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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL – UFMS Faculdade de Direito - FADIR JOHNNY ALVES DE MOURA E SILVA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O DEVIDO PROCESSO LEGAL Campo Grande – MS Novembro/2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL – UFMS

Faculdade de Direito - FADIR

JOHNNY ALVES DE MOURA E SILVA

EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O

DEVIDO PROCESSO LEGAL

Campo Grande – MSNovembro/2011

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JOHNNY ALVES DE MOURA E SILVA

EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O

DEVIDO PROCESSO LEGAL

Trabalho final de graduação apresentado como requisito para colação de grau no Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, turma 2011, sob a orientação da Professora Rosângela Lieko Kato e coorientação do professor André Luiz Tomasi Queiroz.

Campo Grande – MSNovembro/2011

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TERMO DE APROVAÇÃO

A Monografia intitulada: “EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS E O DEVIDO PROCESSO LEGAL” apresentada por Johnny Alves de

Moura e Silva como exigência parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito à

Banca Examinadora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, obteve nota

___________ para aprovação.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________

Presidente

_______________________________________________

Examinador

________________________________________________

Examinador

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Campo Grande – MS, 10 de Novembro de 2011.

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Dedico o presente trabalho à minha família amada, que sempre me apoiou nos meus estudos, confiando e acreditando no meu potencial, ao que pretendo honrar por toda minha existência.

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AGRADECIMENTOS

Sempre fui ensinado sobre a virtude da gratidão, e, certamente, este é o

momento de exercê-la.

Somente quem passou pelo árduo processo de formação universitária sabe o

quanto a conquista de um título acadêmico custa. No entanto, esse custo seria infinitamente

maior se não fosse o auxílio de muitas pessoas que comigo caminharam e caminham.

Em primeiro lugar, agradeço a Deus, pela companhia, pelos conselhos e

pela inspiração. Sua presença permitiu que horas de viagens de ônibus e de estudo não fossem

horas de solidão. Obrigado.

Também agradeço a meus pais, cuja dívida de amor é simplesmente

impagável. Vocês são incríveis, fantásticos, infinitamente melhores do que mereço. Se eu sou

alguma coisa, ou sei alguma coisa, é por causa de vocês.

Agradeço a minha amada Daniely, cujo incentivo e cobrança contribuíram

para o bom encaminhamento da presente obra monográfica. Eu te amo. Quero fazer muitas

outras obras ao seu lado.

Da mesma forma, agradeço o meu irmão, por ter acreditado em mim, e por

todas as palavras de ânimo.

Em especial, tenho que agradecer aos meus professores, principalmente os

voluntários, não só pelo ensino da dogmática jurídica, mas pelo compartilhamento de suas

vidas, de suas experiências, de suas história. Jamais esquecerei.

Também agradeço aos meus colegas de estudos, por me ajudarem, nunca

recusando compartilhar seus conhecimentos, nem suas companhias. As amizades que aferi são

bênçãos na minha vida.

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Agradeço aos meus talentosos cooperadores Thiago, Ana, Ariane e

Wellington. Obrigado por serem tão pacientes e prestativos. Juntos, formamos uma excelente

equipe, e mais que isso, fazemos a diferença.

Por último, pois o melhor fica para o final, agradeço aos meus orientadores.

Muito obrigado pela paciência e compreensão. Em especial, agradeço a professora Rosângela

pelo incentivo ao estudo e pesquisa, ao professor André Luiz, que chegou até me emprestar

livros essenciais para a formação da obra monográfica. Muito obrigado.

A todos vocês, meus familiares, amigos, colegas e professores, meu muito

obrigado. Nunca vou esquecer o que vocês fizerem por mim.

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RESUMO

Os direitos fundamentais têm representado nos dias atuais um marco na história da humanidade. Nos últimos cinquenta anos, têm se multiplicado os diplomas constitucionais que têm consagrado de forma contundente esses institutos, de modo que o tema gera profundas celeumas no cenário jurídico. Uma dessas grandes discussões é a da vinculação dos particulares, ou eficácia horizontal, uma vez que os direitos fundamentais foram idealizados para vincular apenas o Estado, eficácia vertical. Sobre isso, as mais diversas teorias se formaram. Por outro lado, o Novo Código Civil Brasileiro e outros Diplomas consagraram expressamente hipóteses do fenômeno da horizontalização em um direito fundamental específico: o devido processo legal. Assim, pretende-se estudar como se comportar o direito fundamental ao devido processo legal nas relações entre particulares, à luz das normas jurídicas brasileiras, da doutrina e da jurisprudência.

Palavras-chave: direitos fundamentais, eficácia horizontal, devido processo legal.

