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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 REFLEXÕES SOBRE A LÍNGUA: POSSIBILIDADES PELA ANÁLISE LINGUÍSTICA 1 Adriana BELOTI (Unespar/Fecilcam PG/UEM) Marilurdes ZANINI (UEM) Introdução Teorias e propostas mais recentes, decorrentes da perspectiva sociointeracionista de linguagem, propõem um trabalho de práticas de análise linguística (AL), ou seja, de reflexão sobre os usos da língua em detrimento de um trabalho centrado no ensino-aprendizagem da gramática pela gramática. Nesse cenário teórico, consideramos pertinente, antes da tomada de qualquer posição no desenvolvimento de práticas docentes, entender o que é gramática e AL, procurando os pontos de relação entre ambas e qual a contribuição, para um melhor domínio da língua, de um ensino que funde suas práticas pedagógicas na interação. Para tanto, sustentamo-nos em estudos de Travaglia (1996; 2011), de Possenti (1996), de Geraldi (2002), de Trask (2011) e de Mendonça (2006). A motivação deste trabalho encontramos nas diretrizes da Linguística Aplicada, por ser uma área de investigação aplicada, mediadora, interdisciplinar, centrada na resolução de problemas de uso da linguagem, que tem um foco na linguagem de natureza processual, que colabora com o avanço do conhecimento teórico, e que utiliza métodos de investigação de natureza positivista e interpretativista. (MOITA LOPES, 1996, p. 23). Para alcançar, pois, os objetivos de colaborar com o avanço do conhecimento teórico e, consequentemente, de apontar pontos divergentes e convergentes entre o ensino-aprendizagem de língua materna, tomando como objeto de ensino ou a gramática ou o texto uso e reflexão. Dados nossos objetivos, organizamos este artigo da seguinte forma: primeiramente, apresentamos uma breve discussão sobre as concepções de gramática e argumentos que justificam a nossa filiação ao sociointeracionismo. Em seguida, apresentamos o suporte teórico ancoradouro das 1 Trabalho desenvolvido a partir da disciplina Análise crítica do ensino de língua materna, ministrada pela Profa. Dra. Marilurdes Zanini, no primeiro semestre de 2012, no Programa de Pós-Graduação em Letras (Mestrado/Doutorado), da Universidade Estadual de Maringá UEM.

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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação

Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013

ISSN: 1981-8211

REFLEXÕES SOBRE A LÍNGUA: POSSIBILIDADES PELA ANÁLISE LINGUÍSTICA1

Adriana BELOTI (Unespar/Fecilcam – PG/UEM)

Marilurdes ZANINI (UEM)

Introdução

Teorias e propostas mais recentes, decorrentes da perspectiva sociointeracionista de

linguagem, propõem um trabalho de práticas de análise linguística (AL), ou seja, de reflexão sobre

os usos da língua em detrimento de um trabalho centrado no ensino-aprendizagem da gramática pela

gramática. Nesse cenário teórico, consideramos pertinente, antes da tomada de qualquer posição no

desenvolvimento de práticas docentes, entender o que é gramática e AL, procurando os pontos de

relação entre ambas e qual a contribuição, para um melhor domínio da língua, de um ensino que

funde suas práticas pedagógicas na interação. Para tanto, sustentamo-nos em estudos de Travaglia

(1996; 2011), de Possenti (1996), de Geraldi (2002), de Trask (2011) e de Mendonça (2006).

A motivação deste trabalho encontramos nas diretrizes da Linguística Aplicada, por ser

uma área de investigação aplicada, mediadora, interdisciplinar, centrada na

resolução de problemas de uso da linguagem, que tem um foco na linguagem de

natureza processual, que colabora com o avanço do conhecimento teórico, e que

utiliza métodos de investigação de natureza positivista e interpretativista. (MOITA

LOPES, 1996, p. 23).

Para alcançar, pois, os objetivos de colaborar com o avanço do conhecimento teórico e,

consequentemente, de apontar pontos divergentes e convergentes entre o ensino-aprendizagem de

língua materna, tomando como objeto de ensino ou a gramática ou o texto – uso e reflexão.

Dados nossos objetivos, organizamos este artigo da seguinte forma: primeiramente,

apresentamos uma breve discussão sobre as concepções de gramática e argumentos que justificam a

nossa filiação ao sociointeracionismo. Em seguida, apresentamos o suporte teórico ancoradouro das

1 Trabalho desenvolvido a partir da disciplina Análise crítica do ensino de língua materna, ministrada pela Profa. Dra.

Marilurdes Zanini, no primeiro semestre de 2012, no Programa de Pós-Graduação em Letras (Mestrado/Doutorado), da

Universidade Estadual de Maringá – UEM.

