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J. Sidlow Baxter examinai as escrituras J uízes a E ster

J-Sidlow - Baxter- examinai as Escrituras- Juízes a Ester

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J . Sidlow B a x t e r

examinai as escrituras

J u í z e s a E s t e r

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examinai as escrituras

*

Através de um estudo sistemático e progressivo, o Dr. Baxter "exam ina" a P a lav ra de D eus n u m a série de lições básicas e am plam ente interpretativas, abrangendo desde o Livro de Juizes até Ester.

Este livro não é um comentário versículo por versículo, nem é tam bém um a série de análises e esboços. Antes, é um completo panoram a dos eventos, lugares e pessoas que compõem a história narrada de Juizes a Ester.

Pastores, seminaristas, professores e estudantes da Bíblia em g e ra l irã o e n c o n tra r a q u i u m a r iq u e z a de m a te r ia l p a ra mensagens, lições e estudos particulares.

N inguém poderá term inar esta série de lições e continuar a m esm a pessoa. Todo estudante receberá um benefício vitalício e se rá in fin ita m e n te ab en ço ad o com estes e s tu d o s p rá tico s e envolventes.

J. Sidlow Baxter é um australiano de Sydney, tendo crescido na Inglaterra . Ele não é som ente um p reg ad o r de hab ilidade e s p a n to s a ; a n te s d e tu d o , é um p ro fe s s o r de c a p a c id a d e com provada por milhares de pessoas que já tiveram oportunidade de o u v i-lo . R ecebeu o g ra u de D o u to r em T eo lo g ia pe lo Seminário Batista Central, em Toronto, no Canadá.

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J . S i d l o w B a x t e r

T r a c I u ç ã o d E

N E y d S i Q U E i R A

SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VJDA NOVA Caixa Postal 21.486 • 04698-970 São Paul o-SP

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Título do original em inglês: EXPLORE THE BOOK

Copyright © J. Sidlow Baxter

R evisões: Lucy Yam akam i e V aléria Fontana

C oordenação editorial: R obinson M alkom es

C oordenação de produção: Eber C ocareli

Primeira edição em português: fevereiro de 1993

Publicado no Brasil com a devida autorização e cc’m todos os direitos reservados porSOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA N O V A

Caixa Postal 21486 - 04698-970 São Paulo-SP

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CONTEÚDO

PREFÁCIO DO A U T O R .................................................................... 7

PREFÁCIO À EDIÇÃO EM PO R T U G U Ê S.................................... 9

O LIVRO DOS J U ÍZ E S ....................................................................... 1-1Lições 24 e 25

O LIVRO DE R U T E ............................................................................. 29Lições 26 e 27

O PRIMEIRO LIVRO DE S A M U E L ............................................... 47Lições 28 e 29

O SEGUNDO LIVRO DE S A M U E L ............................................... 67Lições 30 e 31

O PRIMEIRO LIVRO DOS R E I S ..................................................... 89Lições 32 a 34

O SEGUNDO LIVRO DOS R E I S ............................................ .. 12lLições 35 a 39

OS LIVROS DAS C R Ô N IC A S...........................................................169Lições 40 e 41

O LIVRO DE E S D R A S .......................................................................197Lições 42 a 44

O LIVRO DE N E E M IA S ....................................................................231Lições 45 a 47

O LIVRO DE E S T E R ..........................................................................263Lições 48 a 50

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PREFÁCIO

q u a s e todas as seções compreendidas neste curso bíblico foram aprensentadas em minhas palestras bíblicas das noites de terça-feira na Capela Charlotte de Edimburgo, justificando assim sua forma em tom de conversa, em certas partes. Não são ensaios escritos, mas foram palestras preparadas para serem proferidas em público, e julguei mais acertado deixá-las em seu molde original, acreditando que há certas vantagens práticas nisso. Peço que sejam tolerantes neste aspecto, especialmente se os olhos exigentes de algum conhecedor ou diletante literário passarem sobre elas em sua forma impressa agora estabelecida. Além do mais, em vista de estes estudos terem sido preparados sem intenção de serem publicados mais tarde, tomei em várias partes a liberdade permitida a um pregador, mas não a um escritor, apropriando-me dos escritos de outros. Só espero que minha admiração não me tenha levado a aproximar-me demais da ameaçadora fronteira do plágio. Se isso aconteceu, sinto-me aliviado com a certeza de que só pode ter sido em relação a autores que não estão mais conosco. Minha gratidão jamais será excessiva para com os caros John Kitto, de tempos idos (e, para muitos, obsoleto), John Urquhart, A. T. Pierson, Sir Robert Anderson, G. Campbell Morgan e outros da mesma tradição evangélica. Todos eles foram mestres em seus dias e a seu próprio modo. A todos eles, e a essa incomparável obra composta, o Pulpit Commentary (“Comentário de Púlpito”), devo minha gratidão permanente e presto minha homenagem. Entretanto, no todo, este curso bíblico é basicamente resultado de meu estudo pessoal, e aceito de bom grado a responsabilidade por ele, crendo que dá verdadeira honra à Bíblia como a Palavra de Deus inspirada, em cada uma de suas partes. Que Deus possa empregá-lo graciosamente em um ministério útil para muitos que vivem e trabalham na seara de seu amado Filho, nosso Senhor e Salvador.

J. S. B.

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PREFÁCIO À EDIÇÃO EM PORTUGUÊS

A obra aqui intitulada E X A M IN A I A S E S C R IT U R A S é a segunda parte de uma coleção de seis volumes (dos quais já foram publicados o primeiro do Antigo Testamento e os dois do Novo). Esta coleção surgiu em decorrên­cia do desejo do Pastor J. Sidlow Baxter de oferecer, com lições atraentes e práticas, um conhecimento bíblico básico aos membros da Capela Charlotte, em Edimburgo, na Escócia. O autor teve a feliz idéia de preparar seus estudos de um modo completo para os membros daquela igreja, começando com Gênesis e terminando em Apocalipse, sem escrever apenas mais um comentário.

O autor lança um alicerce agradável e seguro para aquele que deseja apresentar-se como obreiro (ou membro da igreja) “que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2 Tm 2.15).

Neste volume, o Pastor Baxter discorre sobre temas palpitantes contidos de Juizes a Ester. Ele apresenta uma abordagem bastante prática, com várias aplicações espirituais dos eventos, lugares e pessoas que compõem a história narrada por estes livros. Destaque deve ser dado ao estudo dos tipos e antítipos que se encontra praticamente em todas as lições deste volume. Às vezes, Baxter alegoriza o texto bíblico, isto é, aparentemente confere um significado a um trecho ou história bíblica que o autor original não tinha em mente nem podia ter. Nós preferiríamos que ele tivesse deixado bem claro que os textos em pauta “ilustram” verdades, mas não “significam” tais verdades. Podem-se criar analogias e comparações entre fatos bíblicos e realidades teológicas sem ultrapassar o verdadeiro significado do texto original. O Pr. Baxter escreveu estes estudos antes do Concílio Vaticano II. Naquele tempo, a postura da Igreja Católica Romana era de hostilidade e exclusivismo. Muito mudou de lá para cá; portanto, o prezado leitor precisa levar isto em conta.

Em lições sempre práticas e bastante assimiláveis, Baxter oferece incontáveis informações muito iluminadoras àqueles que têm pouco mais do que uma lembrança das histórias narradas nesta porção histórica da Bíblia. Temos convicção de que a popularidade gozada por esta obra em inglês será a mesma que se verificará na sua edição em português. Dentro de pouco tempo, Edições Vida Nova estará colocando à disposição do

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público leitor os últimos dois volumes desta série, que se relacionam com o Antigo Testamento.

Os editores

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O LIVRO DOS JUÍZES (1)

Lição NQ 24

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NO TA: Para este estudo, lei a Juizes por inteiro, preferivelmente de uma só vez.

A Bíblia é o mapa da história. Ela fornece uma visão panorâmica de todo o curso de eventos, desde a criação e queda do homem até o juízo final, com o início dos novos céus e da nova terra. Ela não nos apresenta apenas os acontecimentos, mas também seu caráter moral, mostrando os motivos das várias personagens da peça e o resultado de seus atos. Os eventos são mostrados em relação às suas causas e efeitos, sendo revelado o juízo de Deus sobre seu caráter. Sem a Bíblia, a história seria um espetáculo de rios desconhecidos, correndo de nascentes desconhecidas para mares igualmente desconhecidos. Mas, sob sua orientação, podemos rastrear as correntes complexas até seus mananciais e distinguir o fim desde o começo.

D R . H . G R A T T O N G U IN N E SS

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O LIVRO DOS JUÍZES (1)

C O M O SE R IA B O M se pudéssemos apagar dos registros da história de Israel os vários feitos sombrios e os tristes acontecimentos que formam a maior parte deste sétimo livro do cânon! Lamentavelmente, porém, o pecado de Israel está incrustado em sua história, e mesmo que a nação se arrependa amargamente, ainda assim sua iniqüidade permanece marcada aqui para sempre, podendo ser vista por todos. O Senhor diz, muito tempo depois, através do profeta Jeremias: “Eu vos introduzi numa terra fértil, para que comêsseis o seu fruto e o seu bem; mas depois de terdes entrado nela, vós a contaminastes, e da minha herança fizestes abominação” (Jr 2.7). Como não podemos suprimir esse trágico registro, aprendamos dele; pois, embora seja um patético anticlímax do Livro de Josué, trata-se de um dos livros mais ricos das Escrituras, por suas lições e seus exemplos edificantes.

O nome

Evidentemente, o Livro dos Juizes deve seu nome ao próprio conteúdo, dedicado ao período dos chamados “juizes” de Israel e a alguns desses juizes em particular. Podemos dizer que abrange aproximadamente os primeiros 350 anos da história de Israel em Canaã. Este é o período do regime teocrático, em que o próprio Senhor é o “Rei invisível” de Israel.

Os períodos de 400 anos da história de Israel são dignos de nota; observemo-los:

Desde o nascimento de Abrão até amorte de José no Egito (o período familiar) cerca de 400 anos

Desde a morte de José até o êxodo doEgito (o período tribal) cerca de 400 anos

Desde o Êxodo até Saul, o primeiro rei(o período teocrático) cerca de 400 anos

Desde Saul até Zedequias e o exílio(o período monárquico) cerca de 400 anos

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O período dos juizes encontra-se no terceiro desses períodos de 400 anos, ou seja, o teocrático. A teocracia foi uma gloriosa experiência com possibilidades superlativas; e o fracasso de Israel é mais trágico ainda.

Diz o Dr. Joseph Angus com relação aos juizes como uma classe: “Os juizes (shophetim) aqui descritos não constituíram uma sucessão regular de governadores, mas sim libertadores ocasionais levantados por Deus a fim de salvar Israel da opressão e ministrar justiça. Sem assumir a condição de autoridade real, eles agiam como vice-reis do Senhor, o Rei invisível. O poder exercido por eles parece ter sido comparável ao dos sufetes de Cartago e Tiro, ou ao dos arcontes de Atenas. O governo do povo pode ser descrito como uma confederação republicana, com os anciãos e princípes tendo autoridade sobre as suas próprias tribos”.

Natureza e autoria

É evidente que os registros que nos foram preservados neste Livro dos Juizes são verdadeiros em termos históricos, embora não pretendam manifestamente constituir uma história científica do período de que tratam, pois a primeira característica de uma história científica é o cuidado com a cronologia — sem dúvida algo que falta ao Livro dos Juizes. Sua ênfase está no significado espiritual dos eventos escolhidos e não na simples continuidade cronológica. O que temos é uma coleção de narrativas escolhidas por causa de sua relação com o objetivo principal do livro. Esta seleção deliberada explica por que se ocupou tanto espaço com os episódios ligados a Débora, Gideão, Abim eleque e o deslize vergonhoso de Benjamin, enquanto longos períodos deixaram de ser mencionados. Isto explica também o estranho silêncio a respeito dos sumos sacerdotes no corpo do livro e certas outras peculiaridades. Ou seja, este Livro dos Juizes não se preocupa tanto em formar uma corrente histórica, mas em destacar uma lição vital, a qual será mencionada a seguir.

A autoria do livro é desconhecida, embora a tradição judaica o atribua a Samuel. “Há pouca dúvida de que a maior parte do livro consiste dos registros contemporâneos originais das diferentes tribos. Os detalhes minuciosos e descritivos das narrativas, o cântico de Débora, a história de Jotão, a mensagem de Jefté ao rei de Amom, a descrição exata do grande parlamento em Mispa e muitas outras porções semelhantes devem ser

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documentos contemporâneos.” Todavia, ao mesmo tempo é evidente que esses documentos originais foram editados e compilados posteriormente. Fica claro em 18.31 e 20.27 que a compilação teve lugar depois que a arca foi removida de Silo. Pela repetição da frase “naqueles dias não havia rei em Israel” (17.6; 18.1; 19.1; 21.25), concluímos que a organização foi feita depois do início do reino de Saul, o primeiro rei. Todavia, a menção dos jebuseus habitando em Jerusalém “até ao dia de hoje” (1.21), torna igualmente claro que tal compilação se deu antes da ascensão de Davi ao trono (que expulsou os jebuseus de sua fortaleza — 1 Cr 11.5). O que poderia então ser mais provável do que a mão de Samuel, que liga os períodos dos juizes e dos reis, ter participado em grande parte da obra que chegou até nós?

A referência em 18.30 a um “cativeiro do povo” levou alguns estudiosos a argumentarem que o livro não foi compilado antes da deportação das dez tribos, centenas de anos depois; mas os outros registros de tempo no livro combinam-se contra essa idéia. As palavras evidentemente indicam uma das primeiras servidões no período dos juizes, ainda viva na memória do povo.

Assim, os documentos originais do livro são praticam ente con­temporâneos aos eventos registrados, e sua compilação na forma atual data de algum ponto no reinado de Saul, tendo sido feita — muito provavelmente — pelo grande israelita Samuel. Nas palavras do Dr. Ellicott: “A subordinação de todos os incidentes da história à prática de inculcar lições definidas mostra que o livro, na sua forma atual, foi compilado por uma única pessoa”.

O retrato de Israel

“O caráter moral dos israelitas, como descrito neste livro, parece ter se deteriorado muito”, escreve o Dr. Angus. “A geração dos contemporâneos de Josué mostrou-se corajosa, fiel e, em grande parte, livre da fraqueza e da obstinação que haviam desonrado seus pais (Jz 2.7). Agora, o primeiro ardor deles havia esfriado um pouco e, mais de uma vez, caíram num estado de indiferença que Josué achou necessário censurar. À medida que cada tribo recebia a sua parte, seus integrantes iam se envolvendo de tal forma no cultivo da terra e apreciando cada vez mais o conforto em lugar

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da guerra que cadavez menos mostravam disposição para ajudar o restante do povo. Outra geração surgiu. Vivendo entre idólatras, os israelitas copiaram o seu exemplo, casaram-se com eles e contaminaram-se com as suas abominações (2.13; 3.6). Os antigos habitantes que não foram molestados reuniram forças para atacar a raça escolhida: as nações e tribos vizinhas, tais como os sírios, filisteus, moabitas e midianitas, apro­veitaram-se de sua degeneração para avançar sobre eles. Enquanto isso, a licenciosidade, o conforto e a idolatria, que os hebreus estavam aceitando, prejudicavam seus poderes de defesa.”

O significado geral

Os juizes levantados por Deus eram lições práticas vivas, através dos quais Deus procurou preservar em Israel a idéia de que a fé no Senhor, o único Deus verdadeiro, era o caminho exclusivo para a vitória e o bem-estar. Mas o povo só correspondia na medida em que isso servia ao propósito egoísta do momento — livrar-se do cativeiro e obter proveitos materiais. Eles não passaram a amar mais ao Senhor por Sua paciência constante; nem ao menos passaram a servi-lO num plano inferior, por um senso de dever. Em termos gerais, o Deus de seus pais não passava de um recurso conveniente em tempos de dificuldade. Quando as coisas estavam razoavelmente confortáveis, a traição descarada ao Senhor era a ordem do dia. O povo irritava-se sob as exigências disciplinares do chamado superior feito por Deus a Israel, através de Abraão e Moisés. Eles negligenciavam o livro da aliança e desviavam-se rapidamente, praticando o que era impuro e proibido.

De tempos em tempos, com pena de Seu povo humilhado e sofredor, Deus levantou esses homens, os juizes, cujas façanhas de livramento em resposta à fé demonstrada para com Ele — apesar das vulgaridades e imperfeições de caráter e de comportamento dos próprios juizes — eram tão manifestamente milagrosas que Israel foi forçado a reconhêce-lO novamente como o Deus verdadeiro, sendo assim encorajado a voltar à sua primeira fé e ao seu primeiro amor. Todavia, essas intervenções graciosas não tinham um efeito duradouro, e a obstinação inicial de Israel transformou-se em um endurecimento incurável. Lamentavelmente, isso é muito para os primeiros 350 anos de Israel em Canaã! Eis um patético anticlímax para o Livro de Josué.

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A lição central

Qual a razão desse desvio trágico? A resposta a esta pergunta constitui o propósito maior que domina o Livro dos Juizes. Seu objetivo era expor a causa e o curso da decadência e da ruína de Israel, de modo a estimular a consciência nacional a que se voltasse arrependida para o Senhor; não é difícil imaginar que aquele grande patriota, Samuel, compilou este livro com tal fim em vista. O plano do livro, mencionado abaixo, não nos deixa em dúvida quanto à sua lição central, ou seja:

O FRACASSO DEVIDO À TRANSIGÊNCIA

Cada página do livro contribui para enfatizar esta verdade central. As proezas dos juizes ensinam, naturalmente, que a volta à fé verdadeira proporciona uma vitória renovada; todavia, justamente ao ensinar isto, acentuam a dura realidade central de que todo fracasso se deve à transigência.

Como tudo começou? Bem, no primeiro capítulo ficamos sabendo que. as nove tribos e meia que se estabeleceram em Canaã não destruíram, nem sequer expulsaram, as nações dos cananeus, como Deus ordenara, permitindo que ficassem. As outras duas tribos e meia — Rúben, Gade e metade da tribo de Manassés lamentavelmente já haviam transigido, ao preferirem se estabelecer em Gileade, a leste do Jordão. O primeiro capítulo de Juizes oferece-nos uma lista de oito conquistas incompletas de Judá, Benjamim, Manassés, Efraim, Zebulom, Aser, Naftali e Dá. As outras duas tribos, Issacar e Simeão, não foram mencionadas, mas supõe-se que seu comportamento tenha sido igual ao dos outros. Se dominarmos o mal de maneira incompleta no início, teremos constantes problemas com ele mais tarde e, em geral, acabaremos derrotados por ele no fim. Isso aconteceu com Israel. E vem acontecendo com outros. Devemos precaver-nos! Não é bom cutucar onça com vara curta! É insensato abafar o pecado com panos quentes! A ordem divina para Israel foi severa, mas necessária. A nação acolheu o inimigo e viveu para arrepender-se disso.

A seguir, no segundo e terceiro capítulos, contemplamos o desen­volvimento de outra concessão. Depois de ter dominado apenas par­cialmente os cananeus, Israel fez então uma aliança com eles (2.2) — algo

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que Deus havia proibido. O próximo passo foi aceitar casamentos com eles (3.6) — o que Deus também havia proibido. Após os casamentos mistos, Israel passa a imitar seus costumes, curva-se a seus ídolos, esquece o Senhor e serve a Baal e Astarote (2.13; 3.6). Marque bem esses estágios— domínio incompleto, alianças militares, casamentos mistos, idolatria e completa apostasia — seguidos do humilhante cativeiro (2.14; etc.). Os juizes, misericordiosamente levantados para chamar Israel de volta e livrar a nação, impediam sua ruína por algum tempo, mas esta voltava pior do que antes, no momento em que a sepultura silenciava a voz de cada juiz. Lemos em 2.18,19: “Quando o Senhor lhes suscitava juizes, era com o juiz, e os livrava das mãos dos seus inimigos, todos os dias daquele juiz; porquanto o Senhor se compadecia deles ante os seus gemidos, por causa dos que os apertavam e oprimiam. Sucedia, porém, que, falecendo o juiz, reincidiam e se tornavam piores do que seus pais, seguindo após outros deuses, servindo-os, e adorando-os eles; nada deixavam das suas obras, nem da obstinação dos seus caminhos”.

Esta é então a história trágica do Livro dos Juizes — fracasso devido à transigência. Faça com que essas palavras fiquem gravadas em sua mente e destruam qualquer tolerância negligente de tudo o que for impuro ou suspeito. Não poderemos gozar do repouso prometido por Deus durante muito tempo, se permitirmos que pecados apenas parcialmente destruídos fiquem conosco. Se nos associarmos às coisas suspeitas por parecerem inocentes, logo nos veremos de novo ligados aos desejos da carne e cairemos das alturas às quais Deus nos levantou.

Fracasso devido à transigência! Se Israel pelo menos tivesse atendido à mensagem deste livro! Queira Deus que a igreja transigente de hoje jamais o desconsiderei A palavra de Deus a Seu povo hoje continua sendo a de 2 Coríntios 6.17, 18:

“P O R ISSO , R E T IR A I-V O S D O M E IO D E L E S , SE P A R A I-V O S , D IZ O

SE N H O R ; N Ã O T O Q U E IS E M C O U SA S IM PU R A S; E E U V O S R E C E B E R E I,

S E R E I V O SSO P A I, E V Ó S SE R E IS P A R A M IM F IL H O S E FIL H A S, D IZ O

S E N H O R T O D O -P O D E R O S O ”.

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O LIVRO DOS JUÍZES (2)

Lição NQ 25

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NOTA: Releia todo o Livro dos Juizes, marcando em sua parte principal (do capítulo 3 ao 16) as seis servidões iniciadas com as palavras: “Os filhos de Israel fizeram o que era mau perante o Senhor”.

Esta é então a estrutura básica de Juizes:

O LIVRO DOS JUÍZES

O LIVRO DA DECADÊNCIA

O FRACASSO DEVIDO À TRANSIGÊNCIA

P R Ó L O G O E X P L IC A T IV O - 1-2NARRATIVA PRINCIPAL - 3-16

Apostasia Servidão Libertador

3.5-8 Ao rei da Mesopotâmia, 8 anos

Otniel (3.9-11)

3.12-14 Ao rei de Moabe, Eúde (3.15-30)18 anos (e Sangar, 31)

4.1-3 Ao rei de Canaã, Débora (4.4-5.31)20 anos (e Baraque)

6.1-10 Aos midianitas, 7 anos

Gideão (6.11-8.35)

10.6-18 Aos filisteus etc., 18 anos

Jefté (11.1-12.7)

13.1 Aos filisteus, 40 anos

Sansão (13.2-16.31)

EPÍLOGO ILUSTRATIVO - 17-21

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O LIVRO DOS JUÍZES (2)

A disposição

o p l a n o ordenado deste livro serve por si para defender com bastante firmeza a idéia de sua compilação por apenas uma pessoa e não várias. Os registros de Juizes vão do capítulo 3 ao 16, e são esses capítulos que formam o corpo do livro. Os outros consistem de um prólogo (1-2) e um epílogo (17-21). O prólogo é uma explicação, enquanto o epílogo é uma ilustração. O prólogo explica como surgiram as condições lamentáveis do período. O epílogo ilustra as próprias condições. Desse modo, temos:

Prólogo explicativo (1-2)

Parte principal do livro (3-16)

Epílogo ilustrativo (17-21)

Com relação à parte principal do livro (3-16), não há possibilidade de engano quanto à sua disposição. Doze juizes são citados sucessivamente: Otniel, Eúde, Sangar, Débora (com Baraque), Gideão, Tola, Jair, Jefté, Ibsã, Elom, Abdom e Sansão. Seis deles se destacam mais — pois toda a história concentra-se em seis apostasias e períodos de cativeiro de Israel e nos seis libertadores ou juizes que conseguiram libertar o povo. São eles: Otniel, Eúde, Débora, Gideão, Jefté e Sansão. As seis principais apostasias são assinaladas em cada caso pelas palavras: “Os filhos de Israel fizeram o que era mau perante o Senhor”. Elas ocorrem no corpo do livro apenas essas seis vezes, e em cada caso sobrevêm o juízo com a conseqüente servidão.

O fato de esses seis períodos de servidão de Israel serem considerados como procedentes do próprio Senhor é motivo de surpresa. Primeiro: “Então a ira do Senhor se acendeu contra Israel, e ELE os entregou nas mãos de Cusã-Risataim, rei da Mesopotâmia” (3.8). Segundo: “... o S E N H O R deu poder a Eglom, rei dos moabitas, contra Israel” (3.12). Terceiro: “Entregou-os o SE N H O R nas mãos de Jabim, rei de Canaã” (4.2). Quarto: “... o S E N H O R o s entregou nas mãos dos midianitas por sete anos”

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(6.1). Quinto: “Acendeu-se a ira do Senhor contra Israel, e (o S E N H O R )

entregou-os nas mãos dos filisteus” (10.7). Sexto: "... (o S E N H O R ) os entregou nas mãos dos filisteus por quarenta anos” (13.1).

Os cativeiros de Israel não foram simples acidentes, mas castigos. Este é um ponto a ser seriamente considerado. Deus pode conferir privilégios especiais a certas pessoas e nações, mas Ele não faz acepção de pessoas no sentido de mostrar indulgência para com os favoritos. Os que pecam contra os privilégios especiais têm maiores responsabilidades e incorrem empenas mais severas. Deus talvez conceda muitos privilégios, mas jamais dá o privilégio de pecar. Devemos tomar cuidado para que um sentimento de privilégio não engane nosso coração e nos leve a incorrer no pecado da presunção.

Lendo este Livro dos Juizes, é possível que nos surpreendamos ao ver como um padrão de vida inferior podia associar-se a um chamado tão elevado. Sim — chamado superior e vida inferior. O presidente de uma convenção disse certa vez: “É possível ter boa moral sem ser espiritual; e é até possível ser espiritual sem ter boa moral!” Um paradoxo? Impossível? Todavia, não entramos em contato com pessoas que, tendo conhecimento das verdades mais profundas e elevadas da vida cristã, são capazes de conversar livremente num tom bastante espiritual, mas que, mesmo assim, apresentam um comportamento que faria o não-cristão comum se afastar com repugnância? O conhecimento pode facilmente gerar insensibilidade, e esta pode ser hipocritamente ocultada com um manto exterior de aparente espiritualidade. Devemos vigiar e orar, para não cairmos também nós nesta tentação.

Uma ênfase notável é mantida

A narrativa principal de Juizes é notável por causa de uma ênfase interessante, de quatro aspectos, que é mantida de ponta a ponta. Cada uma das seis apostasias, servidões e libertações está disposta nesta ordem de quatro itens:

P E C A D O

SO FR IM E N T O

SÚ P L IC A

SA L V A Ç Ã O

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Isto pode ser visto de modo fácil e claro, se dispusermos os seis episódios em colunas paralelas, com as palavras e a ordem da narrativa bíblica.

Para nós será valioso gravar essa seqüência quádrupla em nossas mentes, pois ela tem uma excelente aplicação hoje. E possível que, em relação a Israel, o longo período de pecado e sofrimento esteja agora terminando, e a súplica e a salvação do fim dos séculos, que foram profetizadas, estejam próximas.

Os seis episódios

Primeiro3.7-11

Segundo3.12-30

Terceiro4.1-5.31

PECADO “Os filhos de Israel fizeram o que era mau perante o Senhor, e se esqueceram do Senhor seu Deus; e renderam culto aos Baalins e ao poste-ídolo...”

“Tornaram, então, os filhos de Israel a fazer o que era mau perante o Senhor...”

“Os filhos de Israel tornaram a fazer o que era m au p era n te o S en h o r , d e p o is de falecer Eúde...”

SOFRIMENTO “Então a ira do Senhor se a cen d eu con tra Israel, e ele os entregou nas m ãos de Cusã-Risataim, rei da M eso p o ta m ia : e o s filhos de Israel serviram a Cusã-Risataim oito anos...”

“... mas o Senhor deu poder a Eglom, rei dos moabitas, contra Israel; porquanto fizeram o que era mau perante o S en h o r . E a ju n tou consigo os filhos de A m om e os am alequitas, e foi, e fer iu a Israel; a p o d era ra m -se da cidade das palmeiras. E o s filh o s d e Isra e l serviram a Eglom, rei dos moabitas, dezoito anos...”

“Entregou-os o Senhor nas mãos de Jabim, rei de Canaã, que reinava em Hazor. Sísera era o co m an d an te do seu exército, o qual então h ab itava em Harosete-Hagoim...”

SÚPLICA “Clamaram ao Senhor os filhos de Israel...”

“E ntão os filh os de Israel clam aram ao Senhor...”

“Clamaram os filhos de Isra e l ao S en h o r , porquanto Jabim tinha novecentos carros de ferro, e por vinte anos oprimia duramente os filhos de Israel...”

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SALVAÇÃO e o Senhor lhes suscitou libertador, que os libertou: a Otniel, filho de Quenaz, que era irmao de Calebe, e mais novo do que ele” etc.

"... e o Senhor lhes su sc ito u libertador, Eúde, homem canhoto, f ilh o d e G era, benjamita” etc.

“D éb o ra , p ro fe tisa , m ulher de Lapidote, julgava a Israel naquele tem po... Mandou ela chamara Baraque, filho de Abinoão” etc.

Quarto6.1-8.35

Quinto10.6-12.7

Sexto13.1-16.31

PECADO “Fizeram os filhos de Israel o que era mau perante o Senhor...”

“Tornaram os filhos de Israel a fazer o que era mau perante o Senhor, e serviram aos Baalins, e a A staro te , e aos deuses da Síria, e aos de Sidom, de Moabe, dos filhos de Amom e dos filisteus; deixaram o S en h o r , e não o serviram...”

“T endo os filhos de Israel tornado a fazer o que era mau perante o Senhor...”

SOFRIMENTO "... por isso o Senhor os entregou nas mãos dos m idian itas por se te anos...”

“Acendeu-se a ira do Senhor contra Israel, e entregou-os nas mãos dos filisteus, e nas mãos dos filhos de Amom...”

“este (o Senhor) os entregou nas mãos dos filisteus por quarenta anos...”

SÚPLICA “... entâo os filhos de Israel clam avam ao Senhor. Tendo os filhos de Israel clamado ao Senhor, por causa dos midianitas...”

“E ntão os filh os de Israel clam aram ao Senhor, dizendo: Con­tra ti havemos pecado, p orq u e d eix a m o s a nosso Deus, e servimos aos Baalins... livra-nos ainda esta v e z , te rogamos...”

Não há registro de sú­plica, — evidentemente porque haviam dito, corho último recurso: “Livra-nos ainda esta vez, te rogamos” (veja coluna anterior).

SALVAÇÃO “Então veio o Anjo do Senhor, e assentou-se debaixo do carvalho, que está em Ofra, que p erten c ia a Jo á s, abiezrita; e Gideão, seu filho, estava malhando o trigo no lagar, para o pôr a sa lv o d os m idian itas. E n tão o A njo do Senhor lhe apareceu (a Gideão), e lhe disse” etc.

“Então o Espírito do Senhor veio sobre Jefté; e atravessando este por Gileade e M anassés, passou até Mispa de Gileade e de Mispa de Gileade contra os filhos de A m o m ... A ssim foram subjugados os filhos de Amom diante dos filhos de Israel” etc.

“Apareceu o Anjo do Senhor... e lhe disse... e ele (Sansão) começará a livrar a Israel do poder dos filisteus...” (Segue-se o relato de Sansão e suas proezas.)

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Esta ênfase repetida irá, por si mesma, atuar na mente do leitor. Possamos ler, marcar, aprender e digerir interiormente. Existem coisas no reino moral que se acham indissoluvelmente ligadas. O pecado e o sofrimento sempre andam juntos. Não podem ser separados. Seria tão bom se os corações humanos se convencessem disso! É também verdade que a súplica e a salvação igualmente estão ligadas. Deus Se enternecerá com uma súplica sincera em que o mal é abandonado. Ele mostrará então Sua salvação.

GIDEÃO - E COMO ELE AINDA FALA

Alguns dos personagens descritos neste Livro dos Juizes são dignos de um cuidadoso estudo. Escolhemos G ideão para ser mencionado brevemente aqui, a fim de mostrar como essas pessoas nos falam hoje.

Gideão, o quinto juiz de Israel, é relatado com justiça como um dos heróis de destaque na história primitiva da nação. Entretanto, temos de compreender desde o início que seu heroísmo não era produto de um caráter natural, mas sim resultado de uma experiência espiritual transformadora. É isso que o torna importante para nossos dias.

O primeiro contato com Gideão mostra uma figura patética de incredulidade (6.11-23). Ele se apresenta como um jovem furtivo e nervoso, malhando trigo no lagar a fim de escondê-lo dos saqueadores midianitas. Que trágicas exclamações de incredulidade escapam de seus lábios quando o Senhor aparece repentinamente em toda Sua majestade!— pois a leitura do versículo 12 é sem dúvida esta: “O Senhor é contigo, o Senhor Todo-poderoso”, e não aquela que chama Gideão de valente, em lugar do Senhor (como acontece na A R A ). Veja as reações do Gideão ainda não convertido. No versículo 13, ele fala ofegante: “Ai, senhor meu, se o Senhor é conosco, por que nos sobreveio tudo isto? e que é feito de todas as suas maravilhas que nossos pais nos contaram, dizendo: Não nos fez o Senhor subir do Egito? Porém, agora o Senhor nos desamparou...” Uma recepção desanimada: “Ai... por que? ...onde? ... mas ...” E no versículo 14 temos: “Então se virou o Senhor para ele, e disse: Vai nessa tua força, e livra a Israel da mão dos midianitas; porventura não te enviei eu?” Essas foram palavras fortes e cheias de segurança, mas Gideão só conseguiu gemer: “Ai, Senhor meu, com que livrarei a Israel?” O Senhor responde de novo: “Já que eu estou contigo, ferirás os midianitas como se

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fossem um só homem”. Até isto, porém, só desperta um trêmulo “se”: “Se agora achei mercê diante dos teus olhos, dá-me um sinal”. Nas respostas de Gideão temos certamente uma boa amostra do vocabulário da incredulidade. Em suas exclamações e lamentos sucessivos vemos a surpresa cética da descrença, a seguir sua incerteza e sua indagação, sua queixa e sua falsa humildade, sua falta de recursos, sua dúvida persistente e sua busca de sinais. O Gideão não convertido é uma triste representação da paralisia que sempre acompanha a falta de fé.

Gideão transformado

Veja agora, porém, a experiência transformadora de Gideão. Em primeiro lugar, ele foi convertido. Usamos a palavra com ponderação. Quando o “Anjo do Senhor” estava para completar sua visita a ele, Gideão estava plenamente convicto quanto ao verdadeiro Deus de Israel. Note o versículo 24: “Então Gideão edificou ali um altar ao Senhor, e lhe chamou, o Senhor épaz”. O significado do altar é vital, pois ele é sempre o lugar em que Deus e o homem se encontram. Trata-se do símbolo externo de um pacto interno entre a alma humana e Deus. Quando Gideão construiu o altar para o Senhor, ele voltou as costas aos falsos deuses e tornou-se um adorador do Deus verdadeiro. Além disso, Gideão deu ao altar um nome significativo: “o Senhor é paz” (Jehovah-Shalom). Pela primeira vez em sua vida este jovem hebreu teve uma sensação de paz, que é sempre um primeiro produto da verdadeira conversão.

Gideão, contudo, seguiu adiante. Ele se tornou consagrado. Rendeu sua vontade à do Senhor. Leia do versículo 25 ao 27. Precisamos retroceder um pouco nos acontecimentos para apreciar como essa prova foi um grande desafio à nova fé e obediência de Gideão. A ordem para “derribar o altar de Baal” faz-nos lembrar imediatamente de que Gideão vivia numa época de completa apostasia religiosa. Os líderes religiosos de Israel eram “modernistas” e haviam feito o povo se desviar. “Derribar o altar de Baal” era ir contra a vontade popular, arriscando a própria vida. Mas Gideão passou no teste, e como o resultado foi notável! Leia de novo do versículo 28 ao 32. O pai de Gideão também se converteu! O velho homem talvez tivesse suspirado secretamente, saudoso do “passado”, ansiando pelo aparecimento de um valente batalhador que viesse em defesa da fé

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legítima e chamasse seus compatriotas de volta ao Senhor. Agora, quando seu filho se levantou para lutar pela fé, Joás imediatamente aliou-se a ele. Podemos aplicar isso a nós mesmos. Quase sempre, a razão pela qual temos tão pouca capacidade para influenciar os que nos rodeiam, levando-os a Cristo, é que não estamos preparados para assumir uma plena consagração à vontade de Deus.

Finalmente Gideão tornou-se controlado, ou seja, controlado pelo Espírito de Deus. Veja o versículo 34: “Então o Espírito do Senhor revestiu a Gideão, o qual tocou a rebate, e os abiezritas se ajuntaram após dele”. Ele se tornou imediatamente líder e salvador de seu povo. Este reconheceu nele o poder transformador de Deus e o seguiu quando fez soar sua trombeta. A história registrada na Bíblia conta a maravilhosa vitória de Gideão sobre os midianítas e de como ele libertou Israel do jugo estrangeiro.

Que transformação! O homem que fora primeiro convertido e depois se tom ara consagrado estava sendo agora controlado pelo Espírito Santo. O versículo 34 é notável. Uma tradução apropriada seria assim: “O Espírito do Senhor revestiu Gideão dEle mesmo”. A personalidade de Gideão, por assim dizer, tornou-se um traje com o qual Deus se movia entre os homens. Que sermão este homem é para nós! É como Abel, que, “mesmo depois de morto, ainda fala” (Hb 11.4). Esta experiência de salvação da alma e transformação da vida e do caráter, pela qual ele passou, pode ser conhecida por nós — não em seus incidentes exteriores, mas em sua essência interior. Podemos nos tornar verdadeiramente convertidos a Deus, realmente consagrados à Sua vontade e controlados pelo Seu Espírito Santo. Deus pode nos tomar e usar como fez com Gideão. Convertido, consagrado, controlado pelo Espírito! Deus permita que isto se aplique a nós! Precisamos desviar os olhos das circunstâncias que provocam dúvidas e fixá-los na palavra de Deus. “Fiel é o que vos chama, o qual também o fará” (1 Ts 5.24).

A dúvida vê os obstáculos,A fé divisa o caminho.

A dúvida vê a noite sombria,A fé vê o dia.

A dúvida teme adiantar-se,A fé se eleva sublime.

A dúvida murmura: “Quem crê?”A fé responde: “Eu”.

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O LIVRO DE RUTE (1)

Lição NQ 26

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NOTA: Para este estudo, leia todo o Livro de Rute de uma só vez.

Esta é uma das maiores recompensas de se conhecer verdadeiramente as Escrituras. Nenhum outro livro mostra-se uma mina de tesouros preciosos tão inesgotáveis para aqueles que se dispõem a aprofundar-se nele. É um campo para infinitos estudos e incessantes descobertas. O crente mais humilde pode encontrar um tesouro jamais desenterrado por outrem ; é algo, então, especialm ente seu. Nenhuma prova mais indiscutível da origem divina da Bíblia pode ser encontrada do que esta capacidade de revelar a cada leitor devoto algo absolutamente novo.

A R T H U R T. P IE R SO N , D .D .

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O LIVRO DE RUTE (1)

F R E Q Ü E N T E M E N T E encontram-se gemas de valor incalculável em lugares inusitados. Muitas flores raras já se abriram numa fenda rochosa. Arco-íris artísticos iluminam repentinamente os céus mais cinzentos. Vistas belíssimas podem aparecer numa curva de estrada pouco promissora, encantando o viajante. O mesmo acontece com o Livro de Rute, um pequeno mas brilhante e soberbo idílio.

Ele começa com as palavras: “Nos dias em que julgavam os juizes...”. Assim, é evidente que a história pertence ao período abrangido pelo Livro dos Juizes — uma época trágica, como já vimos. Todavia, este episódio, centrado em Noemi, Rute e Boaz, é tão tocante e belo que surge como um contraste redentor depois de nossa penosa leitura do Livro dos Juizes. É uma história encantadora e inesperada em tal cenário.

O Livro dos Juizes deixa-nos com a certeza indiscutível de que a condição geral da época era de deterioração moral; mas o Livro de Rute focaliza outro aspecto do quadro, mostrando que em meio à corrupção generalizada havia exemplos de amor nobre, cortesia piedosa e ideais elevados. Esta história é realmente uma estrela brilhante num céu escuro, uma rosa se abrindo gloriosamente no deserto árido, uma jóia de grande pureza faiscando entre ruínas, um sopro de brisa perfumada em meio à esterilidade circundante.

Mas ele é muito mais do que isso. Se este exemplo de cortesia piedosa foi escolhido pelo autor anônimo e registrado por escrito (talvez por causa de sua ligação especial com Davi e o trono), não podemos supor de forma lógica que representa muitos outros casos entre a decadência que reinava na época, os quais jamais foram relatados e sobre os quais nada sabemos? Há um fundo de verdade na seguinte declaração de Alexander Maclaren: “Os períodos mais negros não foram na realidade tão sombrios como parecem na história”.

Este curto trecho biográfico é apresentado em forma de história. Trata-se de uma série de idílios pastorais ou bicos-de-pena feitos sobre um cenário rural, mostrando a nobre dedicação de uma jovem viúva moabitapor sua sogra judia, também viúva, e a recompensa que mais tarde coroou sua devoção e auto-sacrifício.

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O relato é verdadeiro. A simplicidade transparente confirma sua autenticidade. Este livro fala de acontecimentos e pessoas reais, cujos nomes figuram de fato em registros genealógicos. Diz o Dr. James Morison: “O material da história é de tal natureza que, se não fosse autêntico, sua falsidade seria imediatamente percebida e desmascarada. A essência da história consiste, por assim dizer, de filamentos de grande sensibilidade. Ela estava ligada à genealogia da família real, sendo que os principais personagens eram ancestrais do rei Davi. O fato de haver um elo moabita na cadeia de sua genealogia deve ter sido muito conhecido pelo próprio rei, por toda sua casa e por grande parte do povo de Israel em geral. Provavelmente, sabia-se também que este elo moabita não se achava muito longe na linhagem real. A existência de tal ligação constituía uma peculiaridade importante demais para ser tratada com indiferença. Não podemos duvidar de que toda a história desse caso fosse narrada com freqüência e comentada tanto na corte como fora dela. Portanto, é naturalmente lógico que o escritor tivesse cuidado em não deturpar os fatos. Qualquer inclusão de detalhes fictícios ou romanceados teria sido rejeitada imediatamente tanto pela família real como pelo povo, os dedicados admiradores do rei”.

Jf Características especiais

Este é um dos dois livros das Escrituras que levarti o nome de uma mulher; o outro é Ester. Há um grande contraste entre ambos. Rule_éoima jovem gentia levada p a ra v iv p j p.ntrp. ns hphreus, que sp rasa comum judeu Ha Knhage.m rpal de Davi. Ester é uma jovem judia levada para viver entre gentios, que se casa com um gentio, rei de um grande império. Tanto Rute como Ester foram mulheres boas e importantes. O Livro de Rute, porém, destaca-se num ponto: trata-se do único caso na Bíblia em que um livro inteiro é dedicado a uma mulher.

O Livro de Rute é uma história de amor. Um de seus objetivos é sem dúvida exaltar o amor virtuoso e mostrar como ele pode transpor todas as dificuldades e preconceitos. O notável, porém, é que não se trata do amor romântico entre um rapaz e uma moça, mas sim, nas palavras do Dr. Samuel Cox, “é a história do amor de uma mulher por outra; e por mais estranho que possa parecer aos ouvidos da geração moderna, é o relato do

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intenso e dedicado amor de uma jovem esposa por sua sogra!”Outro aspecto interessante da obra é a universalidade de sua perspectiva.

As três figuras principais do livro são Noemi, Rute e Boaz. Todos são personagens adoráveis; todavia, de alguma forma, sem absolutamente diminuir os outros dois, Rute se sobressai, e a cada reviravolta da história o autor enfatiza habilmente que ela é a heroína, mesmo não sendo israelita como Noemi e Boaz. Quando pensamos na exclusividade zelosa dos judeus da antigüidade, é notável encontrar esta descrição sincera de uma mulher moabita como alvo de admiração. Ela é vista sobrepujando até as filhas de Israel, mas disto não resulta o menor ressentimento e, sim, uma admiração merecida. O fato de a graça e a virtude da bondosa filha de Moabe terem tido um reconhecimento assim tão franco é evidenciado pelo próprio autor. A história inteira é escrita num espírito de caridade e universalidade. “Ela é justa e até generosa ao falar dos que estavam fora das fronteiras israelitas. Não contém qualquer censura a Elimeleque, apesar de ele ter deixado a terra de seus pais para viver entre os pagãos; nem a Orfa, embora tivesse deixado a Noemi. Pelo contrário, registra sua bondade e dedicação em pelo menos pretender ficar com a ‘mãe’, até que Noemi a dissuadiu dessa intenção. Para Rute, entretanto, os louvores se acumulam. O relato baseia-se na verdade de que Cristo tornou-se patrimônio comum da raça, ou seja, de que em qualquer nação Deus aceita um amor puro e desprendido. Em vez de confirmar o privilégio exclusivo do povo escolhido, Ele convida outra raças a se aproximarem e depositarem sua confiança sob as asas do Senhor, mostrando que, no momento em que confiam nEle, os privilégios e bênçãos de Israel passam a pertencer-lhes também.”

Da mesma forma, é surpreendente observar que essa jovem moabita, Rute, não só fez um casamento tão respeitável em Israel como também se tornou a bisavó de Davi (como mostram os versículos finai§]_e uma das mães na linhagem da qual o Messias viria a nascer. Rute é uma das quatro mulheres mencionadas na linhagem messiânica. As outras três são: Tamar, Raabe e Bate-Seba. Elas retratam uma conduta indigna, mas a virtuosa Rute as redime.

Um exame cuidadoso da genealogia a partir de Adão até o nascimento de Jesus mostra que houve cerca de 60 gerações, e que estas parecem dividir-se em seis grupos de dez, com o décimo homem em cada caso representando de forma singular alguma grande verdade relativa à vinda

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do Messias. Vejamos o primeiro grupo de dez:

Jerede Enoque Metusalém Lameque N O É

AdãoSeteEnosCainãMaalaleel

Noé é o décimo homem. Da mesma forma como Satanás procurara fazer abortar a esperança messiânica, justamente no início da história da humanidade, com o assassinato de Abel, agora, nos dias de Noé, ele tenta frustrá-la, promovendo uma corrupção completa e geral da raça. Em meio à depravação, porém, existe um homem que anda com Deus e é íntegro entre os seus contemporâneos (Gn 6.9); quando toda a humanidade é destruída, esse homem e sua família são poupados, e justamente através dele corre a linhagem messiânica. Todo o poder de Satanás e todo o pecado dos homens não podem frustrar o plano do Senhor Deus. Vejamos agora os próximos dez:

Sem ReúArfaxade SerugueSalá NaorHéber TeráPelegue A B R A Ã O

Abraão é o décimo homem aqui. Ele foi o escolhido para tornar-se o pai do povo da aliança, do qual o Messias seria descendente. Deus revela-Se especialmente a ele e faz promessas incondicionais, confirmadas mais tarde com um juramento. Examinemos agora o terceiro grupo de dez:

Isaque RãoJacó AminadabeJudá NaassomPerez SalmomHezrom B O A Z

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Boaz é o décimo homem aqui. O que sabemos sobre ele? É justamente isso que nosso pequeno mas precioso Livro de Rute nos conta (não estaríamos agora chegando a um dos significados mais profundos deste livro?). Foi Boaz quem introduziu a Rute., uma gentia, entre os ancestrais de Davi e na linhagem messiânica. No momento em que Rute entrou nessa linhagem, ela levou consigo todos os gentios (de modo representativo), de forma que agora ambos, judeus e gentios, partilham da esperança comum na vinda daquele que seria a “luz para revelação aos gentios, e para glória do teu povo de Israel”. (O outro “décimo” homem será mencionado mais tarde.) Rute realmente pertence a todos nós, e muito mais ainda aquele maravilhoso Salvador que, na plenitude dos tempos, veio dessa linhagem em que Rute brilha como uma delicada estrela.

A data em que foi escrito

É muito provável que este pequeno livro tenha sido escrito durante o reinado de Davi — como sugerem as seguintes considerações: (1) o primeiro versículo diz: “Nos dias em que julgavam os juizes...” Isto indica que o livro foi escrito depois do período dos juizes, pois o escritor está claramente se referindo a um tempo passado; (2) em 4.7, o escritor fala de um costume que prevalecera em Israel “outrora”. Assim sendo, o livro deve ter sido escrito bem depois do período a que alude, pois o costume mencionado havia caído em desuso — como é evidente pelo fato de o autor se deter para explicá-lo; (3) a genealogia no final do último capítulo vai até Davi, sendo interrompida nele (veja 4.17-22). Mas porque parar nesse ponto, se o livro foi escrito depois dos dias de Davi? E como poderia sequer mencionar Davi se tivesse sido escrito antes de seu tempo? (4) o período do reinado de Davi seria suficientemente longo para permitir que o costume dos primeiros dias ou da metade do período dos juizes caísse em desuso (digamos 100 a 150 anos), o que fica claro pelo fato de que Davi, o sétimo filho de Jessé, era bisneto de Boaz, tendo reinado, portanto, de 100 a 150 anos depois dos acontecimentos descritos no Livro de Rute. Por outro lado, o período do reinado de Davi não seria longo o suficiente para impossibilitar o conhecimento dos detalhes contidos no livro, com relação a pessoas e incidentes que teriam sido esquecidos em dias posteriores aos de Davi; (5) o reino davídico foi uma época literária na história judaica. O

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próprio rei era um homem de letras e atraía outros letrados à sua volta. Davi também era um homem sensível e profundamente humano, havendo certamente se interessado pela recente ligação moabita em sua linhagem. Além do mais, ele estava muito acima da estreiteza de idéias dos judeus em geral e não se envergonharia de seu elo moabita (especialmente em vista de 1 Sm 22.3, 4). A alma cavalheiresca de Davi não iria, de fato, orgulhar-se de sua ligação com alguém como Rute? Assim, concluímos que o Livro dos Juizes provavelmente foi escrito nos dias de Davi; portanto, este acréscimo seleto, referente ao mesmo período, deve ter sido escrito na mesma época.

Como preparo para nossa próxima lição, oferecemos abaixo um esboço simples do Livro de Rute.

O LIVRO DE RUTE

O amor sofredor reina no final

Capítulo 1 — A DECISÃO DO AMOR: (a nobre escolha de Rute)RUTE, A FILHA FIEL — apega-se a Noemi em seu sofri­mento.

Capítulo 2 — A RESPOSTA DO AMOR: (o serviço humilde de Rute)RUTE, A RESPIGADEIRA MOABITA—.responde à ne­cessidade urgente de Noemi.

Capítulo 3 — O PEDIDO DO AMOR: (o terno apelo de Rute)RUTE, A SUPLICANTE VIRTUOSA — apela para o pa­rente bondoso.

Capítulo 4 — A RECOMPENSA DO AMOR: (alegrias conjugais de Rute) RUTE, A ESPOSA E MÃE AMADA — alegra-se na con­sumação abençoada.

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O LIVRO DE RUTE (2)

Lição NQ 27

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NOTA: Para este novo estudo sobre o Livro de Rute, leia toda a história mais duas vezes, verificando o quadro que apresentamos no final da lição anterior.

Quando o último dia terminar,E as noites se acabarem;

Quando o último sol for enterrado Em seu sepulcro azul;

Quando as estrelas forem apagadas como velas,E os mares se acalmarem de vez;

Quando os ventos esquecerem sua argúcia,E as tempestades se forem;

Quando os últimos lábios silenciarem,E a última oração for feita,

O amor reinará imortalEnquanto o universo permanecerá na morte.

Anônimo

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O LIVRO DE RUTE (2)

A história

Capítulo 1

e m a l g u m p o n t o no período dos juizes sobreveio uma fome em Canaã que se fez sentir até mesmo nos distritos férteis, como aquele que circundava Belém. Em vista das dificuldades, Elimeleque, um judeu que habitava em Belém, procurou refúgio temporário na terra de Moabe, levando consigo sua mulher Noemi e seus dois filhos, Malom e Quiliom. Sabemos que se tratava de uma família piedosa, e sem dúvida custou-lhes muito decidir ir embora e buscar sustento entre os idólatras moabitas. Mesmo assim eles se foram e, com certeza, erraram em deixar a terra da aliança de Israel e seu lugar entre o povo eleito. Israel sabia que a fome só era infligida por causa do pecado (Lv 26 etc.).

Chegaram a Moabe; contudo, não foram felizes, pois ao buscarem a sobrevivência, foram privados da própria vida. Buscaram pão, mas encontraram túmulos. Elimeleque morreu primeiro. Seus filhos órfãos casaram-se então com mulheres moabitas (outra coisa proibida — Dt 7.3 etc.) e, pouco mais tarde, eles também se achavam enterrados no solo de Moabe, deixando suas duas jovens viúvas com a mãe Noemi, também viúva.

Dez anos se passaram. Noemi ouve falar da fartura da terra natal e resolve voltar. As duas noras haviam aprendido a amá-la e querem segui-la. Elas ficaram conhecendo o Deus verdadeiro na casa de Noemi. O amor é mútuo. Elas partem com Noemi mas, convencida com bondade, Orfa decide permanecer em Moabe. Rute, porém, aprendeu a amar tanto a Noemi que está preparada para abandonar tudo por causa dela. Num dos pronunciamentos mais nobres já ouvidos, Rute confirma à sogra, a quem tanto ama, sua decisão de ficar com ela; nada, senão a morte, poderia separá-las:

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“Não me instes para que te deixe, e me obrigue a não seguir-te; porque aonde quer que fores, irei eu, e onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus. Onde quer que morreres, morrerei eu, e aí serei sepultada; faça-me o Senhor o que bem lhe aprouver, se outra cousa que não seja a morte me separar de ti” (1.16, 17).

A fim de apreciar o significado do amor sacrificial de Rute neste ponto, precisamos ter uma idéia da importância da insistência de Noemi para que as duas jovens voltassem à proteção da casa de seus próprios pais. Veja os versículos 8 e 9: “Ide, voltai cada uma à casa de sua mãe; e o Senhor use convosco de benevolência, como vós usastes com os que morreram, e comigo. O Senhor vos dê que sejais felizes, cada uma em casa de seu marido”.

Note a palavra “felizes” (a versão de Almeida Revista e Corrigida traz “descanso”): o termo hebraico assim traduzido é menuchah. Ele significa repouso, não tanto no sentido comum, mas no de abrigo seguro. Os hebreus referiam-se à casa do marido usando essa palavra. Ela era o menuchah da mulher, ou refúgio seguro. No Oriente antigo, a situação das mulheres solteiras e jovens viúvas era delicada. O único lugar onde podiam encontrar segurança e respeito era na casa do marido. Só isto podia garantir à m ulher proteção contra a servidão, a negligência ou a licenciosidade.

Era este fato que Noemi tinha em mente quando insistiu na volta de Orfa e Rute, pois queria que buscassem segurança, respeito e honra na casa de seus pais e, depois, “em casa de seu marido”. Noemi não tem mais filhos para que se casem com Orfa e Rute, como lhes diz com tristeza. Se a acompanharem de volta a Israel não há qualquer expectativa de futuro ou de segurança para elas. Se continuarem em Moabe há uma boa possibilidade de encontrarem proteção na casa de um marido. Isso, porém, não acontecerá se viajarem para Canaã, pois é proibido por lei aos israelitas contraírem matrimônio com estrangeiros. Não podemos ter portanto qualquer intenção de censura a Orfa em sua decisão final de ficar em Moabe.

V eja po rém o am or g lorioso de R u te . E m bora conhecesse perfeitamente o preço a ser pago, ela desistiu alegremente de tudo e se dispôs a sofrer qualquer coisa por causa de Noemi!

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Noemi volta então para casa com a moabita Rute, e “ao chegarem ali, toda a cidade se comoveu por causa delas, e as mulheres diziam: Não é esta Noemi?” (1.19). Assim termina o primeiro capítulo e a primeira cena.

Capítulo 2

O capítulo 2 introduz a cena 2, que é de uma beleza tocante. Noemi, em sua completa pobreza, tem de permitir que Rute vá colher os restos da colheita entre respigadores rudes, a fim de levar para casa algum alimento. Rute vai para os campos, cheia de desprendimento, desejosa de fazer esse humilhante mas honesto esforço para obter sustento. Ela é provi- dencialmente guiada a um campo pertencente a Boaz, um rico parente de Noemi. Todas as palavras e atos registrados sobre Boaz revelam sua piedade e bondade. Ele fica impressionado com a graça e modéstia da respigadeira e, depois de fazer perguntas a seu respeito, concede-lhe privilégios e proteção especiais durante todo o período da colheita. Assim, ela pode comer e beber com os respigadores e juntar uma boa porção de cereal, ficando protegida de qualquer atrevim ento da parte dos empregados mais jovens. Rute volta com o primeiro produto de seu trabalho a Noemi, que imediatamente percebe a mão de Deus nos acontecimentos. Rute continua então a respigar nos campos de Boaz durante toda a colheita de trigo e cevada.

Capítulo 3

No capítulo 3 chega a crise, um fato estranho para os ocidentais, devendo portanto ser cuidadosam ente estudado. A colheita term inou. Os encontros diários com Boaz chegaram ao fim. Estabeleceu-se uma ligação entre Boaz e Rute, mas o rico parente não tomou nenhuma providência prática. Noemi percebe a tristeza que envolve o terno espírito de Rute e prepara um plano a fim de descobrir quais as intenções de Boaz e resolver o caso. O expediente estava em perfeita conformidade com o antigo costume hebraico e os ensinamentos da lei mosaica. Não há nele qualquer toque de impureza. Os estatutos mosaicos diziam: “Se irmãos morarem juntos, e um deles morrer, sem filhos, então a mulher do que morreu não se casará com outro estranho, fora da família; seu cunhado a tomará e a

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receberá por mulher, e exercerá para com ela a obrigação de cunhado. O primogênito que ela lhe der será sucessor do nome do seu irmão falecido, para que o nome deste não se apague em Israel” (Dt 25.5, 6).

Quando Noemi enviou Rute a Boaz, como descrito neste capítulo, ela estava, na verdade, pedindo-lhe que obedecesse a esta lei israelita e também, ao mesmo tempo, que desse abrigo marital a Rute, honrando o nome de Malom, seu marido judeu falecido. Boaz entendeu isto claramente, como mostraram suas nobres palavras (3.10-13).

Note como Rute e Boaz usam a palavra “resgatador” (parente). Rute diz: tu és resgatador (parente próximo”; v. 9). Boaz responde: “Ora émuito verdade que eu sou resgatador; mas ainda outro resgatador há mais chegado do que eu” (v. 12). A palavra “resgatador”, em hebraico, é goel; e a lei do goel, parente próximo, é muito interessante. Esta lei é estabelecida em Levítico 25, Números 35 e Deuteronômio 19 e 25. Havia três obrigações que o goel precisava cumprir:

(1) Remir o irmão e a herança do irmão, segundo sua possibilidade, caso a pobreza tivesse obrigado o irmão a servir como escravo ou dispor de sua terra.

(2) Vingar qualquer violência fatal cometida contra o irmão.(3) Conseguir um sucessor para o irmão, caso ele tivesse morrido sem

deixar filhos.

O propósito claro em tudo isso era preservar as famílias israelitas da extinção. A qualificação do goel era que deveria ser um parente consanguíneo ou parente próximo. Cada parente era um dos goelim, mas o parente mais próximo era distintamente o goel.

Voltando agora ao terceiro capítulo de Rute e tendo em mente esta lei do goel, devemos observar como estão distantes de nossas idéias ocidentais modernas as maneiras simples e rústicas que dão o ambiente a esta cena. É com razão que o Dr. Samuel Cox afirma: “Uma era em que o rico proprietário de um latifúndio vasto e fértil colhia cevada e dormia entre montes de grãos no chão da eira (v. 7) é com certeza bem diferente da atual, como também remota. Além disso, o fato de Rute aproximar-se de mansinho do lugar em que Boaz dormia e deitar-se sob a sua capa (v. 7) não passava de uma reivindicação legal feita pela maneira aprovada naqueles tempos”. Quando Rute disse: “... estende a tua capa sobre a tua

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serva”, Boaz compreendeu perfeitamente o apelo da jovem viúva, pedindo sua proteção, pois nos casamentos orientais da antigüidade o marido colocava seu manto sobre a cabeça da noiva, como um símbolo de proteção permanente dali por diante.

Eis, então, o que acontece: Boaz acorda e encontra Rute a seus pés. No início fica surpreso, mas, ao ouvir as palavras de Rute, compreende a situação e mostra simpatia. Sua resposta amável (w. 10-13) revela sua honradez e a de Rute. Conhecemos agora as razões pelas quais ele não propôs casamento a Rute: (1) por ser consideravelmente mais velho; e (2) por não ser o parente mais próximo. É também possível que uma terceira razão ocupasse a mente de Boaz, ou seja, o fato de que Noemi, a esposa do falecido sogro de Rute, tinha mais direitos sobre ele; agora, entretanto, justamente por ter enviado Rute, Noemi havia desistido de seu direito a favor da nora. As “seis medidas de cevada” que Rute levou para casa na manhã seguinte fizeram com que Noemi soubesse que o honrado Boaz não perderia tempo em tomar as providências necessárias.

Capítulo 4

O capítulo 4 é o ponto culminante da história. Boaz faz sem demora um contrato com o parente mais próximo na presença dos anciãos e de testemunhas à porta da cidade, como era o costume. Esse parente anônimo admite sua obrigação e está disposto a comprar a terra que fora de Elimeleque, mas recua quando fica sabendo que, ao fazer isso, deve também tomar uma moabita por mulher, e apresenta a seguinte objeção: “... para que não prejudique a minha [herança]”. Em sua opinião, Malom e Quiliom haviam transgredido a lei ao se casarem com estrangeiras, e as calamidades sobrevindas a eles e a Noemi eram devidas a isso; ele também ficaria sujeito a elas se viesse a casar-se com uma das viúvas. O homem passou então o seu direito a Boaz, reconhecendo isto publicamente através do antigo costume de tirar o calçado e entregá-lo a Boaz — uma prática que tinha origem no fato de que os homens tomavam posse legal das propriedades plantando o pé ou o calçado no solo. Os anciãos e testemunhas na porta então disseram: “Somos testemunhas”.