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SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................................10

1. Nomenclatura .......................................................................................................................12

2. Direitos Fundamentais .........................................................................................................19

2.1. Histórico...................................................................................................................19

2.1.1. Antecedentes históricos ...............................................................................19

2.1.2. Dimensões dos direitos fundamentais..........................................................20

2.1.2.1. Primeira dimensão dos direitos fundamentais.................................20

2.1.2.2. Segunda dimensão de direitos fundamentais...................................23

2.1.2.3. Terceira dimensão de direitos fundamentais...................................26

2.2. Direitos fundamentais e Direito Positivo Brasileiro.................................................27

2.3 Evolução teórica dos direitos fundamentais..............................................................28

2.4. Definição..................................................................................................................36

3. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais......................................................................39

3.1. Premissas teóricas.....................................................................................................39

3.1.1 Constitucionalização e personalização do Direito Privado. .........................39

3.1.2. Dimensão objetiva dos direitos fundamentais..............................................42

3.1.3 Tutela da autonomia privada e da liberdade.................................................47

3.2 Teorias da eficácia horizontal dos direitos fundamentais..........................................50

3.2.1. Teoria da negação........................................................................................52

3.2.2. State Action..................................................................................................53

3.2.3. Teoria da eficácia indireta ou mediata.........................................................56

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3.2.4 Teoria da eficácia direita e imediata.............................................................58

3.2.5 Outras teorias................................................................................................60

4. Devido Processo Legal..........................................................................................................63

4.1 Direito ao devido processo legal – aspecto material e formal...................................65

4.2 Corolários do devido processo legal formal..............................................................74

5. Eficácia horizontal do direito fundamental ao Devido Processo Legal................................78

5.1. O direito à instrução probatória................................................................................80

5.2. Processos em espécie................................................................................................82

5.2.1. Processo de formação de negócios jurídicos................................................83

5.2.2. Processo de adimplemento restritivo dos negócios jurídicos.......................85

5.2.2.1. Processo de punição de associado...................................................86

5.2.2.2. Processo de punição de sócio..........................................................90

5.2.2.3. Processo de punição de condômino.................................................96

5.2.2.4. Processo de punição de partidário...................................................98

5.2.2.5. Processo de negativação................................................................100

Conclusão ...............................................................................................................................103

Referências bibliográficas ......................................................................................................106

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INTRODUÇÃO

As relações entre os homens, desde a antiguidade, têm sido marcadas pelos

mais diversos conflitos, os quais, por muitas vezes, resultaram em flagrantes situações de

injustiça e desgraça. Assim, pode-se dizer que prepondera na história da humanidade o

desrespeito a dignidade do homem.

Em face disso, visando a impedir que o arbítrio do poder continuasse a

propagar seus malefícios sociais, o direito, primeiramente, buscou estabelecer, ou pelo menos

justificar, a formação das relações de poder, que em última análise histórica, culminou na

construção dos soberanos Estados Nacionais.

No entanto, através dos Estados Nacionais, a dignidade da pessoa humana

também foi desrespeitada, na medida em que os fins justificaram os meios, por repugnantes

que ambos fossem.

Assim, em face do Estado, foram instituídos os direitos fundamentais, para

que fossem dados aos seus subordinados garantias mínimas de existência digna e segura,

limitando a atuação daqueles que detinham o poder.

Apesar disso, mediante a crescente complexidade social, observou-se que

não eram somente os Estados que ofendiam a dignidade da pessoa humana, mas também os

próprios particulares, que, aproveitando-se de uma desigualdade econômica ou social,

frustravam os direitos e interesses que os Estados eram obrigados a proteger e respeitar.

Outrossim, constatou-se que os particulares abusavam de liberdade que

desfrutavam, forçando renúncias inaceitáveis dos direitos fundamentais aos desfavorecidos

socialmente.

Doutro lado, mesmo em situação de relativa igualdade, notou-se que os

particulares, em situações específicas, poderiam desfrutar de modo abusivo de direitos

fundamentais, como da liberdade de expressão, lesando o desfrute dos direitos de outrem.

Diante disso, a doutrina e a jurisprudência têm discutido sobre a vinculação

dos particulares aos direitos fundamentais.

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Nesse jaez, muitas teorias foram formuladas no sentido, tanto de negar essa

vinculação, como de afirmá-la. Por sua vez, entre as teorias afirmativas, existe forte discussão

do modo e justificação de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.

No Brasil, é cada vez mais constante a produção de obras doutrinárias e

decisões judiciais que abordam o tema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Por esse viés, dentre esses direitos fundamentais, um dos mais aplicados

entre particulares é o devido processo legal.

Embora não possa parecer, são muitas as ocasiões em que particulares,

dentro ou fora de instituições privadas, podem influenciar as esferas jurídicas de outrem,

ameaçando sua dignidade e segurança.

Atento a isso, o legislador tem consagrado o direito fundamental ao devido

processo legal, evitando que o indivíduo seja surpreendido por arbitrariedades corporativas,

traduzidas em abusos de autonomia privada.

Tanto é assim, que, mesmo sem previsão legal expressa, a doutrina e a

jurisprudência já reconheceram o direito de defesa ao condômino cujo condomínio pretende

multar por atividades nocivas. Outrossim, destaca-se no âmbito do Supremo Tribunal Federal,

no Recurso Extraordinário de número 201.819, decisão memorável na qual apreciou-se

profundamente estas questões, concluindo a Corte Constitucional pela aplicação do referido

instituto no âmbito das associações.

