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Jogo Do Vadiao

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leitura com atividades.

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  • O Jogo do Vadio - Ernesto Rosa

    Fonte digitalArquivo enviado pelo Autor

    [email protected]

    1a. edio em cola e papelEd. Alfa-Omega 1987 (esgotada)

    Transcrio para eBookeBooksBrasil

    2009 Ernesto Rosa

    USO NO COMERCIAL * VEDADO USO COMERCIAL

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  • O JOGO DO VADIOErnesto Rosa

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  • NDICE

    O rapto..................................................... 5As ilhas.................................................... 9Primeiras transas...................................... 15O depsito................................................ 20O vadio................................................... 24O vadio quebra valor................................. 32Todos na Corte........................................ 40A civilizao............................................ 44O jogo do vadio...................................... 47Anlise Scio-Econmica........................ 50O Autor.........................................................57

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  • O RAPTOEstive preso e no era cadeia; fiz dinheiro que no era

    dinheiro; vivi em um pas que no era pas. Vivi fora desse mundo em uma terra de dez habitantes... Foram muitas aventuras e problemas, mas posso dizer que tenho histria para contar!

    Meu nome Carlos Tavares, mas me tratam por Cac. Minha vida foi sempre muito sossegada at a terrvel noite do assalto, quando tudo mudou...

    Vivi com meu pai, aprendi a profisso de lavrador e, uma vez, fiz com ele uma viagem minha primeira viagem assim mais longe. Meu pai tinha que acertar uma papelada em Capo das Cruzes e, no segundo dia, noite, escolhemos um lugar mais limpo, debaixo de uma grande gameleira, para o pernoite. Amarramos os cavalos j desarreados e, enquanto esquentvamos a comida numa fogueira, eles chegaram.

    Eram quatro, armados. Meu pai reagiu e foi baleado. Fui levado por eles para no sei onde; no pude acudir meu pai e nem sei se morreu!

    Andamos muito por umas quebradas desconhecidas. Depois pegamos um barco, navegamos dois dias num rio largo de guas mansas e chegamos. No tive descanso. Direto para o batente na roa, de sol a sol poca de colheita.

    Era muita gente no trabalho forado: meninos, meninas, homens e mulheres. Trabalho pesado... Sempre tinha muita coisa a fazer, mesmo depois da colheita.

    A fazenda era um imenso desmatamento. Somente na beirada do rio, havia mata. Depois eram plantaes e mais plantaes. Quem passasse de barco nada perceberia.

    A vigilncia era severa e feita por jagunos bem armados

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  • e mal-encarados. De vez em quando, sumia um dos nossos, geralmente quando escutvamos tiros.

    A idia nica era... fugir. Qualquer lugar seria melhor ou menos pior.

    Fiquei preso por ali umas trs colheitas. J conhecia a regio e vrios outros forados, j confiava em alguns. J confiava em alguns, mas no tanto para contar um segredo.

    ... O segredo do tesouro!Um dia, chegou um cavaleiro em disparada numa mula

    alta e fogosa. O vento balanou um pano no varal e a mula se assustou, rodopiou e caiu com o homem bem perto de mim. Alguma coisa correu da bolsa que estava presa na garupa e rolou para debaixo de um tronco cado no cho. O homem nem percebeu e nem me viu... Montou na mula, que j estava de p e no parava de sapatear, e prosseguiu desabalado sob poeira intensa. Devia ser algo bem importante... Corri para o tronco, peguei o objeto era uma caixinha afastei-me do lugar e o enterrei colocando uma pedra por cima para marcar o lugar. Ah! No demorou muito e l vinha o homem de volta com mais outros dois. Apearam no lugar da queda e comearam a procurar. Depois, foram andando por onde o homem da mula tinha chegado, sempre procurando. Demoraram muito tempo e voltaram.

    Comearam uns dias difceis. Eles achavam que algum de ns tinha pegado a caixinha, mas no tinham certeza. Muita violncia, ameaas, castigos, muito trabalho forado... Ningum sabia de nada. Passaram-se muitos dias at surgir uma oportunidade para eu examinar a caixinha. Era um papel muito velho e amarelado. Aqui est:

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  • No entendi nada! Tornei a esconder muito bem o papel, mas no sabia at quando agentaria tanta violncia. Todos estavam revoltados e achei melhor deixar assim. Aconteceria alguma coisa.

    Preparamos uma fuga, mas o plano era a gente se separar. Todos queriam subir o rio para os lados da civilizao e eu queria descer cada vez mais para o serto e esperar melhor oportunidade para voltar, se possvel, por outro caminho. O importante era fugir e no ser recapturado.

    A oportunidade to esperada aconteceu numa noite nublada e escura. No grande barraco em que dormamos, foramos uma janela que, h tempos, vinha sendo abalada aos poucos. Conseguimos abri-la. Samos de um em um em silncio. Todos sabamos o que fazer. Incendiamos o depsito

    Eu, Capito Alvaro Leme de Macedo, no ano de 1670, comandando uma Bandeira que sara para aprisionar ndios para a escravido, consegui juntar riqueza em

    pedras preciosas. Uma estranha febre com convulses comeou a dizimar meus comandados e tambm muitos ndios que havamos aprisionado e,

    agora, no podendo mais carregar esta arca de pedrarias, resolvi enterr-la para depois voltar em

    sua busca. Cheguei s margens de um caudaloso rio que nem sei o nome. As indicaes do local vo

    abaixo:

    DLOPCP ZJPOBZCFOUQ VXUGTLPPBUA GHEUQ BTEQQFUJ DOULABO

    C RIU BBHUQ JL XCJQNM MLOQRFUSI DNXJAA JLONM AB LCAOU X

    MVNRFO ZC RIU DBJZX JV LCAOUBFOARVIALQB ZGOBXXL OEM ABT

    NVPOMP HUPDLO IBIA

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  • para ocupar a jagunada e corremos para o mato... No sei mais nada! Corri sozinho para as barrancas do rio, escutei muitos tiros e gritos, vi o claro do incndio, encontrei uma canoa onde elas costumavam ficar e remei a noite toda, rio abaixo, sem descanso. Minhas foras vinham da grande vontade de fugir.

    Levava algumas ferramentas, um pouco de carne seca e farinha. Antes de clarear, achei melhor me esconder. Toquei para a margem, puxei a canoa para o meio do mato, mastiguei um pouco de comida, deitei-me e dormi agitado e livre. S pensava em no ser apanhado outra vez.

    Fiquei o dia todo escondido. O sol j tinha dobrado quando passou um barco de guardas. Estavam procurando fugitivos e eu no podia saber se era o nico que ainda estava livre. Fiquei esperando o escurecer para voltar com o barco gua outra vez.

    A noite chegou, mas eles no tinham voltado... Fiquei esperando. Escutei um miado de ona por perto, subi em uma rvore e fiquei espreitando o rio. L pelas tantas, vi a canoa voltando. Contei a jagunada, era o mesmo nmero.

    Deixei passar um tempo depois que desapareceram na curva mansa do rio e pulei para a gua. Remei muito. Depois, cansado, deixei a canoa descer, levada pela correnteza, e fiquei olhando as ondinhas brincando de brilhar e rebrilhar a lua num acende-apaga incessante.

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  • AS ILHASNo fim da segunda noite dentro do barco, j comeando a

    esbranquiar o horizonte de uma madrugada fresca, acordei com as corredeiras. Pensei logo numa cachoeira! A canoa jogava muito e eu, com o remo, tentava control-la. A velocidade aumentava e no via como escapar. A gua entrava na canoa que ameaava afundar. Tentava me desviar das pedras. Aproximar da margem era impossvel. Pensava rpido: ou cair na cachoeira e tentar mergulhar ou me agarrar a uma rocha e ficar sem sada. A velocidade aumentava... quase me atirei na gua...

    A que percebi serem apenas corredeiras. Meu nico problema era manter-me tona at chegar a guas mansas. O barco jogou muito ameaadoramente, mas se agentou no sei como. Passado o perigo, a canoa estava com bastante gua. Aproximei-me de umas ilhas grandes onde, pelo meio delas, o rio se ramificava em vrios canais. Encostei com cuidado, escondi a canoa no barranco por entre a folhagem e esperei o sol para melhor examinar a ilha.

    Das grimpas de uma rvore mais alta, observei o grande vale cortado pelo caudaloso rio. Um vale imenso, verde a perder de vista, com montanhas azuis l no horizonte. Um aspecto de quietude, de paz que me impressionava! Mas naquela mataria, havia muitos tipos de animais escondidos. E ndios que podiam estar com raiva do que sofriam nas mos de alguns civilizados! Quantos segredos aquela selva escondia pelo vale afora?

    Passou um gavio com um grito estridente.Desci para percorrer a ilha. O lugar era muito agradvel,

    os pssaros cantavam com a alvorada do novo dia e as flores

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  • exalavam um aroma suave um lugar ermo e silencioso que me fez dono do mundo.

    Revi todos os acontecimentos passados e comecei a pensar e sonhar se poderia sobreviver na selva e se conseguiria voltar um dia... Como estaria minha famlia, meu pai, minha casa... Foi a que levei um susto!

    Era barulho de gente e podia ser perigoso! Aproximei-me com cuidado at ver; era um menino que comeava o trabalho numa plantao. No vi mais ningum. Ele trabalhava sozinho e isso eu estranhava! Um sujeito que trabalhava sem ningum vigiando. Um sujeito no sujeitado no pode ser mau sujeito!... Ou seria o contrrio?

    Fiquei olhando mais algum tempo. Estava com minha faca. Fui me aproximando, aproximando... De repente o menino me viu e se assustou... Assustou-se mesmo, mas quando viu que eu estava sozinho, foi se acalmando. Conversamos. Ele tambm tinha a sua histria e seus motivos para estar ali. Ele e os outros. Contou-me que eram nove, um em cada ilha. Cada uma servia apenas para uma pessoa morar, porque eram ilhas pequenas.

    Disse-me para ficar com eles.Chamava-se Guigo. Ajudei-o durante todo o dia.

    Plantava arroz furando a terra com um pedao de pau pontudo, jogava dentro as sementes e cobria empurrando a terra com o p.

    No fim do dia fomos para uma curiosa ilha central, onde todos se reuniam noitinha para um papo, cantorias e brincadeiras ao redor de uma fogueira. A conheci os outros oito e comecei a compreender como viviam. Eram duas meninas e seis meninos contando comigo. Tambm tinham dois homens muito legais: o Joaquim Torto e o Peroba. Cada um contou sua histria o que levou um bom tempo.

    Eles se chamavam de irmos. Cada um na sua ilha durante o dia fazendo as suas coisas e trabalhando na lavoura.