Rute era muito mais preciosa para Boaz do que a terra. Ela se tornou sua esposa. Através de Boaz, Rute veio a ser mãe de um filho que, por sua vez, foi o pai de Jessé, sendo este o pai de Davi, o maior rei de Israel.

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Quanto a Noemi, sua alegria foi completa. Ela cuidou do menino, e jamais criança alguma teve uma ama mais terna ou mão mais amorosa. As mulheres do lugar disseram a Noemi: “... tua nora, que te ama, o deu à luz, e ela te é melhor do que sete filhos” (v. 15).

Esta história, que começou com fome, morte e luto, termina com plenitude, nova vida e júbilo. O choro durou uma noite, mas a alegria veio com a manhã. O triste início deu lugar a um fim doce e belo. Com uma voz cheia de gentileza e segurança, este precioso Livro de Rute chama-nos do passado, dizendo-nos que o amor que é “longânimo e bondoso ’’jamais deixa de ter sua recompensa no final.

Aspectos tipológicos

Uma leitura cuidadosa deste Livro de Rute parece mostrar que existe um significado tipológico latente e oculto desenvolvendo-se de acordo com o desenrolar da história. Os próprios nomes que ocorrem aqui nos indicam isso, e, uma vez descoberta a pista, podemos segui-la sem hesitar.

A história começa em Belém, cujo nome significa “Casa do Pão” (beyth— casa; lechem = pão). A primeira figura mencionada é Elimeleque, cujo nome significa “meu Deus é Rei” ou “meu Deus é meu Rei” (Eli = meu Deus; meleque = rei). Este israelita, junto com sua mulher Noemi, cujo nome significa “prazer” ou “favor”, deixa Belém, na terra de Israel, por causa de fome, e busca socorro na terra estrangeira de Móabe. Os nomes de seus dois filhos, que levam em sua companhia, são Malom (alegria ou canção) e Quiliom (ornamento ou perfeição). Sob provação, eles se esquecem do lugar da aliança e recorrem a um expediente que envolve transigência. Em Moabe, Elimeleque (meu Deus é meu rei) morre; o mesmo acontece com Malom (canção) e Quiliom (perfeição). Depois de dez trágicos anos, Noemi, a remanescente comovente, volta; mas em vez de continuar sendo Noemi (prazer, doçura, favor), ela passa a ser Mara (amargura), por sua própria palavra.

Se este não é um tipo surpreendente de Israel, estamos muito enga­nados. Israel, como originalmente constituído em Canaã, era uma teocracia. Deus era o rei de Israel. Israel era Elimeleque — e podia dizer “meu Deus é meu rei”. Israel estava casado, por assim dizer, com Noemi— prazer, favor e bênção; e os filhos de Israel eram Malom e Quiliom —

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canção e perfeição. Mas, ao ser provado, Israel cedeu e desviou-se, deixando a anterior lealdade ao Senhor. Elimeleque morreu. Israel não mais podia dizer com um coração perfeito diante do Senhor “meu Deus é meu Rei”. Malom e Quiliom também morreram — a “canção” de louvor e o “ornamento” de santidade piedosa também partiram de vez; enquanto Noemi, a antes “favorecida” e “agradável”, volta finalmente como um triste remanescente, “vazia” e “amarga” como nos dias em que o remanescente de Israel voltou com Esdras e Neemias.

A partir da volta de Noemi, porém, Rute (“graciosa”) assume o lugar de destaque; e ela é um tipo da Igreja. O tipo é composto de três cenas: (1) Rute no campo da colheita; (2) Rute na eira; e (3) Rute na casa de Boaz.

Vemos primeiro a Rute que rebusca no campo da colheita: estrangeira, pobre e destituída, não tendo parte nem porção em Israel ou na promessa da aliança. Ela busca todavia refúgio sob a proteção do Senhor, Deus de Israel, e suplica piedade junto ao bondoso e rico Boaz. O nome Boaz significa “há força nele”; e certamente Boaz, o forte, o rico, o nobre, o generoso, é aqui um tipo de Cristo, enquanto olha para a gentia Rute com favor benevolente e terno amor por ela.

Segundo, vemos Rute que, não tendo esperança em ninguém mais além de Boaz, vai para a eira, apostando tudo, crendo na bondade dele, arriscando tudo em função da honra, bondade e poder remidor de Boaz; achegando-se a ele, pobre e sozinha, mas em amor, porque primeiro foi amada; deitando-se aos seus pés, suplicando o abrigo de seu nome, pedindo a proteção de seu braço, buscando a provisão que só seu amor podia dar e descobrindo nele mais do que a esperança ousara esperar.

Terceiro, vemos Rute que, tendo sido graciosamente recebida pelo Boaz resgatador, une-se a ele como esposa e compartilha da vida dele, de seu lar e de toda sua riqueza e suas alegrias.

A nosso ver, não é preciso uma percepção muito aguçada para deduzir de tudo isto uma belíssima coerência de ensino de tipos relativos a Cristo e à Igreja. Talvez haja maior ênfase sobre Rute; todavia, os paralelos tipológicos acham-se perfeitamente definidos no caso de Boaz. Ao agir como resgatador, ele deve manifestar as três qualificações principais e indispensáveis; ou seja, ele deve ter o direito de resgatar o poder para resgatar e a vontade de resgatar. Cristo, como nosso “G oel”, ou Parente-Resgatador, tem o direito por ser nosso verdadeiro Parente, o poder por ser Filho de Deus, e a disposição graciosa. Nosso Boaz celestial

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não remiu para nós apenas o estado perdido por Elimeleque — um bem terreno; Ele fez de nós Sua noiva, a fim de compartilharmos para sempre com Ele de Sua vida, Seu lar, Sua riqueza e Suas alegrias eternas. Gozamos nEle mais bênçãos do que as que nosso pai Adão perdeu, privando-nos delas!

Contudo, quem é o parente anônimo que não quis resgatar (4.6)? Penso que a resposta pode ser encontrada se lermos novamente as palavras registradas em Deuteronômio 23.3: “Nenhum amonita nem moabita entrará na assembléia do Senhor; nem ainda a sua décima geração entrará na assembléia do Senhor eternamente”. Esse parente não identificado e pouco disposto em Rute 4.6 é a LEI. A lei, por si mesma, é justa, mas não acolhe, não abre espaço, não dá as boas-vindas à estrangeira Rute. O parente anônimo teria pago o preço da propriedade de Elimeleque, se isso fosse tudo que tivesse de fazer (4.4); mas no momento em que ouviu falar que a moabita Rute estava envolvida, recusou-se. A lei também não pode fazer nada por nós como pecadores e espiritualmente estranhos a Deus. Ela não pode perdoar. Não pode purificar. Não pode renovar-nos nem dar-nos poder. Ela só pode condenar-nos. Graças a Deus a moabita rejeitada pela lei é admitida pela graça! Os pecadores contra quem o Monte Sinai troveja — “a alma que pecar, essa morrerá” (Ez 18.20) — escutarão as palavras graciosas do Monte Calvário: “Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida” (Jo 5.24).

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O PRIMEIRO LIVRO DE SAMUEL (1)

Lição N2 28

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NOTA: Para este estudo, leia todo o Primeiro Livro de Samuel e, pelo menos duas vezes, os primeiros sete capítulos.

O que pensar então da Bíblia? Vou lhes dizer claramente o que julgo que devemos pensar. Afirmo que os autores bíblicos, depois de terem sido preparados para sua tarefa por meio da organização providencial de toda a sua vida, receberam além disso uma orientação abençoada, maravilhosa e sobrenatural, como também um estímulo do Espírito de Deus, ficando então preservados dos erros que aparecem em outros livros; assim, a obra resultante, a Bíblia, é em todas as suas partes a própria Palavra de Deus, inteiramente verdadeira quanto aos fatos e completamente soberana quanto aos seus mandamentos.

J. G R E S H A M M A C H E N

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O PRIMEIRO LIVRO DE SAMUEL (1)

d i s s e m o s adeus à gentil Rute e viramos outra página da Bíblia. O Primeiro Livro de Samuel está à nossa frente, apresentando-nos a uma das figuras mais veneráveis da história de Israel e iniciando um novo e comovente capítulo na fascinante narrativa sobre o povo terreno de Deus. Este Primeiro Livro de Samuel encabeça o que chamamos de três “livros duplos” do Antigo Testamento — 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis e 1 e 2 Crônicas. Esses três livros duplos formam juntos uma seção completa, registrando a ascensão e queda da monarquia israelita.

Samuel e Reis

Nos manuscritos hebraicos, 1 e 2 Samuel formam apenas um livro, assim como 1 e 2 Reis e 1 e 2 Crônicas. A divisão em dois livros de cada um, como os temos agora, teve origem com a chamada tradução Septuaginta das escrituras hebraicas para o grego, aceita como tendo sido escrita no século terceiro a. C. Na Septuaginta, 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis são chamados respectivamente de Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto Livros dos Reinos (o plural “Reinos” indica os dois reinos, Judá e Israel). A Vulgata Latina — a famosa tradução da Bíblia para o latim feita por Jerônimo no quarto século A. D. — segue a Septuaginta, dividindo Samuel e Reis em dois livros cada, mas lhes dá o nome de Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto Livros dos Reis (e não Reinos).

A divisão atual em 1 e 2 Samuel foi criticada por alguns eruditos, embora tenha sem dúvida bastante mérito. O Segundo Livro de Samuel é distintamente o livro dos quarenta anos do reinado de Davi. É muito apropriado que um reino tão memorável fosse destacado e registrado em um livro especial. Quanto a este Primeiro Livro de Samuel, ele marca igualmente um período definido: do nascimento de Samuel, o último dos juizes, até a morte de Saul, o primeiro rei, abrangendo um período de cerca de 150 anos.

O Primeiro Livro de Samuel é insuperável no interesse que desperta. Ele não só recapitula os acontecimentos históricos, mas também os

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entretece com as biografias de três personalidades brilhantes — Samuel, Saul e Davi. Os capítulos são agrupados em torno dessas três pessoas:

Como é natural, os três registros se sobrepõem. Samuel vive bastante tempo durante o reino de Saul e vê também Davi ganhar proeminência, enquanto Saul continua a reinar até Davi chegar aos trinta anos de idade. Todavia, 1 Samuel é realmente agrupado como acabamos de indicar. Nos sete primeiros capítulos, Samuel é a figura principal. Nos oito capítulos seguintes, tudo se concentra em Saul, ficando Samuel em segundo plano. Nos capítulos restantes, apesar de Saul ainda estar reinando, não há qualquer dúvida de que a atenção principal está sobre Davi.

No caso de 1 Samuel não há realmente necessidade de nos preo­cuparmos com uma análise detalhada. Fixe bem na mente (e a memória irá reter facilmente os dados) que 1 Samuel é o livro da transição da teocracia para a monarquia e também o livro de três homens notáveis — Samuel, o último dos juizes, Saul, o primeiro dos reis, e Davi, o maior dos reis.

Se nos lembrarmos disso, dificilmente iremos esquecer a mensagem espiritual central do livro. Deus chamara Israel para uma relação singular com Ele, e o próprio Deus era o rei invisível de Israel. O povo fora castigado de tempos em tempos por causa da desobediência. Mais tarde, porém, queriam atribuir grande parte disso ao fato de que não tinham rei humano visível, como acontecia com as nações vizinhas. Agora, finalmente, quando Samuel envelhece e seus filhos se mostram perversos, o povo aproveita a oportunidade para pedir um rei humano. A decisão fatídica está registrada no capítulo 8, que deve ser lido com cuidado. Tratava-se na verdade de um retrocesso, ditado apenas pela aparente conveniência. Era a aplicação da sabedoria humana e não da fé em Deus. Eles preferiram o nível inferior, recusando o melhor que lhes fora

Capítulos 1 a 7 - S A M U E L

8 a 15 - S A U L

16 a 31 - D a v i

u

íí

Aspecto central e mensagem

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concedido por Deus e aceitando a segunda escolha. A diferença é bem grande.

O povo achava que resolveria seus muitos problemas e que tudo seria maravilhosamente facilitado, se apenas pudesse ter um rei humano e visível como as nações ao seu redor. Infelizmente, porém, tiveram de aprender com presteza o quanto estavam enganados, pois novas dificuldades apareceriam exatamente através do rei que haviam exigido. Esta é a mensagem central de 1 Samuel para nós: aumento de problemas por escolherem o caminho aparentemente mais fácil, mas inferior, da sabedoria humana, em vez do caminho de Deus — por escolherem menos do que o melhor de Deus.

Examinemos agora brevemente os três homens notáveis em torno dos quais gira a história. O primeiro deles é Samuel.

Samuel (1-7)

Poucos se igualam a Samuel em termos de caráter, e como agente no desenvolvimento inicial da nação só Moisés pode ser comparado a ele. O ministério de Samuel marca a instituição da monarquia. A partir de agora veremos Israel sob o governo de reis.

Além disso, o aparecimento de Samuel assinala a instituição do cargo de profeta. Havia alguns homens em Israel, mesmo antes do tempo de Samuel, sobre quem o manto da profecia havia caído (Nm 11.25; Jz 6.8).O próprio Moisés é chamado de profeta (Dt 18.18). Mas não havia um ofício profético organizado. Samuel fundou as escolas de profetas e deu origem à ordem profética. Num sentido muito real, portanto, ele é “o primeiro dos profetas”, e tal distinção está no Novo Testamento, conforme mostram os seguintes versículos:

“E todos os profetas, a começar com Samuel, assim como todos quantos depois falaram, também anunciaram estes dias” (At 3.24). “Depois disto lhes deu (Deus) juizes até o profeta Samuel” (At 13.20). “E que mais direi ainda? Certamente me faltará o tempo necessário para referir o que há a respeito de Gideão... de Samuel e dos profetas” (Hb 11.32).

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Samuel é, pois, uma figura marcante. Ele termina o período dos juizes, encabeça a ordem dos profetas, dá origem ao primeiro grande movimento educacional na nação; coloca o primeiro rei de Israel no trono e, mais tarde, unge Davi, o maior de todos os reis de Israel. Resumimos nos comentários abaixo um ótimo artigo sobre Samuel, incluído no Pulpit Commentary.

Seu aparecimento oportuno

O preparo de Israel fora excelente. As tribos haviam cresci dc daquela cultura mental com a qual o Egito sobrepujara o mune sob a liderança culta de Moisés, fora feita a entrega da ld , \jlfKÍrábora simplesmente preparatória em certos aspectos civ is^\j^B Íistrativos, continha um resumo dos princípios fundamentaisn^morarque jamais foi superado. Por maior que fosse a in fluência^w o^s< 3> ore Israel, não devemos pensar que o povo se elevara artpveKam que ele mesmo se encontrava. Mal Moisés e sua geração^èSapai^ceram, o povo voltou ao barbarismo. Em lugar de compr^é^terçHwnobre ideal que seu legislador planejara para eles, afundavam c a d ^ g z mais (como visto em Juizes), até que a nação chegou ao/pqrito de quase desaparecer. Os filisteus, fortalecidos por u m Jh p ^ ^ w sm te de imigrantes e a importação de armas da Grécia, estavamVEfòq^mente reduzindo Israel a uma raça escrava. Assim, a neg^X rf& ^vJüdá em conquistar a costa marítima nos primeiros dias (Jz l.l^TO V^tava agora pondo em perigo a independência da nação.

1 tó eb ia que Israel iria ser inevitavelmente esmagado, Samuel ía. Jamais as coisas pareceram tão desesperadoras. Mesmo

íuel deteve a decadência da nação, ajudou-a a tornar-se um ínp ordeiro e próspero e colocou-a no caminho que levava a seu destino íblime, a fim de ensinar a humanidade sobre o Deus verdadeiro; mas isto

Sua obra educacional

Samuel dedicou-se à tarefa de dar à nação cultura mental e um governo ordeiro. Estas eram as necessidades mais urgentes. A base de toda a sua reforma foi a restauração da vida moral e religiosa do povo. É preciso

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começar sempre nesse ponto. Além do mais, Samuel era demasiadamente sábio para confiar apenas em sua influência pessoal. Muitos homens de grande influência em sua época nada deixaram de duradouro. Se Israel tivesse de ser salvo, seria através de instituições que exercessem pressão contínua, empurrando o povo para cima, para um nível superior. O meio que ele empregou para este crescimento interno da nação foi a fundação de escolas. Estas, além de elevar Israel a um nível mental mais alto, auxiliariam na adoração do Senhor, ao transmitir idéias verdadeiras sobre a natureza divina. Samuel deve ter visto com freqüência que o principal obstáculo para seu trabalho como juiz de Israel era a condição mental inferior do povo. Não havia no meio da nação homens cultos para ocupar um cargo oficial ou administrar a justiça. O patético fracasso do talentoso rei Saul mostra isto e prova que Samuel estava certo ao hesitar em levantar um rei. As escolas eram prioritárias. Através delas, toda a condição cultural de Israel progrediria e homens seriam preparados para exercer uma liderança de alto nível. Essas escolas foram abertas em toda parte. Nelas, os jovens aprendiam a ler e escrever, adquirindo conhecimentos. Davi foi um produto delas, assim como a maioria de seus líderes. Surgiu um sistema de educação nacional. Outros resultados viriam, dos quais o mundo inteiro ainda hoje obtém benefícios. Se não fosse por isso, tal conjunto de homens inspirados que nos legaram as Escrituras teria sido impossível. Isaías e seus companheiros eram homens cultos, falando a um povo culto. Tanto o Antigo como o Novo Testamento são em grande parte resultado das escolas de Samuel.

Outra grande obra de Samuel foi o preparo da monarquia cons­titucional, mais um fato que o colocava muito além de sua época. Até certo ponto, ele não se mostrava favorável a isso, pois sabia que a hora não era oportuna. Uma monarquia limitada só é viável em meio a um povo culto. O Livro do Reino escrito por Samuel (1 Sm 10.25) não poderia influenciar muito um Saul que não sabia ler nem escrever; e Saul aproximou-se muito daquilo que Samuel temia. O governo que Samuel desejava estabelecer era o de um poder real nas mãos de um leigo, mas agindo em obediência à lei escrita de Deus e à Sua vontade, conforme declarada de tempos em tempos pela voz viva da profecia, que apelaria para o senso moral do rei. Não foi senão quando Samuel educou Davi que apareceu uma pessoa preparada para o trono. Apesar de suas faltas particulares, Davi, ao contrário de Saul, jamais tentou colocar-se acima da lei de Deus ou sequer

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manipulá-la em seu próprio benefício. Ele se manteve estritamente dentro dos limites estabelecidos.

Começamos a perceber como foi grande a figura de Samuel. Ele deu início ao primeiro movimento no sentido da educação nacional e moldou a monarquia constitucional da nação. De fato, Samuel é um grande homem.

O PRIMEIRO LIVRO DE SAMUEL

A TRANSIÇÃO DA TEOCRACIA PARA A MONARQUIA

SAMUEL: O ÚLTIMO DOS JUÍZES (1-7)S E U N A SC IM E N T O E S U A JU V E N T U D E (1, 2)S E U C H A M A D O E S E U O FÍCIO (3)S E U S T E M PO S E S E U S A T O S (4-7)

Resumo — 7.15-17

SAUL: O PRIMEIRO REI (7-15)S U A E S C O L H A C O M O R E I (8-10)S E U IN ÍCIO P R O M ISSO R (11-12)S U A IN SE N S A T E Z E S E U P E C A D O PO ST E R IO R E S (12-15)

Rejeição — 15.23,28, 35

DAVI: O SUCESSOR UNGIDO (16-31)S U A U N Ç Ã O R E A L IZ A D A P O R S A M U E L (16.1-13)S E U SE R V IÇ O D IA N T E D E S A U L (16.14-20)S E U S A N O S C O M O F U G IT IV O (21-30)

Morte de Saul — 31

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O PRIMEIRO LIVRO DESAMUEL (2)

Lição N2 29

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iVOTA: Para este novo estudo sobre o Primeiro Livro de Samuel, leia novamente do capítulo 8 até o fim.

Quando um homem se desprevine por um momento, com toda probabilidade ficaremos sabendo mais verdades a respeito dele do que em todas as suas tentativas de revelar a si mesmo ou de ocultar-se. A consciência sempre presente, mas geralmente oculta, relampeja nesse instante. Ele mais tarde pode desculpar-se e dizer que não queria realmente dizer o que disse. O fato é que foi surpreendido, dizendo aquilo em que pensava constantemente. Com toda probabilidade Saul jamais dissera isso antes e jamais repetiria; mas ele estivera pensando nisso por muito tempo: “Fui insensato”. O homem não pode escapar da verdade nua sobre si mesmo enquanto continua no uso da razão. Ele pode praticar a arte do engano tão habilmente que não só deixa de revelar-se a seus semelhantes como também em sua loucura inconcebível imagina que se escondeu de Deus; contudo, jamais ocultou-se de si mesmo, e em algum momento de tensão e pressão, acaba por dizer o que estava pensando todo o tempo. ,

Saul dormira profundamente naquela noite, pois o registro nos diz que da parte do Senhor Jhes havia caído profundo sono” (1 Sm 26.12). Ele

acordou com a voz de Davi, chamando-o do monte oposto. Ao despertar, ficou alerta, com o espírito aguçado, não se sentindo pesado por ter comido demais nem entorpecido pelo vinho. Tudo se achava claro e límpido ao seu redor, como acontece muitas vezes quando acordamos. Foi então que percebeu tudo e exclamou: “Eis que tenho procedido como louco”. Esta é toda a história do homem.

G. C A M P B E L L M O R G A N

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O PRIMEIRO LIVRO DE SAMUEL (2)

COMO já dissemos, este primeiro Livro de Samuel é o livro da transição da teocracia para a monarquia, e será bom nos lembrarmos sempre disto, à medida que procuramos ter uma idéia geral dos livros da Bíblia. Vimos também que este livro concentra-se em três homens — Samuel, Saul e Davi. Samuel, o último dos juizes, já foi estudado, e agora voltamos nossos pensamentos para Saul, o primeiro dos reis. Antes, porém, é preciso observar cuidadosamente como ocorreu a mudança dos juizes para os reis.

A TRANSIÇÃO DOS JUÍZES PARA OS REIS

O pedido

A mudança aconteceu devido à insistência do próprio povo, como vemos no capítulo 8, que marca o ponto crítico. Veja os versículos 4 e 5: “Então os anciãos todos de Israel se congregaram, e vieram a Samuel, a Ramá, e lhe disseram: Vê, já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus caminhos; constitui-nos, pois, agora, um rei sobre nós, para que nos governe, como o têm todas as nações”. Como afirma o Dr. Kitto, “a exigência não era de uma plebe ignorante e iludida, mas o pedido solene e deliberado dos anciãos de Israel — aqueles cujos anos ou alto posto na nação lhes davam maior peso e influência. Não se tratava de um impulso momentâneo, mas sim do resultado de deliberação e conferência prévias, pois os anciãos foram a Ramá com o propósito de apresentar o assunto ao profeta. Sem dúvida alguma, eles se reuniram e consideraram a questão muito bem, antes de darem um passo com tanta resolução”.

Sua aproximação de Samuel foi marcada pelo respeito. Eles não estavam descontentes com o profeta em si; mas em vista de sua idade avançada e do comportamento insatisfatório dos filhos dele, queriam insistir para que o governo passasse a ser uma monarquia, enquanto Samuel ainda se achava entre eles e com a aprovação de sua autoridade. Eles realmente deliberaram e consideraram; mas, mesmo assim, não tinham razão. Seus olhos novamente se afastavam de Deus. Um pedido

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como este jamais seria produto de oração. Os anciãos realizaram uma reunião de comissão e não de oração! Agora estavam determinados a dar um passo para trás, em vez de avançar com Deus. Quantas vezes a incredulidade é revestida com a sabedoria corporativa das comissões!

A resposta

A reação de Samuel ao pedido é dada no versículo 6: “Porém esta palavra não agradou a Samuel, quando disseram: Dá-nos um rei, para que nos governe. Então Samuel orou ao Senhor”. A resposta divina foi esta: “Atende à voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não te rejeitaram a ti, mas a mim, para eu não reinar sobre eles... Agora, pois, atende à sua voz, porém adverte-os solenemente, e explica-lhes qual será o direito do rei que houver de reinar sobre eles”. Samuel tentou então dissuadi-los (10-18), mas sem êxito, pois os versículos 19 e 20 dizem: “Porém o povo não atendeu à voz de Samuel, e disseram: Não, mas teremos um rei sobre nós. Para que sejamos também como todas as nações; o nosso rei poderá governar-nos, sair adiante de nós, e fazer as nossas guerras”. O pedido transformou-se então em exigência; e Deus fala novamente a Samuel: “Atende à sua voz, e estabelece-lhe um rei” (v. 22).

Devemos notar portanto três coisas sobre esta exigência de um rei. Primeira, sua razão externa era a depravação dos filhos de Samuel. Segunda, o motivo interior era que o povo fosse como as outras nações. Terceira, o significado mais profundo era que Israel rejeitara a teocracia, sendo esta a questão mais séria de todas, enfatizada na resposta divina: “Pois não te rejeitaram a ti, mas a M IM , para eu não reinar sobre eles”. Quantos cristãos brilhantes foram prejudicados por desejarem ser como as pessoas do mundo a seu redor, como fez Israel ao exigir um rei humano!E como é traiçoeira a tentação de apoiar-se no que é visível e humano, em vez de repousar no Deus invisível! Todos nós nos inclinamos para essa tentação; mas ceder a ela significa colher tristezas.

O resultado

O povo exigiu e exerceu o que hoje é chamado de “direito de livre-arbítrio”. A mudança da teocracia para a monarquia foi decidida por

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eles. Deus lhes deu um rei e constituiu um sistema monárquico. Parecia que Israel havia se cansado de uma forma teocrática de governo, na qual seu bem-estar dependia de uma conduta correta. Eles talvez supusessem vagamente que um governo sob um rei humano os aliviaria um pouco dessa responsabilidade, já que seu bem-estar dependeria mais do tipo de governo e das qualidades do próprio rei.

Ao dar-lhes um rei, porém, Deus resguardou os interesses morais da nação, constituindo uma monarquia que preservava ao máximo os princípios do governo teocrático: o rei deveria responder diretamente a Deus, e o povo também se tornaria responsável perante Ele, através de seu rei. Este não deveria ser autocrático, mas teocrático. O profeta e o sacerdote colaboravam com o rei na qualidade de oficiais, em lugar de lhe serem subordinados; pois também dependiam diretamente de Deus. Como é natural, na qualidade de homens e cidadãos eles estavam sujeitos ao rei, da mesma forma como todos os demais. Já mencionamos antes que o governo seria de um poder real nas mãos de um leigo, mas agindo em obediência à lei escrita de Deus e à Sua vontade, declarada de tempos em tempos pela viva voz da profecia. Assim sendo, quando nos referimos à mudança da teocracia para a monarquia, não pretendemos dizer que todos os princípios do governo teocrático haviam sido abolidos. A respon­sabilidade teocrática continuava através da monarquia; mas a teocracia absoluta cessara.

Observações

Podemos compreender os sentimentos dos líderes de Israel ao insistirem em ter um rei humano. Ao que tudo indica, havia sinais de problemas surgindo no horizonte: por parte dos filisteus, sempre prontos para a guerra, no Ocidente, e por parte dos amonitas, no Oriente (12.12). É possível entender igualmente a ansiedade de Israel pelo fato de não haver ninguém destacado entre eles, seja pela capacidade ou pela posição, para liderá-los nos conflitos que provavelmente teriam de enfrentar. O desejo de uma visível dignidade de estado, como tinham as nações à sua volta, pode ser também compreendido, pois a mente oriental é eminentemente régia. Talvez fosse um estigma sobre Israel o fato de não haver um cabeça real da nação. Todavia, devido aos privilégios teocráticos e ao chamado superior de Israel, esta exigência peremptória de um rei humano constituía

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um erro grave.O pedido do povo por um rei fora previsto na palavra de Deus através

de Moisés. Veja Deuteronômio 17.14-20. Talvez os anciãos de Israel deduzissem disso que era desejo de Deus estabelecer um governo monárquico entre eles — e talvez tivessem razão. Todavia, mesmo assim, o mínimo que deveriam ter feito seria buscar o conselho de seu rei divino a respeito disso. Note ainda que, em vez de ficarem reconhecidamente ansiosos por preservar a liberdade e o direito público que possuíam sob a teocracia, eles insistiram em ser governados ao estilo dos povos que os rodeavam. Em outras palavras, insistiram em desistir de seu governo brando em favor de uma soberania humana despótica. Samuel adverte-os solenemente da loucura que estavam cometendo e dos resultados que poderiam sobrevir. Veja 8.11-20. Um rei desse tipo iria tomar seus filhos e filhas para servi-lo, trabalhar para ele e guerrear por ele. Tomaria seus campos e vinhas, assim como o dízimo de suas sementes e colheitas, dos rebanhos e de outros bens. Ele faria ainda mais, de modo que se lamentariam por sua causa. Sem dúvida, as palavras de Samuel descreviam corretamente os governos monárquicos que existiam naquela época nas redondezas de Israel. Não obstante, sem temer coisa alguma, os líderes de Israel mostraram-se prontos a desistir de suas preciosas imunidades! O fato de a monarquia instituída em Israel não ser despótica como as que cercavam a nação, diz o Dr. Kitto, deveu-se “ao cuidado perspicaz e previdente de Samuel, agindo sob a orientação divina, assegurando desde o início que as liberdades que o povo tão voluntariamente atirava ao fogo não fossem abolidas”.

Saul, o primeiro rei de Israel

Saul, o primeiro rei de Israel, é uma das figuras mais notáveis e trágicas do Antigo Testamento. Se tivermos qualquer sensibilidade em relação aos valores supremos e questões vitais da vida humana, a história de Saul representará um desafio para nós. Em certos aspectos ele foi grande; em outros, insignificante. Em alguns pontos ele chamou atenção pela sua beleza; em outros, mostrou-se definitivamente feio. Saul começou a reinar com grande firmeza, mas em breve decaiu, decepcionando a todos, e terminou de maneira tão lamentável que o processo de decadência que o

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arruinou se torna monumental para todos que prestam atenção. Notemos as três fases principais de sua carreira: (1) o início promissor; (2) a decadência posterior; e (3) o fracasso final.

O início promissor (9-12)

Jamais um jovem mostrou-se tão promissor ou teve possibilidades tão brilhantes em sua juventude. Para começar, ele se distinguia por uma superioridade física surpreendente. Saul é descrito como “moço, e tão belo que entre os filhos de Israel não havia outro mais belo do que ele; desde os ombros para cima sobressaía a todo o povo” (9.2). Tinha saúde, altura e beleza. Embora o aspecto físico não seja a parte mais importante do homem, um físico tão esplêndido como o de Saul representava um bem maravilhoso, dando-lhe a vantagem inicial de mostrar-se imediatamente cativante.

Em segundo lugar, o jovem Saul demonstrava certas qualidades de caráter altamente recomendáveis. Lemos sobre sua modéstia (9.21; 10.22), discrição (10.27) e espírito generoso (11.13). Havia também outras excelentes qualidades — o respeito pelo pai (9.5), sua valentia e bravura (11.6, 11), sua capacidade para amar intensamente (16.21), sua oposição enérgica a males como o espiritismo (28.3) e sua evidente pureza moral nas relações sociais.

Em terceiro lugar, Deus lhe dera instrumentos especiais quando ele se tornou rei. Lemos: “Deus lhe mudou o coração”, de modo que passou a ser “outro homem” (10.6, 9). Outrossim, “o Espírito de Deus se apossou de Saul, e ele profetizou” (10.10). Essas expressões indicam que Saul sofreu uma renovação interior e se achava sob a orientação especial do Espírito Santo. Isso não é tudo; ele recebeu “uma tropa de homens cujos corações Deus tocara” (10.26). Saul tinha também um conselheiro de confiança junto de si, o inspirado Samuel. Para coroar tudo isso, Deus marcou o início do reinado de Saul, concedendo uma vitória militar retumbante, que conquistou a confiança do povo para o novo rei (11.12).

Este era o jovem e promissor Saul. Extraordinariamente rico em talentos naturais e preparado de modo especial por meio de dons sobrenaturais, seu futuro parecia de fato brilhante. O chamado para ser rei foi uma oportunidade ímpar, dada a um homem em um milhão. Chamaram-no para reinar, sendo sua realeza apoiada pela constituição.

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Ele foi chamado para a soberania teocrática, e Deus o qualificou sobrenaturalm ente para isso. Q uanta chance para uma gloriosa colaboração com Deus! Que oportunidade para abençoar os homens! Ele não demonstrou qualquer dos sintomas de vanglória que outros, menos talentosos, teriam deixado entrever ao galgarem de súbito uma posição superior. Sua ascensão ao trono de Israel sem dúvida foi uma manhã de promessas.

A decadência posterior

A promessa inicial de Saul infelizmente provou ser uma alvorada logo encoberta por nuvens sombrias. Apostasia, decadência, degeneração, desastre — esta é a escala funesta e decrescente que logo se estabelece, até que este herói-gigante morre de modo ignóbil, cometendo suicídio devido à sua perturbação mental.

A primeira apostasia ocorreu logo no início. Veja o capítulo 13. Tratava-se de um ato de orgulho irreverente. Os filisteus estavam prontos para pelejar contra Israel. Saul recebeu ordens para aguardar Samuel em Gilgal. Quando parecia que o profeta não viria antes de expirar o prazo combinado, Saul, impaciente, violou a prerrogativa do sacerdote e insensatamente ousou oferecer ao Senhor, com suas próprias mãos, os sacrifícios pré-estabelecidos. Podemos aceitar a impaciência de Saul. Todavia, ele violou aquela obediência à voz de Deus através do profeta, que era uma condição básica da soberania teocrática. Samuel re­preendeu-o: “Procedeste nesciamente em não guardar o mandamento que o Senhor teu Deus te ordenou”.

A próxima falha vem a seguir. Veja o capítulo 14. Foi um ato de obstinação temerária. Deus usa a Jônatas como seu instrum ento, espalhando confusão entre os filisteus. Os sentinelas de Israel relatam o que viram. Saul chama o sacerdote para pedir a orientação de Deus, mas impacienta-se insensatamente e, sem esperar resposta, envia seus homens para a peleja. Também impõe sem refletir uma sentença de morte sobre qualquer homem que se alimentasse naquele dia (v. 24). Como resultado, ficaram muito fracos para consolidar a vitória (v. 30) e, por causa da fome extrema, pecaram comendo carne com sangue (v. 32); Jônatas recebe sentença de morte por ignorância, sendo salvo apenas pela intervenção do povo (w. 27, 45).

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No capítulo 15 surge uma falha ainda mais grave. É uma mistura de desobediência e engano. Saul recebe uma ordem para destruir com­pletamente os amalequitas, mas poupa o rei e a melhor parte do gado. A seguir mente a Samuel, culpando o povo pelos despojos. Chega até a afirmar que estes seriam sacrificados ao Senhor. A reprovação de Samuel começa assim: “Porventura, sendo tu pequeno aos teus olhos...” A humildade fora infelizmente substituída pela arrogância. Samuel percebe o fingimento: “Por que, pois, não atentaste à voz do Senhor? ... rejeitaste a palavra do Senhor”.

A partir deste ponto a decadência se acelera. “Tendo-se retirado de Saul o Espírito do Senhor” (16.14), um “espírito maligno o atormentava”. Ele cede a um ciúme mesquinho, que se transforma em maldade cruel contra Davi. Três vezes tenta matá-lo e, depois, persegue-o durante longos meses, como “uma perdiz nas montanhas”. Saul entrega-se à parte mais vil de sua natureza. Duas vezes Davi poupa a vida do rei, e este promete abandonar sua caçada sangrenta. Ele sabe que, ao esforçar-se para matar Davi, ele está na verdade lutando contra Deus, e chega a admitir: “Agora, pois, tenho certeza de que serás rei” (24.20). Todavia, mesmo depois disso, ele retoma sua perseguição covarde. Saul diz com razão a respeito de si mesmo: “Eis que tenho procedido como louco” (26.21).

O fracasso final

O último ato trágico no lamentável drama deste homem é descrito do capítulo 28 ao 31. Sua carreira em declínio finalmente o leva à feiticeira de En-Dor, como um amargurado e aflito fugitivo da condenação. Este destroço de homem, que antes gozara do conselho direto do céu, trata agora com o submundo. Não precisamos nos demorar no assunto da consulta noturna nem no suicídio de Saul no campo de batalha no dia seguinte. Não há necessidade de pesquisar detalhes neste ponto. Basta conhecer os fatos reais, o mergulho final — feitiçaria e suicídio! Saul não existe mais. Jaz morto, juntamente com o bondoso Jônatas. Como os poderosos caem! Como esse filho da manhã foi levado à ruina! Sim, Saul — você que teve um início promissor, mas depois veio a decair e se destruiu, você procedeu definitivamente “como louco”!

Quando vemos Saul descer tanto, será que não perguntamos o que estava por trás de sua temível frustração? Foi a obstinação, a vontade

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própria. Os dois pecados principais de Saul foram a arrogância e a desobediência a Deus. Por trás de ambas jazia a vontade própria impulsiva, indisciplinada. Podemos traçar os quatro estágios progressivos deste culto ao “eu ” por parte de Saul: prim eiro, vontade própria; depois, auto-afirmação; em seguida, egocentrismo, resultando inevitavelmente em autodestruição.

“Mesmo depois de morto, ainda fala” (Hb 11.4)

Em tons tristes e intimidantes, a voz de Saul ainda fala, e fazemos bem em atendê-la. Em primeiro lugar, ele nos ensina que a única condição vital para a verdadeira plenitude de vida é a obediência à vontade de Deus. Devemos guardar isto muito bem — Saul foi chamado para exercer um reinado teocrático, e o mesmo acontece conosco. Cada personalidade humana foi criada para a soberania teocrática. Saul jamais foi destinado a exercer um governo absolutista. Nunca se pretendeu que a última palavra fosse dele. Saul recebeu a unção de Deus, a fim de executar uma vontade superior à sua. Ele deveria ser o vice-regente humano e visível do Rei divino e invisível de Israel, o Senhor. Ele só podia governar verda­deiramente sobre os súditos enquanto obedecesse ao rei supremo que estava acima dele. Nós também temos de fazer isso. Não somos proprietários independentes de nossa vida. Somos propriedade de Deus. Ele nos fez reis e rainhas sobre nossas personalidades com dons, poderes e possibilidades; mas nosso governo deve ser teocrático e não uma monarquia independente, autogerida. Somos destinados a governar para Deus, de modo que nossas vidas e personalidades possam cumprir a vontade dEle e realizar Seu propósito. Quando governamos obsti­nadamente à parte de Deus, nossa verdadeira soberania é destruída, e perdemos o significado real e o propósito da vida. Num grau maior ou menor, agimos como loucos.

Saul nos ensina também esta verdade semelhante: permitir que o “eu” se sobreponha em nossa vida é perder o melhor e ficar com o pior. Os filisteus não eram os piores inimigos de Saul. Ele mesmo foi seu pior inimigo. Todo homem que permite que o “eu” encha seu campo de visão, até que embote sua percepção íntima para aquilo que é realmente verdadeiro e divino, está procedendo “como louco”. Todos os^que vivem para si, em vez de preferirem a vontade de Deus são “como lWicos”. O processo de deca­

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dência em nossa vida talvez não seja tão observável exteriormente como aconteceu com Saul, simplesmente porque não ocupamos uma posição tão destacada; mas estamos procedendo como loucos do mesmo modo, e nossa corrupção final é tão certa quanto a dele.

Existem várias outras lições de caráter mais incidental. Descobrimos que as vantagens não são, por si mesmas, garantias de sucesso. Saul tinha muitas, mas mesmo assim falhou de modo inglório. Não ousamos apoiar-nos nelas. Observamos também que oportunidades maravilhosas nem sempre proporcionam uma coroa real aos homens, nem os equipamentos espirituais especiais nos imunizam contra a possibilidade de sair da vontade de Deus e proceder “como loucos”. O homem também procede insensatamente quando negligencia seus melhores amigos, como Saul desprezou a Samuel, ou quando ele avança para realizar em­preendimentos para Deus antes de ser enviado por Ele, ou quando desobedece a Deus em pequenas coisas, como fez Saul a princípio e depois prosseguiu cometendo desobediências maiores, ou quando tenta ocultar a desobediência com uma desculpa religiosa, como fez Saul, ou quando permite que a inveja e o ódio o dominem e escravizem, como também aconteceu com Saul. Como este rei pronuncia advertências para nós! Deus ajude cada um de nós a dizer com sinceridade:

Tua vontade, faze ó Senhor;Eu sou feitura, tu és o Autor;Molda e refaze todo o meu ser.Segundo as normas do Teu querer.

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O SEGUNDO LIVRO DE SAMUEL (1)

Lição Ne 30

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NOTA: Leia para este estudo 2 Samuel inteiro e duas vezes os seis primeiros capítulos.

As narrativas das Escrituras estão de tal forma impregnadas de um elemento didático e ético que todas as suas seções biográficas e históricas parecem dignificadas por um propósito moral, ensinando a verdade pelo exemplo. Portanto, as partes profética e histórica encontram-se tão próximas que a história parece outra forma de profecia, transmitindo instrução para o presente e prevendo tipologicamente o futuro. A Bíblia transforma-se numa galeria de quadros e fotografias, onde são ensinadas lições que impressionam até mesmo os que têm mais dificuldade em entender. Cada linha e cada contorno estão cheios de significado.

A . T. PIE R SO N , D . D .

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O SEGUNDO LIVRO DE SAMUEL (1)

O LIVRO DO REINADO DE DAVI

O S E G U N D O L IV R O D E Samuel é distintivamente o livro do reinado de Davi, pois começa com o governo de Davi em Judá, logo após a morte de Saul, e termina pouco antes da morte de Davi, quando ele era “já velho e entrado em dias” (1 Rs 1.1). O livro cobre, portanto, um período de cerca de 40 anos, pois foi essa a duração do reinado de Davi. Em 5.4, 5 temos: “Da idade de trinta anos era Davi quando começou a reinar; e reinou quarenta anos. Em Hebrom reinou sobre Judá sete anos e seis meses; em Jerusalém reinou trinta e três anos sobre todo o Israel e Judá”. Assim, isto sempre nos ajudará a nos lembrarmos de 2 Samuel: é o livro dos quarenta anos do reinado de Davi.

Autoria composta

A autoria de 2 Samuel é bastante incerta, embora as indicações mais prováveis ainda favoreçam o ponto de vista mais antigo de que o próprio Samuel é responsável pelos 24 capítulos do primeiro desses dois livros que levam seu nome; os remanescentes, até o final de 2 Samuel, seriam obra de dois profetas, Natã e Gade. Veja 1 Crônicas 29.29,30.

Como já foi mencionado, 1 e 2 Samuel eram originalmente um único livro, tendo sido a atual divisão estabelecida na Septuaginta. Apesar dos que argumentam que a separação de um livro em dois “não tem razão nem necessidade de ser”, existe uma vantagem definida: o reinado memorável de Davi é destacado e apresentado como objeto de grande relevância, merecendo um estudo especial. Uma vez que Davi foi o verdadeiro fundador da monarquia, o reorganizador da adoração religiosa de Israel, o herói proeminente, o rei e poeta de seu povo, e como sua dinastia continuou no trono de Judá até o cativeiro, assim como o Messias prometido deveria ser da linhagem davídica, não é surpreendente que lhe fosse conferida tanta relevância.

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A divisão trágica

Este Segundo Livro de Samuel, como bem observa Matthew Henry, está dividido em duas partes principais. Não é possível deixar de notá-las. O grande pecado de Davi, registrado no capítulo 11, marca a triste divisão, bem na metade do livro e dos 40 anos do reinado de Davi. Até esse ponto, tudo é triunfo para Davi; mas, depois, há problemas e dificuldades sombrias, golpes dolorosos e provações trágicas. Na primeira parte cantamos as vitórias de Davi e, na segunda, lamentamos os males que o acometem.

Note bem que o Segundo Livro de Samuel foi dividido exatamente em duas metades com doze capítulos cada. Os capítulos 11 e 12, que registram o pecado e o arrependimento de Davi, devem ser incluídos na primeira parte, pertencendo de direito a ela. Foi por causa da prosperidade obtida através de vastas conquistas que Davi ficou exposto à tentação de não se precaver e ceder aos seus desejos. No final desse capítulo 12, lemos o relato da conquista de Rabá, a cidade real de Amom. Este episódio assinala o término dos triunfos desse tipo registrados no livro. Eis, portanto, seu esboço:

O SEGUNDO LIVRO DE SAMUEL

O LIVRO DOS QUARENTA ANOS DO REINADO DE DAVI

TRIUNFOS TRANSFORMADOS EM PROBLEMAS DEVIDO AO PECADO

I. OS TRIUNFOS DE DAVI (1-12)1-4 - R E I D E J U D Á A P E N A S , E M H E B R O M

(Período da Guerra Civil — 7 anos)5-12 - R E I D E T O D O ISR A E L , E M JE R U SA L É M

(Período da Conquista — 13 anos)II. OS PROBLEMAS DE DAVI (13-24)

13-18 - P R O B L E M A S FA M IL IA R E S D E D A V I(Do Pecado deAmnom à Revolta deAbsalão)

19-24 - P R O B L E M A S D E D A V I N A N A Ç Ã O

(Revolta de Seba até a Peste)

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A mensagem espiritual central

A mensagem espiritual central deste livro, portanto, destaca-se claramente: T R IU N F O S T R A N S F O R M A D O S E M P R O B L E M A S D E V ID O A O

P E C A D O . É possível dizer também que nas duas partes do livro temos, respectivamente, triunfo mediante a fé e problemas devidos ao pecado. O livro de 2 Samuel enfatiza que todo pecado, do rei ou do indivíduo comum, dos homens de posição superior ou inferior, dos piedosos ou dos incrédulos, produz certamente fruto amargo. O pecado é o destruidor da prosperidade. Por mais que uma árvore esteja cheia de folhas e pareça bela, se a podridão está roendo o tronco, sem dúvida ela irá quebrar e cair ou, então, tornar-se uma carcaça de árvore desfolhada. Não existe pecado sem sofrimento. Isto se aplica especialmente à concupiscência dos olhos e ao pecado sexual, que foi a razão da ruína de Davi. Devemos fugir dessas coisas como o faríamos de uma víbora. Veja também como o pecado de Davi levou a um pecado ainda maior: o assassinato. Quase sempre um pecado leva a outro pior. À semelhança de Jó, façamos aliança com nossos olhos (Jó 31.1), para não colocá-los naquilo que pode seduzir-nos, pois, sendo mais fracos do que supomos, poderíamos ceder ao pecado, acumulando assim espinhos agudos em nosso peito.

Fatos importantes a serem notados

Não há necessidade de acompanharmos o estudo capítulo a capítulo em 2 Samuel, mas gostaríamos de chamar atenção para certos fatos e eventos-chave que devem ser notados cuidadosamente.

Davi em Hebrom

Davi reinou em Hebrom durante sete anos e seis meses, mas apenas sobre Judá, porque as outras tribos não quiseram aceitá-lo como sucessor de Saul. Instigados por Abner, capitão do exército de Saul, Is-Bosete, filho do rei morto, foi proclamado rei em oposição a Davi. As outras tribos, exceto Judá, uniram-se a Is-Bosete, sem dúvida devido à pressão de Abner, líder de grande influência e renome.

Esta rejeição de Davi, porém, era um grande erro, e Israel estava

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cometendo uma falta grave. A sucessão hereditária ao trono não era um princípio da constituição da monarquia judaica. Mesmo que fosse, o legítimo herdeiro de Saul seria Mefibosete, filho de Jônatas, mas este renunciara a todos os direitos pessoais e familiares em favor de Davi.

A culpa de Abner e Israel é ainda maior porque em seu coração eles sabiam muito bem que Davi era o sucessor de Saul nomeado por Deus. Ouça as palavras de Abner, quando discute com Is-Bosete: “Assim faça Deus segundo lhe parecer a Abner, se, como jurou o Senhor a Davi, não fizer eu, transferindo o reino da casa de Saul e estabelecendo o trono de Davi sobre Israel e sobre Judá, desde Dã até Berseba” (3.9, 10). Pouco mais tarde, Abner diz aos anciãos das tribos: “Outrora procuráveis que Davi reinasse sobre vós. Fazei-o, pois, agora,porque o Senhor falou a Davi, dizendo: Por intermédio de Davi, meu servo, livrarei o meu povo das mãos dos filisteus e das mãos de todos os seus inimigos” (3.17,18). Algum tempo depois, as tribos admitiram a Davi: “... também o Senhor te disse: Tu apascentarás o meu povo de Israel, e serás chefe sobre Israel” (5.2). Abner e os líderes de Israel foram assim condenados por suas próprias palavras.

Perguntamos:por que Abner e Israel a princípio rejeitaram Davi? Uma razão pode ter sido um temor ciumento da parte de Abner, receoso de não conseguir manter sua posição de suprema liderança sob um rei como Davi, que já tinha os seus próprios “valentes” de renome ao seu redor.

Mas pode ter havido outra razão para Israel rejeitar o novo rei: a confiança em Davi tinha se abalado por causa de sua recente estadia entre os principais inimigos da nação, os filisteus, a fim de escapar de Saul.

É louvável o comportamento adotado por Davi perante a delicada situação criada pela rejeição de Israel. Ele não tentou subir ao trono mediante o poder de seu exército. Davi sabia que Deus o indicara para o trono, e sua experiência com Ele durante a disciplina dos anos precedentes lhe ensinara a esperar pelo tempo de Deus. O Senhor não havia falhado. Davi não agiria sem a orientação divina (2.1). Ele foi guiado até Hebrom. Judá o acolheu e Davi reinou em Hebrom, cidade antiga onde morou Abraão e que era a capital de Judá. Nos meses que se seguiram, “Davi se ia fortalecendo, porém os da casa de Saul se iam enfraquecendo” (3.1). O povo de Israel não podia deixar de ver, com autocensura, o contraste entre o caráter fraco de Is-Bosete e as brilhantes qualidades de Davi, com seu governo firme e benevolente, o sucesso que coroava todos os seus projetos, as vitórias em quaisquer conflitos entre Israel e Judá (2.12-32) e o afeto

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do povo por ele.O capítulo 5 tem enorme importância. Davi é finalmente aclamado rei

de todo Israel, e ele transfere a sede de seu governo para Jerusalém. As palavras dos líderes de Israel, ao oferecerem a Davi o reino, são tocantes e impressionantes. “Somos do mesmo povo de que tu és. Outrora, sendo Saul ainda rei sobre nós, eras tu que fazias entradas e saídas militares com Israel; também o Senhor te disse: Tu apascentarás o meu povo de Israel, e serás chefe sobre Israel” (5.1, 2). Vemos que o reconhecimento do direito de Davi ao trono apoiava-se numa base tríplice:

1. Seu parentesco humano — “Somos do mesmo povo de que tu és”2. Seu mérito comprovado — “Tu fazias entradas e saídas militares

com Israel”3. Sua autorização divina — “O Senhor te disse:... serás chefe sobre Israel”

Não é este um sermão em si mesmo, falando do direito de Cristo de reinar sobre nossas vidas? Ele é nosso parente — “osso de nossos ossos e carne de nossa carne”. Ele é nosso Salvador, cujo mérito já foi com­provado, que esposou nossa causa e lutou contra nosso inimigo, tra­zendo-nos libertação da culpa e tirania do pecado. Ele é também rei por permissão divina, o príncipe e Senhor de Seu povo, aquele a quem foi entregue toda autoridade no céu e na terra. “O governo está sobre os seus ombros” (Is 9.6). Será que cada um de nós pode dizer: “O governo de minha vida está sobre os ombros dEle”? ,

O novo centro

Ao se tornar rei de um Israel unido, Davi transferiu a sede do governo para Jerusalém. Hebrom, embora uma capital adequada enquanto o reino de Davi se limitava a Judá, achava-se muito ao sul para tornar-se a metrópole de um reino que unia todas as tribos. Mesmo Jerusalém ficava bastante ao sul, no ponto máximo onde ousaria situar-se uma capital israelita; e talvez a escolha de Davi tenha sido parcialmente ditada por uma relutância de sua parte em distanciar-se demasiado da tribo de sua inteira confiança, ou seja, a tribo de Judá, da qual ele era membro.

Jerusalém era chamada Jebus naquela época (1 Cr 11.4), sendo um local naturalmente protegido. Sem dúvida Davi tinha esse fato em mente

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quando decidiu estabelecer-se ali. O nome Jebus derivava dos jebuseus que continuavam na posse da terra, ou pelo menos da porção superior e fortificada que conhecemos como Monte Sião. E provável que na parte inferior de Jebus, isto é, na cidade (e não na cidadela), jebuseus e benjamitas convivessem normalmente.

Os jebuseus desafiaram Davi a conquistar o Monte Sião. Esta fortaleza era tão temível e estava por tanto tempo nas mãos dos jebuseus que todos a consideravam inexpugnável. A guarnição de soldados jebuseus zombou de Davi, desafiando-o: “Não entrarás aqui, porque os cegos e os coxos te repelirão” (5.6). Eles disseram isso pensando: “Davi não entrará neste lugar”. Mas ele tomou a cidadela. Lemos que ele afirmou: “Todo o que está disposto a ferir os jebuseus suba pelo canal subterrâneo e fira os cegos e os coxos, a quem a alma de Davi aborrece” (5.8). E quem eram esses coxos e cegos odiados pela alma de Davi? Não eram pessoas coxas e cegas, pois Davi não aborreceria os fisicamente defeituosos; era por demais generoso para isso. Além do mais, como seria estranho ter uma fortaleza guarnecida por aleijados! Os coxos e cegos aqui mencionados eram os deuses dos jebuseus. Estes desafiaram a Davi, dizendo que ele não entraria em Sião, a não ser que removesse os seus deuses, dando a entender que elejamais teria condições de retirá-los e, portanto, nunca entraria em Sião.

Foi Joabe quem subiu primeiro até a fortaleza (1 Cr 11.6). A partir desse dia, Sião tornou-se “a Cidade de Davi”. Jerusalém passou assim a ser a principal cidade de Israel, entrando para a história como a cidade mais sagrada e magnífica do mundo; uma cidade, além disso, com um futuro ainda mais esplêndido do que todo o seu glorioso e trágico passado!

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O SEGUNDO LIVRO DE SAMUEL (2)

Lição N2 31

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NOTA-. Para este estudo em 2 Samuel, leia do capítulo 7 até o fim novamente, dando especial atenção aos capítulos 7, 11 e 12.

Os reinados de Davi e Salomão constituem o período áureo do Estado judeu. Desde o princípio, Davi mostrou-se preocupado em se certificar de que todos os passos dados no sentido de tomar posse do reino fossem dirigidos pelo Senhor (1 Sm 23.2, 4; 2 Sm 2.1). Ele sempre se conduziu como “Seu servo”, e quando estabeleceu o reino, sua principal preocupação foi promover a honra divina e o bem-estar religioso do povo (2 Sm 6.1-5, 7.1, 2). Como rei, ele procurou a prosperidade do Estado e, como representante visível do Senhor, conformou-se estritamente ao espírito teocrático. Provavelm ente foi mais pelo caráter de sua administração do que por suas virtudes particulares que ele foi chamado de “homem segundo o coração de Deus” (1 Sm 13.14; veja também At 13.22), que deveria fazer “toda a minha (de Deus) vontade”. É impossível justificar todos os seus atos ou considerá-lo um indivíduo perfeito. Todavia, quando observamos a piedade de sua juventude, a profundidade de sua contrição, a força de sua fé, o fervor de sua devoção, a superioridade e variedade de seus talentos, a grandeza e calor de seu coração, seu valor proeminente numa época de guerreiros, sua justiça e sabedoria como rei, e seu apego à adoração e vontade de Deus, podemos muito bem considerá-lo um modelo de autoridade real e obediência espiritual.

A N G U S , “B IB L E H A N D B O O K ”

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O SEGUNDO LIVRO DE SAMUEL (2)

A aliança davídica

V A M O S agora para o capítulo 7, onde passamos a conhecer a aliança davídica. Não podemos deixar de avaliar devidamente esta aliança e suas condições, pois, além de afetar imensamente tudo o que se segue nas Escrituras, ela influencia toda a história da humanidade, em especial aquelaparte que ainda viria. Trata-se de uma passagem bíblica de suprema importância, sendo uma das principais chaves para a compreensão do plano divino para a história. A partir da época em que esta aliança foi anunciada, os judeus sempre creram que o Messias procederia da linhagem davídica. Eles criam nisso nos dias do Senhor e continuam crendo hoje. Os profetas confirmaram tal fato mais tarde, em passagens como Isaías 11.1, Jeremias 23.5 e Ezequiel 37.25. Foi de acordo com tais profecias que o anjo Gabriel anunciou Jesus a Maria: “Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele remará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá fim” (Lc 1.32, 33).

A aliança davídica foi pronunciada como segue:

“... também o Senhor te fez saber que ele mesmo te fará casa. Quando teus dias se cumprirem, e descansares com teus pais, então farei levantar depois de ti o teu descendente, que procederá de ti, e estabelecerei o seu reino. Este edificará uma casa ao meu nome, e eu estabelecerei para sempre o trono do seu reino. Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho; se vier a transgredir, castigá-lo-ei com varas de homens, e com açoites de filhos de homens. Mas a minha misericórdia se não apartará dele, como a retirei de Saul, a quem tirei de diante de ti. Porém a tua casa e o teu reino serão firmados para sempre diante de ti; teu trono será estabelecido para sempre” (2 Sm 7.11-16).

O primeiro significado importante dessas palavras é que temos aqui a confirmação divina do trono em Israel. Até então, como vimos, este havia sido estabelecido por homens (veja 1 Sm 8), por causa do clamor do povo.

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Saul, o primeiro rei, foi o homem escolhido pelo povo. Embora tivesse sido escolhido, ungido e apresentado ao povo por Deus, a escolha final foi do próprio povo. Até então, o trono de Davi também repousara sobre a escolha do povo — primeiro dos homens de Judá e depois das outras tribos. Mas agora o trono de Davi é confirmado por indicação divina. Ele é declaradamente incorporado ao plano de Deus para Israel e, através deste para toda a raça, a partir dessa época até o final dos tempos.

O segundo fato importante aqui é a previsão da perpetuidade da dinastia davídica. Três coisas são asseguradas a Davi: (1) uma “casa” ou posteridade; (2) um “trono” ou autoridade real; e (3) um “reino” ou esfera de governo. Todas lhe são garantidas “para sempre”: “... a tua casa e o teu reino serão firmados para sempre diante de ti; teu trono será estabelecido para sempre” (v. 16). Esta linguagem é enfática. A expressão “para sempre”, que ocorre três vezes, não deve ser tomada no sentido popular, significando que os descendentes de Salomão iriam manter a posse do reino por muitos séculos. Essa interpretação é descartada por outras passagens da Bíblia, onde encontramos referências ou alusões a tal expressão, notavelmente o Salmo 89, que é tanto uma confirmação como uma exposição da aliança davídica. Veja o versículo 29: “Farei durar para sempre a sua descendência, e o seu trono como os dias do céu”. E os versículos 36, 37: “A sua posteridade durará para sempre, e o seu trono como o sol perante mim. Ele será estabelecido para sempre como a lua”. Não há possibilidade de erro em palavras como essas. Para coroar esta ênfase solene, a aliança é selada com um juramento. Veja o Salmo 89.35: “Uma vez jurei por minha santidade (e serei eu falso a Davi?)”. Veja também Atos 2.30. Esta aliança refere-se a uma posteridade literal, um trono literal e um reino literal — isso deve ficar definitivamente estabelecido. Querer “espiritualizá-la” para significar uma posteridade celestial e um reino espiritual, sinônimos da igreja cristã, é violar justamente o primeiro princípio da interpretação bíblica, isto é, o princípio de que as palavras ditas claramente devem ser pelo menos aceitas como significando o que dizem.

O terceiro fato importante a ser compreendido com relação a esta aliança davídica é a sua implicação messiânica. A repetição tripla e enfática da promessa de estabelecer o reino de Davi para sempre só poderia ser cumprida no Messias vindouro; e sempre foi entendida, portanto, como tendo nEle o seu cumprimento final. Nas palavras ditas a Davi, Salomão

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é sem dúvida o primeiro em vista; mas a promessa abrange a longa sucessão de reis humanos e a longa dispersão presente, para culminar nEle que, já tendo vindo à terra como Profeta e havendo ministrado agora no santuário celestial como Sacerdote, voltará um dia na glória como o maior Filho de Davi, o Rei dos reis e Senhor dos senhores, e esse reino será “sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar mediante o juízo e a justiça, desde agora e para sempre” (Is 9.7).

Esta aliança davídica é incondicional, porque no fim encontra Cristo. É certo que existe na aliança uma provisão para a possibilidade de pecado e falhas nos filhos de Davi que viriam a reinar; nas palavras do versículo 14: “... se vier a transgredir, castigá-lo-ei com varas de homens, e com açoites de filhos de homens”. Esta, porém, não é uma condição de que dependa o cumprimento da aliança, pois o versículo seguinte imediatamente diz: “Mas a minha misericórdia se não apartará dele, como a retirei de Saul, a quem tirei de diante de ti”. Essa cláusula foi colocada na aliança para resguardar Salomão e seus descendentes humanos desviados, até que o verdadeiro e perfeito rei pudesse vir. Da mesma forma como na aliança abrâmica o “descendente” prometido era Isaque, num sentido imediato, e Cristo no sentido final (G1 3.16), assim também, na aliança davídica, o “filho” prometido é Salomão, no sentido imediato, e Cristo no sentido final. Nota-se muito bem que as duas alianças, a abrâmica e a davídica, são incondicionais. Isto se deve ao fato de ambas encontrarem seu cum­primento final em Cristo, pois sabemos que não pode haver falhas por parte dEle.

