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IX ENCONTRO DA ABCP Política e Economia O DEBATE SOBRE O DESENVOLVIMENTO EM PERSPECTIVA COMPARADA: ANÁLISE DO PAPEL DAS COMUNIDADES EPISTÊMICAS DA AMÉRICA LATINA QUANTO ÀS ESTRATÉGIAS DE RETOMADA DO DESENVOLVIMENTO APÓS OS ANOS 90. Andrea Oliveira Ribeiro (IESP/UERJ) Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

IX ENCONTRO DA ABCP Política e Economia · América Latina, teóricos da economia e da ciência política também têm se ... moldes capitalistas, com urbanização, industrialização

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IX ENCONTRO DA ABCP

Política e Economia

O DEBATE SOBRE O DESENVOLVIMENTO EM PERSPECTIVA COMPARADA: ANÁLISE DO PAPEL DAS COMUNIDADES EPISTÊMICAS DA AMÉRICA LATINA QUANTO ÀS ESTRATÉGIAS DE RETOMADA DO

DESENVOLVIMENTO APÓS OS ANOS 90.

Andrea Oliveira Ribeiro (IESP/UERJ)

Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

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O DEBATE SOBRE O DESENVOLVIMENTO EM PERSPECTIVA

COMPARADA: ANÁLISE DO PAPEL DAS COMUNIDADES EPISTÊMICAS DA AMÉRICA LATINA QUANTO ÀS ESTRATÉGIAS DE RETOMADA DO

DESENVOLVIMENTO APÓS OS ANOS 90.

Andrea Oliveira Ribeiro (IESP/UERJ) Resumo do trabalho: Esse trabalho visa contribuir para a compreensão do fenômeno da emergência do “novo desenvolvimentismo” na América Latina. Primeiro, buscamos recuperar análises recentes sobre os processos socioeconômicos que vem ocorrendo na periferia do capitalismo. Mais recentemente, a literatura das Variedades do Capitalismo (Hall e Soskice, 2001) buscou retomar o debate sobre o desenvolvimento capitalista em um contexto de globalização. Na América Latina, teóricos da economia e da ciência política também têm se proposto a analisar as possibilidades de mudança institucional e de modelo de acumulação capitalista, esforço que se insere na crítica mais ampla aos modelos teóricos baseados por um lado na escolha racional do indivíduo e na economia neoclássica por outro. Num segundo momento, analisa-se o fenômeno de emergência de comunidades epistêmicas (Haas, 1992) na Argentina, no Brasil e no México. Considerando as enormes diferenças que caracterizam o processo de dinamização da economia capitalista em cada um desses países, buscamos ressaltar a produção de ideias de grupos específicos e sua influência na formulação de políticas macroeconômicas e econômico-sociais. Palavras-chave: Novo Desenvolvimentismo, Argentina, Brasil, México

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Essa apresentação tem por objetivo analisar o papel das comunidades

epistêmicas em economia na Argentina, no Brasil e no México. A importância

dos economistas na produção de ideias que servem de base para a formulação

política tem sido alvo crescente da atenção dos analistas (Sikkink, 1991; Babb,

2010; Montecinos e Markoff, 2010, Loureiro, 1997). De fato, desde o fim da

Segunda Guerra, com a inauguração da chamada Era do Desenvolvimento

(Escobar, 2012) verificou-se o crescimento da demanda pela expertise dos

economistas enquanto projetores de modelos econômicos e organizadores de

uma rede de planejamento e assessoria a governos em busca do

desenvolvimento. Um projeto que envolvia a produção de modernidade nos

moldes capitalistas, com urbanização, industrialização e aumento do mercado

de consumo interno voltado especialmente para a periferia latino-americana.

A partir dos anos 1990, a participação dos economistas nas esferas de

governo tornou-se mais evidente. Essa maior presença teve como mote as

mudanças estruturais na economia mundial relacionadas à crise do petróleo e

a disseminação de receitas e políticas econômicas restritivas, com foco em

controles fiscal e inflacionário e fundada na administração da taxa de câmbio.

Essa geração de economistas, com forte influência da economia norte-

americana (primeiro, via keynesianismo, e mais tarde via ortodoxia com base

nos postulados neoclássicos), empreendeu uma verdadeira mudança no

cenário político latino-americano. Depois da “década perdida”, em que os

enormes déficits (público e privado) ameaçavam a sobrevivência dos regimes

democráticos, esses economistas foram os pivôs da estabilização e da

institucionalização. Em todos os três casos aqui analisados, economistas com

formação nos Estados Unidos assumiram posições chave na administração

econômica: Domingo Cavallo na Argentina (1991), Pedro Malan no Brasil

(1994) e Pedro Aspe no México (1987).

Com o fim da década de 1990, veio a percepção de que as reformas

estruturais - que implicavam reforma da administração pública, privatização de

empresas estatais, liberalização comercial e aprofundamento das relações

comerciais internacionais - não tinham conseguido suprir aquela que era

considerada a grande fragilidade dos países não desenvolvidos e o maior

obstáculo à modernização: a desigualdade social, junto com a má distribuição

de renda e os limites à participação democrática. Na verdade, em todos os três

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casos, verificou-se contenção dogasto público em áreas prioritárias como

educaçãoe saúde (gráfico abaixo). Além da diminuição de postos de trabalho e

aumento do desemprego (especialmente no caso argentino), fruto das

transformações no mercado de trabalho (enfraquecimento dos sindicatos,

redução dos salários, diminuição dos postos de trabalho, etc).

A partir da eleição de Hugo Chavez, em 1998, e da ascensão de outros

governos identificados com ideias mais progressistas ou igualitárias (ver

Cameron e Hershberg, 2010; Levitsky e Roberts, 2011) a hegemonia da

ortodoxia liberal foi colocada à prova e uma crítica cada vez maior foi se

estabelecendo. À medida que governos colocavam em pauta propostas mais

inclusivas e essas medidas precisavam ser negociadas com os atores políticos

responsáveis pelo manejo do orçamento público, dentre eles os economistas,

configurou-se um debate político que girou novamente em torno de projetos de

modernidade ou projetos de desenvolvimento com inclusão social. Esse debate

parece se tornar mais visível à medida que se aproximam, no Brasil, as

eleições presidenciais que apresentam a candidata do Partido dos

Trabalhadores (PT), Dilma Rousseff, e os candidatos da oposição Aécio Neves,

do Partido da Social de Democracia Brasileira (PSDB) e Eduardo Campos, do

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

Gasto Público Social (porcentagem do GPS total em Educação e

Saúde)Fonte: Cepalstat 29/3/2012

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DEM, como representantes de projetos distintos e, aparentemente,

inconciliáveis.

A participação de economistas no governo e o fato desses indivíduos

manipularem um conhecimento muito específico e pouco acessível (modelos

matemáticos e econométricos complexos que exigem anos de investimento em

formação) lhes permitiu exercer um papel fulcral na tomada de decisões em

política econômica. Loureiro (1997) chama atenção para o modo como, no

caso brasileiro, as decisões sobre taxas de juros e ajuste cambial foram

tomadas sem um amplo debate público e dirigidas por uma equipe técnica

econômica que trabalhou de modo insulado com o apoio do presidente da

república, Fernando Henrique Cardoso. No entanto, mesmo com a crítica à

ortodoxia, os economistas não perderam seu lugar.

Nesse sentido, o estudo das comunidades epistêmicas em economia em

três países do continente americano, tem como objetivo lançar luzes sobre as

recentes transformações ocorridas na região e sobre as interconexões entre os

debates travados no interior do campo econômico, como aqueles relacionados

a determinados modelos econômicos e seus resultados práticos; e os debates

políticos mais amplos sobre os projetos nacionais de desenvolvimento e as

possibilidades de superação dos componentes que restringem à modernização

latino-americana.

