opinião.

A decisão sobre que tipo de opinião modificada é apropriada depende da:

a) natureza do assunto que deu origem à modi-ficação, ou seja, se as demonstrações con-tábeis apresentam distorção relevante ou, no caso de impossibilidade de obter evidência de auditoria apropriada e suficiente, podem apre-sentar distorção relevante; e

b) opinião do auditor sobre a disseminação dos efeitos ou possíveis efeitos do assunto sobre as demonstrações contábeis.

A tabela a seguir mostra como a opinião do audi-tor sobre a natureza do assunto que gerou a modifica-ção e a disseminação de forma generalizada dos seus efeitos ou possíveis efeitos sobre as demonstrações contábeis afetam o tipo de opinião a ser expressa.

Natureza do assunto que gerou a modificação

Julgamento do auditor sobre a disseminação de forma generalizada dos efeitos ou possíveis efeitos sobre

as demonstrações contábeis

Relevante, mas não generalizado

Relevante e generalizado

As demonstrações con-tábeis apresentam distor-ções relevantes

Opinião com res-salva

Opinião ad-versa

Impossibilidade de obter evidência de auditoria apropriada e suficiente

Opinião com res-salva

Abstenção de opinião

3. QUANDO SE TORNA NECESSÁRIA A OPINIÃO MODIFICADA?

O objetivo do auditor é expressar claramente uma opinião modificada de forma apropriada sobre as de-monstrações contábeis. Por sua vez, a opinião modifi-cada se torna necessária quando:

a) o auditor conclui, com base em evidência de auditoria obtida, que as demonstrações con-

tábeis como um todo apresentam distorções relevantes; ou

b) o auditor não consegue obter evidência de auditoria apropriada e suficiente para concluir que as demonstrações contábeis como um todo não apresentam distorções relevantes.

3.1 Natureza das distorções relevantes

É requerido do auditor, ao formar sua opinião so-bre as demonstrações contábeis, que conclua se foi obtida segurança razoável de que as demonstrações contábeis, como um todo, estão livres de distorções relevantes.

Essa conclusão leva em consideração a avalia-ção do auditor de distorções não corrigidas, se hou-ver, nas demonstrações contábeis.

“Distorção” é a diferença entre o valor, a classifi-cação, a apresentação ou a divulgação de um item informado nas demonstrações contábeis e o valor, a classificação, a apresentação ou a divulgação neces-sários para que o item esteja de acordo com a estru-tura de relatório financeiro aplicável.

Consequentemente, pode surgir uma distorção re-levante nas demonstrações contábeis em relação a:

a) adequação das políticas contábeis seleciona-das;

b) aplicação das políticas contábeis seleciona-das; ou

c) adequação das divulgações nas demonstra-ções contábeis.

3.1.1 Adequação das políticas contábeis selecionadas

Em relação à adequação das políticas contá-beis selecionadas pela administração, podem surgir distorções relevantes nas demonstrações contábeis quando:

a) as políticas contábeis selecionadas não são consistentes com a estrutura de relatório finan-ceiro aplicável; ou

b) as demonstrações contábeis, incluindo as notas explicativas, não representam as tran-sações e os eventos subjacentes de modo a alcançar uma apresentação adequada.

As estruturas de relatórios financeiros incluem frequentemente requisitos para a contabilização e divulgação de mudanças nas políticas contábeis. Se a entidade mudou políticas contábeis significativas,

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Temática Contábil e Balanços

uma distorção relevante nas demonstrações contá-beis pode surgir quando a entidade não cumpriu es-ses requisitos.

3.1.2 Aplicação das políticas contábeis selecionadas

Em relação à aplicação das políticas contábeis selecionadas, podem surgir distorções relevantes nas demonstrações contábeis:

a) quando a administração não aplicou as políticas contábeis selecionadas de maneira consistente com a estrutura de relatório financeiro, incluindo quando não as aplicou de maneira uniforme en-tre períodos ou para transações e eventos simi-lares (consistência na aplicação); ou

b) devido ao método de aplicação das políticas contábeis selecionadas (por exemplo, erro não intencional na aplicação).

3.1.3 Adequação das divulgações nas demonstrações contábeis

Em relação à adequação das divulgações nas de-monstrações contábeis, podem surgir distorções rele-vantes nas demonstrações contábeis quando:

a) as demonstrações contábeis não incluem to-das as divulgações exigidas pela estrutura de relatório financeiro aplicável;

b) as divulgações nas demonstrações contábeis não estão apresentadas de acordo com a es-trutura de relatório financeiro aplicável; ou

c) as demonstrações contábeis não fornecem as divulgações necessárias para alcançar uma apresentação adequada.

3.2 Natureza da impossibilidade de obter evidência de auditoria apropriada e suficiente

A impossibilidade do auditor de obter evidência de auditoria apropriada e suficiente (também deno-minada como limitação no alcance da auditoria) pode ser decorrente de:

a) circunstâncias que estão fora do controle da entidade;

b) circunstâncias relacionadas à natureza ou à época do trabalho do auditor; ou

c) limitações impostas pela administração.

A impossibilidade de executar um procedimento específico não constitui uma limitação no alcance da auditoria se o auditor conseguir obter evidência de auditoria apropriada e suficiente por meio de procedi-mentos alternativos.

As limitações impostas pela administração po-dem ter outras implicações para a auditoria, como, por exemplo, para a avaliação do auditor sobre riscos de fraude e sua consideração sobre continuação do trabalho.

3.2.1 Circunstâncias que estão fora do controle da entidade

Exemplos de circunstâncias que estão fora do controle da entidade incluem as seguintes situações:

a) os registros contábeis da entidade foram des-truídos;

b) os registros contábeis de componente signifi-cativo foram apreendidos indefinidamente por autoridades governamentais.

3.2.2 Circunstâncias relacionadas à natureza ou à época do trabalho do auditor

Exemplos de circunstâncias relacionadas à natu-reza ou à época do trabalho do auditor incluem as situações em que:

a) a entidade deve usar o método de equivalên-cia patrimonial para uma entidade coligada e o auditor não consegue obter evidência de au-ditoria apropriada e suficiente sobre as infor-mações contábeis dessa coligada para avaliar se o método de equivalência patrimonial foi aplicado de forma adequada;

b) a nomeação do auditor é feita em uma época em que o auditor não consegue acompanhar a contagem física dos estoques;

c) o auditor determina que somente a execução de procedimentos substantivos não é suficien-te, porém os controles da entidade não são eficazes.

3.2.3 Impossibilidade de se obter evidência de auditoria apropriada e suficiente

Exemplos de impossibilidade de se obter evidên-cia de auditoria apropriada e suficiente decorrente de limitação no alcance da auditoria imposta pela admi-nistração incluem as seguintes situações:

a) a administração não permite que o auditor acompanhe a contagem física dos estoques;

b) a administração não permite que o auditor so-licite confirmação externa de saldos contábeis específicos.

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Temática Contábil e Balanços

Contabilidade Geral

Roubo ou furto de mercadorias - Aspectos contábeis - Retificação

Em face de erro verificado na publicação do texto sob o título em destaque no fascículo no 43/2010, solici-tamos que seja efetuada a seguinte correção na página 6, no Lançamento no 4:

- onde se lê:

“Lançamento no 4

Pelo cancelamento da venda.

D - Vendas Canceladas(Conta de Resultado)

C - Clientes(Ativo Circulante) 70.000,00

- leia-se:

“Lançamento no 4

Pelo cancelamento da venda.

D - Vendas Canceladas(Conta de Resultado)

C - Clientes(Ativo Circulante) 100.000,00