Esta aliança davídica marca igualmente um quarto desenvolvimento principal na profecia messiânica. A primeira grande profecia foi feita a Adão, em Gênesis 3.15, onde nos é dito que o descendente da mulher feriria a cabeça da serpente. A segunda foi feita a Abraão, em Gênesis 22.18: "... nela (a descendência de Abraão) serão benditas todas as nações da terra”. A terceira foi feita através de Jacó, em Gênesis 49.10: “O cetro não se arredará de Judá... até que venha Siló”. A quarta é feita agora a Davi, em 2 Samuel 7. Veja então o desenvolvimento. Primeiro, no caso de Adão, a promessa é para a raça em geral. A seguir, no caso de Abraão, é para uma nação da raça — a nação de Israel. Depois, no caso de Jacó, é para uma tribo dessa nação — a tribo de Judá. Em seguida, no caso de Davi, é para uma família dessa tribo — a família de Davi. Ficamos assim preparados para a palavra final que Isaías acrescentaria mais tarde ainda, ou seja, que

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o futuro Descendente da mulher, Filho de Abraão, Leão de Judá e Herdeiro de Davi, nasceria de uma virgem.

Note o que Deus diz sobre o filho de Davi: edificará uma casa aomeu nome” (2 Sm 7.13). Davi, por ser homem de guerra, não poderia tipificar Cristo como Melquisedeque, que é o rei da Paz: esta glória foi reservada a Salomão. Davi estabeleceu o reino sobre o qual Salomão reinou, mas Cristo será tanto Davi quando Salomão. Como Davi, Ele conquistará todos os inimigos e estabelecerá o reino na terra; como Salomão, Ele reinará em paz eterna. Possa Ele vir logo!

O completo estabelecimento de Davi

Do capítulo 8 ao 10 vemos o reinado de Davi em seu apogeu. Para onde quer que se volte é um guerreiro vitorioso, enquanto em casa é um administrador reto e engenhoso. Israel jamais tivera tal poder entre as nações. Em 8.12, 14 encontramos uma lista dos povos poderosos subjugados por Davi — os filisteus no ocidente, os sírios e Hadadezer ao norte, os amonitas e moabitas ao leste, os edomitas e amalequitas ao sul. O segredo por trás das sucessivas conquistas de Davi é encontrado no versículo 14: “... e o Senhor dava vitórias a Davi por onde quer que ia”; enquanto a razão para a consolidação interna de Israel é dada no versículo 15, ou seja, Davi “julgava e fazia justiça a todo o seu povo”. Israel torna-se assim o poder central e supremo entre os povos.

Basta uma leitura superficial desses capítulos para perceber que Davi era um general hábil e um governante virtuoso. O capítulo 8 começa dizendo que “feriu Davi os filisteus, e os sujeitou”. Lembre-se de que Davi subiu ao trono imediatamente após a esmagadora derrota de Saul perante os filisteus, quando quase toda a terra estava sob o jugo deles. Portanto, o fato de ele vencer os filisteus foi ainda mais notável.

A seguir, ficamos sabendo que ele também “derrotou os moabitas; fê-los deitar em terra e os mediu: duas vezes um cordel, para os matar; uma vez um cordel, para os deixar com vida” (v. 2). Têm havido muitas críticas contra o procedimento bárbaro de Davi nesta ocasião; mas, na verdade, o registro tem o propósito de evidenciar a generosidade dele. O pro­cedimento normal naqueles dias era matar todos os prisioneiros de guerra, quase sempre sem levar em conta idade ou sexo. Aqui, porém, vemos um

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toque de bondade. Um terço seria poupado, com um acréscimo de clemência no sentido de que, dos três cordéis usados para medir os dois terços a serem mortos e um terço a ser poupado, o que deveria marcar o terço a ser poupado era um “cordel inteiro” (A R C ), o que indica que era maior do que os outros dois. Concordamos que, mesmo assim, o processo era brutal; mas a guerra sempre foi dessa forma e hoje mais do que nunca, apesar de toda a nossa tão falada civilização. Será que existiu em qualquer guerra do passado algo mais medonho que o moderno bombardeio aéreo contra mulheres e crianças inocentes, e o metralhar deliberado de homens e mulheres se afogando no mar? Será que já houve tortura pior do que a dos campos de concentração da Alemanha e da Rússia? Além disso, antes de criticarmos Davi e os israelitas, devemos compreender que, a não ser que guerreassem com grande desvantagem e mãos amarradas, era inevitável que lutassem de acordo com os princípios reconhecidos pelos povos com quem entravam em conflito. Façamos justiça a Davi, pelo menos reconhecendo que, ao poupar nessa ocasião um grande número de moabitas, ele estava mostrando uma atitude humanitária estranha às guerras de sua época. Se tivesse poupado a todos, aqueles inimigos que procurava subjugar teriam imediatamente abusado de sua clemência, talvez com resultados desastrosos.

Lemos em seguida como Davi esmagou o rei de Zobá e tirou dele seus carros e cavaleiros. A derrota infligida por Davi, só com homens a pé, sobre um exército equipado com uma poderosa força de carros e cavalaria (w. 3-6), indica sua perícia militar; e a captura deles mostra ainda mais claramente seu hábil comando.

Poderíamos continuar, mas vamos interromper aqui. Os capítulos devem ser lidos com a ajuda de bons comentários. Eles estão repletos de atrativos e informações. Pense na condição precária de Israel quando Davi subiu ao trono e lembre-se de que, na sua morte, ele entregou a Salomão um império unido que se estendia desde o “rio do Egito” até o Eufrates e do Mar Vermelho até o Líbano. Que grande conquista! Além disso, o desenvolvimento religioso de Israel foi acelerado mediante a piedade de seu amado rei e a influência de sua poesia sagrada. No santuário, os serviços foram organizados sistematicamente e os cânticos sagrados receberam proeminência. Diz-se muito bem que “jamais houve esforço mais sincero para conduzir os assuntos de uma nação de acordo com os princípios religiosos”. O reinado de Davi foi verdadeiramente uma época nobre na história dos hebreus.

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O grande pecado de Davi

Como já foi dito, o grande pecado de Davi, registrado no capítulo 11, marca uma triste reviravolta. É bom enfatizar algumas considerações que devem ser mantidas em mente toda vez que pensamos nele. Os críticos apontam-no como evidência da corrupção moral de alguém que a Bíblia apresenta como herói. “Vejam!”, exclamam eles, “eis o grande herói bíblico! Que grande caráter ele tem!” Também se perguntou várias vezes como podemos harmonizar essa vergonhosa queda de Davi com a declaração bíblica de que Deus mesmo o considerou um “homem segundo o meu coração” (1 Sm 13.14; At 13.22).

A resposta a tais críticas e indagações é que devemos levar em consideração todos os fatos com honestidade e imparcialidade. Vejamos:

1. Devemos observar a vida de Davi como um todo. Não é justo nem honesto enfatizar esta mancha no registro de Davi a fim de fazê-la parecer o maior fato na vida dele. Os críticos devem lembrar que, se não fosse pela honestidade da própria Bíblia, este negro episódio poderia muito bem ter sido ocultado de nós, e nada saberíamos sobre ele. Assim sendo, devemos julgar Davi de acordo com o relato bíblico inteiro, com toda impar­cialidade. Devemos ver sua fé e obediência para com Deus por vários anos, sua retidão geral e generosidade, sua conduta baseada em princípios elevados e aspirações espirituais ardentes, qualidades que o caracte­rizaram quase sempre em toda sua carreira.

2. Devemos levar em consideração o arrependimerito de Davi. Jamais houve alguém mais abatido e envergonhado pela auto condenação e arrependimento santo do que Davi depois de seu pecado. “Acima de qualquer dúvida”, diz Ellicott, “o Salmo 51 é a expressão de sua penitência depois da visita de Natã” para repreendê-lo. Quem pode ler então esse salmo de soluços sem compreender que o pecado de Davi era uma exceção e não uma expressão de seus objetivos e desejos habituais? O pecado foi cometido num acesso de fraqueza. A contrição mostra a verdadeira atitude do homem para com tal pecado — e foi a atitude de Deus.

3. Devemos julgar o caráter de Davi de acordo com sua época. O evangelho cristão e a ética do Novo Testamento não haviam ainda sido entregues aos homens naquele tempo. Julgado pelos padrões morais de seus dias, Davi sobressai entre seus companheiros; especialmente quando o comparamos com os reis da época, ele se agiganta. A indulgência sensual

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extravagante dos reis orientais da antigüidade é notória. O poder deles sobre a vida e as propriedades dos súditos era com freqüência absoluto. Eles se apossavam das mulheres conforme seus desejos, com pouca consideração pelos crimes que pudessem cometer para consegui-las. Compare Davi com esses reis e isto revelará o contraste.

4. Devemos observar a vida interior de Davi revelada nos salmos davídicos. Nos livros de Samuel e Crônicas vemos a vida exterior de Davi. Nos salmos davídicos vemos sua vida interior. Seu coração é completamente exposto e, ao vê-lo desse modo, só podemos chegar a uma conclusão honesta. Muitos dos que criticam Davi e a Bíblia se alegrariam se seus corações pudessem ser expostos em termos tão santos. Esses salmos, tocantes em sua sinceridade evidente, fornecem uma prova positiva de que Davi era um homem bom — de que ele de fato era, como diz a Escritura, um homem segundo o coração de Deus. Um general pode perder uma batalha e mesmo assim vencer a guerra. Embora uma ou mais batalhas possam ser perdidas, até vergonhosamente, o resultado da campanha inteira pode ser a vitória. Isto se aplica aos homens num sentido moral; no caso de Davi, a história de sua vida em seu todo, apoiada pelo nobre testemunho de seus salmos, mostra decididamente que, apesar de algumas derrotas e de uma queda notória e triste, o resultado final veio a justificar o pronunci amento de que ele era um homem que agradava a Deus.

A nosso ver, qualquer das considerações acima é suficiente para justificar a avaliação bíblica de Davi e, quando tomadas em conjunto, elas se tornam conclusivas. Veja também a nota sobre Davi no início deste estudo. Se os críticos continuarem objetando, porém, poderemos nos apoiar no fato de que, quando Davi foi declarado um homem segundo o coração de Deus, ele se achava apenas na casa dos vinte anos. Com certeza, porém, nenhuma apreciação de Davi poderia exigir que limitássemos as palavras à sua juventude; quanto a nós, não faremos isso. Com todos os fatos à nossa frente, concordamos plenamente com o veredicto de que temos em Davi um dos homens mais santos de toda a era pré-cristã. Como disse Agostinho, a queda de Davi deveria pôr em guarda todos os que não caíram e salvar do desespero todos os que caíram.

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Lições notáveis

Observe agora algumas lições notáveis ligadas ao pecado de Davi. Em primeiro lugar, observe a honestidade e a fidelidade das Escrituras ao registrarem um incidente tão negativo. Se a tarefa de escrever a Bíblia tivesse sido deixada simplesmente em mãos humanas, ela não conteria um capítulo desse tipo. A culpa de Davi é exposta sem o menor esforço para atenuá-la e muito menos retirá-la. Existe uma autenticidade severa na maneira como a Bíblia lida com os personagens humanos. Diz o Dr. Edersheim: “Não é necessário salientar que estes relatos autênticos dos pecados dos heróis bíblicos provam a veracidade e credibilidade das narrativas bíblicas, em contraste com as histórias fictícias que procuram diminuir as falhas dos personagens bíblicos ou até mesmo negar sua culpa. O Talmude nega o adultério de Davi com base na idéia de que todo guerreiro tinha de se divorciar da mulher antes de partir para o campo de batalha. Bate-Seba seria então livre”.

Observe igualmente que a queda de Davi ocorreu quando ele se achava em conforto e ociosidade. Todos os seus inimigos haviam sido esmagados. A pressão dos perigos que o mantiveram em espírito de oração havia desaparecido. Ele achava que não valia a pena seguir pessoalmente com os exércitos a fim de conquistar a última fortaleza dos amonitas; então enviara Joabe como comandante (veja 11.1). Não imaginamos quanto devemos a essas circunstâncias aparentem ente difíceis, das quais desejamos livrar-nos, mas que são o meio usado por Deus para nos manter orando. A prosperidade e o conforto são sempre perigosos, e jamais ficamos tão expostos à tentação do que quando estamos inativos.

Note ainda que o pecado de Davi foi o clímax de um processo. Como regra geral, as quedas violentas como a de Davi não ocorrem sem serem precedidas por um processo de enfraquecimento. Davi dera lugar à sensualidade, convivendo com muitas mulheres (2 Sm 5.13); este era um comportamento expressamente proibido aos reis de Israel, como vemos em Deuteronômio 17.17. Por ser um homem de paixões fortes, segundo sua própria natureza, Davi cedera lugar à carne, e então veio a tragédia. Como precisamos nos guardar contra os primeiros golpes do pecado! Veja Tiago 1.14,15.

Vemos novamente como o pecado de Davi levou a outra falha ainda pior. Ele procurou inutilmente ocultar seu crime. Urias, o marido traído de

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Bate-Seba, foi induzido a beber para que, sob a ação da bebida, se tornasse suficientemente irresponsável e, assim, pudesse ser dito mais tarde que o filho de Bate-Seba era seu (2 Sm 11). Mas este estratagema vergonhoso falhou pelo comportamento nobre de Urias que, além de ser um dos “valentes” de Davi (2 Sm 23.39), foi um de seus mais retos e leais defensores. Depois disso, Davi (que ficara chocado quando Joabe matou Abner) tornou Joabe seu cúmplice no pecado e mandou matar Urias! Como um único pecado pode forjar uma terrível cadeia de iniqüidades! Se cairmos no pecado, a única medida segura é a confissão e a restituição.

Observe de novo que o pecado de Davi resultou em anos de sofrimento. Incesto, fratricídio, rebelião, guerra civil, intriga, revolta — todas essas coisas estão ligadas ao pecado de Davi. Que triste colheita o pecado produz! O erro de Davi foi perdoado, mas suas conseqüências não foram eliminadas. A sentença divina sobre Davi, em 12.11: — “Assim diz o Senhor: Eis que da tua própria casa suscitarei o mal sobre ti, — fornece a explicação para o restante da história de Davi, tão conturbada e infeliz quanto fora feliz e bem-sucedido o começo de seu reinado.

Deixemos que o aluno faça um estudo independente dos capítulos finais de 2 Samuel. Em geral, são tristes, mas contêm toques de beleza e estímulo aqui e ali, sendo também repletos de lições proveitosas.

Quando pensamos no terrível pecado de Davi, seu remorso e aba­timento e sua aflição comovente que lhe proporcionaram absolvição da culpa do pecado mas não puderam eliminar as conseqüências, somos lembrados das palavras escritas há muitos anos por Studdart Kennedy, um renomado padre inglês da Segunda Guerra Mundial. Em um artigo sobre o pecado de Judas, ele diz:

“Por que fiz isso? Como pude agir desse modo? Essas podem ser as perguntas mais amargas e trágicas que homens e mulheres fazem a si mesmos. Algo feito que não pode ser desfeito, algo final e irrevogável, e o homem olha para aquilo e não pode acreditar que o tenha cometido, não pode ver-se ali e, no entanto, sabe que o praticou e que a culpa será sua para sempre.

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Judas deve ter olhado assim para Cristo,Quando este saiu do tribunal de condenação,Algemado e com o sangue ainda úmido em suas costas. Por que fiz isso?Como pude fazê-lo? Eu O amava,Todavia O vendi. Como isso pode acontecer?O que sou — traidor — admirador — amigo Ou o diabo encarnado? Estou louco?Sim, louco — completamente alucinado — minha razão vacila.Essas moedas estão manchadas de sangue —Ajuda-me, Jesus!Não queria praticar esse ato. Sangrentas,Úmidas e sangrentas — elas queimam — estão quentes. Quentes como o inferno. Não posso suportar.Eu não sou eu. Sou uma coisa condenada,Coisa medonha vomitada pelo inferno.Eu sou — e devo matá-la — agora.Não posso viver — ela deve voltarPara o inferno — devo — não vê-lO jamais,Jamais — Senhor, misericórdia! A morte —Devo buscar a morte.

O arrependimento e o remorso são fatos humanos, fatos peculiarmente humanos. Esta cena não poderia aplicar-se a qualquer outra criatura que não o homem. Poderia ser verdadeira em relação a você ou a mim. Pessoas comuns podem sentir-se assim, e realmente se sentem. Já as vi, sentei-me com elas, tentei confortá-las. Já as ouvi, murmurando repetidamente: Como pude fazer isso? Como pude fazer isso?

Um homem não pode ser verdadeiramente livre, a não ser que se renda completamente e sem reservas ao serviço do Altíssimo. Os verdadeiros tiranos que restringem e limitam o ser humano são os seus próprios desejos indisciplinados e desorganizados. Ele não pode ser livre, exceto através da organização interior de suas paixões; sem isso, a única liberdade que possui é a de enforcar-se. Todavia, por mais corda que lhe seja dada, é exatamente para isso que irá usá-la no final, a não ser que tenha algum grande objetivo e propósito que dê significado e unidade à sua vida. Se uma pessoa tiver esse alvo ou propósito e seus desejos forem organizados e disciplinados em relação a ele, quando agir então contra esse objetivo,

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quando esquecê-lo e seguir alguma paixão desviada e rebelde, passará a perceber seu pecado. Ela saberá que há alguma coisa terrível, mortal, em sua palavra ou ato. Não se trata apenas de uma tolice, um erro, um pecado contra si mesmo ou seu próximo, mas de uma negação de todo o significado do mundo. É um pecado contra seu Deus.”

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O PRIMEIRO LIVRO DOS REIS(D

Lição N2 32

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NOTA: Para este estudo, leia todo o Primeiro Livro dos Reis e duas vezes os oito primeiros capítulos.

Como foi mencionado, os dois Livros dos Reis eram originalmente um só (veja nossa introdução a 1 Samuel). Eles foram divididos em dois pela primeira vez pelos tradutores da Septuaginta, no século terceiro a. C., e esta divisão foi seguida em todas as versões posteriores. Os livros têm início com a ascensão de Salomão ao trono e terminam com a destruição de Jerusalém. No começo, o templo é construído. No final, ele é queimado. Juntos, os dois livros cobrem um período de cerca de quatrocentos anos. Quando à sua autoria, os estudiosos não têm dúvida de que “a linguagem dos dois livros” e sua “unidade de propósito” indicam um “único autor”. Quem então os escreveu? A tradição judaica diz que foi o profeta Jeremias. Esta tradição não pode ser aceita como conclusiva nem pode ser refutada com facilidade. Na verdade, há muito a seu favor. É claro que Jeremias teria usado documentos já existentes (1 Rs 11.41; 14.29 etc.) e, depois, os redatores teriam feito contribuições menores para o a­perfeiçoamento final da obra; substancialmente, porém, o trabalho é de um autor único, provavelmente Jeremias, quando idoso. Examinemos agora o primeiro desses dois livros dos Reis.

J. S. B.

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O PRIMEIRO LIVRO DOS REIS (1)

q u a n t a glória e quanta tragédia se encontram na história que se estende à nossa frente nos livros dos Reis! Que verdades intensamente espirituais e prognósticos proféticos também podem ser discernidos nesses registros! O esplendor do reino de Salomão e a construção do templo prefiguram a glória e a adoração do reino vindouro de Cristo sobre a terra. Os ministérios de Elias e Eliseu contêm grande riqueza de significados espirituais e valores tipológicos latentes. Seria fácil estender-nos sobre temas tão férteis, mas nosso propósito aqui é simplesmente apresentar a idéia geral e a essência desses registros, como base para outros estudos.

O livro da ruptura

Ao gravar mentalmente os livros da Bíblia, será útil nos lembrarmos de cada um deles por seus aspectos distintos. Ajudará, portanto, se nos lem­brarmos sempre deste Primeiro Livro dos Reis como sendo o livro da ruptura, indicando com isso que ele registra a divisão em dois do reino unido — sobre o qual Saul, Davi e Salomão governaram — que serão daqui por diante conhecidos como Israel e Judá. O reino de Israel, com­preendendo dez tribos, torna-se o reino do norte, enquanto o de Judá, abrangendo Judá e Benjamim, torna-se o reino do sul. No reino do norte (Israel), a capital passa a ser Samaria. No reino do sul (Judá), Jerusalém permanece como capital. Portanto, este é o aspecto central de 1 Reis: a divisão do reino unido em dois.

Este Primeiro Livro dos Reis divide-se em duas partes principais tão evidentes que não precisariam ser indicadas. Há 22 capítulos. Os onze primeiros são dedicados a Salomão e seu esplêndido reinado de 40 anos. Os últimos onze capítulos cobrem aproximadamente os primeiros 80 anos dos reinos de Israel e Judá depois da separação. Os versículos finais do capítulo 11 registram a morte de Salomão, marcando assim as duas divisões do livro. Nos onze primeiros capítulos temos o reino unido. Depois disso vem a divisão ou separação, e nos onze capítulos seguintes

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vemos o que acontece com as duas linhagens de reis.A mensagem espiritual básica de 1 Reis é indiscutível: IN T E R R U P Ç Ã O

P O R C A U S A D A D E S O B E D IÊ N C IA . Isto se vê no capítulo 11, que marca o trágico ponto crítico e prediz a ruptura iminente, tornando-se assim a explicação de toda a história: “Por isso disse o Senhor a Salomão: Visto que assim procedeste e não guardaste a minha aliança, nem os meus estatutos que te mandei, tirarei de ti este reino, e o darei a teu servo. Contudo não o farei nos teus dias, por amor de Davi, teu pai; da mão de teu filho o tirarei. Todavia não tirarei o reino todo; darei uma tribo a teu filho, por amor de Davi, meu servo, e por amor de Jerusalém, que escolhi” (11.11-13).

O PRIMEIRO LIVRO DOS REIS

O LIVRO DA RUPTURA

INTERRUPÇÃO POR CAUSA DA DESOBEDIÊNCIA

I. O GRANDE REINADO DE QUARENTA ANOS DO REISALOMÃO (1-11)

A S C E N SÃ O D E S A L O M Ã O E PR IM E IR O S A T O S (1-4)C O N S T R U Ç Ã O D O T E M PL O E D O PA L Á C IO D E S A L O M Ã O (5-8)

A U G E D A F A M A E D A G L Ó R IA D E S A L O M Ã O (9-10)D E C L ÍN IO E M O R T E D E SA L O M Ã O (11.1-43)

II. OS PRIMEIROS OITENTA ANOS DOS DOIS REINOS (12-22)

A S C E N SÃ O D E R O B O Ã O : A R U P T U R A (12.1-33)R E IS D E J U D Á - R O B O Ã O A JO SA FÁ (13-22)R EIS D E ISR A E L - JE R O B O Ã O A A C A Z IA S (13-22)M IN IST É R IO D O P R O F E T A EL IA S E M IS R A E L (17-22)

O rei Salomão

A figura de Salomão é surpreendente em três aspectos: histórico, pessoal e tipológico.

Numa visão histórica, seu interesse especial está no fato de ele re­

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presentar o período de maior prosperidade de Israel como reino. Seu reinado marca a época mais esplêndida e rica da história dos hebreus. Não resta qualquer dúvida: mesmo uma leitura superficial dos capítulos 9 e 10 mostra-nos que as riquezas de Salomão e a abundância em Israel naqueles dias eram tamanhas que se tornaram verdadeiras maravilhas. “Salomão em toda a sua glória” veio a ser o símbolo clássico da opulência real. Além disso, porém, Salomão é de interesse histórico por ser o último a governar sobre o reino unido. Como já vimos, foi por causa da desobediência do próprio Salomão que se deu a ruptura, e não haverá jamais um rei sobre o reino judeu unido até que Cristo volte como Filho e Senhor de Davi.

No aspecto pessoal, Salomão é sem dúvida uma figura notável, embora não seja fácil avaliar realmente seu caráter. Sua sabedoria acima do normal fez dele um prodígio para todos os povos vizinhos. Sua oração quando o templo foi dedicado revela uma elevada capacidade espiritual. Sua administração bem-sucedida no governo mostra sua habilidade mental superior. No que se refere à santidade pessoal, porém, há certa hesitação, uma falta de vigor moral. Sentimos que não existe aquele esplendor de paixão altruísta que caracterizava a piedade de Davi. Apesar de Salomão jamais ter cedido à desobediência impetuosa e arrogante como fez Saul, ele não demonstrou também uma devoção fervorosa a Deus como Davi demonstrara. Se escapa parcialmente da condenação de Saul, não chega a receber a aprovação concedida a Davi.

Mas o interesse histórico e pessoal de Salomão é ultrapassado pelo seu significado tipológico. Da mesma forma como Davi, ele é um dos maiores tipos de Cristo no Antigo Testamento e, como Davi, tipifica Cristo em Seu reino ainda futuro sobre a terra. Alguns vêem uma diferença interessante na maneira como Davi e Salomão tipificam o reino vindouro de Cristo. Davi é o tipo do reino milenar de Cristo, ou seja, Seu reinado de mil anos sobre a terra como o Filho maior de Davi, sobre a casa de Israel restaurada e reunida. Salomão é o tipo do reino /ra.v-milenar de Cristo, que Paulo chama de “dispensação da plenitude dos tempos”, quando Cristo irá reinar naquela “nova Jerusalém” que descerá “do céu, da parte de Deus”. Não iremos tratar desse assunto aqui (mas veja a nota que precede a próxima lição).

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O templo (5-8)

Mostramos que este Primeiro Livro dos Reis tem duas partes: os onze primeiros capítulos referem-se inteiramente aos 40 anos do reinado de Salomão, e os onze capítulos restantes cobrem os primeiros 80 anos dos dois reinos. Queremos destacar agora que cada um desses dois períodos torna-se notável por causa de um fenômeno importante. No primeiro, temos a construção do maravilhoso templo de Jerusalém. No segundo, encontramos o ministério maravilhoso do profeta Elias no reino do norte. Observemos aqui certos aspectos relativos ao templo.

Capítulo 5

O capítulo 5 apresenta os preparativos para o templo. Salomão pede a Hirão, rei de Tiro, que lhe envie cedros do Líbano. A madeira nativa em Israel era o sicômoro (10.27) que, embora útil, era grosseiro e muito inferior ao cedro do Líbano, de tipo mais duro e compacto. Hirão, rei de Tiro, enviara alguns anos antes cedros a Davi (2 Cr 2.3) para a construção de sua casa real, e Davi sentia-se constrangido por viver em “casa de cedro” enquanto a arca de Deus permanecia numa simples tenda (2 Sm 7.2). A superioridade do cedro do Líbano, unida às despesas de mandar buscá-lo tão longe, fez dele uma espécie de luxo em Israel, e as casas construídas com esse tipo de madeira eram consideradas mais “finas”.

A comunicação entre Salomão e o rei de Tiro é dada com mais detalhes e pontos de grande interesse em 2 Crônicas 2. Salomão “enviou” sua mensagem a Hirão, e este “respondeu por escrito”. Havia cortesia de ambos os lados. Salomão, que faz o pedido, envia um mensageiro especial para transmitir oralmente a mensagem, e Hirão deve responder por escrito a um pedido desse tipo, selando a resposta com o selo real e provavelmente devolvendo-a pelo próprio mensageiro de Salomão. Este é também um exemplo de comunicação escrita da antigüidade.

A mensagem de Salomão a Hirão surpreende pelo testemunho que dá do Senhor. Precisamos lembrar que Hirão era um idólatra e que Salomão poderia facilmente pensar que seria mais conveniente omitir referências ao seu próprio Deus, mencionando apenas os detalhes comerciais de seu pedido. Veja em Crônicas 2.4-6, porém, suas gloriosas palavras: “Eis que estou para edificar a casa ao nome do Senhor meu Deus... A casa que

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edificarei há de ser grande, porque o nosso Deus é maior do que todos os deuses. No entanto quem seria capaz de lhe edificar a casa, visto que os céus e até os céus dos céus o não podem conter?” Este é um nobre testemunho da supremacia e infinitude do Senhor, que náo deixa espaço para quaisquer outras supostas divindades; todavia, a mensagem é de real cortesia. Ainda mais notável é a resposta de Hirão que, longe de ofender-se, reconheceu o Senhor nestas palavras: “Bendito seja o Senhor Deus de Israel, que fez os céus e a terra\ que deu ao rei Davi um filho sábio, dotado de discrição e entendimento, que edifique casa ao Senhor, e para o seu próprio reino” (2 Cr 2.12).

Estas foram as exigências feitas por Salomão ao rei de Tiro: “Manda-me, pois, agora um homem que saiba trabalhar em ouro, em prata, em bronze, em ferro, em obras de púrpura, de carmesim e de azul; que saiba fazer obras de entalhe juntamente com os peritos que estão comigo em Judá e em Jerusalém, os quais Davi meu pai empregou. Manda-me também madeira de cedros, ciprestes e sândalo do Líbano; porque bem sei que os teus servos sabem cortar madeira no Líbano. Eis que os meus servos estarão com os teus” (2 Cr 2.7, 8). Salomão pediu então um especialista em arquitetura e projetos, hábeis entalhadores e cortadores, e um grande suprimento de vários tipos de madeira. O pagamento seria feito com produtos agrícolas, como descrito em 2 Crônicas 2.10.

Tudo isto concorda com o que sabemos sobre a Fenícia e Israel naqueles tempos. O país dos fenícios, onde reinava o rei Hirão, estendia-se ao longo da costa do Mediterrâneo, e seus habitantes eram mercadores com pouco tempo para a agricultura. O território era limitado e inadequado para suprir as necessidades de suas grandes e populosas cidades. Mas o reino de Salomão, situado no interior, era rico em frutas e cereais diversos, podendo suprir perfeitamente outros povos além do seu.

Os últimos versículos do capítulo 5 dizem-nos que Salomão formou um grupo de trinta mil homens, empregando-os em turmas de dez mil por mês no Líbano, de modo que cada homem trabalhava quatro meses em doze, com folga de dois meses em casa entre os turnos — uma proporção bem razoável. Além desses, Salomão tinha setenta mil transportadores e oitenta mil cortadores nas montanhas. Esses trabalhadores braçais não eram israelitas, mas cananeus (veja 2 Cr 2.17, 18), e havia 3.300 chefes sobre eles. Esses números perfazem um enorme total de mais de 183.000 pessoas! Podemos começar a perceber assim a magnitude do em­

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preendimento.O capítulo 5 termina com estas palavras: “Mandou o rei que trouxessem

pedras grandes e pedras preciosas, e pedras lavradas para fundarem a casa...” Essas grandes pedras de alicerce existem até hoje, sendo agora conhecidas como “Haram-esh-Sheref”. Sobre elas foi edificada a Mesquita de Omar. Algumas dessas “pedras grandes” têm de 5 a 5,5 metros de comprimento; outras têm mais de 7 metros de comprimento e 2,5 metros de largura, e de 90 centímetros a 1,2 metros de espessura. Uma delas chega a ter 11,5 metros de comprimento! Certo relatório diz: “Esta grande pedra é uma das mais interessantes do mundo, pois trata-se da pedra angular principal da parede maciça do templo. Fixada em sua posição permanente há três mil anos, ela continua ali, firme e segura”. Não pode haver dúvida de que esses blocos imensos datam da época de Salomão. Decifradores verificaram recentemente que os sinais dos artesãos sobre elas são dos fenícios — dos quais, como a Escritura nos diz, Salomão pediu e recebeu material desse tipo para o templo. Quando consideramos o tamanho e o peso dessas “grandes pedras”, e refletimos que elas tiveram de ser transportadas de muito longe até Jerusalém, por meio de carros puxados por bois, só podemos nos maravilhar.

Capítulos 6-8

No capítulo 6 vemos as dimensões, os materiais e a construção do templo. As informações com respeito a cada parte descrita, embora exatas e detalhadas, não permitem que os estudiosos concordem quanto à aparência e arquitetura externa do edifício. O plano básico, porém, é muito claro, e suas medidas são exatamente o dobro das do tabernáculo. Este tinha 60 côvados de comprimento por 20 de largura. O comprimento dividia-se em duas partes, sendo uma o Lugar Santo, com 40 côvados, e a outra o Santo dos Santos, com 20 côvados. Havia na frente do edifício um pórtico com a mesma largura do prédio (20 côvados) e 10 côvados de profundidade. Este pórtico fazia, portanto, com que o comprimento do templo chegasse a 70 côvados (excluindo a espessura das paredes). Nos dois lados do tem plo e em sua parte posterior, havia pequenos compartimentos construídos contra as paredes, do lado de fora, para uso dos sacerdotes. Eles eram construídos ao longo das paredes, em três andares sobrepostos de tal modo que as vigas de madeira desses cômodqá

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não precisassem ser fixadas nas paredes do edifício sagrado; as paredes do templo foram feitas com saliências sobre as quais as vigas ou tábuas podiam repousar. A largura desses cômodos, acrescida da espessura das paredes, soma dez côvados a cada lado do templo e à parte de trás; de maneira que o comprimento total é de 80 côvados e a largura 40 côvados.

Vemos então que o templo de Salomão não era muito grande. O côvado mede cerca de 45 cm, de maneira que um prédio de 80 côvados de comprimento por 40 de largura teria 36 por 18 metros. Isto indica que o templo de Salomão era bem pequeno comparado com algumas de nossas igrejas; este fato pode surpreender-nos e até decepcionar-nos. Devemos porém lem brar que, em vista do propósito do templo, jamais foi pretendido que seu tamanho fosse imponente. Ao contrário de nossas igrejas modernas, feitas para acomodar congregações, o templo não foi construído para reunir pessoas. A congregação não se reunia dentro dele, mas adorava voltando-se em direção a ele, como sendo a casa de Deus. Erao lugar da presença divina e dos sacerdotes que ministravam perante ela e para mais ninguém. Neste sentido, ele se assemelhava aos templos egípcios e outros templos da antigüidade. Visto sob este aspecto, qualquer surpresa quanto à aparente insignificância de seu tamanho desaparece. Nas palavras do Dr. Kitto: “A importância do templo de Salomão, que fomos levados a considerar como uma das maravilhas do mundo antigo, não consistia em seu tamanho, mas na natureza complexa, dispendiosa e altamente decorativa de todo seu interior e mobiliário; também no número, extensão, grandiosidade e enorme trabalho de alvenaria dos pátios, câmaras, paredes e torres que havia nele. Não é de fato demais supor que essas construções externas, formando o anel em que a gema preciosa do templo se achava engastada, tivessem custado tanto quanto o edifício sagrado em si, pela imensa quantidade de ouro aplicada”.

Não podemos falar aqui da primorosa ornamentação do interior, mas queremos simplesmente chamar atenção para o fato notável de que todo ele era “coberto de ouro puro” (v. 21). Não se tratava de uma simples douração, mas de verdadeira cobertura, de cuja arte ainda nos restam exemplares abundantes preservados desde aqueles tempos. Os entalhes decorativos foram primeiro feitos em madeira de cedro, formando a base do enfeite que aparecia na superfície de ouro. A quantidade de ouro gasta no interior e no mobiliário do templo deve ter sido enorme. E bom lembrar, no entanto, que nos dias de Salomão o ouro não representava

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dinheiro. Não era um meio de troca, um padrão de valor, como acontece hoje. A prata era o padrão de valor, sendo bastante provável que Salomão tivesse comprado ouro com prata. Devemos entender claramente que o ouro era usado para trabalhos ornamentais, mas não como dinheiro; assim, de acordo com observações já feitas, o ouro utilizado no templo de Salomão não representa o custo monetário envolvido, mas a quantidade real do metal empregado.

Não podemos nos deter aqui com os dois belíssimos querubins de ouro (cada um com 4,5 metros de altura), nas colunas de bronze (cada uma com8 metros de altura), no pórtico dianteiro (que era mais alto que o restante do edifício), no mar de fundição, nas pias, candelabros, mesas, utensílios e outros equipamentos interessantes do templo. Tudo isto deve ser estudado cuidadosamente com a ajuda de um bom comentário. Queremos, no entanto, mencionar três pontos.

Primeiro, lemos que Salomão fez janelas estreitas para o templo (6.4), e pode-se ficar indagando como tais janelas seriam possíveis, se havia três andares de cômodos construídos contra o exterior das janelas do templo. A resposta é que esses três andares juntos tinham apenas 15 côvados de altura (6.10), enquanto o templo tinha 30 côvados de altura (6.2). Assim sendo, mesmo acrescentando espaço para o assoalho e teto desses três andares de cômodos, havia um amplo lugar para as janelas, na parte de cima. Naturalmente, elas não eram envidraçadas, mas cobertas de treliças adornadas, que era então a maneira comum de vedar tais janelas.

Segundo, o primeiro versículo do capítulo 7 diz: “Edificou Salomão os seus palácios, levando treze anos para os concluir”. Uma vez que o templo só levou sete anos, poderia parecer egoísmo por parte de Salomão o fato de ele levar mais seis anos para construir sua própria casa; iremos, porém, fazer injustiça a ele se pensarmos desse modo. Não existe idéia de contraste entre as últimas palavras do capítulo 6 (que declaram ter Salomão levado sete anos para construir o templo) e as primeiras do capítulo 7. Os prédios do palácio eram muito maiores e o empreendimento, mais vasto; não houvera também qualquer preparo de materiais para esses edifícios como acontecera com o templo, e provavelmente um número menor de trabalhadores foi empregado. Além disso, o fato de Salomão ter completado a casa do Senhor antes de começar a sua é um ponto a seu favor.

Terceiro, não devemos esquecer aparte de Davi no templo. Embora não

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tivesse tido permissão para construí-lo e apesar de saber que morreria antes de sua construção, por sua generosidade característica começou a fazer os preparativos necessários. Ele parece ter-se encarrregado dessa tarefa com tanto zelo quanto teria se lhe coubesse edificar o templo. Em1 Crônicas 22.2-5 lemos: “Deu ordem Davi para que fossem ajuntados os estrangeiros que estavam na terra de Israel; e encarregou pedreiros que preparassem pedras de cantaria para se edificar a casa de Deus. Aparelhou Davi ferro em abundância, para os pregos das folhas das portas, e para as junturas, como também bronze em abundância, que nem foi pesado. Madeira de cedro sem conta, porque os sidônios e tírios a traziam a Davi em grande quantidade. Pois dizia Davi: Salomão, meu filho, ainda é moço e tenro, e a casa que se há de edificar para o Senhor deve ser sobremodo magnificente, para nome e glória em todas as terras; providenciarei, pois, para ela o necessário; assim o preparou Davi em abundância antes de sua m orte” . Como esta linguagem e com portam ento generosos são característicos de Davi! No versículo 14 do mesmo capítulo observamos que ele também deixou para o templo “cem mil talentos de ouro e um milhão de talentos de prata e bronze e ferro em tal abundância que nem foram pesados”.

Além disso, numa passagem notável (1 Cr 28.10-19), descobrimos que Davi igualmente deixou para Salomão plantas e modelos para o templo, afirmando tê-los recebido de Deus (w. 12, 19). Também deixou para Salomão bons amigos que se dispuseram a ajudá-lo. Um deles foi Hirão, rei de Tiro, que, segundo lemos, “sempre fora amigo de Davi” (1 Rs 5.1) e ajudou Salomão por causa de Davi.

Existe algo de nobre e tocante, assim como de trágico, nos preparativos entusiásticos de Davi para o templo que jamais teria oportunidade de ver. Possamos nós ser assim tão pouco egoístas para com aqueles que virão depois de nós! Que Deus nos ajude a deixar para nossos filhos o material moral para a construção de suas vidas como templos vivos! Possamos deixar para nossos filhos os padrões que recebemos de Deus e também bons amigos que possam ajudá-los com sabedoria quando já tivermos partido!

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O PRIMEIRO LIVRO DOS REIS(2)

Lição N2 33

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NOTA: Para este novo estudo em 1 Reis, releia do capítulo 1 ao 4 e do9 ao 11.

Homero foi traduzido para cerca de vinte idiomas. Shakespeare foi traduzido para cerca de quarenta. Deixando de lado os demais, pelo que sei existem dois livros que passaram de cem traduções. Essas obras são: “O Peregrino”, de John Bunyan, e “Imitação de Cristo”, de Thomas à Kempis. Os únicos dois que alcançaram um número de três algarismos baseiam-se na Bíblia. Eles têm origem na Bíblia, nasceram dela... A Bíblia inteira, ou parte dela, foi traduzida para pouco mais de mil línguas faladas.

G . C A M P B E L L M O R G A N

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O PRIMEIRO LIVRO DOS REIS (2)

SALOMÃO: SUA ASCENSÃO, SABEDORIA, GLÓRIA E FRACASSO

A ascensão de Salomão (1-2)

S A L O M Ã O era muito jovem quando subiu ao trono. Ele próprio disse: “Não passo de uma criança” (3.7). Eusébio declara que ele tinha 12 anos. Josefo diz que tinha 15. Podemos afirmar com segurança que não passava dos 20. Sua ascensão precoce foi precipitada por uma conspiração de Adonias, o filho mais velho de Davi, ainda vivo, e que aspirava ao trono. Adonias aparentemente julgou poder aplicar seu golpe de estado com base em três coisas: o enfraquecimento de Davi, por causa da idade, a desqualificação de Salomão, em vista de sua imaturidade, e sua própria qualificação como filho favorito de Davi e dono de uma personalidade atraente (1.6). Ele foi apoiado por Joabe, comandante do exército, e por Abiatar, chefe dos sacerdotes, ambos provavelmente procurando servir a seus próprios interesses — Joabe para manter seu comando como acontecera no reinado de Davi, e Abiatar para expulsar seu rival, Zadoque.

O estratagema, porém, não surtiu efeito devido às providências imediatas tomadas pelo profeta Natã, que obteve e depois proclamou o voto solene do idoso Davi, no sentido de indicar Salomão como seu sucessor. A culpa de Adonias é vista em sua confissão, ocorrida logo depois, de que ele sabia que o reino era de Salomão, da parte “do Senhor” (2.15).

Veja o capítulo 2. Ele trata das instruções dadas a Salomão por Davi, pouco antes da morte deste. Enquanto a primeira parte é bastante nobre e profunda, a outra contém certos aspectos medonhos que podem parecer estranhos a um leitor moderno. Davi falou a respeito de Joabe: “... não permitas que suas cãs desçam à sepultura em paz” (2.6). Suas palavras sobre Simei foram: as suas cãs desçam à sepultura com sangue” (2.9).Mas, se essas palavras do moribundo Davi forem interpretadas como expressão de um espírito vingativo, há muito engano nessa opinião. A

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atitude pessoal de Davi para com Joabe e Simei já fora demonstrada. Ele havia sido generoso por anos, tolerando a Joabe, e já perdoara a maldição de Simei. Suas palavras no leito de morte a respeito deles foram pronunciadas do ponto de vista do dever público e não por vingança pessoal.

Veja as obrigações de Israel: “Não aceitareis resgate pela vida do homicida, que é culpado de morte: antes será ele morto... Assim não profanareis a terra em que estais; porque o sangue profana a terra; nenhuma expiação se fará pela terra por causa do sangue que nelaxfor derramado, senão com o sangue daquele que o derramou” (Nm 35.3;í f è í '^ “não olharás com piedade, antes exterminarás de Israel a culpa/tíf^aiígije inocente,para que te vá bem” (Dt 19.13). Joabe assassinara^kWgíjk frio tanto Abner como Amasa, estando portanto sob cu 1 p a v i a agora mais de 30 anos desde que matara Abner, mas j© / ^êi^ts nessa ocasião Davi estivera com certeza pensando nas pafawáã x^w jâ jv ina de Israel, quando disse: “Inocente sou eu, e o meu remosN^Vcom o Senhor, para sempre, do sangue de Abner, filho de Ner^Caia)aste sangue sobre a cabeça de Joabe e sobre toda a casa de-^eu(g^ir''(2 Sm 3.28, 29). Como rei teocrático, Davi era responsável$e4a\nanutenção da lei divina, e é isto que está por trás de sua < Jem a Salí não. Conforme afirmou o Dr. J. L. Porter: “No final de sua vijqâTwavi percebeu que havia negligenciado este dever imperioso. Q ÍV e^^rContrava-se em perigo. A vingança divina pendia s o b r^ le y C \V \ estava muito fraco para executar a lei, à beira da morte. ComBVvvesfe n ;ante do Legislador e Juiz divino, porém, ele pronuncjejíi 1 í^Mnça sobre os criminosos e ordenou a seu herdeiro e sucess5r^\ |^executasse. Não há qualquer idéia de ‘vingança a sangue \ N A ja^/nas sim de rigorosa justiça, embora um tanto tardia”.

N O m ais triste em relação à sentença dada por Davi a Joabe é que este . V ̂ òu pelo sangue de Abner só muito mais tarde, sendo punido por aqueles a quem servira com tanta lealdade e sucesso. O pior de tudo é que Davi havia usado justamente esse homem, Joabe, como seu cúmplice na morte de Urias! E de lamentar que Davi tivesse descido à sepultura com tal peso em sua consciência.

No caso de Simei, houve traição acrescida de blasfêmia — ele havia lançado uma maldição sobre o “Ungido do Senhor”. Salomão não deveria considerá-lo completamente purificado desse crime duplo. Simei era perigoso e não estava acima de suspeitas. Davi visava a segurança do reino

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de seu filho e, além disso, suas palavras devem ser lidas tendo em vista o que ocorreu depois entre Salomão e Simei. Este, na verdade, deveria ter sido morto anos antes, e a clemência de Davi para com ele deveria ter despertado lealdade — o que não aconteceu.

A sabedoria de Salomão (3-4)

A oração de Salomão pedindo sabedoria, em vez de riqueza, poder e longevidade, é uma passagem belíssima (3.5-15). Ela revela que o jovem rei já possuía um bom grau de maturidade, pois o fato de ter pedido sabedoria acima de tudo já era um sinal de sabedoria. Em nenhuma outra coisa sua sabedoria precoce é vista mais claramente do que em sua decisão de pedir mais sabedoria. Todavia, sem diminuir nossa apreciação da nobre escolha feita aqui por Salomão, é importante entender claramente o tipo de sabedoria que ele buscou e com a qual veio a ser sobrenaturalmente dotado; pois, a não ser que compreendamos isto, acharemos difícil con­ciliar sua sabedoria com a insensatez posterior.

As próprias palavras de Salomão indicam que, ao pedir sabedoria, ele não queria dizer sabedoria espiritual — aquele discernimento das coisas divinas que só vem através da regeneração e santificação e de uma comunhão íntima com Deus, ou aquela sabedoria de que Paulo fala no Novo Testamento. Não; nesse tipo de sabedoria, Salomão está bem abaixo de seu pai Davi. A sabedoria buscada por Salomão — e que lhe foi concedida sobrenaturalmente — foi critério administrativo, julgamento perspicaz, conhecimento intelectual, aptidão para adquirir tal conhe­cimento, sabedoria prática no controle dos assuntos do reino. Neste tipo de sabedoria, ele ultrapassou até mesmo os renomados filósofos de sua época, como lemos em 4.29-34:

“Deu também Deus a Salomão sabedoria, grandíssimo entendimento e larga inteligência como a areia que está na praia do mar. Era a sabedoria de Salomão maior do que a de todos os do Oriente e do que toda a sabedoria dos egípcios. Era mais sábio do que todos os homens, mais sábio do que Etã, ezraíta, e do que Hemã, Calcol e Darda, filhos de Maol; e correu a sua fama por todas as nações em redor. Compôs três mil provérbios, e foram os seus cânticos mil e cinco. Discorreu sobre

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todas as plantas, desde o cedro que estã no Líbano até ao hissopo que brota do muro; também falou dos animais e das aves, dos répteis e dos peixes. De todos os povos vinha gente a ouvir a sabedoria de Salomão, e também enviados de todos os reis da terra que tinham ouvido da sua sabedoria”.

Para o povo em geral, a primeira evidência da profunda percepção do jovem rei foi sua decisão no caso das duas jovens mães que queriam reclamar seus direitos sobre a mesma criança (3.16-28). A maneira como Salomão tratou desse caso é de fato surpreendente. As dúvidas com relação à sua imaturidade foram desse modo dissipadas. O povo reconheceu nele uma sabedoria que superava em muito sua pouca idade. Sem dúvida, a sabedoria de Deus estava nele. A partir de então, Salomão recebeu a confiança e veneração de todo seu povo.

A glória de Salomão (9-10)

O final da construção do templo e do palácio marcam os primeiros vinte anos do reinado de Salomão (veja 9.10). Os últimos vinte são tratados brevemente nos capítulos 9-11. Os capítulos 9 e 10 marcam o período do apogeu. Sua descrição eloqüente quase não exige comentário aqui. Eles não deixam qualquer dúvida quanto ao esplendor material da época. O relato das riquezas e opulência de Salomão (10.14-29) é um parágrafo assombroso, e quando lemos que Salomão fez com que a prata se tornasse tão comum quanto as pedras de Jerusalém, é bom lembrar que a prata, e não o ouro, era o dinheiro naqueles dias!

A visita da rainha de Sabá (10.1-13) causa um interesse específico, e a generosidade de Salomão para com ela se torna uma belíssima ilustração da liberalidade do Rei celestial para conosco. Em 10.13 lemos: “O rei Salomão deu à rainha de Sabá tudo quanto ela desejou e pediu, afora tudo o que lhe deu por sua generosidade real”. Maravilhada, a rainha rendeu-se aos tesouros desejáveis que contemplou. Com típica apreciação feminina, ela simplesmente não conseguiu resistir ao desejo de pedir isto e aquilo, até que finalmente se encontrou no dilema de ver muito mais coisas que queria, sem poder cometer a indelicadeza de continuar pedindo! Salomão, porém, leu seu coração e deu-lhe não só tudo o que pediu, mas também

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tudo o que pensou, acrescentando ainda a isso sua “generosidade real”. Vejamos então as três medidas da liberalidade de Salomão aqui: (1) tudo o que ela P E D IU ; (2) tudo o que ela P E N S O U (desejou); e (3) a G E N E R O S ID A D E real de Salomão.

Com isto em mente, leia Efésios 3.20: “Ora, àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos, ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós”. Temos aqui a mesma medida de doação em três partes: (1) “tudo quanto pedimos”', (2) “tudo quanto pensamos"; e (3) “para fazer infinitamente mais”. Deus nos conceda fé para pedirmos grandes coisas e termos amplos desejos em relação a Ele! — pois o dar não O empobrece, e o reter não O enriquece.

É interessante notar que no versículo citado acima, onde é dito que Salomão deu à rainha de Sabá “por sua generosidade real”, o texto hebraico diz literalmente “segundo a mão do rei Salomão”. Pense no que significa esse “segundo”. Salomão era o rei mais rico de toda a terra e ele dava de acordo com sua posição! Que prodigalidade encontra-se nesse “segundo”! Ele nos faz lembrar de Filipenses 4.19: “E o meu Deus, segundo a S U A riqueza em glória, há de suprir em Cristo Jesus cada uma de vossas necessidades”. Possa o Espírito Santo nos ensinar o significado desse “segundo” e enriqueça nossas vidas com essa generosidade real que procede daquele que disse: “... e eis aqui está quem é maior do que Salomão” (Mt 12.42).

O fracasso de Salomão (11)

Infelizmente, a glória do período salomônico foi curta. Logo os filhos de Israel passariam a lamentar: “Como o ouro se foi!” A culpa foi só de Salomão. As seguintes frases, encontradas no capítulo 11, contam a história de seu fracasso: “... amou Salomão muitas mulheres estrangeiras” (v. 1); “a estas se apegou Salomão pelo amor” (v. 2); “... suas mulheres lhe perverteram o coração para seguir outros deuses” (v. 4); “assim fez Salomão o que era mau perante o Senhor” (v. 6); “pelo que o Senhor se indignou contra Salomão” (v. 9); “por isso disse o Senhor a Salomão: ... tirarei de ti este reino” (v. 11). Esta infidelidade de Salomão precipitou a divisão do reino em dois. O sol da glória de Salomão ocultou-se em nuvens escuras. Nem todas as vestes suntuosas de seu dispendioso guarda-roupa

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podem esconder a feia mancha em seu caráter. Salomão não só abusara dos casamentos, mas também enchera seu grande harém com mulheres daquelas nações contra as quais Israel recebera repetidamente a proibição divina — Moabe, Amom, Edom e outras; ele chegara até a edificar “lugares altos” para suas divindades abomináveis. Se o rei se comportava desse modo, não era provável que o povo logo fizesse o mesmo? Salomão perdera o direito ao favor divino. O mais sábio dos homens tornara-se o maior dos insensatos, pois pecara contra a luz, o privilégio e a promessa, valores que não foram dados nessa medida a ninguém mais em toda a terra. O reino seria tomado de sua família, exceto Judá, que permaneceria por causa de Davi. O capítulo 11 termina com a morte de Salomão, fechando, assim, a primeira parte do livro. Observamos em Salomão que a mais elevada dose de sabedoria humana é inferior à verdadeira piedade. Se, como diz o salmista, “o temor do Senhor é início da sabedoria”, então, com certeza, a maior sabedoria é obedecer a Deus em todas as coisas e andar diante dEle com um coração perfeito.

A seguinte citação contém uma crítica justa a Salomão: “Ao avaliá-lo, devemos nos lembrar de seus privilégios e oportunidades. Ele não recebeu um reino destruído e um exército desmoralizado, como acontecera com seu pai, mas, sim, um reino estabelecido na justiça e um exército vitorioso em todas as frentes. Tinha também para guiá-lo a experiência dos dois reis que o precederam. A paz, como indica seu nome, certamente caracterizou seu reino; mas é duvidoso que tenha merecido seu outro nome: Jededias, ‘Amado do Senhor’. Abraão era o ‘amigo de Deus’ e Davi, um homem ‘segundo o coração de Deus’; mas Salomão não seguiu os passos deles. Seu registro tem aspectos brilhantes, como se vê em sua humildade inicial, sua escolha sábia de um dom, sua construção do templo e sua belíssima oração quando este foi dedicado (1 Rs 3.7, 9; 8.22-53). Se essas coisas fossem removidas de seu registro, o que ficaria para lhe ser creditado? Ele era um homem de extraordinária habilidade, botânico, zoólogo, arquiteto, poeta e filósofo moral; era, todavia, um homem a quem estranhamente faltava força de caráter. Moisés havia dito que os futuros reis de Israel não deveriam acumular riquezas, cavalos ou mulheres (Dt 17.14-20), mas Salomão fez tudo isso. Ele, que era amado pelo seu Deus, não tanto por si mesmo, poderemos pensar, mas por causa de Davi, deixou-se desviar por ‘mulheres estrangeiras’ (Ne 13.26), mesmo depois de o Senhor lhe ter aparecido duas vezes. Tomou para si setecentas mulheres e justamente

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dentre aquelas nações contra as quais Israel fora advertido (1 Rs 11.1, 2). Isto levou à introdução de falsos deuses e de falsa adoração, dando motivo para o Senhor pronunciar-se contra ele. Se alguém poderia sentir-se satisfeito por ter obtido tudo quanto desejava, esse alguém era Salomão; todavia, ele deixou escrito que tudo sob o sol é vaidade e aflição de espírito (Eclesiastes). A vida de Salomão é a vida do ‘eu’ em sua plenitude, que acaba se tornando triste e saturada de tudo”.

É isso então que temos a dizer sobre o rei Salomão — sua ascensão, sabedoria, glória e fracasso. Existe alguém de caráter mais enigmático? Existe em toda a história uma ironia que nos faça refletir mais do que esta: o mais sábio dos homens transformando-se no maior insensato, o homem que possuía riqueza, fama e prazer, acima de todos os outros, vindo a escrever no final: “Vaidade das vaidades! — tudo é vaidade!”? Possamos nós ler, gravar, aprender e digerir tudo isso interiormente!

APÊNDICE AO REINO DE SALOMÃO

Dissemos que o reinado de Salomão tipifica o futuro reinado de Cristo na terra. Quais eram então as características distintas do reinado de Salomão? Primeira, em todo o curso de seu reinado houve paz e descanso. Nenhuma guerra ou conflito interno quebrou a serenidade daqueles quarenta anos. Segunda, havia insuperáveis sabedoria e conhecimento, como vemos em 1 Reis 4 e 10. Terceira, havia liqueza e glória •— superando tudo o que existira antes. Quarta, havia fama e honra: o nome de Salomão era o maior entre todas as nações ao redor de Israel, e os israelitas eram honrados por todos os povos. Quinta, havia alegria e segurança; em 1 Reis 4.25 lemos: “Judá e Israel habitavam confiados, cada um debaixo da sua videira, e debaixo da sua figueira, desde Dã até Berseba, todos os dias de Salomão”. Veja também o versículo 20.

Com certeza, estes são os sinais preditos daquele reino que Cristo ainda estabelecerá entre as nações. Haverá paz e descanso: “Uma nação não levantará a espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra” (Is 2.4); “o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino os guiará” (Is 11.6). Haverá também sabedoria e conhecimento sem precedentes, pois “a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar” (Is 11.9).

Haverá ainda riqueza e glória como nunca antes, pois “o monte (i. e. reino) da casa do Senhor será estabelecido no cume dos montes (i. e. reinos), e se elevará sobre os outeiros, e para ele afluirão todos os povos” (Is 2.2). Haverá igualmente fama e honra, e um império tal como rei algum jamais conheceu antes, pois

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“domine ele (Cristo) de mar a mar, e desde o rio até aos confins da terra... E todos os reis se prostrem perante elè; todas as nações o sirvam” (SI 72.8, 11). Haverá do mesmo modo alegria e segurança para todos os súditos privilegiados nesse reino final; pois em Miquéias 4.4 lemos: “Mas assentar-se-á cada um debaixo da sua videira, e debaixo da sua figueira, e não haverá quem os espante, porque a boca do Senhor dos Exércitos o disse”. Não existe estudo mais envolvente na Escritura do que o de tais trechos gloriosos dos profetas, que descrevem o esplendor deste reino davídico e salomônico de Cristo que ainda está para vir sobre a terra. Nossa oração diária deve ser esta: “Venha o teu reino!”

J . S . B .

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O PRIMEIRO LIVRO DOS REIS(3)

Lição N° 34

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NOTA: Para este estudo final no Primeiro Livro dos Reis, leia novamente do capítulo 12 ao 22.

Salomão continuou a política de seu pai e compartilhou de sua bênção. Seus domínios estenderam-se do Mediterrâneo até o Eufrates, e do Mar Vermelho e da Arábia até o termo do Líbano (1 Rs 4.21 etc.). Os povos que pagavam tributos eram mantidos em completa sujeição e, como continuavam governados por seus próprios príncipes, Salomão era literalmente “rei dos reis”. Os cananeus que permaneceram na Palestina tornaram-se súditos pacíficos ou servos úteis. Ele tinha tesouros imensos, compostos em grande parte dos despojos das diversas nações, obtidos e acumulados por seu pai com o propósito de construir um templo ao Senhor. Salomão acrescentou a isso os rendimentos de pesados impostos. O tamanho de seu harém ultrapassava até mesmo os limites dos costumes orientais, embora isso possivelmente fosse ditado por uma política mundana.

A sabedoria de Salomão é exaltada tanto nas Escrituras como na história oriental. Três mil provérbios deram prova de suas virtudes e sagacidade. Mil e cinco canções colocaram-no entre os primeiros dos poetas hebreus, enquanto seu conhecimento de história natural foi demonstrado por escritos que vieram a ser muito admirados.

Sua própria grandeza o traiu. Os tesouros, mulheres e carros eram todos contrários ao espírito e preceitos da lei (Dt 17.16, 17). As arrecadações exageradas desagradaram o povo e, acima de tudo, ele foi desviado por suas mulheres, construindo templos a Camos, ou Baal-Peor, o ídolo obsceno de Moabe; a Moloque, o deus de Amom; e a Astarote, deusa dos sidônios. Seus últimos dias foram, portanto, perturbados por “adversários” que instigaram uma revolta dos povos vassalos. A tribo de Efraim tornou-se um foco de inimizade; Hadade “fez mal” em Edom; Damasco declarou sua independência sob Rezom; e Aias recebeu instruções para anunciar a Salomão que, por ter quebrado a aliança mediante a qual mantinha sua coroa, o reino lhe seria tirado, e uma parte seria dada a seu servo (1 Rs 11.31).

A N G U S , “B IB L E H A N D B O O K ”

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O PRIMEIRO LIVRO DOS REIS (3)

OS DOIS REINOS

c h e g a m o s agora à segunda metade do livro. A ruptura acontece logo após a morte de Salomão, e a partir deste ponto seguimos a história dos dois reinos e das duas linhagens de reis. Não é necessário tratar separadamente desses reis para nosso esquema de estudo. Todavia, tentaremos focalizar os pontos importantes da ruptura e o curso dos acontecimentos subseqüentes.

A ruptura

A tragédia de Israel

Em primeiro lugar, a ruptura foi uma tragédia. No final do reinado de Salomão, Israel veio a ser exaltado à mais alta dignidade de sua história. Sob as provisões feitas por Davi e Salomão, a adoração, a religião e o ensino público alcançaram um ponto jamais conhecido antes. Nas palavras do Reitor Baylee: “A teologia dos salmos, a sabedoria prática de Provérbios, a sugestão mística de Cantares, os ensinos patriarcais de Jó, a arqueologia de Gênesis e a manifestação de Deus na história, desde Josué até 2 Samuel, forneceram instrução e orientação abundantes, destinadas a fazer de Israel o centro de luz e bênção para toda a terra”. Os elevados propósitos de Deus para Israel estavam se desenvolvendo com evidência cada vez maior, e só podemos exclamar: “Oh, como teria sido se a ruptura não desferisse um golpe tão mortal contra a nação?!”

A culpa de Salomão

Em segundo lugar, é bom compreender que as Escrituras atribuem a culpa da ruptura a Salomão. Como vimos no Livro dos Juizes, embora Deus possa conferir muitos privilégios, Ele jamais concede o privilégio de

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pecar — não, nem mesmo para alguém tão especial como Salomão. Assim sendo, por mais que isso pudesse ter entristecido o Deus da aliança davídica, a ruptura foi permitida. A culpa de Salomão era grande. É uma acusação terrível mas verdadeira dizer que “toda a história posterior da ruptura, o declínio gradual do poder e influência, a corrupção moral e até o esquecimento completo de Deus, em certos períodos, foram apenas desdobram entos necessários dos princípios e práticas perniciosos introduzidos por Salomão”.