Na primeira seção, discutimos as comunalidades existentes entre os

casos estudados, a influência da Comissão Econômica para a América Latina e

o Caribe (CEPAL) e a preponderância de políticas desenvolvimentistas na

região dada a sua relação com a configuração política de cada um dos países.

Na segunda seção, avaliamos a crescente participação dos economistas

no governo e os resultados das reformas econômicas propostas e executadas

num contexto de globalização e fim da Guerra Fria. Por outro lado, buscamos

identificar o estabelecimento de redes de produção de conhecimento específico

(comunidades epistêmicas) como bases de apoio à atuação desses atores.

Na terceira e última seção, procuramos apresentar algumas questões de

pesquisa que podem guiar o estudo do papel das comunidades epistêmicas em

economia, suas relações com os economistas no governo e reprodução de

uma burocracia econômica ou com forte viés econômico e as transformações

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institucionais que permitem que governos promovam mudanças específicas

nos projetos de desenvolvimento nacionais.

1) A AMÉRICA LATINA COMO UMA REGIÃO DE MAZELAS

COMUNS

A chamada Era do Desenvolvimento (Escobar, 2012) representou para a

América Latina um período de intervenções constantes, econômicas e políticas,

e de significativa mudança. Num contexto marcado pela necessidade de

erradicar a pobreza e dinamizar as economias capitalistas periféricas e pela

contenção aos modelos alternativos de desenvolvimento, como o comunista.

Alguns podem chamar de modernização: a população urbana cresceu

exponencialmente, a educação se popularizou, uma sociedade de massas se

formou. Experiências democráticas erráticas se constituíram, com rupturas

mais ou menos esporádicas. A Argentina viveu anos de instabilidade política,

com um sistema bipartidário incapaz de atingir o consenso e ameaçado pelos

militares. O Brasil, em 1964, inaugurou 20 anos de ditadura militar. O México

conviveu com o poder centralizador de um só partido, legado da Revolução de

1911.

Mas a institucionalização das ideias esposadas pelos teóricos da

modernidade e da economia do desenvolvimento produziu um boom de

experiências de planejamento e implementação de políticas na região. Ao

mesmo tempo em que a economia mundial se recuperava e a demanda por

produtos latino-americanos aumentava, Argentina, Brasil e México procuravam

seu lugar no rol das nações capitalistas. Essa busca era marcada pelo papel

subalterno da região, como principal fornecedor de matérias-primas, e sua

estreita relação de dependência com a economia estadunidense.

O papel da CEPAL como o centro de irradiação de novas ideias,sob a

coordenação do economista argentino Raul Prebisch, e mais

especificamentede uma crítica ao mainstream liberal não pode ser ignorado

(Cepêda, 2012). A proposição de uma teoria estruturalista, que considerasse

as relações simbióticas entre os países desenvolvidos e aqueles localizados na

periferia do capitalismo e a reprodução de relações de troca desiguais como

cerne da produção do subdesenvolvimento, representou um divisor de águas e

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a justificativa política para diversos planos de desenvolvimento econômicos

nacionais. No Brasil, o governo de Vargas (1930-1945) e depois o de Juscelino

Kubitscheck (1956-1960) seriam os expoentes e o terreno fértil para o debate

econômico, em que preponderaram os desenvolvimentistas. Na Argentina, o

projeto desenvolvimentista de Frondizi (1958-1962) seria interrompido por uma

onda de intervenções militares e instabilidade política em que não havia

consenso entre os grupos dirigentes (Sikkink, 1991). O México, onde já eram

maioria os representantes da ortodoxia liberal, uma tentativa de promover um

conjunto de políticas desenvolvimentistas se esboçaria anos mais tarde,

durante o governo Luis Echeverría (1970-1976) e de seu sucessor e ministro

da economia, Lopez Portillo (1976-1982) (ver Heredia, 1994).

Ainda que a influência da CEPAL tenha sido irregular, influenciando mais

a Argentina, a Colômbia e o Chile, do que o México e o Brasil, a instituição

serviu como lócus importante de troca de ideias entre profissionais de toda a

região. Não por acaso, mais tarde, quando a inflação passou a ser considerada

um problema estreitamente relacionado com a sobrevivência da democracia,

foi a CEPAL um importante lócus de convergência e propagação de estudos

sobre o tema, que circularam intensamente pela região e a transformaram em

um laboratório para os diversos planos de estabilização. Na Argentina, o Plano

Austral (1986); no Brasil, o Plano Cruzado (1986), Plano Verão (1987), Plano

Collor (1991) e Plano Real (1994); no México, o Plano Inmediato de

Reordenación Económica (1982) e o Pacto de Solidaridad Económica (1987).

Por outro lado, esses planos foram concebidos sob a estreita supervisão dos

mecanismos de crédito internacional, especialmente o Fundo Monetário

Internacional (FMI), outro lócus importante de circulação dos economistas

latino-americanos.

A adoção desses planos respondia à necessidade de estabilização

econômica e da geração de um novo modelo de inserção internacional, capaz

de garantir a participação da região em uma economia crescentemente

globalizada. Nesse contexto, a formação internacional prévia dos economistas

latino-americanos, a disseminação e institucionalização das ciências

econômicas a partir dos Estados Unidos, e a abertura de um espaço político

para atuação desses economistas, produziu uma mudança radical nas relações

entre Estado e sociedade, e nas relações dos agentes políticos no interior do

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próprio Estado. Nesse processo os economistas ganharam espaço de fala e

atuaram como formuladores políticos (Dezalay e Garth, 2010).

2) AS COMUNIDADES EPISTÊMICAS EM CONTEXTO PÓS-

LIBERAL

Ideias econômicas por si só não produzem políticas públicas. Elas

percorrem um longo caminho no tempo e no espaço até que se transformem

em projetos políticos em execução. Da sua produção pelas comunidades

epistêmicas econômicas, até a sua penetração nas instituições (estatais e não

estatais) e nas mentes dos indivíduos que formulam, implementam e executam

as políticas econômicas, passando pelos consumidores (o cidadão comum que

efetua suas trocas com a moeda corrente e é afetado diretamente pela perda

de valor da moeda, por exemplo) podem se passar décadas. No entanto, a

presença de determinados postulados, valores e regras que orientam os

sujeitos e os predispõem a determinados tipos de políticas e não a outras

(aumento de investimentos públicos em educação e saúde, na formação de

professores e médicos, ou redução de impostos para determinadas faixas de

renda, isenção fiscal para determinados setores produtivos, etc.) e a

persistência dessas ideias ao longo do tempo contribuem para conformar

certos tipos de trajetória. O estudo das comunidades epistêmicas em economia

na Argentina, no Brasil e no México pode tornar mais claro o entendimento que

temos sobre as diferentes trajetórias trilhadas por esses países em um

contexto pós-liberal (Arditi, 2008).

Além de um conjunto de ideias é necessário que haja consenso mínimo

entre os grupos políticos dirigentes sobre os benefícios e a pertinência em

adotar determinado projeto político. Assim é o caso de políticas que promovem

a liberalização comercial, investimentos em infraestrutura, em educação, saúde

ou na institucionalização do sistema financeiro ou na flexibilização das metas

de inflação. A execução de determinadas políticas é também definida pela

autonomia na utilização do orçamento público e do quanto este está

comprometido com o pagamento de dívidas. Diferentes contextos políticos

nacionais ajudam a explicar porque há maior resiliência em certos casos

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quando comparados a outros. Porque no Brasil, a produção e a execução de

um projeto definido como desenvolvimentista nos anos JK foi tão marcante e

duradouro, subsistindo apesar da mudança de regime. Porque na Argentina,

caracterizada pela alta polarização política e ausência de instituições estatais

fortes e de uma tecnocracia profissionalizada, considerados como obstáculos à

formação de um consenso político, a adoção de um projeto político duradouro

tornou-se inviável. Ou porque, no México, com um sistema de partido único, em

que os grupos políticos dirigentes circulavam dentro do próprio PRI, e existia

uma forte burocracia econômica de corte ortodoxo (que exerceu hegemonia a

partir da Secretaria de Fazenda, cedendo apenas nas décadas de 60 e 70,

durante os governos de Zedillo e Portillo, para a reação “desenvolvimentista”),

o projeto político duradouro se constituiu sobre bases ideacionais distintas.

