Iurisprudentia

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    A interpretatio do ius civile era considerada uma actividade em monoplio exclusivo dospontfices e situava-se no mbito religioso.

    S no sculo III a.C. se iniciou o processo de racionalizao progressiva daiurisprudentia, libertando-se da imposio religiosa que a caracterizava, num processodesignado normalmente, embora de forma incorrecta, como laicizao da iurisprudentia .

    Este processo passou por 3 etapas fundamentais: a positividade de preceitos de iuscivile na Lei das XII Tbuas; o ius flavianum; e o ensino pblico do Direito.

    No sculo II a.C. a actividade dos iurisprudentes estabilizada e concretiza-se em 3momentos bem distintos:

    Respondere era a actividade do prudente que consistia em dar s pessoas que oprocuravam (cidados, magistrados, juzes) conselhos sobre a possibilidade de intentarem umactio, do seu xito ou de darem pareceres em casos que envolvessem a interpretao denormas de ius civile.

    Cavere era a elaborao de esquemas negociais cuidando do interesse adequado ou

    de contratos de ius civile.Agere era a actividade desenvolvida na assistncia s pessoas que o procuravam

    (magistereprivati) sobre a escolha da via processual mais adequada para prosseguirem comxito os seus interesses, que era depois utilizada na defesa do interessado perante o juiz na faseprocessual seguinte (apud iudicem).

    Duas caractersticas fundamentais da actividade jurisprudencial eram: a gratuitidade(os pareceres e conselhos no era remunerados, mas uma forma de conquistar prestgio e

    acumular honras); a publicidade (as respostas dadas eram pblicas e argumentadas, em

    contraponto ao segredo que rodeava a actividade dos pontfices antes da laicizao daiurisprudentia).

    A actividade dos iurisprudentes era divulgada atravs de obras monogrficas,compilando as responsae numa determinada rea do direito; em escritos com comentriosfeitos a leis, especialmente desenvolvendo os preceitos da Lei das XII Tbuas; em recolhas decautiones (documentos que estruturam os negcios nas suas vrias fases) e de actiones.

    Esta actividade interpretativa do ius civile permitia uma permanente correco eactualizao do ius, incidindo na adaptao dos principais institutos que o integram.

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    A separao entre a iurisprudentia e a actual cincia do Direito uma separao semsentido, na procura da regulae/sententiae, e fica ainda mais irrisria no anacronismo que

    implica, pois na poca da iurisprudentia casustica no havia diferena rgida entre ars escientia.

    O conceito adoptado o de Ulpiano: iurisprudentia est divinorum atque humanorumrerum notitia. A iustitia em Roma era uma voluntas, entendida como habitus animi.

    A definio ulpinianeia est sempre presente para lembrar que a essencialidade dojurdico a realidade (natura) por forma a realizar o bonnum et aequum em cada soluo de umconflito a derimir pelos iurisprudentes.

    O Direito existe para realizar o justo. A iurisprudentia o modo de o alcanar. Esse

    modo tem um mtodo e um sistema. No s empiria, sem reflexo histrica e especulativa. um mtodo aplicado ao caso e com o fim de alcanar e aplicar o justo.

    Pompnio: quod constare non potest ius, nisi sit aliquis iuris peritis, per quem possit

    cottidie in melius produci.

    Qualquer teoria jurdico-cientfica a da prtica judiciria; a ligao da teoria praxis condio do ius. Ficam assentes as bases naturalsticas e prticas do jurdico humanamenteconstrudo.

    Em Roma, mesmo na fase da retorizao/sistematizao da iurisprudentia, a prtica foisempre prioridade face lgica abstracta e a soluo justa o fim a atingir.

    Como o mtodo jurisprudencial consubstancial tcnica prpria do Direito enquantoars inveniendi, a realizao do justo a meta e a essncia do operar jurdico. Os conceitos e ascategorias utilizadas pelos jurisprudentes romanos so uma lcida expresso da realidade(natura) vivida, experimentada e dirigida por um sentimento partilhado de justia.

    poca arcaica (interpretatio pontificum; Lei das XII Tbuas; normativos quiritrios-civilsticos); poca pr-clssica, isto , do sculo IV ao fim do sculo I a.C. (desacralizao daiurisprudentia; o respondere, agere, cavere; a obra de Quinto Mcio Cvola); poca ps-clssica(salientando a falta de originalidade na composio dos libri singularis, de glosemas, parfrases,eptomes, compilaes e compndios de regulae, definitiones, ambiguitates, opiniones,sententiae e tradues para grego).

    Na poca ps-clssica (de 27 a.C. a 235 d.C.) so salientados os elementos que tornama iurisprudentia oficial: o ius publice respondendi que a partir de Augusto, torna as responsae dealguns iurisprudentes vinculativas para o juiz; e o reconhecimento dos juristas mais prestigiados

    pelo princeps, a partir de Adriano, atravs da nomeao para o consilium principis.