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práticas de AL. Por fim, propomos um encaminhamento prático, que perfila a gramática e a AL,

definindo a função de tais práticas no trabalho com elementos linguísticos.

1. Gramática(s): concepções e implicações no/para o ensino de Língua Portuguesa

Pensar no processo de ensino e aprendizagem de língua portuguesa (LP) significa não

negligenciar as diversas concepções de língua(gem) e, tampouco, a aceitação de uma delas para

transpassar as práticas docentes em sala de aula.

Em decorrência das várias concepções de língua e de linguagem, surgem também

concepções de gramática, que, em princípio, tomamos como ramo da Linguística que estuda “as

regras para construir palavras e sentenças numa língua particular” (TRASK, 2011, p. 126). Partimos

dessa concepção, para buscarmos outras que discutimos neste artigo.

De acordo com Possenti (1996) e Travaglia (1996), gramática é um conjunto de regras,

mobilizado como: 1) conjunto de regras que devem ser seguidas (gramática prescritiva); 2) conjunto

de regras que são seguidas (gramática descritiva); 3) conjunto de regras que o falante da língua

domina (gramática internalizada). Nessa concepção, os estudiosos nos mostram que não há uma

gramática única para reger o uso de uma língua e, por conseguinte, conforme Travaglia (2004), o

seu ensino é “plural”. Cada uma delas se associa a uma concepção de língua ou de linguagem.

A gramática prescritiva ou tradicional, ligada à concepção de língua como expressão do

pensamento2, corresponde ao conjunto de regras que devem ser seguidas, isto é, ao conjunto de

todas as regras e normas impostas para falar e escrever bem, de acordo com a variedade padrão, com

a linguagem culta, dos clássicos. É um depósito imutável de regras gramaticais e é insensível à

realidade, pois não considera os contextos de uso. Essa concepção põe em foco a gramática

normativa que “exclui de sua consideração todos os fatos que divergem da variante padrão,

considerando-os ‘erros’, ‘vícios de linguagem’ ou ‘vulgarismos’” (POSSENTI, 1996, p. 75). Nesse

contexto, a função da língua é exteriorizar um pensamento, ou seja, materializá-lo gráfica ou

fonicamente, com o predomínio do eu.

2 Não nos deteremos, neste momento, a maiores considerações a respeito do tema concepções de linguagem, pois o

assunto já é bastante explorado, por vários autores. Salientamos que nossas considerações seguem o conteúdo abordado

no artigo Concepções de linguagem de linguagem e conceitos correlatos: a influência no trato da língua e da linguagem

(DORETTO; BELOTI, 2011).

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Ligada à concepção de língua como instrumento de comunicação, temos a gramática

descritiva, que diz respeito ao conjunto de regras que são seguidas. Por meio dela, procedemos à

“descrição da estrutura e funcionamento da língua, de sua forma e função” (TRAVAGLIA, 1996, p.

27). Corresponde a uma produção em grupo, que descreve as regras utilizadas pela sociedade, na

qual cada sujeito, individualmente, busca o código adequado à situação. A linguagem não é mais

dom, mas competência. A função da língua é transmitir informações (codificar), portanto, há o

predomínio do tu, pois o principal objetivo é usar a língua para estabelecer uma comunicação com

um receptor, passivo e assujeitado.

A gramática internalizada, por sua vez, é o conjunto de regras que o falante domina e utiliza

para interagir com os demais interlocutores nas situações reais de comunicação, relaciona-se à

concepção de língua como prática social, ou seja, como processo de interação entre os sujeitos.

Considera-se, aí, a gramática contextualizada, implicando um ensino não somente normativista nem

fragmentadamente descritivista. O texto é tomado como unidade e objeto de estudo a partir dos

gêneros discursivos. A função da língua é realizar ações, agir sobre o outro e, dessa forma, o

predomínio está nas interações verbais sociais.

Embora tenhamos uma definição geral para o termo gramática, no que tange ao processo de

ensino e aprendizagem de LP é necessário, sempre, situarmos sobre qual gramática falamos, pois,

comumente, a AL é colocada em situação de oposição à gramática. Assim, é preciso ressaltar que,

nesse contexto de oposição, gramática remete às duas primeiras concepções, as quais veem a língua

apenas como sistema, forma, homogênea, não como prática discursiva que produz sentidos

conforme seus usos.