Esses três casos apresentam distintos resultados quando observamos

suas opções de política econômica. Em um contexto pós-liberal (Arditi, 2008) e

ao analisar retrospectivamente as ideias disponíveis naquele momento,

podemos entender como foi possível à Argentina, por exemplo, lançar mão de

um projeto neodesarrollista em 2003 com Nestor Kirchner; como foi possível ao

governo Lula recuperar a linguagem dos nacional-desenvolvimentistas e propor

um projeto que conjugava o crescimento e a estabilidade econômica com a

inclusão social. E, finalmente, como as opções no caso mexicano eram mais

restritas para a proposição de um modelo que prescindisse de controles fiscais

severos e promovesse inclusão social via aumento do emprego, por exemplo.

Esses embates nos levam ao questionamento mais profundo sobre o papel das

elites econômicas em sociedades democráticas e sobre a utilidade da expertise

produzida em ambientes mais inclusivos e, portanto, democráticos: busca-se

inclusão econômica (via inserção do mercado de consumo) ou inclusão social

(via ampliação do acesso a serviços básicos e garantia dos direitos)1. Essa é

uma discussão relacionada ao próprio papel do Estado como promotor de

desenvolvimento e sobre os limites enfrentados por Estados capitalistas em

contextos democráticos.

1 Sobre essa discussão ver FLEURY, Sonia. Reforma del Estado en América Latina. Nueva Sociedad, v. 160, 1999; e SOUZA, Jessé. A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade periférica. Editora UFMG, 2003.

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Por ora, nos fixamos em identificar nos três casos apontados os

principais lócus de produção de conhecimento econômico, suas principais

ideias, suas relações com os grupos no poder (sejam representantes eleitos ou

aqueles com maior capacidade de defender seus interesses econômicos) e

esboçar algumas explicações sobre a produção dessas ideias e as

possibilidades de consenso sobre projetos de desenvolvimento.

As comunidades epistêmicas são redes de profissionais que, ao

partilharem princípios racionais de julgamento e critérios de validade

intersubjetivamente estabelecidos, podem exercer sua autoridade e

competência em suas esferas de pertinência, para aplicar esses critérios no

julgamento de assuntos e empreendimentos politicamente relevantes (Haas,

1992). Desse modo, as comunidades epistêmicas poderiam antecipar e avaliar

os resultados de cursos alternativos de ação, procurando dar visibilidade às

redes de ligações que se estabelecem entre estados de coisas no mundo, os

programas de ação e as políticas públicas (González de Gómez, 2003).

As comunidades epistêmicas atuam, ainda que de maneira difusa e nem

sempre coordenada, através das instituições. É a penetração e a difusão de

uma determinada comunidade epistêmica que pode garantir uma melhor

absorção de novos padrões de comportamento político e proporcionar a

transformação desses padrões, códigos e modelos ideológicos em prática. Ou,

para fazer um paralelo com Erber (2008), essas comunidades seriam

responsáveis pela construção de “convenções” ou de postulados básicos para

a consecução de um projeto de desenvolvimento nacional.

Também Schmidt (2011) chamou atenção para a importância de

incorporar as ideias nas análises políticas e considerar as instituições tanto

como estruturas que constrangem a ação e o pensar dos atores políticos, como

também um constructo interno aos agentes, que lhes permite produzir novas

interpretações e produzir mudanças. As instituições seriam, ao mesmo tempo,

estruturas constrangedoras (moldando a ação e o pensar) e objeto de reflexão

dos atores, que atuariam sobre as mesmas através de suas habilidades

comunicativas e ideacionais.

As teorias que lidam com o conceito de comunidade epistêmica também

esposam a noção de que as redes de produção de conhecimento formadas por

profissionais de áreas diversas - que tem autoridade argumentativa sobre

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determinados nichos de conhecimento - são responsáveis por fornecer

estabilidade para a ação política, ao produzirem menos incerteza. Seguindo

Schmidt, essas redes de conhecimento também seriam capazes de promover a

mudança, produzindo novos quadros ideacionais.

3) ARGENTINA

Na Argentina, o processo de liberação econômica foi bastante intenso e

marcado por profundas mudanças nas relações capital-trabalho. Esse processo

teve início ainda nos anos 70 e aprofundou-se ao longo das décadas seguintes.

Ao mesmo tempo em que houve uma reestruturação econômica marcada pela

abertura comercial, pela privatização de empresas e pela transnacionalização

do capital, ocorreu um processo de precarização do trabalho (ver Feliz, 2011,

Bustelo, 2013). Aprofundado durante o governo Menem (1989-1999), esse

processo teve como resultado aparentemente contraditório, além de altas taxas

de desemprego formal e do aumento da pobreza, bons índices de crescimento

econômico. Contudo, no cômputo geral a sociedade argentina tornou-se mais

pobre e mais desigual.

Com fortes controles macroeconômicos e rigidez cambiária, esse

modelo de acumulação do capital chegou ao seu limite no final dos anos 90,

pressionado pelas crises asiática (1997) e brasileira (1999) que, ao

promoverem a desvalorização de suas respectivas moedas, fortaleceram os

que defendiam uma solução via desvalorização do peso argentino. Logo, o

caso argentino é marcado por uma forte ruptura que culmina com uma

profunda crise econômica e institucional, cujo clímax ocorre em 2001. Tal crise

abriu espaço para a formação de um grupo de defensores de um projeto

cunhado como neodesenvolvimentista com forte participação do Estado, e

permitiu a conformação de uma coalizão entre vários setores da sociedade no

processo de pós-convertibilidade, ou de abandono do modelo anterior.

Segundo Ortiz e Schorr (2007), os elementos centrais que permitiram a

formação de grupos pró-desvalorização a partir de 2002 resumem-se à

percepção do esgotamento do modelo baseado no câmbio forte e no

endividamento externo. Desse modo, formaram-se dois blocos distintos no

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plano interno. O primeiro em defesa do capital produtivo, que agregava a União

Industrial Argentina (UIA) sob a presidência de Osvaldo Real, e outro que

agregava os representantes do capital financeiro (sistema financeiro local e

empresas privatizadas).

A formação de uma coalizão pós-convertibilidade só foi possível porque

esses grupos empresariais foram capazes de congregar outros setores sociais

(como trabalhadores, políticos e religiosos) ao articular no plano ideológico-

discursivo a valorização dos conceitos de produção, indústria, trabalho, retorno

do papel do Estado e nação (Ortiz, Schorr, 2007:6).

Nesse sentido, é importante destacar a conformação do Grupo Fênix

sob os auspícios da Universidade de Buenos Aires (UBA), formado por um

grupo de 30 economistas de variadas correntes de análises. Dentre os quais

Aldo Ferrer, Jorge Katz, Saúl Keifman, Norberto González, Carlos García

Tudero, Abraham Leonardo Gak, Arturo O´Connell, Fernando Porta e Mario

Rapoport. O grupo se reuniu com o objetivo de buscar soluções de curto,

médio e longo prazo para os problemas relacionados ao desenvolvimento

argentino. Mais particularmente, os participantes se colocaram a tarefa de

apresentar um diagnóstico sobre a natureza dos problemas centrais da

economia argentina e formular propostas para a resolução dessa crise,

expressa como crítica e urgente e marcada pela estagnação, concentração da

riqueza, aumento da pobreza e da exclusão, assim como pela perda da

capacidade de “decidir” o próprio destino.