Dessarte, o presente trabalho pretende estudar como o direito fundamental

ao due process se comporta em situações em que deve ser promovido pelos particulares.

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1. Nomenclatura

Antes de adentrarmos ao tema dos Direitos Fundamentais, deve-se, visando

preservar precisão terminológica, tecer algumas considerações sobre a nomenclatura utilizada,

garantindo que este trabalho será dotado de máxima coesão textual e científica.

Nesse jaez, adiante-se que este capítulo prestar-se-á a especificação da

linguagem que se utilizará, no que tange às dicotomias científicas presentes nas obras que

serviram como fonte doutrinária ao estudo do tema proposto.

A discussão gira em torno de duas questões terminológicas.

A primeira se refere sobre a utilização dos termos, direitos fundamentais,

direitos humanos e direitos do homem, de forma razoavelmente indiscriminada. Nesse

sentido, vejamos lição de Paulo Bonavides:

A primeira questão que se levanta com respeito à teoria dos direitos fundamentais é a seguinte: podem as expressões direitos humanos, direitos do homem, e direitos fundamentais ser usadas indiferentemente? Temos visto que nesse tocante, o uso promíscuo de tais denominações na literatura jurídica, ocorrendo, porém o emprego mais frequente de direitos humanos e direitos do homem entre autores anglo-americanos e latinos, em coerência aliás a tradição e a história,quando a expressão direitos fundamentais parece ficar circunscrita à preferência dos publicistas alemães.1

Reconhecida essa discordância terminológica, quem melhor aponta a

distinção desses termos é o magistério de Ingo Wolfgang Salet, que, de início, arremata:

[...] a doutrina tem alertado para a heterogeneidade, ambiguidade e ausência de um consenso na esfera conceitual e terminológica, inclusive no que diz com o significado e conteúdo de cada termos utilizado. [...]2

1 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 15.ª ed. – São Paulo : Malheiros, 2004. p. 560.2 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais : uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, 10.ª ed., rev., atual. e ampl. – Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2010. p. 27.

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A seguir, Sarlet, classifica como se tem considerado os significados das

expressões direitos humanos e direitos fundamentais:

Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direitos constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).3

Argumentando esta dicotomia, Sarlet aponta a adoção pelo constituinte por

essa acepção, na medida em que consagrara no texto da Lei Maior a expressão Direitos e

Garantias Fundamentais4.

Ainda confirmando essa dualidade, afirma-se também uma separação

jusfilosófica:

[...] a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais também pode encontrar fundamento, na circunstâncias de que, pelo menos de acordo com um determinada concepção, os direitos humanos guardam relação com uma concepção jusnaturalista (jusracionalista) dos direitos, ao passo que os direitos fundamentais dizem respeito a uma perspectiva positivista. Neste sentido, os direitos humanos (como direitos inerentes à própria condição e dignidade humana) acabam sendo trasnformados em direitos fundamentais pelo modelo positivista, incorporando-se ao sistema de direito positivo como elementos essenciais, visto que apenas mediante um processo de “fundamentalização” (precisamente pela incorporação às constituições), os direitos naturais e inalienáveis da pessoa adquirem a hierarquia jurídica e seu caráter vinculante em relação a todos os poderes constituídos no âmbito de um Estado Constitucional.5

3 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais : uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, 10.ª ed., rev., atual. e ampl. – Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2010. p. 29.4 Idem. p. 28. Embora este autor não tenha citado, confirma-se tal acepção também pela redação do art. 4º da Constituição Federal, que determina a prevalência dos direitos humanos, no inciso II, no plano internacional.5 Ibidem. p. 32.

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Nesse diapasão, também entende Jorge Miranda que os direitos

fundamentais se caracterizam pela previsão constitucional:

1 - Se bem que já empregada no século XIX (2), a locução .direitos fundamentais" remonta principalmente à Constituição de Weimar e tende agora a generalizar-se. Usam-na entre tantas, Consuítuições como a alemã (arts. 1 ° e segs.), a moçambicana (arts. 26.° e segs.), a angolana (arts. 17.° e segs.), a espanhola (arts. 10.° e segs.) ou a búlgara (arts. 25 ° e segs.) - assim como a portuguesa arts. 12.° e segs.).

Explicam este fenómeno o ultrapassar da concepção oitocen:ista dos direitos e liberdades individuais e, sobretudo, o enlace entre direitos e Constituição. Porque constantes da Lei Fundamental, são os direitos fundamentais aqueles direitos que assumem também a específica função que a Constituição vem adquirindo na Europa e no resto do mundo, ao longo dos últimos cinquenta anos - em resultado de preceitos expressos, do paul proveniente da justiça constitucional e de uma crescente consciência difundida na comunidade jurídica.

