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1 IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Defesa (ENABED) 06-08 de julho de 2016 Florianópolis SC UFSC Área temática: AT7 - Segurança Internacional e Defesa As relações sino-africanas sob a ótica das aquisições de armas: reflexos para o Sistema Internacional Júlia Oliveira Rosa Instituição: Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME)

IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Defesa ... · explica como a política externa chinesa, com Deng Xiaoping, foi focada diretamente para o desenvolvimento econômico,

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IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Defesa (ENABED)

06-08 de julho de 2016

Florianópolis – SC

UFSC

Área temática: AT7 - Segurança Internacional e Defesa

As relações sino-africanas sob a ótica das aquisições de armas: reflexos para o

Sistema Internacional

Júlia Oliveira Rosa

Instituição: Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME)

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RESUMO

Uma das manifestações da ascensão chinesa no Sistema Internacional tem sido o

aumento da sua participação no comércio internacional de armamentos, ainda que

apenas com 5% da parcela mundial (SIPRI, 2016). Na sua busca por recursos

energéticos e também por parcerias econômicas no sul global, a China ampliou a venda

de sistemas de armas e munições para nações africanas, notoriamente por serem mais

baratos e com melhor custo-benefício, com 13% do mercado africano. Além disso, os

documentos de defesa chineses indicam uma preocupação com a resolução de conflitos

em países da África, principalmente o Sudão do Sul. Apesar das críticas dos EUA de

que a venda de armamentos é feita sem escrúpulos para nações com problemas de

direitos humanos, interessa mostrar que esse comércio faz parte de uma estratégia mais

ampla de fortalecimento de laços econômicos com países da África, principalmente na

região Subsaariana. Essa ambição coloca a China em disputa direta com a Rússia pelos

mesmos mercados, ambos possuindo características semelhantes nos sistemas de

armas que vendem, e preocupa os Estados Unidos e a União Europeia, maiores

investidores do continente. Além disso, a possibilidade de aquisição de armamentos

mais baratos é uma alternativa para as Forças Armadas dos países africanos que por

anos dependeram de sistemas de segunda mão, em uma região. Esse fortalecimento

das Forças Armadas vinculado ao aumento das forças chinesas em operações de paz

e promessas de auxílio securitário à União Africana indicam um comprometimento de

longo prazo da China com a estabilidade do continente.

PALAVRAS-CHAVE: África, China, transferência de armas, relações sino-africanas,

Cooperação Sul-Sul.

1 1 INTRODUÇÃO

A ascensão econômica da República Popular da China (RPC) desde a década

de 1970 tem proporcionado uma expansão da sua política externa, tanto regional quanto

internacionalmente, focando principalmente na aquisição de recursos naturais, mas

também presente através de ajuda humanitária, cooperação técnica e investimentos

externos diretos (ESTEVES et al., 2011; POLLOCK, 2007). As relações entre a RPC e

a África existem desde a Guerra Fria, principalmente focando em nações na região

Subsaariana (TAYLOR, 2010). Em janeiro de 2006, o governo da China lançou um white

paper sobre a política chinesa para o continente africano, em que afirma os laços

históricos entre ambos, enfatizando o desenvolvimento mútuo e benefícios comuns da

parceria (CHINA, 2006). Segundo o documento, a China enxerga as relações sino-

africanas como um projeto de longo prazo.

Os Estados Unidos e outras nações ocidentais têm demonstrado criticismo ao

modo chinês de se aproximar dos países africanos, inclusive muitas vezes chamando

de “imperialismo” – através de exportações de manufaturados com preços muito baixos,

construindo infraestrutura e vendendo armas para regimes instáveis (VOLODZKO,

2016a; VOLODZKO, 2016b; VOLODZKO, 2016c). Tal crítica também era feita de

maneira contundente para as exportações russas (STOHL; GRILLOT, 2009, p. 68). De

todo modo, as relações sino-africanas são uma realidade a que o Sistema Internacional

deve se alinhar e analisar de modo crítico.

A isso se relacionado o comércio de armamentos convencionais, ou seja, não

incluindo armamentos nucleares ou armas de destruição em massa. É uma indústria

que movimenta 80 bilhões de dólares anualmente e, como colocam Stohl e Grillot (2009)

envolve praticamente todos os países – seja como exportadores, importadores ou

entrepostos – e aspectos da sociedade (economia, cultura, política, militar). Há uma

dificuldade inerente ao mercado de armas: é uma ferramenta de poder nacional e

proteção da soberania. Assim, também é preciso pensar que a maioria dos conflitos

intraestatais que caracterizam o pós-Guerra Fria foram realizados somente com

armamentos convencionais (STOHL; GRILLOT, 2009). Isso torna a discussão complexa

e, se analisada apenas no âmbito da garantia dos direitos humanos, é difícil encontrar

benefícios – por isso a necessidade de regulação e aderência a tratados internacionais.

Todavia, quando se fala nesse tópico, também consideramos a importância da indústria

de defesa para a economia dos países (direta ou indiretamente), bem como a

necessidade das Forças Armadas para manter a sobrevivência e soberania de uma

nação.

2

O objetivo desse artigo é analisar as relações sino-africanas sob a ótica da venda

de armamentos e munições chinesas1, notoriamente de custo mais acessível do que de

outros produtores ocidentais. A pergunta que guia o trabalho é: qual é a preocupação

da China com o continente africano ao realizar venda de armas?

