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ISSN1413-lB9X Iamaselll~itologia-l'99.VDI 11"1.51-63
Brincadeira e cultura: o taz-de-conta das crianças Xocó e do Mocambo (Porto da Folha/SE)'
IIka Dill.$ B ichara Universidade Federal de Sergipe
fteSUflD
Ao fazer-de-comaa criança ao mesmo tempo vive e constrói uma realidade e acompartilha com seus companheiros. Estudos dcsse fcnômeno queCflvolvam rcalidadesdiferentesslorarose. deuma forrnageral.diferenças socioculturais têm sido vistas como sinais de deficiência e n.10 de variaçAo comportamemal. Estudar possiveis variações decorrentes de fatores cullurais cm duas comunidades no sert!osergipano, ados indios Xocóe Q dos negros do Mocambo, é o objetivo deste trabalho. rara tanto foram observadas, atravesde filmagemem vídeo-tape. associadas com registros cursivos, 60 crianças, nas duas comunidade 5,cmsuasatividades livres. Os resultados mostram forte influência do modo de vida dos pais nas brincadeiras das crianças, prcdominiodetcmasrcalisticossobn:osfantasiososefortcestcreotipiadcgêncro,confirmandonossaship6-tesessobreaexistencia de particularidades no desenvolvimento associadas com o ambiente familiarecohural noqualestAoinseridas. Paluru-dlall: faz-de-conta, brincadeira, cultura
Playandculture:XocôandMmmhochildren'smake-helieve
AIIslnct
Make-belicveplaying implies lhe constructionofa reality, which isshared with lhe ehild's playmates. Studies involvingdifTercntrealitiesarerarcandsociocultoraldifTerencesaregenerally regardedasdefieiencysigns insteadofbehaviourvariations. Thisworkhasaimed atstodyingpos siblcvariatiOll5ductoculturalfaclOrsin two communities of Sergipe baekwoods - Xocó's lndian community and Mocambo. a black people's community. Sixly childrcn wercobscrved in their freeoutdoor 3ctivitieswithavideocalllera in both cOllllllunities.ResultsindicatedthatplaywasstrongJyinnueneedbyparcntswayof!ife. Realistic subjcçts pTevailed over fantasy oncs. and a slTOng gcndcr stereotype was deteeted. These results were consistem with ourhypothcsesaboutsomeexistingparticularitiesin thedevelopment,tbatareassociatedwÍlhtheeultural andfamiliarcnvironmentofthcchildrcn. II'Wlltds:play.makc-bclieveplay,culture.
A brincadeira de faz-de-conta parecc ser um
fenômeno universal apesar de haver considerável
variaçãodefreqUênciaecomplexidadeemdifercntes
individuoseem dirercntes sociedades
Moraes e Carvalho (1994) consideram que
esta modalidade do brincar é característica de uma
espécie cuja vida social envolve a construção e
interpretação compartilhada da realidade. Esta é
I. Trabalho apresentado no Simpósio Brinquedo e cultura na XXIX Reuniao Anual de Psicologia da Sociedade Brasileira
de Psicologia, Campinas- SP, outubro de 1999. Endereço para correspondência: Departamentode P.icologialCECHlUFS. Jardim Rosa EI:ce. CEP 49000-100 - SloCristo
vao-SE.Foncs(79)212-67470u212-6748.e-mail:[email protected]
Apoio financeiro PIBIC/CNPq/UFS aos alunos AndTé Luis Mandarino Borges, Guilhcrme Nascimento Caldeira, Fabiana
Souza Araujo. Janaina de Oliveira Simões (Xocó). Elder Cerqueira Santos, Wilson Bispo da Fonseca, Flávia Vanessa dos
Santos (Mocambo).
AgradecimantoalsabelaDórea(voluntária).