Embasadas na teoria sociointeracionista de linguagem, que dá suporte para relacionar AL e

gramática e, então, priorizar o trabalho com a língua pela perspectiva da primeira, recorremos a

Bakhtin/Volochínov e seu Círculo (2006), em que encontramos uma teoria enunciativo-discursiva

de linguagem, sustentada pela concepção dialógica de língua, em oposição às correntes filosófico-

linguísticas, subjetivismo individualista e objetivismo abstrato. Estas tomam a enunciação como

monológica, sem considerar as relações sociais, históricas, culturais e ideológicas como ponto de

partida e, por isso, são consideradas inadequadas. Concordamos com o filósofo, pois, para nós, a

linguagem existe, sim, enquanto atividade e processo de interação entre sujeitos sócio, histórico,

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cultural e ideologicamente constituídos, pressupondo, portanto, transformação. Nesse sentido, o

autor apresenta o modelo enunciativo-discursivo de linguagem, centrado na interação verbal:

a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de

formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato

psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal,

realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui

assim a realidade fundamental da língua (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006, p.

127, grifos do autor).

Assim, a linguagem como processo de interação realiza-se, justamente, no processo de

interação verbal, o qual é possibilitado pelos enunciados. Logo, a língua aparece em contextos de

enunciação definidos, remetendo, sempre, a conjuntos de circunstâncias ideológicas, o que

corrobora o posicionamento de que nenhuma palavra é neutra, mas sempre já carregada de sentido,

tanto pelo locutor quanto pelo interlocutor.

Dessa forma, o trabalho com a língua deve partir da reflexão sobre os usos linguísticos,

analisando, por exemplo, a disposição das palavras no texto, a escolha lexical, a construção sintática,

o uso de dêiticos, de implícitos, enfim, dos vários elementos que compõem o texto e produzem seus

sentidos conforme suas variadas situações de uso. Por isso, a necessidade de desenvolver práticas de

AL, pensadas em relação ao trabalho com a oralidade, com os processos de leitura e de produção

textual.

2. Refletindo sobre elementos linguísticos: a prática da análise linguística

A partir da década de 80, com os estudos linguísticos ancorados na Sociolinguística,

Pragmática, Análise de Discurso, Semântica e Linguística Textual, o ensino de LP passa a ser

questionado e repensado no que tange à eficácia do ensino gramatical exclusivamente tradicionalista

e estruturalista.

Sustentados, então, na teoria sociointeracionista de linguagem, os pesquisadores propõem um

trabalho com a língua atrelada à perspectiva discursiva, isto é, um processo de reflexão sobre os

elementos linguísticos, a organização da língua, em determinadas situações de uso.

Nesse sentido, quando o objetivo é compreender a forma e a organização da língua em

diversas situações de uso, considerando os diferentes contextos de produção, circulação e recepção

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dos textos, ou seja, pensando no como cada forma e organização produzem sentidos, surge uma

nova perspectiva, tanto teórica quanto metodológica, de trabalho com e de estudo da língua materna:

a análise linguística.

Conforme Geraldi, que cunhou o termo em 1984, em um artigo que compõe o livro O texto

na sala de aula,

a análise lingüística inclui tanto o trabalho sobre questões tradicionais da gramática

quanto questões amplas a propósito do texto, entre as quais vale a pena citar: coesão

e coerência internas do texto; adequação do texto aos objetivos pretendidos; análise

dos recursos expressivos utilizados (metáforas, metonímias, paráfrases, citações,

discurso direto e indireto, etc.); organização e inclusão de informações; etc.

Essencialmente, a prática de análise lingüística não poderá limitar-se à higienização

do texto do aluno em seus aspectos gramaticais e ortográficos, limitando-se a

“correções”. Trata-se de trabalhar com o aluno o seu texto para que ele atinja seus

objetivos junto aos leitores a que se destina. (GERALDI, 2002, p. 74).

A AL diz respeito, então, ao estudo dos elementos linguístico-discursivos e, por isso, tem

como objeto de reflexão o texto, em oposição ao trabalho tradicional3 com frases soltas e isoladas.

Relacionando a AL às concepções de linguagem e, em especial, às de gramática, temos o seguinte

panorama: a concepção tradicional trata a língua como norma; a estrutural vê a língua como objeto

(estrutura, sistema) a ser descrito; a concepção de linguagem como processo de interação entende a

língua como prática social e, portanto, interessa-se pelos seus usos. Logo, a AL, que não é – e não

deve ser – uma prática dissociada das práticas discursivas de leitura e de produção textual, seja oral

ou escrita, não se inclina para a norma pura (tradicionalismo) ou para a nomenclatura

(estruturalismo), mas se interessa pela interlocução e interação, por saber se a escolha é adequada

ou, ainda, por saber o porquê desse ou daquele uso de determinado elemento linguístico em cada

situação de interação comunicativa. Isso implica dizer que, ao fazer AL, o “saber a regra”

(priorizado pela gramática tradicional) não é o fim em si mesmo, mas é importante e necessário para

compreender os efeitos de sentido produzidos por aquele texto, naquelas determinadas condições de

produção e de recepção.