A insensatez de Roboão

Em terceiro lugar, no capítulo 12 é explicada a ruptura conforme sua ocorrência. Nos últimos anos do reinado de Salomão, as despesas extravagantes da corte do rei tornaram-se tão grandes que exigiram o aumento de tributos a um ponto tal que o povo mal podia pagar. Desse modo, com a morte de Salomão e a ascensão de Roboão ao trono, o povo, sob a liderança de Jeroboão, procurou diminuir o mal que lhes fora causado, através de uma redução nos impostos. O pedido parece ter sido razoável: “Teu pai fez pesado o nosso jugo; agora, pois, alivia tua dura servidão de teu pai e o seu pesado jugo que nos impôs, e nós te serviremos” (12.4). O comportamento imprudente e a resposta presunçosa de Roboão, porém, revelam sua completa incapacidade para avaliar uma situação desse tipo (12.5-15) e demonstram uma inferioridade mental que contrasta penosamente com a mente superior de seu notável pai. A ameaça insensata de agravar ainda mais o jugo do pai foi “a gota d’água”. As dez tribos renunciaram a toda e qualquer lealdade à casa de Davi, e Jeroboão tornou-se seu rei.

As inovações de Jeroboão

Em quarto lugar, a ruptura causou graves inovações no reino das dez tribos. Jeroboão era tão sagaz e inescrupuloso quanto enérgico e violento. Ele logo percebeu que, embora Siquém tivesse sido fortificada como sua capital, Jerusalém continuaria a ser considerada o centro unificador de todas as tribos, a não ser que medidas drásticas fossem tomadas para evitar isso. O templo e a arca da aliança, assim como tudo o que era sagrado na

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religião de Israel, achavam-se em Jerusalém, a sede principal do saber. Se o povo continuasse a comparecer às festas religiosas naquela cidade, mais cedo ou mais tarde o resultado se mostraria fatal ao trono do reino das dez tribos.

Jeroboão estabeleceu assim dois novos centros de adoração para o reino das dez tribos — um em Dã, ao norte, e outro em Betei, ao sul, declaradamente baseado na idéia de que era demais exigir que o povo continuasse percorrendo toda a distância até Jerusalém (12.28). Em cada um dos novos centros ele colocou um bezerro de ouro e proclamou: “Vês aqui teus deuses, ó Israel, que te fizeram subir da terra do Egito!” Israel foi assim levado a pecar gravemente.

Não seria justo dizer que Jeroboão, ao fazer os bezerros de ouro, estivesse pensando em introduzir a adoração de outros deuses além do Senhor, pois os bezerros eram claramente considerados pelo povo como figuras simbólicas consagradas ao Senhor. Todavia, a culpa de Jeroboão permanece, pois ele sem dúvida recordou o episódio do bezerro de Arão, ao usar as mesmas palavras deste: “Vês aqui teus deuses, ó Israel, que te fizeram subir da terra do Egito”. Além disso, Jeroboão conhecia muito bem a ira de Deus e de Moisés por ocasião desse pecado, além de saber que a representação do Deus de Israel na forma de ídolo era proibida.

Jeroboão também construiu “lugares altos” para o novo culto, instituiu sacrifícios e estabeleceu uma festa correspondente à Festa dos Taber­náculos, apesar de fazer com que fosse observada um mês mais tarde do que a festa na Judéia. Além disso, ele elegeu uma nova ordem de sacerdotes dentre as camadas mais inferiores do povo. Esta medida foi tomada porque os verdadeiros sacerdotes e levitas aparentem ente preferiram (sendo este um fato a seu favor) perder seu sustento e voltar a Jerusalém, em vez de participar das inovações ilícitas de Jeroboão (veja 2 Crônicas 11.13). Parece também que os sacerdotes e levitas que se retiraram foram acompanhados por outros fiéis de Israel (2 Cr 11.16). Contudo, as dez tribos como um todo rapidamente aceitaram os novos ajustes (1 Rs 12.30). Dessa forma, além da ruptura política que separava Israel de Judá, surgiu uma separação religiosa.

Jeroboão, como já dissemos, era um homem astuto e enérgico; mas faltava-lhe o discernimento espiritual para perceber que, se Deus o colocara no trono, Ele também superaria as contingências que viessem a ameaçar seu trono. Ele se afundou cada vez mais no pecado e arrastou

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consigo o povo. Seu epitáfio característico é: “Jeroboão, filho de Nebate, que fez pecar a Israel” (1 Rs 22.53; 2 Rs 3.3; 10.29 etc.). O reino das dez tribos teve assim um triste início, indo rapidamente de mal a pior.

As duas linhagens de reis

Compare agora as duas linhagens de reis, até o ponto onde este Primeiro Livro dos Reis termina. Não há necessidade de entrar em muito detalhes. Os fatos por si mesmos contam a história com toda clareza. Como já dissemos, a segunda metade de 1 Reis abrange aproximadamente os primeiros 80 anos dos dois reinos, a partir da ruptura. Nesse período, quatro reis reinaram em Judá e oito em Israel. Seus nomes, juntamente com o número de anos que reinaram e a sentença das Escrituras sobre eles, são os seguintes:

J U D Á ISR A E LR o b o ã o .................. Jeroboão .....................

mau mauA b i a s ..................... . . 3 N a d a b e ......................... . 2

m au m auA s a ......................... . .41 B a a s a ............................ .24

bom mauJ o s a f á ..................... . .25 E lá ................................ . 2

bom mau__ Zinri ............................ .(1 sem ana)

(E m bora m encionado em mau22.50, o reinado d e Jeorão Onri ............................ .12não com eçou senão depois maude A ca z ia s , m ostrado na A cab e ......................... .22coluna de Israel) mau

A c a z i a s ......................... . 2mau

cerca de cerca de86 anos 86 anos

Esses números mostram que Israel teve duas vezes mais reis do que Judá no mesmo período. Oito reis em aproximadamente 80 anos não é bom para nação alguma. Mas, muito pior ainda é o fato de que, dos oito reis que reinaram sobre Israel, todos eles foram perversos — um registro

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trágico. Dos quatro reis que reinaram sobre Judá, os dois que per­maneceram mais tempo (abrangendo 66 dos 86 anos) foram reis bons.

O profeta Elias (17-22)

Os seis últimos capítulos de 1 Reis ocupam-se do ministério do profeta Elias no reino do norte, o reino das dez tribos. Este espetacular homem de Deus chama nossa atenção para um bom propósito. Ele é uma das figuras mais notáveis em toda a história de Israel. Sua proeminência é vista na reforma religiosa que executou e no fato de que o Novo Testamento fala mais dele do que de qualquer outro profeta do Antigo Testamento. Além disso, ele foi o escolhido para aparecer com Moisés na transfiguração do Senhor. Ademais, é a partir deste ponto que o ministério dos profetas nos dois reinos judaicos se torna mais enfático. Um dos personagens mais surpreendentes e fantásticos de Israel, Elias aparece repentinamente em cena como um profeta da crise, com trovões na voz e tempestades no olhar. Ele desaparece também de modo súbito, levado para o céu num carro de fogo. Entre a primeira e a última aparição, estende-se uma seqüência de milagres espantosos. Chamaremos atenção aqui para três coisas: seu caráter, seu ministério e seu significado.

Seu caráter

A grandeza do caráter de Elias é reconhecida por todos. Mesmo os críticos que puseram em dúvida seus milagres concordam com ela. Ele parece ter sido notável até mesmo fisicamente. Não era homem da cidade, mas do campo. De fato, parece ter sido um verdadeiro beduíno, apreciando os esconderijos dos montes e vales, percorrendo as vastas pastagens desabitadas de Basã. Sua aparência austera e sóbria sem dúvida teria atraído imediatamente a atenção do homem da cidade, vestido de forma mais agradável. Ao lermos sobre o confronto entre Elias e Acabe, quando o profeta anunciou a aproximação de um período de seca, devemos imaginar um xeque barbudo, de cabelos longos e pele queimada pelo sol, ou um daroês magro, de olhos penetrantes, vestido com peles de ovelha, entrando ousadamente na presença do rei e levantando um braço rijo para o céu ao acusá-lo de pusilânime em tons que soavam como os

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ecos temíveis das montanhas.Mas Elias surpreende também no que diz respeito à sua formação moral.

Três qualidades destacam-se em especial: coragem, fé e zelo. Veja a coragem. Este é o Martinho Lutero do antigo Israel, que sozinho desafiou todos os sacerdotes da religião do Estado e todos os cidadãos do reino para um teste decisivo no Monte Carmelo.

Veja também sua fé. Ela reforça a coragem. Era necessário ter muita fé para apresentar-se a Acabe e dizer: “... nem orvalho nem chuva haverá nestes anos segundo a minha palavra” (1 Rs 17.1)! A natureza, por si só, pode fazer o orvalho e a chuva faltarem por dias ou semanas e, em casos bem raros, até por alguns meses; mas para que o orvalho e a chuva sejam retidos durante anos é necessário que haja uma intervenção sobrenatural.

Observe agora o zelo de Elias. Ele verdadeiramente expressou sua principal paixão, ao afirmar: “Tenho sido zeloso pelo Senhor, Deus dos Exércitos” (1 Rs 19.10). Quanto este filho do deserto, queimado pelo sol e inculto, pode nos ensinar sobre o zelo pela honra divina, sobre a indignação ardente diante da transigência religiosa e sobre a lealdade veemente à palavra de Deus!

Seu ministério

O Dr. Kitto comenta: “Havia dois tipos de profeta: os de ação e os de palavras. Dentre estes últimos, o maior é, sem dúvida, Isaías. Entre os primeiros, jamais houve alguém maior do que Elias”. Este é, portanto, o primeiro fato sobre o ministério de Elias: ele era um profeta de ação. Segundo nos consta, ele não escreveu nada, mas isto não nos surpreeende. Uma impetuosidade e um dinamismo como os de Elias dificilmente se unem à paciência de um escritor. Muitos dos mais entusiasta e enérgicos reformadores não tinham absolutamente qualquer dom como escritores. Eram homens de ação e não de discurso. Sempre há necessidade de homens assim.

O ministério de Elias foi também de milagres. A todo momento encontramos milagres. Em vista disso, alguns recentes “eruditos” descartaram sumariamente esta seção das Escrituras como sendo mítica. Todavia, a narrativa é tão sóbria e detalhada que, se não fossem pelos milagres, o crítico mais destrutivo jamais questionaria sua veracidade.

O ministério de Elias incluiu igualmente reforma. Ele não deu origem

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a nada. Contudo, protestou contra a apostasia religiosa e a degradação resultante de seu povo, chamando os homens de volta aos bons e antigos caminhos que o Deus de Israel havia lhes designado através de Moisés. Hoje, há necessidade de denúncias assim diretas.

Seu significado

Em primeiro lugar, Elias demonstra a verdade de que Deus tem sempre um homem que se apresenta na hora exata. As coisas já estavam suficientemente negras quando Acabe começou a reinar, mas ele logo as tornou cem vezes piores. Está escrito: “Ninguém houve, pois, como Acabe, que se vendeu para fazer o que era mau perante o Senhor, porque Jezabel, sua mulher, o instigava” (1 Rs 21.25). Sob a liderança real foi feito um esforço determinado para eliminar a religião do Senhor. Este foi o período mais medonho de toda a história de Israel. Todavia, justamente na hora crítica surge o herói de Deus. A mesma coisa repete-se continuamente na história. Quando a luz da verdade evangélica parece estar a ponto de extinguir-se da cristandade, e o papado sufoca milhares de europeus sob seu manto perverso, Deus tem seus Luteros e Calvinos para chamar o continente de volta àquela fé entregue de uma vez por todas aos santos. Quando a política, a religião e a moral se tornam tão degenerativas na Inglaterra que a própria essência da nação é prejudicada, Deus tem os seus John Wycliffes, William Tyndales, Whitefields e Wesleys.

Outro aspecto que Elias ilustra é que, quando a perversidade atinge proporções extraordinárias, Deus a confronta com medidas extraordinárias. Os deuses fenícios que Jezabel e Acabe ensinaram Israel a adorar representavam essencialmente os elementos materiais que produzem o orvalho e a chuva — Baal, Astarote e Aserá. Assim sendo, o Deus verdadeiro mostra sua superioridade sobre todos os poderes da natureza, suspendendo a chuva e o orvalho por três anos e seis meses. Em oposição aos milagres fictícios da falsa religião, o Senhor intervém com milagres reais. Eis a razão pela qual o ministério de Elias é de milagres. Deus está enfrentando uma situação extraordinária com medidas extraordinárias. Acredito que também hoje, quando uma situação extraordinária começa a desenvolver-se, podemos esperar que Deus enfrente mais uma vez o desafio com medidas extraordinárias.

Elias é importante para nossos dias em outras formas, também; mas

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vamos mencionar apenas mais uma: Elias voltará de novo a esta terra! De modo bastante surpreendente, somos informados disso nas últimas palavras do Antigo Testamento (Ml 4.5-6). Alguns zombam dessa idéia, da mesma forma como negam uma volta visível do Senhor Jesus. Outros afirmam que as profecias de Isaías e Malaquias com relação à vinda de Elias foram cumpridas em João Batista, sobre quem o Senhor disse: “Elias já veio” (Mt 17.12). Mas embora João fosse um cumprimento provisório, ele não era o próprio Elias; e o Senhor disse (depois da morte de João) que o verdadeiro Elias “virá” (Mt 17.11). Se nos voltarmos para aquele estranho capítulo 11 de Apocalipse, descobriremos que Elias é uma das duas testemunhas que deverão vir a este mundo, pouco antes do fim do presente sistema mundial e da volta de Cristo (como o perfil deixa claro). Elias é com certeza uma figura importante. Quando ele entrou em cena, há muito tempo atrás, as coisas começaram a se transformar rapidamente e, quando voltar, num futuro próximo, coisas ainda maiores acontecerão! A volta do Senhor também estará próxima!

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O SEGUNDO LIVRO DOS REIS(D

Lição Ne 35

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NOTA: Para este estudo, leia todo 2 Reis uma ou duas vezes.

Os grandes impérios do Oriente — Assíria, Babilônia e Pérsia — irão agora ocupar quase toda nossa atenção (i. e., a partir de 2 Reis). Todos eles exerceram grande influência sobre o destino do antigo Israel. Uma das melhores surpresas destes últimos tempos é que, entre os documentos recuperados desses grandes reinos mundiais, foi encontrado um contínuo e esplêndido comentário acerca desse longo período da história de Israel. As confirmações são tão numerosas e conclusivas que os críticos tiveram de confessar que, pelo menos aqui, a Bíblia deve ser reconhecida como história. Isto foi acompanhado pela aniquilação de algumas de suas conclusões mais antigas e certas. Onde quer que o explorador e o descobridor nos tragam de volta o passado a que a Bíblia se refere, o crítico tem de retirar-se confuso e envergonhado.

JOHN URQUHART

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O SEGUNDO LIVRO DOS REIS (1)

ESTE SEGUNDO Livro dos Reis, que se inicia com o traslado de Elias para o céu e termina com a ida dos judeus cativos para a Babilônia, é mais trágico do que todos os que o precederam. Além disso, é o mais trágico documento nacional jamais escrito. O povo eleito, através do qual os propósitos graciosos de Deus deveriam ter se desenvolvido para o esclarecimento e regeneração de toda a raça, afunda-se cada vez mais na infidelidade e degradação moral, até que a medida de sua iniqüidade finalmente atinge o limite, e o juízo vem. Inimigos impiedosos des­carregam sua vingança sobre esses homens, arrastando-os de sua terra para um humilhante cativeiro.

O livro da dispersão

No capítulo 17, vemos o reino das dez tribos do norte (Israel) seguir para o cativeiro na Assíria, do qual nunca mais retornou. No capítulo 25, vemos Jerusalém saqueada, o templo queimado e o reino do sul (Judá) seguindo para o cativeiro na Babilônia, do qual apenas um remanescente voltou.

Embora Judá não tivesse ido para o cativeiro senão um século depois de ter se separado de Israel, os dois cativeiros são juntamente chamados de dispersão. Já vimos como em cada um dos livros históricos, até este ponto, destaca-se uma linha mestra. Será útil gravar bem isso na memória.

1 Samuel é o livro da transição — da teocracia para a monarquia. 2 Samuel é o livro do reinado de Davi. 1 Reis é o livro da ruptura — divisão de um reino em dois. Agora 2 Reis, que deve ser sempre lembrado como o livro da dispersão.

Não podemos ler 2 Reis sem pensar naquele provérbio de Salomão: “O caminho dos perversos é como a escuridão” (Pv 4.19). As palavras de Paulo— “... o salário do pecado é a morte” (Rm 6.23) — são demonstradas aqui em escala nacional e claramente proclamadas em termos de justiça poética, para todos verem e atentarem. Cometer pecados, apesar das advertências, traz ruína sem salvação. Um erro indesculpável chama uma ira inescapável. O abuso do privilégio resulta em aumento de castigo.

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Quanto maior a culpa, tanto mais pesado o golpe. A correção talvez encontre resistência, mas a retribuição não pode ser impedida. “... como escaparemos nós, se negligenciarmos...” (Hb 2.3). “... de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará” (G1 6.7). Todos esses pensamentos enchem nossa mente, ao lermos 2 Reis. Ao contemplar as tribos de Israel derrotadas e humilhadas, sendo arrastadas atrás dos carros de seus conquistadores pagãos, certamente não podemos deixar de notar a mensagem central deste livro: o pecado voluntário traz um fim lamentável.

A estrutura

Os que escrevem sobre os livros dos Reis parecem achar difícil fazer uma análise adequada de seu conteúdo, porque as histórias de Judá e Israel se sobrepõem repetidamente e se fundem numa só narrativa. Para nós, porém, as linhas gerais destacam-se claramente. Vimos como em 1 Samuel as três partes se unem em torno de Saul, Samuel e Davi, e como em 2 Samuel temos os triunfos e depois os problemas de Davi. Observamos também que em 1 Reis o livro indiscutivelmente divide-se em duas partes principais: a primeira dedicada totalmente ao reinado de 40 anos de Salomão, e a segunda cobrindo os primeiros 80 anos dos dois reinos. Veremos agora que neste Segundo Livro dos Reis as divisões principais são facilmente discerníveis, podendo ser memorizadas sem dificuldade.

Verificaremos que os dez primeiros capítulos ocupam-se quase totalmente do reino do norte, Israel (sendo as únicas referências a Judá puramente acidentais: para mencionar como dois reis de Judá se uniram a Israel em duas ações militares e devido à sua ligação com a casa de Acabe através do casamento). Nesses dez primeiros capítulos, o ministério de Eliseu no reino do norte é o assunto predominante.

A seguir, no grupo subseqüente — capítulos 11 a 17 — temos os registros alternados de ambos os reinos, terminando com a ida de Israel para ò\ cativeiro na Assíria.

Por último, do capítulo 18 ao 25 temos apenas a história de Judá (uma vez que o reino do norte, das dez tribos, encontra-se agora disperso no cativeiro); e este terceiro grupo de capítulos finaliza com a ida de Judá para o exílio na Babilônia. A fim de tornar isto bem claro, apresentamos o seguinte esboço:

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O SEGUNDO LIVRO DOS REIS

O LIVRO DA DISPERSÃO

O PECADO VOLUNTÁRIO TRAZ UM FIM LAMENTÁVEL

I. REGISTROS DE ISRAEL, O REINO DO NORTE (1-10)

ESTA PARTE CONTÉM O MINISTÉRIO DE ELISEU E CONCLUI COM A MORTE DE JEÚ, DÉCIMO REI DE ISRAEL.

II. REGISTROS ALTERNADOS DOS DOIS REINOS (11-17)

ESTA PARTE VAI ATÉ O CATIVEIRO DE ISRAEL NA ASSÍRIA (NESSE PERÍODO, JONAS, AMÓS E OSÉIAS PROFETIZARAM EM ISRAEL).

III. REGISTROS DE JUDÁ, O REINO DO SUL (18-25)

ESTA PARTE TERMINA COM O CATIVEIRO DE JUDÁ NA BABILÔNIA, PERÍODO NO QUAL OBADIAS, JOEL, ISAÍAS, MIQUÉIAS, NAUM, HABACUQUE, SOFONIAS E JEREMIAS HAVIAM PROFETIZADO EM JUDÁ.

(Para o presente propósito, não há necessidade de uma análise mais detalhada. Os três movimentos principais acima devem ser fixados muito bem em nossa mente, a fím de tornar mais fácil a memorização do livro inteiro.)

O Segundo Livro dos Reis, então, marca historicamente o fim dos dois reinos hebreus, embora eles continuem sendo objetos de grandes profecias, as quais serão consideradas mais tarde no decorrer de nosso estudo. Com o cumprimento dessas profecias será completado o triunfo final de Deus na raça hebraica e através dela. Sob o ponto de vista histórico, porém, a narrativa sobre o povo de Deus, como mostra este Segundo Livro dos Reis, é de fracasso e tragédia, dilacerando nosso coração.

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As duas linhagens reais completas

Como 2 Reis registra a dispersão e a ruína dos dois reinos hebreus (o reino do norte, de Israel, para o cativeiro na Assíria, em 721 a. C., e o reino do sul, de Judá, para o exílio na Babilônia, em 587 a. C.), será proveitoso examinar as duas linhagens de reis em sua totalidade; ou seja, pelo menos a partir da época em que as dez tribos se separaram na “ruptura” a fim de formarem seu próprio reino, em 975 a. C.

É digno de nota o fato de 19 reis ao todo terem reinado sobre as dez tribos, sendo que este reino durou apenas cerca de 250 anos; enquanto Judá, que teve vinte reis desde a ruptura, continuou existindo durante aproximadamente 390 anos a partir dessa época. Lembre-se: os 19 reis de Israel procederam de nada menos do que sete dinastias diferentes, enquanto os 20 reis de Judá eram de uma única dinastia — a davídica.

Isto nos leva a fazer duas observações.Primeira, embora os sucessivos reis não sejam tratados em detalhes,

mas, sim, considerados como reis e não homens, é interessante observar que, no caso dos reis de Judá, Davi é o padrão pelo qual o caráter deles é avaliado. Lemos repetidamente palavras como: “... seu coração não era de todo fiel para com o Senhor seu Deus, como fora o de Davi, seu pai” (veja1 Rs 11.4,6,33,38); “... tu não foste como Davi, meu servo” (14.8); “... seu coração não foi perfeito para com o Senhor seu Deus como o coração de Davi, seu pai” (15.3); “Asa fez o que era reto perante o Senhor, como Davi, seu pai” (15.11); e assim por diante. Este é um grande tributo a Davi. Apesar dos pecados pessoais que mancharam sua vida, sua confiança em Deus, sua integridade geral, seu zelo pela honra divina e seu re­conhecimento reverente da responsabilidade que lhe cabia como rei teocrático foram tais que justificaram o nome de “homem segundo o coração de Deus”, suficientes para fazer dele um modelo para todos seus sucessores no trono.

Segunda, fica claro que um dos principais propósitos da história da Bíblia neste ponto é mostrar a fidelidade de Deus à aliança davídica (2 Sm 7) na preservação da linhagem de Davi (veja, por exemplo, 2 Rs 8.19). Muitas vezes, a casa real de Davi parecia correr o risco de ser aniquilada. Foi ameaçada por ocasião da revolta das dez tribos. Mais tarde, depois da morte de Acazias, quando um usurpador apossou-se da cidade real, e a sobrevivência da linhagem davídica através de Salomão dependia da

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preservação do menino Joás, este foi salvo da espada do usurpador por uma mulher, Jeoseba, e a linhagem pôde então continuar. Ainda mais tarde, quando o rei Zedequias, que não tinha herdeiros, adoeceu e estava aparentemente prestes a morrer, vemos Jerusalém sitiada pelos assírios, e tudo indicava que a linhagem davídica corria perigo tanto pela espada como pela doença. Mas Deus interveio, e a linhagem continuou. Tempos depois, quando o reino de Judá caiu por causa de seus pecados, a fidelidade de Deus permaneceu e assim também a linhagem. Apesar de Deus ter dito a respeito do perverso rei Jeconias: “Registrai este como se não tivera filhos” (Jr 22.30), e a linhagem de Davi através de Salomão ter cessado, uma linha suplementar de Davi foi preservada através de Natã, e assim continuou a sucessão. Mesmo após o cativeiro na Babilônia, a linhagem continua em Zorobabel, e sob sua liderança o templo foi reconstruído. A partir dele, o registro genealógico é preservado até o nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo, Filho e Senhor de Davi. NEle, a linhagem davídica é perpetuada para sempre, e por Ele, em Seu segundo advento, o trono de Davi será estabelecido novamente na terra, na cidade de Jerusalém, em cumprimento àquela aliança feita com Davi muito tempo atrás.

Ouvimos dizer que, em vista de Israel ter se constituído e reconhecido como um estado independente na Palestina, começaram a surgir indagações e certas suposições foram feitas com a idéia de estabelecer um elo atual com o trono davídico. Não sabemos se existe verdade nisso; mas uma coisa é certa: Israel jamais será um reino independente outra vez, até que o próprio Rei volte, o Senhor Jesus Cristo. Ele, e só Ele, irá restabelecer o trono davídico, pois desde seu nascimento em Belém, só Ele é o verdadeiro herdeiro, segundo as Escrituras do Antigo e Novo Testamentos.

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REIS DE JUDÁ E ISRAEL A PARTIR DA RUPTURA

Quadro com o número de anos de reinado de cada um e um paralelo aproximado das cronologias dos dois reinos e suas linhagens.

JUDAR o b o ã o ..................................... 17A b i a s .......................................... 3Asa ........................................... 41

J o s a fá ........................................ 25

Jeorão .................................... 8A c a z ia s ........................................1A ta l ia .......................................... 6J o á s ...........................................40Amazias .................................. 29Azarias (Uzias) ...................... 52

Jotão ........................................16Acaz ........................................16Ezequias ................................. 29M anassés................................. 55Amom ...................................... 2J o s ia s ....................................... 31J e o a c a z ........................3 mesesJeo aq u im ..................................11Joaquim .....................3 mesesZedequias ...............................11

ISRAELJ e ro b o ã o .................................. 22Nadabe .................................... 2B a a s a ........................................ 24Elá ............................................. 2Zinri .......................... 1 semanaO n r i ........................................... 12A c a b e ........................................ 22A c a z ia s ....................................... 2Jorão ........................................ 12Jeú ........................................... 28

Je o a c a z ......................................17Jeoás . ...................................... 16Jeroboão I I ............................... 41Interregno-.................................. 12Zacarias ................................ 1/2S a lu m .......................... 1 mêsMenaém .................................. 10P e c a ía s ....................................... 2P e c a ...........................................20Oséias ....................................... 9

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O SEGUNDO LIVRO DOS REIS(2)

Lição V 36

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NOTA: Para este novo estudo em 2 Reis, releia os dez primeiros capítulos e o capítulo 13.

Não se pode dizer que os conhecimentos mais recentes estejam nos afastando da Bíblia; pelo contrário, estão nos levando de volta a ela. Nossos cientistas mais renomados estão tateando e abrindo caminho através de um vasto emaranhado de fatores materialistas, indo em direção a uma cosmovisão muito mais harmonizada com as Sagradas Escrituras. Além disso, tornou-se claro que os líderes da ciência da geração passada superestimaram e enfatizaram demasiadamente o limitado conhecimento de sua época, não se aprofundando nele. Uma vez que a educação reflete as crenças das mentes que predominaram na geração anterior, e não as do presente, estamos sofrendo hoje por causa desses erros de cálculo. Mas, à luz dos fatos que não foram então observados, ou que tiveram sua importância negligenciada, os cientistas da atualidade deixaram de supervalorizar o conhecimento humano. Pelo contrário, eles estão enfatizando a ignorância humana. Os chamados “milagres” não mais estão sendo ridicularizados, mas, sim, reconhecidos.

SIR CHARLES MARSTON

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O SEGUNDO LIVRO DOS REIS (2)

O PROFETA ELISEU (1-10)

O TEMA PREDOMINANTE nos dez primeiros capítulos de 2 Reis é o ministério do profeta Eliseu, para o qual queremos pedir cuidadosa atenção. O ministério de Eliseu é tão notável quanto o de Elias e, em alguns detalhes tipológicos, ainda mais singular. Em nosso penúltimo estudo, falamos de Elias sob três aspectos — caráter, ministério e significado. O melhor que podemos fazer talvez seja usar esses três títulos também para Eliseu, dando ênfase ao último deles: seu significado amplo e peculiar.

Seu caráter pessoal

É sempre bom considerar o caráter pessoal dos servos importantes de Deus, pois assim podemos conhecer o tipo de pessoa que Deus escolhe e usa de modo marcante. Destacamos os seguintes traços da formação moral de Eliseu, por serem percebidos de imediato.

Vemos primeiro um desejo espiritual. Quando Elias disse: “Pede-me o que queres que eu te faça”, o pedido de Eliseu foi: “Peço-te que me toque por herança porção dobrada do teu espírito” (2.9). Não houve interesse por vantagens terrenas, embora isso certamente pudesse ser escolhido.

Notamos igualmente afeição filial: “Deixa-me beijar a meu pai e a minha mãe, e então te seguirei” (1 Rs 19.20). Não existe paralelo aqui com aquele candidato a discípulo em Lucas 9, que se ofereceu antes de ser chamado, mas cuja vocação o Senhor sabia ser apenas superficial. Eliseu cortou os laços familiares imediatamente, mas a maneira como o fez demonstra afeição pela família. Geralmente, os que combinam afeto pelos seus com supremo amor a Cristo são os que se tornam mais sinceros e adequados servos do Senhor.

Observamos a seguir a humildade de Eliseu. Ao que parece, seus serviços eram de caráter bem humilde. Ele é chamado de “filho de Safate, que deitava água sobre as mãos de Elias” (2 Rs 3.11) — uma alusão ao

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antigo costume oriental de o servo derramar água de um jarro sobre as mãos de seu senhor, a fim de lavá-las.

Também nos impressiona a coragem de Eliseu. Veja, por exemplo, seu primeiro encontro com o rei Jorão (3.13,14). Ao contrário das bajulações mentirosas dos adivinhos que rodeavam Jorão, as palavras de acusação proferidas por Eliseu foram cortantes. Só um mensageiro de Deus cora­joso e sincero poderia tê-las dito.

Nesta viagem de dez capítulos com Eliseu, devemos ainda observar sua fé poderosa. Desde o momento em que tocou as águas do Jordão com o manto de Elias, crendo que elas iriam obedecer-lhe como havia ocorrido com ele, vemos sua fé se intensificando de experiência em experiência. Foi essa fé que fez arder o fogo de sua coragem. A verdadeira fé em Deus sempre torna o homem destemido.

Notamos igualmente o desprendimento de Eliseu. Como ele poderia ter ficado rico com os presentes sugeridos por Naamã, o sírio (5.5 etc.), e com os que foram enviados pelo rei Ben-Hadade (8.9)! Mas os olhos do profeta não se fixaram em tais recompensas. Ele só vivia para uma coisa — a vontade e a honra do Senhor. Possa o Espírito de Deus reproduzir essas qualidades em nossos corações e em nossas vidas!

Seu ministério profético

O ministério de Eliseu é extraordinário. O sobrenatural surge nele a todo momento das formas mais surpreendentes. Seu ministério foi ainda mais entremeado de milagres do que o de Elias. Já foi observado que não existem milagres no Antigo Testamento, exceto os de Moisés, que possam ser comparados em número e variedade com os prodígios realizados por Eliseu. Nesses dez primeiros capítulos de 2 Reis, encontramos registrados nada menos do que dezessete desses fenômenos. A lista completa, incluindo o estranho milagre junto à sepultura de Eliseu, é composta de vinte.

Quantos outros milagres foram operados através de Eliseu, sem terem sido registrados? Não sabemos. Talvez muitos. O princípio de seleção e exclusão deliberadas, regularmente observado pelos escritores bíblicos guiados pelo Espírito e sobre o qual comentamos antes, leva-nos a concluir que os milagres registrados de Eliseu são especialmente dignos de nota, seja pela sua importância na ocasião, seja pelos seus significados es­

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pirituais latentes.Ao que sabemos, Eliseu, à semelhança de Elias, nada escreveu, mas seus

milagres devem ter causado grande agitação. Reis e líderes, tanto dentro como fora de Israel, foram obrigados a dar-lhe atenção. Por exemplo, em2 Reis 8.4 lemos: “Ora o rei falava a Geazi, moço do homem de Deus, dizendo: Conta-me, peço, todas as grandes obras que Eliseu tem feito”. Todos os atos poderosos de Eliseu, devemos lembrar, eram evidências indiscutíveis e irrefutáveis da realidade e do poder soberano do Senhor, o Deus verdadeiro de Israel, de quem a nação havia se afastado afron- tosamente. O ministério de Eliseu ocorreu num período que se compara de modo sinistro com o atual. O próprio fato de os ministérios de Elias e Eliseu serem tão cheios de prodígios sobrenaturais tem por si mesmo um significado intenso. Deus está resolvendo uma situação crítica através de medidas extraordinárias. Apesar de a nação ter se tornado apóstata e degenerada, um último apelo será feito por meio de mensageiros especiais e sinais milagrosos surpreendentes, a fim de que o povo volte ao Senhor e à verdadeira fé em Israel. Até o último momento, Deus procurará fazer com que Seu povo, seduzido pela idolatria, deixe suas corrupções, evitando assim a catástrofe culminante da dispersão, que de outra forma lhes sobrevirá.

Infelizmente, quanto mais alto o aviso e mais claro o sinal, tanto mais surdo e cego o obstinado povo se torna! “Porque o coração deste povo está endurecido” (Mt 13.15). Nem mesmo o ministério de profetas como Elias, Eliseu e Jonas conseguiram fazer a nação desviar-se de seu curso des­cendente. Sem dúvida havia um remanescente santo, mas, em sua maioria, os líderes e o povo estavam envolvidos em suas idolatrias e costumes imorais, não atendendo aos apelos e advertências dos profetas do Senhor.

O mesmo estado de coisas desenvolve-se hoje, à medida que a presente era avança para o Armagedom. Grandes sinais e juízos se fazem sentir na atualidade. Todos os que têm olhos podem ver, se quiserem. Todavia, quanto maiores os sinais de Deus, tanto mais ousados os pecados do homem. Quanto mais pesados os juízos, tanto mais cegas e obstinadas contra Deus e Seu Cristo se mostram as nações. O mal já não pode ser contido por qualquer medida suave. A apostasia acentuada e os sentimentos contra Deus, juntamente com o cada vez mais perigoso conhecimento científico, exigem uma intervenção divina decisiva. O juízo e a destruição são de novo necessários, e eles já estão avançando em

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direção ao atual sistema. Enquanto isso, porém, Deus está reunindo Seu “pequeno rebanho” a quem se “compraz” em “entregar o reino”.

Seu significado peculiar

Não é possível analisar o ministério e os milagres de Eliseu sem perceber que existe um significado místico e tipológico latente em torno dele e de seus atos. Parecemos descobrir repetidamente que o Espírito Santo o investiu com antecipações sutis do ministério do próprio Senhor.

Vemos uma sugestão disto no contraste entre Elias e Eliseu. Descobrimos que o tipo de diferença entre Elias e Eliseu é o mesmo existente entre João Batista e o Senhor Jesus. Isto é muito claro para passar despercebido, tendo uma importância maior do que se pensa a princípio. Sabemos que a correspondência entre Elias e João Batista é mais do que simples coincidência. Existe um elo tipológico especificamente declarado entre os dois. O anjo Gabriel anunciou que João, como mensageiro do Senhor, deveria ir “adiante dele no espírito epoder de Elias” (Lc 1.17); o próprio Senhor disse mais tarde a respeito do profeta: "... ele mesmo é Elias, que estava para vir” (Mt 11.14; veja também 17.10-12). Não admira, portanto, que surgisse a pergunta quanto à existência de uma ligação tipológica semelhante entre Eliseu e o Senhor Jesus. E o que descobrimos? Bem, não existe uma declaração definida em ponto algum nesse sentido, mas os indícios são por demais evidentes para serem acidentais. Elias, como João Batista, “não comia, nem bebia”, e esteve nos desertos, solitário e distante dos homens. Eliseu, por outro lado, “comia e bebia” como o Senhor Jesus e misturava-se livremente com o povo. Não se viram no caso de Eliseu cabelos compridos e manto de peles, nem alimentação por meio de corvos na caverna solitária de Querite; era um homem calçado e vestido normalmente, de presença amável e sociável, tendo sua própria casa em Samaria. Em lugar de fogo, tempestade, severidade e juízo, houve atos de cura e palavras mais brandas. '

Certos aspectos especiais do ministério de Eliseu também lhe dão aparência semelhante ao do Senhor. Nos repetidos ministérios de Eliseu além das fronteiras de Israel, parece que vemos uma sugestão daquele que viria a ser “a glória do seu povo, Israel” e também “luzpara os gentios”. O milagre de Eliseu com os vinte pães de cevada e o fato de ele multiplicar o azeite da viúva lembram-nos facilmente daquele que tomou de cinco

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pãezinhos para alimentar a multidão faminta nos tempos do Novo Testamento. O milagre da cura de Naamã, que ficou livre da lepra através das palavras ditas por Eliseu, é um dos maiores exemplos do evangelho da salvação no Antigo Testamento. Não podemos deixar de acrescentar que o choro de Eliseu, ao prever os males que cairiam sobre a nação, mas os quais ele não tinha poder para evitar (8.11, 12), é praticamente a única cena no Antigo Testamento que se compara ao choro de Jesus sobre Jerusalém, conforme relatado por Lucas.

O mesmo paralelo é sugerido pela ênfase principal do ministério de Eliseu. A ênfase que distingue o ministério de Elias, assim como a pregação de João Batista, é com certeza o chamado severo para o arrependimento, acompanhado pela advertência acerca do juízo iminente. Mas a ênfase principal de todo o ministério de Eliseu está na ressurreição e na esperança de uma nova vida, que dependem apenas da resposta do povo. A nação chegou agora a um estado tal que dificilmente poderá recuperar-se, exceto por alguma coisa que se iguale à ressurreição. Assim sendo, através do ministério de Eliseu, o povo pode ver, numa sucessão de milagres simbólicos, o poder da ressurreição em atividade e a esperança da nova vida que lhes pertence no Senhor, se apenas voltarem para ele.

Medite um pouco em alguns milagres de Eliseu. Veja como é ca­racterística esta sugestão da vida procedendo da morte. Seu primeiro milagre é o da cura das águas mortais de Jericó, de maneira que aquilo que antes provocara morte agora dava vida (capítulo 2). A seguir, os exércitos são salvos da morte por meio da água suprida de forma milagrosa (capítulo 3). No capítulo seguinte, lemos a respeito da ressurreição do filho da sunamita, que voltou da morte para uma nova vida (capítulo 4). Logo depois vem a história do cozido venenoso: “a m orte na panela” transforma-se em vida e saúde. Lemos aqui também sobre a multiplicação dos pães de cevada. Em seguida, temos a cura de Naamã, pelo batismo simbólico no Jordão que eliminou a morte e o fez levantar-se das águas para uma nova vida (capítulo 5). O milagre do machado recuperado representa o mesmo de maneira diversa. “Fez flutuar o ferro” — um novo poder vital, superando o peso da morte. Finalmente, sem mencionar outros milagres, temos o estranho milagre em que um homem é trazido de volta à vida junto à sepultura de Eliseu, mediante contato acidental com os ossos do profeta morto! A ênfase na ressurreição e na nova esperança que percorre esses milagres é certamente muito clara.

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Mas este significado tipológico latente que se liga a Eliseu alcança sua mais surpreendente expressão quando observamos Elias, Eliseu e Jonas em conjunto. Esses três profetas vieram em rápida sucessão durante o último período antes da dispersão do reino do norte — Jonas pro­vavelmente viveu até quase o final do reinado de Jeroboão II, depois do qual o reino das dez tribos só sobreviveu cerca de 60 anos. Os sinais dados através desses três profetas jamais haviam sido vistos antes e tiveram o propósito de prender a atenção do povo. A nação infelizmente não atendeu, mas os “sinais” permanecem, fazendo desses três profetas uma espécie de trio tipológico.

Deve ser notado que a idéia de ressurreição é expressa e ilustrada com força singular mediante o ministério desses três. No caso de Elias, temos a ressurreição do filho da viúva de Sarepta para uma nova vida. Jamais um milagre assim havia ocorrido em Israel. Milagres aconteciam re­petidamente desde os dias de Moisés, mas nunca um morto voltara à vida. O inconcebível acontecera. Não é de admirar que esse homem que podia levantar os mortos tivesse poder para persuadir seus conterrâneos a irem ao Monte Carmelo! Todavia, esse milagre dos milagres foi repetido no ministério de Eliseu, com a ressurreição do filho da sunamita. Na verdade, aconteceu mais de uma vez. E uma coisa ainda mais estranha ocorreu: um morto recuperou a vida ao entrar em contato com o cadáver de Eliseu! O mais espantoso de tudo é a experiência de Jonas que vem a seguir, algo mais inusitado ainda do que recobrar a vida — uma ressurreição não apenas da morte física, mas do “ventre do abismo (inferno)”!

Examinemos esses três profetas em conjunto. Eliseu morreu e foi sepultado — como Cristo morreu e foi sepultado. Jonas, num sinal miraculoso, fez mais do que morrer e ser sepultado; ele desceu até a própria morte, assim como Cristo. Elias triunfantemente feriu e dividiu as águas do Jordão (eis um tipo da morte), passou por elas e então foi elevado ao céu — da mesma forma como Cristo também derrotou a morte e depois subiu ao céu.

Agora observe-os de novo. Eliseu morre e é sepultado; todavia, em sua morte, ele dá vida a outro — do mesmo modo como Cristo, através de Sua morte, dá vida aos que entram em comunhão com Ele. Jonas vai ao próprio “inferno”, mas é tirado de lá, a fim de não ver a corrupção — como Cristo não foi deixado na morte, nem sofreu para ver a corrupção (At 2.21). Elias, ao subir, lançou seu manto e “uma porção dobrada de seu espírito”, para

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que seu seguidor na terra pudesse fazer “maiores obras” do que ele mesmo fizera — assim como Cristo, ao subir ao céu, derramou o Espírito para que Seus seguidores pudessem fazer as “obras maiores” de que Ele falara.

Essas correspondências são fortuitas? Ou teriam sido planejadas — com muita clareza, mas ao mesmo tempo com muita sutileza — para que as almas piedosas, dispostas a serem ensinadas pelo Espírito de Deus, pudessem discernir as verdades divinas que jamais seriam buscadas pelos sábios e prudentes deste mundo?

Quando estudarmos o pequeno livro que leva o nome de Jonas, falaremos mais detalhadamente sobre os ensinos peculiares ocultos, mas ainda assim visíveis, na história desse profeta. Enquanto isso, apreciemos devidamente o significado de Elias, Eliseu e Jonas como um trio. Como Deus preparou maravilhosamente seu povo terreno, através das obras e experiências sobrenaturais desses três profetas, para aquele supermilagre que estava ainda por acontecer: a ressurreição do Senhor Jesus, o Cristo de Israel e o Salvador do mundo!

Em 1 Coríntios 15.4, Paulo diz que Cristo “ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras”. Mas a quais Escrituras do Antigo Testamento ele estava se referindo? Talvez tivesse em mente o Salmo 2.7 (citado por ele na mesma situação em Antioquia da Pisídia — veja Atos 13.33); ou talvez estivesse pensando no Salmo 16.10, 11 (versículos que Pedro citou como profecias da ressurreição no dia de Pentecoste — veja Atos 2.25-36). Temos plena certeza, porém, de que também tinha em mente esses três homens, Elias, Eliseu e Jonas; pois durante aqueles três anos “de silêncio” que Paulo passou na Arábia (G1 1.17, 18), quando o Espírito o ensinou a respeito de “todas as Escrituras” nas coisas referentes a Cristo, ele deve ter passado a ver nesses três maravilhosos profetas vislumbres que jamais pudera sequer imaginar! Todos os aspectos mais proeminentes da ressurreição de Cristo são manifestados previamente por esses três profetas, até mesmo os três dias e noites no Hades e a saída no terceiro dia; de modo que Paulo pôde dizer que a ressurreição do Senhor no “terceiro dia” deu-se verdadeiramente “SEGUNDO AS ESCRITURAS”!

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O SEGUNDO LIVRO DOS REIS(3)

Lição Ne 37

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NOTA: Para este terceiro estudo de 2 Reis, releia do capítulo 9 ao 12 duas vezes.

Mediante recentes pesquisas, o Segundo Livro dos Reis tem sido confirmado e ilustrado de modo muito mais amplo do que qualquer outro livro do Antigo Testamento. Isto se deve ao fato de os registros da Assíria e da Babilônia, abrangendo o mesmo período de 2 Reis, terem sido em grande parte recuperados. Os monumentos desses dois grandes impérios lançaram uma luz, e por meio dela notamos com gratidão e surpresa a absoluta fidelidade e a exatidão minuciosa da história sagrada, devido a sucessivas e inesperadas confirmações. A lição ensinada através disso deve ser considerada e lembrada. Temos menos provas de outras partes da história do Antigo Testamento, por termos menos informações relativas aos países e épocas de que trata a narrativa bíblica. Mas onde quer que a cortina se levante, observamos exatamente o que foi relatado na Bíblia. Pode haver prova mais completa de sua confiabilidade?

JOHN URQUHART

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O SEGUNDO LIVRO DOS REIS (3)

Os reis perversos do reino do norte

COMO JÁ notamos (veja a lição 34), no Primeiro Livro dos Reis os oito homens que governaram no reino do norte foram perversos. O que dizer dos outros onze que figuram neste Segundo Livro dos Reis? A resposta é tanto reveladora quanto lamentável. O registro diz que cada um deles “fez o que era mau” — com exceção de Salum, e ele reinou apenas um mês! Eis as referências: 3.2,3; 10.31,32; 13.2, 3, 11; 14.24; 15.9,18,24, 28; 17.2. Que registro! E quão ruinoso o resultado!

Pense nessa triste linhagem de reis em paralelo com a linhagem davídica que reinou sobre Judá. Já observamos nos registros dos reis de Judá que o padrão segundo o qual cada rei é avaliado é o exemplo de Davi. Este é um fato interessante e vale a pena examiná-lo. É o que ocorre no caso de Salomão (1 Rs 11.6), Abias (15.3), Josafá (2 Cr 17.3), Amazias (2 Rs 14.3), Acaz (16.2), Ezequias (18.3) e Josias (22.2). Davi lançou assim uma sombra positiva sobre seus sucessores reais, durante um período de cerca de 370 anos.

Voltando agora para esta sucessão contínua de homens “perversos” que reinaram sobre o reino das dez tribos do norte, encontramos um padrão comparativo ainda mais enfático. Lamentavelmente, não se trata de um exemplo nobre como o de Davi — é justamente o inverso. Não existe ninguém nesta linhagem para estabelecer uma norma de verdadeira santidade ou lançar sobre o trono qualquer brilho duradouro. O padrão pelo qual esses reis de Israel são julgados é o reinado vergonhoso de Jeroboão, o primeiro que ocupou o trono do reino do norte depois da separação das dez tribos de Judá; e o epitáfio que distingue Jeroboão, este atrevido ofensor, é: “JEROBOÃO, FILHO DE NEBATE, QUE FEZ PECAR A ISRAEL”. Inúmeras vezes ele é mencionado nos registros dos reis com essa horrível designação, tanto que as palavras quase se transformam num refrão. Eis aqui um fato surpreendente e trágico: acerca de quinze dos dezoito reis que sucederam a Jeroboão no trono do reino das dez tribos afirma-se que eles fizeram “o que era mau”, seguindo o exemplo de “Jeroboão, filho de Nebate, que fez pecar a Israel”. Estas são as

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referências: Nadabe (1 Rs 15.26), Baasa (15.34), Zinri (16.19), Onri (16.25, 26), Acabe (16.31), Acazias (22.52), Jorão (2 Rs 3.2, 3), Jeú (10.31), Jeoacaz (13.2), Jeoás (13.11), Jeroboão II (14.24), Zacarias (15.9), Menaém (15.18), Pecaías (15.24) e Peca (15.28).

O perverso Jeroboão projetou assim sua sombra mortal sobre o trono e a agonia do reino das dez tribos durante um período de 250 anos, até que, finalmente, degradado, devastado e deportado, ele foi arrasado pelo dra­gão assírio.

Será bom refletirmos sobre as sombras lançadas por esses dois homens, Davi e Jeroboão. Todos nós lançamos sombras enquanto atravessamos esta vida. Assim como nossos corpos projetam suas sombras invo­luntariamente, nós também, de modo contínuo e involuntário, lançamos a sombra de nossa influência moral e espiritual sobre outras vidas. Não podemos separar-nos desta influência involuntária e quase sempre inconsciente projetada sobre os outros, da mesma forma como nossos coipos não podem se livrar de suas próprias sombras. O que podemos determinar é o tipo de sombra que lançamos. Nossa influência, mesmo sem qualquer pronunciamento dos lábios, pode contribuir tanto para a salvação como para a condenação eterna de outras almas. Deus nos guarde de projetarmos uma sombra como a de Jeroboão! Entre os jovens e os velhos que nos rodeiam, há sempre aqueles que, por uma ou outra razão, encontram-se numa disposição mental sensível, suscetíveis à sombra da influência exercida por outra personalidade.

É muito sério refletir sobre o fato de que a sombra de nossa influência silenciosa pode ter resultados que cheguem até a eternidade. E bom lembrar também que nossa sombra muitas vezes continua aqui, mesmo depois de termos ido embora, como aconteceu com Davi e Jeroboão. Estariam mortos Voltaire, Paine, Ingersol e Huxley, assim como outros céticos religiosos que os seguiram? As sombras deles não continuam caminhando sobre a terra, murmurando suas velhas blasfêmias em nova fraseologia entre as paredes de nossas escolas e faculdades? Por outro lado, estariam mortos Lutero, Calvino, Wesley, Whitefield, Moody e Spurgeon? As sombras desses evangelistas seráficos, com a plenitude de Cristo, não continuam caindo como bênção duradoura sobre nossa vida?

Pode-se objetar que esses homens escolhidos por nós são todos famosos, sendo que o mesmo não se aplica aos menos notáveis. Se pensamos assim, estamos errados. A sombra vil de Adolph Hitler inclui em si todos os

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outros homens cujos nomes jamais serão publicados, mas que influen­ciaram os primeiros anos de Hitler e fizeram dele o que se tornou mais tarde. Falamos de Wesley, Whitefield e outros gênios santificados do reavivamento metodista; mas lembre-se de que, na verdade, a sombra celestial dessa época gloriosa não passa da influência combinada daqueles milhares de obscuros mas consagrados homens e mulheres que, para o historiador, constituem simplesmente uma multidão anônima.

Talvez alguns leitores estejam agora agradecendo a Deus a vida de um pai ou de uma mãe fiel que partiu ou ainda de outro ente querido cristão que faleceu, mas cuja sombra ainda perdura. Ou quem sabe alguém que leia estas linhas sofra e chore por causa de uma sombra escura lançada sobre sua vida por antepassados de outro tipo. Que espécie de sombra nós vamos lançar hoje e deixar amanhã? Sem dúvida, nossa influência permanecerá depois de nós. Deus nos mantenha perto de Cristo e nos ajude a projetar a sombra de uma influência santificada que permaneça para curar e abençoar, como ocorreu com a sombra de Pedro, muito tempo atrás em Jerusalém, que curava os doentes sobre os quais caía!

A dispersão do reino do norte

Encontramos registrado em 2 Reis 17 um dos mais trágicos anticlímax da história. Com quanta esperança de um destino superior os hebreus haviam entrado em Canaã sob a liderança de Josué! Em que miséria as tribos do reino do norte são agora levadas para longe e dispersas! Neste capítulo 17, encontramos a condenação final do reino das dez tribos e a deportação de seu povo abatido e derrotado para o cativeiro, encerrando para sempre sua existência como reino autônomo.

Os pecados que originaram essa monstruosa calamidade que os esmagou estão escritos aqui indelevelmente, incrustados para sempre, a fim de que todos os que vierem depois possam conhecer a verdadeira causa daqueles acontecimentos e justificar os tratos de Deus com os homens. Leia de novo do versículo 7 ao 23. Que lista de violações da aliança entre Deus e Israel! Que idolatria insaciável! Que impiedade arrogante! Que profundidade de degradação! Note especialmente do versículo 20 ao 23. Aqui, bem no final da acusação divina e no momento crítico da mina, cai novamente a sombra medonha desse homem perverso, o primeiro rei que

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ocupou o trono do reino das dez tribos — “Jeroboão, filho de Nebate, que fez pecar a Israel”.

“Pelo que o Senhor rejeitou a toda descendência de Israel, e os afligiu e os entregou nas mãos dos despojadores, até que os expulsou da sua presença... Assim andaram os filhos de Israel em todos os pecados que Jeroboão tinha cometido; nunca se apartaram deles, até que o Senhor afastou a Israel da sua presença... ” (2 Rs 17.20, 22, 23)

Há certos fatos de grande importância que devemos notar agora quanto à eliminação do reino das dez tribos.

Primeiro, vemos aqui, escrita em linhas nítidas e terríveis, a operação da “justiçapoética”, ou seja, vemos o juízo divino caindo sobre uma nação em correspondência direta ao seu pecado, do mesmo modo como uma linha de poesia responde a outra. Com toda segurança, este capítulo atribui a dispersão à mão vingadora do próprio Deus. Assim, se este capítulo é uma explicação inspirada, nenhuma filosofia da história será verdadeira, caso não reconheça a mão soberana de Deus controlando todos os eventos e desenvolvimentos. Alguns homens, hoje, estão inclinados a desprezar a idéia de que Deus castiga os pecados das nações de modo assim direto, fazendo-as pagar por eles. Se a Bíblia realmente é a Palavra de Deus, essas pessoas estão erradas. O Deus que derrubou o reino de Israel, castigando-o com a dispersão, continua sendo o Deus que reina e julga as nações. Só existe um Deus verdadeiro. Ele não abdicou. Seu poder não diminuiu, e Sua natureza continua a mesma. Ele é o Senhor que diz: “Eu não mudo”. Aqueles que crêem na Bíblia como a Palavra de Deus têm condições de entender pelo menos um pouco do significado implícito do que ocorreu com os países da Europa nos últimos anos de guerras e conflitos. A nosso ver, os que dizem não identificar qualquer evidência de controle sobrenatural sobre as estranhas anomalias da última guerra e em suas conseqüências estão com uma cegueira anormal. Da mesma forma como Deus manteve o controle das revoluções da história nos dias do Egito, Assíria, Babilônia e Israel, Ele continua fazehdo isso agora, na história das atuais Rússia e Alemanha, Estados Unidos e Inglaterra; e tão certo como Deus puniu os pecados das nações, aplicando então o juízo, Ele repete hoje a mesma fórmula.

Segundo, devemos notar que a dispersão das dez tribos ocorreu em dois

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estágios. Alguns anos antes da destruição final do reino, duas tribos e meia já haviam sido levadas cativas: Rúben, Gade e a meia tribo de Manassés, que ocupavam o território a leste do Jordão, sendo as primeiras a cair nas mãos dos assírios. Sua deportação é narrada em 1 Crônicas 5.25, 26: “Porém cometeram transgressões contra o Deus de seus pais e se prostituíram seguindo os deuses dos povos da terra, os quais Deus destruíra de diante deles. Pelo que o Deus de Israel suscitou o espírito de Pul, rei da Assíria, e o espírito de Tilgate-Pilneser, rei da Assíria, que os levou cativos, a saber: os rubenitas, os gaditas e a meio tribo de Manassés, e os trouxe para Haia, Habor e Hara, e para o rio Gozã, onde permanecem até ao dia de hoje”. Aprendemos em 2 Reis 15.29 que a tribo de Naftali, que ficava a nordeste, também sofreu com eles.

Anteriormente, em nosso estudo do Livro de Números, notamos que as tribos de Rúben e Gade e a meia tribo de Manassés, em lugar de cruzar o Jordão como ordenado por Deus, pediram permissão para ocupar a região de Gileade a leste do Jordão. O pedido parecia justo, como acontece com a maioria dos argumentos que desculpam a transigência, mas ainda assim era uma transigência. O verdadeiro lugar deles era com as outras tribos, além do Jordão, no lugar da bênção da aliança. Mas eles escolheram pelo que viram (Nm 32.33) e não pela fé, de acordo com a vontade de Deus, contentando-se com uma porção fora do lugar da bênção prometida. Eles representam os chamados cristãos “mundanos” de hoje. Vemos as conseqüências de sua escolha. Eles logo se curvaram diante dos deuses dos povos vizinhos; e agora são os primeiros a serem levados cativos. A transigência normalmente parece um meio fácil de fugir às dificuldades, mas depois ela sempre custa caro e muitas vezes é fatal.

O rei assírio que levou essas tribos é chamado Tiglate-Pileser, em 2 Reis 15.29, e também Pul, em 1 Crônicas 5.26. Houve muita controvérsia com relação a esses nomes. Alguns estudiosos julgavam que se tratava de duas pessoas diferentes, embora a Bíblia pareça referir-se a uma só. Mas uma “crônica babilónica” antiga, descoberta há alguns anos pelo Dr. Pinches entre as placas do Museu Britânico, acabou com a incerteza, pois ela se refere a Tiglate-Pileser pelo nome de Pull ou Pulu. A Bíblia é assim novamente confirmada em outro detalhe histórico.

A deportação das outras tribos do reino do norte aconteceu mais ou menos 13 anos depois das duas tribos e meia, ou seja, por volta de 721 a. C. Nessa ocasião, Tiglate-Pileser já morrera, sendo sucedido por Salma-

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neser IV. Veja de novo 17.3-6. É notável que Samaria tenha conseguido resistir aos soldados experientes da Assíria durante três anos (v. 5). Provisões e munição devem ter sido acumuladas antecipadamente. Eles também esperavam diariamente ajuda do Egito (v. 4), que, no entanto, jamais chegou. E a cidade finalmente caiu. Podemos imaginar a condição de seus habitantes e o tratamento que receberam dos assírios, um povo notoriamente cruel e que parece ter sido, entre todos os opressores, o que mais se destacou na aplicação de torturas. Todo o povo foi levado embora, não voltando nunca mais a ver Samaria.

Terceiro, esta dispersão das dez tribos concorda plenamente com o que sabemos dos costumes assírios daquela época. John Urquhart diz: “Um aspecto que se destaca nas campanhas de Tiglate-Pileser III é a remoção da população de um país conquistado em cativeiro para a Assíria, colocando-se em seu lugar povos de terras também distantes, sob a supervisão de oficiais assírios, anexando desse modo tais terras à Assíria. Não havia resistência a temer da parte de homens vencidos, sem laços em comum e sem uma pátria a defender. Esta medida foi eficaz em acabar com as conspirações e alianças que costumavam surgir nos distritos conquistados, assim que os exércitos assírios se retiravam. Pode-se dizer que este plano foi inventado pelo próprio Tiglate-Pileser”. Inscrições assírias há muito sepultadas, agora desenterradas e interpretadas por a rq u e ó lo g o s , m o stram -n o s que e s ta p rá tic a fo i ex e cu ta d a implacavelmente. As referências a ela se repetem. Não temos espaço aqui para citá-las, exceto uma como exemplo: “Tirei deles 155.000 pessoas e crianças. Levei embora seus cavalos e gado, não podendo sequer contar seu número. Aqueles países acrescentei às fronteiras da Assíria... como barro os esmaguei, e o ajuntamento de seu povo mandei para a Assíria”. A medida de Tiglate-Pileser foi seguida pelos seus sucessores, pois resolveu o problema que até então desnorteava todo conquistador: como manter os povos no cultivo da terra, para assim enriquecer o império, sem que eles desenvolvessem espírito ou meios para uma revolta. Ao que parece, Salmaneser, que sitiou Samaria, morreu no ano da queda da cidade, e a conquista foi reivindicada por Sargão, seu sucessor. Foram encontradas inscrições feitas por Sargão que falam da deportação dos israelitas de Samaria a seu mandado (27.290 é o número dado por ele) e do estabelecimento de estrangeiros na terra.

Quarto, não houve retomo desta dispersão. Os descendentes desses

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exilados podem ter voltado à Judéia duzentos anos depois, na ocasião em que o “remanescente” judeu retornou com Esdras e Neemias; além disso, porém, não houve retorno algum, sendo que o reino das dez tribos desapareceu por completo. Recentemente, foram feitas tentativas para identificar essas tribos de Israel. Os índios americanos e os armênios, entre outros, foram sugeridos. A teoria do israelismo britânico, que as identifica com os povos britânicos e americanos em todo o mundo, é atraente; porém, quanto mais nos aprofundamos nesse argumento, tanto mais difícil achamos aceitá-lo. Mas não podemos discutir isso aqui. Devemos nos limitar ao fato histórico da dispersão dessas tribos. Isso aconteceu realmente, sendo uma tragédia terrível que ainda hoje provoca lágrimas. Entre os muitos documentos assírios agora recuperados, há um contrato de venda (feito cerca de 14 anos após a dispersão de Israel) em que dois homens e uma mulher israelitas são vendidos por um fenício a um egípcio por três minas de prata (cerca de 27 libras esterlinas). Esta condição de escravatura perpétua deve ter sido o destino de milhares de pessoas. O “caminho dos pérfidos” é verdadeiramente “intransitável” (Pv 13.15). Israel recusara-se a aceitar os serviços nobres de Deus. Ele deve agora sofrer e chorar na servidão degradante aos homens. Realmente, aquelas palavras de Jesus enquanto chorava sobre Jerusalém, séculos mais tarde, têm uma aplicação duradoura e ampla. Ele diz: “... quis eu ... e vós não o quisestes!” (Mt 23.37); assim, “... já não me vereis...” (Mt 23.39).

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O SEGUNDO LIVRO DOS REIS(4)

Lição NQ 38

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NOTA: Para este estudo de 2 Reis, leia outra vez do capítulo 18 até o final do livro. Esses 18 capítulos são importantíssimos, pois levam ao ponto culminante do juízo divino que caiu sobre Judá na forma do exílio na Babilônia. Eles devem ser lidos com cuidado e reflexão.

Os que estão familiarizados com os comentários críticos sobre o Antigo Testamento verão até que ponto seu conteúdo é rejeitado por esta nova evidência (i. e., da arqueologia) — tal como, por exemplo, o fato de o monoteísmo ter sido a religião original e o politeísmo um subproduto dele, ou de os habiru serem, afinal os hebreus e os israelitas no tempo de Josué. De fato, se hoje alguma pessoa cética, ou simplesmente franca, resolvesse devolver na mesma moeda, passando a compilar uma enciclopédia dos erros cometidos pelos críticos e comentaristas do Antigo, Testamento, colocando ao lado de cada falha os fatos reais que recentemente vieram à tona, essa obra certamente ocuparia muitos volumes.

