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pois, era ordenada freira, recebendo o nome de Irmã Dulce, em homenagem à sua mãe. A primeira missão de Irmã Dulce como freira, foi ensinar, em um colégio man- tido pela sua congregação, no bairro da Massaranduba, na Cidade Baixa, em Salvador. Porém, o seu pensamento estava completamente voltado para o trabalho com os pobres e, desta forma, pouco tempo depois, já estava dando assistência às comunidades carentes de Alagados e Itapagipe, também na Cida- de Baixa onde, futuramente, viriam a se concentrar as principais instalações e atividades de suas obras sociais. Em 1939, enquanto trabalhava em um modesto posto médico, ouviu em tom de súplica, o pedido de um pequeno jornaleiro, uma criança agonizando à sua frente com malária, para ser acolhi- do por ela, pois, não queria morrer na rua. Obviamente, um coração cheio de bondade como o dela, não conseguiu negar-lhe abrigo, mesmo sabendo que em seu posto médico não havia espaço e muito menos as condições adequadas para abrigá-lo. Naquele momento, em sua mente, sur- giu apenas a lembrança da Ilha dos Ra- tos, um lugar próximo ao posto médico e onde existiam diversas casas abando- nadas. Irmã Dulce, tinha consciência de que todo aquele esforço para salvar a vida do pequeno jornaleiro talvez fosse inú- til, diante do estágio avançado da doen- ça. No entanto, não poderia ficar indife- rente à dor daquela criança e decidiu lutar com todas as suas forças contra a febre, a fome e o desespero que se ex- pressavam nos lábios trêmulos daquele menino. Já naquele instante inicial, o olhar bon- doso e a paz transmitida por Irmã Dulce trouxeram uma nova esperança para o pequeno trabalhador. Com a ajuda de um banhista, Irmã Dul- ce arrombou a porta de entrada do con- domínio de casas, da Ilha dos Ratos, mesmo com o grande temor daquele Maria Rita de Souza Brito Lopes Pon- tes, nome de batismo de Irmã Dulce, nasceu em 26 de maio de 1914, em Sal- vador, na Bahia. Aos 13 anos, já havia transformado a casa de sua família, num centro de aten- dimento à pessoas carentes, manifestan- do nessa época o desejo de se dedicar à vida religiosa e ao auxílio aos mais ne- cessitados, principalmente, após visitar com uma tia, áreas muito carentes da cidade de Salvador. Em 1933, logo após a sua formatura como professora, Maria Rita entrou para a Congregação das Irmãs Missio- nárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, na cidade de São Cristóvão, em Sergipe. Pouco mais de um ano de- BRASIL Irmã Dulce, instrumento vivo da misericórdia divina 31 www.irmadulce.org.br As Obras Sociais Irmã Dulce foram funda- das em 1959 por Irmã Dulce e congre- gam a excelência técnica e o pioneiris- mo em práticas de humanização no a- tendimento à população de baixa renda. Misericórdia Irmã Dulce, uma vida dedicada aos mais carentes e desamparados. Divulgação

Irmã Dulce, instrumento vivo da misericórdia divina

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Matéria da revista “Meu sonho não tem fim” sobre a “grande sonhadora” Irmã Dulce.

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Page 1: Irmã Dulce, instrumento vivo da misericórdia divina

pois, era ordenada freira, recebendo o nome de Irmã Dulce, em homenagem à sua mãe.

A primeira missão de Irmã Dulce como freira, foi ensinar, em um colégio man-tido pela sua congregação, no bairro da Massaranduba, na Cidade Baixa, em Salvador. Porém, o seu pensamento estava completamente voltado para o trabalho com os pobres e, desta forma, pouco tempo depois, já estava dando assistência às comunidades carentes de Alagados e Itapagipe, também na Cida-de Baixa onde, futuramente, viriam a se concentrar as principais instalações e atividades de suas obras sociais.

Em 1939, enquanto trabalhava em um modesto posto médico, ouviu em tom de súplica, o pedido de um pequeno jornaleiro, uma criança agonizando à sua frente com malária, para ser acolhi-do por ela, pois, não queria morrer na rua. Obviamente, um coração cheio de bondade como o dela, não conseguiu negar-lhe abrigo, mesmo sabendo que em seu posto médico não havia espaço

e muito menos as condições adequadas para abrigá-lo.

Naquele momento, em sua mente, sur-giu apenas a lembrança da Ilha dos Ra-tos, um lugar próximo ao posto médico e onde existiam diversas casas abando-nadas.