O ensino de gramática, por si só, não tem condições de proporcionar tais reflexões. Para

compreender os usos da língua e refletir, por exemplo, sobre a disposição das palavras no texto, a

3 Aqui, fazemos referência ao trabalho que tem sido realizado, de maneira solidificada e recorrente, nas escolas, ligado à

gramática prescritiva e, por vezes, descritiva.

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escolha lexical, a construção sintática, a argumentação, a função de elementos linguísticos na

constituição dos sentidos, é necessário apoiar-se nas práticas de AL, as quais não excluem o estudo

da gramática da língua, pois, conforme Antunes (2003),

as pessoas, quando falam, não têm a liberdade total de inventar, cada uma a seu

modo, as palavras que dizem, nem têm a liberdade irrestrita de colocá-las em

qualquer lugar nem de compor, de qualquer jeito, seus enunciados. Falam, isso sim,

todas elas, conforme as regras particulares da gramática de sua própria língua. Isso

porque toda língua tem sua gramática, tem seu conjunto de regras,

independentemente do prestígio social ou do nível de desenvolvimento econômico e

cultural da comunidade em que é falada. Quer dizer, não existe língua sem

gramática (ANTUNES, 2003, p. 85, grifos do autor).

Embora não haja língua sem gramática, é importante entender a diferença entre as regras da

língua (gramática) e o ensino de nomenclaturas e classificações. As regras de gramática “são

normas, são orientações acerca de como usar as unidades da língua, de como combiná-las, para que

se produzam determinados efeitos, em enunciados funcionalmente inteligíveis, contextualmente

interpretáveis e adequados aos fins pretendidos na interação” (ANTUNES, 2003, p. 86, grifos do

autor). Logo, não é possível ensinar regras em frases soltas, isoladas, descontextualizadas de seus

usos. Ao contrário. Deve-se proceder a uma análise de textos, em diferentes gêneros discursivos,

conforme suas funções social e comunicativa, ou seja, uma análise que leve à reflexão dos usos dos

elementos da língua empregados em determinadas situações reais de interação comunicativa, os

quais, além de organizar, estruturar e dar forma ao texto, também produzem seus sentidos.

Para realizar as práticas de AL é preciso, sim, considerar a gramática normativa da língua,

pois é sua gramática que permite usá-la e refletir sobre tais usos. Conforme Mendonça (2006, p.

206), “a AL engloba, entre outros aspectos, os estudos gramaticais, mas num paradigma diferente,

na medida em que os objetivos a serem alcançados são outros”. A AL não prioriza os nomes, mas a

reflexão sobre os usos e, portanto, estuda a linguagem em suas dimensões linguística, discursiva,

textual e, também, normativa.

De acordo com Geraldi, o objetivo da AL é dar condições para que o usuário da língua, em

reais situações de interação comunicativa, em diferentes contextos sociais, reflita sobre os usos que

faz na produção de seus textos, sejam eles orais ou escritos, além de possibilitar que os

leitores/ouvintes, por meio da reflexão dos aspectos linguísticos utilizados, compreenda como, cada

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elemento da língua, produz sentidos em determinada situação. Assim, no processo de ensino e

aprendizagem integramos atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas.

As primeiras “são aquelas que, praticadas nos processos interacionais, referem ao assunto em

pauta, ‘vão de si’, permitindo a progressão do assunto” (GERALDI, 1997, p. 20). Conforme

Mendonça (2006), a leitura/escuta e a produção textual escrita/oral são exemplos desse tipo de

atividade. Já as epilinguísticas, “são aquelas que, também presentes nos processos interacionais, e

neles detectáveis, resultam de uma reflexão que toma os próprios recursos expressivos como seu

objeto” (GERALDI, 1997, p. 23). Nesse tipo de atividade, parte-se do exemplo para chegar às

regularidades. Portanto, pelo fato de darem “condição para a busca significativa de outras reflexões

sobre a linguagem”, as atividades epilinguísticas funcionam como uma “ponte para a sistematização

metalinguística” (Ibid., p. 191-192). Tais atividades devem preceder as metalinguísticas, isto é,

“aquelas que tomam a linguagem como objeto não mais enquanto reflexão vinculada ao próprio

processo interativo, mas conscientemente constroem uma metalinguagem sistemática com a qual

falam sobre a língua” (Ibid., p. 25). Essas atividades partem das regras para os exemplos, estudando-

se a língua pela própria língua, como um fim em si mesma, com o objetivo de categorizar,

classificar, nomear, reconhecer os sistemas linguísticos.