Se a Constituição é o fundamento da ordem jurídica, o fundamento de validade de todos os actos do Estado (como diz o art. 3 °da Constituição portuguesa), direitos fundamentais são os direitos que, por isso mesmo, se impõem a todas as entidades públicas e privadas (conforme, por seu lado, afirma o art. 18.°) e que incorporam os valores básicos da sociedade.6

Pela mesma conotação assenta-se a doutrina de Canotilho, ao considerar

como direito fundamental aquilo que está posto no ordenamento constitucional:

De acordo com o que se acaba de dizer, os direitos fundamentais serão estudados enquanto direitos jurídico-positivamente constitucionalizados. Sem esta positivação jurídico-constitucional, os «direitos do homem são esperanças, aspirações, ideias, impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica política», mas não direitos protegidos sob a forma de normas (regras e princípios) de direito constitucional (Grundrechts-normen). Por outras palavras, que pertencem a CRUZ VILLALON: «onde não existir constituição não haverá direitos fundamentais. Existirão outras coisas, seguramente mais importantes, direitos humanos, dignidade da pessoa; existirão coisas parecidas, igualmente importantes, como as liberdades públicas francesas, os direitos subjectivos públicos dos alemães; haverá, enfim, coisas distintas como foros ou privilégios». Daí a conclusão do autor em referência: os direitos fundamentais são-no, enquanto tais, na medida em que encontram reconhecimento nas constituições e deste reconhecimento se derivem consequências jurídicas.7

6 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, tomo IV : direitos fundamentais, 3.ª ed., rev. e atual. – Coimbra : Editora Coimbra, 2000. p. 51-52.

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Seguindo na discussão, Sarlet também segrega as ideias concernentes ao

termo direitos do homem:

Assim, com base no exposto, cumpre traçar uma distinção, ainda que de cunho predominantemente didático, entre as expressões “direitos do homem” (no sentido de direitos naturais não, ou ainda não positivados), “direitos humanos” (positivados na esfera do direito internacional) e “direito fundamentais” (direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado).[...]8

Nessa linha, segundo o magistério deste conspícuo doutrinador, tais

expressões variam em seu significado de acordo com o respectivo nível de positivação:

direitos fundamentais são positivados na constituição – nível nacional; direitos humanos são

positivados em normas jurídicas internacionais – nível supranacional; direitos do homem, que

não foram objeto de positivação, permanecem em nível meramente filosófico, moral ou

metajurídico.

Ora, tendo em vista que a obra deste autor serviu de base para a formulação

de uns dos capítulos mais importantes desta obra monográfica, 4º capítulo – Eficácia

horizontal dos direitos fundamentais –, e que essa classificação é a que prepondera na própria

Constituição Federal e na doutrina pátria, tem-se por bem este caminho terminológico trilhar,

sem deixar de levar em consideração que “Reconhecer a diferença, contudo, não significa

desconsiderar a íntima relação existente entre os direitos humanos e fundamentais”9.

Superada esta questão, convém agora passar aos comentários para o que diz

respeito à discussão sobre maneira como se melhor denomina movimentos jusfilosóficos e

políticos de consagração dos direitos fundamentais na história: se pelo termo geração de

direitos fundamentais, ou se pelo termo dimensão de direitos fundamentais.

Inicialmente, cumpre transcrever excerto de Ney Stany Morais Maranhão,

apenas para demonstrar envergadura da celeuma:

7 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 6.ª ed., rev. – Coimbra : Livraria Almedina, 1993. p. 497.8 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais : uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, 10.ª ed., rev., atual. e ampl. – Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2010. p .30.9 Idem. p. 32.

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[...], BONAVIDES, dentre outros, vale-se do termo “gerações” para se referir à gradativa inserção constitucional das diversas nuanças de direitos fundamentais exsurgidas ao longo da história, no que é seguido por grande parte dos autores. [...]

Todavia, a locução “gerações” tem sofrido ataques porque atrai a falsa compreensão de que a revelação de determinado grupo de direitos fundamentais viria inexoravelmente para substituir o anterior, dado por ultrapassado. [...] Justamente por tencionarem afastar esse enganoso entendimento de que uma geração sucederia a anterior, alguns autores têm optado pelo termo “dimensões” de direitos fundamentais. É o caso de GUERRA FILHO e SARLET.

Mas também tal nomenclatura – "dimensões" – se cuida de receber críticas, basicamente ao argumento de que tal expressão, em si, serve para indicar dois ou mais componentes do mesmo fenômeno, sendo que, no caso em foco, ao revés, há grupos de direitos fundamentais cujas conformações se revelam mesmo extremamente discrepantes. Tal crítica é formulada, dentre outros, por DIMOULIS e MARTINS, que sugerem, em substituição às já citadas, o uso das expressões "categorias" ou "espécies" de direitos fundamentais [08]. Mas a polêmica não pára por aí, pois ROMITA, a seu turno, prefere o uso das expressões "famílias" ou "naipes"... 10

Portanto, Maranhão encontrou em sua pesquisa seis expressões equivalentes

ao mesmo significado: geração, dimensão, categoria, espécie, família e naipe. No entanto,

este mesmo autor, discorrendo em sua obra sobre a evolução histórica dos direitos

fundamentais, utiliza-se somente dos dois primeiros termos.