Acredita-se que essas relações comerciais se inserem no contexto da RPC de

fortalecer laços com países ricos em recursos naturais, necessários para a sua

economia continuar crescendo a passos largos. Uma análise crítica é necessária dos

esforços chineses de fortalecer países parceiros, de modo que mantenham sua

produção estável. Além disso, pela sua natureza política, o governo chinês tende a

encorajar a estabilidade doméstica e integridade territorial das nações ao redor do

mundo – pauta levantada inúmeras vezes em documentos oficiais e na ONU (CHINA,

2006).

2 Construção de uma nova política externa chinesa

A política externa é colocada como “a ação recíproca entre vários agentes

políticos (incluindo indivíduos com necessidades e desejos específicos) e estruturas

formadas por relacionamentos sociais (como o Estado, as organizações e regras são

construídas em conjunto) ”2, segundo conceitos de Alexander Wendt e Walter Carlsnaes

que Lanteigne une e aponta, então, que o maior desafio chinês seria unir esses

diferentes agentes envolvidos no processo de decisão (LANTEIGNE, 2009, p. 1). Os

últimos anos viram a expansão econômica da China e a necessidade de compreender

a formulação da sua política externa tornou-se um ponto importante. O governo da RPC

é comandado pelo Partido Comunista Chinês (PCCh), que está distante de ser uma

entidade com opiniões monolíticas (PATEY, 2016; ZHANG; BRESLIN apud TAYLOR,

2010, p. 3). Assim, a política externa chinesa construída nos últimos anos tem sido parte

de um processo de pluralização da sociedade e interdependência externa (JAKOBSON;

KNOX, 2010), bem como um discurso “multidimensional e omnidirecional”

(SHAMBAUGH, 2013, p. 36).

Durante boa parte da Guerra Fria, a política externa chinesa para a África era

focada em fazer um contrapeso à União Soviética e à manutenção do Movimento dos

1 Para além das exportações, destaca-se que a China é um dos principais importadores de

sistemas militares no mundo. Segundo Fleurant et al. (2016), a China era o maior importador de no início dos anos 2000, tendo decaído desde então (entre 2006-2010 e 2011-2015 a queda foi de 25%). A China importa da Rússia 59% do total das suas aquisições, principalmente na forma de motores (30% das importações). Em seguida, 15% é importado da França e 14% da Ucrânia (FLEURANT et al., 2016, p. 6).

2 No original: Foreign policy has often been described as the interplay between various political

agents (including individuals with specific needs and wants) and structures formed by social relationships (such as the state, as well as organisations and rules which are commonly constructed).

3 Não-Alinhados (POLLOCK, 2007). A partir do final de 1970, David Shambaugh (2013)

explica como a política externa chinesa, com Deng Xiaoping, foi focada diretamente

para o desenvolvimento econômico, ou seja, focando em países desenvolvidos com

tecnologia de ponta e dinheiro para investir na China. À medida que a China cresceu,

as indústrias passaram a requisitar maior quantidade de matéria-prima, petróleo e

mercados, o que levou a RPC a buscar parcerias em regiões como a África e a América

Latina. De todo modo, a China destaca-se por uma política externa que prioriza acima

de tudo o desenvolvimento econômico, diferente do balanceamento que outras nações

fariam em outras áreas internas (SHAMBAUGH, 2013, p. 45).

Como exemplo da pluralização de opiniões, Shambaugh (2013, p. 134)

menciona que a atuação de empresas nacionais de petróleo chinesas (NOCs) tem sido

alvo de críticas dentro do país, a partir da academia. A pluralidade de ação dos

diferentes atores envolvidos na criação da política externa abriria margem para

criticismos, como a atuação das NOCs em Estados considerados “problemáticos”, como

Líbia, Sudão, Síria, Myanmar e Irã, na sua procura por mercados de petróleo com pouca

concorrência de empresas internacionais (SHAMBAUGH, 2013).

2.1 A aproximação entre China e os países africanos

Segundo Pollock (2007, p. 57-58), as relações entre China e os países africanos

datam do Movimento dos Não-Alinhados – a partir da Conferência de Bandung, em

1955, além de um parceiro na “luta contra o imperialismo” (LANTEIGNE, 2009, p. 133).

Durante os anos seguintes, o governo chinês apoiou movimentos de libertação na

África, tal como a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), de modo a incentivar

países a não se alinharem com os Estados Unidos ou com a União Soviética (URSS),

oferecendo também auxílio médico para países em luta, bem como construiu uma

ferrovia entre a Tanzânia e a Zâmbia (LANTEIGNE, 2009; POLLOCK, 2007). O

engajamento seguiu pela década de 1970, com pequeno apoio militar para Argélia3,

Angola, Congo, Moçambique e Rodésia (atual Zimbábue), mas como principal apoiador

do governo de Nyerere na Tanzânia, em 1971 (LANTEIGNE, 2009, p. 133).

Além disso, conforme Volodzko (2016a), a China vinha fornecendo armas para

a Frente de Libertação Nacional da Argélia, e logo depois apoiaria também o Mali. O

embaixador e presidente interino Ferhat Abbas, ao criticar os EUA e o Reino Unido por

apoiarem a França com armamentos, disse que “Nós preferimos nos defender com

3 Segundo Volodzko (2016a), quando a República da Argélia buscou apoio francês em 1958

para ser reconhecida, somente a China, alguns países africanos e do Oriente Médio a reconheceram.