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  • Cada um com seu rancho onde fazia sua comida. De tarde, pegavam as canoas, percorriam as armadilhas e levavam as caas para a ilha central chamada de Corte. Ali acendiam a fogueira e repartiam o churrasco com bons papos. Era tudo muito simples e fraternal.

    Todos queriam que eu ficasse, que eu fosse tambm um irmo. Mostraram-me uma ilha onde poderia ficar e entrei na turma.

    Era costume a ajuda mtua quando necessria e, nos primeiros dias, todos acorreram a me ajudar na construo de um rancho e dar incio lavoura. Minha ilha ficava mais para o lado direito do rio entre o Guigo e a Tucha. Tinha boa vegetao, com algumas frutas e razes comestveis. Sua mata, aos poucos, ia ficando limpa com bancos aqui e ali onde me assentava para ver o rio andar manso e pesado. O rancho, bem construdo, possua uma sala grande com mesa, bancos e fogo; um quarto com uma cama que era feita com quatro forquilhas fincadas no cho e tiras de couro tranadas.

    Sempre atravessava o rio para colocar as armadilhas e alapes. Aprendi a caar com Idandamboapi, um ndio que chegou sozinho s ilhas, depois de muito andar quando sua tribo foi dizimada e suas terras ocupadas com a chegada dos

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  • tratores... Seu nome foi abreviado para Dandam.O arroz e o feijo que plantvamos era a garantia de

    sobrevivncia. A lavoura, mesmo to primitiva, sem ferramentas, dava um resultado certo que sustentava. Ns no tnhamos dinheiro, no tnhamos capital. Construmos nossa sociedade, nossos ranchos e nossas lavouras usando o trabalho. Lembrava-me dos livros de Histria. No Egito antigo ainda no havia sido inventada a moeda. Eles construram suas cidades, prdios, palcios, lavouras, barcos utilizando o trabalho.

    Era decisivo o fato de sermos dez pessoas, pois se um ficava doente muitos dias ou em dificuldade, os outros acudiam. Sobreviver sozinho impossvel. Precisvamos nos proteger e ajudar de modo a sermos fortes.

    A Corte era uma ilha que ficava no meio das outras. Quem chegasse corte descendo o rio veria um morro alto que cortava a gua como um barco. Do outro lado, ele era liso e quase vertical. O resto da ilha era plano tendo, de um lado, um pouco de rvores e, no mais, era terra ruim, praias e barro que servia para cermica. Com ele, fazamos algumas vasilhas. Perto do morro havia um grande jequitib pau de binga que dava uma excelente sombra por sobre a grama onde nos reunamos. O morro era todo de pedra e descia como uma parede que s no era completamente lisa por causa de uma fenda, estreita em cima, alargando-se para baixo at caber uma pessoa, quase formando uma gruta.

    As tardes na Corte eram divertidas: os papos, o churrasco, as histrias, as msicas com o Tuca na flauta de bambu e a ngela que tocava uma espcie de maraca.

    Eram jogos, brincadeiras e estudos at certa hora; depois ia cada um para a sua ilha.

    Claro, havia problemas, mas eles eram resolvidos em

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  • comum. Em toda sociedade h problemas o que varia a forma de resolv-los. Fazamos excurses para caa, pesca e sondagens da regio. As ilhas possuam muitos atrativos. A ltima ilha, l de baixo do Batrinho, possua uma ponta, lembrando uma restinga, que era toda de areia branca e solta lugar timo para as nossas correrias. Ali sempre encontrvamos ovos de tartaruga.

    s vezes, fazamos grandes excurses. Saamos das ilhas, atravessvamos o rio e caminhvamos pelo mato adentro cada vez numa direo diferente. J conhecamos bem a selva ao redor. Saamos armados de facas, flechas e lanas. Andvamos muito e nunca encontramos sinal de civilizao. Havia uma clareira que era uma taba abandonada. ndio mesmo, s o nosso Dandam! Uma vez, encontramos melancias num dia de muito calor... Fiquei at com medo de que algum passasse mal. Trouxemos sementes para plantar...

    Mais fcil que trazer melancias.Numa excurso, encontramos uma coisa que resolveu um

    dos nossos grandes problemas. Chegamos a um lugar com um mato de grandes rvores, mas de cho pisado como se fosse passagem de muitos bichos. Fomos explorando com cuidado, em silncio. Era um terreno diferente. Avistamos um veado lambendo uma espcie de buraco numa rocha alta coberta de plantas. Foi rpido porque ele fugiu amedrontado. Tratamos de ver o que era aquilo. Por baixo das plantas e de uma camada de terra, tinha uma rocha branca que aparecia no buraco. J estava desgastada no lugar das lambidas dos animais. Quebramos um pedao e experimentamos: era sal! De vez em quando fazamos excurses para apanhar sal-gema, que depois era modo na Corte. Os churrascos passaram a ter novo atrativo. Engraado! As chuvas vo levando, pouco a pouco, todos estes sais para o mar... Algum dia, s vo sobrar minas de sais subterrneas!

    Um dia, na Corte, mostrei a carta cifrada para a Tucha.

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  • Ela ficou muito impressionada e queria decifr-la. Lemos de trs para diante. Nada! Trocamos todas as letras pelas seguintes no alfabeto. Nada! Trocamos pelas que antecedem. Nada! No dava para entender. Acabamos chamando todos para ajudar, mas ningum atinava com o segredo. Dandam s olhava a ltima palavra IBI. Ele disse que, na sua linguagem, significa morro cortado. Algum gritou: Veja!... Todos olhamos para o morro cortado de cima abaixo pela fenda. Isso nos causou muita excitao. S faltava o tesouro estar por ali!... Corremos todos para a fenda, escavamos depressa por ali tudo e... Nada! No deixamos um lugar sem escavar dentro da gruta. Dava at para plantar uma roa como naquela histria em que o tesouro era a colheita. Durante vrios dias, tentamos decifrar o segredo. No conseguimos! Contamos as vogais e vimos que, da letra A, havia 11; da E, 3; da I, 6; da O, 15 e da U, 13. Isto no conduziu a nada. A palavra RIU aparecia duas vezes. Tambm duas vezes ocorria LCAOU. No surgiu idia nova!

    Muitos dos irmos passaram por escolas, mas somente Tucha havia lido "A Jangada" de Jlio Verne. Ela estava convencida de que a nossa carta cifrada era do tipo de transposio de letras usada naquele livro, s que o Capito Leme era duzentos anos mais antigo que Joo Garral. Se fosse transposio de letras, s poderamos decifr-lo com o cdigo. Era impossvel sem o cdigo! Fomos abandonando a idia de decifrao, esperando ocorrer algo novo, e voltamo-nos aos poucos aos nossos afazeres, que tinham um resultado mais garantido.

    Outras coisas muito importantes estavam para ocorrer conosco. Vou contar, pois estes fatos acabaram sendo decisivos.

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  • PRIMEIRAS TRANSASEu estava com uma idia na cabea fazia tempos e, no

    fim das colheitas, falei com todos numa tarde na Corte:Estive pensando... Cada irmo planta arroz e feijo so duas lavouras para cada um. A gente podia combinar uma diviso de trabalho: metade de ns planta s arroz e a outra metade, feijo... Depois fazemos as trocas.

    A discusso foi at tarde e resolvemos fazer uma experincia. Cinco de ns plantariam s arroz e os outros cinco, s feijo.E assim foi feito e deu certo. Cada um se preocupava apenas com uma lavoura de tamanho maior, um s tipo de trabalho o que acabou aumentando a produo.

    Continuamos nossas caadas, churrascos, papos e brincadeiras sem imaginar o que estava por acontecer!

    Na colheita, verificamos uma coisa muito interessante: Peroba colheu cem litros de arroz e comeou a perturbar o Joaquim Torto, que havia colhido apenas oitenta litros de feijo.

    , Joaquim Torto! Voc ruim de trabalho mesmo, hem? Colhi cem litros e voc, s oitenta!

    Joaquim Torto no gostou da histria. Ele era trabalhador, mas tinha colhido apenas 80 litros. Respondeu bravo, mas tambm brincando. Dali a pouco, j estavam rolando na grama. Peroba montou em Joaquim Torto tentando imobiliz-lo no cho:

    Quieta, gua... oua!...Joaquim Torto se contorceu, conseguiu derrubar Peroba e

    o agarrou com uma gravata, deixando sua orelha vermelha. A luta continuou at arriarem foras. Este era um jogo comum

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  • nas ilhas. Depois, quando terminamos nossas colheitas, verificamos

    que o que acontecera com Joaquim Torto e Peroba acontecera com todos. Cada plantador de arroz colhera cem litros enquanto que cada plantador de feijo colhera oitenta litros. Isto era natural: o feijo, naquelas terras, era menos produtivo que o arroz. At dava certo porque a gente costuma comer menos feijo que arroz.

    noite, na Corte, algum rabiscou com carvo na pedra lisa do morro iluminada pela fogueira:

    meu feijo seu arroz 80 litros l00 litros

    Tudo estava bem, mas deu um problema que no foi fcil... Uma briga danada! Tudo porque o arroz dava cem litros por ano e o feijo, apenas oitenta. Aconteceu o seguinte. Joaquim Torto pegou quarenta dos seus oitenta litros de feijo, colocou na canoa e tocou para a ilha do Peroba, que tinha plantado arroz e colhido cem litros. Foi fazer a troca:

    , Peroba. Trouxe quarenta litros de feijo para trocar por arroz.

    Certo, Joaquim Torto, vou buscar e j volto.Veio com quarenta litros de arroz para trocar e o Joaquim Torto logo falou:

    pa, pera... Voc tem que dar cinqenta litros de arroz!

    Que isto, Joaquim Torto! Voc me d quarenta e quer cinqenta em troca?Brigaram, o Joaquim Torto foi embora e, de tarde, estavam na Corte, de cara amarrada. Todo mundo ficou sabendo e comeou a discusso.

    Os que plantavam feijo queriam trocar quarenta litros de feijo por cinqenta litros de arroz, os que plantavam arroz queriam trocar pau-a-pau e at havia uma a ngela que queria trocar quarenta de arroz por cinqenta de feijo, mas

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  • ningum lhe dava ateno.Aos poucos, ficou claro que, se fosse pau-a-pau, ningum iria plantar feijo na outra safra.A, o Joaquim Torto falou:

    Bonito!... Se eu trocar quarenta por quarenta, fico com quarenta de feijo e quarenta de arroz; e ele fica com quarenta de feijo e sessenta de arroz. Pegou depressa um carvo e escreveu na pedra do morro.