É interessante apontar que George Marmelstein Lima critica abertamente

todas essas acepções, considerando inclusive não recomendável, a não ser para fins didáticos,

o estudo histórico dos direitos fundamentais nesse viés metodológico. Entretanto, sua obra é

excelente para expor as críticas à utilização da expressão geração dos direitos fundamentais:

A expressão “geração de direitos” tem sofrido varias criticas da doutrina nacional e estrangeira. E que o uso do termo “geração” pode dar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, o que e um erro, já que, por exemplo, os direitos de liberdade não desaparecem ou não deveriam desaparecer quando surgem os direitos sociais e assim por diante.

Alem disso, a expressão pode induzir a ideia de que o reconhecimento de uma nova geração somente pode ou deve ocorrer quando a geração anterior

10 MARANHÃO, Ney Stany Morais. A afirmação histórica dos direitos fundamentais. A questão das dimensões ou gerações de direitos. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2225, 4 ago. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13261>. Acesso em 20 de setembro 2011.

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já estiver madura o suficiente, dificultando bastante o reconhecimento de novos direitos, sobretudo nos países ditos periféricos (em desenvolvimento), onde sequer se conseguiu um nível minimamente satisfatório de maturidade dos direitos da chamada “primeira geração”.

Por causa disso, a teoria contribui para a atribuição de baixa carga de normatividade e, consequentemente, de efetividade dos direitos sociais e econômicos, tidos como direitos de segunda geração e, portanto, sem prioridade de implementação.11

A seguir, G. M. Lima aponta que o termo geração vem sendo substituído

pelo termo dimensão, que, também, conforme seu entendimento, padece de vício semântico:

Em razão de todas essas críticas, a doutrina recente tem preferido o termo "dimensões" no lugar de "gerações" [14], afastando a equivocada idéia de sucessão, em que uma geração substitui a outra.

No entanto, a doutrina continua incorrendo no erro de querer classificar determinados direitos como se eles fizessem parte de uma dada dimensão, sem atentar para o aspecto da indivisibilidade dos direitos fundamentais. [...]

O ideal é considerar que todos os direitos fundamentais podem ser analisados e compreendidos em múltiplas dimensões, ou seja, na dimensão individual-liberal (primeira dimensão), na dimensão social (segunda dimensão), na dimensão de solidariedade (terceira dimensão) e na dimensão democrática (quarta dimensão). Não há qualquer hierarquia entre essas dimensões. Na verdade, elas fazem parte de uma mesma realidade dinâmica. Essa é a única forma de salvar a teoria das dimensões dos direitos fundamentais.12

Dessa forma, o jurista entende que nenhum dos termos, seja geração ou

dimensão, merece ser utilizado no estudo da história dos direitos fundamentais.

No entanto, não é o que prevalece na doutrina, conforme André Ramos

Tavares aponta:

A existência de várias dimensões é perfeitamente compreensível, já que decorrem da própria natureza humana: as necessidades do Homem são infinitas [...]. Daí falar-se em diversas dimensões de projeção da tutela do

11 LIMA, George Marmelstein. Críticas à teoria das gerações (ou mesmo dimensões) dos direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 173, 26 dez. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4666>. Acesso em: 20 set. 2011. 12 Idem.

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Homem, o que só vem a corroborar de que não há um rol eterno e imutável de direitos inerentes à qualidade do ser humano, mas sim ao contrário, apenas um permanente e incessante repensar dos Direitos. [...]

É preciso anotar que os autores preferido falar em gerações, querendo significar gerações sucessivas de direitos humanos. A ideia de “gerações”, contudo é equívoca, na medida em que dela se deduz que uma geração se substitui naturalmente à outra, e assim sucessivamente, o que não ocorre, contudo, com as “gerações” ou dimensões dos direitos humanos. Daí a razão da preferência pelo termo dimensão.13

Nesse sentido também se perfaz o magistério de I. W. Sarlet, que

complementa:

Assim sendo, teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno “Direito Internacional dos Direitos Humanos”. 14

Dessarte, utilizar-se-á da expressão dimensão dos direitos fundamentais, por

estar mais condizente com a realidade cumulativa e complementar da evolução dos direitos

fundamentais – na linha das mais atualizadas doutrinas sobre o tema.

Conclui-se, portanto, que, em sede deste trabalho monográfico, far-se-á uso

dos termos direitos fundamentais e dimensão de direitos fundamentais, na estruturação de seu

corpo textual.

2. Direitos Fundamentais

13 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, 5.ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2007.p. 426.14 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais : uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, 10.ª ed., rev., atual. e ampl. – Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2010. p. 46.

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Dentre os temas mais complexos que existem no ramos das ciências

humanas encontram-se os direitos fundamentais.

Isso se denota da própria discussão teórica que gravita em torno de sua

conceituação ou definição, que, adiante-se, será exposta no derradeiro tópico do presente

capítulo.

Ora, os direitos fundamentais só podem ser compreendidos mediante uma

análise histórica, de todo seu processo de formação jusfilosófica, embutido num emaranhado

de acontecimentos que envolveram os últimos séculos da humanidade. Ademais, não é a toa

que se diz que uma de suas características é a historicidade15.