Destacamos que, seguindo os objetivos das práticas de AL, o ensino deveria fazer o caminho

descrito acima: partir das atividades linguísticas, passar pela epilinguísticas e, então, chegar às

metalinguísticas. Isso porque visamos ao trabalho para o desenvolvimento da capacidade

linguístico-discursiva, necessária à atuação na sociedade, como usuário da linguagem. Logo, o

trabalho com a língua deve ser contextualizado, relacionado às práticas de linguagem. Segundo

Mendonça,

a aquisição da linguagem se dá a partir da produção de sentidos em textos situados

em contextos de interação específicos e não da palavra isolada; [...]. O fluxo natural

de aprendizagem é: da competência discursiva para a competência textual até a

competência gramatical (também chamada por alguns de competência linguística).

O isolamento de unidades mínimas – que é parte da competência gramatical – é um

procedimento de análise e que só tem razão se retornar ao nível macro [...] só tem

sentido se isso trouxer alguma contribuição à compreensão do funcionamento da

linguagem e, portanto, se auxiliar a formação ampla dos falantes. (MENDONÇA,

2006, p. 203).

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Como o objetivo deve ser a formação de usuários da linguagem e não de analistas da língua,

pela articulação entre as práticas de AL, leitura e produção textual, objetiva-se a formação de

usuários que agem por meio da linguagem de “modo autônomo, seguro e eficaz, tendo em vista os

propósitos das múltiplas situações de interação em que estejam engajados” (Ibid., p. 204).

Pensar no processo de ensino-aprendizagem de LP significa relacionar o trabalho com

aspectos da língua à produção dos efeitos de sentido dos textos. Logo, o objetivo deve ser a reflexão

sobre os usos da língua para a produção dos sentidos dos textos, considerando os objetivos que se

pretende alcançar, os interlocutores para quem se fala, o contexto social, histórico, cultural e

ideológico em que o texto é produzido e no qual será recebido, enfim, todas as condições que

permeiam tanto a produção quanto a recepção do texto e que influenciam nos seus sentidos,

recuperados pelos elementos linguísticos empregados. O objetivo da AL é, então, “refletir sobre

elementos e fenômenos linguísticos e sobre estratégias discursivas, com o foco nos usos da

linguagem” (MENDONÇA, 2006, p. 206).

Nesse contexto, a AL está diretamente relacionada às práticas de leitura e de produção

textual, já que possibilita refletir sobre os usos da língua, em cada texto, para chegar aos seus

sentidos possíveis e, assim, dá condições para que o produtor do texto acione os recursos necessários

conforme seus objetivos e sua situação de interação comunicativa. O trabalho de prática de AL é,

então, uma ferramenta que contribui com as demais práticas, todas indissociáveis, não implicando

apenas uma nova terminologia para nos referirmos ao trabalho com a gramática. Ao contrário, que

pautamos o ensino-aprendizagem em um processo de reflexão sobre os usos dos elementos

linguísticos em reais situações de interação, nos diferentes contextos e condições. Assim, não há

somente uma nova metodologia, mas, também, a abordagem de novos conteúdos de estudo, os quais

passam de exclusivamente linguísticos, isolados de seus usos, para linguísticos e discursivos,

relacionados à função que desempenham em cada texto e contexto.

3. Reflexões do/no texto: práticas de AL

Não temos aqui a pretensão de mostrar um modelo nem de esgotar todas as possibilidades de

análise, mas de ilustrar uma delas. O texto foi publicado em 19 de março de 2011, no site do Jornal

Dia Dia, de Três Lagoas-MS, dia da visita do presidente dos EUA, Barack Obama, ao Brasil.

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Reproduzimos o texto na íntegra e, após, passamos às reflexões, em uma perspectiva linguístico-

discursiva.

3.1 O processo: uma proposta

Inicialmente, para suscitar as primeiras discussões, o professor pode encaminhar

questionamentos gerais a respeito da temática, dos envolvidos no texto, do contexto social, histórico,

cultural e ideológico de produção, das posições do Jornal que veicula a notícia, do gênero discursivo

notícia, entre outras possibilidades.

Perguntas como as que seguem levam os estudantes a relacionarem o texto em pauta a outros

do mesmo assunto, podendo estabelecer comparações sobre os posicionamentos semelhantes ou

divergentes materializados em outros veículos de comunicação. Ao discutir sobre posicionamentos

dos jornais, o professor dá condições para os estudantes refletirem acerca das várias vozes que

podem aparecer nos textos e, ainda, proporcionar uma leitura mais crítica, menos ingênua da

realidade dos fatos.