veiculada pelos adultos às crianças quc. por sua vez, enquanto brincam de faz-de-conta, mudam os significados das coisas socialmente adquiridas criando novos significados que passam a ser compartilhados pelo grupo de brinquedo. Brougere (1995, p. 40)
argumenta que '
"toda sociali:r..ação pressupõe apropriação
da cultur<l, de uma cultura compartilhada por toda a socicdade ou parte dela. A impregnação cultural, ou seja, o mecanismo
pelo qual a criança dispõe de elementos dessa cultura, passa, entre outras coisas,
pela confrontação com imagens. com repre
sentações com fonnas diversas e variadas. Essas imagens traduzem a realidade que a
cerea ou propõem universos imaginários. Cada çultura dispõe de um 'banco de
imagens' consideradas como expressivas dentro de um cspaço cultural. É com essas
imagens que a criança poderá se expressar e com referência a clas, que a criança
poderá captar novas produçõcs",
Apesar disso, nos estudos que tratam de diferenças culturais e/ou de nível s6cio-econômico, conceitos como classe social, cultura, etnia e ambiente social são confundidos e tratados indevidamente (Fein, 1981; Smith e Dodsworth, 1978). Também vale registrar que tanto diferenças culturais como de classe social têm sido vistas como sinais de deticiên
cia e não de variação do comportamento (Farver c Howes, 1993). Por exemplo, Kotliarenco (1997)
considera que o proccsso de socialização ao qual são expostas as crianças pobres tcm sido cmpobrecedor para vários planos de sua vida. Uma das áreas nas quais a pobreza tcm mostrado interferir no desenvolvimento das crianças é a brincadeira de faz-de-conta empobrecendo dessa forma o desenvolvimento cognitivo e lingüístico como conseqüência.
Os dados sobre influências culturais nas brincadeiras de faz-de-conta também são contraditórios' alguns estudos apontam que esta fonna de brincadeira está praticamente ausente em algumas culturas, por exemplo, entre crianças russas e do leste africano (Ebbeck, confonne citado por Johnson, Christie e Yawkey, 1999; Elkonin, 1971; Whiting, 1963),5en-
I. I. lau
do imensamente rica e variada em outras, como por exemplo na Nova Zelândia e em Okinawa. Estudos com crianças africanas e com povos indígenas da América do Sul realizados por Eibl-Eibesfeldt (1989) apontam para riqueza c variabilidade desta
brincadeira em diferentes culturas.
Fein (1981) considera que estudos que n1l0
discriminem estes variados aspectos fazem com que
o conhecimento sobre a ação de fatores como estimu
lação dos pais, atitudes, usos de brinquedo, etc. seja
deficiente, apesar de serem considerados como causa
de presumíveis diferenças. Essa autora conelui que
as diferenças apresentadas pelas crianças são media
das menos por fatores cognitivos ou de limitações
sociais que por aqueles próprios aos ambientes nos
quais as observações foram realizadas. AI estariam
incluídos fatores como pobreza ou como çulturas
mais ou menos tecnológicas.
Whiting e Edwards (1988) também consi
deram que fatores ecológicos, assim como a organi
zação social e econômica da comunidade, a rotina
diária da família, os indivíduos com os quais a criança
convive e as atividades em que elas se engajam influcn
dam e direcionam seus comportamentos. Seguindo esta linha (]", investigação, ternos
observado que são variados os aspectos sociais e culturais que influenciam a brincadeira de faz-de-conta das crianças. Nossos estudos demonstram que ao brincar a criança reproduz, mesmo que indiretamente, as relações vivenciadas no seu universo social. Portanto, não basta investigar se há ou não brincadeira de fazde-conta em diferentes culturas ou grupos sociais, ou em que faixas etárias mas, principalmente. o conteúdo e a comple"idade dessas bl"incadeiras, ou seja, investigaros asptttos mais comumente observados nas brincadeiras, que demonstrem de alguma fonna como a criança se relaciona com os valores da sociedade e da cultura a qual pertence e com a sua própria fantasia.
Indícios desta relação ficção-realidade estão
presentes em variados aSpeCTOS da brincadeira: na
prdert:ncia de meninos e meninas por detcnninados
temas de faz-de-conta, no uso dc objetos e nas trans
fonnações simbólicas que eles sofrem, na comuni
cação, nas relações sociais estabelecidas no grupo de
brinquedo, nos papéis, enredos etc.
Investigar as brincadeiras das crianças em
duas comunidades com aspectos socioculrurais dife
renciados é o objetivo deste trabalho. Estas comu
nidades são: a dos indios Xocó e a dos negros do
Mocambo, ambas em Porto da Folha/SE.
MÉTODO
Sujeitos: foram sujeitos desta pesquisa 60
crianças,send035daaldeiaXocó(13meninase22
meninos) e 25 do povoado Mocambo (10 meninas e
15 meninos), com idade variando de 2 a 12 anos,
escolhidas aleatoriamente entre as que brincavam
nas áreas livres das duas comunidades.
Os índios Xocó vivem na ilha de São Pedro, no
rio São Francisco. Atualmente a aldeia conta com
cerca de 250 indios que vivem da agricultura,pecuá
ria, pesca e cerâmica. Falam português e o seu modo
de vida é muito parecido ao de qualquer população
roraldaregillo,inc1usivenaaparência,jáquealonga
convivência com brancos e negros resultaram em
alteraçõcs no bi6tipo e no entrelaçamento cultural.