    Agora, se trocar quarenta por cinqenta, a conta essa:

    e ficaremos com noventa litros para cada um!Isto liquidou a discusso. Todos aceitaram trocar

    quarenta de feijo por cinqenta de arroz, mas no sabiam por qu. Fizeram as trocas, ficou tudo acertado, menos na cabea: no sabiam por qu. Este era um assunto dos seres na Corte: o justo trocar quarenta por cinqenta, mas por que?

    Quem resolveu este problema fui eu. A idia me chegou durante o trabalho na ilha, semeando e afundando os ps na terra afofada. De tarde, fui para a Corte contar para os outros:

    fcil disse quarenta litros de feijo o mesmo que metade do trabalho de um ano e cinqenta litros de arroz tambm . O feijo mais trabalhoso e o arroz d menos trabalho. Quarenta por cinqenta significa seis meses de trabalho por seis meses de trabalho. Estamos trocando trabalho, a est a igualdade! Quarenta litros de feijo possuem o mesmo valor que cinqenta litros de arroz. A base de troca 4 por 5 e qualquer outra base transfere valor de uma

    meu feijo seu arroz40 40+ +40 60

    meu feijo seu arroz40 50+ +40 50

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  • pessoa para outra.Como esse negcio de transferir valor? Perguntou

    Peroba.Tucha explicou:Se for trocado 40 litros de arroz por 40 de feijo, quem

    plantou feijo trabalhou uns dias de graa para o outro.Quantos dias?A pessoa que plantou feijo perdeu 10 litros de arroz, ou

    seja, 10% do trabalho, que equivale a mais de um ms trabalhado de graa para o outro.

    A discusso continuou por a a fora... Mas j ficara tudo transparente. O problema estava resolvido e as coisas voltaram a funcionar bem. Quem plantou arroz mudou para feijo para variar e descansar a terra, e vice-versa.

    O churrasco estava ficando pronto. Era um imenso surubim que o Dandam tinha apanhado na armadilha. Foi devorado rapidamente, s ficando a cabea e as espinhas. Tambm, a cabea quase metade do surubim!...

    Num dia mais folgado, o Guigo que era louco por futebol pegou barro na Corte, fez uma bola em duas metades com casca bem fina e ps para endurecer. Enrolou fibra por cima e deixou secar com goma. Quebrou a bola de barro com cuidado e retirou os pedaos ficando com uma bola de fibra tranada. Retirou ltex de uma seringueira, revestiu a bola com grossura de um dedo e ps para ferver. Pronto! Estava feita a nossa primeira bola de ltex para jogos. Mais uma atividade na Corte! Principalmente aos domingos, quando ficvamos o dia inteiro jogando, nadando, jogando dama e tantas outras diverses. Para cada sete dias tinha um domingo e no sabamos se era no mesmo dia que nas cidades. Era o nosso domingo!

    Cada vez mais amos aperfeioando as armadilhas. Pegvamos aves, peixes, bichos de plo e, s vezes, uma tartaruga. O churrasco era repartido e, se sobrava, cada um

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  • levava um pouco para a refeio do outro dia sozinho na ilha.s vezes, sobrava bicho sem matar. Era assim que num

    viveiro havia mutuns, saracuras e nhambus; noutro havia capivaras, pacas e um filhote de anta. Porm ainda no tnhamos conseguido faz-los se reproduzir.

    Tucha tinha pegado um filhote de papagaio, que cresceu e aprendeu a falar. Tambm, s tinha que aprender, a Tucha gosta de um papo!... Agora s currupaco paco paco o dia inteiro.

    Nas ilhas, todo dia tinha uma novidade!A Tucha parece que gostava de conversar mais era

    comigo. E eu tambm, com ela! Nadvamos juntos, andvamos pela floresta. s vezes, olhava para mim e eu, para ela. Que coisa... Como era bonita!

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  • O DEPSITOEm um dia de folga, com a roa j capinada esperando as

    flores, fui bater papo com o Guima. Ele, sempre que podia, ficava mexendo com suas invenes: armadilhas, engenhocas, trincos e outras coisas. Estava terminando um arco e flechas. Conversa vai, conversa vem, tivemos algumas idias sobre a nossa vida e a levamos de tarde para a Corte:

    Gente, esse negcio das trocas de feijo e arroz deve ser melhorado. D trabalho procurar quem queira trocar e d trabalho ir de ilha em ilha carregando peso pra l e pra c.

    Podemos fazer o seguinte: a gente constri um depsito aqui na Corte e, quando chegar as colheitas, todos trazemos o arroz e o feijo para guardar. Durante o ano, vamos buscando quando for preciso.

    Discutimos bastante. O churrasco estava muito fraco: uns peixes pequenos e umas pombas. No fim, a maioria achava boa a idia, alguns estavam contra e fomos embora adiando a deciso... Nem havia pressa!

    Depois de muitos dias e muitas discusses, a coisa comeou a tomar forma quando o Guigo disse:

    Acho que devemos construir o depsito e, para evitar enganos e complicaes, devemos distribuir vales para todos. Acho que deveriam ser cem vales para cada um e, depois, quem quiser retirar mantimentos, s trazer vales.

    Todos gostaram da idia e ficou decidido isto mesmo: cem vales para cada um.Comeou a obra! Todas as tardes, perto do jequitib, antes do churrasco, trabalhvamos na construo de um grande barraco com um terrao de fora a fora para nos abrigar se chovesse quando estivssemos na Corte. Fizemos uma churrasqueira

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  • encostada no grande morro de pedra. Os vales foram feitos de couro de cobra. Uma sucuri dava muitos vales e o Batrinho tinha matado uma muito grande. Justo o Batrinho o menorzinho de todos.

    Quando chegaram as colheitas, comeou a funcionar. O primeiro foi o Tuca. Trouxe cem litros de arroz e retirou cem vales. Depois veio a ngela. Deixou oitenta litros de feijo e retirou cem vales. Assim, logo depois das colheitas, o depsito estava cheio e os mil vales cem para cada um estavam distribudos entre os irmos.

    A Corte ferveu logo! Desta vez, a crise foi feia gerando um grande mal estar... A ngela trocou dez vales por dez litros de feijo. Todos sabiam que era errado, mas sem saber por qu.

    Quem depositou oitenta litros de feijo devia ter recebido oitenta vales, e no cem, disse o Peroba.

    No retrucou o Tuca deve receber cem. Somos todos irmos e nem h o que discutir: teve o mesmo trabalho que quem plantou arroz. Trabalho igual, mesmo valor, vales iguais.

    Mas isso no d certo.Calma disse eu j sei o que aconteceu. Quem

    depositou cem litros de arroz e retirou cem vales, trocou um vale por um litro! Escrevi na pedra com carvo:

    Agora, quem depositou oitenta litros de feijo e retirou cem vales, deve poder retirar de volta os oitenta litros com os cem vales. Cem vales valem oitenta litros. Escrevi na pedra:

    100 100 0 1

    100 80 200 1,25 400 0

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  • Dividindo os cem vales em oitenta partes, um para cada litro, encontramos que um litro de feijo deve ser trocado por 1,25 vales. Devemos fazer um sistema de vales para troco.

    Assim ficou resolvido. A ngela devolveu dois litros de feijo ficando dez vales por oito litros e tudo se normalizou. O feijo d mais trabalho, mais caro!

    O depsito ficou funcionando deste modo. No incio, toda a produo estava no depsito e todos os mil vales, em circulao. Durante o ano, os vales foram voltando para o depsito que, no fim, estava vazio, mas com mil vales numa caixa. Durante alguns anos, tudo funcionou muito bem com todos satisfeitos. Para todos estava claro o mecanismo das trocas. S o Peroba fazia o que tinha de fazer, mas no gostava de entender.

    s vezes, nos seres da Corte, entre um churrasco e outro, ainda surgiam comentrios: Puxa!... disse o Batrinho como agora est claro o sistema de vales... Com a prtica, compreendi tudo muito bem. Imagine se um vale fosse trocado por um litro de feijo!... ningum plantaria feijo... Que crise conseguimos superar!

    Interessante! Cada medida que tomamos para melhorar nossas vidas gera uma crise a ser superada.

    verdade. Agora, tudo est acertado. A nica coisa de que no gosto ficar sem vales no fim

    reclamou a Tucha. Seria bom se a produo no fosse toda na mesma poca, assim sempre estaria entrando mercadoria no depsito e saindo vales para compensar os que entrassem.

    Um dia, tivemos um alvoroo!Tuca viu uma canoa se aproximando sem remadores. Deu

    o alarme que correu de ilha em ilha. ngela e Guigo correram para a praia, os trs moravam nas primeiras ilhas.

    A canoa se dirigia para a ilha do Guigo e todos se encaminharam para l. Puxaram o barco que exalava um

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  • cheiro horrvel e viram dois homens deitados, muito feridos de tiros. Logo perceberam que um estava morto h tempos. Tiveram que atir-lo gua. Retiraram o outro e o levaram para o rancho do Guigo. Estava muito ferido e murmurava coisas desconexas. Falava em mquinas e Mister Ruquert ou coisa parecida e muitos sons desconhecidos.

    Era preciso retirar as balas do corpo, mas ele estava muito fraco. Demos comida, ch de ervas e ficamos aguardando. Foram trs dias de febre que o deixou variando e dizendo coisas ininteligveis. Depois morreu.

    Resolvemos enterr-lo e ficamos sem saber o que tinha acontecido, mas devia ser uma das histrias j nossas conhecidas. Aproveitamos sua canoa e alguns objetos que trazia.

    Ficamos todos agitados!Ser que nosso sossego seria perturbado algum dia?

    Chegaria mais gente? Quem matou aqueles dois homens? Que significava aquelas duas palavras que dissera? Tudo isso foi assunto na Corte durante muito tempo.

    Notamos que gostvamos das ilhas, onde tantas coisas j havamos feito. Comeamos a duvidar da nossa vontade de um dia voltar para a civilizao. Estvamos partidos ao meio: queramos ficar e queramos ir embora. Eu j fazia os meus planos. Tantos anos longe... Meu pai talvez morto... Que teria acontecido com minha me?

    Ser que a Tucha voltaria? Bem!... Aqueles dois mortos serviam para mostrar que a civilizao no um lugar muito seguro para se viver, mas... Queria voltar assim mesmo.

    23

  • O VADIOA poca da colheita estava chegando e eu j tinha novas

    idias. No sabia como a Corte as receberia, principalmente depois das crises provocadas pelas primeiras mudanas que fizemos nas ilhas. Idias novas so sempre repelidas num primeiro contato.