4 armas chinesas do que permitir que sejamos mortos por armas do Ocidente”. Também

durante o apartheid, com a primeira legislação racista sendo lançada em 1948, a China

já apoiava em 1950 o movimento anti-apartheid, sendo que os EUA e a ONU

reconheceriam a situação na década de 1960 (VOLODZKO, 2016a).

Nos anos 1980, o apoio chinês ao continente africano se encerraria com a crise

econômica, o governo de Deng Xiaoping e o início da abertura chinesa (ESTEVES et

al., 2011; POLLOCK, 2007, p. 57). Ao mesmo tempo, a China tentava influenciar outros

países a não reconhecerem o governo de Taiwan e a disputar influência com a URSS

(ESTEVES et al., 2011; POLLOCK, 2007). Após a ação contra os protestos na Praça da

Paz Celestial (Tiananmen), em 1989, que resultou em sanções de países ocidentais,

boa parte das nações africanas se manteve neutra ou apoiando o governo chinês e o

impacto foi positivo nas relações entre a China e os países do Terceiro Mundo

(TAYLOR, 2010, p. 13-14). Interessante também que durante esse período de sanções,

os EUA criticaram quando a União Europeia começou a revender armas para a China

entre 2005-2006, mas esteve ativamente vendendo tecnologia de ponta (cerca de 18

bilhões de dólares) para o país em 2007, além da tecnologia de uso dual4 (STOHL;

GRILLOT, 2009).

No aniversário de 50 anos da Conferência de Bandung, em 2005, a China

reiterou a importância do seu vínculo com o “Terceiro Mundo”, através do “auxílio,

investimento, assistência técnica e apoio diplomático” (POLLOCK, 2007, p. 58). Essa

atitude tem sido bem-vinda em alguns países pela celeridade com que se aprovam

investimentos e projetos de infraestrutura – sem as contrapartidas e relatórios exigidos

pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e outros países ocidentais

(TAYLOR, 2010, p. 2).

Segundo documento oficial da RPC, lançado em janeiro de 2006 e intitulado

China’s Africa Policy, com base nas ideias de solidariedade e cooperação, almeja-se

fortalecer as relações

na arena internacional, conduzir frequentes trocas de visões, coordenar posições em questões internacionais e regionais importantes e apoiar mutualmente nas principais questões referentes a soberania, integridade territorial, dignidade nacional e direitos humanos.5 (CHINA, 2006)

4 Equipamentos de uso dual, principalmente aeronaves, são aquelas que podem servir para

funções militares e civis, tais como transporte de cargas. Diversos países em desenvolvimento investem nesse tipo de tecnologia para movimento a sua base industrial de defesa, pois potencializa o número de clientes.

5 Tradução a partir do original: “in the international arena, conduct regular exchange of views, coordinate positions on major international and regional issues and stand for mutual support on major issues concerning state sovereignty, territorial integrity, national dignity and human rights.”

5

Ou seja, haveria uma política declaratória sobre esforços que permeiam a

estabilidade dos Estados. Todavia, o principal criticismo à presença chinesa na África

tem vindo dos Estados Unidos e nações europeias, que afirmam haver uma nova onda

colonizadora (TAYLOR, 2010; VOLODZKO, 2016a). Os países argumentam que a

leniência da RPC com exigências de respeito aos direitos humanos para a realização

de acordos – e que para os chineses seria interferência em assuntos internos –auxiliaria

na instabilidade do continente africano, afetando negativamente a “democratização” dos

países (POLLOCK, 2007, p. 71-72). Conforme vimos nos exemplos da Argélia e África

do Sul acima, os criticismos atuais devem ser levados em consideração em uma

situação de ampla hipocrisia dos regimes envolvidos – inclusive pensando na parceria

antiga (e ainda atual) entre EUA e Arábia Saudita e EUA-Israel, ambos os países

acusados de violações de direitos humanos na ONU.

Em 2009, os principais países em que a RPC realizava Investimentos Externos

Diretos eram: África do Sul, Sudão, Argélia, Nigéria e Zâmbia, e desde aquele ano, a

China tem sido o principal parceiro comercial do continente (ESTEVES et al, 2011;

VOLODZKO, 2016a). Desde então, as parcerias têm sido em diversas áreas, focadas

no “desenvolvimento/ascensão pacífico” da China, com construção da sede da União

Africana em Adis Abeba, ferrovias na Nigéria, Nairóbi, Quênia, prédios na África do Sul,

fábricas de cimento em oito países, com 4/5 dos funcionários sendo africanos – ao

contrário de críticas advindas dos EUA (LANTEIGNE, 2009; VOLODZKO, 2016a).

Todavia, conforme lembra Volodzko (2016b), esses empreendimentos não estão livres

de criticismos à sua atuação, ainda que muitas vezes não seja claro que há participação

do governo e como alguns exemplos ao longo do trabalho apontam, a atuação de

companhias foge ao ditado pela política externa (pensando aqui no que é produzido

pelo Ministério das Relações Exteriores).

Lanteigne (2009, p. 15-16) ainda aponta que, críticas à parte, “há a questão,

todavia, de se a rivalidade entre China e Estados ocidentais irá se desenvolver como

negociação de acordos comerciais com regiões em desenvolvimento e mercados

emergentes”6. Para o autor, isso estaria apontando para um crescimento da confiança

da política externa chinesa em sair da zona natural da Ásia, com destaque para as

viagens realizadas a partir do governo de Hu Jintao (2003-2012) e a “diplomacia do

petróleo”. Essas parcerias, principalmente na região subsaariana são exemplo da nova

segurança chinesa em expandir sua política externa, mas não sem colisões diplomáticas

e econômicas com os EUA (LANTEIGNE, 2009, p. 103).