Lula recusa convite para almoço com Barack Obama Escrito por Josias de Souza da Folha

Sáb, 19 de Março de 2011 12:39

O Itamaraty convidou todos os ex-presidentes da República para o almoço que será oferecido por

Dilma Rousseff a Barack Obama, neste sábado (19).

Integram a lista: Lula, Fernando Henrique Cardoso, Itamar Franco, Fernando Collor e José

Sarney.

Curiosamente, Lula 'O Cara' da Silva mandou dizer que não dará as caras no repasto, que

ocorrerá em Brasília. FHC confirmou presença.

A assessoria de Lula informou que “o caro” tampouco planeja viajar ao Rio. Não vai assistir ao

discurso que Obama fará no domingo (20), no Theatro Municipal.

Não há, por ora, informação oficial sobre os motivos da aversão de Lula aos eventos oficiais

protagonizados por Obama.

Considerando-se que Obama esquivou-se de visitar o Brasil durante o reinado, suspeita-se que a

causa esteja relacionada à anatomia do corpo humano.

Teria ligações com a parte exterior do braço, que forma um ângulo saliente no ponto em que o

úmero articula com o cúbito.

Traduzindo-se do português científico para o idioma das ruas: dor-de-cotovelo.

Disponível em <http://www.jornaldiadia.com.br/jdd/politica/53072--lula-recusa-convite-para-almoco-com-barack-obama>.

Acesso em 05 abr. 2011.

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Questionar sobre as funções sociais e comunicativas do gênero discursivo notícia

proporciona uma abordagem linguístico-discursiva, que não contempla apenas as características do

gênero. Nesse caminho, pode-se, por exemplo, indagar:

Sobre o que fala a notícia?

Você tem outras informações sobre esse mesmo fato, de outras fontes?

Veículos de comunicação diferentes tratam o mesmo assunto de maneiras diferentes? Por

quê?

Você conhece as possíveis posições políticas e ideológicas do Jornal? Tais posições

influenciam ou não na forma de noticiar os fatos?

Além das características (estilo linguístico e organização composicional), quais as funções

sociais e comunicativas do gênero discursivo notícia?

Após tais discussões, os estudantes devem reler o texto e, então, refletirem sobre as novas

possibilidades de leitura e de produção de sentidos. Em seguida, pensando no como os efeitos de

sentido do texto são materializados, deve-se proceder às reflexões dos usos da língua, nesse texto,

nesse contexto, em tais condições e situação de interação comunicativa.

“Reinado” (no 6º parágrafo) está fazendo referência ao governo de Lula. Normalmente, em

textos formais, esse não é um termo usado para referir-se ao período de governo, do tipo

republicano, como é o caso do Brasil. Nesse contexto de uso, quais os efeitos de sentido que

essa palavra produz? Por que se optou por usar reinado e não governo de Lula, por exemplo?

Esse é um texto do gênero discursivo notícia, escrito e publicado no site de um jornal.

Partindo de tal informação, ele deveria, de acordo com a gramática prescritiva, conter apenas

usos da língua conforme a variedade padrão. Entretanto, é possível encontrarmos marcas de

um registro informal, da variedade não padrão da língua. Explique como isso acontece e

como constrói os sentidos do texto. Pense, por exemplo, nas palavras típicas das práticas

discursivas orais.

Todos os textos são, constitutivamente, dialógicos e polifônicos, há diversas vozes que se

materializam nos textos, há a presença do outro. O uso das aspas é uma das formas de

marcar a presença do outro e pode desempenhar várias funções. Reveja os usos das aspas no

texto (em “O Cara” e “o caro”) e reflita sobre a função que exercem. Explique suas respostas

evidenciando a relação entre o linguístico e o discursivo para o entendimento do texto.

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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação

Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013

ISSN: 1981-8211

Essas questões, que ilustram práticas de AL, contribuem para a reflexão acerca dos

fenômenos linguísticos em situações de uso determinadas e, assim, possibilitam o desenvolvimento

da capacidade linguístico-discursiva dos estudantes, trabalhando com a compreensão do texto em

um viés linguístico-discursivo.

Perguntar sobre o uso da palavra “reinado” que, nesse texto, produz o efeito de que Lula era

soberano, imperador, dominava o Brasil durante seu governo, possibilita refletir que as palavras não

são únicas, neutras, estáticas, mas constituem-se conforme as situações de uso e é assim que

produzem seus sentidos e do texto. Esse é um caminho possível, também, para discussões ligadas a

questões político-ideológicas.