    Num sero menos animado, eu disse: Olha, pessoal... Chegando a colheita, pensei em dar

    frias de um ano para cada um, um por vez, por sorteio.Todo mundo deu risada. E quem vai dar comida para ele? Calma. Deixem-me explicar tudo. J temos dois

    trabalhos: plantar arroz e plantar feijo. Agora, proponho um terceiro. Vocs sabem que o depsito funciona bem, mas, s vezes, ocorrem enganos. Proponho que um de ns dez fique de fora da lavoura, s tomando conta do depsito, recolhendo colheitas, distribuindo vales e efetuando as trocas durante o ano.

    Quebrou o pau! Muita discusso. A maioria contra. Na verdade, s eu, o Guigo e o Guima ramos a favor.

    Todo o dia, o assunto voltava para a discusso na Corte.Um dia, Joaquim Torto disse que tinha mudado de idia. Achava que era necessrio algum tomando conta do depsito, inclusive para Proteo contra algum estrago por animais e aves ou at contra o imprevisto. E os ratos da Corte?... Afinal, era toda a nossa produo que ali estava!

    A idia acabou vingando e o primeiro a ser sorteado foi o Dandam.

    Terminada a colheita, depositamos tudo, pegamos os cem vales cada um e tudo funcionou perfeitamente bem.

    24

  • O ano todo, os nove plantavam, o Dandam tomava conta do depsito e, sempre que queramos alguma coisa, era s pegar uns vales e... L estava o Dandam atendendo. J ganhara o apelido de Vadio. Mas no era vadio... Sempre arrumava alguma coisa para fazer. De ficar toa, ningum gosta!

    Mas havia algo no ar!... Nove produzindo para dez... No sei no!...Chegou a nova colheita. Tocamos a colocar tudo no depsito e o prximo eleito foi o Guima, para Vadio, voltando Dandam para a lavoura.

    Foi a que aconteceu uma coisa engraada e sria! Pensei comigo: o ano inteiro, o Dandam no produziu, e agora recebeu cem vales sem colocar nada no depsito... Vai faltar alimento!

    Corri com meus vales para comprar um bom sortimento. Quando cheguei ao depsito, havia uma fila com todos brigando...

    Esta crise foi difcil de resolver!A discusso se prolongou pela noite adentro, longe de

    fazer aparecer proposta razovel de funcionamento do depsito.

    Ento pedi ateno e falei: J est tarde. Precisamos de mantimentos. Proponho

    que cada um de ns retire dez litros de arroz e oito de feijo a crdito, para necessidades imediatas, at termos uma soluo definitiva.

    Todos aceitaram. Tomamos o ch costumeiro de vrias plantas e fomos para os ranchos.

    Da em diante, todas as noites, o assunto era o mesmo: como resolver o problema? Como retirar o mantimento do depsito?

    A produo cara dez por cento. No lugar de dez, havia

    25

  • apenas nove produzindo. Se fssemos comprando, no fim sobrariam vales em nossas mos, sem controle uns teriam comprado mais que os outros!

    A primeira proposta foi do Joaquim Torto: s retirar dez vales de cada um. Cada um fica com

    noventa e teremos noventa vales circulando, ficando certo com o produzido pelos nove que plantaram. Devemos cortar dez por cento dos vales em circulao.

    pa, disse o Peroba, o meu trabalho foi o mesmo do ano passado. Quero os meus cem vales.

    , sua anta! De qualquer jeito, voc vai retirar do depsito menos do que no ano passado. Estamos em crise!

    O negcio acabar com o Vadio. Depois discutiremos isto. Agora vamos resolver o

    problema do depsito. ... Podemos cortar dez por cento de todos os vales.

    Discusso vai, discusso vem, Tucha props: Outro modo aumentando o preo. Coloquei cem litros

    de arroz e s posso retirar noventa com os meus cem vales. Ento, caiu o preo do vale e subiu o preo do arroz.

    Todos escutavam atentos. Pegou um carvo e foi escrever numa pedra.

    Pronto! Um litro de arroz custar 1,111... vales. pa! pa! pa! Seu ministro era o Peroba falando

    que est querendo fazer? Como vou ter certeza de que isto est justo? Vocs esto manipulando os preos... Eu, hem!

    Calma! At voc vai entender...O Batrinho perguntou: E o feijo?Tucha continuou com as contas.

    100 90 100 1,1... 10

    26

  • Quem colocou oitenta litros de feijo pode retirar apenas setenta e dois com os vales. Dez por cento menos.

    A est! Um litro de feijo custa 1,3888... vales.Todos ficaram olhando meio desconfiados. O Guima

    estava alegre, ajudando a explicar.Depois de novas discusses, todos resolveram

    experimentar as novas regras que acabaram se mostrando corretas na prtica.

    Depois de algum tempo, todos tinham se adaptado situao de carestia com preo mais alto. Gastavam a mesma coisa, mas comiam menos.

    E o Peroba soltava indiretas:No quero mal a ningum mas ainda bem que morreram

    aqueles dois que chegaram de barco. No pode vir mais ningum. Cada um que chegar vai aumentar os preos de tudo pois vai receber vales tambm.

    A, o Joaquim Torto disse, logo:Mas voc burro mesmo, hem? Se chegar algum que

    trabalhe para si, no haver aumento de preos. Cada um deve produzir! No o aumento de gente que causa variao de preos, mas sim o aumento de gente improdutiva.

    O Dandam correu e perguntou:, Peroba, vou te fazer uma pergunta: Um jacar come

    uma piranha em um minuto, cem jacars comem cem piranhas em quantos minutos?

    Respondeu o Peroba, rpido:Cem minutos, seu bobo, pensa que me pega?Todos demos risadas. Era por isto que ele no entendia o

    problema da variao de preos. Evidente, se chegar mais um jacar e tambm mais uma piranha, continua tudo na mesma.

    100 72 280 1,38 640 64

    27

  • Piranha no sentido ecolgico do termo!O Guima estava firme de Vadio.Alguns procuravam uma oportunidade para iniciar a

    conversa... Queriam acabar com a mamata antes do incio das plantaes. Mas era uma mamata rotativa!

    O Guima agora tinha tempo de sobra para mexer com suas artes. Estava fazendo umas coisas sem contar para ningum.

    De tarde, chegamos com nossas caas para o sero e encontramos o Batrinho j em atividade dizendo:

    Guardem as caas para amanh. Hoje, j tenho tudo preparado. Achamos estranho, pois o fogo estava apagado e os espetos, vazios. que ele tinha pegado um ja de seis palmos. Furou um buraco no cho, encheu de lenha e tocou fogo. Quando estavam somente brasas, colocou o ja cheio de tempero e enrolado em folhas de bananeira. Colocou no meio das brasas e cobriu com terra, calor concentrado. Por isso, ningum notava nada. Agora, depois do tempo certo, retirava a terra e j vinha aquele cheiro gostoso. O ja estava desmanchado dentro das folhas tostadas da bananeira!

    Foi um dia de festa e ningum se lembrou de discusses. Fomos dormir bem tarde depois de muita brincadeira e msica.

    No dia seguinte, estava examinando a ilha que ficava minha esquerda. Ela era desabitada e quase ningum ia l. Era separada da minha por um canal estreito de uns trs metros de largura de guas velozes. Resolvi fazer uma ponte. Escolhi um lugar mais alto e atravessei dois troncos de rvore. Era o que bastava, uma pinguela!

    Fiquei no novo domnio bastante tempo. O mato era bem fechado e, comparando, servia para mostrar o quanto j havamos limpado nossas ilhas.

    Encontrei mel num tronco oco de rvore. Usei fumaa e muito cuidado para retirar os favos. Pus para escorrer numa

    28

  • peneira e recolhi numa vasilha de barro. noite, falei na Corte sobre a pinguela e todos j

    queriam comear a unir todas as ilhas com pontes. Isso daria muito trabalho e algumas teriam de ser suspensas com cordas por causa da distncia.

    Conversamos sobre as pontes, falamos sobre o Vadio e o Capito Leme e fomos dormir.

    No outro dia, voltou o problema da carestia por causa do Vadio, mas parecia que todos j aceitavam o fato como definitivo. A maioria no queria mais discusso:

    !... Chega de muita conversa disse o Joaquim Torto. Vou ficar de cabelos brancos... Busca o tabuleiro de damas que vou surrar um por um... Faam fila a.

    Isso mesmo. Vamos ficar cada um uma vez de Vadio, depois acabamos com isto e voltamos plena produo.

    O Guigo, o Guima e eu que discutamos muito. Queramos compreender bem estes fenmenos curiosos que apareceram com o depsito, os vales e o Vadio. Reservvamos uma parte do tempo para o estudo de nosso pas de dez habitantes.

    Uma coisa muito interessante que acabamos entendendo a muito custo era a diferena entre valor e preo. Para ns, o valor de quarenta litros de feijo era o mesmo de cinqenta litros de arroz, que eram seis meses de trabalho. Assim, j estava h anos. Quanto mais trabalho, mais valor. No entanto, o preo era bastante varivel. Era dado em vales e ns o fixvamos de acordo com nossos interesses. Se, ao invs de cem vales para cada um, distribussemos duzentos, os valores continuariam os mesmos, mas os preos dobrariam ou ento haveria confuso, corridas, filas, etc.

    Outra coisa que acabamos compreendendo a diferena entre trabalhar e produzir. O Vadio trabalha, mas no produz. Era um jogo muito interessante este de pensar sobre os nossos problemas. E ajudava a resolver crises! Mas o Peroba se

    29

  • recusa a pensar...Os preparativos para a poca de semear estavam em

    andamento. O Vadio fazendo coisas que s ele entendia.s noites, os churrascos!De manh, atravessei o rio de barco com uma vara e

    iscas, resolvido a ir mais longe para pescar. Quase morri de susto quando um bicho passou correndo junto aos meus ps, saindo no se sabe de onde. Era um tatu. Larguei no cho a minha vara de pesca e me mandei atrs dele. Corre daqui, corre dali, o tatu no muito veloz, mas vai ziguezagueando pelo meio dos arbustos, e eu atrs. De repente, em sua toca ao mesmo tempo em que dou um pulo e o agarro pelo rabo na entrada do buraco em meio poeira.

    Que bonitinho!Depois de espernear um pouco, vai ficando mais quieto,

    mais cansado, olhando com os olhinhos redondos e pretinhos.Bicho danado! Que cobra pode picar sua couraa? Que

    carnvoro pode ferir aquela casca dura? S mesmo a esperteza de um rapaz como eu...

    Voltei com o tatu pendurado de cabea para baixo, peguei de novo a vara de pescar e desci para o rio.