6 No original, em inglês: “There is the question, however, of whether a rivalry between China and

Western states will develop over trade deals with the developing regions and emerging markets.”

6 2.2 A transferência de armas: política nacional de sobrevivência e ferramenta de política

externa

A questão acerca da transferência de armas não é levada de maneira leviana e

anualmente, movimenta cerca de 80 bilhões de dólares ao redor do mundo. Segundo

Stohl e Grillot (2009, p. 4) é um mercado controlado principalmente pelos cinco países

que possuem assento permanente no Conselho de Segurança da ONU (China, Rússia,

Estados Unidos, França e Reino Unido), e todos precisam prestar accountability por

seus atos, bem como pensar em mecanismos de controle para essas transferências. O

artigo 51 da Carta das Nações Unidas indica que a produção e aquisição de

armamentos é válida para a garantia da sua defesa individual ou coletiva (STOHL;

GRILLOT, 2009). O uso de armamentos também é visto como política de segurança

nacional, no sentido do seu uso permitir a garantia de interesses vitais contra agentes

externos e adversários, sendo a segurança no continente africano um ponto de

necessidade de segurança (ARLINGHAUS, 1984).

Uma questão que serve como desestabilizador dos países é que, apesar da

produção e comércio legal, muitas armas convencionais terminam seu ciclo de vida no

mercado ilegal (STOHL; GRILLOT, 2009). Boa parte das críticas à indústria de defesa

exportadora chinesa fala da necessidade de transparência nas negociações

(POLLOCK, 2007; TAYLOR, 2010), mas isso tem sido modificado nos últimos anos, à

medida que a China tem mantido notícias oficiais e divulgado dados sobre o seu setor

de armamentos.

Segundo Pollock (2007, p. 72), apesar de dados não oficiais não terem sido

lançados à época, a China teria vendido cerca de 142 milhões de dólares em

equipamentos militares nos 22 anos entre 1955 e 1977. Todavia, durante a Guerra Fria,

os principais exportadores mundiais eram, de longe, Estados Unidos e União Soviética

(STOHL; GRILLOT, 2009, p. 21). Pollock apresenta que documentos do Congresso

estadunidense apontam que no período 1996-2003, a venda de armas chinesas para o

continente teria composto 10% das compras totais dos países africanos. Esse valor

também incluiria vendas para a Etiópia e a Eritreia, que estavam em guerra entre si nos

anos de 1998 a 2000 e sob embargos internacionais, sendo que a China teria vendido

armamentos antes e durante o conflito (POLLOCK, 2007; STOHL; GRILLOT, 2009).

A indústria armamentista da China demorou a se desenvolver, segundo Taylor

(2010, p. 114-115). Em 1992, a China criou um grupo para avaliar as exportações

militares, sob controle do Exército de Libertação Popular e o Ministério de Relações

Exteriores – e o mecanismo foi reavaliado em 1997 e em 2002 para detalhar melhor a

política (STOHL; GRILLOT, 2009, p. 70). A evolução da preocupação chinesa com a

regulação do mercado de armas parece andar em conjunto com o seu maior

7 engajamento em fóruns multilaterais e responsabilidade perante a comunidade

internacional (uma cobrança feita pelos EUA, frequentemente).

Apenas empresas autorizadas pelo governo podem exportar armamentos da

China, tendo que prestar contas à COSTIND (Comissão de Ciência, Tecnologia, e

Indústria para Defesa Nacional), segundo Stohl e Grillot (2009), e também em consulta

ao Ministério das Relações Exteriores. Segundo dados trazidos por Taylor (2010), cerca

de 70% das empresas estatais chinesas opera em perdas, com destaque para as

empresas da indústria armamentista. As empresas estatais também são parte do

processo decisório da política externa chinesa, segundo Patey (2016, p. 2).

O governo chinês afirmou que a exportação de armamentos pelo país segue três

princípios:

(I) a exportação de armas deve ajudar as capacidades de autodefesa dos países importadores; (2) exportações não devem prejudicar a paz, segurança e estabilidade global e regional; e (3) as exportações não devem ser utilizadas para interferir nos assuntos internos dos países recipientes.7 (PEOPLE’S DAILY ONLINE apud STOHL; GRILLOT, 2009, p. 71)

Para discutir essa questão, devemos ter em mente que a construção de uma

política externa não deve ser vista como monolítica ou sob controle de apenas um ator

(LANTEIGNE, 2009; PATEY, 2016; TAYLOR, 2010). Por exemplo, em 2008, com a

proximidade das Olimpíadas de Pequim, a Comissão de Desenvolvimento Nacional e

Reforma da RPC decidiu retirar o Sudão da lista de parceiros preferíveis para

investimentos, duas empresas de petróleo chinesas adquiriram ativos de origem

sudanesa, simultaneamente à venda de armamentos em um momento de tensão na

região de Darfur (JAKOBSON; KNOX, 2010, p. 29-30).

Outro exemplo da diversidade de atores que produzem a política externa é a

Norinco8, a maior e mais famosa empresa produtora de sistemas de armas da China.