2.1. Histórico

2.1.1. Antecedentes históricos

As raízes históricas dos direitos fundamentais remontam ao mundo antigo.

Afinal, todos os jusfilósofos que podem ser apontados como precursores do tema sempre

citam a antiguidade para embasar suas teorias.

Nesse teor, encontra-se primoroso estudo de Fábio Konder Comparato16, o

qual aponta os seguintes fatos históricos como antecedentes notáveis na proto-história dos

direitos fundamentais, que caminham para o enfraquecimento do poder estatal: o reino de

Davi sobre o povo de Israel, visto que fora o primeiro monarca que não se identificava como

Deus, se submetendo também a uma ordem que lhe era superior, a qual devia obediência; as

instituições democráticas de Atenas, caracterizadas pela supremacia da lei e participação ativa

dos cidadãos nas funções de governo; a República Romana, que reuniu em seu regime político

três formas básicas de governo – monarquia, aristocracia e democracia17; Declaração das

Cortes de Leão, de 1188, e a Magna Carta, de 1215, que traduziam o movimento da nobreza e

15 ARAÚJO, Luiz Alberto David. NUNES Jr., Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional, 11ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2007. p. 119.16 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos – 6ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2008.17 Servindo de inspiração séculos depois para Montesquieu na teoria da tripartição dos poderes.

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do clero contra a concentração do poder nas mãos do rei, indo de encontro ao absolutismo

monárquico; O mercantilismo, que proporcionou o surgimento e fortalecimento da burguesia,

nova classe de pessoas, que foram os principais atores na reivindicação dos direitos

fundamentais, em sua primeira dimensão.

Diante desse substrato histórico, surgem as gerações, ou dimensões, como

atualmente se prefere chamar, dos direitos humanos fundamentais, preponderantemente

dividida em três18.

2.1.2. Dimensões dos direitos fundamentais

2.1.2.1. Primeira dimensão dos direitos fundamentais

A primeira dimensão dos direitos fundamentais, também chamados de

Liberdades Públicas, é o termo inicial de um processo de consolidação política e jurídica dos

direitos fundamentais, cujo principal marco histórico é a edição da Declaração de Direitos do

Homem e do Cidadão de 1789.

A respeito do referido diploma, escreve Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

Sua primazia entre as declarações vem exatamente do fato de haver sido considerada como o modelo a ser seguido pelo constitucionalismo liberal. Daí a sua incontestável influência sobre as declarações que, seguindo essa orientação, se editaram pelo mundo afora até a primeira Guerra Mundial.19

O destaque em principal, é para que se deixe claro que não se disse único,

muito menos primeiro. Se fôssemos indicar um documento como primeiro na linha histórica

da 1ª dimensão, certamente seria a Declaração de Direitos da Virgínia de 1776. No entanto, o

18 Paulo Bonavides acrescenta uma quarta dimensão que não será estudada neste trabalho.19 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais – São Paulo : Saraiva, 2005. p. 19-20.

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contexto histórico deu mais repercussão a Declaração Francesa de 1789, o qual se utilizará

como referência.

Esta dimensão manifesta-se na derrocada do Antigo Regime, marcado pelo

absolutismo monárquico, dando lugar ao Estado Liberal, no século XVIII, consagrando

direitos individuais ou liberdades individuais, e os direitos do cidadão, também chamados de

direitos políticos, como o próprio nome da Declaração de 1789 sugere.20

Dentre os direitos individuais, o documento abrange a igualdade formal, em

seu art. 1.º, e liberdade em geral, no art. 5.º, de locomoção, de opinião, de expressão, de

religião, nos termos dos art. 10.º e 11, direito de propriedade, art. 17, e a segurança, em bem

assim seus consectários, a legalidade, no art. 7.º, devido processo legal e presunção de

inocência, no art. 9.º, entre outros.21

Por sua vez, os direitos políticos dizem respeito à possibilidade de

participação na formação da vontade geral, quer dizer, no exercício do Poder Político. Nisso

incluindo a escolha de representante, consentimento em impostos, e controle da atuação do

agente público e da utilização da coisa pública22. Enfim, consagra direitos políticos ao ser

humano que seja cidadão de determinado Estado.

Como se pode perceber, a parte passiva destes direitos é o próprio Estado,

como beneficiador, enquanto a parte ativa, como beneficiado, primeiramente o ser humano e

depois o cidadão, este no caso dos direitos políticos.

As principais características desses direitos é estabelecerem a exigência de

um estado abstinente, nos termos do escólio de Gilmar Ferreira Mendes:

(...) Pretendia-se, sobretudo, fixar uma esfera de autonomia pessoal refratária às expansões do Poder. Daí esses direitos traduzirem-se em postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não fazer, de não intervir na vida pessoal de cada indivíduo. (...)23

20 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, 5.ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2007. p. 428.21 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais – São Paulo : Saraiva, 2005. p. 2322 Idem.23 MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, 4.ª ed., rev. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2009. p. 267.