    Cheguei tarde Corte, carregado de peixes. Dei o tatu de presente para a Tucha, que o colocou no viveiro. Todos ficaram com gozaes para cima de mim porque converso muito com a Tucha e ainda dou-lhe presentes. Afinal, ela tambm me d presentes! E da?... No tem nada... S gosto de conversar com ela. E pensar que praticamente foi criada nas ilhas! Chegou pelo mato com seu pai junto com o Joaquim Torto. Construram os primeiros ranchos e as primeiras roas. Seu pai morreu e ela continuou firme, decidida... As ilhas se iniciaram com eles.

    No dia seguinte, o tatu j havia fugido. Furou um buraco

    30

  • por baixo da cerca do viveiro e conquistou a liberdade. Estava ali pela Corte, mas livre, e assim o deixamos, nem havia como mant-lo preso!

    31

  • O VADIO QUEBRAVALOR

    No incio do plantio, uma tarde na Corte, o Guima mostrou-nos o que estivera fazendo at ento: novos instrumentos. Todos ficamos examinando e comentando admirados. No dia seguinte, corremos a testar os novos utenslios. Verificamos que o trabalho ficou mais fcil. A nossa tcnica estava avanando!

    O ano passou rpido e na colheita tivemos uma surpresa... Ningum podia ter imaginado! Com os novos instrumentos, a produo aumentou. O resultado obtido foi igual ao produzido por dez pessoas. Era como se o Vadio tivesse plantado.

    O depsito voltou a se encher, a carestia tinha acabado!Corri a avisar para ningum comprar, pois deveria haver

    novo reajuste nos preos desta vez, para baixo... J encontrei muitos discutindo a nova situao!

    Ora, se a produo foi como a de dez plantadores e eram dez a consumir, parece que devemos voltar aos preos de antes do Vadio: um litro de arroz por um vale e um litro de feijo por 1,25 vales.

    Claro! Os mil vales em circulao seriam gastos assim: quinhentos vales por quinhentos litros de arroz e quinhentos vales por quatrocentos litros de feijo (4001,25 = 500).

    O churrasco naquele dia foi uma festa. Afinal, o Vadio adquirira mais um valor. Ele no plantava, mas a produo aumentava com suas ferramentas. Esta seria a nova funo do prximo Vadio: produzir ferramentas.

    Num canto, a Tucha, o Guigo, o Guima e eu

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  • conversvamos:S falta entender uma coisa... Houve variao de preo

    ou de valor?Depois de muita discusso, falei:Para produzir um litro de arroz, estamos usando menos

    trabalho com as ferramentas novas. Ento seu valor caiu.O Guima no concordou: No acho!... Ns dez trabalhamos. Meu trabalho

    produzindo ferramentas tambm est includo no valor dos alimentos. Indiretamente, tambm produzi. Foram dez pessoas produzindo para dez pessoas.

    Concordei com ele. Os instrumentos foram consumidos em uma safra! Foram transformados em alimentos. Ento foram os preos que caram aos nveis anteriores. Agora, ramos dez produzindo.

    O Peroba continuava no entendendo estas variaes de preos. Achava que os vales eram enfeitiados e que ningum poderia control-los. Ele costumava guard-los empilhados num nicho da parede do seu rancho, mantendo acesa uma vela de sebo que ele mesmo fizera. noite, ficava aquela luz balanando, fazendo assombraes. Parecia que os vales se mexiam. Todos ns respeitvamos essas atitudes! Ele achava tambm que aquela regio das ilhas era enfeitiada. Todo o vale era enfeitiado!

    O prximo eleito para Vadio foi o Guigo.Durante algumas colheitas, funcionou assim. O Vadio

    fabricava instrumentos que todo ano eram consumidos nas plantaes. Os nove, com as ferramentas, produziam por dez e tudo estava regularizado.

    Puxa!... Valeu investir no Vadio...Todos davam palpites ao Vadio sobre detalhes novos

    nos instrumentos. Com algumas colheitas, as ferramentas foram aperfeioadas provocando mudanas profundas na nossa pequena sociedade.

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  • O Vadio inventou um arado de madeira que parecia muito eficiente. Eram necessrios trs trabalhadores para oper-lo e isto mudou todo o nosso relacionamento. Trs plantadores com um arado percorriam trs ilhas, uma de cada vez. O nosso relacionamento, que antes era s na Corte, com papos, jogos e churrascos, passou a ser tambm no trabalho e durante muitas horas. Era preciso coordenar nossos esforos para o trabalho conjunto, era preciso conhecer os dois companheiros. Nasceu outro tipo de amizade: novos tipos de piadas e gozaes; nossa msica mudou, agora cantando a cooperao, o ritmo de trabalho; nossas regras de conduta foram alteradas. Tudo mudou!

    E aconteceu, outra vez, uma variao na produo: os nove, com novas ferramentas, produziam por onze.

    Aumentara a produtividade! tarde, foi uma festa com todos discutindo a nova

    situao.Os preos caram com o excesso de produo. As opinies estavam divididas em duas correntes.

    Devemos diminuir nosso tempo de trabalho, pois a produo est em excesso.

    Nada disso!... Vamos continuar com o mesmo ritmo e colocar dois vadies. O segundo podia fazer roupas vistosas, bebidas e tantas outras coisas que a gente poderia gostar.

    A estava o problema! Diminuir as horas de trabalho por dia e ter tempo para praticar esporte, arte, estudo, ou manter o mesmo nmero de horas de trabalho para ter suprfluos? Eram duas as correntes: os que queriam tempo, os que queriam suprfluos. Todos os dias, discutamos estes dois caminhos. Eu mesmo estava indeciso... De uma coisa, tinha certeza: era bom dosar bem e nunca sacrificar o que era de primeira necessidade. Primeiro garantir uma vida tranqila para todos!

    No entanto, o Guigo achou que deveria receber mais vales que os outros, pois ele inventara e produzira o arado.

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  • Discutimos o assunto e conclumos que todos tnhamos colaborado. Plantamos enquanto ele pensava. Demos sugestes e, principalmente, demos a base das invenes anteriores, das quais o arado era uma conseqncia. Todos se convenceram de que os conhecimentos, de algum modo, foram gerados por todos e no podiam ser utilizados em proveito apenas de alguns.

    Tudo estava claro nas nossas cabeas. Continuaramos irmos!

    Algum props trocar o nome de Vadio, afinal ele assumira o trabalho na nossa sociedade. Mas, j era costume!

    Discutamos, perto do tronco de jequitib, estas novas mudanas.

    O valor, desta vez, tambm caiu. Os dez produziram por onze. Est mais fcil produzir. D menos trabalho...

    Todos concordaram. As novas tcnicas aumentaram a produtividade.

    Mais trs pinguelas tinham sido construdas. Uma entre o Guigo e a ngela, outra entre o Dandam e a Corte e a outra construmos a Tucha e eu. Cada vez mais, dominvamos as ilhas e o rio. Tambm melhorvamos as armadilhas para peixes, aves e animais de plo.

    J tnhamos montado um esquema muito grande para viver. Casa, lavouras, pontes, instrumentos, utenslios, roupas e principalmente regras sociais que funcionavam muito bem. E o Peroba ia sendo levado pelos acontecimentos, sem coscincia...

    Num ano em que Tucha ficou doente e no pde trabalhar, recebeu cem vales normalmente provocando aumento nos preos. Outro ano, a ilha do Peroba era a mais baixa e numa inundao ficou praticamente encoberta, destruindo a lavoura. Recebeu cem vales normalmente provocando aumento dos preos e o ajudamos a reconstruir sua casa. Outras regras sociais regulamentavam o

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  • funcionamento da Corte com o depsito, o Vadio e os vales. Tudo simples e de acordo com as nossas convenincias.

    Um dia, algum reparou na carta cifrada, em que a palavra LEME estava sublinhada. Peroba disse que talvez fosse o nome pelo qual o Capito gostava de ser chamado. Podia ser, podia no ser...

    Quando algum fazia uma observao nova, reacendia o interesse de todo e o jogo da decifrao recomeava por alguns dias.

    Algum exclamou:Interessante! A palavra LEME que est sublinhada

    possui quatro letras e, na carta cifrada, somente IBIA possui quatro letras!.

    Imediatamente, outro gritou:O qu! E a ltima palavra!... IBIA deve ser a

    assinatura. Deve significar LEME.Vamos tentar isto!...Escrevemos:

    A B C D E F G H I J L M N O P Q R S T U V X Z I B I A L E M E

    Do I at o L, temos que contar 2 letras no alfabeto. Do B at o E, so 3; do I at o M, so 3; e do A at o E, so 4...

    Ser que o cdigo 2334? Depressa! Vamos traduzir...Copiamos as letras da carta e, embaixo delas, escrevemos

    os nmeros 2 3 3 4 at o fim. Comeamos a contar: D com 2 F, L com 3 O, O com 3 R, P com 4 T, C com 2 E, P com 3 S... A respirao parou... Aparecera a palavra FORTES! Olhamos uns para os outros... Ser? Ser que tnhamos conseguido? Continuamos:

    DLOPCP ZJPOBZCFOUQ VXUGTL PPBUA2 33 4 23 342 3 34 23 34 2 3 3 4 2 33 42 3 3 4FORTES CORREDEIRAS ABAIXO TRE ZE

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  • GHEUQ BTEQQFUJ DOULABO C RIU BBHUQ2 3 3 4 2 3 34 2 33 42 3 3 4 23 3 4 2 3 34 23 3 4 2I L HAS EXI S TIAM G RANDES E UMA DELAS

    JL XCJQNM MLOQRFU SI DNXJAA JLONM33 4 23 3 4 2 3 3 4 23 34 23 3 4 233 4 2 33 4 2NO CENTRO PO SS UA UM GRANDE MORRO

    AB LCAOU X MVNRFO ZC RIU DBJZX JV33 4 2 3 34 2 3 3 423 3 4 2 334 2 3342 33DE PEDRA A PA RTI R DE UMA FENDA NA

    LCAOU BFOARVIALQB ZGOBXXL OEM ABT42 3 3 4 2 3 3 42 334 23 3 4 2 3 34 2 3 3 4 2 3 3 4PE DRA DIRETAMENTE D I REO R I O D E Z

    NVPOMP HUPDLO IBIA2 33 4 2 3 3 42 33 4 23 34PAS SO S L ARGOS LEME

    Todos ficamos mudos, espantados. Aparecera uma frase com sentido! Seria verdade? Corremos com as ferramentas. No era dentro da fenda, mas dez passos abaixo. Comeamos a cavar... No encontrvamos nada. Um pouco mais para c, mais para l... Algum gritou:

    Bati em alguma coisa.Todos corremos e escavamos. Comeou a aparecer a

    quina de uma caixa. Continuamos... Os cantos eram de ferro, a madeira estava bem podre. J podamos abrir a tampa. Foi fcil, estava muito velha! Todos paramos ansiosos e em expectativa.