Conforme conta Patey (2016, p. 4), a Norinco atuou na Líbia em 2011, negociando a

venda de armamentos. Logo em seguida, a China votou a favor do embargo de armas

no Conselho de Segurança da ONU. Uma situação semelhante se deu em 2014, no

Sudão do Sul, quando a China afirmou que não venderia armas para o governo de Juba,

a Norinco já estava negociando uma aquisição (PATEY, 2016). A posição chinesa em

relação aos conflitos da Líbia, Sudão do Sul e Síria é de neutralidade.

A Aviation Industry Corporation of China (AVIC) é uma das principais estatais

chinesa e lidera o setor de aviação militar e civil do país. A sua subsidiária, a IADC

(International Aero Development Corporation) é a responsável pelo desenvolvimento

7 No original, em inglês: “(1) arms exports should help enhance the self-defence capability of

import countries; (2) exports should not impair regional and global peace, security and stability; and (3) exports should not be used to interfere with the internal affairs of recipient countries.”

8 Cujo nome completo é China North Industries Corporation.

8 para exportação de tecnologias do Exército de Libertação Popular, tais como os caças

FC-20 e o FC-1 Xiaolong (BAKER, 2015). A AVIC já atua na Etiópia, Namíbia, Tanzânia,

Gana, Nigéria, Mauritânia, Djibouti, Sudão, Zimbábue e Zâmbia – afirmando que 80%

das aeronaves em operação no continente africano são de produção chinesa, com

destaque para aeronaves de uso dual9. O Wing Loong I, um veículo aéreo não tripulado

semelhante ao Reaper (de produção dos EUA), já foi vendido para a Nigéria – e tendo

auxiliado na luta contra a organização Boko Haram – e para o Egito (BAKER, 2015).

Segundo dados do SIPRI (FLEURANT et al., 2016), para o período 2011-2015,

a China foi a terceira maior fornecedora de armas no mundo (com 5,9% do mercado),

com grande distância dos EUA, com 33%, e Rússia, com 25%. Em relação à China,

75% das suas exportações são para países da Ásia e Oceania, sendo os três maiores

importadores de produtos chinesas o Paquistão, Bangladesh e Myanmar,

respectivamente. Todavia, foi a segunda maior nação exportadora para países da África

subsaariana em 2015, com 22% do mercado. Do total do continente, os números são

de maioria de importação da Rússia (34%), seguido pela França e China (com 13%

cada) e EUA com 11% (FLEURANT et al., 2016). Verifica-se, segundo Fleurant et al.

(2016), que a China já vendeu duas fragatas para o Marrocos – notoriamente parceiro

francês, mas que também adquire muitos armamentos da Rússia (190 tanques, 42

helicópteros de combate, 14 aeronaves de combate e dois submarinos).

A participação africana no mercado de aquisição de armamentos não é recente.

Contudo, durante os conflitos intra e interestatais que emergiram nos anos 1990, houve

pouco valor agregado nessa participação. Ou seja, as armas eram pequenas e leves,

custando pouco em relação ao mercado internacional: cerca de 6,5 bilhões de dólares,

sendo esse o valor mais baixo das regiões do mundo (STOHL; GRILLOT, 2009, p. 33).

Os 55 países do continente são um mercado amplo e variado, apesar de vínculos

coloniais ainda persistirem em algumas negociações (tais como na Comunidade

Francófona). A partir desses dados acima, nota-se que a participação da China ainda

não é maciça nas compras do continente. Contudo, a China possui uma penetração que

tem sido se expandido desde 2005, mas que já era ampla pré-2005, conforme é possível

verificar no mapa compilado abaixo (Figura 1) pelo IISS (2016). Camarões, Etiópia,

Namíbia, Nigéria e Tanzânia são clientes que têm ampliado as suas participações

(DUCHÂTEL; GOWAN; RAPNOUIL, 2016).

9 No caso, segundo Baker (2015), seriam a Hongdu L-15 e a K-8 Karakorum, sendo essa feita

em produção com o Paquistão.

9

Figura 1 – Mapa dos sistemas de armas exportados da China para a África (2005-

2015)

Fonte: IISS, 2016, p. 21.

3 A situação das Forças Armadas na África e a necessidade de alternativas

As Forças Armadas da África, já colocou Arlinghaus (1984, p. 1), são instituições

dinâmicas, constantemente modificando-se em “tamanho, escopo e natureza”. O

desenvolvimento militar deve seguir quatro questões essenciais: estrutura da força

(tamanho, organização e composição), modernização, sustentabilidade (capacidade de

se manter ao longo do tempo), e prontidão, que se moldam na forma de recursos

10 humanos, mobilização, comando e controle (ARLINGHAUS, 1984)10. Particularmente, o

autor destaca a necessidade de evolução de forças marítimas para proteger a costa e

os recursos naturais além-mar, bem como utilização de aeronaves para patrulha, ainda

que a aquisição de navios e aeronaves seja muito custoso para países em

desenvolvimento e a produção endógena seja praticamente não existente. Conforme

visível na Figura 1, esse parece ser um investimento que tem sido feito pelos países,

possivelmente pela possibilidade de produtos de valor menor. Aqui, Arlinghaus (1984,

p. 20) destaca que a cooperação militar com vizinhos pode ser uma alternativa – o que

o Brasil tem aproveitado, conforme será apresentado.