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As primeiras formulações desses direitos foram de cunho essencialmente

individualista, considerando cada ser humano “um ente perfeito e completo, mesmo se

considerado isoladamente, independente da comunidade” 24. Tal fato fica patente ante a não

consagração do direito de associação na Declaração de 1789.

Dentre outras características, citam-se que os direitos dessa dimensão são:

naturais, por teoricamente derivarem da natureza humana, conforme ensina a doutrina

jusnaturalista; abstratos, por abrangerem todos os homens, independente de sua nacionalidade

ou origem; imprescritíveis, pois, se a natureza humana não pode ser perdida, os direitos

decorrentes dela também não; inalienáveis, pois ninguém pode abrir mão de algo que decorre

da própria natureza; universais, por ser dirigir a todos os seres humanos.25

Além disso, um dos fundamentos dessa dimensão é a isonomia formal, ou

seja, que todos os seres humanos seriam iguais em essência, e iguais perante a lei, de modo

que seriam incompatíveis privilégios ou auxílios de qualquer sorte, ou mesmo de

representação por associação.

Outrossim, cabe frisar que, a partir da primeira dimensão, começou-se a

consagrar a tripartição orgânica dos poder estatal Estado, conforme doutrina de

Montesquieu26, não mais concentrado em uma só pessoa. Objetivo disso era a limitação do

Poder Estatal. Aliás, essa limitação era o marco teórico do desenvolvimento inicial da

primeira dimensão dos direitos fundamentais. O Estado não devia intervir na sociedade, a não

ser para garantir que a liberdade e os direitos políticos poderiam ser exercidos regularmente.

Cabe instar que o desenvolvimento dos direitos fundamentais de primeira

dimensão pela linha norte-americana e pela linha inglesa apresentam diferenças marcantes,

sendo a mais patente a inexistência de pretensão abstrata de seus institutos, exceto alguns

documentos como a já citada Declaração de Virgínia. Pelo contrário, a construção dessas

foram concretas, visando abranger problemas internos, e não de toda a humanidade.

Outra diferença notável foi que os ingleses estabeleceram seus direitos com

o enfraquecimento da monarquia – é não extinção –, tornando esta constitucionalista, tendo

por órgão principal seu Parlamento27, representante do Poder Legislativo, não consagrando a

24 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais – São Paulo : Saraiva, 2005. p. 22.25 Idem. p. 22-2326 O espírito das leis.27 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Consitucional Positivo, 28.ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Malheiros, 2007. p. 151-153

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pura tripartição orgânica do poder do Estado – Legislativo, Executivo e Judiciário –, como

franceses e americanos, além de que a consagração de seus direitos fundamentais não fora por

meio de declaração, mas sim por meio da jurisprudência e disputas políticas, até mesmo

porque sua constituição não é escrita28.

2.1.2.2. Segunda dimensão de direitos fundamentais

Embora os direitos fundamentais da primeira dimensão representaram um

avanço jurídico e político à humanidade, ou pelo menos ao Mundo Ocidental, não foram

suficientes para atenderem aos anseios da maior parte da população dos países que os

reconheceram.

O Estado Liberal, herdeiro das conquistas da primeira dimensão,

estabeleceu o Capitalismo Industrial, o qual fez surgir duas novas classes sociais: a burguesia

e o proletariado. Esta lutou para reverter sua situação de extrema miséria, em busca de direitos

a uma renda digna, educação, saúde e assistência social.29

Outro grave problema era o da limitação das participações democráticas dos

sistemas eleitorais, na época censitário. Para participar da vida política era necessário ter

renda; e como a maior parte da população vivia sem renda ou com uma muito pequena, a

massa ficava excluída de seus direitos políticos. Assim, reclamava-se o sufrágio universal dos

homens.

O destaque em homens se deve ao fato de que as mulheres só começaram,

deveras, a conquistar seus direitos políticos a partir da Segunda Guerra Mundial. O único país

a reconhecer tais direitos à mulher antes do Século XX foi a Nova Zelândia. De todo modo,

tais direitos ainda são objeto de políticas públicas de inclusão feminina na política, por meio

de ações afirmativas30.

Diante desse quadro, surgiram diversos movimentos: socialismo reformista

e revolucionário, este vingado na Revolução Russa de 1917; doutrina social da Igreja

28 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Consitucional Positivo, 28.ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Malheiros, 2007. p. 41.29 VICENTINO, Cláudio. História Geral – São Paulo : Editora Scipione, 2002. p. 296.30 JUSCOVSKY, Vera Lúcia RS. Representação política da mulher – Editora Juarez de Oliveira, 2000. p. 4.

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Católica, concatenada na encíclica Rerum Novarum, de 1891; Anarquismo; Cartismo na

Inglaterra.31 Enfim, pode-se afirmar que houve ampla manifestação filosófica e política em

busca de melhorias para o proletariado. Afinal, não foi a toa que em 1917 ocorreu a

Revolução Russa culminando na formação URSS.