    Vamos ver...Levantamos a tampa e l estavam as pedras preciosas do

    Capito Leme!Foi uma festa sem tamanho. Ficamos at tarde na Corte

    comentando, revendo a decifrao da carta cifrada, falando ou no sobre a coincidncia da palavra IBIA. Gostaramos de saber toda a histria da carta. Que aconteceu com o Capito Leme? Como a carta foi parar no bolso do homem que caiu da mula? As pedras seriam verdadeiras? Talvez algum dia saberamos as respostas.

    Depois, fomos dormir sonhando com tesouros, piratas,

    37

  • bandeirantes, escravos, ndios, mapas...No dia seguinte, voltamos cedo para a Corte. O Joaquim

    Torto e o Peroba estavam exultantes. O Peroba dizia:Agora, com este tesouro, vou mandar construir uma

    casa, umas pontes, tudo que precisar.Neste momento, foi como se acordssemos de um sonho.

    Um olhou para o outro... Todos mudos... Olhares surpresos... Como? Como construir com o tesouro? ramos ns mesmos quem poderia construir!... O tesouro no constri nada! No podemos comer pedras preciosas, nem nos vestir com elas, nem morar nelas. Para que servem?

    Por alguns dias, tentamos compreender este fenmeno. Ouro serve para alguma coisa? Serve! Serve para fazer dentes, talvez alguma coisa mais. E diamantes, para que servem? Servem para fazer ferramentas de cortar vidro, sei l mais o que...

    Tucha se manifestou:Engraado! Uma vez o professor disse na aula que no

    Egito Antigo no havia moeda. Eu no entendia como podiam construir palcios e cidades sem dinheiro.

    Peroba estava intranqilo, agitado dizendo:Quero voltar para a civilizao. Com minha parte do

    tesouro, posso colocar outras pessoas para trabalhar para mim.Assim, nossa corrida atrs do tesouro foi uma espcie de

    loucura coletiva!... Um enfeitiamento... As pedras ficaram no mesmo lugar. Recobrimos com terra... Quem sabe, algum dia precisaramos delas? Sei l!...

    Restou somente uma piada que circulou na poca: eram dois patrcios numa cidade Alfredo e Joo. Alfredo vendeu um cavalo a cem moedas a Joo. No ms seguinte, Joo vendeu o cavalo a duzentas moedas a Alfredo. No outro ms, Alfredo o vendeu por trezentas moedas a Joo. No outro ms, Joo vendeu o cavalo para uma terceira pessoa. Alfredo ficou sabendo e veio correndo:

    38

  • Como ento, Joo, voc vendeu o cavalo? E, agora, de que vamos viver?...

    39

  • TODOS NA CORTESamos para uma excurso at a mina de sal-gema para

    apanhar sal e caar, que l por perto era bom de caar por causa do mesmo sal que os animais precisavam lamber.

    Atravessamos o rio, amarramos as canoas e pegamos a trilha levando nossas armas e sacolas.

    Depois de algum tempo, comeamos a sentir cheiro de chuva e vimos, para os lados de cima, pesadas nuvens de chumbo cobrindo o cu. Viria uma tempestade! Pensamos em voltar, mas acabamos continuando em frente. Sal, ns apanhamos, mas caa... Nada! Tudo parado sob o cu ameaador. A gente sentia o peso do ar imvel...

    Voltamos debaixo de uma chuva branda, sem problemas, mas parecia que alguma coisa ia acontecer.

    Estavam na nossa passagem com as armas apontadas para ns.

    Paramos assustados. De onde saiu essa gente armada! Por que nos ameaavam?Um deles, com um chicote na mo, avanou mal-educado, bronqueando, dizendo que estvamos roubando sal e no sei mais o qu. Deu um empurro no Joaquim Torto, puxou a ngela e ficou olhando para ela. Depois disse: J sei que vocs moram nas ilhas e agora fiquem sabendo... Essas terras tm dono... Tero de pagar pelo sal e ainda pagar trinta por cento do que produzirem, de aluguel das ilhas... Vo embora... Depois, passo por l...

    O nosso mundo se desmoronava... Que pesadelo!A inflao ser grande. Imagine s, importar sal e ainda

    pagar para usar a terra...Chegamos ao rio e notamos que estava mais cheio, como

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  • que j tendo chovido muitos dias l pelas cabeceiras. A massa de gua descia barrenta e com mais velocidade, quase arrastando as canoas.

    Desamarramos depressa os barcos e tivemos muita dificuldade em chegar aos canais das ilhas. Fomos direto para a Corte e preparar o que comer e nos secar. Mas no tnhamos fome. Alguns estavam febris e todos estavam nervosos. A chuva no parava... o rio subia...

    O Guima, desde que a enchente cobriu a ilha do Peroba, tinha feito uma vara graduada, fincando na gua, para medir as cheias de todos os anos. Antes de sairmos da Corte, fomos olhar a marca: estava subindo. Fomos dormir preocupados. O Peroba buscou suas coisas e foi dormir na Corte. Medida acertada, pois sua ilha amanheceu coberta... E a gua continuava subindo!

    Em todos estes anos, nunca tivramos uma enchente to grande e to rpida. Alis, a nica enchente grande fora aquela do Peroba. Esta era a segunda.

    No dia seguinte, reunimo-nos todos na Corte para avaliar a situao. O Tuca j veio com tudo, pois sua ilha estava reduzida ao cimo de uma pequena elevao.

    Calma, pessoal. Depois reconstrumos as duas casas e tudo volta ao normal.

    Bem! Temos bastante mantimento no depsito, alguns animais para serem abatidos e carne seca de peixe, tudo aqui na Corte.

    A gua continuava a subir. Ento julgamos conveniente trazer tudo de todas as ilhas para a Corte que era o lugar mais alto e ainda tinha o morro de pedra.Foi aquele corre-corre, tentando no deixar nada nas casas. Vrias viagens de barco foram feitas. As pinguelas j tinham rodado.

    Ficamos na Corte, impotentes, olhando o imenso rio que descia contorcendo-se ameaador. As corredeiras que me

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  • assustaram quando cheguei s ilhas estavam cobertas. As guas traziam rvores inteiras arrancadas com suas razes dos barrancos por onde passavam.

    E continuavam a subir!Na fenda em cima do morro de pedra, j fincramos um

    toco de rvore, firme, para ter, se necessrio, uma estaca. amos tentar at o fim, mas preparamo-nos para o pior.Carregamos as canoas com mantimentos e armas e ficamos em cima do morro olhando o fim das ltimas ilhas.

    No terceiro dia, s existia a pedra onde estvamos sentados. O rio sara do leito alagando toda a mata alm das margens... tudo debaixo dgua!

    Dormimos nas canoas estando a nossa pedra reduzida a um pouco mais de um palmo fora dgua e acordamos j sem lugar para pisar. Foi a hora triste de cortarmos as cordas. No era mais possvel permanecer ancorado, amarrado com uma correnteza daquele porte.

    Soltamo-nos rio abaixo deixando para trs tudo aquilo que fora nosso feliz lar tantos anos.

    Quanta luta! Quanto problema superado!O rio nos conduzia velozes. Tentvamos manter as

    canoas endireitadas e, ao mesmo tempo, prximas umas das outras. Porm chegou a noite e, depois de tanta luta, todos dormimos nos barcos. Isto nos separou durante a escurido...

    Acordei pela manh procurando pelos outros. Nada! Estava sozinho naquela imensido de guas velozes. Perdera a ilha e os companheiros! Estava sem a Tucha...

    Deixei o barco deslizar nas guas caudalosas, sempre procurando avistar as outras canoas. Depois de algum tempo, comecei a notar certos sinais de civilizao. Um morro distante com um caminho. Uma pequena mancha branca ao longe me pareceu uma casa... Desmatamentos... Os sinais aumentavam! Comecei a ficar ansioso e com medo. Chegaria a alguma regio habitada? Que tipo de lugar encontraria?

    42

  • Seria como a fazenda da qual fugira? Esta ansiedade me fazia esquecer os companheiros.

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  • A CIVILIZAOAo entardecer, aproximei-me de uma cidade. J escuro,

    ancorei a canoa numa margem e dormi dentro do barco. Acordei assustado tentando me lembrar do que acontecera. Pulei para terra firme e caminhei para a cidade. Fazia tempo que no via tanta gente. Alis, nunca vira tanta gente. Era uma cidade bem maior que a vila em que fora criado. Uma cidade grande, muito movimento, todos trabalhando. Muita novidade para mim!

    Comecei a examinar tudo. Muitas profisses importantes: pedreiros, jogadores, trabalhadores de fbricas, religiosos, militares, professores, mendigos, prostitutas, mdicos, donos de butiques, sapateiros, vendedores, guardadores de carros, artistas, engenheiros, massagistas, advogados, cozinheiros, burocratas, patres, bicheiros e tantos outros tipos de trabalhadores.

    Tinha que tentar arranjar uma colocao.Via passar carros, caminhes e mquinas. Nas

    construes, via engenhos incrveis facilitando o trabalho. Nas indstrias, mquinas e mais mquinas: a lavoura toda mecanizada. Ficava imaginando... Eles devem ter diminudo muito as horas de trabalho com tantas mquinas! Lembrava-me de umas conversas com o Guigo num canto da Corte. Ele dizia: H muitos mil anos, no Egito, foram construdas vrias pirmides. Eram dez mil homens, durante vinte anos trabalhando nestas construes, sem produzir alimentos. A sociedade j devia produzir muito para sustentar tanta gente. E mais, sustentar o pessoal do governo, sacerdotes, exrcito, que tambm eram improdutivos. Quais eram as ferramentas dos egpcios? Enxada de pau e pedra! No conheciam o uso do

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  • ferro! Mesmo explorando outros povos, era pesado!Agora, eu olhava aquela cidade... Depois de tanto tempo,

    com tanta mquina... Ficava muito fcil!Na minha frente, estava uma grande indstria Fbrica de

    motores Ruckert. Entrei procurando trabalho, fui encaminhado seo do pessoal, mas no havia vagas. Fui Construtora Ruckert, tambm sem lugar para trabalho. Passei pelas Indstrias Alimentcias Ruckert, nada!...

    No dia seguinte, minha situao j era de pnico. Sem comida, meus vales no serviam para nada, sem emprego, um lugar desconhecido. Devia ter trazido as esmeraldas!