Irmã Dulce, tinha consciência de que todo aquele esforço para salvar a vida do pequeno jornaleiro talvez fosse inú-til, diante do estágio avançado da doen-ça. No entanto, não poderia ficar indife-rente à dor daquela criança e decidiu lutar com todas as suas forças contra a febre, a fome e o desespero que se ex-pressavam nos lábios trêmulos daquele menino.

Já naquele instante inicial, o olhar bon-doso e a paz transmitida por Irmã Dulce trouxeram uma nova esperança para o pequeno trabalhador.

Com a ajuda de um banhista, Irmã Dul-ce arrombou a porta de entrada do con-domínio de casas, da Ilha dos Ratos, mesmo com o grande temor daquele

Maria Rita de Souza Brito Lopes Pon-tes, nome de batismo de Irmã Dulce, nasceu em 26 de maio de 1914, em Sal-vador, na Bahia.

Aos 13 anos, já havia transformado a casa de sua família, num centro de aten-dimento à pessoas carentes, manifestan-do nessa época o desejo de se dedicar à vida religiosa e ao auxílio aos mais ne-cessitados, principalmente, após visitar com uma tia, áreas muito carentes da cidade de Salvador.

Em 1933, logo após a sua formatura como professora, Maria Rita entrou para a Congregação das Irmãs Missio-nárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, na cidade de São Cristóvão, em Sergipe. Pouco mais de um ano de-

BRASIL

Irmã Dulce, instrumento vivo da misericórdia divina

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www.irmadulce.org.br

As Obras Sociais Irmã Dulce foram funda-das em 1959 por Irmã Dulce e congre-gam a excelência técnica e o pioneiris-mo em práticas de humanização no a-tendimento à população de baixa renda.

Misericórdia

Irmã Dulce, uma vida dedicada aos mais carentes e desamparados.

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Um coração de ouro

A escola e a flor. A flor e a escola...

Tudo ia muito bem, quando o inspetor de alunos entrou na sala. Pediu licença e foi falar com Dona Cecília, minha professora.

Ele apontou para mim e para a flor, depois saiu. Ela olhou para mim com tristeza e quando terminou a aula, me chamou.

- Quero falar uma coisa com você, Zezé. Espere um pouco.

Ficou arrumando a bolsa que não acabava mais.

- Nosso inspetor de alunos me contou uma coisa feia de você, Zezé. É verdade?

Balancei a cabeça afirmando:

- Da flor? É sim, senhora.

- Levanto mais cedo e passo na casa do Serginho. Quando o portão está só encostado, eu entro depressa e roubo uma flor. Mas lá tem tanta que nem faz falta.

- Sim, mas isso não é direito. Você não deve fazer mais isso. Isso não é um roubo, mas já é um “pequeno furto”.

- Não é não, Dona Cecília. O mundo não é de Deus? Tudo que tem no mundo não é de Deus? Então as flores são de Deus...

Ela ficou espantada com a minha lógica.

- Só assim eu podia. Lá em casa não tem jardim. Flor custa dinheiro e eu não queria ver o copo em sua mesa sempre vazio.

Ela engoliu em seco.

- De vez em quando, a senhora não me dá dinheiro pra comprar um sonho recheado?

- Poderia lhe dar todos os dias, mas você some.

- Eu não poderia aceitar todos os dias. Porque tem outros meninos pobres que também não trazem merenda.

Ela tirou o lenço da bolsa e passou, disfarçadamente, nos olhos.

- A Senhora, de vez em quando, em vez de dar pra mim, podia dar para outras crianças da sala que também necessitam. Minha avó e a mamãe ensinaram que “a gente deve dividir a pobreza da gente com quem é ainda mais pobre”.

As lágrimas estavam descendo.

- Eu não queria fazer a senhora chorar. Eu prometo que não roubo mais flores e que vou ser cada vez mais aplicado.

- Não é isso, Zezé. Venha cá. Você vai prometer uma coisa, porque você tem um coração maravilhoso.

- Eu prometo, mas não quero enganar a senhora. Eu não tenho um coração maravilhoso. A senhora diz isso porque não me conhece em casa.

- Não tem importância. Para mim você tem.

- De agora em diante, não quero que você me traga mais flores. Só se você ganhar alguma. Promete?

- Prometo, sim senhora. E o copo? Vai ficar sempre vazio?

- Nunca esse copo vai ficar vazio. Quando eu olhar para ele vou sempre enxergar a flor mais linda do mundo. E vou pensar:

- Quem me deu essa flor, foi o meu melhor aluno. Está bem?