Por conta do lugar relativamente marginal que os economistas

tradicionalmente ocupavam na Argentina é possível inferir que o papel da UBA

(tradicional centro de formação de economistas estruturalistas), nesse

momento, como espaço de reunião de profissionais em busca de um projeto

nacional de recuperação econômica e social, foi uma reação à hegemonia dos

centros de formação econômica privados, constituídos em décadas anteriores,

como foco de irradiação dos postulados ortodoxos. Como, por exemplo, o

CEMA (Centro de Estúdios Macroeconómicos de Argentina) e o IEERAL

(Instituto de Estudios Económicos sobre laRealidad Argentina y

Latinoamericana), cujo primeiro presidente foi o economista Domingo Cavallo,

ambos fundados no final dos anos 70.

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A partir das primeiras reuniões de trabalho realizadas pelo Grupo Fênix

em setembro de 2001, aprovou-se um plano estratégico intitulado “Hacia El

Plan Fénix, diagnóstico y propuestas. Una estratégia de reconstrucción de la

economia argentina para elcrecimientoconequidad” (Resolução 6846 do

Conselho Superior da Universidade de Buenos Aires). Neste mesmo

documento, designou-se Abraham Gak como diretor do projeto. A essas

reuniões, assistiram além dos próprios acadêmicos responsáveis pelo projeto,

uma comunidade mais ampla (cerca de 500 participantes), inclusive altos

funcionários do governo como o ministro da Educação e do Trabalho e o

secretário de Ciência e Tecnologia à época.

Em um primeiro momento, relacionado com a agudização da crise do

modelo de convertibilidade implantado pelo governo Menem, o grupo propôs

um diagnóstico para crise que ressaltava a necessidade de combater de forma

eficaz a pobreza, erradicar a desocupação e a urgência de distribuir a riqueza

“de forma muito mais efetiva” (Treber, 2005). Sem, contudo, rechaçar a

necessidade de sustentar políticas monetárias e cambiais eficazes, o grupo

reconhecia seu caráter limitado para a consecução dos objetivos propostos. No

entanto, fazia-se uma crítica à política de metas de inflação defendida pelo

Banco Central argentino, por provocarem o “aumento automático da taxa de

juros” (idem, 2005). No que toca o aspecto da negociação internacional, ou

mais especificamente a renegociação da dívida externa argentina com os

credores internacionais, o Grupo Fênix assume uma posição a favor do

“desendividamento” e contrária a falta de flexibilidade nas negociações,

propondo inclusive a suspensão dos pagamentos em caso de falta de acordo.

A lógica seguida é a de que sem crescimento econômico não é possível pagar

uma dívida entendida como fruto da financeirização.

Em artigo de 2005, o economista Aldo Ferrer expos os termos do

debate:

“el bienestar social, la solidaridad y el reparto equitativo del ingreso, es

un imperativo ético y una condición esencial del mismo desarrollo económico

(…) el desarrollo se realiza en el espacio nacional y depende, en primer lugar,

de las decisiones propias. (…) este conjunto de supuestos planteó una

discrepancia radical con el enfoque neoliberal que inspiró las políticas

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inauguradas con el golpe de estado de 1976 y llevadas, hasta sus últimas

consecuencias, en la década de 1990. Pudimos así anticipar, en el transcurso

del 2001, que íbamos rumbo al caos y que estaba amenazada la seguridad

jurídica y el régimen de contratos”. (Ferrer, 2005)

Os principais termos do chamado debate novo-desenvolvimentista ou

neodesarrollista estão postos: crítica ao neoliberalismo; valorização de

controles macroeconômicos e preocupação com o aspecto, digamos, social do

processo de desenvolvimento capitalista; e papel do Estado como mediador

dos conflitos capital x trabalho. Em seu principal documento, o Plan Fênix

(2001), são definidas 10 propostas básicas para garantir as condições

necessárias à consecução de um projeto nacional de desenvolvimento

econômico e social, que incluem a estabilidade institucional e política, aumento

do emprego, funcionamento competitivo dos mercados e equilíbrios

macroeconômicos sólidos “baseados em altas taxas de poupança interna e

investimento”, participação do Estado, e soberania monetária, cambial e fiscal.

A partir desse receituário, pode-se inferir quais as principais diretrizes do

projeto novo-desenvolvimentista tal como postulado pelos membros do Grupo

Fênix. Em primeiro lugar, e diante da profunda crise institucional enfrentada

pela Argentina no momento de produção do documento, coloca-se a

necessidade de estabilização institucional para garantir a consecução do

projeto. Do mesmo modo, a preocupação com o desemprego e o problema da

incorporação de novos e antigos trabalhadores ao mercado de trabalho, com o

objetivo de garantir o crescimento com equidade. A preocupação com a

competitividade denota a importância de pensar o desenvolvimento capitalista

no contexto de um mercado crescentemente integrado e exposto ao comércio

internacional. Ao mesmo tempo em que se demanda melhoria das condições

(fortalecimento do mercado interno) e das instituições internas (um Estado

presente e ativo), reconhece-se a importância de investir em incorporação de

novas tecnologias e controles macroeconômicos flexíveis para evitar a

deterioração do valor da moeda nacional.

Nesse ponto, não se pode ignorar a influência do

neoestruturalismocepalino, conforme propostas formuladas pelo economista

chileno, e um dos principais expoentes dessa fase ideológica da CEPAL,

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Fernando Fajnzylber. Responsável pela formulação do conceito de

transformação produtiva com equidade (março, 1990), Fajnzylber atualizou

os principais postulados cepalinos - que serviram de base aos diversos planos

de substituição de importações na América Latina e cuja força motriz era a

expansão do mercado de consumo interno - ao chamar atenção para a

necessidade de inovação tecnológica com vistas a uma inserção competitiva

no mercado mundial.

A escolha do presidente eleito em 2003, Nestor Kirchner, de manter a

equipe econômica do efêmero governo Duhalde, com Roberto Lavagna, da

Frente Renovadora do Partido Justicialista, como ministro da Fazenda, é

indicativa do sucesso da estratégia de renovação do modelo econômico. A

salvação da economia argentina foi beneficiada pelo aumento dos preços das

commodities internacionalmente, e o aumento dos fluxos comerciais. Isso

permitiu ao governo renegociar a dívida externa e garantir apoio do Fundo

Monetário Internacional e assim normalizar as relações com a comunidade

internacional. Ao contrário do período Menem, procurou-se diversificar as

relações internacionais e diminuir a dependência dos Estados Unidos. A

Argentina aproximou-se da Venezuela e do Brasil, além de outros países latino-

americanos. Por outro lado, o reestabelecimento de tarifas sobre importação e

exportação propiciou a recuperação da capacidade extrativa do Estado.

De acordo com Wylde (2010), o programa econômico de Nestor Kirchner

pode ser considerado como uma estratégia de crescimento baseada em

protecionismo seletivo e intervenção estatal focalizada para facilitar a

estabilidade macroeconômica e o crescimento estimulando uma indústria

exportadora e a diversificação limitada. O Estado se responsabiliza pelo

crescimento econômico e busca meios de evitar a desvalorização da moeda

nacional através de controle de câmbio, e injeta dinheiro na economia

distribuindo créditos para investimento produtivo e consumo. Outro ponto

importante dessa estratégia é o esforço para recuperar o mercado de trabalho,

via reformas trabalhistas, e a constituição de programas de transferência de

renda para combater os altos níveis de empobrecimento do país.

Os frutos colhidos pela presidência Nestor Kirchner permitiram a união

das várias facções do PJ em torno da liderança do presidente e a eleição de

sua esposa, Cristina Fernandez Kirchner em 2007. A presidente iniciou seu

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mandato em uma situação confortável, altas taxas de crescimento e de

inclusão social, mas enfrentou seus primeiros conflitos internos ao negar-se a

mudar a política econômica (de gastos públicos e estímulo ao consumo) em

face do aumento da inflação sob o impacto da crise internacional de 2008.