    Encontrava na rua muita gente na minha situao. Todos procurando colocao. Foi a que conheci o Julio e o Itapu.

    Chamaram-me pra ficar com eles. Fui! No tinha para onde ir. Era um barraco pequeno, de madeira, pobre, numa favela aonde iam para dormir. Muitas pessoas viviam naquela favela em vrios barracos. Crianas pobres, com fome, doentes, sem brinquedos nem escola. De manh, passava um caminho e levava vrios homens, mulheres e at crianas para o trabalho na fazenda e os trazia de noite. Entrei nessa, sem outra opo.As histrias deles eram idnticas do nosso indiozinho Dandam: Itapu era ndio mas sua tribo foi aniquilada e as terras griladas; Julio construra um rancho l nos cafunds, mas chegaram os homens e o expulsaram.

    Assim comecei vida nova. Trabalhava duro de sol a sol e recebia muito pouco, s o suficiente para a sobrevivncia. Trabalhava muito. Era um servio muito duro e recebia muito pouco. Eram imensas plantaes, tratores, mquinas, animais de trao.

    Tentava compreender estes fenmenos. Com muito menos trabalho vivamos bem nas ilhas!

    Conversava com outros.Fui preso, apanhei, e fiquei muitos dias na cadeia porque

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  • estava contando para os companheiros como funcionavam as ilhas.

    Na fazenda, para onde fui raptado h muitos anos, era melhor pois o trabalho era o mesmo mas recebamos casa e comida. J estava arrependido de ter fugido de l. No! Foi assim que cheguei s ilhas, onde conheci a Tucha e tive anos de felicidade e grande experincia...

    Agora lutava para refazer as ilhas em outro lugar.No parava de procurar a Tucha... tinha esperana de

    encontr-la.Um jornal anunciava a descoberta de uma mina de sal-

    gema pelo Grupo Ruckert.Procurei o sindicato; escrevi para alguns polticos

    solicitando apoio para conseguir um lugar para formar outra sociedade como nas ilhas.

    Estou aguardando resposta.

    RRZDX ABLPBPOX NRA TVF XMIBXXO LQROV DGPQJPFV

    ZCPZJZOF MSB IEQQBN PRNQCOQ HMOV IM BTPCOFJP

    BHA BVNQG BTLMOQU NOLZSQLO NVOU

    CHB ZC HV HSFQJ ZVOURL ZJJ MOAHRFTM

    VNQG B HQAOL GX

    BHA BVNQG FILMOQU JVNQGJVO BBHA

    BB HU JRFPM ZVNM ZLH NOBSFUFJ

    XNRE C HRXPL HU

    XPPEJ GV RXILO RBO QJV DNXJAA BFSEBV BSRBOIX

    QB CMPQJ AVZU

    FIM

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  • O JOGO DO VADIONas reunies de lazer, voc pode propor o Jogo do

    Vadio.Geralmente, provoca boas discusses e educativo.No precisa contar toda a histria, apenas proponha uma

    forma simplificada. necessrio papel e lpis para algumas pessoas ou

    grupos.

    Jogo do Vadio

    So dez pessoas numa ilha depois de um naufrgio. Podem caar e coletar frutas e razes, mas o principal o tirado das colheitas. Combinaram uma diviso de trabalho. Com esforo igual, cinco plantam arroz e colhem 100 litros cada um; cinco plantam feijo e colhem 80 litros cada um. O feijo menos produtivo.

    Depois fazem as trocas.

    Perguntas:

    1) 40 litros de feijo devem ser trocados por quantos litros de arroz?2) Por qu? (Aqui devem chegar aos 6 meses de trabalho)3) Que aconteceria se um ministro decretasse a troca um por um?

    Novas Regras

    Constroem um depsito com um sistema de vales. Cada um coloca sua produo (100 litros de arroz ou 80 litros de

    47

  • feijo) e retira 100 vales.Depois, com a necessidade, vo trocando vales por

    mantimentos.4) Voc acha justo depositar 80 litros de feijo e retirar 100 vales?5) No incio, qual o estoque total no depsito?6) No incio, qual a quantidade de vales em circulao?7) Um litro de arroz deve ser trocado por quantos vales?8) Por qu?9) Um litro de feijo, quanto deve valer?10) Por qu?11) Se um ministro decretasse: um litro de feijo por um vale, que aconteceria?

    Novas Regras

    Para evitar confuses, um dos dez o Vadio ficar tomando conta do depsito, sem produzir, mas recebendo vales. So nove produzindo para dez.12) Que acontecer se os preos permanecerem os mesmos?13) Qual deve ser o novo preo do litro de arroz?14) Qual deve ser o novo preo do litro de feijo?15) Por que houve esta inflao?

    Novas Regras

    O Vadio cria novas ferramentas e os nove passam a produzir por dez. As ferramentas eram consumidas em uma safra.16) Quais os novos preos do arroz e do feijo?17) Por que houve esta deflao?Novas Regras

    O Vadio melhora ainda mais as ferramentas e os nove

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  • agora produzem por onze consumindo as ferramentas em uma safra.18) Vocs acham melhor: diminuir as horas de servio dirias ou colocar mais um Vadio para produzir suprfluos?

    Depois da discusso, fazer a votao como numa democracia.19) Se desde o comeo fossem duzentos vales ao invs de cem para cada um, que aconteceria com os preos?

    Discutir a diferena entre valor e preo.Discutir a diferena entre produzir e trabalhar.Inventar novas perguntas.

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  • ANLISE SCIO-ECONMICATerritrio

    So treze ilhas grandes, com outras menores, num rio caudaloso e mais as regies circunvizinhas.

    PopulaoDez pessoas.

    Fora de TrabalhoInicialmente, eram dez trabalhadores na lavoura

    utilizando instrumentos toscos e pequena tcnica. Em seguida, ficam apenas nove nas mesmas condies anteriores, quando instituem o Vadio que no produz.

    Numa terceira etapa, o Vadio comea a produzir ferramentas. Logo so dez pessoas produzindo: nove na lavoura com instrumentos e tcnicas novas e um trabalhador ferramenteiro.

    Por fim, numa quarta etapa, ficam nove pessoas na lavoura utilizando instrumentos e tcnicas ainda mais eficientes, contando at com arados, e permanece o trabalhador ferramenteiro.

    Relaes de ProduoNo existem classes, isto , ningum trabalha para

    outrem.Inicialmente, cada um plantava para si e encontravam-se

    tarde para trocar experincias.Depois, houve uma diviso de trabalho entre plantadores

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  • de arroz e plantadores de feijo, provocando o aparecimento de trocas.

    Em seguida, houve outra diviso de trabalho, aparecendo o ferramenteiro.

    Quando foi criado o arado, as relaes mudaram bastante, pois o arado exigia trs trabalhadores que operavam juntos percorrendo trs ilhas em cooperao.

    Os plantadores levavam suas experincias dos novos instrumentos para o ferramenteiro.

    Valor Nominal e Valor Real do ValeQuando foi institudo o Vadio improdutivo, ficando

    apenas nove trabalhadores, o preo do arroz subiu para 1,11... vales significando que o vale se desvalorizou. Continuou chamando 1 vale valor nominal mas seu valor real foi menor, foi de 0,9 vales, pois 10 vales compravam apenas 9 litros de arroz.

    Meio Circulante1000 vales (valor nominal).

    Trabalho Concreto e Trabalho AbstratoO trabalho concreto produz utilidades, produz valor de

    uso. O trabalho abstrato produz valor valor de troca. a igualdade entre produtos diversos.

    Nas ilhas, houve trs trabalhos concretos principais. Foram os trabalhos para produzir arroz, feijo e instrumentos. O trabalho concreto que produz arroz diferente do trabalho concreto que produz feijo ou instrumentos. H diferena de mtodos, tcnicas e de conhecimentos.

    A abstrao destes trs trabalhos concretos trabalho. algo semelhante aos nmeros. No existe concretamente o 5. Existem 5 casas, 5 pessoas, 5 flores... O 5 uma abstrao. Analogamente: de boi, cachorro, baleia, morcego, rato... Surge o conceito de mamfero quando notamos que todos eles

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  • amamentam seus filhotes.A abstrao de trabalho se d quando notamos que, em

    geral, o trabalho concreto a atividade do ser humano para produzir, adaptando a natureza s suas necessidades. Envolve gastos de energia fsica e mental.

    Valor e Preo de MercadoriaPodemos alterar o preo de uma mercadoria, de acordo

    com as convenincias. Podemos aumentar o meio circulante provocando aumento nos preos, desvalorizando os vales. Isto tudo so variaes de preos, em nvel de papel (vales). Geralmente, o preo influenciado pela oferta e procura: se h muita gente oferecendo a mercadoria, o preo tende a cair; se h muita gente procurando a mercadoria que equivale a oferecer dinheiro o preo tende a subir (ou do dinheiro, a descer). O preo uma cotao.

    J o valor a quantidade de trabalho direta ou indiretamente aplicado na mercadoria durante o processo de produo: o trabalho que est nela cristalizado. Quanto mais trabalho, mais valor.

    O valor algo intrnseco mercadoria e que s pode ser mudado se houver novos meios de produo, alterando a produtividade. Se ficar mais fcil produzir uma mercadoria, seu valor cair. Est relacionado com o avano tcnico-cientfico.

    claro que uma mesma mercadoria pode ser feita mais facilmente por um trabalhador mais habilidoso, porm o valor medido em mdia social.

    Nas ilhas, quando foram institudos os vales, o valor do litro de arroz era de 1 vale, igual ao seu preo. Quando criaram o Vadio, o valor do arroz continuou o mesmo, pois era produzido do mesmo modo, com o mesmo gasto de trabalho, porm seu preo subiu, indo para 1,11... vales, j que havia 1000 vales em circulao para comprar o equivalente a

    52

  • 900 litros de arroz.A palavra valor possui vrios valores. Neste livro, foi

    utilizado no lugar de quantidade de trabalho. Em qualquer modo cientfico, as palavras so utilizadas num nico e preciso sentido, sem conotaes.

    Renda NacionalInicialmente, era de 500 litros de arroz mais 400 litros de

    feijo, com valor de 1000 vales.Depois, com o Vadio sem produzir, a renda caiu para

    900 vales (ou 1000 vales desvalorizados pela inflao).Com a inveno dos primeiros instrumentos, voltou a

    subir para 1000 vales e, por fim, com os arados, foi para 1100 vales (ou 1000 vales valorizados pela deflao).