Em relação aos números, à medida que as economias africanas florescem,

também as aquisições de sistemas de armas no continente africano aumentam. As

importações de armamentos cresceram 19% no período 2006-2010 para 2011-2015,

sendo Argélia, Marrocos e Uganda os maiores importadores, com 30%, 26% e 6,2%,

respectivamente (FLEURANT et al., 2016). Focando na África Subsaariana, vemos que

é a região que possui 41% das importações totais de armamentos do continente.

Uganda (com 15%), Sudão (com 12%) e Nigéria (com 11%) sendo os maiores

importadores aqui (FLEURANT et al., 2016, p. 4). Diversos conflitos têm ocorrido na

região, como na República Centro-Africana, Mali, República Democrática do Congo,

Sudão e Sudão do Sul, e Nigéria.

3.1 A cooperação militar entre China e África

A China também fornece ajuda no âmbito militar para o continente. Entre 2002-

2007 foram 4 milhões de dólares para essa área – contra 17 milhões em infraestrutura

(LUM et al apud ESTEVES et al, 2011). O Fórum de Cooperação China-África (FOCAC)

é também prova da crença dos dois lados em organizações regionais fortes e a China

também demonstra interesse em apoiar a União Africana – inclusive construindo a sede

da organização – e o NEPAD (Nova Parceria para o Desenvolvimento da África). O

plano de ação do FOCAC inclusive menciona a frase “resolução de problemas da África

pelos africanos”, um pensamento que lidera os esforços de integração no continente e

incentivando a manutenção de paz e resolução de conflitos primeiramente pela União

Africana (ESTEVES et al, 2011). Em 2000, a China indicou durante o Fórum que

reformulara sua política de regulação para venda de armas pequenas e leves junto aos

africanos, de modo a evitar o comércio e circulação ilegal (STOHL; GRILLOT, 2009).

10 Ainda que datada de 1984, a obra de Arlinghaus contém diversos elementos ainda

interessantes para essa análise. De modo geral, recomenda-se a leitura do livro para contexto histórico das Forças Armadas e transferências durante o período colonial. Manter-se-á no presente trabalho o seu uso apenas quando dizendo respeito a questões generalistas e desafios enfrentados por Forças Armadas de nações relativamente recentes.

11 Existe uma demanda das Forças Armadas do continente africano por

treinamento e capacitação de pessoal. Um dos pontos presentes no documento chinês

referente à parceria com países africanos menciona a cooperação científica e

tecnológica, inclusive com transferência de tecnologia em campos de interesse comum,

tanto na área de desenvolvimento, como para agricultura e medicina, quanto militar

(CHINA, 2006). Uma das afirmações de comprometimento da RPC também foi de

continuar “auxiliando no treinamento de pessoal militar africano e apoiar a defesa e

construção de exércitos de países africanos para a sua própria segurança” (CHINA,

2006). Assim, conforme colocam Duchâtel, Gowan e Rapnouil (2016), a cooperação

militar-militar entre o Exército de Libertação Popular (ELP) e as Forças Armadas de

países africanos é um dos pilares das relações sino-africanas. O ELP possui relações

bilaterais com militares africanos com foco em “venda de armas, doações de

equipamentos, e programas de educação e treinamento”11 (DUCHÂTEL; GOWAN;

RAPNOUIL, 2016, p. 4).

É ainda no governo de Hu Jintao (2002-2012) que a cooperação com ênfase em

segurança aparece nas articulações e no governo de Xi Jinping, que inicia logo após Hu

Jintao, que se torna mais forte. No âmbito da União Africana e do fortalecimento das

forças de paz da organização, a China também tem mostrado apoio a nações com laços

antigos (Angola e Zimbábue) e novos (República Democrática do Congo), oferecendo

treinamento para militares mais antigos, bem como capacitação para utilização de

equipamentos de desminagem e materiais chineses (DUCHÂTEL; GOWAN;

RAPNOUIL, 2016, p.5-6). Além disso, segundo os autores, a China também realizou

doações de 1 a 2 milhões de dólares para as forças da missão de estabilização na

Somália (AMISOM) – um valor ainda bem atrás da doação da União Europeia (1 bilhão

de dólares). Todavia, o governo de Xi Jinping se comprometeu com doações mais

robustas para as novas forças de resposta da União Africana: a African Standby Force

e a ACIRC (African Capacity for Immediate Response Crisis).

As preocupações com o treinamento das Forças Armadas também estão no nível

das empresas. Segundo Baker (2015), a IADC pretende lançar não apenas centros de

treinamento de aviação na África do Sul, Tanzânia e República do Congo. A primeira

base externa da China foi confirmada em fevereiro de 2016, a ser construída no Djibouti,

como uma base de apoio logístico para atuações no Golfo de Aden – tanto contra

pirataria, quanto operações humanitárias e de manutenção de paz. Para a RPC, a base

serviria também para os interesses securitários dos seus parceiros africanos

(DUCHÂTEL; GOWAN; RAPNOUIL, 2016), mas ainda não ficou claro se haveria

treinamento militar para Forças Armadas vizinhas na base ou exercícios militares

11 No original: “arms sales, equipment donations, and training and education programmes.”

12 conjuntos. De todo modo, a China tem aumentado a sua presença através da ONU e

com maiores responsabilidades humanitárias, o contingente chinês em maior

quantidade fora do território da RPC está nas operações de paz na África, com destaque

para a operação no Mali e no Sudão do Sul, sendo que há uma promessa de Xi Jinping

de 8mil soldados chineses de prontidão para ONU nos próximos anos (DUCHÂTEL;

GOWAN; RAPNOUIL, 2016).