As atividades epilinguísticas – contextuais – e metalinguísticas – conceituais e adormecidas

– surgem como necessárias à compreensão e à interpretação do texto. Entretanto não surgem de

forma estanque ou fragmentada. Complementam-se, pois, as primeiras veem a explicação sobre o

sentido da palavra conforme o uso, que, segundo a recorrência induz à sistematização, já que as

metalinguísticas consideram definições dicionarizadas e descontextualizadas. Aquela é uma

“atividade típica de locutores comuns”, esta uma “atividade de lexicógrafos” (CASTILHO, 2010, p.

111).

A abordagem, sempre pertinente, da relação entre os usos da linguagem de acordo com suas

condições de produção, isto é, segundo seus objetivos, interlocutores, assunto, suporte e circulação,

é possível ser retomada com a segunda pergunta acima. Considerar as marcas de oralidade, como “o

cara”, “não dará as caras”, “mandou dizer”, “dor-de-cotovelo”, mostram que o enunciador usa-as,

possivelmente, para proporcionar maior aproximação com os leitores do site, tendo em vista, ainda,

que o maior público de Lula foram, na maioria das vezes, pessoas das camadas mais populares da

sociedade e, por isso, não há tanta preocupação com o uso da variedade padrão da língua. Além de

evidenciar as variedades linguísticas, também causa o efeito de ironia, o tom de brincadeira que

permeia todo o texto. Linguisticamente, é possível abordar, por exemplo, os conteúdos de

variedades linguísticas e marcas da oralidade em textos escritos. Os eixos uso-reflexão-uso passam a

ser o tripé do ensino-aprendizagem que toma o texto como unidade e os gêneros textuais como

objeto de ensino de LP. Nesse cenário, as atividades metalingüísticas acontecem como conseqüência

e não como fim.

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Para tratar da questão das aspas, por exemplo, é preciso considerar que essa marca gráfica

desempenha tanto funções linguísticas quanto discursivas, pois seus usos têm significados distintos

e, assim, podem produzir diferentes sentidos nos/para os textos. Gramaticalmente, as aspas servem

para: a) iniciar e finalizar citações; b) ressaltar termos ou expressões; c) acentuar o valor

significativo de palavras ou expressões; d) realçar ironicamente palavras ou expressões; e) colocar o

significado de palavras estrangeiras; f) mostrar mudanças de interlocutores nos diálogos; g) colocar

títulos de obras (cf. CUNHA; CINTRA, 2001, p. 662-664). Cada um desses usos constrói sentidos

diferentes para os textos, conforme as situações de enunciação verbal. “As aspas constituem antes de

mais nada um sinal construído para ser decifrado por um destinatário” (MAINGUENEAU, 1997,

p. 91, grifos do autor). Esse recurso marca que o enunciador assume determinada posição, nessa

parte do texto, que não lhe pertence e desempenha o papel de mostrar certo distanciamento em

relação à expressão usada, representa que os termos não são próprios do enunciador e causam certo

efeito de ironia. A expressão “O Cara” é uma gíria, comumente usada para designar “a pessoa”,

aquela que tem grandes qualidades e é considerada muito boa naquilo que faz. “O caro” também faz

referência a essa gíria.

Diante disso, a questão possibilita, também, além da reflexão sobre os usos das aspas e suas

respectivas funções na construção dos sentidos do texto, refletir acerca dos sentidos das palavras e

do deslocamento de um domínio discursivo para outro, no caso, as palavras saem do campo

discursivo das gírias, dos grupos determinados, das ruas (onde as gírias mais circulam), das esferas

informais, para serem usadas em um texto da esfera jornalística, a priori, constituída de textos

formais, apenas.

É possível, ainda, abordar elementos mais diretamente relacionados ao estudo da gramática

da língua. Elegemos, neste momento, a partícula se, como conteúdo de estudo. A fim de refletir

sobre seus usos e o funcionamento linguístico-discursivo, é pertinente, por exemplo, questionar

como o se contribui para a produção dos efeitos de sentido do texto, em cada um de seus usos. Para

isso, não basta apenas discutir os sentidos, é necessário, também, analisar a função que tal elemento

pode desempenhar. No caso de “considerando-se”, “suspeita-se” e “traduzindo-se”, o se funciona

como índice de indeterminação do sujeito; na passagem “esquivou-se”, o se representa um sujeito

paciente. O importante, nesse momento, é levar o estudante, usuário da língua, a refletir sobre as

possibilidades e implicações dos usos de tal partícula. A prática de analisar, por exemplo, por que o