Essa dificuldade não impediu que ela se reelegesse - embora sem ter resolvido

esse conflito inerente ao modelo econômico vigente -, em 2011, após o

falecimento de seu marido. Medidas importantes como um plano contra a crise,

com a criação de um Ministério da Produção e injeção de capital no mercado

de consumo via isenção tributária, assim como a re-nacionalização de

companhias privatizadas nos anos 1990, como a Aerolineas Argentinas e a

YPF, configuram um projeto que no seu bojo pode ser chamado de

kirchnerismo. Ao promover o protagonismo estatal na economia, rompendo

com a ortodoxia liberal dos anos anteriores, esse projeto pode ser entendido

como contraposto aos modelos mais radicais de liberalismo econômico, com

abertura irrestrita dos mercados nacionais à competição externa e a

flexibilização dos mercados de saúde, educação e trabalho.

O caso argentino demonstrou a possibilidade de reversão de modelos de

desenvolvimento e o quanto a definição de modelos depende de decisões

políticas e de grupos de apoio nos setores mais amplos da sociedade. A

autonomia política para definir os rumos econômicos é função do tipo de

sistema político de cada um dos países, do maior ou menor grau de

independência do Executivo, do apoio do Legislativo, da capacidade de fazer

acordos políticos. Contudo a constituição de um modelo econômico depende

de outros fatores, além dos políticos internos, como os ciclos econômicos

internacionais ou a distribuição de forças políticas no plano internacional.

Alguns autores, como Weyland (2005) colocam a ênfase nos fatores externos,

outros como Levitsky (2005) chamam atenção para os internos (capacidade

dos atores políticos domésticos lidarem com as crises econômicas).

A década de 2000 é a da ascensão e queda do chamado

neodesarrollismo argentino. Os constrangimentos provocados pela crise de

2008, com o aumento dos índices de pobreza e desemprego nas economias

europeias e norte-americana, afetou profundamente os fluxos de capitais em

direção aos países periféricos ou semi-periféricos. Embora, o Estado tenha

mais controle sobre os destinos da economia no plano interno, persiste um

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desequilíbrio básico entre a capacidade do Estado captar recursos através das

exportações principalmente de recursos naturais (ainda o pilar do modelo) e

continuar estimulando o consumo sem descambar para o desatino inflacionário

de décadas passadas. Como veremos na próxima sessão, há muitas

semelhanças com o caso brasileiro, tanto em seu formato progressista, quanto

em seus limites.

4) BRASIL

No Brasil, as mudanças econômicas estruturais foram adotadas com

menor intensidade do que nos casos de Argentina e México, cujos processos

liberalizantes começaram já nas décadas de 70 e 80. Diniz e Boschi (2004)

relacionam esse ritmo diferenciado à resistência dos empresários nacionais em

promover a liberalização da economia diante do risco da desindustrialização.

Os autores associam esse padrão de continuidade (ou resistência moderada)

ao forte corporativismo institucional que passa a caracterizar as relações

capital x trabalho a partir dos anos 30. A constituição de elites estratégicas

(seja porque tem poder econômico ou porque tem acesso as instâncias de

poder público) é fundamental para constituir metas coletivas.

Nós aqui adicionamos à explicação dos autores um outro componente: o

alto grau de penetração de um conjunto de ideias na burocracia estatal, na

tecnocracia e nos grupos políticos dirigentes, que permitiam a aceitação da

maior participação estatal na consecução de projetos políticos nacionais

(Sikkink, 1991).

Isto é, o estudo de comunidades epistêmicas pode ser um termômetro

desse processo de constituição de elites estratégicas. O fato de termos mais

informações sobre o estabelecimento de comunidades epistêmicas no Brasil,

pode ser também um indicador importante. Não apenas de uma característica

histórica, que tem relação com o corporativismo no Brasil e a organização dos

grupos empresariais, mas o modo como se constroem coalizões ou alianças

políticas em função de determinados interesses. É importante perceber que

essa capacidade de compor alianças é menor tanto na Argentina, quanto no

México, devido a fatores histórico-institucionais.

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Estudos recentes, embora não conclusivos, demonstraram a emergência

de um novo discurso, particularmente no Brasil, a partir dos anos 2000, que

defende o papel do Estado como agente indutor do desenvolvimento, mas

coloca em questão outras teses defendidas pelos antigos desenvolvimentistas.

Destaca-se aqui a produção do economista Fábio Erber(2008; 2011) sobre o

desenvolvimento no Brasil nos anos 90, sobre os projetos de desenvolvimento

do governo Lula, e sobre a evolução do que ele chama de convenções

desenvolvimentistas. Para Erber, existiriam duas convenções hegemônicas em

operação: a ortodoxa liberal e a neodesenvolvimentista, que compartilhariam a

preocupação com o controle rígido da política macroeconômica em busca de

estabilização econômica; mas difeririam quanto ao conteúdo social de seus

programas. Durante o governo Lula, teria havido, segundo o autor, uma adesão

parcial à convenção neodesenvolvimentista porque as relações entre o governo

e suas agências econômicas teriam sido muito conflituosas, com exceção do

Banco Central. Como o projeto do governo Lula também tinha como objeto

uma política “focalizada” de redistribuição de renda, como a do Programa Bolsa

Família, havia uma tensão entre as exigências técnicas de controle inflacionário

e de estabilidade cambial e as políticas de expansão de crédito e redistribuição

de renda. Com isso, segundo Erber, a agenda institucionalista restringiu sua

prioridade à estabilização de preços e deixou o Banco Central no epicentro da

política macroeconômica.

A convenção neodesenvolvimentista estaria subordinada, segundo o

autor, à convenção institucionalista restrita, mas à diferença desta, teria uma

visão cooperativa da sociedade que se expressaria através do conceito de

“pacto social” e das metáforas usadas pelo presidente Lula, em que se poderia

entrever a prioridade dada à inclusão social de inspiração keynesiana. Essa

convenção teria se tornado mais clara no Plano Plurianual de Aplicações (PPA)

2003-2007 e na Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE)

e teria sido reforçada a partir de 2006 pela mudança de equipe que ocorreu no

Ministério da Fazenda, com a nomeação de Guido Mantega para ministro, e

pela reeleição do presidente Lula. Por outro lado, o autor também advoga a

existência de “convenções alternativas” que estariam em busca de hegemonia,

como a convenção novo-desenvolvimentista, que se distinguiria por admitir

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uma relativa flexibilização da política macroeconômica (ligeiro aumento da

inflação).

Nesse sentido, a contribuição do economista Bresser-Pereira (2004,

2010, 2011) não pode deixar de ser mencionada. Um dos signatários do

documento “Dez Teses sobre o Novo Desenvolvimentismo”, o autor distingue o

novo desenvolvimentismo tanto do pensamento estruturalista latino-americano

quanto do mainstream neoliberal por não apostar no “desenvolvimento via

poupança externa” (endividamento externo). Nesse projeto, segundo ele, a

nação seria o agente responsável pela definição da principal estratégia para o

desenvolvimento, pela definição de “uma estratégia nacional”, que tenha em

vista a especificidade nacional das trajetórias de desenvolvimento. Os novo-

desenvolvimentistas defenderiam então o fortalecimento do Estado, e

argumentariam (como os estruturalistas) que há nos países de renda média

uma tendência à valorização da taxa de câmbio (doença holandesa) e ao

crescimento inferior dos salários quando comparados à produtividade, e que

essas tendências “estruturais” seriam responsáveis pela persistência dos

problemas de má distribuição de renda e falta de demanda efetiva. Como

consequência dessas premissas, a política macroeconômica proposta pelo

novo desenvolvimentismo seria a da administração da taxa de câmbio

(inclusive via controle de capitais) para alcançar uma taxa de equilíbrio

industrial e um maior rigor fiscal em termos de déficit público, além de uma

política de rendas em que o aumento dos salários acompanhe o aumento da

produtividade. Assim, há uma aposta na flexibilização dos rígidos controles de

política macroeconômica ortodoxa em prol da reestruturação econômica.