SIR CHARLES MARSTON

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O SEGUNDO LIVRO DOS REIS (4)

A trajetória e queda de Judá

O r e i n o d a s d e z t r i b o s não existe mais. Suas cidades foram saqueadas, sua capital aniquilada, sua casa real varrida e de sua terra agradável foram literalmente jogados fora os habitantes israelitas, sendo repovoada por uma mistura híbrida de raças, trazida de longe pelo dominador assírio. Agora, com a história do reino das dez tribos encerrada para sempre, a última série de capítulos neste Segundo Livro dos Reis (18-25) trata unicamente da trajetória final e da queda de Judá. Esses oito últimos capítulos do livro vão, portanto, desde a queda de Samaria (721 a. C.) até o saque de Jerusalém (587 a. C.), um período de cerca de 130 anos.

Poderia algo dar ao reino irmão motivo mais grave para reflexão penitente e vontade de regenerar-se do que aquilo que acontecera às dez tribos? O juízo, há muito prenunciado, mas misericordiosamente adiado, enfim caíra. As advertências pronunciadas pelos fiéis profetas do Senhor se haviam materializado com trágica exatidão. Israel abusara de sua aliança com o Senhor, e Ele agora o rejeitara completamente. As notícias sobre esse acontecimento devem ter despertado muitos corações e consciências em Jerusalém, enchendo-os de singular apreensão. Todavia, o fato é que esta terrível demonstração da vingança divina teve pouco efeito profundo ou duradouro sobre Judá. Exceto pelo remado de Ezequias, e num grau menor pelo de Josias, repete-se a mesma história de apostasia e degradação, até que Jerusalém paga o castigo agonizante deplorado por Jeremias em suas “lamentações”.

Examinemos esses oito capítulos restantes de 2 Reis. Desde a época da separação das dez tribos de Judá (1 Rs 12) até o ponto onde começa este capítulo 18 de 2 Reis, doze sucessores de Davi ocuparam o trono de Judá. Oito ainda surgirão antes da queda de Jerusalém: Ezequias, Manassés, Amom, Josias, Jeoacaz, Jeoaquim, Joaquim e Zedequias, dos quais três exigem um comentário especial. Em primeiro lugar destaca-se o rei Ezequias.

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Ezequias

O bom rei Ezequias foi de fato um homem notável. Soldado, estadista, arquiteto, poeta, santo — ele foi tudo isso. Seu reinado foi o maior desde os dias de Davi e Salomão. Enquanto examinamos os três capítulos que falam a seu respeito (18-20), devemos ler também o relato paralelo em 2 Crônicas 29-32. É um registro nobre. Logo depois de subir ao trono, ele reabriu e reparou a casa do Senhor, reorganizando o sacerdócio e os serviços dos levitas. Chamou seus súditos de volta à adoração do Deus verdadeiro, guiando-os através de seu próprio exemplo ilustre. Ezequias destruiu ídolos, santuários e altares falsos em todo o reino. Reuniu o povo numa grande observância nacional da Páscoa, sobre a qual está escrito: “... porque desde os dias de Salomão, filho de Davi, rei de Israel, não houve cousa semelhante em Jerusalém” (2 Cr 30.26). Ele também esmagou os inimigos de Israel e ampliou as fronteiras, tendo sido “enaltecido à vista de todas as nações” (2 Cr 32.23). Afirma-se que ele “confiou no Senhor Deus de Israel, de maneira que depois dele não houve seu semelhante entre todos os reis de Judá, nem entre os que foram antes dele” (2 Rs 18.5) Quantos benefícios sólidos resultam sempre que homens, reis e nações andam nos caminhos do Deus verdadeiro! Começam a materializar-se as esperanças douradas que a política, a economia, a legislação e a educação por si mesmas jamais conseguem cumprir.

Ezequias e as Escrituras

Contudo, a importância de Ezequias não está limitada ao seu reinado e ao seu tempo. Embora poucos possam compreender, seu impacto continua sendo sentido em nosso mundo moderno. Ele é realmente um dos homens muito importantes da história, e as repercussões de seus esforços durarão até o fim dos séculos.

Parece claro que devemos bastante a Ezequias no que se refere à organização e transmissão das Escrituras do Antigo Testamento. Pense no que isso significa para as nações e para a história. Note algumas das evidências de que Ezequias agiu de acordo com as Escrituras. Destacamos seu zelo pela casa do Senhor (2 Cr 29.3-19) e pela adoração do Senhor (w. 20-36), além de sua estrita obediência ao padrão davídico (w. 25,27, 30). Seu prazer estava claramente na palavra do Senhor. Além disso, 2

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Crônicas 31.21 fala da “obra" que começou “na lei e nos mandamentos”. E isso não é tudo; ele formou ainda uma sociedade de homens para esse trabalho literário piedoso. Uma referência a Provérbios 25.1 mostrará que esses “homens de Ezequias” tiveram uma boa participação no preparo do Livro dos Provérbios em sua forma atual. O trabalho dificilmente se limitaria a esse único livro! Já foi dito, com razão, que, na época de Ezequias, “Israel alcançou seu apogeu literário”, sendo o próprio rei, o patrono real da piedade e das letras. Isaías, Sebna e Joá foram líderes entre esses “homens de Ezequias” (2 Rs 18.18; 19.2).

Parece haver uma curiosa confirmação do trabalho de Ezequias nas Escrituras, na forma de uma peculiaridade que talvez poucas pessoas conheçam. No final de muitos livros do Antigo Testamento, nos originais hebraicos, ocorrem três letras maiúsculas que nenhum escriba ousou omitir, ainda que seu significado tenha se perdido. São as três letras hebraicas correspondentes a H, Z, K, as três primeiras do nome Ezequias. É muito provável, disse J. W. Thirtle, que, após os “homens de Ezequias” terem completado seu trabalho de transcrição dos vários livros, Ezequias tenha colocado neles sua própria assinatura como confirmação real. Quando chegarmos ao estudo do Livro dos Salmos veremos que Ezequias não só teve muito a ver com a organização dessa compilação, como também foi o autor de alguns salmos e canções.

O reino de Ezequias ganhou destaque pelo fato de quinze anos terem sido acrescentados à sua vida (2 Rs 20; Is 38). Foi durante esses anos a mais que as atividades literárias de Ezequias chegaram ao auge. Há mais significado nisso do que parece a princípio. Os dias de Judá estavam contados. Só mais cinco reis deveriam reinar, antes de começarem as deportações para a Babilônia, e, dentre eles, quatro iriam mostrar-se ímpios fracassos. Com certeza, chegara o momento de reunir e editar as Escrituras inspiradas, a fim de preservá-las e transmiti-las; e quem seria o homem de Deus para isso? Quem mais adequado e disposto que Ezequias? Temos bons motivos para agradecer a Deus a vida de Ezequias, aqueles quinze anos a mais e seus esforços com relação às Escrituras, que iriam significar tanto para a posteridade. Ezequias é realmente uma grande figura.

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Manassés

Vamos falar de “estudo de contrastes”! Haveria um contraste tão extremo entre pai e filho como houve entre Ezequias e Manassés? Como é possível que algumas vezes o melhor dos pais tenha o pior dos filhos, e o pior dos pais o melhor dos filhos? Eis um ótimo tema de estudo para os psicólogos! Não tentaremos resolver esse problema, mas procuraremos nos precaver em vista dele. Se homens como Samuel e Ezequias tiveram filhos como Joel, Abias e Manassés, tenhamos cuidado antes de permitir que hoje nossos lábios censurem pais piedosos que têm filhos e filhas mundanos.

Há pouco tempo atrás, ouvimos duas mulheres cristãs criticando severamente um cristão idoso e santo, conhecido por sua habilidade em ganhar almas para o Salvador. “Seria muito melhor, se ele começasse em casa com seu filho não-convertido e sua filha mundana”, disse uma para a outra. “O comportamento òe seus filhos condena seu cristianismo em casa”. Ficamos tristes ao ouvir essas palavras sarcásticas, pois sabíamos como o bom homem orara por seus filhos, como tivera uma vida íntegra diante deles, como lhes suplicara e chorara por causa deles em nossa presença apenas uns dias antes. Como a língua de alguns cristãos às vezes é uma espada cortante! Como eles ferem o coração de Jesus cada vez que degradam o bom nome de algum outro cristão! Faremos bem em pedir ao Espírito Santo que “coloque um sentinela” à “porta de nossos lábios”! É fácil magoar cruelmente corações santos que já estão cheios de tristeza por causa de filhos e filhas desviados.

Vejamos agora Manassés: que personagem! É também um enigma sombrio o fato de o mais perverso de todos os reis de Judá ter tido o reinado mais longo! Cinqüenta e cinco anos é um período extenso. D urante mais de meio século, Manassés praticou atos quase im~ publicáveis. Não precisamos nos demorar aqui em seus extremos de idolatria e espiritismo, em sua oferta de sacrifícios humanos, no fato de ter feito correr sangue inocente pelas ruas de Jerusalém (incluindo o do profeta Isaías, martirizado) e assim por diante. Diz-se até que ele praticou males maiores do que os dos próprios amorreus, a quem Deus removeu diante do povo escolhido. Não é preciso muita imaginação para perceber os efeitos que tudo isto teria sobre a nação.

Mas existem três aspectos notáveis peculiares a Manassés que devemos

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examinar de modo especial. Para isso, leiamos o relato paralelo em 2 Crônicas 33.

Em primeiro lugar, somos informados de que, Manassés foi levado cativo para a Babilônia. O versículo 11 diz: “Pelo que o Senhor trouxe sobre eles os príncipes do exército do rei da Assíria, os quais prenderam a Manassés com ganchos, amarraram-no com cadeias, e o levaram a Babilônia”. Este versículo tem sido o “pomo de discórdia” entre os críticos bíblicos. Se tivesse sido um rei babilónico a levar Manassés cativo para a Babilônia, tudo seria normal; mas um rei da Assíria, cuja capital era Nínive, do outro lado do Rio Tigre, levando Manassés cativo para a Babilônia, que ficava 500 km ao sul, junto ao Eufrates — bem, isto com certeza é um erro! Novamente, porém, a Bíblia mostra estar certa e os críticos, errados. Sabemos que o rei da Assíria que reinou na mesma época do pai de Manassés, Ezequias, foi Senaqueribe, e que o filho deste, que reinou durante parte do reinado de Manassés, foi Esardom (2 Rs 18,19; 2 Cr 32). Recentes descobertas feitas por estudiosos da Assíria mostram que, de todos os reis da Assíria, este Esardom fo i o único que construiu um palácio na Babilônia e viveu ali!

Segundo, no cativeiro, Manassés arrependeu-se e foi perdoado por Deus. Ele se torna assim um dos casos mais surpreendentes do amor divino perdoando os maiores pecadores. Veja os versículos 12 e 13. Manassés converteu-se realmente!

Terceiro, Manassés foi devolvido a Jerusalém e corrigiu, na medida do possível, todo o mal que praticara. Leia do versículo 14 ao 20. Ele é uma das advertências mais graves a todos os perversos, pois assim como o juízo caiu sobre ele em retribuição direta pelos males praticados, o mesmo acontecerá a outros como ele. Todavia, Manassés é também um dos mais maravilhosos incentivos a todos os que se arrependem verdadeiramente, pois ele nos mostra que, apesar de termos ofendido a Deus, o amor dEle é tal que Se agrada em mostrar misericórdia ao pior pecador.

Josias

Deixamos de lado o reinado perverso de Amom, filho de Manassés. Depois de dois anos ele foi morto por seus próprios servos (2 Rs 21.19-26). Chegamos assim ao nobre reinado de Josias. Este foi um intervalo

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luminoso durante os últimos cem anos do reino de Judá, isto é, entre a morte do rei Ezequias, em 698 a. C., e o saque de Jerusalém pelos babilônios, em 587 a. C., quando a maior parte do povo de Judá foi levada para o exílio. A luminosidade do reino de Josias infelizmente compara-se à do ocaso — um brilho final da glória evanescente, pouco antes de o trono de Davi ser transformado em pó.

Josias subiu ao trono por volta de 641 a. C., quando tinha apenas oito anos de idade. Nos primeiros anos de seu reinado, portanto, a rainha-mãe, assessorada por conselheiros de confiança, era quem praticamente dirigia o governo. Com dezesseis anos, “sendo ainda moço, começou a buscar o Deus de Davi, seu pai” (2 Cr 34.3); e aquilo que prometia desde os primeiros anos foi esplendidamente cumprido. Não nos demoraremos aqui no nobre progresso de seu reino. O fato de ter reparado o templo, a estranha descoberta do Pentateuco perdido, a leitura da lei para o povo reunido em seu reino, a renovação da aliança com o Senhor por causa do povo, suas medidas firmes contra os males morais e a organização de uma observância nacional da Páscoa como jamais “houvera desde o dia dos juizes” — todas essas coisas estão incluídas nos registros e falam por si mesmas. Existem, no entanto, dois eventos importantes que desejamos comentar em especial. Vejamos. \

Primeiro, ogovemo de Josias não impediu realmente o declínio moral da nação. O aparente “reavivamento” consistiu mais em medidas externas tomadas pelo próprio rei do que em um desejo sincero por parte do povo em geral. Houve muita reforma exterior, mas nenhum retorno interior. A liderança do rei foi respeitada, mas não houve um verdadeiro arre­pendimento em relação ao Deus tão descaradamente desobedecido. Judá fora longe demais. O senso moral do povo tornara-se tão insensível que não tinham mais capacidade de responder genuinamente à direção do rei. Profeta após profeta e providência após providência, Deus suplicara a Seu povo, mas este havia mostrado que não queria, até que, por aquele processo mortal que sempre opera na natureza humana, chegara ao ponto onde não podia. A apostasia e a idolatria passaram a fazer parte integrante do caráter nacional. O povo perdera a comunhão com o Senhor. A percepção do trono terreno em Judá desaparecera, por terem perdido a visão do trono no céu. A persistente estupidez da idolatria, cada vez mais depravando a nação, era um esforço desnorteado para preencher o vácuo criado pela perda da comunhão com o Senhor. A sensibilidade moral do

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povo degenerara em sério endurecimento. À medida que as coisas pioravam, grandes profetas eram levantados; todavia, os mais vigorosos e os mais brandos dentre eles acabaram dizendo: “Quem creu em nossa pregação?” (Is 53.1). É evidente que as mudanças nos dias de Josias foram superficiais, pois o povo estava pronto para voltar à idolatria e à infidelidade logo depois de seu reinado. Pessoas que tinham coragem de rejeitar mensagens como as de Isaías e Jeremias certamente mereciam castigo, e o juízo já se achava à porta. Tudo isto é tristemente confirmado nas profecias de Jeremias. Este profeta corajoso começou seu ministério no décimo-terceiro ano de Josias e continuou até depois da queda de Jerusalém (Jr 1.1-3). Os primeiros capítulos de Jeremias referem-se ao reinado de Josias. Veja em Jerem ias 3.10 a superficialidade do “reavivamento” na época de Josias. É bom, porém, perceber a nobre influência de Jeremias sobre o próprio rei durante todo seu reinado. Talvez Josias não tivesse sido o que foi sem a ajuda de Jeremias.

Segundo, o reinado de Josias ocorreu num dos pontos críticos mais lamentáveis da história. Eventos da maior importância achavam-se em andamento: (1) a queda do império assírio, que existia há centenas de anos e havia mantido completo domínio sobre as outras nações por um período de aproximadamente duzentos anos; (2) o surgimento do novo império babilónico com Nabopolassar e seu filho Nabucodonosor, através de quem a mais antiga senhora das nações colocou novamente sua mão no cetro dos reinos; (3) a formação do império medo, que, pouco mais tarde, como império medo-persa, deveria vencer a Babilônia e, através do famoso “decreto de Ciro”, promover a reconstrução de Jerusalém e a restauração do “remanescente” judeu, como conta o Livro de Esdras; e (4) a dissolução do reino de Judá como reino independente (a destruição de Jerusalém e a deportação final dos judeus para a Babilônia aconteceu em 587 a. C., somente vinte anos depois da morte de Josias, e desde então Judá nunca mais veio a existir como reino independente).

Mais tarde, em 536 a. C., quando o império babilónico foi vencido por Ciro e o império persa tomou seu lugar, as várias regiões dominadas pela Babilônia passaram para o governo persa. As centenas de milhares de judeus dispersos — tanto os do reino das dez tribos (Israel), levado pela Assíria em 721 a. C., como os do reino do sul (Judá), levado cativo mais tarde pela Babilônia — também passaram a ser dominados pelos persas. Houve o mesmo tipo de transição quando o império persa foi dominado

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por Alexandre, depois por impérios menores e finalmente pelo romano.Só cerca de 50.000 voltaram à Judéia quando Ciro lhes deu permissão,

em 536 a. C. Dispersos entre as nações, os judeus mesmo assim per­maneceram um povo distinto; eles foram preservados de conturbações por sucessivas épocas e cresceram muito em número. Nós os encontramos aos milhares, dispersos por todo o mundo romano nos dias de Cristo e dos apóstolos. Tiago dirigiu sua epístola às “doze tribos que se encontram na Dispersão”; e Pedro começa escrevendo da mesma maneira: “Pedro... aos eleitos que são forasteiros da Dispersão, no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia, e Bitínia”. Como mencionado acima, porém, desde o período do exílio babilónico até hoje, Judá nunca mais existiu como reino independente. Em maio de 1947, Israel mais uma vez se tornou constituído (e mais tarde reconhecido) como um estado independente; mas segundo observamos num estudo anterior, a nação jamais se tornará de novo um reino independente até que volte o próprio Rei, nosso Senhor Jesus Cristo. Segundo o Antigo e o Novo Testamentos, somente Ele é o verdadeiro herdeiro.

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O SEGUNDO LIVRO DOS REIS(5)

Lição NQ 39

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NOTA: Para este estudo final em 2 Reis, releia cuidadosamente do capítulo 18 até o fim do livro, concentrando-se na última parte, isto é, de 23.31 a 25.30.

As reformas foram superficiais. Imediatamente após a morte de Ezequias, o povo voltou aos seus costumes perversos. Quando Ezequias deu início à sua reforma, ele começou com o templo. Antes que qualquer outra coisa pudesse ser feita, foram necessários 16 dias para que os sacerdotes e levitas tirassem todo o entulho do templo; isto significa que o templo simplesmente se tornara um depósito de lixo. Nos dias em que Josias efetuou sua reforma, o livro da lei foi encontrado. Note bem o que isto significa: ele teve de ser descoberto! Além do mais, os ensinamentos surpreenderam Josias de tal forma que ele interrompeu seu trabalho para consultar a profetisa Hulda. O povo havia se esquecido tanto da lei de seu Deus que, ao encontrá-la, ele não tinha conhecimento algum dela.

G. CAMPBELL MORGAN

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O SEGUNDO LIVRO DOS REIS (5)

A QUEDA DE JERUSALÉM E JUDÁ

NO ANO da morte do rei Josias, o império assírio também morreu (608 a. C.), e com isso desapareceu também a esperança terrena de Judá de proteção contra o Egito, de um lado, e contra a Babilônia, de outro. Os babilônios, vingadores de Jeová cujo advento fora anunciado por Isaías mais de cem anos antes, tinham agora surgido. Finalmente seria desferido o golpe fatal sobre Judá. O exílio babilónico aproximava-se. No relato bíblico desta temível desforra que caiu sobre Jerusalém e Judá, muitos pontos incidentais atraem nossa atenção. Limitemo-nos, porém, ao nosso objetivo presente, escolhendo apenas certos fatos importantes.

Primeiro, chamamos atenção para o fato de a destruição de Jerusalém e o cativeiro de Judá serem enfaticamente atribuídos à mão soberana do Senhor. Não considerar isto é perder nove décimos de seu significado. “Com efeito, isto sucedeu a Judá, por mandado do Senhor...” (2 Rs 24.3; veja também 2 Cr 36.16, 17, 21). Por terem uma relação única com Deus, por serem o povo escolhido para personificar uma revelação especial de Deus para as nações e porque os tratos de Deus com eles são per­manentemente transmitidos às nações através das Escrituras inspiradas, os juízos que lhes sobrevieram tornaram-se a suprema lição objetiva da história quanto à maneira como Deus governa as nações. Os estadistas de hoje não poderiam fazer nada mais proveitoso do que estudar os princípios das disposições de Deus entre os povos da terra, conforme revelados nas Escrituras e exemplificados na nação de Israel. Quanto sofrimento poderia ser assim poupado! Mas os nossos políticos modernos são sábios demais para se tornarem realmente sábios.

O juízo que caiu sobre o reino das dez tribos repete-se agora em Judá— vemos nele a operação da “justiça poética”. Os que quiserem podem sorrir. São bem-vindos à sua tolice culta que faz da história uma questão de acaso cego. Nós ficamos com as Escrituras. Acreditamos que Deus ordena as coisas na história segundo o comportamento das nações. Ele concede ampla liberdade à vontade humana, a fim de que os homens e as nações sejam plenamente responsáveis por seus atos; mas Ele tem o

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controle supremo de todos os demais poderes e cumpre Sua vontade soberana entre os povos da terra, tanto para recompensar os bons como para castigar os maus. Isto é tão verdadeiro hoje quanto o era quando Jerusalém caiu sob os golpes de Nabucodonosor.

Segundo, é bom notar que a deportação do povo de Judá deu-se em três etapas. A primeira delas aconteceu no terceiro ano do rei Jeoaquim. Entre os cativos então levados de Jerusalém para a Babilônia estava o jovem Daniel (Dn 1.1-4 com 2 Rs 24.1, 2; 2 Cr 36.5-7). A segunda deportação ocorreu cerca de oito anos mais tarde, pouco depois da morte de Jeoaquim e da ascensão de Joaquim. Nabucodonosor depôs Joaquim após um curto reinado de três meses, colocando em seu lugar Zedequias. Uma vez que isto coincidiu com o início do reinado de Zedequias, deve ter ocorrido onze anos antes da destruição de Jerusalém. Nesta segunda deportação, Nabucodonosor levou dez mil cativos, escolhendo dentre todos os habitantes de Jerusalém os mais úteis e os das classes mais altas (2 Rs 24.8-6). Entre eles se achava o sacerdote (e mais tarde profeta) Ezequiel— pois ele próprio nos conta que, quando se deu a destruição de Jerusalém, ele já se encontrava na Babilônia há dez anos (Ez 40.1),

A última deportação aconteceu em 587 a. C., precipitada por uma inútil rebelião de Zedequias. Nabucodonosor decidiu então destruir aquela cidade judaica e o reino de uma vez por todas. Depois de um cerco de dezoito meses “a cidade foi arrombada” (2 Rs 25.4). O rei Zedequias e seus guerreiros fugiram durante a noite, mas foram alcançados. Os filhos de Zedequias foram assassinados diante de seus olhos. A seguir, cegaram o rei Zedequias, ataram-no com cadeias de bronze e o levaram para a Babilônia (todo este procedimento encontra seu paralelo nos registros dos conquistadores orientais desse período). Jerusalém foi completamente saqueada de todos os seus tesouros e valores; o templo totalmente desmantelado e todos seus utensílios levados embora; os muros da cidade foram derrubados, e depois a cidade inteira, com seu templo profanado, seus palácios vazios e suas casas agora desertas, foi incendiada. Tudo isto se acha registrado em 2 Reis 25 e 2 Crônicas 36.

Quem pode descrever o que o povo sofreu durante e depois do cerco? Um pouco do que eles suportaram pode ser visto em Lamentações, Ezequiel e Josefo. O rosto dos homens ficou escuro por causa da fome, e sua pele enrugou e secou. As mulheres nobres buscavam restos de comida nos monturos; as crianças morreram ou foram comidas pelos pais (Lm

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2.20; 4.3-10); um terço dos habitantes morreu de fome ou da praga que ela provocou (Ez 5.12). Quase toda a população restante foi levada então para o exílio, só ficando os mais pobres, deixados como vinheiros e lavradores (2 Rs 25.11,12).

Terceiro, depois de os babilônios se retirarem de Jerusalém, houve uma conspiração entre os judeus deixados na terra, resultando em nova fuga de judeus da Judéiapara o Egito. Isto está registrado em 2 Reis 25.22-26, mas para entender perfeitamente esses versículos precisamos ler Jeremias 40-43. (Jeremias preferiu ficar com os que haviam sido deixados na terra.) A seguinte citação dá uma idéia do que aconteceu.

“Ao levar Zedequias para a Babilônia, Nabucodonosor nomeou como governador da Judéia um certo Gedalias, judeu de boa posição, mas que não pertencia à família real. Gedalias fez de Mispa, perto de Jerusalém, sua residência, e logo se juntaram a ele vários judeus importantes que haviam fugido de Jerusalém e se escondido até a partida dos babilônios. Os mais eminentes deles eram Joanã, filho de Careá, e Ismael, membro da casa real de Davi. Gedalias recomendou aos refugiados que se submetessem ao rei da Babilônia e cultivassem a terra. Seu conselho foi aceito e, a princípio, seguido; mas, algum tempo depois, Joanã avisou a Gedalias que Ismael pretendia destruí-lo. E logo, por Gedalias não ter tomado as devidas precauções, o assassinato foi consumado. Outras atrocidades se seguiram, mas, após algum tempo, Joanã e os outros líderes dos refugiados se armaram, forçaram Ismael a fugir para junto dos amonitas e, temendo então que Nabucodonosor os responsabilizasse pelo crime de Ismael, fugiram (contrariando os conselhos de Jeremias) com a grande multidão de judeus que fora deixada na terra, indo da Judéia para o Egito. Nosso escritor os abandona nesse ponto (v. 26) sem mencionar as calamidades que lhes aconteceram ali, de acordo com os pronunciamentos proféticos de Jeremias (veja Jr 44.2-28).”

Assim sendo, até os judeus deixados por Nabucodonosor foram dispersos a partir da Judéia, e a terra tornou-se absolutamente desolada.

Quarto, a data em que começou o cerco de Jerusalém é de grande significado e deve ser cuidadosamente observada. Em 2 Reis 25.1 temos essa data com notável precisão: “Sucedeu que, em.o nono ano do reinado de Zedequias, aos dez dias do décimo mês, Nabucodonosor, rei de Babilônia, veio contra Jerusalém, ele e todo o seu exército, e se acamparam contra ela, e levantaram contra ela tranqueiras em redor”. Esta é a primeira vez

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nesses livros históricos que um evento é datado com tamanha exatidão. Assim, mesmo sem considerar o restante, a data cuidadosamente apresentada iria chamar nossa atenção; mas o fato é que este mesmo evento é referido com uma precisão igualmente impressionante em outras partes da Escritura. Na época em que Nabucodonosor investiu contra Jerusalém, o profeta Ezequiel achava-se muito distante na Babilônia, onde estivera exilado por mais de nove anos. No dia em que começou o cerco de Jerusalém, Deus concedeu uma mensagem especial a Ezequiel sobre aquilo. Em Ezequiel 25.1, 2, lemos:

“VEIO A MIM A PALAVRA DO SENHOR, EM O NONO ANO, NO DÉCIMO MÊS, AOS DEZ DIAS DO MÊS, DIZENDO: FILHO DO HOMEM, ESCREVE O NOME DESTE DIA, DESTE MESMO DIA; PORQUE O REI DE BABILÔNIA SE ATIRA (i. e., CERCOU) CONTRA JERUSALÉM NESTE DIA”.

Isso não é surpreendente? No mesmo instante em que os exércitos babilónicos estavam chegando para cercar a capital judaica, o fato foi revelado por Deus a Ezequiel, a centenas de quilômetros de distância. Ezequiel recebeu ordens para escrever enfaticamente essa datada fim de que fosse observada e preservada — no décimo dia do mês de Tebete, em 589 a. C. Desde então esse dia passou a ser observado pelos judeus com um jejum anual.

Além disso, o profeta Jeremias marca a data com o mesmo tipo de peculiaridade. Veja Jeremias 52.4. E porque tanta atenção é fixada nesse dia? A resposta a essa pergunta também é encontrada em Jeremias, ou melhor, em uma comparação de Jeremias com Ageu e Daniel. O capítulo 25 de Jeremias prediz um período de setenta anos de “desolação” em Jerusalém. Mais tarde, encontramos isto ocupando a mente de Daniel (Dn 9.1, 2) e mencionado de novo por Zacarias (Zc 1.12). Esse período de 70 anos começa a partir daquele dia, cuidadosamente enfatizado, em que o exército babilônio sitiou Jerusalém — e este fato nos ajudará posterior­mente a interpretar muitas coisas em nossos estudos.

Não pode haver dúvidas de que o ano profético na Escritura é de 360 dias (veja nosso artigo sobre a profecia das “setenta semanas” de Daniel). Se contarmos então setenta anos de 360 dias cada a partir do décimo dia do mês de Tebete em 589 a. C., quando começou o cerco de Jerusalém,

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chegamos ao vigésimo-quarto dia do mês de Quisleu de 502 a. C. Aconteceu alguma coisa de especial nesta segunda data? Veja o pequeno livro do profeta Ageu, em 2.15-20, e leia o que ele diz aos exilados que voltaram depois de seu cativeiro na Babilônia. Note o destaque deliberado do profeta nas palavras, além de nossa ênfase com o uso de negritos:

“AGORA, POIS, CONSIDERAI TUDO O QUE ESTÁ ACONTECENDO DESDE AQUELE DIA. ANTES DE PORDES PEDRA SOBRE PEDRA NO TEMPLO DO SENHOR... CONSIDERAI, EU VOS ROGO, DESDE ESTE DIA EM DIANTE, DESDE O VIGÉSIMO-QUARTO DIA DO MÊS NONO, DESDE O DIA EM QUE SE FUNDOU O TEMPLO DO SENHOR, CONSIDERAI NESTAS COISAS ... MAS DESDE ESTE DIA VOS ABENÇOAREI.”

O pronunciamento de Ageu marcou o final daquele período de setenta anos. Depois falaremos disso mais detalhadamente. Por enquanto, devemos marcar bem essa ênfase significativa sobre o ano, o mês e o dia em que Jerusalém foi cercada.

Quinto, devemos também esclarecer bem esta questão: o juízo não caiu sobre o povo escolhido apenas por terem cometido abominações como os outros povos, mas principalmente por terem quebrado uma aliança sagrada. Note alguns exemplos principais: (1) Israel deveria guardar um ano sabático a cada sete anos e o ano do jubileu sagrado a cada cinqüenta anos, quando todos os escravos seriam libertados e todas as dívidas canceladas. Veja Levítico 25. Onde está escrito que Israel guardou esses sábados? Veja Jeremias 34.8-22. Por causa dessa infidelidade vieram os setenta anos de “assolação” como um longo sábado de juízo. Veja a notável ligação entre Jeremias 25.11 e 2 Crônicas 36.21; leia depois Levítico 26.32-35 como uma explicação para ambas as passagens; (2) Israel não deveria fazer qualquer aliança com as nações vizinhas, mas sim manter-se separado (Êx 34.12-17 etc.). Todavia, desde o princípio Israel falhou (Js 9.14-16; Jz 2.2; e muitas outras referências); e (3) Israel deveria rejeitar a idolatria e o uso de imagens religiosas. Quase não há necessidade de referências. O registro é vergonhoso. Mas veja 2 Reis 17.17-23. Outros exemplos poderiam ser dados, como a falta de dízimos e a não-observância da Páscoa. Foi dessa maneira que Israel burlou a aliança e mereceu o juízo de forma especial. Deve ser claramente entendido que todos os juízos que recaíram sobre o

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povo escolhido estavam estritamente de acordo com o que fora anunciado para essas circunstâncias de negligência, quando a aliança foi proclamada pela primeira vez (veja Levítico 26.14-39).

Impressões finais

“Conquistada, cativa, lançada fora” — assim termina a história de Judá como reino independente. Agora, lancemos um olhar retrospectivo sobre2 Reis para obter nossas impressões principais. O aspecto duplo deve ser sempre mantido em mente — o humano e o divino. Em primeiro plano e no sentido imediato, acha-se a falha humana vista nos reis e na multidão; mas, como pano de fundo e no sentido definitivo, acha-se o triunfo divino, conforme vimos nos profetas e em suas mensagens — pois devemos lembrar que todos os grandes profetas, cujos escritos chegaram até nós, profetizaram no período abrangido por 2 Reis, e são os escritos desses homens que finalmente interpretam para nós tanto o tempo presente como o futuro da história de Israel.

Do lado humano, vemos, acima de tudo, que “onde não há visão, o povo perece”. Ao deixarem o culto sincero e simples do Senhor, eles tiveram a sensação de que perderam Sua presença, e houve crescente idolatria, alianças ruinosas, incapacidade de discernir a mão de Deus, mesmo quando ela castiga, e perda do verdadeiro ideal de vida nacional; os valores morais foram menosprezados e a consciência chegou a um tal ponto de insensibilidade que até as mensagens dos profetas inspirados deixaram de fazer efeito. Sim, esta é a mensagem do lado humano. Quando se perde a visão de Deus, surgem inevitavelmente, como diz o Dr. Campbell Morgan, “ideais degradados, consciências adormecidas, propósitos derrotados”. Esta lição aplica-se também às nações de hoje, como aconteceu com Judá e Israel muito tempo atrás.

Do lado divino, porém, vemos o quadro do triunfo final. O maior profeta daquela época escreve a respeito do Senhor: ELE “não desanimará nem se quebrará” (Is 42.4). Quando o trono na terra desmorona, o trono no céu controla as tempestades. O povo escolhido pode falhar na terra, mas o propósito escolhido atravessa os séculos, e a consumação prescrita é contemplada através dos olhos dos profetas. O exílio na Babilônia, que veio como juízo sobre os judeus, curou-os para sempre de sua idolatria e

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recuperou-os notavelmente da sensação de perda de Deus. A lei do Senhor tornou-se extremamente preciosa para eles, e o verdadeiro ideal de sua nação voltou a ser discernido, sendo preservado até hoje. Eles continuam sendo o povo escolhido. Que exemplo para nós! Espalhados sobre a superfície da terra; sempre perseguidos, porém sempre preservados; mesclados com todas as raças, todavia o povo mais exclusivo do mundo. Sua história é um mistério, mesmo à parte das explicações dadas nas Escrituras. Outros povos de dimensões muito maiores do que eles passaram e desapareceram (como, por exemplo, os assírios e babilônios); no entanto, eles, os filhos de Abraão, continuam preservados, segundo a promessa da aliança, e serão preservados até que toda falha humana seja completamente eclipsada no triunfo divino, quando o Filho maior de Davi, o Senhor Jesus, sentar-se no trono em Jerusalém e reinar sobre o império mundial.

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OS LIVROS DAS CRÔNICAS (1)

Lição N2 40

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NOTA: Leia duas vezes 1 Crônicas por inteiro.

AS GENEALOGIAS

Nove capítulos de listas genealógicas! Que perda de espaço! Pelo contrário, que cegueira pensar assim! Nenhuma parte das Crônicas é mais importante. Tais linhas de descendência eram de importância sagrada para todos os judeus piedosos, e com razão, pois eles sabiam que sua nação, além de ser o repositório de uma revelação divina especial, possuía promessas esplêndidas que alcançavam as gerações ainda por nascer. O próprio cronista sabia muito bem que essas genealogias revelam o processo seletivo da eleição divina desde Adão e que a linhagem da aliança de propósito redentor deveria culminar no Messias. A preservação do tronco e dos principais ramos da árvore genealógica de Israel torna-se especialmente vital depois do exílio babilónico (quando as Crônicas foram escritas). Milhares de famílias haviam sido desarraigadas. Os elos se partiram. Muitos registros se perderam (veja por exemplo Esdras 2.59), e grande parte dos arquivos de Judá deve ter se desintegrado, se não foi completamente destruída. A lista de nosso cronista liga o período pré-exílio ao páv-exílio, pois (note bem), em 9.2-34, vemos o retorno à Judéia após o exílio. A interrupção é marcada pelo primeiro versículo desse capítulo, que na verdade deveria ser o último do capítulo precedente. O Bible Handbook, de Angus, comenta: “Essas listas dão a linhagem sagrada através da qual a promessa foi transmitida durante quase 3.500 anos, fato este incomparável na história da raça humana”.

J. S. B.

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OS LIVROS DAS CRÔNICAS (1)

o s e g u n d o Livro dos Reis deixou uma estranha e sombria tristeza oprimindo nossa mente. Temos vontade de nos sentar com Jeremias, sobre sacos de pano e cinzas, e lamentar em meio às ruínas: “Como jaz solitária a cidade! ... Tornou-se como viúva! ... Como se escureceu o ouro! ... Os nobres filhos de Sião, comparáveis a puro ouro, como são agora reputados por objetos de barro!” (Lm 1.1; 4.1, 2) A cidade foi saqueada. O templo queimado. O campo assolado. A nação deportada.

Queremos seguir os milhares de homens de Judá para a terra do exílio, sentar-nos e chorar com eles junto aos bancos de Quebar, como fez Ezequiel, ou misturar-nos a seus príncipes cativos na capital da Babilônia, como fez Daniel; a seguir, transpondo as décadas, voltaremos a Jerusalém e à Judéia com o “remanescente”, sob a liderança de Esdras e Zorobabel.

Todavia, antes de podermos fazer isso, os dois livros de Crônicas estão à nossa frente e devemos ser gratos por eles. A Bíblia com certeza ficaria mais pobre sem eles. Indo rapidamente de Adão a Neemias, eles nos fornecem as principais genealogias da nação israelita e os acontecimentos mais importantes do reino davídico até a época do exílio na Babilônia.

Como analisamos cuidadosamente os livros de Samuel e dos Reis, não precisaremos fazer mais do que um breve estudo de 1 e 2 Crônicas. Contudo, a brevidade de nosso tratamento não deve sugerir falta de importância. Pelo contrário, essas crônicas não só estão vivas em cada página — até mesmo nas listas iniciais de genealogias! — mas têm grande significado para uma compreensão correta do sentido divino que percorre a história da nação israelita. A única razão pela qual tratamos 1 e 2 Crônicas com brevidade é o fato de cobrirem praticamente o mesmo terreno de 2 Samuel e dos dois livros dos Reis.

Pode parecer que não passam de repetição. De fato é assim, mas não se trata de “vã” repetição. A história já contada nos livros de Samuel e Reis é esboçada novamente, porém de um ponto de vista diverso, com novas ênfases e novos aspectos, com acréscimos e omissões significativos, fornecendo interpretações que completam seu sentido. Nesta repetição, com seus acréscimos e omissões características, é que o ponto de vista e significado particulares de Crônicas são realmente percebidos; pois se

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lermos essas “crônicas” lado a lado com os relatos anteriores em Samuel e Reis, logo iremos notar que os acréscimos e omissões parecem ser todos do mesmo tipo, isto é, todos dão a impressão de se conformar a um propósito central. Qual é então a idéia unificadora impregnada nesses acréscimos e omissões? E qual o propósito central de Crônicas?

A idéia unificadora

Primeiro, quanto à idéia unificadora ou ênfase, todos os que estudaram ou escreveram sobre esses dois livros de Crônicas são unânimes em observar a proeminência dada ao templo e aos assuntos relacionados a ele. Entre muitas outras, vejamos a citação do Dr. A. T. Pierson: “Embora grande parte do conteúdo dos Livros dos Reis seja repetido ou reafirmado em Crônicas, muito é omitido, por ser estranho ao propósito do autor. Mas tudo o que está ligado ao templo, sua preservação e restauração, à pureza de seu culto, à regularidade e ordem de seus serviços; tudo o que torna odiosos os ritos ou relíquias idólatras ou eleva Deus ao Seu verdadeiro trono no coração do povo, é aqui enfatizado”.

Se tivermos lido cuidadosamente o primeiro desses dois livros de Crônicas, como sugerimos no início do presente estudo, exemplos desta ênfase sobre o templo e os tópicos a ele associados virãoiacilmente à tona. Por exemplo, começando pelo capítulo 11, todo o restante dos dezenove capítulos de 1 Crônicas ocupa-se do reinado de Davi. Esses capítulos não repetem a conhecida história das aventuras românticas de Davi, seu reinado em Hebrom, sua tristeza com a morte de Saul e Jônatas, seu pecado contra Bate-Seba e Urias ou a revolta de Absalão (essas, para não mencionar outras, são algumas das principais omissões), mas, por outro lado, os seguintes assuntos que não são mencionados em Samuel e Reis aparecem agora detalhadamente — a reserva antecipada de material para o templo feita por Davi (22), a contagem e distribuição prévia dos levitas e sacerdotes (23-24), a indicação e organização dos cantores, músicos e porteiros (25-26) — tudo na expectativa do templo (essas, para não mencionar outras, são alguns dos principais acréscimos).

Esta característica persiste até o Segundo Livro das Crônicas. O relato do reinado de Salomão é muito mais curto aqui do que em 1 Reis; todavia, não menos de seis dentre os nove capítulos reservados a ele em 2 Crônicas

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referem-se ao templo. Também é importante o fato de que, a partir do capítulo 10, que marca a divisão da nação em dois reinos, o reino das dez tribos do norte é completamente deixado de lado, por ter sido fundado sobre a apostasia da verdadeira adoração da nação e à parte da casa de Davi. As Crônicas reportam-se apenas a Judá e Jerusalém, por serem estes o reino e a cidade que abrigam o templo. Todos esses capítulos restantes (10-36) não se restringem apenas a Judá, mas limitam-se igualmente ao ponto de vista que subordina todos os fatos políticos, militares e pessoais aos interesses dessa religião santa da qual o templo era o grande símbolo. Assim, os reinos de Asa, Josafá, Joás, Ezequias e Josias, por exemplo, recebem destaque por causa das reformas religiosas e restaurações do templo associadas a eles. Em Reis, apenas três versículos mencionam as reformas de Ezequias, contra três capítulos em Crônicas.

Em qualquer parte de Crônicas, o templo é enfatizado como o centro fundamental da verdadeira vida nacional, e mesmo onde ele não é mencionado especificamente, fica claro que a ênfase está sempre na religião por ele representada. Daremos apenas um exemplo disto. Diz o Dr. J. H. Moulton: “Nenhum incidente particular salienta melhor o contraste entre as duas versões do que o reinado de Abias. O relato profético (/. e. o de Reis) é uma breve nota sobre a perversidade do rei, tão grande que a sucessão continuou na família só por causa de Davi. Também é feita uma menção das guerras entre Israel e Judá. O cronista relata essas guerras com detalhes, oferecendo especialmente um ótimo discurso de Abias dirigido ao inimigo, em que se concentra todo o espírito de Crônicas”:

“Não vos convém saber que o Senhor Deus de Israel deu para sempre a Davi a soberania de Israel, a ele e a seus filhos, por uma aliança de sal? Contudo se levantou Jeroboão, filho de Nebate, servo de Salomão, filho de Davi, e se rebelou contra seu senhor. Ajuntou-se a ele gente vadia, homens malignos; fortificaram-se contra Roboão, filho de Salomão; sendo Roboão ainda jovem e indeciso, não lhes pôde resistir. Agora pensais que podeis resistirão reino do Senhor, que está na mão dos filhos de Davi; bem sois vós uma grande multidão, e tendes convosco os bezerros de ouro que Jeroboão vos fez para deuses. Não lançastes fora os sacerdotes do Senhor, os filhos de Arão, e os levitas, e não fizestes para vós outros sacerdotes, como as gentes das outras terras? Qualquer

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que vem a consagrar-se com um novilho e sete carneiros logo se faz sacerdote daqueles que não são deuses. Porém, quanto a nós, o Senhor é nosso Deus, e nunca o deixamos; temos sacerdotes, que ministram ao Senhor, a saber, os filhos deArão, e os levitas na sua obra. Cada dia, de manhã e à tarde oferecem holocaustos e queimam incenso aromático, dispondo os pães da proposição sobre a mesa puríssima, e o candeeiro de ouro e as suas lâmpadas para se acenderem cada tarde, porque nós guardamos o preceito do Senhor nosso Deus; porém vós o deixastes. Eis que Deus está conosco, à nossa frente, como também os seus sacerdotes, tocando com as trombetas, para rebate contra vós outros, ó filhos de Israel, não pelejeis contra o Senhor Deus de vossos pais; porque não sereis bem sucedidos” (2 Cr 13.5-12).

Até mesmo as genealogias nos nove primeiros capítulos levam ao estabelecimento em Jerusalém e na Judéia do “remanescente” que voltou (depois do exílio), necessário como base para o serviço do templo e subsídio através do qual esse serviço seria sustentado (pois deve ficar perfeitamente claro que, em 9.2-34, a referência é ao novo estabe­lecimento depois do exílio. O versículo 1 marca a interrupção).

Assim sendo, sem necessidade de mais ilustrações, vemos a ênfase unificadora que percorre Crônicas. Não se trata de simples repetição. Também não são apenas suplementos fornecendo inúmeros itens omitidos em Samuel e Reis. Elas relatam a história do povo eleito de uma forma nova e sob outra perspectiva.

O propósito central

Continuamos, porém, nos perguntando: “Por que esta nova ênfase unificadora? Qual o propósito por trás dela? Aqui, até certo ponto, devemos afastar-nos dos comentaristas. A razão comum dada para a ênfase religiosa peculiar em Crônicas é que o escritor, ou melhor, o compilador, era um sacerdote, uma pessoa com uma perspectiva bastante eclesiástica para quem, muito compreensivelmente, todos os assuntos relativos à adoração organizada e, em especial, ao templo eram de inigualável importância. Por exemplo, no Bible Handbook (“Manual Bíblico”), de Angus, lemos: “Deve ser sempre lembrado que os livros de

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Crônicas são essencialmente levíticos. Portanto, é dada proeminência especial a tudo que se refere à casa e ao serviço do Senhor”. Lemos na Modem Reader’s Bible (“A Bíblia para os Leitores de Hoje”), de Moulton: “Toda a série de crônicas é movida pelo espírito eclesiástico consciente”. Ellicott afirma: “Com base em todo o caráter e espírito do trabalho, a maioria dos críticos infere com razão que se trata da obra de um levita ligado ao templo”. Muitos outros parecem ser da mesma opinião.

Bem, as crônicas podem ter sido ou não compiladas por um sacerdote ou levita; mas dizer, como fazem muitos, que sua ênfase peculiar deve-se simplesmente ao fato de o compilador ter sido um sacerdote ou levita preocupado em exaltar sua própria linha de pensamento é perder de vista o desígnio divino predominante nesta parte das Escrituras e reduzir a importância de Crônicas à perspectiva limitada de um eclesiástico que não era maior do que posto por ele ocupado. Se realmente quisermos apreciar o propósito central de Crônicas, devemos ter em mente a época e as circunstâncias em que os livros foram publicados.

As crônicas passaram a ser compiladas após o exílio na Babilônia, quando o “remanescente” tinha voltado da Babilônia para a Judéia, sob a liderança de Esdras e Zorobabel. Isto é confirmado com toda clareza mediante declarações e referências das próprias crônicas, como mos­traremos no próximo estudo. Elas foram especialmente escritas para esses judeus repatriados e seus descendentes, que deveriam reconstituir a vida judaica nacional na terra, e foi por causa de certas novas circunstâncias que confrontavam agora o povo judeu que elas foram compiladas com uma ênfase unificadora, como já notamos, e em vista de um propósito especial que passaremos a mencionar.

Se nos imaginarmos na Judéia com aquele “remanescente”, logo perceberemos que há uma grande ausência a ser compreendida pela nossa mente: não há rei. Esse é o fato crucial a ser compreendido e o primeiro indicador do propósito de Crônicas:

O TRONO DE DAVI DESAPARECEU!

Não é preciso muita imaginação para perceber o que isto significava para todos os judeus que viviam com seriedade. O trono de Davi era único na terra, pois havia sido fundado sob uma aliança divina. Já tratamos disso num estudo anterior, assim não precisamos mais demorar-nos no assunto

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aqui. Deve ter sido um problema grave para os judeus zelosos o fato de não haver mais um trono de Davi. O que salientamos, porém, é que o povo não estava voltando para reconstruir um trono e, sim, um templo. Na verdade, a reconstrução do templo foi o principal motivo de o imperador persa, Ciro, ter expedido um edito precipitando a volta do “remanescente” judeu a Jerusalém e Judéia (Ed 1.1-4). Talvez haja aqui uma lição oportuna e vital para nossos dias. Note bem: mesmo antes de Neemias ser enviado para reconstruir a cidade, Esdras e Zorobabel são enviados com o “remanescente” para reconstruir o TEMPLO. Em qualquer reconstrução nacional, temos de começar assim — com o templo, isto é, com DEUS! Nossos políticos e reconstrutores do atual período pós-guerra não querem aprender. Eles persistem na idéia mundana de que a cidade precisa ser construída antes do templo, mas estão errados.

Agora, no entanto, compreendendo perfeitam ente que o trono desapareceu, vejamos o que resta. Haviam permanecido três coisas que significavam mais do que todas as outras:

1. Primeira, havia o ensino do passado, um passado como nenhum outro povo jamais tivera, e com uma importância nunca associada à história de qualquer outra nação. Os ensinamentos desse passado haviam se completado no exílio do qual o “remanescente” acabara de voltar; isto é, certos processos no passado da nação haviam se cumprido exatamente, até ao último detalhe, chegando ao seu amargo fim. Fazendo um retrospecto, o povo da aliança podia ver agora, em linhas severamente definidas, o ponto exato para onde esses processos de apostasia os haviam levado, percebendo que era vital aprender para sempre a lição do passado de sua nação.

2. Segunda, havia a promessa profética para o futuro. Embora o trono de Davi não mais se achasse entre eles, a linhagem davídica continuava segundo a promessa e aliança divinas, deveria vir o Messias que elevaria o trono davídico a um esplendor sem precedentes e consumaria o propósito do Senhor em Israel e através dele, introduzindo um reino mundial esplêndido, com seu centro em Jerusalém. Tornava-se vital que mantivessem esta grande esperança sempre em mente, enquanto se reinstalavam em Jerusalém e na terra da aliança.

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3. Terceira, havia a presença do Senhor com eles naquele momento. Essa presença fora surpreendentemente garantida a eles por meio do decreto de Ciro, o imperador persa, ordenando aos judeus que voltassem à sua terra natal e reconstruíssem o templo do Senhor, em Jerusalém (Ed 1.1-4). Quais teriam sido os sentimentos dos judeus durante os últimos anos de seu exílio na Babilônia, quando a fama de Ciro, o Persa, começou a espalhar-se — quando a Babilônia caiu e o novo imperador, Ciro, que na verdade havia sido mencionado por Isaías duzentos anos atrás, publicou esse decreto para a reconstrução do templo em Jerusalém, exatamente como previsto por Isaías? (Veja Is 45 e também nosso artigo sobre a data de Isaías). Isto, somado à proclamação de Nabucodonosor sobre sua conversão ao Senhor (Dn 4.1-3, 34-37) e às profecias de Jeremias quanto à duração exata da servidão à Babilônia (veja Jr 29.10 e o comentário feito em nosso estudo de Ageu), deve ter mostrado aos judeus, sem sombra de dúvida, que o Senhor estava com eles em seu retorno à Judéia.

Esses eram então os três fatores transcendentes que permaneceram: o ensino do passado nacional, a promessa profética do futuro e a presença de Jeová naquele momento. O que faltava ainda? Era necessário, acima de tudo, que a nação interpretasse seu passado, presente e futuro do modo certo, isto é, a partir do ponto de vista divino; efoi exatamente com isto em mente — satisfazer esta necessidade e alcançar este fim — que as crônicas foram compiladas.

Três coisas eram naturalmente muito importantes neste sentido: (1) em vista do chamado peculiar da nação e da aliança davídica, tornava-se essencial manter intactas as principais genealogias da nação, sendo assim apresentadas cuidadosamente nos nove primeiros capítulos; (2) em vista das catástrofes ocorridas, era importante reformular a história da nação de um ponto de vista exclusivamente religioso, pelo menos desde o início do reino de Davi. Encontramos isto a partir do capítulo 10 de 1 Crônicas; (3) devido ao fato de o templo representar a religião santa que fora dada a Israel mediante revelação especial, cuja desconsideração acarretara tantos males à nação, e como o templo era o supremo elo sobrevivente entre o grande passado da nação e seu futuro previsto ainda mais esplêndido, tornava-se da maior importância enfatizar o templo e suas observâncias aos olhos do povo. Conforme já notamos, esta importância do templo pode ser vista em Crônicas.

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O templo era agora, acima de todas as coisas: (a) o símbolo da unidade da nação, muito mais nessa época em que o trono terreno desaparecera; (b) a lembrança do elevado chamado da nação e sua função; (c) o sinal de que o Senhor continuava com Seu povo escolhido; (d) o centro da verdadeira ênfase na vida nacional. À luz desse templo, todo o passado deveria ser interpretado, o presente reconstruído e o futuro previsto. Daí, portanto, a compilação de Crônicas, com sua ênfase contínua no templo e nos aspectos religiosos das coisas. Eis também o propósito central de Crônicas, ou seja, apresentar novamente ao povo da aliança a verdadeira ênfase da vida nacional de Israel, convencê-los de seu primeiro dever e sua única e verdadeira segurança, desafiando assim a raça eleitja a uma consagração renovada como sacerdote nomeado por Deus paradas nações.

Talvez não haj a melhor forma de concluir o presente estudo do que citar algumas palavras de John Urquhart: “Esses livros de Crônicas... não são meras repetições de informações fornecidas por livros já existentes; nem são compostos de restos deixados por antigos escritores. A história de Israel é contada outra vez com uma intenção clara e definida. Essa intenção é tão evidente no silêncio dos livros como em suas palavras. A história das dez tribos é omitida, e eles só tratam de Judá. À luz do propósito distinto de Crônicas, a razão fica clara. Apenas Judá preservou as ordenanças divinas. Para os israelitas que voltaram, não era isto — quer o chamem de ‘caráter eclesiástico’ ou de qualquer outro nome — a única coisa que o povo restabelecido tinha de manter constantemente diante de si? Israel, ao contrário das outras nações, não possui um destino à parte do ofício de Deus. Isto ficou provado por mais de dezoito séculos do que pode ser denominado existência nacional, mas não vida nacional. No futuro, isto será manifestado de modo mais glorioso no dia da consagração renovada de Israel. Mas há o suficiente, mesmo agora, para ensinar à alta crítica, e também a um racionalismo modificado, que os livros de Crônicas viram claramente o que está se tornando hoje aparente como fenômeno histórico: Israel não existiu e não pode existir por si mesmo. Ele é o sacerdote nomeado por Deus para as nações. Quando reconheceu sua missão, impressionou e liderou as nações. Quando a negligenciou, afundou na insignificância. Quando renunciou a ela, Israel ficou privado de sua terra natal e de sua percepção e poder espirituais. Hoje, em sua cegueira, ele peregrina entre as nações, deserdado e despido, mas, ainda assim, levando as marcas indeléveis de seu destino sacerdotal. O livro que

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proclamou esse destino ao Israel restaurado, há 24 séculos atrás não só lhes deu a lição número um de seu passado, mas também trouxe para os israelitas a história de seu futuro. Este único fato é suficiente para mostrar que o livro é profético e divino”.

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OS LIVROS DAS CRÔNICAS (2)

Lição \" 41

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NOTA: Para este novo estudo, leia 2 Crônicas duas vezes.

Como aconteceu com 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis, esses dois livros de Crônicas formavam uma obra contínua no original hebraico, sob o título Dibrê Hayyâmím (“Acontecimentos dos Dias”). A divisão em duas partes remonta à Versão Septuaginta (século terceiro a. C.), que chamou as duas partes de primeiro e segundo livros das “Coisas Omitidas”.\A divisão ocorre de fato no ponto mais adequado, mas o título “Coisas Omitidas” não é muito apropriado: ele torna Crônicas um simples suplemento, deixando de lado seu intento especial. O título que conhecemos data da época de Jerônimo, que traduziu as Escrituras hebraicas para o latim, em cerca de 385-405 A. D. Esta conhecida tradução é chamada “Vulgata Latina” por ter sido aceita como o texto geralmente autêntico e exato (vulgatis = geral, comum), desde os dias de Gregório I (540-604 A. D.) e com a confirmação do Concílio de Trento (1562 A. D.) Em algumas das edições da Vulgata Latina encontramos o título Chronicorum Liber, ou seja, “Livro das Crônicas”, como o temos agora em nossa versão. Mesmo este título não é muito louvável, pois, na verdade, Crônicas é mais um resumo retrospectivo e interpretativo do que simples registros.

J. S. B.

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OS LIVROS DAS CRÔNICAS (2)

A T É a q u i , nosso estudo de Crônicas preocupou-se com sua ênfase unificadora e seu propósito. Desejamos agora considerar seu conteúdo, mas antes existem alguns assuntos preliminares que chamam nossa atenção.

Os originais da compilação

Crônicas com certeza é uma compilação de documentos anteriores, alguns dos quais parecem ser citados literalmente (veja “até ao dia de hoje”, em 2 Crônicas 5.10; 8.8). Cerca de quatorze deles são citados, como segue:

1. Livro dos reis de Israel e de Judá (2 Cr 27.7)2. Um midrash (comentário) sobre o item acima (2 Cr 24.27)3. Crônicas do vidente Samuel (1 Cr 29.29)4. Crônicas do vidente Gade (1 Cr 29.29)5. Livro da história do profeta Natã Cr 9.29) (<2 í f % - 5 ̂6. A profecia de Aias, o silonita (2 Cr 9.29)7. As visões do vidente Ido (2 Cr 9.29)8. Livros de história do profeta Semaías (2 Cr 12.15)9. Registros de genealogias, do profeta Ido (2 Cr 12.15)

10. Um midrash (comentário) do profeta Ido (2 Cr 12.15)11. Crônicas de Jeú, filho de Hanani (2 Cr 20.34)12. Atos de Uzias, registrados pelo profeta Isaías (2 Cr 26.22)13. A visão do profeta Isaías (2 Cr 32.32)14. História de Hozai (ou os videntes; 2 Cr 33.19)

Essas fontes de compilação são mais reveladoras do que parecem à primeira vista. Elas indicam: (a) que o autor estava bem informado para sua tarefa; (b) que ele fazia uso de documentos bem conhecidos, provando a natureza idônea de sua obra; (c) que muitos escritos de eruditos competentes haviam se acumulado durante a história da nação, o que nos

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confirma ainda mais a confiabilidade dos registros que temos na Bíblia; e (d) que os arquivos de Israel não eram de modo algum o produto falsificado, grosseiro e quase embolorado, conforme supunham alguns de nossos “eruditos”, mas sim um conjunto literário cuidadosamente com­posto, coligido, comparado e compilado.

Note o primeiro livro em nossa lista: o “livro dos reis de Israel e de Judá”. Encontramos três vezes este título (2 Cr 27.7; 35.27; 36.8). Quatro vezes vemos o título parcialmente invertido: o “livro dos reis de Judá e de Israel” (2 Cr 16.11; 25.26; 28.26; 32.32). Os dois títulos referem-se à mesma obra. Isto é evidente, pois de qualquer maneira que ele ocorra, a referência é a um rei de Judá. O livro parece conter um repertório notável de dados históricos e biográficos (2 Cr 27.7). E bom compreender que, quando o cronista se refere a este “livro dos reis”, ele não está indicando o outro livro em nossa Bíblia que chamamos hoje por esse nome. Pelo contrário, podemos crer que tanto Reis como Crônicas em nossa Bíblia citam a mesma obra. Isto é indicado pelo fato de os livros que hoje chamamos de Reis não conterem aqueles temas para os quais o cronista chama atenção no livro que ele conhecia assim.

Data e autoria

A não ser que aceitemos a suposição de certos modernistas de que os livros de Crônicas estão cheios de interpolações, não demoraremos em encontrar versículos estabelecendo a data aproximada de sua compilação. Em 16.15 e 9.1, fica claro que foram coligidos depois da ida para a Babilônia. A genealogia em 3.16-24 mostra o mesmo. As últimas palavras de 2 Crônicas referem-se até ao decreto de Ciro, que encerrou ofi­cialmente o exílio, como coisa do passado. A não ser que rotulemos gratuitamente todo o texto de 1 Crônicas 9 como acréscimo posterior, a conclusão é de que a obra pode ser atribuída diretamente ao período posterior à volta do “remanescente” e seu estabelecimento parcial “nas cidades” e “em Jerusalém” (como esclarece a comparação deste capítulo com Ne 11.3-32; 7.45; 12.25, 26; Ed 2.42). Ademais, a genealogia de Zorobabel, em 3.17-24, leva-nos pelo menos a um ponto bem remoto na vida de Esdras ou Neemias. Os estudiosos de hebraico, podemos acres­centar, concordam no fato de que a linguagem e a ortografia de Crônicas

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também se ajustam ao período pós-exílio. Os.aramaísmos marcam a corrupção do hebraico puro pela linguagem caldéia aprendida pelos judeus cativos na Babilônia.

A identidade do compilador continua desconhecida. O Talmude diz ser Esdras. Não podemos entrar aqui na discussão em torno desse assunto, mas mencionaremos três pontos que a nosso ver favorecem a tradição de Esdras: (1) não encontramos ainda qualquer razão plausível contra ela; (2) os eruditos parecem unânimes em identificar uma única mão nos três livros agora chamados Crônicas, Esdras e Neemias, e todos concordam ser a de Esdras, pelo menos em grande parte do livro que leva seu nome; e (3) ninguém era mais adequado do que Esdras. Nossa convicção de ter sido ele o compilador da maior parte da obra, porém, não exclui acréscimos por parte de algum editor subseqüente para completá-la.