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autor do texto enfoca a indeterminação do sujeito, buscando manter certo distanciamento, como

quem não assume para si a responsabilidade do que é dito, a responsabilidade de denominar quem

considera, quem suspeita e quem traduz, é refletir sobre um fenômeno da língua atrelado ao seu

funcionamento discursivo. Esse mesmo aspecto poderia ser abordado pelo viés das gramáticas

descritiva e prescritiva. Na primeira, trabalhar-se-ia apenas com a descrição de cada uso da partícula

se no texto, sem discutir suas funções e sua relação com a produção dos sentidos. Partir-se-ia dos

exemplos, para seguir modelos e preencher lacunas. Na gramática prescritiva, o foco estaria nas

regras, na nomenclatura, sem considerar as diversas possibilidades de uso dessa partícula, conforme

as situações e os sentidos pretendidos.

A AL não bane, pois, a gramática tradicional. Por isso, nesse trabalho, um dos objetivos deve

ser, sim, estudar as regras, normas e nomes da partícula se, que pode assumir as funções de

conjunção (subordinativa integrante ou condicional), pronome reflexivo, partícula apassivadora,

índice de indeterminação do sujeito, partícula expletiva ou integrante do verbo. O importante é que

tais atividades não sejam um fim em si mesmas. É necessário percorrer o caminho das reflexões para

chegar a essa parte do trabalho. Logo, deve-se partir das atividades epilinguísticas, da reflexão sobre

os usos, para, então, chegar às metalinguísticas, às regras da gramática da língua, que também são

necessárias ser estudadas.

Vale refletir, ainda, sobre as estratégias (escolha das palavras, organização sintática, textual,

argumentativa, discursiva, por exemplo) usadas para produzir os efeitos de sentido do texto.

Considerar o tom humorístico e, por vezes, irônico, que permeia todo o texto, leva a reflexões

linguístico-discursivas. O fato de Lula (apoiador e próximo a Dilma Rousseff) não ir ao almoço não

é noticiado de forma simples, neutra. É noticiado de um ponto de vista peculiar, próprio, por meio

de uma linguagem informal, que chama a atenção dos leitores e produz os sentidos de brincadeira,

humor e ironia. Os dois últimos parágrafos do texto ressaltam essa perspectiva. Brincar com o

motivo de Lula não ir ao almoço (ciúme, “dor-de-cotovelo”) evidencia as estratégias usadas. Leva à

reflexão dos fenômenos da língua e, mais ainda, de suas influências na produção dos sentidos,

considerando todos os demais fatores que participam dessa constituição. Logo, analisa a língua

funcionando discursivamente.

Acreditamos que o estudo desses aspectos (entre os vários outros possíveis) dará condições

para o estudante refletir a respeito da língua(gem) em funcionamento e, assim, ampliar sua

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capacidade linguístico-discursiva, o que proporcionará usar a linguagem de maneira autônoma e

competente.

Conclusão

No percurso deste trabalho, discutimos sobre as bases teóricas que nos norteiam, refletindo

sobre as concepções de gramática e suas implicações no trabalho com a língua(gem) em sala de

aula, evidenciando nossa filiação ao sociointeracionismo. Além disso, a partir das considerações a

respeito das práticas de AL, ressaltamos a necessária reflexão dos elementos da língua por uma

perspectiva discursiva, em suas variadas situações de uso.

Entendemos que, tanto na leitura quanto na produção textual, seja de textos orais ou escritos,

mobilizamos diversos recursos da língua. Tais elementos não são neutros, estáticos, mas,

constituem-se conforme os textos nos quais são usados. Portanto, refletir sobre esses aspectos não

pode ser de maneira tradicional e descontextualizada, mas, sim, por uma perspectiva que leve, de

fato, à reflexão sobre esses usos, em cada texto, em cada situação, relacionando a língua ao discurso.

Portanto, entendemos que deva haver uma articulação constante entre os diversos eixos de

ensino de LP, isto é, uma relação entre as práticas de oralidade, leitura, produção textual e análise

linguística, entendendo esta como uma ferramenta corroborativa com as demais práticas, todas

indissociáveis. Essa relação contribui, significativamente, com o desenvolvimento da capacidade

linguístico-discursiva dos estudantes, com a formação de usuários da língua competentes e

autônomos.

Conhecer todas as concepções de gramática e as propostas da AL dá condições de transitar

entre as diferentes teorias, sem excluir ou adotar exclusivamente apenas uma ou outra, mas

realizando um trabalho de reflexão linguístico-discursiva, que considera os usuários da língua como

sujeitos sociais, históricos, culturais e ideologicamente constituídos, que se constituem como tais na

e pela linguagem, nas situações reais de interação verbal social.

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