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    Depois referida, na expresso ainda livre (no oficial) da actividade dos iurisprudentesdirigida aos particulares, a degradao do agere e respondere e relativa manuteno do cavere,muito aplicado a questes sucessrias. Em contraposio aumentam as actividades de conselhoe assessoria aos magistrados e aos funcionrios como o praefectus praetorio; o praefectus urbis;e os praesides provinciarum.

    No plano das obras de natureza didctica e elementar, salientam-se as definitiones, asregulae, as sententiae, as opiniones, as differentiae, as institutiones e as enchiridia. Quanto anlise e ao comentrio de casos: os libri responsorum, os libri quaestionum, disputationum,epistularum e os libri digestorum.

    So tambm indicados os tratados que comentam o ius civile: libri iuris civilis, libri iushonorarium, libri ad edictum (praetoris, aedilium curulium, provinciale).

    A topicaTendo em conta que o cogito conscincia e no cincia, a topica ensinada como

    scientiarum instrumenta que parte do sensus communis operando com base na verosimilia, parana pluralidade de interpretaes, permitir a criatividade necessria soluo justa de um conflitopelo ius.

    A topica permite opor o pensamento problemtico ao sinttico sem cair na metodologiatpica para pensar o problema concreto, proposta por Larenz. Mantm-se o mtodo casustico

    sem disperso atomstica, pela centralidade da topica, encontrando a soluo justa, fora dasaporias que, muito alm do caso a resolver, originam a dubitatio.

    Assim, os topoi encontrados pelos jurisprudentes so loci e constroem-se comoregras/princpios a partir de casos concretos, no como concluses tiradas de silogismosdialcticos e apodticos, a partir de premissas abstractas. A partir de Ccero a dialctica da lgicaestica, impem-se dialctica aristotlica, no tanto na inventio, mas na formao do juzo.

    Ora, a iurisprudentia orientada pela topica romana a que recorre s regulae veterumonde entronca a regula Catoniana. Assim, a topica como modo de pensar o direito, apoiado na

    intuio e na prudentia, conduz jurisprudncia regular, que se esgota no caso. O pensamentodos jurisprudentes no se destina construo de regras mas resoluo de casos.

    As regulaeSavigny juntou, contra todo o conselho dos glosadores, regulae e definitiones.

    No plano etimolgico, definitio delimitar, explanatio do significado de um termo ouconceito, logo implica anlise. Ao contrrio, a regula sntese, com forma ordenatria,comportamento a seguir (comando), no equao semntica definitria.

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    Para enunciar uma regula o jurisprudente parte dos particularia revelados ao longo dasua experincia para, por induo, chegar aos generalia que integram a regula iuris. A regulapode ser apresentada como a juno de similia, com carcter anlogo aos universalia dosfilsofos MAS NO !

    As regras jurisprudenciais de Nercio a Modestino no so enunciados gerais eabstractos mas instrumentos para resolver casos concretos construdos com base nosprecedentes.

    So os proculianos que, com fundamento na gramtica, mantm separada a noo deregula utilizada na iurisprudentia da de medida, prpria dos filsofos (definitio). Assim, ganhaautonomia o conceito de regula iuris, como proposio normativa aplicada s situaes que seintegram numa ratio.

    Contrape-se a posio que considera a regula iuris como um enunciado meramente

    declarativo de um direito j existente e que a confundem com a definitio dos filsofos,desfuncionalizando a actividade reguladora da iurisprudentia posio dos sabinianos.

    Na poca clssica toda a regula regra de jurista, fundada na sua auctoritas edestinada resoluo de casos prticos; no regra legislativa, de formulao geral, abstracta e

    terica e sada do imperium do poder poltico. O ius Romanum da iurisprudentia clssica no um conjunto harmnico de regulae iuris.

    Ora, se no existe o jurisprudente romano, mas os jurisprudentes romanos, nem uma sexpresso do mtodo para agere, cavere, respondere, importa salientar que a regula iuris tem

    um valor prprio e substantivo, autnomo e alm do jurisprudente que a formulou. Por isso, aregula iuris se distingue da opinio ou do parecer jurdico. A regula iuris geralmente annima,com excepo da regula Catoniana.

    Aceitando que podemos dividir, a partir das fontes, as regulae em: regulae iuris,formuladas com preciso e natureza normativa; e dicta veteres, expresses metodolgicas, deraiz literria, que operam de forma constante sobre uma casustica difusa, sem fora obrigatria,no expressas como mximas, inscritas nos libri regularum, ento todas as regulae so regulaiuris civilis.

    Estas regras casusticas, constituindo um gnero literrio, esto conectadas com opithanon, i.e., o critrio do provvel, com que operam os jurisprudentes, que, por sua vez, est

    ligado ao apparatus gnoseolgico dos esticos. Por exemplo os Pithana de Labeo so umarecolha de proposies sumrias de contedo casustico e natureza problemtica, apresentadasde forma esquemtica-axiomtica.