A relação com os livros precedentes

Como já notamos, embora em sua maior parte os livros de Crônicas tratem do mesmo assunto abordado por Samuel e Reis, elas foram escritas numa data posterior, sob uma perspectiva diferente, com uma ênfase especial e tendo um propósito particular. Podemos condensar agora os aspectos contrastantes entre Crônicas e os livros históricos precedentes: Samuel e Reis são mais biográficos', Crônicas é mais estatístico. Os primeiros são mais pessoais-, Crônicas é mais oficial. Samuel e Reis. têm uma perspectiva mais profética; Crônicas tem um ponto de vista mais sacerdotal. Os primeiros dão a história tanto do reino do norte (Israel) como do reino do sul (Judá) depois da divisão da nação em dois reinos; por sua vez, a partir da ruptura, os livros de Crônicas passam a apresentar apenas a história de Judá. Em Samuel e Reis, a ênfase está no trono. Em Crônicas, a ênfase está no templo. Em seu efeito total, os livros de Samuel e Reis são uma condenação da nação, expondo sua culpa; enquanto Crônicas tem como intuito servir de estímulo à nação, incentivando a uma nova lealdade. Os livros de Samuel e Reis são registros simples e fiéis de coisas que aconteceram, enquanto Crônicas uma sucessão de trechos propositalmente escolhidos para enfatizar uma idéia central. Todos os livros da Bíblia vistos até aqui, desde Gênesis até 2 Reis, seguiram uma seqüência cronológica de eventos, a partir da criação de Adão até o

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cativeiro de Judá. Mas agora, com Crônicas, chegamos a uma obra que não nos faz avançar (exceto em pequenos toques esporádicos que revelam sua compilação pós-exílio); ela retrocede e recapitula toda a história, a fim de deduzir e aplicar uma lição vital: a resposta da nação a Deus é o fator decisivo em sua história e destino. Podemos acrescentar que esta lição é tão verdadeira em relação às nações de hoje como foi para Israel e Judá antigamente.

A relação com os livros seguintes

Ellicott declara: “Um exame do texto hebraico de Crônicas, Esdras e Neemias logo revela que os três assemelham-se muito, não só no estilo e na linguagem, que são da última era da escrita hebraica, mas também no ponto de vista geral, na maneira como as autoridades originais são tratadas, a lei sagrada citada explicitamente e, acima de tudo, na clara preferência por certos tópicos, tais como registros genealógicos e estatísticos, descrições de ritos e festas religiosas, relatos detalhados das classes sacerdotais e suas várias funções, notas sobre a música do templo e assuntos ligados à organização da adoração pública... Existem outros fatos que podem ser acrescentados a estes para provar que Crônicas, Esdras e Neemias constituíam originalmente uma grande história única”. Isto talvez seja confirmado pelo estranho encerramento de Crônicas num trecho aparentemente interrompido que os primeiros versículos de Esdras completam; existe também uma parte de uma versão grega desses três livros que não mostra divisão alguma entre eles.

Esta grande afinidade entre Crônicas, Esdras e Neemias tem certos valores para nós. Há muito tempo, quando os judeus formaram seu cânon de escritos sagrados, eles colocaram Crônicas bem no final; e encontramos certos professores bíblicos hoje que gostariam de fazer-nos pensar que os livros de Crônicas ainda deveriam estar no final do Antigo Testamento, de modo a mostrar mais facilmente a ligação de suas genealogias com as contidas em Mateus. Mas não, Crônicas não deve ser separado de Esdras e Neemias. O lugar certo é justamente onde aparece em nossa Bíblia. Isto é obviamente verdade; eles pertencem aos livros históricos, e estes são o elo real entre os períodos pré-exílio e pós-exílio. Eles fazem um retrospecto, resumindo o período do trono e associando-o ao novo período sem trono.

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Não devemos de forma alguma separar os quatro livros pós-exílio — Crônicas, Esdras, Neemias e Ester; nem devemos deixar de ver como seus temas distintos se reúnem para formar um grupo progressivo, a saber:

Crônicas — Retrospecção Esdras — Restauração Neemias — Reconstrução Ester — Preservação

Conteúdo e estrutura

Agora, o mais interessante de tudo é o exame rápido do conteúdo de Crônicas. Talvez “interessante” não seja a melhor palavra; essas crônicas são fascinantes, se com um pouco de imaginação pudermos apreender o pensamento do autor-compilador e perceber o propósito por trás de sua pena ganhando a forma cuidadosamente escolhida, à medida que as divisões se sucedem.

Vejamos a primeira divisão de 1 Crônicas (1-9). É correto dizer que esses capítulos são genealogias, mas isto seria colocá-los em uma posição quase inexpressiva. Eles fazem parte do esquema total de nosso cronista e, quando vistos desse modo, assumem um novo significado. O que deve­mos observar principalmente é a árvore genealógica de certo povo — o povo do Senhor. Os descendentes de Adão projetam três grandes ramos: os filhos de Jafé, de Cão e de Sem. No propósito seletivo de Deus, o mais velho é posto de lado, e Sem, o mais novo, é o escolhido. O mesmo acontece com Abrão, o filho mais novo de Terá, com Isaque, preferido em lugar de Ismael, e com Jacó, em preferência a Esaú. Tudo isto se acha no capítulo 1. A seguir, no capítulo 2, a linha redentora e o progresso seletivo vão de Jacó a Judá e depois a Jessé, chegando assim a Davi. O cronista faz uma interrupção aqui, a fim de preservar a genealogia de Calebe, esse herói da fé que também descendia de Judá (2.18-25); mas no capítulo 3 ele retoma a linhagem davídica — até o último rei de Judá, Zedequias. Finalmente, depois de mostrar o processo seletivo de Adão até Abraão, Isaque, Jacó, Judá e Davi, ele recapitula as genealogias das tribos de Israel em geral e suas partes em Canaã (4-8), pois todas participam das promessas da aliança. Assim sendo, nesses primeiros capítulos temos

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distintamente o p o v o do Senhor.Vejamos agora do capítulo 10 ao 12. Aqui começa o reinado de Davi, o

ungido do Senhor. O capítulo 10 (que evidentemente é apenas uma transição) relata a morte de Saul (tudo o mais sobre ele é deliberadamente omitido) e como Deus passou ou “transferiu o reino a Davi”. Os capítulos 11 e 12 contam como Davi tornou-se rei, como fez de Jerusalém a capital, quem eram seus valentes e como todas as tribos concordaram em torná-lo rei. Saul foi rei mais por escolha humana. Davi foi rei por escolha divina. Saul possuía qualidades naturais excelentes, todavia não tinha uma fé verdadeira e não podia agradar a Deus (10.13). Sua casa foi assim posta de lado, e 0 trono foi dado ao homem escolhido por Deus (10.14). Temos então aqui o U N G ID O do Senhor.

Observemos então do capítulo 13 ao 16. Este é o registro do primeiro ato público notável do rei Davi — a arca do Senhor é levada a Jerusalém. Davi sentiu profundamente que o segredo da bênção da nação era a presença do Senhor entre eles. Saul jamais tivera essa compreensão. Ele permitira que a arca do Senhor, símbolo de Emanuel (“Deus conosco”) permanecesse abandonada (13.3), e isto, em sua essência, representava um desprezo pelo direito de primogenitura de Israel, mostrando que Saul não merecia ser rei. Tudo muda com Davi, o homem de fé. Ele de imediato planeja colocar a arca do Senhor como centro da vida de Seu povo. Depois de uma dificuldade (13.9-13), ela foi finalmente levada com a devida reverência a Jerusalém. Embora a filha de Saul não visse glória nesse ato de fé e talvez desprezasse o homem de Deus por isso (15.29), Deus abençoou esse homem de todas as formas (14); e Davi, num salmo inspirado (16.7-36), pôde ensinar o povo a ver a misericórdia da aliança nesse símbolo sagrado da promessa. Nesta terceira divisão, vemos assim a A R C A do Senhor.

A seguir, do capítulo 17 ao 21, vemos a aliança de Jeová. Deus agra­dou-Se em escolher uma nação dentre a raça humana — Israel — e dentre essa nação, uma tribo — Judá — e da tribo, uma família — a casa de Davi, e fez com ela uma maravilhosa aliança. Veja isto no capítulo 17. Do capítulo 18 ao 20, temos o cumprimento imediato dessa aliança no pleno estabelecimento de Davi e em sua sublime prosperidade. Embora Davi tenha mais tarde sido presa de um estratagema de Satanás (21), mesmo este lapso foi administrado em favor do plano de Deus, pois ocasionou a determinação do lugar onde o futuro templo seria edificado (21.28

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com 2 Cr 3.1). Assim, temos nesses capítulos a A L IA N Ç A do Senhor.Isto nos leva ao último grupo de capítulos (22-29), que tratam do templo

do Senhor. Não foi permitido que Davi o construísse, mas ele fez grandes preparativos — materiais (22), levitas (23), sacerdotes (24), músicos, porteiros e outros trabalhadores (25-27), e uma incumbência final em antecipação para Salomão e a nação (28-29). O assunto aqui é claramente o T E M PL O do Senhor. Assim sendo, em 1 Crônicas temos:

o P O V O do Senhor (1-9) o U N G ID O do Senhor (10-12) a A R C A do Senhor (13-16) a a l i a n ç a do Senhor (17-21) o T E M PL O do Senhor (22-29)

' O tema de 1 Crônicas é a casa do Senhor. Num sentido mais amplo, essa casa é toda a nação de Israel; num sentido mais restrito, é a casa de Davi; no sentido central, é o templo. A lição principal pode ser expressa pelas palavras de 1 Samuel 2.30: “... aos que me honram, honrarei”. Ao homem que queria construir uma casa para Deus, o Senhor diz: “ ... o SE N H O R te edificaria uma casa” (1 Cr 17.10). Não há necessidade de uma análise detalhada. O quadro a seguir irá fixar a estrutura para nós.

Chegamos ao Segundo Livro das Crônicas. Para o nosso propósito aqui, ele pode ser resumido com toda brevidade. Trata-se de um livro trágico, com uma abertura gloriosa e um fim terrível. Os nove primeiros capítulos mostram-nos os quarenta anos do reinado de Salomão. Os capítulos restantes (10-36) dão a história de Judá até o exílio.

Quanto ao reinado de Salomão, a maior parte do relato é associada ao templo. Não precisamos falar aqui sobre o templo como um edifício, uma vez que já fizemos isso em nosso estudo de 1 Reis. Não é igualmente necessário discorrer de novo sobre a pessoa de Salomão nem sobre os aspectos tipológicos de seu reino. Tentaremos apreender os significados nacionais e morais do esboço do cronista.

A aliança davídica afirmara que a descendência de Davi iria: (1) herdar um reino sólido; (2) construir o templo; e (3) sujeitar-se à disciplina. Essas três provisões começam a ser cumpridas no reinado de Salomão. O reino alcança um esplendor sem precedentes, o templo glorioso é construído e, infelizmente, a disciplina precisa ser aplicada. As promessas de Deus relativas às questões/znaõ' jamais contêm uma oração condicional (“se”),

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porque encontram seu objetivo final em Cristo (veja nossa nota sobre 2 Sm7), mas as promessas relativas aos processos intermediários em direção a essas questões finais com freqüência incluem um “se”. Assim sendo, como já foi observado, “prometeram-se a Salomão sabedoria, riqueza e poder, e ele os recebeu; foi-lhe prom etido ‘prolongam ento de dias’ se perseverasse em seu andar com Deus (1 Rs 3.14) — ele perdeu este último dom e morreu aos 59 anos”.

O PRIMEIRO LIVRO DAS CRÔNICAS

A CASA DO SENHOR

A RESPOSTA A DEUS: O FATOR DETERMINANTE

I. AS PRINCIPAIS GENEALOGIAS DE ISRAEL (1-9)

D E A D Ã O A JA C Ó (T A M B É M A L IN H A G E M D E E S A Ú ) (1)D E JA C Ó A D A V I (T A M B É M A L IN H A G E M D E C A L E B E ) (2)D E D A V I A Z E D E Q U IA S (E O PÓ S-E X ÍL IO ) (3)A S G E N E A L O G IA S D A S TR IB O S E S U A S T E R R A S (4-8)

Nova localização pós-exílio (9)

II. O REINADO DE D AVI EM JERUSALÉM (10-29)

O U N G ID O D O S E N H O R (10-12)A A R C A D O S E N H O R (13-16)A A L IA N Ç A D O S E N H O R (17-21)O T E M PL O D O SE N H O R (22-29)

A morte do rei Davi (29.26-30)

Que história depois da morte de Salomão — a começar com Roboão e a “ruptura” até Zedequias e a “dispersão”! Não há necessidade de mencionar separadamente aqui cada um dos vinte reis. Já lemos o relato do cronista. Conhecemos a história. Todavia, observemos de novo o ponto central de interesse. Nas crônicas precedentes levantaram-se diante de nós um T R O N O estabelecido numa aliança divina e um t e m p l o que se tornou glorioso pela presença divina nele. O trono e o templo têm como propósito apoiar e glorificar um ao outro; mas desenvolve-se uma apostasia que se agrava cada vez mais, apesar de interrupções ocasionais, sendo que o trono

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se torna o pior inimigo do templo, até chegar o ponto em que um deles deve desaparecer. Como não pode ser o templo, é preciso que seja o trono. Daí o exílio e a suspensão do trono davídico. É também permitido que o templo seja queimado, pois já fora mais profanado pelo pecado dos judeus do que poderia ter sido pelo incêndio babilónico. No novo período sem trono, depois do exílio, um novo templo deve ser construído.

Este é o significado central para a nação; mas devemos captar a verdade moral e espiritual do livro. Por toda a história desses reis, com suas reformas ocasionais e recaídas cada vez piores, há uma verdade solene, vital e urgente: a resposta de uma nação a Deus é o fator realmente determinante áe sua história e âestino. Isto se aplicou especialmente a Israel, mas é universalmente verdadeiro com respeito aos povos da terra hoje: “... nos dias em que (Uzias) buscou ao Senhor, Deus o fez prosperar” (26.5); “... Jotão se foi tornando mais poderoso, porque dirigia os seus caminhos segundo a vontade do Senhor seu Deus” (27.6) — esta é a ênfase em todo o livro de 2 Crônicas. Tomados em conjunto, nos dois livros de Crônicas temos uma visão histórica completa da monarquia davídica e vemos nela um chamado superior, uma grande bênção, erros e um triste final. O propósito é que percebamos, pelos altos e baixos da história da nação, que sempre que o rei e o povo honravam a Deus havia pros­peridade; quando agiam com infidelidade para com Deus surgiam as adversidades. Página após página esta verdade é confirmada: a resposta da nação a Deus é o fator realmente decisivo em sua história e destino.

Esta verdade talvez não seja percebida de modo tão imediato em nosso mundo moderno com sua complexidade internacional. Quando obser­vamos os acontecimentos durante certo período, porém, descobrimos que ela ainda existe. Os princípios morais e as convicções espirituais são as coisas mais importantes com relação ao progresso ou declínio nacional, e não a política e a economia — como parece ser a idéia de governo que hoje prevalece. O lugar que reservamos a D E U S é aquilo que determina nossa prosperidade ou adversidade, nossa história e nosso destino. O Israel de outrora — reis, líderes, povo — enganou a si mesmo, julgando que podia pecar com impunidade, pois achava que, desde que o Senhor não podia ser visto, Ele também não podia ver; mas eles não enganaram a Deus, e nós também não podemos fazê-lo: “... de Deus não se zomba” (G1 6.7). Ele reina, Ele escolhe, Ele suporta; mas não irá ignorar um persistente abuso de privilégios. O abuso do chamado superior mediante

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um padrão de vida inferior sempre termina em desastre. Como seria bom se as nações, os líderes e os povos pudessem compreender isso hoje!

O seguinte esboço irá ajudar a fixar os pontos principais em nossa mente:

O SEGUNDO LIVRO DAS CRÔNICAS

O TEMPLO E O TRONO

A RESPOSTA A DEUS: O FATOR DETERMINANTE

I. OS QUARENTA ANOS DO REINADO DE SALOMÀO (1-9)

O S P R IM Ó R D IO S d o R E IN A D O D E S A L O M Ã O (1)S A L O M Ã O E D IF IC A O T E M PL O (2-7)S A L O M Ã O E M T O D A S U A G L Ó R IA (8-9)

Morte de Salomão (9.29-31)

II. A HISTÓRIA DE JUDÁ ATÉ O EXÍLIO (10-36)

A “D IV IS Ã O ” D O R E IN O (10)O S V IN T E R E IS D E J U D Á (11-36)A D E P O R T A Ç Ã O P A R A A B A B IL Ô N IA (36.15-21)

Decreto de Ciro (36.22, 23)

Reflexões finais

Em nossa curta pesquisa de Crônicas tivemos de deixar de lado vários pontos interessantes. Talvez algumas sugestões possam ser úteis ao termi­narmos.

Os livros de Crônicas são um terreno fértil para os pregadores. Cada parte está repleta de sugestões espirituais. Apenas como um exemplo em 2 Crônicas, veja os quatro livramentos concedidos a Judá: (1) sob Abias contra Jeroboão; (2) sob Asa contra os etíopes; (3) sob Josafá contra os moabitas; e (4) sob Ezequias contra os assírios. Note como em cada caso a vitória é atribuída ao fato de Deus ter lutado por Judá (veja os capítulos13, 14, 20 e 32); ou leia os capítulos notando os dois persistentes perigos para o templo e para a verdadeira adoração: (1) negligência e (2) cor-

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rupção. Também as reformas sob Ezequias constituem um excelente estudo, mostrando os primeiros passos a serem dados, tanto negativa como positivamente, em qualquer reconstrução nacional.

Nas palavras do Dr. J. H. Moulton: “Poucos exercícios serão melhores no estudo da literatura histórica do que comparar essas duas divisões da história bíblica (Crônicas com Samuel e Reis) em seu tratamento do mesmo incidente”. Damos a seguir uma lista das passagens paralelas.

Uma comparação com os livros de Samuel, de Reis e certos capítulos de Isaías é necessária no estudo de Crônicas. A fim de ajudar nisto, damos abaixo uma lista completa das passagens paralelas com as quais as pas­sagens de Crônicas devem ser analisadas.

PASSAGENS PARALELAS

1 Sm 27 1 Cr 12.1-729.1-331

12.19-221011.1-3 11.4-914.1-7 14.8-17 1315 ,161718 19 20.120.1-3 11.10-4721.1-6 27 .23 ,24 21.7-17 21.18-22.1 23.1 28.20, 21 29.23-30

2 Sm 5.1-55.6-105.11-16 5.17-25 6.1-116.12-2378

1011.1-27 12.29-31 23.8-3924.1-924.1-9 24.10-17 24.18-24

1 R s 2.12.1-42.10-122.463.4-1556

2 Cr 1.11.2-1323.1-14; 4.9

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7.15-21 .7.23-26 .7.38-46 .7.47-50 .7.51 .8 .9.1-9 .9.10-28 .10.1-13 .10.14-25 .10.26-29 .11.41-43 .12.1-19 .12.21-24 .12.25 .12.26-31 .14.22-24 .14.25-28 .14 .21 ,29-31 . 15.1 .15.6 .1 5 .7 ,8 .15 .11 ,12 .15.13-15 .15.16-22 .15 .23 .24 .2 2 .1 -40 ,44 .22.41-43 .22.45 .22.47-49 .22.50 .

2 R s 1.1; 3.4, 5 .8.16-19 .8 .20-22 .

8 .2 3 .2 4 .8.25-27 .8.28, 29; 9.1-2810.11-14 .11.1-3 .11.4-20 .11.21; 12.1-3 . 12.6-16 .12 .17 ,18 .12.19-21 .

. 3.15-17

. 4.2-5

. 4.6,10,17

. 4.18-22

. 5.1

. 5.2; 7.10

. 7.11-22

. 8

. 9.1-12

. 9.13-24

. 9.25-28; 1.14-17

. 9.29-31

. 10

. 11.1-4

. 11.5-12

. 11.13-17

. 12.1

. 12.2-12

. 12.13-16

. 13.1,2

. 13.2-31

. 13.22; 14.1

. 14.1-5

. 15.16-18

. 16.1-6

. 16.11-14

. 18

. 17.1; 20.31-33

. 20.34

. 20.35-37

. 21.1 2 Cr 20.1-3 . 21.2-7. 21.8-15. 21.18-20 . 22.1-4. 22.5-7,9. 22.8 . 22.10-12 . 23. 24.1-3. 24.4-14. 24.23,24. 24.25-27

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14.1-6 .14.7 .14.8-14 .14.17-20 .14.21,22; 15.1-415.6,7,27,28. 15.32-35 .15.38 .16.1,2 .16.3,4,6 .16.7 .15.29 .16.8-18 .16.19.20 .18.1-3 .18.13 .18.14-16 .20.1-11 .

20.12-19 .18.17-37 .

19.1-5 .

19.6.7 .19.8-19 .

19.20-37 .

20.20.21 .21.1-16 .21.17.18 .21.19-26 .22.1,2 .22.3-20 .23.1-3 .23.21-23 .23.24-26 .23.28-30 .23.30-33 .23.34-37 .24.8,9 .24.15-17 .24.18.19 .

. 25.1-4

. 25.11-16

. 25.17-24

. 25.25-28

. 26.1-15

. 26 .22 ,23

. 27.1-8

. 27.9

. 2 8 .1 ,2

. 28.3-8

. 28.16-19

. 28.20

. 28.21-25

. 28 .26 ,27

. 2 9 .1 ,2Is 3 6 .1 2 Cr 32.2-8 2 Cr 32.24 Is 38 Is 39.1-8 2 Cr 32.9-19 Is 36.2-22 2 Cr 32.20 Is 37.1-4 Is 37.6, 7 2 Cr 32.17 Is 37.8-20 2 Cr 32.21 Is 37.21-382 Cr 32.32, 33 . 31.1-9. 33.18-20. 33.21-25. 34.1-7. 34.8-28. 34.29-32. 35.1-19. 34.33. 35.20-27. 36.1-3. 3 6 .4 ,5. 36.9. 36.10. 36 .11 ,12

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24.20 . . . 36.13-1625.8-21 . . . 36.18-21

E sta lista d e passagens paralelas foi extraída d e The A n n o ta ted B ible (“A Bíblia com

N otas”), de A . G. G aebelein .

É bom saber que recentes descobertas arqueológicas confirmaram Crô­nicas com exatidão.

Acima de tudo, possa a mensagem central de Crônicas gravar-se em nossa mente: a resposta a Deus é o fator realmente decisivo. Isto é verdade tanto para uma nação como para um indivíduo. É aplicável na antigüidade e hoje. O primeiro dever e a única e verdadeira segurança do trono está em sua relação com o templo. Nossos líderes nacionais deveriam refletir sobre esse fato. Quando Deus é honrado, o governo é bom e a nação prospera. Mas quando Deus é desonrado, por mais sagaz que seja a política, ela não pode evitar o desastre final. O chamado para nossa nação hoje, tão claro quanto no decreto de Ciro (mencionado no final de 2 Crônicas), é para que “suba” e R E C O N S T R U A O T E M PL O .

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O LIVRO DE ESDRAS (1)

Lição NQ 42

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NOTA: Leia duas vezes o Livro de Esdras para este estudo. Tome nota dos pontos ou referências problemáticos. Pelo menos alguns deles serão tratados nas duas lições seguintes. Quanto aos “meses” judaicos, veja nota no apêndice ao nosso próximo estudo sobre Esdras.

Muitos afirmam que o Livro de Esdras é obra de vários escritores e que sua unidade lhe foi dada por um compilador. Alguns acreditam que esse compilador tenha sido Esdras, enquanto outros crêem tratar-se de um judeu desconhecido contemporâneo a ele. Esta última teoria baseia-se no fato de haver curiosas transições da terceira para a primeira pessoa e vice-versa, o que ocorre em trechos finais (7.28; 10.1)... Supõe-se que estilos diferentes podem ser identificados no começo do livro... Admite-se que Esdras tenha escrito pelo menos uma parte, mas a crença mais simples de que ele realmente compôs o todo, usando palavras suas na maior parte e inserindo documentos em certos pontos, é tão plausível quanto qualquer outra hipótese. A harmonia geral do livro inteiro e a real uniformidade de seu estilo favorecem esta opinião. A objeção quanto à mudança de pessoa não tem grande importância, pois modificações deste tipo ocorrem com freqüência em obras admitidas como tendo sido produzidas por um único autor, como em Tucídides e em Daniel. Além disso, a tradição atribui o livro inteiro a Esdras; e se este escreveu Crônicas, segundo opinião de muitos críticos, então este será mais um argumento a favor da autoria de Esdras.

- R E V . G E O R G E R A W L IN SO N , M. A ., E M “P U L P IT C O M M E N T A R Y ”

Nota: A citação acima refere-se a “curiosas transições” (plural) da terceira para a primeira pessoa e vice-versa, como se ocorressem várias vezes. A verdade é que existe uma divisão inteira em que a mudança para a primeira pessoa é mantida, sem alternância (7.27-9.15). Mencionamos isto por parecer que fortalece ainda mais a probabilidade de Esdras ter sido o autor-compilador e não um “judeu desconhecido contemporâneo a ele”.

J. S. B.

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O LIVRO DE ESDRAS (1)

OS T R Ê S pequenos livros que estão agora à nossa frente — Esdras, Neemias e Ester — completam o grupo de dezessete livros históricos que formam a primeira parte do Antigo Testamento. Esses três formam um conjunto que registra as relações de Deus com os judeus depois do cativeiro. Esdras e Neemias tratam do “remanescente” que voltou a Jerusalém e à Judéia, enquanto o Livro de Ester está ligado àqueles que ficaram na terra do cativeiro. À medida que lemos essas três obras do final dos dezessete livros históricos, devemos ler também os três profetas no fim dos dezessete livros proféticos, a saber, Ageu, Zacarias e Malaquias, pois foram esses os três profetas que Deus levantou dentre Seu povo no período pós-exílio.

A volta do remanescente

O assunto abordado por este Livro de Esdras é um dos mais importantes na história judaica: a volta do remanescente. Este fato aconteceu por volta do ano 536 a. C., isto é, no final dos setenta anos de escravidão à Babilônia. Tanto o exílio como a volta foram previstos muito antes do início do exílio (veja Jr 25.11,12 e 29.10,11), e o Livro de Esdras reconhece isto em suas primeiras palavras: “No primeiro ano de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra do Senhor, por boca de Jeremias, despertou o Senhoro espírito de Ciro, rei da Pérsia, o qual fez passar pregão por todo o seu reino, como também por escrito, dizendo:

A SSIM D IZ C IR O , R E I D A PÉRSIA: O S E N H O R D E U S D O S C É U S M E D E U

T O D O S OS R E IN O S D A T E R R A , E M E E N C A R R E G O U D E L H E E D IF IC A R

U M A C A S A E M JE R U SA L É M D E J U D Á . Q U E M D E N T R E V Ó S É D E T O D O

O S E U P O V O , SE JA S E U D E U S C O M E L E , E S U B A A J E R U S A L É M D E

J U D Á , E E D IF IQ U E A C A SA D O SE N H O R , D E U S D E ISR A E L ; E L E É O

D E U S Q U E H A B IT A E M JE R U S A L É M ”.

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Assim, devemos notar esses dois fatos desde o início — primeiro, que a volta foi anunciada como profecia; e segundo, que o decreto de Ciro fez com que ela começasse.

Os totais do remanescente

Quanto ao remanescente que voltou, três grupos de famílias são enu­merados no segundo capítulo de Esdras, perfazendo um total de 24.144 pessoas. Seguem-se quatro grupos de sacerdotes, totalizando 4.289. Depois vêm os grupos de levitas e outros, somando 1.385. Esses três totais juntos dão a soma de 29.818. Este total, porém, parece ser apenas o conjunto de homens, pois lemos nos versículos 64 e 65: “Toda esta congregação junta foi de quarenta e dois mil trezentos e sessenta, afora os seus servos e as suas servas, que foram sete mil trezentos e trinta e sete”. Assim sendo, o total geral de homens, mulheres e servos é de 49.697; podemos, portanto, considerar o tamanho do remanescente como sendo um número redondo — 50.000.

Esse número, em comparação com o total da nação, era bem pequeno. De fato, não passava de um “remanescente”. Durante os anos de cativeiro na Babilônia, grande parte da velha geração morrera e a nova geração de judeus que crescera em meio ao ambiente estrangeiro não tinha aquela sensação penosa de estranheza, humilhação e ressentimento que seus pais haviam sentido. Portanto, é compreensível — mas não desculpável — que a atração da terra natal não fosse tão forte sobre eles como havia sido para os pais exilados. Mudanças históricas também haviam acontecido durante esses anos de exílio dos judeus. O poder da Babilônia desmoronara e perecera diante da força irresistível do império persa (o que justifica o fato de ter sido um rei persa, Ciro, o Grande, quem expediu o decreto que precipitou a volta do remanescente judeu a Jerusalém); e os judeus não parecem ter sido muito maltratados sob o governo persa. Assim sendo, quando surgiu a oportunidade providencial para a repatriação, a maior parte da nação, para sua vergonha, preferiu a vida tolerável e talvez até lucrativa sob o governo persa, à qual se adaptara muito bem.

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Uma volta posterior

Houve então essa volta de cinqüenta mil pessoas em resposta ao decreto de Ciro, em 536 a. C., sob a liderança de Zorobabel (veja 2.2), descendente direto dos reis de Judá. Mas cerca de oitenta anos mais tarde, em 456 a. C., houve uma nova volta, embora de um número bem menor, sob o comando de Esdras, o sacerdote e escriba. Ela foi ocasionada por um decreto de Artaxerxes, o rei persa que ocupava nessa época o trono; e os doze grupos dos que compunham todo o conjunto, juntamente com os netinins (os servidores do templo — 8.20), somaram cerca de 2.000 pessoas, apesar de ser dito que este era somente o número de homens (8.3 etc). Com este outro grupo de Esdras em vista, podemos dizer que a volta do re­manescente à pátria deu-se em dois estágios: começou com Zorobabel, no primeiro ano de Ciro (536 a. C.) e completou-se oitenta anos mais tarde, com Esdras, no sétimo ano de Artaxerxes (456 a. C.).

O novo retorno sob Esdras é descrito nos capítulos 7 e 8, dividindo este livro de Esdras em suas duas partes principais: parte I — a volta sob Zorobabel (1-6); parte II — a volta sob Esdras (7-10).

O “Livro” de Esdras

Como indicamos em nosso estudo de Crônicas, há razões para crer que1 e 2 Crônicas, Esdras e Neemias eram originalmente uma só obra. O ponto de vista judaico e dos primeiros cristãos é de que Esdras foi o autor-compilador desse original. Talvez possamos mencionar novamente aqui, para nosso proveito, três pontos a favor da tradição de Esdras: (1) não encontramos ainda qualquer razão forte contra ela; (2) os estudiosos concordam que uma única mão pode ser rastreada através de Crônicas, Esdras e Neemias, e que ela é certamente a de Esdras em parte do livro que leva seu nome; e (3) é difícil encontrar outra alternativa. Quem era mais adequado ou mais provável? Quando à perícia crítica “su- per-especializada”, que afirma discernir vários estilos diferentes no original, basta responder que o fato de Esdras ser o autor-compilador da maior parte da obra não exclui necessariam ente os toques com­plementares guiados por Deus aqui e ali, feitos por uma mão competente pouco tempo depois, nem exclui que as partes autobiográficas no Livro de

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Neemias tenham sido escritas pelo próprio Neemias.Quando à data do livro, evidentemente ele foi escrito depois do último

evento registrado, isto é, a reforma sob Esdras, ocorrida no ano após sua chegada a Jerusalém (456 a. C.). Provavelmente, foi escrito alguns anos depois desse evento.

Talvez o significado espiritual básico do livro possa ser mais bem expresso nas palavras de Lamentações 3.32: “... pois, ainda que entristeça a alguém, usará de compaixão...”Deus certamente entristecera Seu povo eleito, pois o juízo se tornara necessário e a dor era bastante merecida; agora, porém, o período de exílio havia passado. Deus não Se esquecera de ser gracioso, e uma restauração compassiva tornou-se possível. Essa verdade é mais que maravilhosa — o Deus de Israel e do universo é um Deus compassivol Não devemos nos esquecer disso, especialmente quando os pecados dos homens trazem enormes calamidades sobre o mundo.

A estrutura do livro é simples e interessante. Como já mencionado, há uma clara divisão em duas partes. Do capítulo 1 ao 6 temos a volta com Zorobabel e o que se seguiu a ela; depois disso, do capítulo 7 ao 10, temos a nova volta com Esdras e os acontecimentos subseqüentes. Deve-se compreender bem que entre essas duas partes (i. e., entre o final do capítulo 6 e o começo do 7) existe um intervalo de sessenta anos. A volta sob Zorobabel ocorreu no primeiro ano de Ciro (1.1), ou seja, em 536 a. C. O retorno sob Esdras deu-se no sétimo ano de Artaxerxes (7.1,8), em 456 a. C., isto é, oitenta anos depois. Os seis primeiros capítulos do livro cobrem os primeiros vinte anos (aproximadamente) depois da volta com Zorobabel, o que deixa cerca desessenta anos entre o final do capítulo6 e o começo do 7. Durante a primeira parte desse intervalo, aconteceram os eventos críticos narrados no Livro de Ester.

Existe um paralelismo notável entre as duas partes principais deste Livro de Esdras. Em lugar de uma análise comum, parágrafo por pa­rágrafo, devemos ter em mente um quadro do livro nesta forma paralela. A parte 1 começa com o decreto de Ciro; a parte 2 começa como o decreto de Artaxerxes. Na parte 1 a figura central é Zorobabel; na 2, é Esdras. Em ambas as partes é apresentada uma lista cuidadosa das pessoas que voltaram e dos utensílios sagrados. Na parte 1 temos o ministério dos profetas Ageu e Zacarias; na parte 2 temos o ministério do sacer- dote-escriba Esdras. No final da parte 1, o principal resultado é a recons-

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O L IV R O D E E S D R A S (1)

trução do templo; no final da parte 2, o principal resultado é a nova separação entre o povo e os estrangeiros.

O LIVRO DE ESDRAS

O LIVRO DA RESTAURAÇÃO

“... pois, ainda que entristeça a alguém, usará de compaixão... ”

A V O L T A C O M A V O L T A C O MZ O R O B A B E L (1-6) E S D R A S (7-10)

O decreto d e Ciro O decreto d e Artaxerxes(1.1-4) (7 .1 ,1 1 -2 6 )

O líder Z orobabel O líder Esdras, o escriba(1.8; 2.2) (7.1-10)

N om es e núm ero do rem anescente N om es e núm ero d e acom panhantes(2.3-65) (8.1-20)

U ten sílios sagrados e presentes U tensílios sagrados e presentes(1.6-11; 2.68-70) (7.15-22; 8.24-35)

A chegada a Jerusalém A chegada a Jerusalém(3.1) (8.32)

M inistério profético: A geu , Zacarias M inistério intercessório d e Esdras(5.1-6.14) (9.1-15)

R esu ltado principaí — reconstrução R esultado principal — nova separaçãod o tem plo entre o povo e o s estrangeiros

(6.15-22) (10.1-44)

Os dois líderes

Se este livro recebesse o título de acordo com seu tema e não pelo autor, ele seria o “Livro do Remanescente”, “Livro da Restauração” ou “Livro da Repatriação”, em lugar de “Esdras”. Se fosse intitulado conforme suas partes ou personagens principais, seria “O Livro de Zorobabel e Esdras”, e não apenas Esdras. Vale a pena mencionar isto, para que, em vista da repetida referência como “Livro de Esdras”, não venhamos a pensar no próprio Esdras como o personagem principal da história. Esdras foi, na verdade, o chefe do grupo dos que regressavam e quem conduziu a nova

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separação (7-10), mas o verdadeiro chefe do remanescente, oitenta anos antes da expedição de Esdras, e o administrador-chefe dos assuntos do remanescente, depois de seu restabelecimento na Judéia, foi Zorobabel. O profeta contemporâneo Ageu dirige-se sempre a ele como “Zorobabel, governador de Judá”. Como ele devia ser adulto quando guiou o remanescente de volta à Judéia, supomos que já havia morrido há bastante tempo quando Esdras chegou a Jerusalém, oitenta anos depois do remanescente. A última referência histórica a Zorobabel encontra-se em 5.2. Esses dois líderes são figuras de grande importância na história de Israel.

Zorobabel

Neste Livro de Esdras, Zorobabel é também chamado por dois outros nomes — “Sesbazar” (1.8,11; 5.14-16) e “Tirsata” (2.63, A R C ). O primeiro é seu nome babilônio ou caldeu; o último é um título persa, significando governador (como em ARA). Seu nome pessoal, “Zorobabel”, significa “descendente da Babilônia ”, indicando que era um filho do exílio, nascido na terra da Babilônia ou provavelmente na própria cidade da Babilônia. Isto também sugere que no caso pessoal de Zorobabel, a viagem com o remanescente de 50.000 a Jerusalém não era uma “volta”, mas sua primeira ida. Nada sugere que ele já tivesse visto Jerusalém ou a Judéia antes.

Ele é chamado “Zorobabel, filho de Pedaías”. Sua linhagem completa é dada em 1 Crônicas 3. De fato, ele pertencia à geração nascida no cativeiro, e isto é mostrado definitivamente em 1 Crônicas 3.17-19. Sua linhagem torna mais notável o fato de ele ter liderado o remanescente. Zorobabel descendia diretamente da linhagem real de Davi, sendo o neto do rei Jeconias (que começou a reinar com a idade de dezoito anos, mas foi levado cativo para a Babilônia três meses mais tarde; veja 2 Rs 24.8-16). O cronista considera tão importante a linhagem de Zorobabel que, depois de ligá-la em retrospecto à de Davi, ele a segue até várias gerações depois de Zorobabel — ou seja, a algum ponto mais avançado no tempo em Crônicas, Esdras ou Neemias. Quando chegamos ao Novo Testamento, descobrimos imediatamente que Mateus completa os elos, até que, da linhagem de Davi e Zorobabel, segundo a carne, nasce CR ISTO .

Nada sabemos sobre o caráter pessoal de Zorobabel, exceto por inferência de dados muito escassos. Seu zelo religioso está implícito,

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naturalmente, na própria liderança do remanescente. Notamos seu cui­dado em conformar a adoração restaurada à palavra de Deus (Ed 3.2-5, 11) e sua resposta aos dois profetas (5.1,2; Ag 1.12). Mas a glória tríplice que o imortaliza é que ele: (1) comandou o remanescente de volta à Judéia; (2) lançou os fundamentos do novo templo; e (3) completou a edificação do novo templo (compare 3.8 e 6.15 com Zc 4.9).

Esdras

A tradição judaica, via Talmude, tornou Esdras um dos personagens mais ilustres em toda a história de seu povo. Cinco grandes obras são atribuídas a ele: (1) a fundação da chamada “Grande Sinagoga” ou sínodo de eruditos judeus (veja a nota em nosso próximo estudo); (2) o estabelecimento do “cânon” sagrado, ou lista autorizada das Escrituras hebraicas oficiais, e sua organização em três partes: a lei, os profetas e os escritos; (3) a mudança das Escrituras hebraicas da língua hebraica antiga para a nova, com seus caracteres assírios de forma quadrada; (4) a compilação de Crônicas, juntamente com o livro que traz agora seu nome, e do Livro de Neemias; e (5) a instituição de sinagogas locais.

Se essas grandes realizações tiveram origem em Esdras de maneirà comprovada e direta, então sua figura é certamente digna de ser observada com admiração; mas será que todas realmente procedem dele? Inves­tigadores de grande conhecimento nessas tradições judaicas consi­deram-nas em grande parte lendárias. No entanto, é verdade que esses grandes desenvolvimentos aconteceram durante ou logo depois do período da liderança moral e literária de Esdras, e sua influência não foi pequena. Portanto, temos razão em considerá-lo uma figura notável.

Entretanto, devemos observar Esdras pessoalmente. Ele era um dos cativos na Babilônia, onde, quase com certeza, também nasceu. Era descendente direto do primeiro sumo sacerdote de Israel, Arão; todos os elos da árvore genealógica são dados em 7.1-5. Esdras era então sacerdote e também “escriba” — “escriba versado na lei de Moisés” (7.6), o que significa que ele era um instrutor perito nas Escrituras. Se não fosse assim, Esdras jamais se tornaria o líder que foi. Ele nos mostra como Deus pode usar alguém que estuda visando ter uma compreensão profunda da palavra escrita de Deus. Ele nos revela que ter um conhecimento completo e cuidadoso das Escrituras é uma qualificação nobre e vital para uma

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liderança superior. Em seu caráter pessoal, Esdras dá igualmente um ótimo exemplo. Veja seu propósito piedoso (7.10); sua gratidão piedosa pelo sucesso (7.27, 28); sua dependência de Deus em espírito de oração (8.21-23); sua grande tristeza pelo pecado do povo (9.3, 4); sua profunda humildade diante de Deus (w. 5-15); sua atitude pronta e destemida contra tudo o que era errado (10). Esses aspectos do caráter de Esdras merecem reflexão e podem muito bem levar-nos a orar de joelhos para que as mesmas qualidades sejam reproduzidas em nós, mediante o ministério santificador do Espírito Santo.

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O LIVRO DE ESDRAS (2)

Lição NQ 43

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NOTA: Para esta lição, releia o Livro de Esdras de uma só vez.

Um dos mais brilhantes cientistas franceses da atualidade — o Dr. Alexis Carrel, do Instituto Rockefeller de Nova Iorque — afirmou que a atitude negativa em relação aos milagres não pode mais ser sustentada em face dos fatos observados pela ciência durante os últimos cinqüenta anos. Esta autoridade na pesquisa médica chega a aceitar os milagres de cura através da oração, incluindo até mesmo moléstias orgânicas como o câncer. Evidências de acontecimentos inusitados na vida humana sempre existiram, mas só agora eles estão sendo reconhecidos, registrados e documentados pela ciência. Uma vez que isto está sendo feito, segue-se que as pessoas bem informadas e não preconceituosas não podem daqui por diante rejeitar a narrativa bíblica, por registrar eventos singulares ocorridos há milhares de anos. Aqueles dentre o nosso clero que se denominam “modernistas” devem familiarizar-se com este avanço do conhecimento, caso desejem manter seu título; de outra forma, eviden­temente, tornar-se-ão “modernistas antigos”.

SIR C H A R L E S M A R S T O N

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O LIVRO DE ESDRAS (2)

E ST E L IV R O de Esdras contém liçoes espirituais notáveis, algumas das quais desejamos mencionar. Antes disso, porém, devemos tratar de váriospojiloj (jg narrativa cjuc íalvcz não cstcjarn muito claros para alguns leitores. A história do livro torna-se bem mais interessante quando i partes obscuras que aparecem aqui e ali são esclarecidas e c , suplementar incide sobre elas. -Á Q

Notas explicativas e informações^e

A duração do exílio

O exílio dos judeus na BabilcpiS é irímtas vezes referido como o exílio dos setenta anos, com base em Je re m i^ ^ .1 0 e 2 Crônicas 36.21. Mas um leitor cuidadoso irá per irim í iatpmente que, se o exílio durou setenta anos, praticamente nenhim Qp\ adultos que tomaram parte dele poderia estar vivo ou ser fisiraffnOTte-capaz de se juntar ao “remanescente” que voltou. Tod^ay^é5^3H^ lemos: “Porém muitos dos sacerdotes e levitas e cabeças deàím m ks'já idosos, que viram a primeira casa (o templo de Salonc p^$^V;Xü>am em voz alta quando à sua vista foram lançados os

rxasa” (a nova). Devemos então pensar que esses “muitos” 'homens de noventa anos ou mais? Não, pois o exílio durou

i*51 anos e não setenta. Ele começou em 587 a. C. e terminou com ícreto de Ciro em 536 a. C. Em Jeremias 29.10, as palavras são “para

Babilônia”. Deus não diss ie Sei vo ficaria na Babilônia 70 anc ias que haveria um domínio de setenta anos para a Babilônia (que se cumpriu exatamente; veja nossa nota sobre isto no estudo de Ageu). Esses homens mais velhos que voltaram a Jerusalém com o “remanescente” não tinham necessariamente mais de 70 anos. Mesmo assim, foram valentes e zelosos em viajar mil e cem quilômetros da Babilônia até Jerusalém, uma jornada que significava cinco meses de caminhada diária.

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Assíria, Babilônia, Média-Pérsia

A história de Israel registrada nas últimas partes de Reis e Crônicas, assim como em Esdras, Neemias e Ester, tem como pano de fundo três impérios mundiais — Assíria, Babilônia e Média-Pérsia. Com o Livro de Esdras diante de nós, chegamos a um ponto em nosso estudo bíblico em que deveríamos ter pelo menos um esboço deste contexto em nossa mente. Isto é ainda mais necessário porque neste pequeno livro são mencionados nada menos do sete reis diferentes, representando os três impérios mun­diais; assim, a história é muito mais significativa quando essas referências são distinguidas com clareza. Por exemplo, não devemos pensar que o imperador Dario aqui é o mesmo rei Dario do livro de Daniel; nem devemos pensar que o Artaxerxes do capítulo 4 é o mesmo do capítulo 7. Portanto, algumas palavras sobre a Assíria, Babilônia e Média-Pérsia serão úteis.

Em primeiro lugar temos o IM PÉ R IO A SSÍR IO . A história do reino da Assíria tem seu início num passado muito remoto e abrange três períodos. O primeiro, de cerca de 1430 a 1000 a. C., e o segundo, de cerca de 880 a 745 a. C., tendo havido em ambos um período de ascensão ao poder seguido de longo declínio. O terceiro período é o que está mais ligado a Israel', nessa época, a Assíria tornou-se senhora do mundo. Este período começou em 745 a. C., com o hábil e cruel general-usurpador Pul, que assumiu o nome real de Tiglate-Pileser III, continuando até que Nínive foi finalmente destruída, por volta de 612-608 a. C., quando a Babilônia passou a dominar. Estes são os imperadores assírios e sua ligação com a história bíblica:

Tiglate-Pileser III (745-727) - 2 Rs 15.19,29; 16.7,10; 2 Cr 28.20 Salmaneser IV (727-722) - 2 Rs 17.3; 18.9 Sargom (722-705) - 2 Rs 18.11; Is 20; 10.12, 28-34 Senaqueribe (705-681) - 2 Rs 18-19; 2 Cr 32; Is 36, 37 Esar-Hadom (681-668) - 2 Rs 19.37; 2 Cr 33.11; Ed 4.2 Assurbanípal (668-626) — Ed 4.10 (“Asnapar”?)

Com a morte de Assurbanípal, este período maior da Assíria entrou em declínio. Em 625 a. C., a Babilônia recuperou a independência com Nabopolassar (pai de Nabucodonosor), que reinou até 606 a. C. O reino

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dos medas também reconquistou a independência. Mais tarde, os medas e os babilônios se aliaram e conquistaram Nínive, por volta de 608 a. C., destruindo para sempre o império assírio (veja mais sobre isto em nosso estudo de Naum).

A seguir vem o IM PÉ R IO B A B IL Ó N IC O . Com a queda de Nínive, a cidade da Babilônia, ainda mais antiga, apossou-se novamente do cetro das nações. Sua nova soberania começou em 606 a. C. com o jovem e brilhante Nabucodonosor; todavia, isto durou só até 536 a. C., cumprindo assim exatamente o que está em Jeremias 29.10. Durante os últimos cinqüenta anos desse período, os judeus encontravam-se cativos na Babilônia. Se os reis que se seguiram a Nabucodonosor fossem tão majestosos quanto seus nomes, talvez o império tivesse tido um destino melhor! Damos abaixo a relação deles:

Nabucodonosor (606-562)Evil-Meiodaque ou Amil-Mai duque (562-559) — 2 Reis 25.27 Nergal-Sarezer, ou Neriglissar (559-555) — Jeremias 39.3,13 Labashi-Marduque, ou Laborisoarchod (555, 9 meses)Nabonido ou Nabunahid (cujo vice-rei foi o “Belsazar” de Daniel 5; 553-536)

O IM PÉ R IO M E D O -P E R S A substituiu então a Babilônia. Já mencionamos como o reino dos medas recuperou a independência e fez aliança com a Babilônia para derrubar a Assíria. Essa aliança terminou com o fim do reinado de Nabucodonosor. Dois ou três anos mais tarde, os medas e os persas tornaram-se um só império, sob Ciro, o Persa. Eles se asse­melhavam muito e seguiam os mesmos costumes e religião. Uma revolta destronou o último rei meda em 559 a. C., e a tomada do trono por Ciro transferiu a supremacia aos persas. Ciro teve uma carreira de esplêndidas conquistas. “Em apenas doze anos, com seu punhado de persas, ele destruiu para sempre três grandes impérios — a Média, a Lídia e a Babilônia; conquistou toda a Ásia e garantiu para sua raça durante dois séculos o domínio do mundo.” Este é o Ciro cujo decreto para o retorno dos judeus para a Judéia abre o Livro de Esdras.

Depois de conquistar a Babilônia, Ciro colocou ali um certo Gobrias para ser vice-rei. Este Gobrias aparentemente é o “Dario” do Livro de Daniel. Ciro também inverteu a prática de deportações que os assírios e

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babilônios haviam empregado desde a época de Tiglate-Pileser e permitiu que os povos vassalos voltassem aos seus países de origem e restaurassem suas religiões e instituições. Sua idéia era ligá-los a seu governo pela gratidão, em vez de medo. Foi assim que o Estado judeu teve condições de ser ressuscitado na Judéia, embora ainda permanecesse sujeito à Pérsia.

O império persa durou de 536 a. C. (primeiro ano de Ciro) até 330 a. C., quando foi derrubado por Alexandre, o Grande, e deu lugar ao império grego. A seguir damos o nome de seus reis, com exceção de dois ou três usurpadores menores em seus últimos anos. Os nomes entre parênteses são os nomes pessoais ou sinetes desses reis, à parte de seus títulos monárquicos.

Ciro, o Grande (536-529) — Ed 1 etc.; Is 45Cambises (529-521) — Assuero, de Ed 4.6Gaumata (pseudo-Esmerdis) (7 meses) — Artaxerxes, de Ed 4.7Dario I (Histaspis) (521-486) — restauração do templo: Ed 5, 6Xerxes I (485-464) — Assuero, de EsterArtaxerxes I (Longânimo; 465-24) — Ed 7.1; Ne 2.1; 5.14Xerxes II (424)Dario II (Nothus; 424-404) — Ne 12.22(?)Artaxerxes II (Mnemon; 404-359)Artaxerxes III (Ochus; 359-338)Dario III (Codomano; 336-30) - Ne 12.22(?)

O decreto de Ciro

Não é possível ler livros como Esdras, Neemias e Ester sem se surpreender com a maneira maravilhosa através da qual Deus reina nos períodos de perturbação e crise. Não podemos perder de vista que, em Esdras 1.1, a “proclamação” de Ciro que ocasionou a volta do re­manescente é diretamente atribuída a uma imposição divina: “... des­pertou o S E N H O R o espírito de Ciro, rei da Pérsia, o qual fez passar pregão...” Os homens e as nações são agentes livres, e Deus lhes permite, dentro de amplos limites, que tracem sua própria história, mas jamais a ponto de fugir ao Seu controle supremo. Existem intervenções divinas, algumas vezes visíveis, mas quase sempre invisíveis, que, sem violar o livre-arbítrio do homem, asseguram o cumprimento dos propósitos

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divinos finais. Nesses últimos tempos da era presente é bom manter esta verdade sempre diante de nós, ou seja, que a liberdade humana não exclui o domínio divino. Isso tem um efeito estabilizador quando ocorrências más e perturbadoras parecem surgir sem qualquer controle. Bem acima da vontade permissiva de Deus está Sua vontade diretiva, que jamais será derrotada.

As palavras do decreto de Ciro são certamente notáveis: “O Senhor Deus dos céus me deu todos os reinos da terra, e me encarregou de lhe edificar uma casa em Jerusalém de Judá” (Ed 1.2). Como seria possível a esse imperador persa ser tão reverente e ter tal conhecimento e orientação do Deus de Israel? Note especialmente suas últimas palavras na proclamação: “Senhor, Deus de Israel; ele é o D eus”. Os críticos modernistas acham que a única possibilidade de escapar do problema desse palavreado surpreendente é depreciá-lo como sendo “uma paráfrase judaizante do original”. Mais uma vez, insinuam que os escritores bíblicos recorrem a distorções e interpretações erradas. Contudo, o problema desses críticos passa a ser: se este edito de Ciro não era redigido como se encontra na transcrição das Escrituras, por que Ciro teria publicado esta proclamação de seu favor para com os judeus? Certamente, não havia razão política para isso, pois os judeus, ao contrário dos babilônios e de outros povos conquistados por Ciro, não tinham absolutamente poder para ajudar ou prejudicar o novo governo.

O fato é que, de alguma forma, Ciro tinha sido influenciado pelos ensinamentos da religião judaica. O historiador judeu Josefo conta-nos como isso aconteceu. Ele afirma que, depois de Ciro ter conquistado a Babilônia, foi mostrada ao imperador a notável profecia de Isaías 44.24-45.6, escrita duzentos anos antes, na qual Ciro é nomeado ante­cipadamente como o restaurador predestinado dos judeus e reconstrutor do templo. Josefo nos diz que Ciro, tendo visto a predição de Isaías, foi imediatamente tomado de “um desejo e uma ambição sinceros de cumprir o que fora assim escrito”. Josefo conta-nos muito mais sobre Ciro e seu edito, mas talvez não necessitemos aceitar tudo. Não pode haver, porém, qualquer dúvida sobre o fato de o edito, ou melhor, sua transcrição bíblica, ser literalmente exata; e isto implica naturalmente que Ciro (como Josefo declara) passara a reconhecer o Senhor como o Deus supremo. É no mínimo compreensível que a profecia de Isaías tivesse criado na mente de Ciro um desejo ardente de conhecer mais a respeito das Escrituras

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inspiradas de Israel.Como é de fato esplêndido o controle de Deus! Até mesmo aquela negra

calamidade, o exílio dos judeus na Babilônia, é transformada na conversão de Nabucodonosor, o imperador babilônio, e de Ciro, o imperador persa. Ele igualmente curou de uma vez por todas a idolatria do povo da aliança e, ao difundir o conhecimento do Deus único e verdadeiro pelas nação do mundo antigo, preparou a vinda do evangelho do Senhor e Salvador Jesus Cristo.

E as “dez tribos”?

Se lermos cuidadosamente o Livro de Esdras, veremos novamente que ele vai contra aquela teoria fantasiosa de que as chamadas “dez tribos perdidas” são a Inglaterra e os Estados Unidos. Este não é o lugar certo para discutirmos o caso do israelismo britânico separadamente; mas existem certos aspectos do Livro de Esdras que tratam diretamente do assunto e que devem ser notados. A posição do israelismo britânico é de que os judeus são apenas uma tribo (Judá), sendo as outras os povos ingleses e norte-americanos. Afirma-se que só a tribo de Judá voltou à Palestina sob o decreto de Ciro, e as outras (dez além da tribo dos levitas) se “perderam”. A teoria inteira mostra-se cheia de dificuldades, mas, tomando apenas um aspecto, vejamos o que o Livro de Esdras diz sobre a composição do remanescente.

Primeiro, vemos em 1.3 que o edito de Ciro é para todo Israel. Devemos lembrar que a Assíria (que levou o reino das dez tribos para o cativeiro) foi mais tarde absorvida pelo império babilónico, que por sua vez veio a tornar-se parte do domínio de Ciro; desse modo, todas as tribos encontravam-se agora em seu império. Os chefes de Judá e Benjamim compreensivelmente responderam, já que o remanescente voltaria a Jerusalém e Judá; mas com eles estavam “todos aqueles cujo espírito Deus despertou” (v. 5).

Veja agora Esdras 2.2. Aqui ficamos conhecendo os chefes do remanescente. Compare com Neemias 7.7. Havia doze líderes. Não é perfeitamente lógico supor que esses doze fossem os chefes das doze tribos? Caso negativo, por que então doze?

A seguir, vejamos Esdras 2.70. Não só Jerusalém mas também todas as outras cidades da Judéia (veja 2.1) foram novamente ocupadas. Lemos

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então que “habitaram nas suas cidades; como também todo o Israel”. Poderia isto significar outra coisa senão que todas as tribos participaram do retorno?

Passe para 6.17. Não é significativo que, na dedicação do novo templo, o número de cabritos oferecidos como oferta pelo pecado fosse doze, por “todo o Israel”? Não é igualmente sugestivo o fato de que em 8.35 haja de novo doze novilhos e doze bodes oferecidos por “todo o Israel”?

Em 8.29, como entender a frase “os cabeças de famílias de Israel”, se todas as tribos não estivessem representadas? É mais do que claro que todas as tribos participaram do remanescente, embora Judá e Benjamim tivessem com preensivelm ente tomado a liderança. Não se tratou simplesmente, como dizem os profetas do israelismo britânico, de um retorno dos habitantes de Judá.

Além disso, essas indicações de que o remanescente era composto de todas as doze tribos são fortalecidas por dois fatos importantes fora do Livro de Esdras. O primeiro deles é que antes de as dez tribos terem sido removidas, elas se haviam infiltrado em grandes proporções em Judá (2 Cr 11.13-17; 15.9; 34.6-9). O segundo é o fato de os nomes “judeu” e “israelita” terem se tornado sinônimos durante o exílio. Quem pode duvidar disso, quando o Livro de Ester fala dos “judeus” como espalhados entre as 127 províncias persas, desde a índia até a Etiópia (Et 1.1; 3.8,12, 14)? O Livro de Ester não faz distinção entre judeu e israelita, nem o Senhor Jesus nem os escritores do Novo Testamento. Lembre-se, foi apenas uma pequena parte que voltou à Judéia, mesmo no caso da tribo de Judá. Há razão suficiente para dizer que a maior parte de Judá “perdeu”, assim como aconteceu com as outras tribos. Quando o apóstolo Tiago, cinco séculos e meio depois, escreveu às “doze tribos que se encontram na Dispersão” (Tg 1.1), ele se dirige a um povo disperso conhecido por inteiro como de “judeus”; do mesmo modo, aqueles povos que são conhecidos por nós hoje como judeus são a posteridade de todas as tribos de Israel e não apenas de Judá.

Esdras 4.4-24

Esta passagem apresenta um problema que vale a pena notar. Através de hábeis intrigas, os adversários provocam a suspensão das obras de reconstrução do templo. Vemos no versículo 5 que eles “alugaram

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conselheiros” contra os judeus, “para frustrarem o seu plano, todos os dias de Ciro, rei da Pérsia, até ao reinado de Dario”. Este Dario foi o terceiro depois de Ciro. Releia a lista de reis persas. A frustração durou do segundo ano de Ciro (3.8) até o segundo ano de Dario (4.24), cerca de quatorze anos.

O problema começa no versículo 6: “No princípio do reinado de Assuero escreveram uma acusação contra os habitantes de Judá e de Jerusalém”. A seguir, o versículo 7 diz: “E nos dias de Artaxerxes, rei da Pérsia, Bislão... lhe escreveram” etc. Esses dois nomes, Assuero e Artaxerxes, constituem o problema. Veja novamente nossa lista de reis persas. Os dois reis assim conhecidos só governaram depois de Dario, em cujo segundo ano terminou a interrupção das obras de reconstrução. Assim sendo, se esses são os dois realmente indicados em Esdras 4.6, 7, então os versículos 6-23 constituem um longo parênteses contando o que ocorreu trinta anos mais tarde e também os acontecimentos ocorridos vinte anos (ou mais) depois disso. .

Não são poucos os que adotaram esta idéia do parênteses; mas a nosso ver ela é errada e desnecessária. Não existe realmente nada que a favoreça além da seqüência de nomes reais, que neste caso deixam muito lugar para dúvida, pois muitas vezes os reis persas tinham mais que um nome. Além disso, uma digressão desse tipo parece bastante estranha e sem nexo aqui. Mas o que é claramente determinante para a idéia é o sentido dos versículos 23 e 24. No último versículo do capítulo lemos: “Cessou, pois, a obra da casa de Deus, a qual estava em Jerusalém; e isso até ao ano segundo do reinado de Dario, rei da Pérsia”. Esse “pois” com certeza faz a ligação com o texto imediatamente anterior. Não precisamos nos preocupar, portanto, com a embaraçosa questão dos dois nomes reais nos versículos 6 e 7. Eles podem ter sido Cambises e Gautama, que reinaram entre Ciro e Dario, ou os dois nomes podem se referir apenas a Cambises.

Quem eram os “netinins”?

Lemos dezessete vezes em Esdras e Neemias a respeito dos netinins (servidores do templo). Eles são mencionados apenas uma vez em outras passagens (1 Crônicas 9.2, que se refere também ao novo estabelecimento pós-exílio). O “s” no final da palavra não é estritamente necessário, pois o final “im” designa o plural em hebraico. Quem eram, pois, esses “ne-

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tinins”? O termo hebraico significa “aqueles que foram dados”. Esdras 8.20 chama-os de “netinins, que Davi e os príncipes tinham dado para o serviço dos levitas” (IB B ; a r c , “netineus”). Essa parece ser uma indicação suficiente. Tanto em Esdras como em Neemias eles estão intimamente ligados a outra ordem — “os servos de Salomão”, que parecem ter sido descendentes dos cananeus que Salomão empregou em seu templo (2 Cr 2.17), cujos deveres eram talvez ainda mais humildes do que os dos netinins. É possível que os netinins tenham sido originalmente estran­geiros cativos que, de tempos em tempos, eram dados pelos reis para o trabalho servil do templo. Os nomes de alguns deles parecem indicar uma diversidade de origem não-israelita. O nome “netinim” parece ter sido aplicado definitivamente a essa classe de serviçais apenas na época do retorno — provavelmente porque o serviço deles tornou-se então muito mais necessário. Neemias 11.21 indica que eles foram organizados em uma espécie de grupo, tendo seu próprio chefe. Além desses lugares, não são mais mencionados nas Escrituras. É possível que, juntamente com outros grupos, tenham sido gradualmente incorporados ao grupo maior dos levitas.

APÊNDICES

A “GRANDE SINAGOGA”

Segundo a tradição rabínica, um grande concílio foi realizado algum tempo depois da volta do remanescente judeu da Babilônia, a fim de reorganizar a vida religiosa do povo. Smith dá o seguinte resumo: “Ele consistiu de 120 membros, conhecidos como os homens da Grande Sinagoga, os sucessores dos profetas, por sua vez sucedidos pelos escribas que tinham proeminência individual como professores. Esdras foi admitido como presidente. O objetivo deles era restaurar novamente a coroa ou glóiia de Israel. Com este fim, eles reuniram todos os escritos sagrados das eras antigas e da deles, completando dessa forma o cânon do Antigo Testamento. Instituíram a festa do Purim. Organizaram o ritual da sinagoga e deram sua aprovação para o Shemôneh Esrêh, as dezoito bênçãos solenes. Grande parte disso evidentemente é incerta. A ausência de qualquer menção histórica de um grupo assim, não só no Antigo Testamento e nos apócrifos, como também em Josefo, Filo e em Seder Olam, de modo que o primeiro registro é encontrado em Pirke Aboth, por volta do segundo século A D., levou alguns críticos a rejeitarem toda a declaração como sendo uma invenção rabínica”.