Agora ela sorria. Soltou minhas mãos e falou com doçura:

- Agora pode ir “coração de ouro”...

“Não existe grandeza quando a simplicidade, a bondade e a verdade estão ausentes”. - Tolstoi

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“Não recuso ninguém, porque os doentes e mais humildes são a

imagem de Deus”.

Irmã Dulce

do Convento Santo Antônio, da Con-gregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição Mãe de Deus, foi o início da grande obra erguida por Ir-mã Dulce, uma das primeiras organiza-ções não governamentais do país, que conquistou o respeito e a admiração de todos os brasileiros.

Hoje, o Hospital Santo Antônio é o cen-tro de um respeitado complexo médico, social e educacional, aberto aos pobres da Bahia e de todo o Brasil.

Irmã Dulce morreu no dia 13 de março de 1992, em Salvador, pouco antes de completar 78 anos de idade. A grande fragilidade com que viveu os últimos trinta anos da sua vida, com a saúde abalada seriamente - tinha 70% de sua capacidade respiratória comprometida - não impediu, com que ela construísse e mantivesse uma das maiores e mais respeitadas instituições filantrópicas do país, inicialmente, batendo de porta em porta pelas ruas de Salvador, nos mer-cados, feiras livres ou nos gabinetes de governadores, prefeitos, secretários e presidentes da República, sempre com a determinação de quem fez da própria vida, um instrumento vivo da fé e mise-ricórdia divina.

dezenas de doentes estavam abrigados nas casas da Ilha dos Ratos. Para ali-mentá-los, a jovem freira saía de porta em porta, por toda a cidade de Salvador recolhendo comida, roupas e remédios.

Algum tempo depois, ela foi expulsa das casas da Ilha dos Ratos e iniciou uma peregrinação com os seus doentes, que se estendeu por vários anos, até 1949. Primeiro, ela os levou para os arcos da Igreja do Bonfim, mas teve novamente que sair, dessa vez por or-dem do prefeito. Foi para o Mercado do Peixe e mais uma vez foi expulsa. Can-sada de não conseguir um local adequa-do para seus doentes, ela lançou mão de um último recurso: foi à superiora da sua congregação e lhe pediu para abri-gar os seus doentes no galinheiro do convento. Não sem relutância, a madre concordou, desde que Irmã Dulce en-contrasse uma solução para todas as galinhas do local.

Em pouco tempo, o galinheiro estava limpo, com colchões espalhados pelo chão e os mais de setenta doentes bem abrigados. A madre superiora retornou e elogiou o empenho de Irmã Dulce, sem antes de sair, não deixar de indagar pelas galinhas que ali se encontravam anteriormente, no que foi prontamente esclarecida pela Madre, mencionando de que estavam todas muito bem, na barriga de seus doentes.

O albergue improvisado no galinheiro

banhista que a auxiliava, pelo mesmo saber que, independentemente, de estar abandonado aquele local, tratava-se de uma propriedade privada e que tinha dono.

Com o temor e a relutância inicial do banhista em auxiliá-la no arrombamen-to, ela utilizou a seguinte alegação:

- Este pequeno menino está morrendo. Ele bateu à minha porta na esperança de ser socorrido. Deus não atende a todos nós? Não é Ele quem nos dá o ar, a luz, a saúde? Ele recusa alguma coisa quan-do pedimos com fé e com esperança? Como vamos recusar um pedido de nosso semelhante, do nosso próximo num estado como este, ainda mais se tratando de uma criança desamparada?

Com esta alegação, a porta foi arromba-da pelo banhista e Irmã Dulce acomo-dou o menino, trazendo em seguida uma lamparina de querosene, leite, bis-coitos e pedindo que uma conhecida sua, que morava na região, passasse a noite tomando conta daquele pequeno enfermo, pois ela necessitava retornar à suas atividades no posto médico.

O pequeno jornaleiro seria apenas o primeiro doente recolhido nas ruas, acolhido por Irmã Dulce. No dia se-guinte, já melhor, ele próprio foi buscar uma velha mendiga que estava morren-do, vítima de câncer sob uma tamarin-deira. Depois, chegou até eles um sem teto tuberculoso e em pouco tempo,

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Madre Teresa e Irmã Dulce, exemplos máximos de compaixão pelos mais humildes e necessitados.

Irmã Dulce com seus “pequeninos”. Amor incondicional pelos menos favorecidos e excluídos socialmente.

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