Porém como ressalta Dantas (1991, p. 56) "nllo
obstante as mudanças no tipo fisico e na cultura eles
se consideram Xocó". Ainda mantêm algumas
trndições como a dança do "Toré" e o "Arregado da
Jurema" e a organização social com um cacique e um
pajé.
A comunidade ncgrn do Mocambo foi reco
nheddaoficialmenteem 1997,pela Fundação Pal
mares como Remanescente de Quilombo. SegundO
parecer dos técnicos da fundação, os morndores do
Mocambo eram conhecidos como "negros do pé-de
serra" e já viviam no local há muito tempo como
camponeses criadores, independentes de outras
formas de exploração econômica (Santana, 1997). O
Mocambo é constituído hoje por cerca de 100 famíli
as, distribuidas em dois nuc100s e um certo numero decasasdispersaspeloterreno,aguardandodemar
cação. O núcleo maior localiza-se ã beira do rio São
Frnncisco e concentra cerca de 80 casas. SlIo vizinhos
dos índios Xocó e mantêm com eles uma histórica
convivência, desenvolvendo laços de parentesco e
cooperação econômica. A manifestação cultural
mais forte é o samba de coco, que é associado ã luta
pela terra, principalmente nas letras das músicas.
Procedimento: A coleta de dados foi feila através de observação direta de comportamento em situação natural,utilizando-separa isto de filmagens em vídeo-tape associadas com registro cursivo de
comportamentos. As crianças foram observadas de forma focalizada em seus grupos de brinquedo, nos diversos ambientes das duas comunidades (rio, rua, praça, roça etc.). Foram dispensados os epis6dios em que houve interferência de adultos. As sessões obedeciam a um planejamento de 10 minutos cada mas, na prática, não tinham um tempo fixo devido às dificuldades próprias de um estudo naturalístico (interrupções por adultos, topografia, clima, etc.) e pelas próprias caracteristicas do objeto - uma vez iniciado um epis6dio este deveria ser observado até o seu final.
Os dados coletados roram agrupados em cate
gorias de acordo com o tema e com as características
relativas à origem da brincadeira. Foi aplicado o
critério de Andrew, tal como descrito por Aspey
(1977), a fim de verificar quais os lemas da brinca
deira ocorreram com freqüência acima da esperada.
RESULTADOS E OISCU SSAO
Os dados aqui apresentados correspondem a 3 anos de trabalho. 2 entre os X0c6 e I no Mocambo, perfazendo mo total de 15 viagens à ilha de S. Pedro e 9 ao povoado Mocambo. Foram registrados 110 episódiosdefaz-de-contaentreosXocó(61 demeninos, 29 de meninas e 20 em grupos mistos), e 64 no Mocambo (40 de meninos, 14 de meninas e 10 em grupos mistos). O menor número de episódios entre as meninas é representativo do número menor de sujeitos do sexo feminino presentes nas duas amostras, isto porque é menor o número de meninas brincando nas áreas livres das duas localidades. Este fenômeno pode servisto de dois ângulos: oprimeiro é relativo à prereréncia de meninas por locais fechados,{dentro de casa porexemplo) e de meninos por locais abertos (Levy, Taylor e Gelman, 1995); e outro pelo fato de
as meninas, como verificamos ser prática comum nos
dois povoados, ajudarem suas mlies nas tarefas domésticas desde muito cedo.
Um primeiro dado que pode esclarecer sobre a
influência da cultura na brincadeira das crianças é a
esoolha de temas. Para tal utilizamoscategorizaçãO
elaborada por Moraes e Carvalho (1994), através da
qual as brincadeiras foram agrupadas em sete temas:
Transporte, Aventura, Atividades Domésticas, Ani
mais, Construção, Jogos, Profissões e Outros (para
aquelas brincadeiras menos freqilentes e que nllose
enquadram em nenhuma outra categoria).
TIMII l. Pcrccntual de ocOl'Tência dos vários tcmas de faz-de-eontaescolhidospormeninosemeninasXocóedo Mocambo.
, ... .... , ... TllIIptII" ...... ..... A\.I..nticI1
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(0) Acima do esperado segundo O Critério de Andrew. """'" descmoemAspey(1977)
I. I. licUli
as consideradas femininas (Beraldo, 1993; Moraes e
Carvalho, 1994; Tizard, Philips e Plewis, 1976).