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É verdade que muitos eruditos contemporâneos rejeitaram esta tradição; todavia, como diz o Dr. James Orr: “É difícil crer que declarações tão detalhadas e definidas não tenham qualquer fundamento na história verídica”. O excessivo ceticismo de certas escolas modernas em tais questões é antes um modismo intelectual do que produto de precaução erudita.

OS MESES JUDAICOS EM ESDRAS, NEEMIAS E ESTER

Em Esdras, Neemias e Ester, os “meses” judaicos são mencionados 35 vezes. Devemos familiarizar-nos com o calendário judaico. Havia na verdade dois “anos” judaicos — o sagrado e o civil. O ano novo começava originalmente no outono (Ex 23.16), mas, a partir do êxodo, o sétimo mês (Nisã) tornou-se o primeiro (Ex 12.2). Josefo diz: “Moisés designou Nisã como primeiro mês de suas festas, porque ele os tirou do Egito nesse mês, de modo que aí começava o ano para todas as solenidades por eles observadas para honrar a Deus. Contudo, ele preservou a ordem original dos meses quanto a comprar, vender e outras questões comuns”. Nas Escrituras, os meses são praticamente aqueles do ano sagrado. Em sua maioria, os nomes pré-exílio não chegaram até nós, mas parecem ter sido baseados nas estações, Abibe significando o cereal na espiga e Zive a beleza das flores da primavera. Os doze meses eram lunares; portanto, a cada três anos, mais ou menos, era acrescentado um décimo-terceiro mês intercalado, a fim de reajustar o ano de acordo com o sol.

Mês Sagrado Civil Português

Abibe ou Nisã 1° 72 março-abrilZive 2° 82 abril-maioSivã 35 92 maio-junhoTamuz 42 102 junho-julhoAbe 52 112 julho-agElul 62 122 ag-setEtenim ou Tisri 72 12 set-outBul 8-°- 22 out-novChisleu 92 32 nov-dezTebete 102 40 dez-janSebate 112 52 jan-fevAdar 122 62 fev-março

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O LIVRO DE ESDRAS (3)

Lição Ns 44

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NOTA: Para este estudo, leia novamente o Livro de Esdras, notando o rumo que as coisas tomaram do capítulo 2 ao 6.

Quando as pessoas dizem que a doutrina da inspiração plenária ou completa da Bíblia deixa de fazer justiça à individualidade dos escritores bíblicos, elas simplesmente mostram que não sabem do que estão falando. Na verdade, a Bíblia contém uma enorme diversificação. Temos a simplicidade rudimentar de Marcos, a eloqüência inconsciente mas esplêndida de Paulo, a arte literária consciente do autor da Epístola aos Hebreus, a beleza incomparável das narrativas do Antigo Testamento, a elevada poesia dos profetas e dos salmos. Com certeza, perderíamos muito se a Bíblia fosse escrita por inteiro em um só estilo! Nós, que cremos na inspiração plenária da Bíblia, não apenas admitimos isso, mas insistimos nesse ponto. A doutrina da inspiração plenária não afirma que todas as partes da Bíblia são iguais nem afirma que todas são igualmente belas ou mesmo igualmente valiosas, mas declara que todas são igualmente verdadeiras e que cada parte tem seu lugar.

J. G R E S H A M M A C H E N

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O LIVRO DE ESDRAS (3)

N Ã O e r a N O S S A intenção fazer com que os estudos de Esdras chegassem a uma terceira parte. Sendo, porém, um tratado importante das Escrituras, pois marca um ponto crítico significativo, o livro merece perfeitamente esta nova consideração. Neste estudo final, iremos rever o livro de um ponto de vista exclusivamente espiritual. Ele está repleto de lições espirituais de relevância sempre nova, mas nos limitamos aqui à maior lição espiritual, que se desenvolve à medida que a própria história do livro acontece.

APLICAÇÕES ESPIRITUAIS IMPORTANTES

O assunto do livro, como já vimos, é a repatriação dos judeus, sob o decreto de Ciro. Este é o livro da restauração. O que não devemos perder de vista é que esta restauração histórica dos judeus exemplifica surpreendentemente as leis e os fatores que operam em toda verdadeira restauração espiritual

Em primeiro lugar, o próprio fato da restauração judaica é espi­ritualm ente significativo. Ele fala do profundo consolo relativo à restauração dos cristãos que foram “seduzidos” por este “mundo perverso” ou enredados pelas “astúcias” de Satanás e se “desviaram”. Deus perm itira que grande tristeza envolvesse o povo da aliança, chegando ao expediente extremo de dispersar as doze tribos nas terras dos conquistadores pagãos. O fato de serem o povo da aliança não os tornou imunes ao castigo do pecado. Absolutam ente não. Seu privilégio aumentou a responsabilidade. Sua apostasia e presunção tiveram como resposta um castigo inclemente. Mesmo sob os açoites, porém, eles continuavam sendo o povo do Senhor. A aliança se mantinha. Deus não a abandonou. Ele os lançou fora, mas não os esqueceu, e propiciava agora um caminho de volta e restauração para todos os que quisessem aproveitar.

Assim como isto se aplicou à nação de Israel, também se aplica individualmente ao povo de Deus em Cristo. Podemos nos afastar do lugar da bênção. Podemos perder nosso primeiro amor e nos tornar frios

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espiritualmente. Podemos escorregar de volta ao mundanismo e dei­xar-nos seduzir por sua atração enganosa. Deus talvez venha a permitir um castigo severo para nos advertir. Até certo ponto, ele pode permitir que poderes malignos nos guiem. O Espírito de Deus entristecido pode nos privar de toda consciência de Sua presença. Todavia, se pertencermos realmente ao Senhor mediante uma conversão genuína, se tivermos verdadeiramente nascido do Espírito e sido aspergidos com o sangue da aliança do Calvário, então Deus jamais nos lançará fora de todo nem permitirá que finalmente venhamos a “cair da graça”. Por mais que tenhamos nos afastado, há sempre um caminho de volta e restauração. Deus tornou clara essa verdade em Sua Palavra, e a restauração dos judeus a ilustra. De fato, no caso dos judeus, Deus não só abriu o caminho de volta, ma foi Ele também quem “despertou” os corações daqueles que responderam dentre Seu povo (1.5). Desse mesmo modo, o Espírito Santo ainda ministra no coração e na consciência dos cristãos apóstatas. O próprio desejo de voltar é obra Sua em nosso íntimo e evidência de nossa eleição. Como Deus tem paciência e terna graça para conosco, por amor de Jesus! Jamais ousemos abusar dela em ingratidão!

Vamos, porém, prosseguir. Na primeira metade do Livro de Esdras, (1-6) encontramos seis pontos específicos com respeito à restauração dos judeus, correspondendo aos principais fatores na restauração espiritual

1. A volta à terra

O primeiro ponto na restauração de Israel foi a volta à terra (1.3). Para a nação de Israel, Canaã era o lugar da bênção, num sentido especial. Ela era sua herança prometida, e o pleno gozo das bênçãos da aliança abrâmica estava associado com sua ocupação. O Senhor poderia mantê-los distintos mesmo na dispersão, mas não haveria cumprimento das promessas e propósitos da aliança, enquanto estivessem fora da terra. Portanto, o primeiro passo na restauração consistia na volta ao lugar da bênção.

Isso também acontece com a restauração da alma. Há, por acaso, algum leitor destas linhas que tenha perdido a primeira alegria, a primeira visão, a chama outrora brilhante, por ter retornado ao mundo, mas sente o desejo de ser restaurado? Que isto fique então bem entendido: o caminho da restauração está aberto, e o Senhor aguarda para ofertar Sua graça, mas primeiro precisamos voltar ao lugar onde Ele pode abençoar-nos, ou seja,

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devemos voltar as costas à Babilônia deste mundo que nos manteve cativos; devemos esquecer o que ocasionou nossa contaminação e voltar à velha terra da aceitação e bênção, que é a promessa de Deus no evangelho. O que Canaã foi para o israelita, com todas suas provisões materiais, o evangelho é para o cristão, com todas suas provisões espirituais. A primeira coisa para qualquer apóstata aflito é voltar à palavra de Deus manifestada no evangelho, mantendo-se firme nela. Esse é o único lugar em que Deus lida conosco com graça restauradora. Devemos voltar para lá e retomar a antiga posição de arrependimento para com Deus, fé para com o Senhor Jesus e obediência para com a Palavra escrita. Precisamos nos reafirmar naquela antiga base, a de que a salvação só se dá pela graça de Deus e pela nossa fé. Assim sendo, quando estivermos ali, poderemos obter a promessa e começar a nos alegrar na restauração.

Mas que promessa é esta? Vejamos a conhecida promessa de 1 João 1.9. Não podemos expô-la aqui, mas alguns minutos de reflexão irão mostrar a qualquer apóstata arrependido como é magnífica sua provisão. Com freqüência vemos apóstatas restaurados chorarem de alívio jubiloso quando a fé os faz aceitar essa promessa. Não haverá alívio até que fixemos a mente em alguma promessa desse tipo contida na Palavra de Deus; quando, porém, firmarmos nossos pensamentos em algumas dessas preciosas promessas da Palavra, o Espírito Santo terá oportunidade de testemunhar dentro de nós quanto à realidade de nossa restauração.

2. A reconstrução do altar

A segunda coisa em relação ao remanescente judeu foi a reconstrução do altar (3.1-6). Ele foi erguido justamente no lugar em que o anterior estivera. Aqui, como em muitos outros lugares, o altar sem dúvida tipifica o grande altar do Calvário, como nós mesmos podemos ver agora com nossa luz mais intensa. Mas o que isto significava para aqueles judeus que voltaram? O altar, com suas várias ofertas e, especialmente, com suas ofertas voluntárias, representava a consagração a Deus\ pois simbo­licamente o ofertante oferecia a si mesmo com sua oferta.

É justamente isso que precisamos fazer se quisermos ser restaurados de nossa apostasia. Devemos reconstruir em nosso coração o altar de dedicação a Cristo. Deve haver uma completa rendição de nossa vida a Ele. Você notará que, juntamente com a reedificação do altar em Jeru­

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salém, foi restabelecida a antiga adoração, isto é, a antiga comunhão foi restaurada. O mesmo acontece conosco quando o altar é reedificado e nos rendemos novamente ao nosso verdadeiro Senhor.

3. O começo do novo templo

Os judeus que voltaram tinham uma incumbência vinda não só de Ciro, mas do próprio Deus: construir, no antigo local, um novo templo para Ele (1.2, 3). Depois de o altar ter sido reedificado e a verdadeira adoração restaurada, iniciou-se o trabalho no novo templo. Isto demonstra serviço e testemunho. Sem dúvida, seus propósitos e serviços especiais eram le­vantar a nova casa para dar testemunho do Senhor entre as nações vizinhas — “casa de oração para todos os povos” (Is 56.7).

Assim, também nós devemos erigir uma casa espiritual de louvor e de testemunho do Senhor — em nossas vidas, em cada igreja cristã local, em cada comunidade e em todos os países do mundo. Nossas vidas devem manifestar um serviço restaurado e um testemunho de Cristo; e isso realmente acontecerá, se estivermos de volta à terra da promessa do evangelho, tendo reconstruído o altar da consagração e restaurado a antiga comunhão.

4. O encontro dos “adversários”

Às vezes, alguns dos que foram restaurados ficam de tal forma enlevados com o sentimento de aceitação e comunhão com Deus que tendem a imaginar, como fazem muitos convertidos, que chegaram a um estágio no qual todas suas dificuldades terminaram. Mas logo descobrem seu erro — como aconteceu com o remanescente judeu há muito tempo atrás, quando começaram a reconstruir o templo. Em toda história humana, jamais houve uma obra autêntica de Deus sem que surgisse a oposição do diabo. A oposição geralmente começa de maneira sutil; depois, caso a sutileza falhe, ela se transforma em franca obstrução, com toda espécie de medida desonesta.

Foi justamente isso que aconteceu naquele tempo na Palestina. Apa­receram os “adversários” (4.1), e estes procuraram impedir a reconstrução do templo de três maneiras: (1) tentanto enganar os judeus para levá-los

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a uma união irreal: “Deixai-nos edificar convosco” (4.2); (2) pela franca obstrução: "... desanimaram o povo de Judá, inquietando-o no edificar” (4.4); e (3) pelo embuste: "... alugaram contra eles conselheiros” (4.5). A primeira foi a mais perigosa, mas não teve êxito. Vemos aqui, porém, um daqueles aparentes enigmas que ocorrem na obra de Deus: embora o remanescente permanecesse firme, os adversários obtiveram vitória por algum tempo. Conseguiram que o trabalho fosse suspenso e o remanescente ficasse desanimado. Devemos preparar-nos para os “adver­sários” e para contrariedades estranhas e decepcionantes, mesmo quando estamos trabalhando fielmente para Deus. Nosso lema sempre deve ser: “nenhuma concessão”. Precisamos também preparar de antemão nossas mentes contra as decepções, pois de alguma forma, sob a atual situação na terra, as provações são um elemento necessário ao progresso espiritual.

5. O levantamento de profetas

Novas vozes são agora ouvidas em meio ao remanescente, exortando e encorajando a todos com uma palavra especial de Deus. Os profetas Ageu e Zacarias aparecem. Suas palavras são como uma brisa forte vinda das colinas. Zorobabel e seus ajudantes sentem que Deus realmente está de novo entre eles e retomam a construção com resolução renovada.

Isso acentua um pouco mais o notável paralelo entre a história do remanescente e a experiência espiritual dos cristãos de hoje. É preciso compreender muito bem que os profetas hebreus eram homens sob uma inspiração sobrenatural perfeitamente definida (veja nosso primeiro estudo sobre os profetas). Eles eram a voz viva de Deus dirigida ao povo da aliança, e é interessante notar como o Senhor levantou tais homens em épocas de grande necessidade. Os profetas do Antigo Testamento, da mesma forma como os apóstolos do Novo, já se foram, não só como indivíduos mas como uma ordem que se tomou agora desnecessária. O cânon completo das Escrituras divinamente inspiradas está em nossas mãos, “equipando-nos perfeitamente” para todas as exigências da vida e do serviço cristão. Essas Escrituras são a palavra viva e vigorosa de Deus para nós, exercendo um ministério profético em nossos corações semelhante ao de Ageu e Zacarias em tempos passados. Em todo nosso serviço para Deus, especialmente quando há oposição, desânimo e aparente fracasso, precisamos viver bem perto da Palavra escrita. Este é

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um dos segredos citais da perseverança e do sucesso final. Que Deus nos ajude a aprendê-lo!

6. A obra é completada

Quando uma obra é verdadeiramente de Deus, ela não pode ser destruída. Esta é uma das inspirações para o serviço cristão; um exemplo disso é a obra completada pelos reconstrutores do templo. No terceiro dia do mês de adar, no sexto ano de Dario, “acabou-se esta casa” (Ed 6.15). A dedicação foi um acontecimento de grande alegria (w. 16,22). A seguir, celebrou-se a Festa da Páscoa e dos Pães Asmos, um acontecimento que fala figuradamente de salvação e comunhão, como foi visto em nossos estudos de Levítico. Assim sendo, apesar dos obstáculos, a tarefa é completada, resultando em vitória, alegria e comunhão. A fé e o trabalho triunfam em nome do Senhor.

Este, com certeza, é o resultado da obra que pertence verdadeiramente a Deus e que é feita para Ele na obediência da fé. Não precisamos duvidar. Este sexto ponto no paralelo entre aqueles reconstrutores do antigo templo e a experiência do povo do Senhor de hoje corresponde aos fatos. Vemos então, desenvolvendo-se em seis aspectos na primeira metade do Livro de Esdras, uma surpreendente lição histórica, mostrando as leis e os fatores que atuam em toda restauração espiritual verdadeira e em todo serviço cristão autêntico, como já foi observado anteriormente. Note de novo os pontos do paralelo:

1. A volta à terra (1 e 2) — de volta à base certa2. A reconstrução do altar (3.1-6) — renovação da dedicação3 .0 começo do novo templo (3.8-13) — serviço e testemunho4 .0 encontro dos “adversários” (4) — a fé sendo provada5. A exortação pelos profetas (5.1-6.14) — necessidade da Palavra de

Deus6 .0 templo é completado (6.15-22) — a fé vitoriosa

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PARTE 2 - ESDRAS (7-10)

Já falamos sobre o caráter de Esdras; assim, não precisamos estudar novamente a segunda metade do livro que fala dele e de sua expedição. Encontramos aqui, porém, uma grande riqueza de valores espirituais que queremos esboçar rapidamemte, ainda que não possamos abrir espaço para um estudo mais completo. Os quatro capítulos que falam de Esdras e sua missão marcam um progresso em quatro sentidos. Aqui, Esdras é um modelo de serviço e liderança.

1. O PREPARO DE ESDRAS PARA A TAREFA (7)

O verdadeiro preparo — “Esdras tinha disposto o coração”: (1) para “buscar”; (2) para “fazer”; e (3) para “ensinar”.

2. ESDRAS EXECUTA A TAREFA (8)

A verdadeira dependência de Deus. Veja do versículo 21 ao 23. “Para buscar o caminho certo”. Note também o cuidado de

Esdras com os detalhes.

3. A CONSTERNAÇÃO DE ESDRAS COM A TRANSIGÊNCIA (9)

Veja os versículos 2,4 etc. “Assim se misturou a linhagem santa”. Recurso autêntico: “Estendi as mãos para o Senhor”.

4. ESDRAS RESTAURA A SEPARAÇÁO (10)

O verdadeiro curso de ação — acertar o que está errado. Veja os versículos 6,7,10: “Fazei confissão”, “separai-vos”.

O ASPECTO DIVINO

Até aqui nos ocupamos com o aspecto humano dos ensinos espirituais neste Livro de Esdras. Agora, porém, reuniremos em alguns parágrafos o significado divino. Este é profundo e rico em consolo.

Voltemos ao primeiro versículo do livro: “No primeiro ano de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra do Senhor, por boca de Jeremias... ” A restauração dos judeus foi, portanto, o cumprimento de uma profecia feita setenta anos antes. Isto nos leva a Jeremias 25 e 29, de onde extraímos os seguintes trechos:

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“Toda esta terra virá a ser um deserto e um espanto; estas nações servirão ao rei de Babilônia setenta anos. Acontecerá, porém, que, quando se cumprirem os setenta anos, castigarei a iniqüidade do rei de Babilônia e a desta nação, diz o Senhor, como também a da terra dos caldeus; farei deles ruínas perpétuas” (25.11,12).“Logo que se cumprirem para Babilônia setenta anos atentarei para vós outros e cumprirei para convosco a minha boa palavra, tomando a trazer-vos para este lugar. Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o Senhor; pensamentos de paz, e não de mal, para vos dar o fim que desejais... e tomarei a trazer-vos ao lugar donde vos mandei para o exílio” (29.10-14).

Essas profecias foram pronunciadas antes da queda de Jerusalém, e Jeremias foi maltratado por ter dito que o rei da Babilônia seria vencedor. Mas assim como a restauração dos judes por Ciro deve ser lida de acordo com essas profecias, estas mesmas palavras devem ser observadas segundo outro grande pronunciamento, em Jeremias 18.1-6, que diz respeito à soberania de Jeová.

“Palavra do Senhor, que veio a Jeremias, dizendo: Dispõe-te, e desce à casa do oleiro, e lá ouvirás as minhas palavras. Desci à casa do oleiro, e eis que ele estava entregue à sua obra sobre as rodas. Como o vaso, que o oleiro fazia de barro, se lhe estragou na mão, tomou afazer dele outro vaso, segundo bem lhe pareceu. Então veio a mim a palavra do Senhor: Não poderei eu fazer de vós como fez este oleiro, ó casa de Israel? diz o Senhor; eis que, como o barro na mão do oleiro, assim sois vós na minha mão, ó casa de Israel. ”

Veja estes fatos impressionantes. Deus é o oleiro. Israel é o barro. A história é a roda. “O vaso se estragou” — esta é a história de Israel desde o êxodo até o exílio. “Tornou a fazer dele outro vaso” — esta é a história em Esdras e Neemias. Chegara a hora em que Deus passaria a moldar um novo vaso com o mesmo barro.

“Tomou afazer” — apegue-se a isso! É algo maravilhoso — porque nos fala do ponto máximo da soberania divina. O fato final não é que o vaso se “estragou”, mas que foi “feito de novo”. Essa é a palavra final na soberania divina. Como ela contrasta com a idéia e prática humana da

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soberania! De acordo com esta, se você teve uma oportunidade e falhou, a soberania o esmaga e o rejeita. A última palavra na soberania de Deus, porém, é “tornou a fazer”.

Quanto conforto encontramos nisso — “tornou a fazer”! Reflita, pois o mesmo se aplica a nós como indivíduos. Eu sou esse vaso estragado. Não alcancei sequer meu próprio ideal, quanto menos o de Deus para mim. Permiti que esta minha vida, que poderia ter sido um vaso de beleza, se tornasse corrupta, feia, fracassada, “estragada”. A palavra da soberania divina é: “tornarei a fazer”. Será que alguém diz: É muito tarde agora! Tenho 60 anos. Não posso voltar atrás no tempo e viver de novo?” Bem, se fôssemos feitos simplesmente para viver 70 anos, isso poderia estar certo; mas “a sepultura não é nosso alvo”. Existe diante de nós um destino eterno. O elemento vital é colocar-nos deliberadamente nas mãos de Deus. O barro desonrado pode ser limpo na fonte do Calvário. O endurecimento obstinado pode dar lugar à flexibilidade mediante a influência renovadora do Espírito do Pentecoste. Se nos colocarmos sem reservas na mão do oleiro-mestre, Ele pode fazer de cada um de nós um “utensílio para honra” (2 Tm 2.21).

“Tornou a fazer dele” — este é também o último ato da história de Israel. Começando com Abraão, Deus fez um novo vaso àafamília escolhida; mas esse vaso teve de ser quebrado no Egito. Começando novamente no Sinai, Deus fez outro vaso com o mesmo barro, a nação escolhida; mas este teve de ser quebrado no exílio na Assíria e Babilônia. Começando outra vez na restauração sob Zorobabel e Esdras, com o mesmo barro Deus fez ainda outro vaso, o remanescente que voltou; mas este teve de ser destruído pela dispersão sob os romanos, em 70 A. D. O vaso continua quebrado; mas o fato final é que Deus irá “fazê-lo de novo”, moldando-o com tanta beleza e perfeição que surpreenderá os homens e resultará em glória a Deus. O judeu, que hoje é motivo de aborrecimento para todos os povos, tornar-se-á o caráter mais belo em toda terra. A nação que hoje está esmagada e partida, mais do que todas as outras, irá demonstrar o ideal divino de nacionalidade em integridade moral irrepreensível e prosperi­dade material.

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O LIVRO DE NEEMIAS (1)

Lição N2 45

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NOTA: Para este estudo, leia duas vezes o Livro de Neemias.

O exílio na Babilônia parecia ter sido o toque fúnebre da língua he­braica. As classes mais elevadas foram deportadas para a Babilônia ou fugiram para o Egito, e os que ficaram logo adotaram a língua usada pelos seus conquistadores. O hebraico antigo tomou'se um idioma literário e sagrado; provavelmente, o aramaico passou a ser a língua de uso corrente. Qualquer que seja o sentido exato de Neemias 8.8, fica provado que o povo daquela época tinha extrema dificuldade em compreender o hebraico clássico quando ouvia sua Jeitura, Todavia, no campo da religião, o antigo idioma continuou a ser empregado durante vários séculos.

T . H . W E IR , E M “IN T E R N A T IO N A L S T A N D A R D B IB L E E N C Y C L O P A E D IA ”

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O LIVRO DE NEEMIAS (1)

N E E M IA S é um livro precioso quanto às lições espirituais por ele ensinadas. Ele narra como os muros de Jerusalém foram reconstruídos pelo remanescente que voltou sob o comando de Neemias e como o povo foi instruído de novo na lei que Deus havia dado à Sua nação muito antes, através de Moisés. Esta reconstrução do muro da cidade é como uma lição muito clara, ilustrando as verdades centrais de todo verdadeiro serviço para Deus. Aquele que considerar os ensinamentos tão vividamente descritos aqui será um construtor sábio e bem-sucedido nas coisas espirituais.

Embora no decorrer deste estudo tenhamos de nos manter mais ou menos restritos às idéias e aos significados principais de cada Jivro das Escrituras, não desejando sobrecarregar-nos com questões técnicas ou eruditas, temos praticamente a obrigação de considerá-las em alguns pontos. Este aspecto irá acentuar-se quando nos referirmos a livros como Jó, Isaías, Daniel e Jonas. Por enquanto, porém, precisamos ter pelo menos uma idéia da autoria, data e contexto de cada livro.

Quem escreveu?

Quanto à data e à autoria, nossos comentários sobre este Livro de Neemias são breves, pois certos fatos se evidenciam logo numa primeira leitura. Primeiro, não há dúvida de que o próprio Neemias é o autor das partes que se encontram na primeira pessoa. São os capítulos de 1 a 7 e de 12.27 a 13.31, onde termina o livro . Segundo, o trecho intermediário (8.1-12.26) foi provavelmente incorporado por Neemias a seu próprio registro, ainda que o estilo possa sugerir um autor diferente, como alguns eruditos parecem afirmar. Alguns sugerem Esdras para esta parte. Terceiro, a lista genealógica do remanescente que voltou, encerrando o capítulo 7, evidentemente baseou-se numa lista oficial preparada antes, enquanto a lista no capítulo 12 provavelmente foi iniciada pelo próprio Neemias e acrescentada numa data posterior (pois o nome Jadua, nos versículos 11 e 22, leva-nos ao tempo de Alexandre, o Grande). Podemos

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dizer então que Neemias é certamente o verdadeiro autor de grande parte do livro, e provavelmente o compilador do todo (dando margem a toques suplementares, como em 12.11,12,23).

Quando foi escrito?

A data em que Neemias completou a obra deve ter sido por volta de 430 a. C., ou seja, logo após sua volta a Jerusalém, depois de ter sido chamado pelo rei para ir temporariamente à Babilônia (13.6, 7). O decreto real autorizando a primeira viagem de Neemias a Jerusalém foi no “mês de nisã, no ano vigésimo do rei Artaxerxes” (2.1). Sir Robert Anderson demonstrou que esta data corresponde a 14 de março de 445 a. C. A segunda viagem de Neemias a Jerusalém, depois de sua breve visita à Babilônia, ocorreu “no ano trinta e dois de Artaxerxes” (13.6), portanto doze ou treze anos mais tarde, o que nos leva a 432 a. C. Assim sendo, dando espaço às atividades registradas nos últimos parágrafos do livro, devemos concluir definitivamente que o livro não poderia ter sido completado antes de 432 a. C., e foi provavelmente escrito pouco depois dessa data, pois os eventos se acham ainda bastante vivos na mente do escritor (13.22, 29).

Qual o contexto?

Como vimos, Neemias chegou a Jerusalém em 445 a. C. O remanescente judeu restaurado encontrava-se de volta à Judéia há mais de noventa anos. Zorobabel e seus contemporâneos haviam morrido e outra geração os substituíra. O que aconteceu durante esses noventa anos? O novo templo fora construído, muito inferior ao original, naturalmente; mas, embora o prédio em si levasse apenas quatro anos, cinco meses e dez dias para ser construído (Ag 1.15 com Ed 6.15), o remanescente já tinha voltado há 21 anos quando ele foi completado! Cerca de 60 anos depois disso, Esdras viajara da Babilônia para Jerusalém com seu grupo de duas ou três mil pessoas (Ed 7 diz 2.000, mas refere-se somente aos homens). As condições morais e espirituais na Judéia estavam longe de ser satisfatórias. Príncipes, governadores, sacerdotes, levitas e todo o povo haviam assumido muitos

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casamentos mistos com as nações idólatras que os cercavam e, embora não estivessem adorando ídolos, mesmo assim se mostravam coniventes com a idolatria, permitindo sua infiltração e colocando em risco a geração seguinte. Se essa fusão do remanescente com os gentios que habitavam a Palestina não fosse detida, isso teria significado completa absorção e obliteração dos judeus como um povo separado. Assim, podemos compreender perfeitamente a consternação de Esdras ao descobrir esse estado de coisas (Ed 9.3-15). Talvez a permissividade tivesse surgido durante o período de debilidade do governo, entre a morte de Zorobabel e o advento de Esdras. A falha, porém, foi drasticamente corrigida por Esdras, cujas providências oportunas foram acompanhadas de arre­pendimento geral (Ed 10).

Agora, quando Neemias chegou a Jerusalém, doze anos depois de Esdras, as circunstâncias estavam longe de ser confortáveis. Os muros e as portas de Jerusalém continuavam em ruínas, desanimando os olhos e o coração, e o povo estava em grande “miséria e desprezo” (1.3; 5.3). Alguns dos mais pobres tinham hipotecado seus bens aos judeus em melhor situação (5.5). O sábado e outras obrigações não estavam sendo obser­vados, como mostra a aliança no capítulo 10. Este é o contexto do livro.

Assunto e estrutura

O objetivo especial de Neemias era a reconstrução dos muros da cidade. Vimos como o livro de Esdras divide-se em duas partes principais. Na primeira, sob a liderança de Zorobabel, ocupamo-nos da reconstrução do templo. Na segunda, guiados por Esdras, ocupamo-nos da restauração da adoração. Este Livro de Neemias, que é uma seqüência natural do Livro de Esdras, divide-se também em duas partes. Na primeira, estudamos a reconstrução dos muros (1-6). Na segunda, a repetição das instruções ao povo (7-13). Assim sendo, em Esdras e Neemias temos a restauração do templo, da adoração, dos muros e do povo. Observamos que Esdras é distintamente o livro da restauração, e Neemias, o da R E C O N S T R U Ç Ã O .

Quando chegarmos à epopéia de Ester, descobriremos que aquele é decididamente o livro da preservação. Assim, neste trio de livros ao final dos dezessete livros históricos do Antigo Testamento temos:

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E S D R A S

N E E M IA S

E S T E R

R E S T A U R A Ç A O

R E C O N ST R U Ç Ã O

P R E S E R V A Ç Ã O

O LIVRO DE NEEMIAS

O LIVRO DA RECONSTRUÇÃO

A RECONSTRUÇÃO DO MURO (1-6)

A IN T E R C E SSÃ O D E N E E M IA S (1.1-11)A E X P E D IÇ Ã O D E N E E M IA S (2.1-16)A E X O R T A Ç Ã O D E N E E M IA S (2.17-20)A T E N T A T IV A D E R E C O N S T R U Ç Ã O (3.1-32)O O B ST Á C U L O À R E C O N ST R U Ç Ã O (4-6.14)O T É R M IN O D A R E C O N ST R U Ç Ã O (6.15-19)

A REPETIÇÃO DAS INSTRUÇÕES AO POVO (7-13)

O N O V O R E G IS T R O D O R E M A N E S C E N T E (7 )

O N O V O E N SIN O D A L E I (8)A N O V A C O N S A G R A Ç Ã O D O P O V O (9-10)O N O V O P O V O A M E N T O D A C ID A D E (11)A N O V A D E D IC A Ç Ã O D O S M U R O S (12)A N O V A E L IM IN A Ç Ã O D O S A B U S O S (13)

Este esboço será muito útil para nossos propósitos neste ponto. Ele apresenta o objetivo e a forma do conteúdo de relance. O livro, porém, presta-se a uma análise mais detalhada, e alguns dos sub-itens são bastante instrutivos quando analisados e recebem uma aplicação espiritual, conforme mostraremos.

Quando observamos Neemias, este herói forte, sincero e santo, co­mandando resolutamente a reconstrução na primeira parte do livro, e depois resistindo sem vacilar às tentações de ceder à permissividade e à intriga na segunda parte do livro, descobrimos a mensagem espiritual do

 mensagem espiritual

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livro inteiro chegando a nós com grande força. Devemos atender à sua voz. Não há vitória sem trabalho e sem luta. Não há oportunidade sem oposição. Não há “porta aberta” à nossa frente sem que haja muitos “adversários” para impedir nossa entrada (1 Co 16.9). Toda vez que os santos dizem: “Levantemo-nos e construamos”, o inimigo exclama: “Levantemo-nos e impeçamos”. Não há triunfo sem dificuldades. Não há vitória sem vigilância. Há uma cruz no caminho de cada coroa digna de se usar.

No livro inteiro há lições e analogias. Em cada coração humano, devem-se construir os muros de uma cidade de Deus. Entre todas as nações da terra, devem-se erigir as muralhas de uma cidade de Deus. Neemias exemplifica os princípios vitais envolvidos em qualquer cons­trução verdadeiramente bem-sucedida. Devemos acrescentar também que o próprio Neemias é um caráter de primeira grandeza. Ele se destaca como um homem de oração, fé, coragem e ação. Verifique os versículos e os incidentes que indicam essas qualidades. Eles são uma inspiração à leitura e à reflexão. O Reverendo Samuel Chadwick, amado por todos os metodistas fiéis, usou certa vez as seguintes palavras, ou algo parecido, numa oração em um culto que estava dirigindo em Manchester, na Inglaterra: “Ó, Senhor, faze com que sejamos intensamente espirituais, mas mantém-nos perfeitamente naturais e completamente práticos”. Quando nos lembramos dessa oração, não podemos deixar de pensar em como Neemias ilustra essas três expressões — intensamente espiritual, perfeitamente natural, completamente prático. Tanto Neemias como Samuel Chadwick preenchiam com perfeição as condições dessa oração, e ambos foram singularmente reconhecidos por Deus como construtores e soldados espirituais. Possa o Senhor levantar numerosos sucessores deles em meio às necessitadas igrejas de nossos dias!

O HOMEM E A HISTÓRIA

Neste Livro de Neemias, o homem e a história estão inseparavelmente unidos um ao outro. A história da reconstrução de Jerusalém teria sido muito diferente se aquela tarefa enorme e arriscada tivesse defrontado um homem de calibre inferior ao de Neemias! Jamais alguém enfrentou tão bem uma hora de crise como Neemias no episódio da reconstrução da cidade.

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Todavia, não é só o homem que faz a história. É quase igualmente verdadeiro que a história faz o homem. Os perigos e problemas do empreendimento trazem à tona tudo o que é de melhor no indivíduo. Quantas vezes isso acontece! Quanto devemos às dificuldades e con­trariedades, às obstruções e oposições, que tiveram permissão para nos provar! As coisas que julgamos estar nos esmagando estavam na verdade nos edificando — como vemos agora em retrospecto.

Assim, sigamos este homem desde o começo de sua história até o momento em que os muros de Jerusalém foram reconstruídos. No pequeno livro que leva seu nome, vemos Neemias em três funções: (1) o copeiro; (2) o construtor do muro; e (3) o governador.

Neemias, o copeiro (1.1-2.10)

Neemias era “filho de Hacalias” (1.1) e aparentemente da tribo de Judá(2.3). Sem dúvida, ele foi criado no exílio e, quando ainda bem jovem, passou a servir na corte persa, onde alcançou a lucrativa posição de copeiro real diante de Artaxerxes Longânimo e da rainha Damaspia, na residência real em Susã. “Nesse tempo eu era copeiro do rei”, diz ele a respeito de si mesmo (1.11). Para nós, leitores ocidentais e modernos, esse cargo pode parecer sem importância, semelhante ao de um mordomo da atual classe alta. Mas estamos errados em pensar assim. Nas palavras do Dr. Angus, tratava-se de “um dos cargos mais honrados e de confiança na corte”; e para citar o Dr. W. M. Taylor, era um cargo “mencionado pelos escritores da antigüidade como sendo de grande influência”. Sabemos da grande influência que o mordomo do Faraó exerceu a favor de José e vemos a elevada posição que o infame Rabsaqué (ou chefe dos copeiros) ocupava no império da Assíria (2 Rs 18).

Certo dia, quando Neemias servia na corte do rei, seu irmão Hanani e um grupo de judeus deram-lhe um relatório tão lamentável sobre as condições de Jerusalém e da comunidade restaurada na Judéia que ele se entristeceu muitíssimo. Contaram-lhe que seus conterrâneos na distante terra natal estavam em grande dificuldade, porque, entre outras coisas, os muros da cidade continuavam em ruínas e as portas permaneciam do mesmo jeito como quando haviam sido queimadas e destroçadas pelos babilônios, 140 anos antes. Muros e portas nada significam para as cidades

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hoje em dia, mas, no passado, no Oriente, significavam quase tudo. Esses muros e portas derrubados faziam com que os habitantes ficassem à mercê de ataques e roubos por parte dos vizinhos perversos. É bem provável que o relatório de Hanani tenha sido ainda mais doloroso pelo fato de naquele momento os cidadãos de Jerusalém estarem sofrendo justamente às mãos dos povos mentirosos e traiçoeiros que os rodeavam.

Neemias, abatido pela dor, entregou-se em seguida ao jejum, à la­mentação e à oração (1.2-11). Durante este processo, cresceu nele a certeza de que deveria dedicar-se à imensa tarefa de reconstrução. Ele não podia, porém, decidir por si mesmo. Por mais difícil que fosse entrar no palácio persa, quando alguém conseguia um cargo ali, era ainda mais difícil sair. No entanto, a tristeza e o jejum de Neemias alteraram de tal forma sua aparência em quatro meses que Artaxerxes perguntou-lhe o que havia de errado. As palavras do imperador parecem indicar que ele realmente se afeiçoara ao servo. Não obstante, como comenta o Dr. Kitto, Neemias tinha razão suficiente para “temer sobremaneira” (2 .2), pois era considerado ofensa capital apresentar-se triste ao rei (veja também Ester 4.2). Neemias respondeu com amabilidade humilde, não ousando fazer qualquer pedido, mas orando sinceramente para que Deus predominasse. O resultado foi a permissão generosa para empreender o projeto que tinha em seu coração. Termina assim a primeira cena — Neemias, o copeiro.

Observe isto: a verdadeira santidade não é incompatível com o êxito terreno. De fato, acontece muitas vezes que a santidade vem a ser fator importante para promover e possibilitar o sucesso. Estamos cansados de ouvir falar que é impossível ser um verdadeiro cristão no mundo dos negócios de hoje e que aplicar princípios santos nas transações comerciais modernas é um convite à falência. Poderíamos dar muitos exemplos em contrário. É certo que temos de pagar um preço e talvez haja algumas perdas; mas a observação nos convence de que o caráter e os princípios cristãos verdadeiros, aliados a uma habilidade normal para os negócios, contribuem definitivamente para o sucesso. Se Neemias pôde manter a sensibilidade de sua consciência em meio às intrigas da corte persa, podemos também juntar a retidão com o sucesso nas transações de hoje. Os “Neemias” da atualidade são o sal no mundo dos negócios. É melhor perder o emprego do que vender nossa consciência! Mas, em nove dentre dez casos, manter uma boa consciência nos levará em direção ao êxito tanto material quanto espiritual e nos conservará firmes quando realmente chegar a hora do sucesso.

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O LIVRO DE NEEMIAS (2)

Lição N° 46

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NOTA: Para este estudo, releia do capítulo 2 ao 6, marcando os versículos que revelam as virtudes ou traços especiais do caráter de Neemias.

Não é a aritmética de nossas orações, por mais numerosas que sejam, nem sua retórica, por mais eloqüentes que sejam, nem sua geometria, por mais longas que sejam, nem sua música, por mais doce que seja nossa voz, nem sua lógica, por mais convincentes qüè sejam, nem seu método, por mais ordenadas que sejam — o que importa para Deus. O que mais vale é o fervor do espírito.

W IL L IA M L A W

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O LIVRO DE NEEMIAS (2)

O HOMEM E A HISTÓRIA - (continuação)

Neemias, o construtor do muro (2.11-6.19)

De posse da autorização real, emocionado por sentir a graça soberana do Senhor, mas consciente dos perigos envolvidos em seu empreen­dimento, Neemias parte para Jerusalém, acompanhado de uma escolta de soldados persas, e completa sua viagem em cerca de três meses. Durante o caminho, tem de passar pelas províncias de certos sátrapas e governadores persas. Para aqueles “dalém do Eufrates” ele leva cartas (2.7, 8), fazendo as devidas entregas (v. 9). Entre tais governadores achava-se um certo Sambalá que, segundo Josefo, era “sátrapa de Samaria”. Havia igualmente um certo “Tobias, o servo”, que talvez fosse um governador subalterno ou, com maior probabilidade, uma espécie de secretário de Sambalá. Vemos que esses dois se aborreceram muitíssimo com o fato de alguém vir a “procurar o bem dos filhos de Israel” (v. 10). Neemias está prestes a enfrentar grandes problemas com esses homens.

Neemias chega a salvo em Jerusalém e, depois de um intervalo de três dias, faz uma visita secreta às ruínas durante a noite, a fim de escapar à observação dos espiões inimigos de Samaria. Ele não divulga sua missão aos líderes de Jerusalém até ter feito pianos para assegurar que toda a obra seria iniciada e terminada em poucas semanas (2.12-18).

Seu plano (claramente implícito no relato) era dividir a reconstrução entre diversos grupos de trabalho, todos agindo simultaneamente e cada um responsável por sua própria parte do muro (capítulo 3). O plano teve tanto sucesso que, apesar da oposição, o muro foi completamente reconstruído em pouco mais de sete semanas (6.15). Depois disso, foram colocadas nas entradas sólidas portas de dois batentes (7.1), guardas foram designados e regras estabelecidas para que se fechassem as portas ao cair da noite, sendo reabertas pela manhã (7.3). Assim, o objetivo principal de Neemias realizou-se — num prazo de seis meses, a partir da ordem recebida de Artaxerxes!

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Veja aqui também a fusão de um senso prático com uma intensa espiritualidade. A tarefa foi dividida e sistematicamente realizada. Neemias colocou cada um dos 42 grupos de trabalho para construir naquela parte do muro que ficava mais perto de onde seus integrantes moravam (3.10, 23, 29, 30). Isto lhes deu um interesse especial pelo trabalho. Nossa primeira obrigação com Cristo sempre é nossa própria vizinhança.

Encontramos esta mistura de senso prático e espiritualidade em toda a história de Neemias. Em 4.9, por exemplo, lemos: “... nós oramos ao nosso Deus e, como proteção, pusemos guarda contra eles (os adversários), de dia e de noite”. Neemias jamais permitiu que a presunção substituísse a precaução. O cristianismo organizado de hoje está organizado demais, e complicamos nosso avanço por causa da máquina excessivamente complexa. Todavia, o problema real não está tanto no mecanismo em si, mas sim no fato de a força-motriz vital por trás dele ter falhado em grande parte. A organização está abarrotada, em agonia. Há muito trabalho perante os homens e pouco serviço diante de Deus. Há cada vez mais movimento, mas cada vez menos unção. São os Neemias que Deus usa — os homens e mulheres que misturam a prática e a espiritualidade.

À medida que observamos Neemias, lembramo-nos cada vez mais das famosas palavras de Cromwell: “Confie em Deus e mantenha seca sua pólvora”. Falando em termos gerais sobre os dias de hoje, vemos um brilhante mas frustrante excesso de ênfase sobre o lado humano, sobre o vigor no serviço religioso. Mais do que nunca lutamos contra problemas sociais em comissões e conferências e cada vez menos lutamos de joelhos contra os poderes espirituais do mal que estão por trás dos problemas sociais da atualidade. Quase todos nas comissões possuem um bom program a, mas na verdade poucos parecem ter uma verdadeira preocupação espiritual. O lado prático sobrepujou o espiritual e, quando isso acontece, o que é prático torna-se absolutamente impraticável.

Talvez as lições mais instrutivas desta história de Neemias ocorram em relação às obstruções e reveses que ele teve de superar naqueles meses de reconstrução. Houve três formas de oposição externa — desprezo (4.1-6), força (4.7-23) e astúcia (6.1-19). Houve igualmente três formas de obstáculo interno — escombros (4.10), medo (4.11-14) e cobiça (5.1-13). Cada uma delas é uma lição, um estudo em si que corresponde surpreendentemente ao que enfrentamos hoje num sentido espiritual.

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A OPOSIÇÃO EXTERNA

Desprezo (4.1-6)

Vejamos a oposição encontrada externamente por Neemias. Primeiro, veio em forma de desprezo. Veja 4.1-3.

Jamais houve sarcasmo mais escarnecedor do que o contido na pergunta de Sambalá: “Que fazem estes fracos judeus?” Esta é exatamente a primeira reação da sociedade mundana para com a minoria espiritual espalhada nas igrejas. “O que fazem essas pessoas fracas?” perguntam desdenhosamente. O que umas poucas reuniões de oração representam quando comparadas com um pacto europeu, uma mudança revolucionária para um governo socialista ou uma conferência da ONU? O que significa essa idéia tola de converter pessoas uma a uma, se comparada com programas científicos, legislativos, educacionais, econômicos e socio­lógicos que podem afetar milhões de pessoas ao mesmo tempo?

Bem, como Neemias enfrentou o desprezo de Sambalá e Tobias? Temos a resposta em 4.4-6. Ele apenas continuou a orar e a construir. “Ouve, ó nosso Deus, pois estamos sendo desprezados”, diz ele. Depois da oração, acrescenta: “Assim edificamos o muro... porque o povo tinha ânimo para trabalhar”. Essa é a maneira de enfrentar o desprezo, sem revidar! O sarcasmo de Sambalá e Tobias logo começou a parecer tolo, à medida que os muros de Jerusalém subiam cada vez mais. Nossa melhor resposta ao desprezo do mundo é continuar sempre orando a Deus, pedindo a bênção do Espírito Santo e mantendo nossos esforços para ganhar almas para Cristo. Deus sempre honra a oração e o esforço sinceros. O diabo obtém grande vitória toda vez que consegue tirar-nos de alguma causa nobre para Cristo através do sarcasmo, e temo que atinja seu alvo com demasiada freqüência. É bom aprendermos essa lição de Neemias!

Força (6.7-23)

Examine de novo a oposição externa enfrentada por Neemias. Quando as provocações e zombarias falharam, ela tomou uma forma mais ameaçadora. O desprezo deu lugar à força. As provocações trans­

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formaram-se em ameaças, e as zombarias, em conspirações. Inimigos como Sambalá e Tobias não eram do tipo que se contenta em descarregar sua raiva em vão escárnio. Suas flechas de sarcasmo mais agudas não atingiram a alma devota de Neemias. Então, o escárnio deu lugar à força. Leia de novo o capítulo quatro, a partir do versículo 7.

As coisas pareciam realmente muito sérias. A oposição havia se tornado uma aliança poderosa — Sambalá, Tobias, árabes, amonitas, asdoditas! É notável (será mesmo?) como inimigos mútuos freqüentemente se tornam amigos para lutarem juntos contra o povo de Deus. Pilatos e Herodes acabaram com as brigas e se tornaram “amigos” em sua condenação e injúria conjunta a Jesus (Lc 23.12). O romanismo e o paganismo deram-se as mãos contra a verdadeira fé protestante. A Rússia comunista e a Alemanha nazista uniram-se num propósito comum contra o cristianismo!

Não nos devemos surpreender hoje, quando ©^inimigos do Senhor recorrem à força. Se isto acontecer, como devemos agir? O que Neemias e seus companheiros fizeram? Continuaram como antes — orando e trabalhando; todavia, tiveram de acrescentar vigilância à oração e luta ao trabalho. Veja os seguintes versículos do capítulo 4:

“Porém nós oramos ao nosso Deus e, como proteção, pusemos guarda contra eles, de dia e de noite” (v. 9).“... cada um com uma das mãos fazia a obra, e com a outra segurava a arma” (v. 17).

Isto quer dizer que a oração não era suficiente? Por que a proteção e as aimas se confiavam no Senhor? Porque Neemias não era um fanático para cair no erro de pensar que fé é arrogância.

Orar, vigiar, trabalhar, lutar! Como tudo isso se relaciona a nós hoje! Não estamos sugerindo de modo algum que os cristãos devam recorrer a armas reais quando a força física é usada contra eles, como Neemias foi obrigado a fazer; mas existe uma aplicação espiritual. Existem ocasiões apropriadas para resistir, atacar e expor o erro, o engano, a falsidade e o pecado daqueles que se opõem à verdade encontrada em Cristo Jesus. Dessa luta não devemos fugir, qualquer que seja o risco ou custo.

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Havia também outro tipo de oposição dos inimigos externos que Neemias precisou enfrentar. Quando o desprezo e a força falharam, Sambalá, Tobias e seus aliados recorreram à astúcia. Isto foi feito em quatro estágios. Primeiro, eles tentaram o fingimento (6.1-4). “Vem, encontremo-nos nas aldeias, no vale de Ono”. Este era um engodo para uma conferência supostamente amigável em terreno neutro, prova­velmente com a sugestão de que deveria ser feita uma aliança entre Neemias e eles. Mas Neemias percebeu a hipocrisia deles (v. 2) e cada vez que repetiam o convite, dava a mesma resposta: “Estou fazendo grande obra, de modo que não poderei descer” (v. 3). Esta sempre é a única resposta segura a tal fingimento — a separação sem concessões.

A seguir eles tentaram o blefe (w. 5-9). Disseram que seria feita junto ao rei uma acusação contra Neemias e os judeus, no sentido de que eles estavam se preparando para uma rebelião, sendo que a única saída para Neemias seria aconselhar-se com eles. A resposta de Neemias foi uma franca negativa, uma oração renovada e a completa separação.

Depois disso, e pior que tudo, eles conseguiram convencer alguns dos próprios companheiros de Neemias, usando assim de traição contra ele (w. 10-14). Até mesmo alguns dos profetas foram subornados. Neemias, porém, recusou-se a agir de modo covarde e pecaminoso, mesmo quando aconselhado por um profeta. A perfídia daqueles “Judas” em meio a seus próprios seguidores foi uma grande tristeza para Neemias, mas ele superou tudo, através de sua corajosa sinceridade e da oração (w. 11,14).

Parece terrível dizer, mas a verdade é que existem traidores como Semaías e Noadia (w. 10-14) na maioria das atuais congregações cristãs— homens e mulheres que professaram conversão a Cristo, que participam da comunhão e dos trabalhos dos santos, mas não obstante parecem sentir um prazer cruel na queda de um líder cristão. Na presença dele, são amigáveis, dedicados e santos, mas por trás não passam de criadores de intrigas. Eles professam lealdade e interesse, mas, se notam um deslize ou queda, ficam felizes em passar adiante a notícia entre os irmãos ou contar para todos quantos puderem. Como esses irmãos desleais fazem sofrer os ministros, pastores, superintendentes e líderes cristãos! Eles são os “Tobias”, os traidores, os quintas-colunas de Satanás. Tudo que o líder cristão pode fazer ao lidar com tais pessoas é continuar

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construindo para Deus “por infâmia e por boa fama” (2 Co 6.8), recusando corajosamente todos os expedientes suspeitos e entregando-se conti­nuamente a Deus através da oração.

Os inimigos de Neemias, porém, não cessaram suas atividades malignas nem mesmo quando falhou este ato de traição especial. Eles procuraram aborrecer e desanimar Neemias mediante grupos de irmãos que com eles pactuavam (w. 17-19). O astuto Tobias havia se tornado genro de um líder de Israel que tinha muitos seguidores. Seu filho também desposara uma judia, e Tobias passou a ser tanto genro como tio para os israelitas. Nasceu assim um grupo em Jerusalém que permitia que seus laços familiares com Tobias superassem seu dever moral e espiritual. Como a transigência torna as coisas complicadas!

Neemias com certeza teve grandes problemas ao descobrir que muitos dos principais líderes de Judá mantinham laços estreitos com Tobias e que vários deles “lhe eram ajuramentados”, pelo fato de tanto ele como seu filho terem se casado com israelitas.

O mesmo tipo de situação não aflige nossas congregações hoje? Quantas vezes ela amarra as mãos, paralisa os lábios e parte o coração de ministros sinceros do evangelho! Muitos homens no ministério cedem, pouco a pouco, a fim de acomodar as coisas; mas deixam então de ser um verdadeiro Neemias. Não é fácil manter a posição de Neemias. Todavia, no fim, ele é o único que usa a coroa da aprovação divina e do verdadeiro sucesso.

OS OBSTÁCULOS INTERNOS

Observamos a oposição enfrentada por Neemias vinda de fora de Jerusalém. Vejamos agora os obstáculos que ele encontrou no lado de dentro. Eram três: escombros (4.10), medo (4.11-14) e cobiça (5.1-13).

Escombros (4.10)

Em primeiro lugar, houve o problema dos escombros. “Então disse Judá: Já desfaleceram as forças dos carregadores, e os escombros são muitos; de maneira que não podemos edificar o muro”. É fácil compreender tal desânimo. Bem no início da reconstrução, Sambalá havia se referido sarcasticamente aos “montões de pó”. Deve ter sido um trabalho triste e

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cansativo remover tudo aquilo antes que cada parte do muro fosse reconstruída; e agora havia necessidade de reduzir os obreiros para escolher uma guarda contra o ataque externo (v. 9). Desse modo, os trabalhadores que restaram para remover os escombros estavam próximos da exaustão.

Isto tem um paralelo patético com o serviço cristão de hoje. Há inúmeros cristãos piedosos que não podem levar adiante o serviço do muro que Deus lhes deu para construir, por causa do obstáculo dos “montões de pó”. Como há “montões de pó” em muitas de nossas igrejas! Uma vez recebi uma carta de um ministro do sul da Inglaterra, pedindo conselho sobre se deveria ficar ou sair de certa igreja. É impossível, disse ele, obter qualquer avanço espiritual por causa dos “montões de pó”. Os ministros que o precederam eram modernistas. Eles colocaram toda espécie de dúvida e descrença sobre a Bíblia na mente das pessoas, de modo que as referências dele às Escrituras eram em grande parte desacreditadas, e suas mensagens acabavam sendo deturpadas.

Mas este não é o único tipo de “escombro”. Numa carta de outro ministro da Inglaterra li: “O povo daqui não quer dar ouvidos a qualquer desafio espiritual. Eles se ressentem disso. Durante anos eles vêm se concentrando em programas que incluem jogos de cartas, reuniões sociais e dançantes etc.”. É verdade, os “montões de pó” se acumulam!

Medo (4.11-14)

Do lado de dentro surgiu um novo elemento de desânimo: o medo. Judeus de regiões adjacentes traziam, periodicamente, notícias de que um ataque de surpresa estava sendo planejado pelos inimigos de Neemias (w. 11,12). Isto espalhou medo entre os obreiros. Nada paralisa mais do que o medo; e como ele costuma retardar o trabalho evangélico hoje! O temor surge principalmente quando se olha para as circunstâncias e conse­qüências e não para Deus. Os homens de Neemias ficaram amedrontados pela superioridade numérica das forças de Sambalá. Existem paralelos no mundo contemporâneo. Muitas vezes os inimigos do cristianismo evangélico pareceram enormes e mortais. Na União Soviética e na Alemanha de Hitler, vimos o próprio Estado solidamente contra Ele — sendo a fidelidade a Cristo castigada pelo exílio na Sibéria ou pela prisão nos campos de concentração nazistas. É de surpreender que o medo tenha

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feito empalidecer muitas fisionomias e sufocado muitos testemunhos?É edificante ver como Neemias aniquilou o medo que havia tomado

conta de seus homens. Em primeiro lugar, eles deveriam olhar para Deus, e não para as circunstâncias. “... lembrai-vos do Senhor, grande e temível”, clama Neemias (v. 14).

Em segundo lugar, eles deveriam refletir sobre a situação: “... pelejai pelos vossos irmãos, vossos filhos, vossas filhas, vossas mulheres e vossas casas” (v. 14). Tudo corria perigo! Nenhuma misericórdia poderia ser esperada de seu impiedoso inimigo.

Em terceiro lugar, eles deveriam estar de prontidão (w. 16-23). Dali por diante segurariam uma ferramenta com uma das mãos e uma arma com a outra. Quanta sabedoria nessa união de espada e colher de pedreiro! Nem mesmo a maçante manobra de preparar-se para a invasão deveria interromper a construção, pois, a longo prazo, o muro reconstruído seria por si mesmo a defesa suprema. Nem a batalha deve impedir a construção!

Essas três coisas têm grande aplicação para os tempos de hoje! Devemos nos “lembrar do Senhor”. Não existe melhor remédio para o medo do que uma viva consciência de Deus.

Segundo, é necessário manter os fatos em mente. Se as doutrinas que distinguem a fé evangélica no que se refere à Bíblia, à pessoa de Cristo, ao sangue derramado no Calvário e à mensagem do evangelho são realmente autênticas, então as doutrinas próprias dos modernistas e romanistas estão erradas. E as conseqüências são incornensuravelmente mais graves do que aquelas do episódio de Neemias. Almas estão em jogo! Os destinos eternos pendem na balança!

Terceiro, não devemos esquecer nossa necessidade de portar armas para a luta. Nossas armas são: (1) a Bíblia, que é a “espada do Espírito”; (2) a oração, que pode ser usada para opor-se ao erro, assim como para salvar almas; e (3) a ação do Espírito Santo, enchendo-nos continuamente e renovando-nos.

Cobiça (5.1-13)

Havia infelizmente o terceiro obstáculo interno, o flagelo da cobiça. Isto quase fez ruir o projeto de Neemias, mais do que todos os estratagemas de Sambalá e Tobias, pois ameaçava um conflito mortal entre os homens do próprio Neemias. As circunstâncias eram muito perturbadoras. Muitos

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israelitas, a fim de obter dinheiro para comprar trigo (v. 3) ou pagar tributos (v. 4), foram obrigados a hipotecar seus bens e, em alguns casos, até a entregar seus filhos e filhas como escravos. Os judeus mais ricos, em vez de contribuir para aliviar a grande necessidade pública, haviam explorado egoisticamente a situação até o ponto em que houve um clamor.

Hoje, quando Satanás não pode prejudicar uma obra para Cristo por meio de “escombros” ou pelo “medo” de um tipo ou de outro, ele tenta fazê-lo mediante interesses egoístas e outros motivos errados entre cristão e cristão. Ele se aproveita de qualquer circunstância possível para provocar isso; e seu lamentável sucesso é conhecido na terra e no céu! Como Neemias deve ter se sentido desanimado! E quantos ministros piedosos se desanimam hoje, quando descobrem que, mesmo entre seus mais fervorosos e hábeis obreiros, existem motivos e sentimentos errados a impedir a bênção e frustrar o reavivamento, apesar de todas as orações e do trabalho.

Veja como Neemias enfrentou essa dificuldade. Em primeiro lugar, ele desafiou os ofensores através de ação imediata e até mesmo drástica (v. 7). Em segundo lugar, apelou a eles com seu próprio exemplo (w. 8-11). Em terceiro lugar, os ofensores admitiram sua culpa e fizeram restituição (w. 12, 13). Como é bom ter prontidão, franqueza e ousadia nessas questões! Neemias é um exemplo vigoroso para todos os líderes no trabalho cristão.

A dificuldade na época de Neemias foi superada porque os ofensores, sendo abertamente acusados, admitiram sua culpa e se arrependeram, corrigindo o erro. Não é de admirar que toda a congregação tenha respondido “Amém! E louvaram ao Senhor” (v. 13). Como seria bom se a má vontade, os ressentimentos e as animosidades entre os cristãos de hoje fossem tratados com tanto destemor e fidelidade. O reavivamento espiritual ficaria muito mais próximo.

O atraso devido à cobiça, assim como as demais dificuldades, foi vencido, e a construção do muro continuou. Recapitule mais uma vez os problemas que o corajoso Neemias encontrou e superou: externamente, o desprezo (4.1-6), a força (4.7-23) e a astúcia (6.1-19); internamente, os escombros (4.10), o medo (4.11-14) e a cobiça (5.1-13). Em cada caso a dificuldade se torna mais aguda e mortal, mas também a vitória mostra-se sempre mais visível, até que, pedra sobre pedra, dia após dia, apesar de toda a oposição externa e todos os obstáculos internos, o muro foi reedi­ficado!

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Portanto, estas são algumas lições que chegam até nós através da reconstrução do muro da cidade sob a liderança de Neemias. Devemos ler, observar, aprender e agir de acordo com elas! Os dias em que vivemos são tão intensos e complexos que ofuscam todos os anteriorès. A necessidade é enorme. As questões são terríveis. O tempo é curto. O muro precisa ser construído, mesmo em “tempos conturbados”. Deus nos ajude a continuar lutando e trabalhando, vigiando e aguardando, batalhando e construindo! A tentem os para este homem, Neemias, aquele que reconstruiu Jerusalém, mantendo-o em nossa mente enquanto tra­balhamos para Deus, hoje, sob condições adversas. Ele será uma inspiração para nós. Deus está construindo conosco e, no final, com certeza nós também veremos os muros da “nova Jerusalém” de Deus, com­pletamente edificados na terra, e as nações andarão mediante a sua luz” (Ap 21.24).

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O LIVRO DE NEEMIAS (3)

Lição N° 47

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NOTA: Para este estudo final em Neemias, leia do capítulo 7 s/o 13 novamente, destacando os versículos que revelam as qualidades especiais do caráter de Neemias.

A teoria da evolução tem dominado a mente crítica em completa desconsideração dos fatos históricos. Seja o que for que se diga a favor da evolução do universo material, pouco se pode dizer sobre a evolução do homem, como um dogma. Assim, a história nos ensina que, embora a civilização seja progressiva, ela é também regressiva. Quando seus fatores morais e espirituais declinam, a civilização destrói a si mesma. Mas o conceito de evolução, baseado na idéia de um progresso firme e consistente, desde o barbarismo até os dias de hoje, subestimou o conhecimento e a cultura dos tempos do Antigo Testamento, postulando algo excessivamente primitivo. De acordo com essa idéia, por exemplo, os israelitas devem ter sido analfabetos; mas vê-se agora (i. e., pela evidência de recentes descobertas arqueológicas) que, desde os dias de Moisés, eles possuíam recursos para a expressão literária superiores aos de seus contemporâneos.

SIR C H A R L E S M A R S T O N

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O LIVRO DE NEEMIAS (3)

Neemias» o governador (7-13)

Finalmente, em nosso rápido exame deste homem e sua história, observamos Neemias como governador, isto é, como governador da cidade de Jerusalém reconstruída e da província da Judéia, sob os persas. Nós o vemos nesta posição na segunda metade do livro, do capítulo 7 ao 13.