Figura 2 – Mapa da presença chinesa na África.

Fonte: Duchâtel; Gowan; Rapnouil, 2016, p. 3.

O caso do Sudão (e agora também do Sudão do Sul) oferece questões

interessantes para analisarmos pontos positivos e negativos do engajamento chinês na

13 região. Conforme já colocado na seção anterior, há certa discrepância entre a atuação

do governo central e das empresas estatais, principalmente de petróleo. Juntos, o

Sudão e o Sudão do Sul atualmente fornecem cerca de 2% do petróleo que a China

recebe, que é a maior compradora e investidora no setor. À denúncia do presidente Al-

Bashir, do Sudão, para a China em meio ao escalonamento do conflito e logo após a

sua sentença no Tribunal Internacional de Crimes de Guerra, em 2008, o governo chinês

declarou-se neutro e afirmou que as partes envolvidas deveriam evitar piorar a situação

em Darfur (LANTEIGNE, 2009, p. 136). As Olimpíadas de 2008, realizadas em Pequim,

foram apelidadas por críticos de “olimpíadas do genocídio”, de modo a denunciar

negociações da China com o governo sudanês enquanto ocorriam assassinatos em

massa na região de Darfur e a sua falta de vontade em apoiar a ONU com sanções

(LANTEIGNE, 2009; STOHL; GRILLOT, 2009, p. 72).

Todavia, o governo chinês tem incentivado e sido um facilitador das conversas

de paz nos países, e essa movimentação tem sido “um laboratório para o envolvimento

diplomático da China com crise securitárias”, inclusive lidando com atores não-estatais,

algo incomum para o governo da RPC (DUCHÂTEL; GOWAN; RAPNOUIL, 2016, p. 5).

Em 2014, após o acirramento da guerra civil, o governo chinês prometeu encerrar envio

de armas pequenas e equipamentos para o país, num acordo formalizado antes do início

do conflito. Todavia, no ano seguinte, a Norinco – que já havia atuado na Líbia contra a

política ditada por Pequim – vendeu cerca de 100 milhões de dólares para o Sudão do

Sul (VOLODZKO, 2016c).

Ao que tudo indica, o Ministério das Relações Exteriores tem realizado um

esforço concreto em mitigar efeitos negativos da transferência de armas (e do impacto

aos olhos da comunidade internacional), ainda que seja uma exceção nas relações da

China. Além disso, há o comprometimento com as forças de paz da ONU no país,

conforme já mencionado acima, e que têm sido elogiadas por sua atuação.

3.2 Outras opções de aquisição de armamentos para os países africanos

A indústria de armamentos serve ao mundo inteiro, mas é natural que os países

com maior PIB possam adquirir equipamentos de melhor qualidade e produzidos em

centros com grandes avanços tecnológicos, como EUA, França e Rússia. Todavia, à

medida que países em desenvolvimento tentam aumentar as suas capacidades de

defesa, alternativas mais baratas, tais como produzidas por China e Índia, são uma

opção “boa o suficiente” para as demandas de defesa (LIN, 2015).

Expandindo para o âmbito da indústria de defesa de bens com preços reduzidos,

também é preciso citar o investimento indiano na produção própria, de modo a reduzir

vulnerabilidade externas e incentivar a exportação (LIN, 2015). Ainda assim, a Índia é

notoriamente um país importador de armamentos, adquirindo 14% do mercado global –

14 e comprando 39% das suas aquisições da Rússia (FLEURANT et al., 2016, p. 6).

Segundo Fleurant et al., essas importações se dariam pela disputa regional com os

vizinhos, China e Paquistão, e também por sua falta de capacidade atual de produzir

equipamentos de maneira endógena.

Os veículos aéreos não tripulados (ou drones) produzidos pela China, como o

Wing Loong I, são considerados de qualidade inferior aos modelos dos EUA, mas o

preço é ¼ da versão estadunidense (LIN, 2015). A tendência é uma mudança no status

quo do mercado de armas tal qual tem acontecido nos centros econômicos: sair do eixo

Europa-EUA e partir para o eixo China-Índia, e a alta exportação russa também sairia

afetada nesse aumento de concorrência com preços mais acessíveis (LIN, 2015), saindo

do oligopólio que existe atualmente.

Se compararmos esses mapas da África (Figura 1 e 2) com um semelhante das

relações Brasil-África (Figura 3), é possível verificar que o Brasil tem presença tanto

quanto ou até maior que a China na venda de armamentos. Ainda que o Brasil se

caracterize por vender para países africanos armas leves e pequenas, uma

característica do mercado exportador chinês até meados da década de 2000 (STOHL;

GRILLOT, 2009, p. 37), elas são consideradas como mais letais nos conflitos12. Assim,

não é distante o questionamento de que a preocupação de países ocidentais com a

atuação chinesa no continente está muito ligada a dois fatos: (1) a China ampliando a

sua esfera de influência, de modo a contrapor os Estados Unidos como potência capaz

de projeção; e (2) o fato de ser um país com um governo comunista (ainda que uma

economia praticamente de mercado).

Conforme colocam Thompson e Muggan (2015), a cooperação Brasil-África

iniciou no campo da assistência científica, tecnológica e capacitação de recursos

humanos, mas agora recebeu um impulso no âmbito militar. Essa mudança lembra a

relação chinesa com o continente africano desde a sua abertura, focando inicialmente

em infraestrutura e petróleo, mas cada vez mais aumentando a participação militar –

seja através do comércio de armas ou das operações de paz. O treinamento de Forças

Armadas africanas é particularmente bem-vindo, com o Brasil realizando capacitações

nas três forças13.