Também reforçam a tendência já detectada por
Archer (1992) à segregação (meninos brincam com
meninos e meninas com meninas). Resultados seme
lhantes foram encontrados em São Paulo (Moraes e
Carvalho, 1994; Bichara, 1994) e em Aracaju
(Barbosa, Ramalho e Bichara, 1995). Isto significa
que questões de gênero, potencializadas por questõcs
culturais, influenciam na escolha dos temas e
também nos processos de interação social (Black,
1989; Thompson e Zerbinos, 1995)_ Também é observada a preferência dos grupos
mistos por brincadeiras de Aventuras. Uma possível
explicação pode cstar na variabilidade de papéis que
estas brincadeiras podem conter, facilitando assim a
ncgociação dos papéis e a aceitação das regras por
todos.
Em seguida passou-se a investigar o conteúdo
dessas brincadeiras para verificara fonte de inspira
çãoparaosdiversos temas, se o cotidiano da comuni
dade, o cotidiano da sociedade fora da comunidade,
meios de comunicação etc. Esta análise teve o obje
tivo de investigar a influência da cultura local quanto
à preferência por lemas e se havia uma preferência
maior por lemas realísticos ou fantasiosos de acordo
com o sexo. Para lal agropamos os dados em tres
categorias: temas reatisticos do cotidiano (das duas
localidades), temas realisticos externos e temas fan
tasiosos. A Tabela 2 mostra esta distribuição.
TMMI. 2_Percrntuaisdc ocorrência de temas de faz-decontarcalisticosdocotidialM)das2Iocalidad"",rcalisti~-os
Como pode servistona Tabela I há uma prefe- cxtcrnos a elas e fantasiosos, nas brincadciras de criança~ rência clara dos meninos por temas relacionados Xocó e do Mocambo. de acordo com o sexo.
com transportes (andar a cavalo, guiar carros de boi,
canoas, etc.), das meninas por temas relacionados
com atividades domésticas (cuidar de bebês, fazer
comidinha, etc.) c dos gropos mistos por aventuras
(polícia e ladrllo,super-her6is).
Estes resultados coincidem com outros estudos que indicam influência de gênero no engaja
mento diferenciado de crianças em atividades
lúdicas, com os meninos preferindo os brinquedos e
as atividades consideradas masculinas e as meninas,
FlltIsin"
.=
Como se pode observar há uma clara preferên- Também a preferência por temas do dia-a-dia cia de todos os grupos por temas realísticosretirados pode se dar, segundo Black (1989), porque estes do cotidiano das duas localidades e uma presença temas são mais propícios a serem prontamente maior de temas fantasiosos nos grupos mistos, con- usados em simulaçãO interativa, pois possuem COIl-finnando o dado anterior da preferência destes gru- teúdos facilmente partilháveis que facilitam a inter-pos por temas de aventura, na maior parte das vezes pretação e negociação, principalmente em crianças influenciados pela televisão. menores, com menos habilidades simbólicas.
Em estudo realizado na cidade de São Paulo, O que é interessante notar é que independente Moraes e Carvalho (1994) constataram grande frc- da fonte de inspiração para o tema, as brincadeiras qUêllcia de temas que se afastavam da experiência refletem os valores da sociedade e da cultura na qual cotidiana das crianças. Aventuras de super-heróis, a criança está inserida, não só no seu enredo, como dotados de poderes extra-humanos, constituíram-se nas próprias relações que as crianças mantem entre si no tema mais freqUente. Essas crianças demons- no grupo de brinquedo. Preconceitos, machismo, traram grande interesse por programas de televisão e juizosde valor sobre determinadas funções ou profis-filmes em exibição à época da pesquisa. Em pesquisa 5ÕeS, manifestam-se nas relações entre lideres e semelhante, também na cidade de São I'aulo, Bichara subordinados, na escolha de papéis, na emissão de (1994) encontrou uma diferenciação entre meninos e regras etc. meninas: as meninas se inspirando no dia-a-dia de Na presente investigaçlio, entre as crianças suas residências e os meninos na TV e no cotidiano Xocó e do Mocambo, nlio foram encontrados dentre da cidade. A autora interpretou estes dados em fim- os temas baseados no cotidiano nenhum que expres-ç!lodomodo de vida das grandes cidades: opai traba- sasse, de fonna mais clara, uma cultura com caracte-lha fora e o seu trabalho nlio tem cOnlcúdo para os rísticas tipicamente indígenas ou quilombolas. As filhos; a mãe mesmo quando trabalha fora continua brincadeiras expressaram, em sua maioria, o dia-a-desempenhando algumas tarefas domésticas e na sua dia de qualquer população rural e ribeirinha da ausência outras mulheres as realizam. região. Além das brincadeiras com temas domésticos