Muitos homens que se mostram geniais numa crise fracassam no processo que se segue. Isso não aconteceu com Neemias, como se pode observar nesses capítulos. Há muita coisa aqui que nos chama a atenção e impressiona nossa mente, mas nossos comentários devem limitar-se apenas ao destaque das principais linhas e lições.

A retidão e a franqueza de Neemias surpreendem-nos em toda a história, salientando-se ainda mais nesses últimos capítulos que falam dele como governador. Quer aprovemos ou não seu método de tratar desta ou daquela irregularidade, seu motivo é sempre claro como o dia e perfei' tamente cristalino. Não existe nenhuma dissimulação em seu caráter ou conduta. Note suas quatro principais qualidades:

1. Visão clara2. Palavras sinceras3. Tratamento firme4. Honra a Deus

Agora, repassemos rapidamente os capítulos.

Medidas de segurança (7.1-3)

Em 7.1-3, vemos Neemias preparando os regulamentos necessários para a segurança do que se tornara então uma fortaleza de primeira categoria. O fato de ter designado levitas para guardar as portas (v. 1) pode parecer estranho, mas precisamos nos lembrar de que, naquela época, os sa' cerdotes constituíam quase metade da escassa população (compare o ca­pítulo 11 com 1 Cr 9.10-19). A seguir, ele nomeia dois oficiais da cidade

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para cuidar de todos os outros assuntos — seu irmão Hanani e um certo Hananias, que já era “maioral do castelo” ou torre do templo (v. 2).

O problema da população (7.4-73; 11)

A seguir, Neemias trata do problema da população diminuta (v. 4), decidindo de início fazer um censo (v. 5). Para isto, ele verifica a “genealogia dos que subiram prim eiro” (/. e., 90 anos antes com Zorobabel), e o restante deste sétimo capítulo reproduz esse registro (que já vimos antes, em Esdras 2).

A falta de população é corrigida pelo lançamento de sortes, a fim de trazer um entre cada dez indivíduos da população da Judéia que estava fora de Jerusalém para viver dentro da capital agora reconstruída (veja o capítulo 11, que se reporta ao 7).

Note no versículo 5 que a preservação cuidadosa desses registros de nascimento em Israel foi feita de acordo com a mente de Deus (“Deus me pôs no coração”). Era importante determinar quais os verdadeiros descendentes de Israel, especialmente porque a nação esperava Aquele que daria glória imperecível às suas genealogias, o Filho mais importante de Davi que surgiria dessa linhagem de Zorobabel e finalmente “desfaria o cativeiro” de Judá; o Zorobabel supremo, que restauraria perfeitamente o templo; o Esdras supremo, que escreveria a lei no coração do povo escolhido; o Neemias supremo, que reconstruiria para sempre os muros de Sião (Is 54.11,12; Zc 6.12,13; Jr 31.33; SI 48.12,13; Is 60).

O movimento “de volta à Bíblia” (8-10)

O capítulo 8 começa assim: “Em chegando o sétimo mês (i. e., o mês especialmente sagrado), e estando os filhos de Israel nas suas cidades, todo o povo se ajuntou como um só homem, na praça, diante da Porta das Águas; e disseram a Esdras, o escriba, que trouxesse o livro da lei de Moisés, que o Senhor tinha prescrito a Israel”.

A seguir encontramos um relato notável, nos capítulo 8, 9 e 10, do que chamaríamos hoje de um grande “movimento de volta à Bíblia”. Houve uma extraordinária convenção religiosa e o próprio povo pediu que lhe fossem explicadas as Escrituras (8.1). Esdras e seus auxiliares explicam de

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novo a lei. A observância da Festa dos Tabernáculos é renovada. Foi também observado um dia de grande humilhação, quando o povo confessou suas tristes falhas e reconhecer a maravilhosa misericórdia de seu Deus longânimo (9). Depois disso, estabeleceram uma aliança auto-imposta, com o profundo objetivo moral de, daí para a frente, ordenar seus caminhos conforme a vontade de Deus revelada nas Escrituras (10).

O novo censo (11)

O capítulo 11 dá os principais resultados do novo censo feito por Neemias. Do versículo 3 ao 19 lemos sobre os habitantes de Jerusalém. Do 20 ao 36, vemos o “restante” nas outras cidades da Judéia. Note no versículo 2 que o “povo bendisse a todos os homens que voluntariamente se ofereciam ainda para habitar em Jerusalém”. Esses eram os homens, um em cada dez, sobre os quais foram lançadas sortes para que fossem morar na capital. As palavras indicam que aceitaram de bom grado a “sorte” e se submeteram patrioticamente, embora, aparentemente, nenhuma compensação fosse oferecida a eles. Não é de surpreender que o povo os tivesse aclamado, pois a transferência significaria em muitos casos o abandono de bens, a troca da riqueza pela pobreza, deixar uma casa confortável por outra quase em ruínas ou desistir da vida como um pequeno proprietário de terras, trocando-a pela de um artesão ou trabalhador contratado. (Casualm ente, podemos m encionar que expansões forçadas de uma capital mediante transferências deste tipo não eram incomuns no mundo antigo, quando a força dos Estados dependia muito do tamanho e predominância da capital.) O censo da cidade neste capítulo 11 é o da população assim aumentada.

A dedicação dos muros (12.27-47)

Até agora os capítulos puderam ser lidos de forma direta, praticamente não havendo necessidade de algum comentário detalhado; mas, com certeza, é útil uma explicação quando chegamos à passagem que narra a dedicação dos muros. Um leitor descuidado poderia pensar que esta passagem segue imediatamente e sem qualquer interrupção o que vem

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antes, enquanto a verdade é que há um intervalo de cerca de doze anos entre o final do capítulo 11 e esta dedicação dos muros.

Três circunstâncias indicam isto. Primeira, se a dedicação dos7 muros tivesse ocorrido imediatamente após a reconstrução, é pouco provável queo narrador teria separado os dois eventos por cinco capítulos e meio. Segunda, entre o final do capítulo 11 e 12.27 foi inserida (provavelmente por outra mão que não a de Neemias) uma lista de sumos sacerdotes a partir de Jesua (noventa anos antes de Neemias) até Jadua (cerca de noventa anos depois de Neemias), havendo aqui, portanto, um intervalo na narrativa.

Terceira, o próprio Neemias apresenta-nos certas datas que fecham a questão. Em 13.6, ele diz que, quando o sacerdote Eliasibe deu às escondidas um aposento a Tobias nos pátios do templo, ele (Neemias) “não estava em Jerusalém”, pois fora ter com o imperador persa. O comportamento traiçoeiro de Eliasibe durante a ausência de Neemias é precedido pelas palavras: “Ora antes disto...” (13.4), significando que aquilo se deu antes do incidente registrado do versículo 1 ao 3, em que o povo redescobriu o que a lei de Moisés dizia sobre os amonitas e moabitas (lembre-se de que Tobias era um amonita: veja 2.10). Mas o incidente em si começa com as palavras: “Naquele dia...” (13.1), significando que coincidiu com a restauração dos serviços do templo, descritos pouco antes dele (12.44-47). Vemos em 12.44 que isto coincidiu com a dedicação dos muros, indicando também que a ausência de Neemias e a traição de Eliasibe precederam os três incidentes relatados anteriormente, incluindo a dedicação do muro. Como a breve ausência de Neemias ocorreu doze anos depois de sua primeira viagem a Jerusalém para construir o muro (compare 2.1 com 13.6), isto significa que a dedicação do muro realizou-se cerca de doze anos depois de terminada a reconstrução.

Quantas dificuldades Neemias enfrentou antes de ver aqueles muros reconstruídos! E como teve de continuar lutando, até que pudesse ver um povo espiritualmente reanimado dedicando aqueles muros a Deus, com gratidão no coração! Verdadeiramente não existe triunfo sem trabalho. O único serviço que realmente conta é aquele que realmente custa. Parece haver uma cruz no caminho de cada coroa digna de se usar!

A dedicação dos muros foi realizada com toda pompa e formalidade, com uma grande cerimônia e solenidade religiosa; o povo parece ter participado com prazer e reverência. A festa ocorreu em três partes:

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primeiro, houve duas procissões de cantores que louvavam a Deus; segundo, foi feita a leitura da lei; e terceiro, a separação entre a multidão mista e o verdadeiro Israel. Aquele deve ter sido um dia realmente de júbilo para Neemias e Esdras. Cronologicamente, como a dedicação (12.27-47) veio após os acontecimentos registrados no capítulo 13, ela é na verdade o ponto alto do livro. De fato, é um belo clímax: “No mesmo dia ofereceram grandes sacrifícios, e se alegraram... de modo que o júbilo de Jerusalém se ouviu até de longe" (12.43).

Os últimos vislumbres de Neemias (13)

Olhe outra vez o capítulo 13. Veja como concessões malignas ra­pidamente surgiram durante o curto período em que Neemias esteve fora de Jerusalém e observe como ele as atacou firmemente ao voltar. (A propósito, existe outra evidência de que este capítulo 13 na verdade precede o 12 em termos cronológicos, uma vez que o traiçoeiro sumo sacerdote Eliasibe, que se une aqui a Tobias, não é mencionado uma vez sequer no capítulo 12, no relato da dedicação dos muros. Compreen- sivelmente, ele se achava desacreditado.)

Neste décimo-terceiro capítulo, vemos o zelo de Neemias por Deus permanecendo forte até o fim. Ele volta a Jerusalém e imediatamente luta contra os novos males que surgiram. Não tolerará nem mais um minuto a invasão dos “móveis” de Tobias no aposento destinado aos utensílios da casa de Deus (w. 4-9). Não aceitará a auto-indulgência às custas do serviço de Deus (w. 10-14). Não permitirá a inobservância do sábado nem que negócios sejam colocados acima da religião (w. 15-22). Não admitirá que se façam casamentos mistos, o que prejudicaria a distinção do povo de Israel (w. 23-28).

Existem toques de humor sombrio em algumas das medidas drásticas tomadas por esse homem de olhos chamejantes e indignação santa. Ele não deixa o tempo escapar enquanto pondera se uma atitude é “comum” ou respeitável. Ele possui a mão firme e o passo confiante de alguém cujos propósito e consciência são absolutamente sinceros diante de Deus. Tais homens jamais hesitam ao lidar com o pecado. A prontidão e a firmeza representam mais que a diplomacia! Não podemos deixar de sorrir, ao ver Neemias realmente atirando para fora os móveis de Tobias (v. 8) ou “espancando” e “arrancando os cabelos” dos judeus que haviam se casado

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com mulheres que não eram de Israel (v. 25), ou “afugentando” o jovem judeu que se tornara genro de Sambalá (v. 28). Tudo isto, porém, deve ter custado muito a Neemias. Na verdade, suas orações fervorosas, das quais três ocorrem nesses parágrafos, mostram com clareza que ele sentiu profundamente todas essas coisas em seu próprio espírito.

Resumo do govemo de Neemias

Veja como este homem era realmente admirável. Volte os olhos para esses capítulos e note as várias reformas efetuadas por ele. É um conjunto impressionante.

1. Aumento da população de Jerusalém (11.1)2. Resgate dos judeus vendidos como escravos entre os pagãos (5.8)3. Abolição de empréstimos por hipotecas e de levantamentos de

fundos por meio da venda de filhos (5)4. Restauração da observância rigorosa do sábado e do ano sabático

(10.31; 13.15-22)5. Instituição do tributo anual da terça parte de um siclo para os

serviços e manutenção do templo (10.32)6. Criação de sistema de suprimento de madeira para os sacrifícios do

templo (10.34)7. Correção e proibição das profanações do templo (13.4-9)8. Reiteração da lei acerca do dízimo (10.37; 13.10-13)9. Divórcio de todas as mulheres estrangeiras e renovação da

separação do povo (13.1-3; 23-28)10. Outras reformas, como regulamentos referentes às portas da cidade

etc. (13.19-22)

Neemias é realmente um grande exemplo para todos nós, em especial para todos os obreiros e líderes cristãos que têm contato com o público. Sua visão clara, sua franqueza no falar, sua coragem ao lidar com as pessoas e seus motivos que honram a Deus em todo momento — tudo isso é tanto um desafio como uma inspiração. Não podemos também nos esquecer de que todos seus esforços para efetuar as várias reformas mencionadas acima sofreram resistência por parte de um grupo influente entre os sacerdotes e a nobreza, homens inclinados ao secularismo, adeptos de casamentos mistos com os povos gentios da circunvizinhança e, na

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verdade, extremamente favoráveis a uma união com eles. Qualquer homem comum teria temido opor-se à vontade de um grupo tão forte, apoiado pelo próprio sumo sacerdote e pelos príncipes vizinhos. Neemias, porém, dispôs-se a “contender com os magistrados” (13.11) e os “nobres” (v. 17) sobre esses assuntos urgentes e delicados; e ele adorna com brilho permanente a grande verdade de que um homem consagrado e Deus são capazes de vencer todos os poderes e subterfúgios do mal.

Existem muitas outras lições neste Livro de Neemias que não podemos analisar aqui. Queremos, porém, chamar atenção especial para as orações fervorosas de Neemias, que aparecem em número de oito (2.4; 4.4, 5; 4.9; 5.19; 6.14; 13.14; 13.22; 13.29). Sem dúvida, neste hábito de oração fervorosa está a principal resposta para o admirável temperamento, o santo impulso e as proezas que glorificam a Deus da parte de um dos maiores personagens de Israel. As orações fervorosas de Neemias pressupõem três coisas: primeira, que Deus é soberano em cada minuto; segunda, que Ele está presente em todo lugar; terceira, que Ele realmente ouve e responde a cada chamado repentino.

E importante cultivarmos o hábito da oração fervorosa ao nosso maravilhoso “Deus dos céus” (2.4), cuja vontade é soberana sobre imperadores e reinos e cuja presença está sempre conosco em todo lugar. Ele ouve instantaneamente cada clamor de socorro da alma, cada sussurro de adoração, cada suspiro desejoso de santidade, cada pedido de ajuda, cada súplica pedindo forças, cada oração invocando orientação, cada pronunciamento secreto do coração! Devemos manter contato com Ele todos os dias, mediante esta esplêndida “linha de comunicação” da oração fervorosa. Ela nos conservará calmos e firmes, pacientes e animados. Manterá nossas mentes num nível superior. Irá enriquecer-nos e santi­ficar-nos. Trará às nossas vidas rios de bênçãos correndo das montanhas de Deus.

Uma palavra de despedida. Mostramos que este Livro de Neemias divide-se em duas partes:

1 — a reconstrução do muro (1-6)2 — a reforma do povo (7-13)

Cada parte tem seu clímax. O da primeira parte é o término do muro: “Acabou-se, pois, o muro” (6.15). O da segunda é a dedicação do muro,

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quando “o júbilo de Jerusalém se ouviu até de longe” (12.43). Os sinais de nossos tempos mostram que o retorno do antítipo celestial de Neemias está se aproximando rapidamente. Então, haverá o clímax de todos os clímax. Os muros de Sião serão reconstruídos para sempre, e “o júbilo de Jerusalém” se ouvirá novamente “até de longe”!

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O LIVRO DE ESTER (1)

Lição Ns 48

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NOTA: Para esta lição, leia todo o Livro de Ester duas ou três vezes.

Não existe situação na vida ou experiência humana para a qual não se possa encontrar uma mensagem de Deus em Seu Livro. Não importa se é uma situação pessoal, social, nacional ou internacional. E sobre o futuro, este Livro não vacila. Há muitas coisas que ele não revela, mas sua realidade é enfatizada do início ao fim. Os grandes fatos fundamentais que precisamos conhecer nesta vida de preparação estão todos contidos neste Livro.

G . C A M P B E L L M O R G A N

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O LIVRO DE ESTER (1)

OS t r ê s pequenos livros de Esdras, Neemias e Ester registram as relações de Deus com os judeus depois que estes passaram setenta anos no cativeiro na Babilônia, como fora predito. Mas enquanto Esdras e Neemias ocupam-se do remanescente do povo que voltou à Judéia, o Livro de Ester concentra-se naqueles que ficaram na terra do cativeiro (um número bem maior).

Ester é um livro de crise. Trata-se de um drama — não uma ficção, mas um fato genuíno. É encenado no palco da história real e reúne personagens verdadeiros. Cinco figuras movimentam-se diante de nós: Assuero, o rei persa; Vasti, a rainha deposta; Hamã, aquele que odiava os judeus; Mordecai, o líder judeu; e Ester, a moça judia que se tornou rainha. Como pano de fundo temos o palácio real, a capital persa e os vários milhares de judeus espalhados por todos os domínios do imperador.

Ester é a figura crucial nesse drama, pois tudo gira ao redor de sua ascensão ao trono e sua influência como rainha. O livro, portanto, leva adequadamente seu nome, Ester. Ele descreve eventos que ocorreram em Susã, a principal capital persa, e cobre um período de cerca de doze anos.

O drama da providência

O propósito do livro é demonstrar o cuidado providencial de Deus com Seu povo. É importantíssimo perceber isso, pois aqui está o significado vivo e o valor permanente do livro. O fato básico é a preseivação pro­videncial — “providencial”, em distinção àquilo que chamamos de “m ilagroso”. Precisamos distinguir entre controle p rov idencial e intervenção sobrenatural.

A palavra “providência” tem origem no latimprovideo, significando “eu vejo uma coisa antecipadamente” (pro = antes; video = vejo); assim, o significado original de providência é previsão. Como, porém, uma previsão sempre ocasiona atividade em relação ao que é previsto, providência adquire o sentido de atividade que procede da previsão. Em termos restritos, só existe um Ser com conhecimento prévio e, portanto, só Ele

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tem capacidade para agir com base na previsão. Em seu sentido absoluto, então, a providência é a previsão de Deus e a atividade divina que resulta disso. Isto implica que Deus exeTce poder absoluto sobre todas as obras feitas por Suas mãos.

A demonstração da providência

É isto que vemos demonstrado no Livro de Ester. A crise à qual o livro se refere é providencialmente prevista e depois providencialmente vencida no momento crucial. Não é empregada qualquer intervenção milagrosa. Todos os acontecimentos registrados são resultados das circunstâncias em sua seqüência natural. Todavia, embora não seja registrado qualquer milagre, todo o episódio, em sua essência, é um poderoso milagre — um prodígio através do qual um Deus soberano manipula todos os eventos não-miraculosos de maneira a produzirem um efeito predeterminado. Isso é ainda mais miraculoso, pois provoca tal efeito sem necessidade de fazer uso de fatos extraordinários! Esta realidade misteriosa que chamamos providência, esta manipulação soberana de todos feitos comuns e não-miraculosos que formam o cotidiano da humanidade e produzem, mediante processos naturais, aqueles resultados previamente determinados pela divindade — esse é o maior de todos os milagres. Isto é surpreendentemente confirmado neste Livro de Ester.

Deus não é mencionado

Isto explica a razão pela qual o nome de Deus não ocorre no Livro de Ester. Esta ausência tem sido um problema para muitos. Martinho Lutero, em uma de suas ocasionais impetuosidades, chegou ao ponto de dizer que preferia que este livro não existisse! Outros contestaram seu direito a um lugar no cânon. Todavia, descobrir um problema no fato de Deus não ser mencionado é perder de vista aquilo que devemos ver acima de tudo! Dizemos com reverência, embora sem hesitação, que se Deus fosse mencionado especificamente na história ou, mais ainda, se fosse explicado que era Ele quem estava provocando todos os eventos registrados, a força

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dramática e o impacto moral do relato ficariam reduzidos, pois, acima de tudo, a intenção é que vejamos na seqüência natural dos acontecimentos, sem violar o livre-arbítrio humano e sem interromper o desenvolvimento normal dos assuntos humanos, como um poder oculto controla todas as coisas de maneira insuspeita mas infalível. Podem existir outras razões para o autor anônimo ter omitido qualquer referência direta a Deus, como, por exemplo, que o livro tenha sido dirigido tanto aos persas como aos judeus; e pode existir também, como já foi sugerido, a razão mais profunda de que, em vista de os judeus estarem longe de sua terra, depois da ruptura de seu relacionamento especial com Deus, o nome do Senhor é evitado para ser coerente com esta ruptura na comunhão. Acreditamos, no entan­to, que uma das razões principais seja aquela que citamos, isto é, enfatizar a atividade invisível de Deus na providência.

Na verdade, o nome de Deus ocorre neste Livro de Ester de maneira bastante notável. O nome “Jeová” acha-se oculto em forma de acróstico quatro vezes no original hebraico, e o nome Ehyeh (“Eu sou o que sou”), uma vez. Em vários manuscritos antigos, as consoantes do acróstico que representam o nome são escritas em letras maiores a fim de destacá-las, como nós poderíamos fazê-lo em nossa língua — JeoVá. Não existem outros acrósticos no livro, de modo que as intenções desses cinco são claras. Os cinco pontos onde ocorrem são 1.20; 5.4; 5.13; 7.7 e 7.5.

Nos quatro acrósticos que formam o nome de Jeová, as quatro palavras que formam JHVH são consecutivas em cada caso. Cada uma delas é pronunciada por uma pessoa diferente. Nos dois primeiros casos, o acróstico é formado pelas letras iniciais das palavras. Nos outros dois, é formado pelas letras finais das palavras. No primeiro e no terceiro acrósticos, as letras grafam o nome de frente para trás, e os que falam são gentios. No segundo e no quarto, as letras grafam o nome de trás para a frente, e os que falam são hebreus. Existem ainda outros pontos de interesse que não precisamos mostrar aqui. O ponto que desejamos salientar é que o nome de Jeová realmente consta do Livro de Ester desta forma secreta— como se o autor anônimo quisesse antecipar-se àquele que poderia tropeçar por causa da falta de menção de Deus em sua história. Com efeito, o autor nos diz: “A fim de que não pensem que Deus ficou fora de consideração, vejam o reconhecimento dEle nestes cinco acrósticos, que, por estarem secretamente ocultos nos escritos, simbolizam a operação secreta de Deus através de toda a história”. É verdade, Deus realmente Se

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encontra neste Livro de Ester, não tanto nas sílabas, mas nos aconte­cimentos; não em intervenções milagrosas, mas dirigindo as rodas da providência; não em comunicação direta, mas como o poder oculto que prevalece sobre tudo.

Quem era Assuero?

Quem era esse rei Assuero? Devemos perguntar isto antes de continuar. Podemos considerá-lo uma figura histórica real? No versículo inicial do livro, é dito que ele reinou sobre um império de 127 províncias que se estendiam da índia à Etiópia. A té recentem ente, sua identidade permaneceu obscura como um enigma. Mas agora, graças a escavadores e decifradores, o mistério foi esclarecido e Assuero, definitivamente identificado. Ele é conhecido na história não-bíblica como Xerxes, forma grega de seu nome persa. Este Xerxes reinou sobre o império persa de 485 a 465 a. C.

O mérito pertence a Georg Friedrich Grotefend, por ter sido o primeiro a identificar Assuero como Xerxes. Quando estudava na Universidade de Gõttingen em sua juventude, dedicou-se pacientemente à decifração dos curiosos caracteres persas em forma de cunha encontrados nas inscrições em meio às ruínas da antiga cidade persa de Persépolis. O nome do filho de Dario foi decifrado como Khshayarsha, que, traduzido para o grego, é Xerxes e, para o hebraico, praticamente letra por letra, éAkhashverosh, ou seja, Assuero. Tão logo o nome foi lido em persa, ficou estabelecida a identidade de Assuero, e descobertas posteriores corroboraram a teoria de Grotefend.

E sobre Xerxes? Este foi o rei que comandou a construção de uma ponte sobre o Helesponto e que, ao ficar sabendo que esta fora destruída por uma tempestade logo após sua construção, ficou de tal maneira irritado que ordenou que infligissem ao mar trezentas chicotadas e atirassem nele um par de algemas. Também mandou que os infelizes construtores da ponte fossem decapitados. Este foi o rei que, ao receber de Pítio, o lídio, a oferta de uma soma equivalente a cinco milhões e meio de libras esterlinas, para cobrir as despesas de uma expedição militar, ficou tão embevecido com tanta lealdade que devolveu o dinheiro junto com um belíssimo presente. Depois disso, quando o mesmo Pítio lhe pediu, um

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pouco mais tarde, que poupasse da expedição pelo menos um de seus filhos— o mais velho — o único apoio de sua velhice, ele ordenou furioso que o filho fosse cortado em dois pedaços e que o exército marchasse entre eles. Foi este o rei que desonrou os restos de Leônidas, o herói espartano, e que afogou a humilhação de sua derrota inglória em tamanha orgia de sensualidade que ofereceu publicamente um prêmio pela invenção de alguma nova prática. Foi o rei que cortou um canal através do istmo de Atos para sua frota — um empreendimento prodigioso. Foi o rei cujos vastos recursos, idéias arrojadas e temperamento ditatorial fizeram com que a Pérsia fosse um nome temido no mundo antigo. Heródoto conta-nos que entre os milhares reunidos para a expedição contra a Grécia, Assuero era o que mais se destacava pela beleza pessoal e porte majestoso. Moralmente, porém, ele era um misto de paixões desenfreadas. Foi justamente ele o déspota que depôs a rainha Vasti por recusar-se a comparecer diante de seus hóspedes embriagados. Era um homem que permitiria que um povo como os judeus fosse massacrado, mas que, mudando depois para o extremo oposto, aprovaria a vingança dos judeus sobre milhares de seus outros súditos.

Dois movimentos principais

Vejamos agora a história propriamente dita. Em nossa versão, ela é narrada em dez curtos capítulos. Quando os lemos, não podemos deixar de perceber que nos cinco primeiros tudo leva em direção ao ponto crítico do drama. Os acontecimentos movimentam-se rapidamente em direção ao temido desastre, até que, no final do capítulo 5, a própria forca é preparada para Mordecai, e parece que nada poderá evitar a tragédia iminente. A seguir, no capítulo 6, a história sofre uma súbita reviravolta. A crise foi providencialmente prevista e agora é superada. A situação se modifica. O povo de Deus é salvo e vingado. A ameaça de tragédia dá lugar ao triunfo e à bênção. As nuvens negras se afastam; o sol aparece através delas; a terra volta a ser verdejante e ouve-se uma canção de prosperidade.

Portanto, notamos que este drama da preservação providencial de­senrola-se em dois movimentos principais. Do capítulo 1 ao 5 temos a crise prevista, enquanto do capítulo 6 ao 10 temos a crise superada. Neste episódio histórico, vemos assim a união entre a previsão e a provisão

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divinas que constituem a providência. Observamos também que este Livro de Ester preenche um lugar único e essencial no cânon das Escrituras inspiradas, por ser distintamente o livro da preservação providencial. Vemos, além disso, a mensagem espiritual do livro, ou seja, que Deus Se encontra nas sombras, vigiando os que Lhe pertencem. Ele vê, sabe e cuida dos Seus. Ele pode estar fora da vista deles, mas eles jamais ficam fora de Sua vista. “É certo que não dormita nem dorme o guarda de Israel” (SI121.4). Ele pode ser invisível, mas é infalível. Pode parecer estranhamente silencioso, mas continua ativamente soberano. Pode não ser percebido, mas é onisciente, onipresente e onipotente. Ele guia e guarda. O mal pode ser temporariamente permitido, mas no fim é frustrado. Por trás de uma providência carrancuda, Deus esconde um rosto sorridente. Agora, coloquemos tudo isto no quadro seguinte:

O LIVRO DE ESTER

O LIVRO DA PRESERVAÇÃO PROVIDENCIAL

DEUS VIGIA NA SOMBRA OS QUE LHE PERTENCEM

A C R ISE P R E V IST A (1-5)

A R A IN H A V A S T I É D E P O S T A (1) E ST E R T O R N A -S E R A IN H A (2) H A M Ã P L A N E JA O M A SSA C R E (3) M O R D E C A I P E D E A J U D A (4) E S T E R C O N S E G U E A J U D A (5)

A C R ISE S U P E R A D A (6-10)

M O R D E C A I É H O N R A D O (6) H A M Ã É E X E C U T A D O (7)OS J U D E U S SÃ O V IN G A D O S (8) O P U R IM É IN ST IT U ÍD O (9) M O R D E C A I É N O M E A D O P R IM E IR O -M IN IST R O (10)

Tudo o mais que pudermos ver do capítulo 1 ao 5 perderá seu significado supremo, se deixarmos de observar que todos os fatores decisivos foram preparados de forma notavelmente providencial, em antecipação a uma crise prevista. A festa de Assuero para todos os príncipes e sátrapas, sua alegria de embriaguez e seu pedido imoral, a valorosa recusa de Vasti e sua deposição do trono — essas coisas parecem ter pouca ligação com o perigo ainda nem sequer imaginado pelos judeus, mas que deveria surgir, por causa do ódio de Hamã contra eles, já que este não havia obtido eminência até então. No entanto, tudo estava sendo completamente

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controlado, de modo a servir de preparo divino insuspeito para aquilo que viria mais tarde. De fato, a crise fora prevista anos antes da festa de Assuero, ao ser concedida uma beleza feminina extraordinária à prima de Mordecai. Agora, como resultado da deposição de Vasti, a incomparável Ester é escolhida como rainha, de modo a encontrar-se em lugar de influência quando surgisse o momento crítico, podendo assim evitar o desastre aparentemente inevitável, e vencer os perversos inimigos de Israel.

Como é maravilhosa essa providência que planeja tudo com ante­cedência! Observamos isso com perfeição aqui, para que, ao ver tal pro­vidência claramente demonstrada neste episódio notável, possamos crer na realidade de sua operação em todas as vicissitudes de nossa vida e em toda a história da raça humana, especialmente nestes tempos difíceis, quando o mal, furioso, parece ter arrancado das mãos de um controle superior as rédeas do governo.

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O LIVRO DE ESTER (2)

Lição Ns 49

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NOTA: Para este novo estudo no Livro de Ester, releia do capítulo 6 ao 10.

A alta crítica não é um mal em si mesma. Trata-se da discussão de datas e de autoria. Quando, porém, o método adotado é o racionalismo e o naturalismo, ela se torna destrutiva e perniciosa. Quando Jesus atribuiu o Salmo 110 a Davi, Ele estava no campo da alta crítica. É perfeitamente apropriado discutir datas e autores, mas pode-se passar a vida inteira tentando descobrir quantos homens escreveram Isaías, quem foi o autor do Pentateuco ou quem escreveu a Carta aos Hebreus, sem jamais estudar a Bíblia.

G . C A M P B E L L M O R G A N

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O LIVRO DE ESTER (2)

NOTAS SOBRE A HISTÓRIA

B A N Q U E T E S reais prolongados, em uma proporção enorme como a descrita no primeiro capítulo de Ester, não era incomuns entre os persas. Referências contidas em autores gregos da antigüidade não deixam dúvidas quanto a isso. A realeza parece ter alcançado seu maior esplendor no grande império persa, e banquetes suntuosos constituíam um aspecto proeminente da vida na corte. Uma festa e um aparato tão extravagantes como os descritos aqui estariam muito de acordo com a vanglória e a ostentação de Assuero.

Sabe-se agora, quase indubitavelmente, que o motivo dessa imensa reunião festiva era a convocação de todos os principais homens do reino, especialmente dos sátrapas, ou “príncipes das províncias”, a fim de decidirem sobre a possível incursão contra a Grécia.

A ordem do rei para que Vasti (cujo nome significa “mulher bela”) se apresentasse e se exibisse sem modéstia diante de um grande grupo de libertinos embriagados não era só uma grave violação da etiqueta persa, mas também um ultraje cruel que teria desgraçado para sempre aquela que, acima de todas as outras, devia ser protegida pelo rei. A recusa de Vasti foi corajosa e plenamente justificada, pois compreendemos muito bem que tal rejeição pública a um monarca absoluto e extremamente presunçoso deve ter sido tão humilhante e exasperadora quanto bem merecida.

Sem dúvida, isso deve ter causado sobriedade imediata sobre o rei e os nobres do reino. Não é também de admirar que os sábios do alto conselho do rei, ao serem consultados sobre o assunto, concluíssem que Vasti deveria perder sua coroa real.

Cerca de quatro anos se passam (compare 1.3, 4 com 2.12, 16) entre o final do capítulo 1 e a escolha de Ester como rainha — que é o principal acontecimento registrado no segundo capítulo. Durante esse período, Assuero fez sua incursão contra a Grécia e voltou vergonhosamente derrotado. Talvez isso o tivesse levado a desviar seus pensamentos da guerra inglória para os prazeres do harém.

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Ester, a moça judia, órfã de seu pai Abiail e prima de Mor decai, é agora escolhida para ser a rainha. Os versículos 7,9 e 15 do capítulo 2 não deixam dúvidas de que Ester deve ter sido uma jovem belíssima. A leitura dos versículos 9 e 15 também sugere um temperamento cativante. O processo pelo qual foi feita a escolha estava de pleno acordo com o costume persa e oriental. O nome hebraico de Ester era Hadassa, que significa murta, enquanto o nome persa “Ester”, que lhe foi dado, significa estrela. A tradição judaica diz que Mordecai tentou esconder Ester para que não fosse levada pelos agentes reais. Mordecai também lhe deu instruções para não tornar conhecida sua descendência judaica (2.10), provavelmente para não prejudicá-la ou gerar intrigas contra ela. Em 3.4 vemos que tal preconceito poderia ter surgido por causa de seus parentes judeus.

Com certeza, o próprio Mordecai achava-se empregado no serviço da corte real, pois em 2.5, onde ele é mencionado pela primeira vez, ficamos sabendo que residia na cidadela de Susã (não apenas na cidade, que ficava bem distante do palácio, como os arqueólogos já mostraram claramente). Ninguém que não tivesse alguma ligação com o serviço real teria tido permissão para residir nesses recintos zelosamente guardados. Em 2.19, 21, nós o vemos cumprindo uma tarefa regular “à porta do rei”, e em 3.2 ele é contado entre “os servos do rei” que estavam à sua porta. Em 6.10, observamos que o próprio rei o conhecia como “o judeu Mordecai, que está assentado à porta do rei”. Se Mordecai não participasse do serviço real, os guardas do palácio o teriam matado sumariamente quando se recusou a obedecer o decreto relativo a Hamã.

Hamã

Outros cinco anos se passaram quando chegamos à metade do terceiro capítulo (veja o versículo 7). Um novo personagem, Hamã, entra em cena. Este homem alcançou tanto prestígio aos olhos do rei que veio a tornar-se o grão-vizir do reino. O rei chegou a ordenar que todos se inclinassem perante ele. Mas, enquanto os outros obedeciam a essa exigência, houve alguém que se recusou — “o judeu Mordecai”. Ao contrário dos persas que, segundo Plutarco, viam no rei a própria imagem de Deus, Mordecai não prestaria a homem algum a reverência que pertence apenas ao Deus único e verdadeiro em quem ele cria, assim como Daniel não rendeu

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homenagem divina ao rei Dario. A furia de Hamã por causa disso resultou no decreto para a matança de todos os judeus do império persa, no décimo terceiro dia do décimo segundo mês.

Do fato de Hamã ser chamado de “inimigo dos judeus” (8.1; 9.10, 24), de suas palavras ao rei com relação aos judeus como uma raça e do fato de ter decidido fazer de sua vingança a oportunidade para um massacre geral contra os judeus, quando soube da nacionalidade de Mordecai, é que inferimos que Hamã já odiava os judeus muito antes de ter o orgulho ferido pela recusa de Mordecai em homenageá-lo.

A maneira leviana e descuidada com que Assuero entregou a Hamã a vida de dez mil de seus trabalhadores e súditos úteis é merecidamente considerada como “talvez o mais chocante exemplo de despotismo oriental já registrado”. Ela se compara à notícia desumana dada pelo nazista Hitler de que estava preparado para sacrificar a vida de um milhão de alemães a fim de invadir a Grã-Bretanha. A consciência e o bom senso protestam juntos contra o erro de colocar tão grande poder nas mãos de um só homem. Um indivíduo realmente íntegro e bom se recusaria a assumir tal responsabilidade sozinho. Um homem perverso só pode abusar dela. A democracia talvez enfrente dificuldades variadas e complexas, mas é infinitamente preferível ao despotismo ou à ditadura. A presunção de Assuero era tamanha que, além de entregar sem piedade um número incontável de homens, mulheres e crianças para serem friamente assassinados, ele presenteou Hamã com os dez mil talentos de prata que este oferecera como pagamento ao tesouro real a fim de compensar financeiramente o imperador pela destruição dos judeus (3.11)! Mesmo quando os verdadeiros motivos de Hamã foram mais tarde expostos por Ester e a ira do rei acendeu-se contra seu favorito culpado, esta raiva não se deveu ao fato de Hamã tê-lo enganado a fim de cometer um crime selvagem, mas porque o crime seria cometido contra o povo a que pertencia a rainha (7.5).

O terrível decreto para a aniquilação dos judeus foi devidamente promulgado (3.12-15). O capítulo 4 registra a tristeza e o sofrimento de Mordecai e dos judeus, o apelo de Mordecai a Ester através de Hatá, um dos camareiros do rei, e a corajosa decisão de Ester de arriscar sua vida numa petição ao rei. O risco estava na terrível lei persa de que quem entrasse no pátio interior do rei sem ser chamado era condenado à morte (4.11). Na ocasião, fazia um mês que Ester não era chamada (4.11), o que

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podia indicar um esfriamento do soberano para com ela; de modo que o risco que corria era muito grande. Mas afinal resolveu aceitar o perigo, dizendo: "... se perecer, pereci” (4.16).

Neste ponto da história, o reconhecimento implícito de Deus é indiscutível. As palavras urgentes de Mordecai: "... quem sabe se para tal conjuntura como esta é que foste elevada a rainha?” são realmente a chave para todo o episódio e revelam sua percepção repentina da previsão providencial por trás da estranha ascensão de Ester ao trono. Além disso, as palavras: “Porque, se de todo te calares agora, de outra parte se levantará para os judeus socorro e livramento” revelam sua fé inabalável no Senhor e na indestrutibilidade de Seu povo. O pedido de Ester a Mordecai para que os judeus jejuassem durante três dias a favor dela é na verdade um pedido de oração, e ela se entrega à misericórdia de Deus nesta questão. No Antigo Testamento, o jejum é uma forma simbólica de oração.

No terceiro dia, Ester entra no pátio interno e fica de pé defronte à porta da sala do trono, de modo a atrair a atenção do rei. Este se acha sentado no trono real, olhando para baixo, através da porta aberta, onde avista, com certa surpresa, a figura graciosa de sua jovem e bela esposa. Seu cetro imediatamente estendido assegura a Ester que qualquer quebra de etiqueta era perdoável. Compreendendo então que somente um assunto grave teria levado Ester até ali, ele generosamente a anima com as palavras: “Que é o que tens, rainha Ester, ou qual é a tua petição? Até metade do reino se te dará”. Ester pede que o rei e Hamã compareçam a um banquete preparado para eles, mais tarde, naquele mesmo dia.

Com tal banquete, que ela sabia ser do agrado do rei, Ester queria assegurar-se do seu favor e, ao mesmo tempo, garantir a presença de Hamã quando expusesse o plano perverso dele. Hamã teria então de calar-se. Não poderia negar a verdade da acusação, nem ousaria contradizer a rainha na presença do rei. Também não poderia aproveitar a oportunidade para deturpar as coisas na ausência da rainha. Quando se realizou a festa, Ester aparentemente não achou que a hora fosse adequada, mas prometeu revelar seu pedido durante outro banquete, no dia seguinte.

Havia, porém, uma Mente superior à de Ester atuando neste adiamento. Durante aquele dia, o sádico Hamã fez com que fosse preparada uma forca para Mordecai; naquela noite, o rei, sem poder dormir, decidiu que o mesmo Mordecai fosse exaltado diante de todo o povo! Estava preparado o momento crucial para as palavras de Ester.

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O ponto crítico

Com o início do capítulo seis surge uma súbita reviravolta nos eventos. A crise providencialmente prevista havia sido superada de maneira surpreendente. Com extrema habilidade, Aquele que se assenta nos céus esmaga os perversos e livra Seu povo. Com alguns golpes de mestre toda a situação se inverte. A dramática ironia dos novos fatos que agora se sucedem rapidamente nos faz exclamar: “A verdade é mais estranha que a ficção!”

O rei não consegue dormir. A noite se arrasta. Ele pede que o livro dos feitos memoráveis seja lido e ouve como uma conspiração contra sua vida havia sido evitada mediante um gesto oportuno de Mordecai, sur­preendendo-se ao descobrir que este não recebera qualquer recompensa. Resolve então que ele deverá ser premiado sem demora. Já está quase amanhecendo. O rei pergunta quem está no pátio e lhe respondem que é Hamã (pois este se apresentara bem cedo a fim de obter uma audiência com o rei, na qual esperava conseguir autorização para enforcar Mordecai). O rei pergunta a Hamã: “Que se fará ao homem a quem o rei deseja honrar?” Hamã, supondo presunçosamente ser ele mesmo o homem em quem o rei estava pensando, julgando-se também um provável candidato a novas preferências, fica envaidecido e faz a seguinte proposta atraente: “... tragam-se as vestes reais, de que o rei costuma usar, e o cavalo em que o rei costuma andar montado, e tenha na cabeça a coroa real; entreguem-se as vestes e o cavalo às mãos dos mais nobres príncipes do rei, e vistam delas aquele a quem o rei deseja honrar; levem-no a cavalo pela praça da cidade, e diante dele apregoem: Assim se faz ao homem a quem o rei deseja honrar”. A proposta de Hamã evidencia sua ilimitada presunção, sua sede doentia de louvor dos homens e sua idéia mesquinha de grandeza. Seu coração bate mais forte quando se imagina sendo levado dessa forma em meio à adulação de seus semelhantes. Então, ele ouve o rei dizer: “Apressa-te, toma as vestes e o cavalo, como disseste, e faze assim para com o judeu Mordecai...” Quê? Fazer isso ao judeu Mordecai? Será que os ouvidos de Hamã estão zombando dele? Não! é verdade. O rei falou e deve ser obedecido! O brilho foge dos olhos de Hamã. Seu orgulho se derrete. E como se uma mortalha sombria lhe envolvesse o coração. Por alguns segundos que parecem séculos ele fica ali de pé, estupefato diante de seu senhor real. A seguir, retira-se devagar, com passos pesados, a fim

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de exaltar Mordecai justamente do modo que ele mesmo estupidamente propusera. “Ri-se aquele que habita nos céus; o Senhor zomba deles” (SI2.4). Quanta ironia! Por causa de sua própria e tola vaidade, Hamã viu-se obrigado a exaltar e fazer desfilar publicamente o homem cuja sentença de morte fora pedir e para quem se atrevera a preparar a forca!

A condenação de Hamã

O capítulo 7 fala do segundo banquete de Ester para o rei e Hamã. E um homem bem diferente aquele que se senta agora pouco à vontade à mesa real. Sua mente está ainda mais perturbada, porque “seus sábios” e Zeres, sua mulher, lhe disseram: “Se Mordecai, perante o qual já começaste a cair, é da descendência dos judeus, não prevalecerás contra ele, antes certamente cairás diante dele” (6.13). Hamã, todavia, não pode sequer imaginar que será repentinamente precipitado em um miserável fim. Na noite de insônia do rei, na exaltação de Mordecai, na humilhação de Hamã e, agora, na evidente boa vontade do rei, Ester reconhece o controle de um poder superior e percebe que chegou o momento de falar. O rei pergunta de novo sobre seu pedido especial e espanta-se ao saber que se trata de um pedido para que a vida dela seja poupada'. “Se perante ti, ó rei, achei favor, e se bem parecer ao rei, dê-se-me por minha petição a minha vida, pelo meu desejo, o meu povo. Porque fomos vendidos, eu e o meu povo, para nos destruírem, matarem e aniquilarem de vez”. Atônito, Assuero contempla a linda face e a formosura da esposa, agora pro­fundamente emocionada, e exclama: “Quem é esse e onde está, esse, cujo coração o instigou a fazer assim?” — ao que Ester responde: “O adversário e inimigo é este mau Hamã”. Num instante o rei percebe a hipocrisia de Hamã e, levantando-se da mesa do banquete, sai agitado para o jardim do palácio. Hamã, tremendo de terror covarde, ultrapassa os limites da etiqueta e cai sobre o divã de Ester, suplicando que lhe poupe a vida. O rei volta e o encontra nessa atitude e, seja em verdade ou por sarcasmo, interpreta mal o comportamento de Hamã, imaginando um motivo imoral, e p ro n u n cia palavras que levam os servos a re tira re m H am ã imediatamente, com o rosto coberto (segundo o costume persa, quando o rosto de alguém era coberto, isso indicava que a pessoa não merecia mais ver a luz). Hamã é enviado sem demora à sua condenação. Antes que o

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sol nascesse outra vez sobre Susã, seu cadáver balançava a cinqüenta côvados de altura, na forca que ele mesmo havia mandado levantar para Mordecai.

A fim de que não seja considerada incrível a altura da força (“cinqüenta côvados” = cerca de vinte e três metros), queremos mencionar que o termo hebraico traduzido como “forca” significa uma árvore. A árvore escolhida por Hamã achava-se no terreno de sua própria casa (7.9); e foi ali, numa terrível ironia, que o penduraram diante do olhar horrorizado de sua própria família!

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O LIVRO DE ESTER (3)

Lição N- 50

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NOTA: Para este estudo final de Ester, leia novamente o livro inteiro, perguntando: “Os personagens e incidentes desta história sugerem ou parecem m anter paralelos com verdades espirituais ou proféticas apresentadas em outros pontos das Escrituras?”

Jamais deixei minha Bíblia. — JO H N b u n y a n

Sou um homem de um único Livro. — J O H N W E SL E Y

Para você, essa Bíblia sobre a mesa é um livro. Para mim, ela é muito mais que um livro. Ela fala comigo, é como se fosse uma pessoa.

N A P O L E Ã O B O N A P A R T E

Se permanecermos nos princípios ensinados na Bíblia, nosso país continuará prosperando. Mas se nós e nossa posteridade negligenciarmos suas instruções e sua autoridade, homem algum poderá dizer quão subitamente uma catástrofe poderá cair sobre nós e enterrar toda nossa glória em profunda obscuridade.

D A N IE L W E B ST E R

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O LIVRO DE ESTER (3)

O ENSINO LATENTE DOS TIPOS

Este Livro de Ester, além de ser de grande interesse histórico, parece conter um ensino latente de tipos que não deve escapar à nossa atenção.

Os judeus persas

Em primeiro lugar, e sem dúvida alguma, os judeus persas como um todo são usados aqui como um tipo daquilo que é secular em meio ao povo do Senhor.

Já nos referimos ao fato de Deus não ser mencionado na história. Quanto mais refletimos sobre isso, tanto mais notável se torna esta resoluta não-referência a Deus ou a qualquer coisa religiosa; temos, também, mais certeza de que foi algo intencional por parte do escritor, por alguma razão específica.

Podemos realmente crer que, numa crise que ameaçava de morte cada judeu no império persa, não houve um clamor agoniado ao Deus de seus pais? Podemos acreditar também que, depois do livramento surpreen­dente que tiveram, não houve nenhuma voz que se elevasse em agrade­cimento a Deus?

Nada disso. Não poderia ter havido oração mais fervorosa, vindo do fundo do coração. Não poderia ter havido louvor mais ardente. Por que então não se diz nada a esse respeito? Seria devido à cegueira espiritual do autor ou a um esquecimento imperdoável? Se foi assim, como iremos justificar o fato de um livro tão néscio e censurável ter recebido um lugar tão reverenciado no cânon hebraico? Se, por outro lado, a falta de menção de Deus não se deveu a uma cegueira espiritual, só há uma conclusão possível: o silêncio fo i deliberado.

Porque, então, este silêncio intencional? Acho que não somos deixados na dúvida. Mais de cinqüenta anos antes deste episódio de Ester, o imperador persa Ciro fizera uma proclamação que permitia e exortava todos os judeus a voltarem para a Judéia, conforme registrado no Livro de Esdras (1.2-4).

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Esdras teve o cuidado de dizer que este decreto de Ciro se deu em cumprimento à profecia de Jeremias, feita antes mesmo do início do cativeiro dos judeus. Os seten ta anos de cativeiro haviam sido pré-estabelecidos (Jr 29.10 etc. ; veja também 25.11, 12). Além disso, o profeta Isaías realmente havia falado de Ciro pelo seu nome, vendo-o como o futuro restaurador de Jerusalém, antes mesmo que ele tivesse nascido (Is 44.28 etc.).

Aqui estava, então, a voz do Senhor para Seu povo através de todo o império persa. Este era o chamado divino para que os judeus voltassem a Jerusalém e à Judéia. Não poderia haver engano, pois existia uma marca sobrenatural. Em primeiro lugar, a libertação fora predita; agora estava sendo efetivada. Nenhum judeu deveria permanecer na Pérsia. O povo inteiro deveria ter seguido para Sião, dando graças. Todavia, a triste verdade é que só um remanescente voltou. O restante contentou-se em ficar na Pérsia. É claro que estavam dispostos a aplaudir os que estavam voltando e a dizer como era esplêndido o gesto deles em empreender a reconstrução das cidades abandonadas de Judá e do templo do Senhor; mas eles mesmos não achavam conveniente se desligarem dos persas naquela ocasião. Na verdade, em seu egoísmo, não queriam trocar a abundância da Pérsia pela pobreza da Judéia desolada, embora aquele fosse o lugar da bênção da aliança. Eles criam no Senhor e o reconheciam como o Deus único e verdadeiro, mas seus corações estavam voltados para as coisas deste mundo.

Sem dúvida, tais judeus são tipos dos homens mundanos em meio ao povo do Senhor hoje. Eles representam aqueles que professam fé em Cristo, mas que amam demais o mundo e a carne para renunciar a estas coisas por causa de Cristo. Eles querem ser contados junto com os remidos do Senhor, mas ao mesmo tempo desejam gozar dos prazeres terrenos por algum tempo.

O que acontecerá com esses crentes mundanos, que correspondem aos judeus da antigüidade que permaneceram na Pérsia? Apenas isto: Deus não permitirá que Seu nome se ligue ao deles, assim como não permitiu que Seu nome fosse associado ao dos judeus que ficaram na Pérsia. O Senhor vigiou aqueles judeus que amavam a Pérsia e permaneceu fiel a eles, ainda que O tivessem desprezado. Quando se viram em dificuldades, chamaram-nO, e Ele os livrou; mas não permitiu que Seu nome fosse associado ao deles. A libertação que lhes concedeu no episódio de Ester

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foi registrada para que as extraordinárias circunstâncias demonstrassem indiscutivelmente Seu cuidado providencial em favor deles; todavia, Seu nome não deveria ser mencionado uma vez sequer no relato.

Possa a ausência do nome de Deus no Livro de Ester gravar esta verdade em nossa mente: Deus não associará Seu nome aos mundanos que estão entre Seu povo hoje, assim como não faria com relação aos judeus da antigüidade na Pérsia. Através dos séculos, Deus está desenvolvendo Seu propósito para a salvação da terra. No final, os que tiverem “saído” da Babilônia deste mundo, a fim de “serem separados” para Ele, brilharão como estrelas no reino eterno. Mas os que disseram “Senhor, Senhor”, mas não renunciaram ao mundo, não serão conhecidos naquele dia. Seu registro não brilhará nos céus. Eles poderão ser salvos, como pelo fogo, mas jamais ouvirão o rei dos reis dizer-lhes: “Vinde, benditos de meu Pai! entrai na posse do reino” (Mt 25.34). A promessa do Senhor para quem vencer é esta: "... lhe darei uma pedrinha branca e sobre essa pedrinha escrito um nome novo, o qual ninguém conhece, exceto aquele que o recebe” (Ap 2.17); mas não haverá tal “segredo do Senhor” para o discípulo mundano. A descrição final dos santos glorificados diz que o próprio nome de Deus será “escrito em suas testas”; o nome de Deus, porém, jamais será gravado naqueles que amaram mais a si mesmos e ao mundo do que à santificação. É possível salvar-se do inferno, a condenação finai dos perdidos (como os judeus dos dias de Ester foram salvos do massacre), e mesmo assim perder o “eterno peso de glória” que Deus preparou para aqueles que O amam de todo o coração.

Podemos avançar ainda mais. Esses judeus persas dos dias de Ester tam bém foram tipos num sentido dispensacional e profético. Eles representavam a história da raça judaica como um todo, até o final da presente dispensação. Vemos aqui uma razão ainda mais significativa para o fato de o nome de Deus ter sido omitido no livro de Ester. Isto não pode ser mais bem explicado do que pela seguinte citação: “Esses judeus persas são um tipo de seus conterrâneos que iriam mais tarde rejeitar a salvação de Deus em Cristo e que, espalhados entre as nações, seriam re­petidamente ameaçados de destruição. O nome de Deus e o deles não foram associados durante dezenove séculos. Deus esteve atuando maravilhosamente nesses séculos; mas aqueles judeus rebeldes e Ele não se juntaram mais. O templo de Deus foi edificado e continua sendo construído agora; mas a obra está sendo feita por outras mãos que não as

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deles. As batalhas de Deus foram travadas e vencidas; mas os nomes deles não foram inscritos na gloriosa história”. Todavia, por outro lado, “ele tem vigiado Seu povo rebelde e continua a vigiá-lo. Hamã pode planejar sua destruição, mas está conspirando contra sua própria vida e a dos que lhe são caros. Todo inimigo desse povo aparentemente esquecido de Deus deve considerar isso: Deus irá vingar o mal feito a Seu povo, ainda que ele tenha desprezado Sua herança”. A descrença deles não pode fazer com que Deus esqueça Sua palavra: “... abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem” (Gn 12.3). Os judeus jamais sofreram tanto como na Alemanha, na Romênia e em outros países da Europa. A Alemanha amaldiçoa o dia em que seguiu Hitler e suas atrocidades anti-semitas; o próprio Hitler, como Hamã na antigüidade, pereceu para sempre na forca que ele mesmo erigiu.

Hamã

O perverso Hamã prefigura o “homem da iniqüidade”, cujo apa­recimento está previsto para o final da presente era, como o último e pior inimigo do povo de Deus na terra. Hamã é um tipo do “homem da iniqüidade” de seis maneiras.

Primeira, através de seu nome. Em 7.6, Ester o chama de “mau Hamã”; é também singular o fato de que o valor numérico das letras hebraicas que formam seu título é 666, o número do anticristo (Ap 13.18).

Segunda, pelo seu poder. Numa ascensão meteórica, ele supera todos os seus companheiros. Nos primeiros versículos do capítulo 3 vemos que seu lugar foi colocado acima de todos os príncipes do reino, tendo sido expedido um decreto real para que todo joelho se curvasse diante dele. Assim, ele representa a terrível “besta” de Apocalipse 13, que recebe seu poder e eminência do dragão, e o “pequeno chifre” de Daniel 7.8, que tinha olhos “como os de homem, e uma boca que falava com insolência”.

Terceira, por causa de seu orgulho. Note como ele se gaba de sua glória e riqueza a Zeres, sua mulher, e a seus amigos (5.11). Veja sua irritação presunçosa quando Mordecai se recusa a obedecer (5.13). Preste atenção em seu plano de montar o cavalo do rei, vestido com as vestes reais, usando a coroa real e sendo levado com ostentação em meio aos aplausos do povo (6.7-9). Hamã é, pois, uma figura do “homem da iniqüidade” que virá, o

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qual, segundo Paulo, “se opõe e se levanta contra tudo que se chama Deus” (2 Ts 2.4).

Quarta, devido a seu ódio. Quatro vezes ele é chamado de “inimigo dos judeus” (3.10; 8.1; 9.10,24). Cinco vezes é chamado também de “agagita” (3.1,10; 8.3,5; 9.24). Recentes descobertas revelaram que Agague era um território adjacente à Média; simbolicamente interpretada, porém, a palavra “agagita” associa Hamã aos agagitas mencionados anteriormente nas Escrituras. Agague foi rei dos amalequitas (1 Sm 15.8), que descendiam de Esaú (Gn 36.12). Amaleque sempre foi inimigo de Israel (Êx 17.16; Dt 25.17-19). Viria, porém, uma estrela de Jacó, e um cetro subiria de Israel trazendo destruição a Amaleque (Nm 24.17-20). Da mesma forma, o Novo Testamento diz que Cristo irá matar o anticristo (2 Ts 2.8). O “iníquo” vindouro será o Hamã dos últimos dias. Ele será o inimigo supremo dos judeus.

Quinta, através de sua conspiração. Ele faz com que a honesta resis­tência de Mordecai se tome uma oportunidade para a execução de nm plano de aniquilação de toda a raça judaica. Com astúcia capciosa, ele procura obter isso através do poder político, de modo que os judeus passam por grande tristeza e sofrimento (capítulos 3 e 4). Assim também será o anticristo que há de vir, o “príncipe” do mal, de Daniel 9, o qual lançará os judeus na “grande tribulação” por meio de traição política (Dn 9.26, 27).

Sexta, mediante sua condenação. Ele é terrível no poder, mas isso dura apenas alguns anos (compare 2.16 com 3.7), e seu fim é repentino e irônico. Um dia ele está cheio de vanglória, no outro pende de sua própria forca. Além disso, toda sua descendência perece com ele, pois em 9.7-14 observamos que Hamã tinha dez filhos, e todos foram enforcados com ele.

Assim também o anticristo que há de vir perecerá de modo repentino e irônico. Em 2 Tessalonicenses 2.8 temos: “será... revelado o iníquo... pela manifestação de sua vinda”. É assim que repentinamente o “homem da iniqüidade” será destruído. Aquele que venceu os homens por meio de prodígios sobrenaturais será vencido por um milagre ainda maior! Além do mais, assim como Hamã tinha dez filhos que pereceram com ele, o governo gentio, no fim da era presente, será o dos “dez reis” que reinam por “uma hora”; o anticristo atua através deles, e juntos perecerão (Dn 7; Ap 17). Portanto, Hamã é uma figura horrivelmente importante!

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Ester

Sobrou pouco espaço para falarmos do significado tipológico de Ester e Mordecai. Ester pode ser considerada um tipo da Igreja.

Em primeiro lugar, ela é assim em seus ancestrais judeus. Era filha de judeus, mas seus pais haviam morrido. Mesmo assim, a igreja, se considerada historicamente, surgiu de ancestrais judeus. O próprio " ' r e r a ’ ' ;u ~ crituras que prepararam o cam: 3 para a igrejacristã eram judaicas. A primeira comunidade cristã era judaica. Tod; ao surgir do judaísmo, a igreja carregava consigo o sinal de qi antecedente judaico já estava morto. A lei foi abolida em C ristoçS^r mosaica já passara. Do mesmo modo como os pais de EsW íM viam morrido, também não mais existia o antecedente jud . y Q J } u a igreja procedia.

Em segundo lugar, Ester é um tipo da i:Deus lhe dera uma beleza que superava também Deus deu à Igreja de Cristo oa. bfel do próprio Cristo. Nós nos tornai “aceitos no amado”. Seremos ai “igreja gloriosa, sem m áculanem

eza feminina. :s outras. Assim

insuperável — a beleza e Deus em Cristo”. Somos

tados como a noiva de Cristo, f nem cousa semelhante” (Ef 5.27).

Em terceiro lugar, Estef^tt^ifica a igreja em sua exaltação. Ela se casa com um homem ci^b/ffitikLÊía “rei dos reis”. Embora Assuero, em seu caráter pessoal, e s T v \ \ 'onge de tipificar a Cristo, mesmo assim, por ser um “rei dos V è i s ^ x p m u i t o bem representar para nós o noivo real da igreja, o q$all a^jàxo, é “o Rei dos reis e Senhor dos senhores”.

Em^&yWtó/lugar, Ester tipifica a igreja em sua intercessão. Ela \ diante do rei “no terceiro dia”, simbolizando a ressurreição

^ m tè rc e s s ã o no poder da ressurreição. Era contra a “lei” o fato de Ester \ \ apresentar assim ao rei; daquele modo, a lei a excluía. No entanto, foi aceita com base na graça apenas, pois o rei a viu nos trajes reais que lhe dera (5.1). Nós também somos excluídos pela lei, mas somos plenamente aceitos com base em generosa graça, quando aparecemos nos trajes reais que Cristo nos deu. Os judeus foram livrados mediante a intercessão de Ester. Não será através da intercessão dos sacerdotes piedosos da igreja que o livramento chegará par a os judeus em sua tribulação/ma/? As “taças de ouro cheias de incenso” não são chamadas de “orações dos santos” (Ap 5.8)?

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Mordecai

Quanto a Mordecai, ele pode representar perfeitamente o fiel re­manescente judeu que será preservado através da grande tribulação, a fim de entrar no reino milenar. Consideremos isto de quatro modos.

Primeiro, em sua recusa de inclinar-se diante de Hamã. Quando os servos do rei perguntaram a Mordecai: “Por que transgrides as ordens do rei?”(3.3), ele lhes declarou “que era judeu” (3.4). Sua recusa, portanto, baseava-se claramente em sua fé judaica. Não poderia render a um homem aquilo que só era devido a Deus; da mesma forma, na última tribulação o fiel remanescente judeu não se inclinará perante a besta nem receberá sua marca.

Segundo, Mordecai tipifica os judeus do período da tribulação em sua amarga tristeza, jejum e choro, que são compartilhados por milhares de outros judeus e que prefiguram aquela preparação de arrependimento que, finalmente, fará com que vejam “aquele a quem traspassaram” (Jo 19.37) e O aceitem como seu Rei.

Terceiro, ele tipifica o rem anescente judeu em seu livramento maravilhoso. Assim como ele foi salvo, o mesmo acontecerá com seus irmãos no futuro. O capítulo 7 de Apocalipse mostra-nos a colocação do selo sobre o remanescente judeu, antes que a “ira de Deus” seja derramada sobre a terra. Eles são selados e salvos.

Quarto, Mordecai tipifica esse povo em sua maravilhosa exaltação. O capítulo final de Ester mostra que ele foi exaltado acima de todos os seus companheiros e nomeado primeiro-ministro da Pérsia, o segundo homem em importância depois do rei e da rainha! Através do remanescente fiel, os judeus e Jerusalém terão igualmente o lugar supremo entre as nações no reino vindouro do maior Filho de Davi.

Isto encerra os dezessete livros históricos do Antigo Testamento, e aqui chegamos ao final do volume 2 deste nosso estudo.