No caso brasileiro, chama atenção o contexto no qual se insere a

proposta do governo do Partido dos Trabalhadores eleito em 2003, que

contemplava o combate à pobreza e a redução das desigualdades sociais

através de programas de renda, sem flexibilizar os controles macroeconômicos.

Além disso, fortaleceu-se o arcabouço institucional existente, através da

reestruturação de uma rede de agências, como Instituto de Pesquisas

Econômicas Aplicada (IPEA), e a criação do Conselho Nacional do

Desenvolvimento Econômico (CNDES), cujo papel era o de produzir subsídios

(tanto estudos quanto formação de redes) para a produção de políticas

públicas voltadas para o projeto governamental de desenvolvimento.

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Esse arcabouço institucional disponível - que incluía também o Banco

Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Brasil,

o Banco Central, e o Ministério da Fazenda – caracterizava-se por grande

centralidade na direção econômica do país e por uma tecnocracia altamente

profissionalizada, que funcionaram como mecanismos de manutenção e

continuidade de determinados postulados. No caso do Ministério da Fazenda,

como indicam Loureiro, Abrucio e Rosa (1998), houve uma forte centralização

política que se iniciou no governo Fernando Henrique Cardoso. Essa

centralidade, que perdurou nos governos seguintes, foi fundamental para

colocar em execução projetos políticos distintos, mas com forte teor

economicista, isto é, ambos marcados por ortodoxia macroeconômica.

O documento produzida pela comunidade epistêmica que serve de

referência nesse caso, “Dez Teses sobre o Novo Desenvolvimentismo” (2010),

à semelhança do Plano Fênix, elenca dez ideias motrizes para um modelo de

desenvolvimento. Sinteticamente, pode-se destacar: o entendimento do

desenvolvimento como estrutural, o papel estratégico do Estado (regulação das

instituições financeiras, investimento produtivo e competitividade internacional),

importância do planejamento estratégico, a centralidade das noções de

crescimento dos salários abaixo da produtividade, da sobrevalorização da taxa

de câmbio e de criação de poupança doméstica, assim como a recuperação da

noção de pleno emprego e da estabilidade de preços e financeira como metas

primordiais da política econômica que deve sustentar esse projeto de

desenvolvimento.

Os principais signatários desse documento são intelectuais e políticos

com atuação significante no meio acadêmico, intelectual e político. Luiz Carlos

Bresser-Pereira, seu principal interlocutor além de intenso produtor, é o diretor

do Centro Estruturalista de Desenvolvimento Macroeconômico da Escola de

Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. O também economista

Márcio Pochmann, além de professor do Instituto de Economia da Unicamp, foi

presidente do IPEA e foi candidato à prefeitura de Campinas (SP) em 2012.

Assim como o atual presidente do BNDES, outro economista, Luciano Coutinho

(formado pela USP e professor licenciado da Unicamp). Outros importantes

economistas brasileiros, como Ricardo Bielschowsky (professor da UFRJ e ex-

pesquisador da CEPAL), Luiz Gonzaga Belluzzo (formado em Direito pela USP,

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com pós-graduação em Desenvolvimento Econômico pela CEPAL/ILDES, com

vínculos institucionais com a Unicamp), Luiz Fernando de Paula e João Sicsú

(ambos da UFRJ) participaram da formulação inicial do documento e continuam

produzindo sobre o assunto, fortalecendo a rede de circulação das ideias do

novo desenvolvimentismo.

Como dissemos, a articulação das ideias dos novos desenvolvimentistas

foi reforçada pela atuação do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada

(Ipea) ligado à Presidência da República. Entre 2008 e 2010, sob a presidência

de Márcio Pochmann, foi realizado o projeto “Perspectivas do Desenvolvimento

Brasileiro”, que pretendia ser uma “plataforma de reflexão sobre os desafios e

as oportunidades do desenvolvimento brasileiro”, um “projeto abrangente para

levar o Ipea ao centro das discussões e decisões correntes acerca das opções

e estratégias de desenvolvimento nacional”. Foram promovidos 9 seminários

(realizados entre abril de 2008 e agosto de 2009), 2 oficinas (realizadas em

agosto e setembro de 2008) e cursos, além de publicados 10 livros, como

“Desafios ao Desenvolvimento Brasileiro: contribuições do Conselho de

Orientação do Ipea” (Brasília, 2009); “Trajetórias Recentes de

Desenvolvimento: estudos de experiências internacionais selecionadas”

(Brasília, 2009); “Inserção Internacional Brasileira Soberana” (Brasília, 2010),

esse em dois volumes; dentre outros.

A atuação das comunidades epistêmicas em economia no caso

brasileiro se diferencia do caso argentino em dois sentidos: a carreira de

economista frequentemente serve à formação de quadros burocráticos e ao

mercado privado de educação ou consultoria, além das agências

internacionais. Nesse sentido, há estabilidade na formação desses quadros nos

principais órgãos do governo responsáveis pela gestão econômica e, ao

mesmo tempo, certa flexibilidade na escolha dos principais dirigentes do

Ministério da Fazenda e do Banco Central, a cargo do Executivo. E mais, há

circulação entre os indivíduos que compõem essas comunidades (no plural) e

aqueles que ocupam cargos na burocracia, sejam funcionários de carreira ou

nomeados. O que significa que apesar da grande centralização no processo de

tomada de decisão das políticas macroeconômicas, é possível afirmar que há

conectividade entre as ideias emanadas e discutidas por economistas das

comunidades epistêmicas e economistas que ocupam cargos governamentais.

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5) MÉXICO

O México iniciou suas reformas econômicas também dentro do contexto

da crise da dívida externa de 1982. O governo Carlos Salinas Gortari (1988-

1994) promoveu uma reforma administrativa que alijou do poder setores

tradicionalmente voltados ao pensamento desarrollista e alocou na Secretaria

de Hacienda y Credito Publico tecnocratas formados em universidades norte-

americanas. Esse processo foi marcado por ruptura e incapacidade de produzir

um consenso intraelites em prol de um projeto político nos moldes

desenvolvimentistas. Um processo que reflete também a crise do PRI como

partido único e a abertura do sistema política mexicano.

A Secretaria de Hacienda y Crédito Público, de acordo com a lei

orgânica da administração pública federal mexicana, é o órgão responsável por

coordenar o planejamento nacional do desenvolvimento, assim como a

administração dos recursos arrecadados com impostos no âmbito nacional e

pelo controle fiscal e os gastos públicos. Apesar de não ser a única secretaria

responsável por questões que afetam a economia (há também uma Secretaria

de Economia, outra de Desenvolvimento Social), é a única responsável pelo

manejo das receitas públicas e pelo estabelecimento de preços de bens e

serviços, assim como pela coordenação do sistema financeiro do país

(composto pelo Banco Central do México e pela Banca Nacional de Desarrollo).