12 Segundo Stohl e Grillot (2009, p. 83-84), por sua “facilidade de uso e abundância”, as armas

pequenas e leves (small arms and light weapons ou SALW) são amplamente utilizadas, sendo as principais causas de morte dos conflitos desde o fim da Guerra Fria. O Brasil é o maior exportador de SALW na América Latina, com um mercado dez vezes maior que o da Argentina (STOHL; GRILLOT, 2009, p. 87). 13 O Brasil treinou 2.000 pessoas da Marinha da Namíbia, além de realizar treinamentos da Força

Aérea de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique.

15

Figura 3 – Mapa da presença brasileira na África em termos de cooperação de defesa.

Fonte: Thompson; Muggah, 2015.

Segundo dados trazidos pelos autores (THOMPSON; MUGGAN, 2015), o

comércio entre Brasil e o continente africano cresceu de 4,3 bilhões de dólares (2000)

para 28,5 bilhões (2013). A indústria de defesa brasileira no continente tem parcerias

com a Namíbia (principal fornecedor da Marinha do país), tendo acordos de cooperação

assinados com Cabo Verde, África do Sul, Guiné-Bissau, Moçambique, Nigéria,

Senegal, Angola e Guiné Equatorial, com acordos em estudo com o Mali e São Tomé e

Príncipe14. Ou seja, países que, por enquanto, estão fora da atual esfera de influência

14 Destacamos aqui a importância da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa)

para o fortalecimento desses vínculos. O projeto iniciou 1996, tendo sido fortalecido posteriormente pelo governo Lula (2003-2011). Os países membros são: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Ainda na África, Namíbia, Senegal e Maurício são membros observadores.

16 chinesa no continente (exceto Nigéria, Namíbia e Mali) – tornando o estudo da China

pelo Brasil de particular interesse para a indústria de defesa brasileira.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para Pollock (2007, p. 73), nenhuma questão é mais importante para as

relações entre EUA e China do que a presença chinesa na África e o seu impacto na

aquisição de recursos energéticos. Conforme coloca Azevedo (2015, p. 176), “um

ambiente externo politicamente estável é determinante para a RPC continuar a receber

os produtos vitais à sua sobrevivência”. Tais produtos vitais, como petróleo e alimentos,

são a base da relação entre países africanos e a China e são vistos como a principal

preocupação do governo chinês, bem como a manutenção dessa cadeia de suprimento

(AZEVEDO, 2015). Para além das outras questões presentes nesse debate das duas

potências, manter esses recursos sob controle de Estados razoavelmente estáveis e

que permitam que acordos favoráveis sejam feitos é prioridade tanto da China quanto

dos EUA. Há, portanto, uma relação entre a segurança energética e alimentar chinesa

e a venda de armamentos para países africanos, pois são vistos como ponto de

segurança nacional.

Muitas questões são levantadas focando na Cooperação Sul-Sul que a China

realiza – mais horizontal do que a vertical imposta pelo Norte do Sistema Internacional

(ESTEVES et al, 2011). Todavia, é válido questionar essa questão, especialmente no

âmbito da transferência de sistemas de armas. Se a ambição chinesa é manter a sua

neutralidade, mas encorajar a redução das desigualdades no Sistema Internacional,

maior atenção deveria ser dada a atuação num mercado por natureza não neutro.

Contudo, a racionalidade chinesa é bastante compreensível. Uma das principais

preocupações e pautas do Partido Comunista Chinês é a unificação do território, a não-

intervenção estrangeira e estabilidade interna – pela própria história chinesa de

dificuldade de unir tantas minorias em tão extenso terreno, o que se reflete em políticas

pesadas nas populações com âmbitos separatistas, como em Xinjiang e Tibete.

Consideramos então que a China está envolvida em negócios com países que possuem

fortes ameaças internas de grupos que desafiam o governo central, como era o caso do

Sudão – que em 2011 dá origem ao Sudão do Sul, de modo que houve uma modificação

e realinhamento da política externa chinesa. Conforme apresentado, a RPC tem

buscado tornar-se um ator ativo nas negociações de paz da guerra civil sudanesa, com

atuação no âmbito diplomático e em operações da ONU.

Num continente com Estados-nações recém independentes e que precisam

acelerar processos, normalmente demorados, para construir as suas capacidades após

décadas de colonialismo, o papel de um Estado presente nos parece essencial para

17 garantir o bem-estar dos seus cidadãos e o funcionamento das suas instituições. Assim,

a aquisição de armamentos serve muitas vezes para demonstrar poder nacional por um

governo central, frente a outras nações, mas também internamente (STOHL; GRILL,

2009). Obviamente, as faltas e erros cometidos pelos regimes de nações africanas não

devem ser considerados levianos – bem como de outros Estados envolvidos em

conflitos armados.

Por fim, conforme apresentado acima, há uma necessidade de estudo no Brasil

sobre os impactos dessas relações entre China e África. Para além da defesa do pré-

sal e da questão da Amazônia Azul, isso se dá pelo nosso interesse em expandir os

parceiros da indústria de defesa, bem como pelo papel crescente que ambicionamos ter

nas operações de paz realizadas pela ONU. Espera-se que o presente trabalho ajude

na formulação desse estudo.

18 REFERÊNCIAS:

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