    Ora so estas regulae casusticas, no regulae iuris, criadas de forma diversa pormtodos distintos do operar dos jurisprudentes que fazm a ponte entre jurisprudncia edialctica.

    Logo, as escassas regulae iuris, de carcter sentencioso, esto enraizadas no ius civilee constituem o resultado da jurisprudncia cautelar. Os jurisprudentes romanos clssicos,

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    excepcionando Gaio, formularam pouqussimas regras novas, antes recolheram e aplicaram asregulae veteres.

    No seu labor destinado a resolver o caso com justia, os jurisprudentes clssicos novisavam formular regras para casos futuros, embora a regra pudesse ser til para sustentar a

    deciso tomada. As regulae eram sempre resultados secundrios ou efeitos colaterais da suaactividade centrada na soluo justa a dar ao caso.

    As definitionesA doutrina romanstica divide-se sobre a aptido dos jurisprudentes romanos para

    formularem definitiones, porque se mostram inseguros quando se trata de teoria e esforo deabstraco, faltando-lhes um conceito de conceito.

    Savigny foi peremptrio na negao dessa possibilidade, pois as raras definitiones que

    encontrou nos textos dos jurisprudentes eram imperfeitas e imprecisas.

    Manejando o Vocabularium Iurisprudentiae Romanae procuram-se os passos em quedefinire tem o significado de regulam iuris vel explicationem verbi ponere.

    Analisados os textos compreende-se a necessidade de separar os planos terminolgicoe conceptual, em torno de definitio e definire: a distino conceptual existe entre a definitio emsentido lgico (explicao do sentido de uma palavra) e em sentido formal, de enunciao de umprincpio ou mxima, isto como regula.

    A sntese possvel separa, nas fontes, a definitio como explicatio verborum; e a definitiocomo regula. Embora possa ser construdo um nexo a ligar as vrias acepes de definitio edefinire recenseadas nas fontes, com o sentido comum de determinar/delimitar/circunscrever.

    A propsito do status legalis referido nas fontes retricas com a expresso controversiaex scripta ex definitione, ensina-se que as definies formuladas pelos jurisprudentes clssicosse destinam interpretatio de palavras contidas em textos normativos (lato sensu).

    Embora retrica e iurisprudentia estejam separadas pelo mtodo, o xito da retrica deCcero no deixou de influenciar, com todas as resistncias conhecidas, os escritos dos

    jurisprudentes, nomeadamente quanto primazia entre classificao e definio. Influenciaram

    mas no determinaram qualquer alterao radical, pois manteve-se o mtodo sistemtico antigonas genera perpauta (categorias fundamentais para dar unidade e ordem s vrias species

    jurdicas) e nas definitiones.

    Logo, regula e praecepta j eram instrumentos operativos da jurisprudncia romanaantes da influncia helenstica. Os jurisprudentes j utilizavam com valor jurdico precisocarmina, praecepta, sententiae e a literatura latina revela um conjunto de verva, nomen econcepta na interpretatio jurisprudencial, que expressam ideias gerais e abstractas de formamuito concreta.

    Mantm-se a distino funcional e teleolgica entre regula e definitio, dada aproximidade da linguagem do Direito e do senso comum, caracterstica essencial do ius

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    Romanum, dar a ambas expresses, em qualquer uma das pocas, a mesma matrizdelimitadora e esquemtica, tentando explicar/precisar o jurdico nas palavras de todos; depoisporque aceitar a separao interpretativa significaria derrogar o princpio hermenutico adoptar,no plano metodolgico, de considerar o direito romano como um processo in fieri, como um iusque aumenta de ser, com recurso fictio iuris.

    As rationis decidendiOs jurisprudentes romanos fundamentam as suas decises quanto ao caso concreto em

    certo tipo de valoraes. I.e., a interpretatio iuris pressupe uma poltica do direito conhecidade todos, expressa nas motivaes/razes que determinam as suas decises as rationisdecidendi.

    Aqui separamos as razes da deciso entre as que resultam da simples deduo lgicada regra aplicada; das que implicam um critrio de seleco valorativa.

    No primeiro caso, h um processo lgico de subsuno em que as premissas sosuficientemente seguras e firmas para as concluses serem apresentadas como inelutveis. Nosegundo caso, o procedimento seguido de natureza indutiva e feito por analogias, expressandoconcluses meramente provveis ou verosmeis.

    As diferenas neste plano so acentuadas quando estamos perante processosdecisrios no mbito de um sistema codificado ou de um sistema casustico, o que tem de serevidenciado.

    Jurisprudentia est divinarum atque humanarum notitia justi atque injusti scientia (D, I, I, I, 10).