A Secretaria de Economia, ao lado da Secretaria de Relaciones Exteriores, é

responsável pelas políticas de comércio exterior, mas deve atuar em

coordenação com a Secretaria de Hacienda. Os secretários são escolhidos

pelo presidente da república, sendo o núcleo duro da política econômica do

governo federal. No caso mexicano, a ortodoxia liberal sempre foi a norma

histórica e a marca dos economistas mexicanos (Babb, 2010). A partir do

governo Luis Echeverría (1970-1976), com continuidade no governo de seu

antecessor, Lopez Portillo (1976-1982) houve uma inflexão cunhada por muitos

analistas como de corte desenvolvimentista (Heredia, 1994). O que, na prática

significa que Echeverría e Portillo aplicaram medidas heterodoxas e contra-

cíclicas para conter a crise de divisas que acabaria por culminar na crise da

dívida dos anos 1980. Nesse sentido, a resposta mexicana ao ajuste da política

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econômica foi pioneira, mas calcada em sua trajetória pretérita. Ao contrário do

caso brasileiro, por exemplo, os grupos ortodoxos concentrados na Secretaria

de Hacienda e no Banco Central mexicano, atuaram de forma eficaz no sentido

de isolar sua oposição nos quadros governamentais (notadamente

concentrados na Secretaria de Relaciones Exteriores) (ver Green, 1987;

Gonzalez, 2001). Através de várias mudanças na estrutura administrativa da

Secretaria de Hacienda, produziu-se a centralização de atividades fulcrais para

o manejo da economia, como o orçamento público e o controle do sistema

financeiro. Essa disputa entre distintos modelos de desenvolvimento

econômico foi travada ao longo dos governos priistas de Miguel de la Madrid

(1982-1988) e Carlos Salinas (1988-1994), responsáveis pela grande ruptura

política e econômica da história do México.

Segundo Flores (2013), como resultado da crise econômica da dívida

externa (1982-1987) produziu-se um ajuste recessivo caracterizado por uma

ofensiva antitrabalhista e antisindical (processo de desinstitucionalização do

trabalho) que, por sua vez, levaram à queda do salário real e do emprego. Esse

processo de desestruturação das bases normativas e institucionais do

protecionismo comercial estabelecido pela constituição revolucionária de 1917

marcou o início da abertura ao investimento estrangeiro direto e da ampliação

da indústria maquiladora voltada para a exportação.

O marco dessas reformas, segundo o mesmo autor pode ser

estabelecido no momento em que o PRI ganha as eleições de 1988 e coloca

no poder a fração “globalizadora-monopólica-financiadora”, representada por

Salinas, em oposição aos defensores do desenvolvimentismo que compunham

a Frente Democrática Nacional, dissidência mais à esquerda do próprio PRI.

Ainda de acordo com Flores, as principais características do modelo neoliberal

mexicano seriam: precariedade estrutural com depressão do mercado interno;

desequilíbrio externo, financeirização, deterioração da capacidade produtiva,

política monetária passiva e política fiscal regressiva, assim como política

industrial assistencialista. Esse modelo mostrou seus limites, assim como nos

casos brasileiro e argentino, no período 2000-2001, que deu fim ao período de

expansão econômica iniciado em 1993 e culminou com a crise financeira

iniciada em 2007. No âmbito político, representou a ascensão ao poder do

primeiro presidente não priista depois da criação do PRI, em 1929: Vicente

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Fox, eleito em 2000, pelo Partido da Ação Nacional (PAN). Fox foi sucedido

por outro presidente do PAN, Felipe Calderón, em 2006. Contudo, o fim da

hegemonia do PRI não representou uma mudança de direção na política

econômica mexicana, que desde a assinatura do Tratado de Livre Comércio

das Américas (TLCA, NAFTA na sigla em inglês) passou a depender mais dos

mercados dos Estados Unidos e do Canadá e restringiu suas conexões com os

países da região. Como demonstrou Ancochea (2009), apesar do México ter

conseguido modificar a estrutura de suas exportações e tirar proveito das

vantagens comparativas oferecidas pela aproximação comercial com os

Estados Unidos, o modelo de desenvolvimento econômico não alterou o seu

fundamento, isto é, não deixou de se basear em exportação de matérias primas

ou produtos de baixo valor agregado e abundância de mão-de-obra. Apesar do

contexto internacional positivo, em que a ascensão da China, e das economias

asiáticas de modo geral, promoveu demanda por matéria primas e serviços que

beneficiaram a América Latina como um todo, não houve, segundo autor,

reinversão produtiva capaz de alterar a pauta de exportações mexicana.

Diante de semelhante crise, surge o grupo Nuevo Curso Económico, no

bojo da crítica aos anos de estagnação econômica e precarização do trabalho.

A partir de um documento chamado “México frente alacrisis: haciaunnuevo

curso de desarrollo”, e enviado ao Congresso Nacional em 2009, economistas

mexicanos, reunidos na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM),

elaboraram um plano para a retomada do crescimento econômico e para a

melhoria das condições sociais. Como as comunidades epistêmicas analisadas

para os casos do Brasil e da Argentina, esse grupo é formado majoritariamente

por economistas e políticos de prestígio, como, por exemplo, Cuauhtémoc

Cárdenas Solórzano, candidato da Frente Democrática Nacional às eleições

presidenciais de 1988; Carlos Heredia Zubieta, economista formado pelo

Instituto Tecnológico Autónomo de México (ITAM); David Ibarra Muñoz,

economista da UNAM que desempenhou funções de secretário da Fazenda

durante o governo de José Lopez Portillo; e Ciro MurayamaRendón,

economista da UNAM e membro do órgão executivo do Instituto de Estudos

para a Transição Democrática (IETD).

De acordo com esse documento, bem mais extenso e difícil de sintetizar

que os outros dois analisados, por não apresentar apenas ideias principais e

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basilares, mas se ocupar também de assuntos mais específicos como reforma

educacional, do sistema de saúde e previdenciário, além de tratar do problema

da desocupação juvenil e do êxodo de mão de obra (mormente para os

Estados Unidos), extrai-se a crítica ao modelo de acumulação capitalista

neoliberal, a importância de um papel mais ativo por parte do Estado, e a

necessidade de um projeto nacional para “recuperar” as perdas sociais das

últimas décadas.

Em especial, destaca-se no documento a necessidade do México

construir um “novo curso de desenvolvimento”, caracterizado por crescimento

maior do que o das últimas décadas e pela capacidade de gerar excedentes

que sustentem a redistribuição sustentada da renda e das oportunidades e que

dê lugar “a um regime de proteção social universal” (p.13). Levando em

consideração a abundância de mão de obra (característica estrutural das

economias latino-americanas) e o processo de informalização do trabalho, com

queda vertiginosa do emprego formal, além da migração laboral, o documento

aponta na mesma direção dos outros dois aqui analisados, no que toca a

necessidade de valorizar o trabalho. Isto significa impedir quedas muito

grandes do valor real do salário, que gerem o enfraquecimento do mercado

interno.

Como objetivos de política industrial, o documento exorta a elaboração

de uma política industrial direcionada aos próximos vintes anos (2009-2029)

capaz de promover a integração nacional dos setores produtivos regionais.

Segundo seus autores, esse plano deveria levar em conta: a promoção do

mercado interno enquanto mecanismo central da industrialização via

investimentos públicos e privados; a busca por um novo tipo de inserção

internacional para a indústria manufatureira mexicana via renovação das

políticas de comércio exterior; o fortalecimento e a modernização das

pequenas e médias empresas; a regulação das empresas oligopolistas e

monopolistas; a determinação de critérios de desempenho para os

investimentos externos diretos; a utilização de verba pública a favor da

indústria nacional; assim como a promoção do desenvolvimento tecnológico e

da inovação (p.21).

É interessante perceber que esse documento, elaborado em 2009, foi

objeto de análise dos grupos de assistência aos candidatos presidenciais das

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eleições 2012. Contudo, seu efeito sobre o plano do atual presidente ainda não

pode ser medido. Como dito anteriormente, a formação econômica no México

teve fortes bases nos modelos da economia neoclássica irradiada a partir dos

Estados Unidos e da Europa, onde os mexicanos passavam temporadas de

estudos. Os principais centros de formação, localizados na UNAM (Faculdade

de Economia foi criada em 1929 sob os auspícios do governo revolucionário),

no Instituto Tecnológico Autonómo de México (ITAM, criado em 1946 por

iniciativa privada e para responder a demanda crescente por parte dos

empresários mexicanos à expertise econômica, uma vez que a UNAM formava

majoritariamente quadros governamentais), e, no Instituto Técnico de

Monterrey e no Colegio de Mexico produziam economistas com forte

embasamento em macroeconomia e modelos matemáticos. Sendo a maior ou

menor participação dos economistas em formulação política dependente da

indicação do partido do poder, a atuação desses economistas era função das

políticas de governo. Uma inflexão ortodoxa ocorreu no final dos anos 1980,

como já apontamos, e a participação dos economistas no governo tornou-se

peça chave para garantir a estabilidade política, visto que a estabilidade

econômica, marca do milagre econômico mexicano dos anos 1960, era a base

do consenso entre os grupos políticos e econômicos dirigentes.