Acredita-se que, nas grandes cidades, tanto a (arrumar casa, cozinhar, cuidar de crianças, etc.), TV, quanto filmes de cinema, revistas em quadri- foram observadas brincadeiras de andar a cavalo, nhos, livros infantis, ctc. fazem parte do cotidiano conduzir CaITO de boi,conduzircanoa, pescar, anna-das crianças. Slio as fontes que elas encontram para zcnar colheita em silos, etc. Só em uma oportuni-conhecer e trabalhar o próprio cotidiano, já que nlio dade, após uma exibição de toda a aldeia, as crianças têm acesso fácil ao trabalho dos pais que é realizado Xocó continuaram sozinhas a dançar o Toré, com fora de casa, com exceçlio das tarefas domésticas e uma delas representando o cacique, puxando o canto. cuidados com a própria criança. FarvereShin (1997) e outra o pajé. comparando a escolha de temas entre criançascoreo- Observa-se também a escolha das crianças por americanas e anglo-americanas encontraram uma locais para as brincadeiras onde se evidencia. além da presençamaiordetemasrealísticosefamiliareselltte já referida preferência dos meninos por ambientes as coreanas e mais fantasiosos entre as anglo-ameri- externos e de meninas por ambientes internos, a canas. Estes autores relacionaram estas preferências influência de variáveis ecológicas e climáticas: devi-com caracteristicas próprias ãsculturas destes povos do ao forte calor da região os locais preferidos slio os os coreanos valorizam mais a minimização de confli- que contém sombras(varandas, portas de casaeãrvo-tos e atitudes mais cooperativas, enquanto os res),alémdoprÓpriorio.Nesteaspectoencontram-se americanos valorizam mais o individualismo e a eventos interessantes semsimilarna literatura como: competiçlio. perseguição de polícia a ladrãoanado no rio, arruma
ção de casinha em cima de árvores, entre outros
I. D. IicUII
Aescolhadeobjetoseasuautilizaçãotambém em áreas rurais. Novos estudos são necessários,
tem sido objeto de investigação. Percebeu-se uma assim como os dados acumulados nestas duas pes-
larga utilização de objetos da natureza (paus, pedras, quisas necessitam de análise mais acurada,
folhas,areia,etc.),desucalas{frascosvazios,
pedaços de utensilios já sem uso. instrumentos
domésticos ou de trabalho obsoletos, etc.) e pouco
uso de réplicas fabricadas como brinquedos, devido
ao baixo poder aquisit ivo das duas comunidades.
Este uso tem sido variado demonstrando grande
variabilidade de transformações simbólicas: paus
como bebês ou revólveres, varas como cavalo,
pedrascomomóveiseatégalinhascomobebês,entre
outros.
Segundo Mello ( 1997) a utilização de sucata
favorece a construção de significados comuns que
devem ser negociados, uma vez que não têm um fim
detenninado. Também Machado (1994) considera
que o brinquedo com sucata pennite a quem brinca
com ele desvendá-lo, ressignificá-Io, pois é um
objeto que possui inúmeros significados que não são
óbvios nem estão evidentes, possibilitando assim
novas e inusita<iasrelaçõcs
Os dados encontrados até o presenteeviden
ciarn que as erianças expressam em suas brineadeiras
o modo de vida de seus pais, sofrendo influências em
seu desenvolvimento de part icularidades culturais e,
principalmente, que diferenças sócio-culturais
pennitem variabilidade comportamental e não uma
deficiência,comoestudosanterioresprocuraramevi
dcnciar (Smilansky, 1968; Rosen, 1974; Tizard e
cols., 1976; Kotliarenco, 1997). As crianças das duas
comunidades estudadas apresentaram alto índice de brincadeiras fantasiosas, contendo nelas elementos
de criatividade, como no uso dos objetos, reflet indo
não só a vida da sua comunidade e de vizinhos, como
aspectos próprios a amb ientes distantes, vistos
através da TV. Apresentaram características seme·
Ihantes a crianças urbanas, principalmente na organi
zação dos grupos para brincar e na escolha de temas,
demonstrando a mesma tendência à segregação e
estereotipiasexua1.
Esta investigação não representa um estudo eonclusivo sobre variabi lidade sociocultural nas
brincadeiras de crianças brasileiras, principalmente
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Recehido em: 30/10/99 Aceito em: 13/07/01