    Renda Per-Capita a renda nacional dividida pela populao. a razo

    entre a renda nacional e o nmero de habitantes.No incio: 1000 vales/ 10 pessoas = 100 vales por pessoa.Com o Vadio improdutivo:900 vales/ 10 pessoas = 90 vales por pessoa.Com o Vadio produzindo os primeiros instrumentos:1000 vales/ 10 pessoas = 100 vales por pessoa.Por fim, com os arados:1100 vales/ 10 pessoas = 110 vales por pessoa.

    Produto BrutoInicialmente, era de 500 litros e 400 litros de feijo com

    um valor de 1000 vales.Depois, com o Vadio improdutivo, o Produto Bruto caiu

    para 900 vales.Em seguida, com novos instrumentos mas sem arados,

    subiu para 1100 vales sendo 1000 vales de alimentos e mais 100 vales do que foi produzido em ferramentas pelo Vadio.

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  • Este valor de 100 vales foi transferido para os mantimentos, incorporado produo de alimentos pois foi gasto em uma safra. Portanto, no Produto Bruto de 1100 vales (1000 de mantimentos + 100 de instrumentos), o valor produzido pelo Vadio est contando duas vezes: uma vez como instrumentos e outra como mantimentos, aos quais foi incorporado.

    No fim, com os arados, o Produto Bruto subiu para 1200 vales sendo 1100 de mantimentos mais 100 de instrumentos que acabaram agregados aos mantimentos no processo de produo.

    O arado mais til que os instrumentos iniciais. Poderia at ter um preo maior se houvesse pouca oferta. Sua produo envolveu maiores conhecimentos e experincia de toda a sociedade, porm seu valor o mesmo dos instrumentos iniciais: 100 vales que equivalem quantidade de trabalho desenvolvido pelo Vadio em um ano. Por isto, foi incorporado ao valor dos alimentos como valendo 100 vales e o Produto Bruto ficou de 1200 vales.

    Nesta anlise, no foi computada a produo de objetos como rancho, roupas e objetos. Deveria ter sido feita, mas no til aos objetivos desse livro.

    Valor do TrabalhoCada animal, para sobreviver, coleta alimentos para si e

    sua prole. O homem, na pr-histria, tambm caava e coletava, e cada um necessitava conseguir uma quantidade de alimentos suficiente para a sua sobrevivncia com sua prole.

    S que em mdia.As necessidades variam de indivduo para indivduo, bem

    como suas produes. Porm, em mdia, um deve produzir o suficiente para um. Viver em sociedade vantajoso!

    Poderamos imaginar duas situaes extremas: uma em que o homem produzisse, uma a uma, todas as coisas de que necessitasse; outra em que o homem produzisse um nico

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  • produto e trocasse por tudo que necessitasse.Nas ilhas, no incio, cada um produziria tudo que

    necessitava menos o rancho que era um mutiro. Depois comeou a produzir um nico alimento e a trocar metade com outro, para ter tudo que precisava. Com mais gente, poderia chegar poca em que cada um produziria um nico produto.

    Vamos examinar como ficaria. Cada um receberia vales pelo que produzisse e compraria

    tudo que necessitasse. Tudo estaria comercializado.Vamos supor o seguinte.As necessidades de cada um eram: um rancho, roupas,

    alimentos e utenslios. O rancho construdo por 10 pessoas trabalhando 24 dias logo so 240 dias de trabalho. Sua durao em condies de habitabilidade de 20 anos e isto significa que custa 12 dias de trabalho por ano ou um dia de trabalho por ms. Continuando com as suposies:

    Com roupas, gasta um dia de trabalho por ms.Com alimentos, gasta 16 dias de trabalho por ms.Com utenslios, gasta 2 dias de trabalho por ms.Nesta situao, temos 20 dias de trabalho por ms e cada

    um deve produzir algo equivalente, ou seja, deve produzir por ms, um valor que equivalha a 20 dias de trabalho. Mais do que isto, est sendo explorado. Menos do que isto, est explorando.

    Para introduzir o uso do vale para facilitar as trocas, os preos das mercadorias devem ser fixados de acordo com seus valores quantidade de trabalho.

    Por exemplo: Se cada um recebesse 125 vales por ms pelos 20 dias de trabalho que produziriam o suficiente para as prprias necessidades, teramos o seguinte:125 vales por 20 dias de servio do 6,25 vales por dia.O rancho custaria 6,25 vales por ms (um dia de trabalho x 6,25 vales)Com roupas, gastaria 6,25 vales (um dia de trabalho x 6,25

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  • vales)Com alimentos, gastaria 100 vales (16 dias de servio x 6,25 vales)Por fim, com roupas, gastaria 12,5 vales (dois dias de servio x 6,25 vales)

    Estas despesas perfariam um total de 125 vales.Se, para ganhar os 125 vales, uma pessoa trabalhasse

    apenas 15 dias, estaria se apropriando do produzido por outrem. Se, para ganhar os 125 vales, uma pessoa trabalhasse 25 dias, estaria trabalhando 5 dias sem receber. Estes 5 dias constituem um sobrevalor.

    A quantidade de dias de trabalho necessria s necessidades diminui com o progresso da tcnica.

    A quantidade de dias de trabalho aumenta se aumentarem as necessidades individuais da sociedade.

    Mas sempre, o que cada um recebe por ms desta sociedade, diretamente em valor ou indiretamente sob forma de benefcios sociais, deve ser equivalente ao valor que produziu, em mdia, por ms e por pessoa. Se produzir menos, inflacionar; se produzir mais, deflacionar. Porm, o excesso, ou se perde ou apropriado por outro. A sua produo pode ser direta, se da sua mo saem produtos para consumo pelas pessoas, ou indireta se produz ferramentas ou tcnicas ou casas ou cuidados, etc. que aumentam a produo direta.

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  • Ernesto Rosa

    O que j fiz?MATEMTICAUniversidade de So Paulo IME-USP.PEDAGOGIAUNIFIEOPROFESSOR do IME-USP desde 1969 at 1976.PROFESSOR TITULAR de Matemtica, Histria da Cincia e Metodologia de Ensino da Universidade Mackenzie desde 1972 at 2000.PROFESSOR convidado de vrias Secretarias de Educao e Instituies de Ensino do Brasil.PROFESSOR do Ensino Fundamental e Mdio em Escolas Pblicas e Privadas.Autor de mais de quarenta livros didticos e paradidticos pelas Editoras tica, FTD e outras.AUTOR do projeto de Educao Matemtica, com pressuposto Interacionista, Matemtica a partir da ao, adotado em muitas instituies por todo o Brasil.A msica e a fala, uma nova teoria para a psicognese da msica.Projeto Vdeo-aulas, aulas interativas para computador e EaD.PALESTRAS e CURSOS em todos os Estados brasileiros, tambm fora do Brasil, em simpsios e congressos, a convite

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  • de Secretarias de Educao, Instituies e Universidades.CONSULTOR em vrias escolas e Secretarias de Educao na elaborao e implementao de planos de Ensino.PRIMEIRO COLOCADO Concurso de Ingresso ao Magistrio - Professor III - Matemtica Secretaria de Educao e Cultura de So Paulo - 31/07/76.

    Nasci em Arax, ento pequena cidade de Minas Gerais.

    Era curioso como toda criana costuma ser. Queria compreender tudo, perguntava toda hora: O que isso? Tudo queria saber, queria ver o pedreiro trabalhando, o marceneiro, o mecnico, o sapateiro, o dentista, o serralheiro. E queria tambm fazer o trabalho. E perguntava: O que isso? Por isso meu apelido familiar era Quiicho?

    Cursei o grupo escolar onde aprendi a ler e escrever, as primeiras continhas e os desenhos. Na escola comeava a conseguir melhores respostas minhas perguntas: O que isso? Tambm gostava de ler. Li depressa as histrias infantis, tambm Monteiro Lobato, passei para leituras mais maduras, sempre lendo muito. No gostava de decorar coisas, gostava de compreender, de saber os porqus. Gostava tambm de ter idias prprias. Na adolescncia fiz um projeto de um carro todo diferente, criando at um motor e transmisso. Alm disso, muito me preocupava os problemas da sociedade.

    Fui para So Paulo fazer Matemtica na Universidade de So Paulo, onde fiquei conhecendo muitos dos grandes matemticos e professores de Matemtica do Brasil, dentre eles o Professor Benedito Castrucci. Fiz um curso bem feito e, por isso, foi convidado a lecionar na prpria Universidade. Continuei os estudos na Ps graduao, sempre com grande empenho, escrevendo livros de Matemtica para a Universidade. Prestei concurso para Professor do Estado de So Paulo obtendo o primeiro lugar entre dezessete mil candidatos.

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  • Um dia, fui convidado pelo Professor Castrucci a escrever uma coleo de livros de Matemtica para o segundo grau. Isso mudou minha vida. Comecei a me interessar por Educao. Estudei muito metodologia de ensino, encontrei a obra de Piaget e de outros pesquisadores, estudei Histria da Matemtica. Por isso, possuo hoje uma biblioteca com mais de quatro mil volumes bem estudados. Passei a pesquisar Educao Matemtica.

    Junto com essa experincia, fiquei uns dez anos trabalhando na TV Cultura, que foi outro grande desafio.

    Hoje, escrevo livros didticos e paradidticos, procurando colocar situaes que motivem o aluno a construir o seu prprio conhecimento.

    Viaja por todo o pas e pelo exterior fazendo palestra sobre suas propostas de Educao.

    Na internet:Blog: http://internestorosa.blogspot.comMatemtica Interativa: http://www.matinterativa.com.br/

    Mais textos sobre o assunto no blog:http://internestorosa.blogspot.com/

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  • Proibido todo e qualquer uso comercial.Se voc pagou por esse livro

    VOC FOI ROUBADO!Voc tem este e muitos outros ttulos GRTIS

    direto na fonte:www.ebooksbrasil.org

    2009 Ernesto [email protected]

    Verso para eBookeBooksBrasil

    _________________Fevereiro 2009

    *USO NO COMERCIAL VEDADO USO COMERCIAL*

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    O JOGO DO VADIOO RAPTOAS ILHASPRIMEIRAS TRANSASO DEPSITOO VADIOO VADIO QUEBRAVALORTODOS NA CORTEA CIVILIZAOFIM

    O JOGO DO VADIOJogo do VadioANLISE SCIO-ECONMICATerritrioPopulaoFora de TrabalhoRelaes de ProduoValor Nominal e Valor Real do ValeMeio CirculanteTrabalho Concreto e Trabalho AbstratoValor e Preo de MercadoriaRenda NacionalRenda Per-CapitaProduto BrutoValor do TrabalhoErnesto RosaO que j fiz?

    MATEMTICAPEDAGOGIA