A centralidade dos economistas no caso mexicano tem relação com o

investimento estatal para a criação de uma tecnocracia qualificada (Babb,

2010). O que desejamos frisar nesse texto é que, embora o México não seja

um caso à parte da América Latina e completamente distante da Argentina e do

Brasil no que toca a adoção de políticas econômicas guiadas pelo Estado

durante os anos anteriores à crise do modelo de desenvolvimento com

participação estatal, o fato de ter se investido desde muito cedo em uma

expertise econômica com base neoclássica produziu, nos anos pós-crise da

dívida, o ambiente propício para adoção de políticas econômicas restritivas e

de abertura comercial. Por outro lado, as dificuldades em se restabelecer um

pacto social mais amplo, marginalizando amplos setores da população

mexicana, e devido às restrições impostas pela crise econômica mundial de

2008, o modelo mexicano de desenvolvimento foi também colocado à prova. É

nesse quadro que se encontra a tentativa de rearticulação de um novo curso de

desenvolvimento.

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6) CONCLUSÕES

Sem ignorar as enormes diferenças existentes entre os três casos

propostos, assim como os diferentes contextos de sua produção, pretendeu-se

destacar os aspectos similares na produção de ideias relativas a caminhos

alternativos para o desenvolvimento no contexto de crise dos modelos

neoliberais.

Primeiro, cumpre esclarecer que o desenvolvimento é um conceito

polissêmico e frequentemente alvo de disputas. As comunidades epistêmicas

em economia pensam o desenvolvimento mormente como crescimento

econômico e aumento da competitividade como modo de garantir a

dinamização da economia capitalista. O novo desenvolvimentismo não deve

então ser considerado como um fenômeno acabado, mas sim como um debate

em aberto, do qual participam as comunidades epistêmicas em economia e

outros setores da sociedade (pesquisadores, trabalhadores, movimentos

sociais, etc).

Em comum, as estratégias propostas pelas comunidades epistêmicas

analisadas nos três países em questão, tendem a valorizar o papel do Estado

como regulador da economia e indutor do crescimento econômico, assim como

o seu papel de redistribuidor de renda. Também fazem um apelo a revisão da

política econômica calcada em controles rígidos da inflação e do equilíbrio

fiscal. Ao mesmo tempo em que demandam políticas de valorização da

produção nacional e do emprego. Não há qualquer intenção de abandonar o

sistema capitalista ou propor uma reversão de seus fundamentos (lucro e

geração de mais-valia), ainda que haja uma preocupação com o bem-estar

social consubstanciada na crítica às políticas econômicas restritivas.

A relação das ideias econômicas e de sua resiliência invoca questões

sobre os limites da democracia em contextos capitalistas. Na medida em que a

expertise econômica se estabelece como autônoma e técnica, tende a alijar e

considerar como questões acessórias àquelas relacionadas à promoção do

bem-estar social e da igualdade de direitos. Essa problemática se torna mais

grave, se considerarmos os grandes vazios de desenvolvimento nos países

estudados, em que embora tenha ocorrido avanço democrático (seja

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redemocratização ou abertura política), os problemas da desigualdade social,

da má redistribuição de renda, da falta de acesso aos serviços públicos de

qualidade, de segurança e garantia do direito à vida, por exemplo, não foram

equacionados. O Estado como importante ator na mediação das relações

políticas entre os diversos segmentos sociais, não tem sido capaz de

responder no ritmo necessário às crescentes demandas por participação

(econômica e política) de setores antes completamente marginalizados. Essas

demandas incluem diferentes modos de conceber e desejar um projeto

nacional.

Embora as comunidades epistêmicas destacadas nesse texto não sejam

as promotoras diretas de políticas públicas, elas informam com base em sua

autoridade argumentativa, as políticas econômicas colocadas em práticas pelos

diferentes governos nacionais. Não se pode afirmar que essas comunidades

epistêmicas sejam hegemônicas em todos os casos analisados, nem mesmo

no Brasil, onde o debate sobre o novo desenvolvimentismo parece ser mais

candente. Resta saber se a própria maneira como se renovam e se rearticulam

as ideias econômicas no interior dessas comunidades epistêmicas pode

também ser afetada pelo debate político mais amplo, com os não especialistas.

Sendo esse um trabalho em estágio exploratório, considera-se que a

guisa de aproximação pode-se elaborar uma série de questões que devem ser

aprofundadas nas próximas etapas de pesquisa e podem servir de sugestão a

pesquisadores interessados no tema. Para além de perceber a emergência de

grupos de intelectuais influentes preocupados em estabelecer um debate

público (seja através da academia, seja através da imprensa), percebe-se a

recorrência de termos utilizados em períodos anteriores do desenvolvimento

capitalista de cada um desses três países. Períodos que foram fortemente

influenciados pelas ideias geradas no interior da CEPAL, pela

internacionalização dos economistas latino-americanos e pelas experiências

históricas e políticas prévias, que determinaram certas características

compartilhadas por Argentina, Brasil e México.

Dentre elas, destacamos, a importância do Estado como promotor do

desenvolvimento, ou executor de políticas de desenvolvimento (sejam elas

redistributivas ou concentracionistas); a presença de comunidades epistêmicas

em economia, que atuam de forma diferenciada em cada um dos casos, mas

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com alta incidência na formulação de políticas públicas nos três casos; e

dependência econômica externa conforme o modelo de crescimento adotado,

altamente dependente dos fluxos comerciais e financeiros externos.

Dada a importância do Estado como ator político, de uma sociedade civil

organizada, de grupos com fortes interesses econômicos, além dos

constrangimentos internacionais que propiciam ou obstaculizam a

implementação de políticas governamentais mais ou menos benéficas à

comunidade nacional, caberia estabelecer quais possíveis inferências podem

ser feitas a partir da análise desses três casos? Há uma orientação comum,

compartilhada por esses três grupos de distintas nacionalidades e gerados

para dar cabo de realidades nacionais específicas e distintas? Há espaço

político em cada um dos casos para que projetos nacionais mais inclusivos,

com relativa flexibilização dos postulados ortodoxos se estabeleçam? E mais,

poderiam elas, como representantes de um projeto nacional de

desenvolvimento se estabelecerem como convenções hegemônicas?

Outro tópico de interesse e que gera questões importantes diz respeito

às causas explicativas do surgimento dessas comunidades epistêmicas em

contextos distintos. Pode-se explicar o surgimento dessas comunidades

epistêmicas a partir da crise do neoliberalismo, da ascensão da China e a

valorização das commodities, das transformações na economia global

(crescimento do setor financeiro em detrimento do setor produtivo)? Será que

esse surgimento pode ser atribuído mais especificamente a uma mudança

interna, a ascensão de governos de esquerda mais voltados para a resolução

de questões sociais? Há um componente explicativo comum que indique uma

característica específica da América Latina?

Do mesmo modo, é importante indagar sobre a eficácia dessas

estratégias, isto é, seriam elas capazes de se traduzirem em políticas públicas

e de atingirem o consenso social necessário para que fossem colocadas em

prática? Qual o grau de permeabilidade desses grupos relativamente às

instituições governamentais? Essas comunidades epistêmicas são efetivas

quando se trata de formular e implementar políticas públicas?

A partir dessas questões, buscaremos conformar um quadro das redes

de circulação de ideias sobre o desenvolvimento na América Latina, com foco

nesses três casos específicos.

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