O primeiro documento a consagrar os direitos de 2ª dimensão é a

Constituição Francesa de 1848. No entanto, os documentos mais lembrados pela consagração

desses direitos são a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição alemã de Weimar de

1919. Este último diploma consagrou direito à educação, no art. 142 e ss., saúde, art. 119,

previdência, art. 161, função social da propriedade, art. 155, e proteção do trabalhador, art.

157. Até usura foi proibida, art. 152. Apesar disso, o tema só foi consolidado após a 2º Guerra

Mundial.

Desse modo, passa-se de uma isonomia formal para uma formal e material32,

ou seja, uma que busque dar equilíbrio às relações sociais, evitando que a sociedade não caia

nos efeitos extremos da mais-valia33.

Dentre os argumentos teóricos mais utilizados para a consagração desses

direitos é que, para a concretização do direito à liberdade, consagrado na 1ª dimensão, se faz

necessária a garantia de condições mínimas de existência humana digna, visto que, sem tais

meios, tal instituto fica inviabilizado. Simplificando, questiona-se a funcionalidade da:

liberdade de expressão para quem não sabe ler ou escrever, surgindo assim o direito à

educação; liberdade de ir e vir se não tem condições materiais como tempo e dinheiro, face

uma jornada de trabalho que dura 15 horas diárias, sem férias ou descanso semanal

remunerado, ou mesmo uma remuneração digna, fazendo surgir diversos direitos como o

direito ao salário mínimo, repouso semanal remunerado, lazer etc.

Assim, se consagraram os direitos fundamentais de 2ª dimensão, ou direitos

econômicos e sociais, nos quais reconheceu-se que o homem, mesmo livre, necessita do

auxílio da própria sociedade, personificada no Estado, para ter uma existência digna,

desfrutando plenamente de seu direito de liberdade e direitos políticos.

31 VICENTINO, Cláudio. História Geral – São Paulo : Editora Scipione, 2002. p. 296-30232 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Consitucional Positivo, 28.ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Malheiros, 2007. p. 214-215.33 A mais-valia é legado doutrinário de Karl Marx que, numa linguagem simplificada, sustenta que o capitalismo torna necessária a redução dos custos de produção ao máximo a fim de otimizar o lucro e vencer a concorrência do mercado. E redução de custo recai sobre os trabalhadores, forçando-os a produzir mais, ou receber menor remuneração, ou ainda, ambos ao mesmo tempo.

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Por sua vez, o Estado precisou sair de sua condição de inércia para de parte

ativa na Questão Social. Nesse jaez, temos o esclarecedor excerto de Mirkine-Guétzévitch:

O Estado moderno não pode contentar-se com o reconhecimento da independência jurídica do indivíduo; ele deve ao mesmo tempo criar um mínimo de condições jurídicas que permeiam assegurar a independência social do indivíduo.34

No mesmo sentido, André Ramos Tavares:

O Estado passa do isolamento e não-intervenção a uma situação diametralmente oposta. O que essa categoria de novos direitos tem em mira é, analisando-se mais detidamente, a realização do próprio princípio da igualdade. De nada vale assegurarem-se as clássicas liberdades se o indivíduo não dispõe das condições materiais necessárias a seu aproveitamento. Nesse sentido, e só nesse sentido, é que se afirma que tal categoria de direitos se presta como meio para propiciar o desfrute e o exercício pleno de todos os direitos e liberdades. Respeitados os direitos sociais, a democracia acaba fixando os mais sólidos pilares35.

Em suma, pode-se afirmar que os direitos de segunda dimensão vieram ao

encontro dos anseios da massa de miseráveis formada pelo Capitalismo Industrial, na medida

em que se tornaram necessárias intervenções estatais para reequilibrarem as situações

injustiça social estabelecidas pelo referido sistema econômico, almejando a efetivação dos

direitos de 1º dimensão, além de evitar avanços do movimento comunista.

2.1.2.3. Terceira dimensão de direitos fundamentais

34 MIRKINE-GUÉTZÉVITCH, Boris. As novas tendências do direito constitucional. p. 151. Apud Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Direitos humanos fundamentais – São Paulo : Saraiva, 2005. p. 49. 35 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, 5.ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2007. p. 429.

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Evoluindo na esteira dos direitos fundamentais, a humanidade se deparou

com outros graves problemas, evidenciados pela evolução do Capitalismo que culminou no

fenômeno da Globalização: desastres ambientais; crises econômicas; irresponsabilidade

empresarial nas relações de consumo; guerras globais e crimes contra a humanidade.

Diante da insuficiência dos direitos de primeira e segunda dimensões para

tutelar esses problemas comunitários, foram estabelecidos os de terceira, também os

chamados de direitos da solidariedade ou fraternidade.

Aqui cabe fazer uma justa homenagem a Karel Vasak, o qual foi o primeiro

a esquematizar os direitos fundamentais em gerações, bem como identificar a deste sub-

tópico.36

De todo modo, interessante é abordagem de que se faz dos ideais da

revolução francesa com as dimensões dos direitos fundamentais. Vejamos: (...) A primeira

geração seria a dos direitos da liberdade, a segunda, dos direitos da igualdade, a terceira

(...) fraternidade.37

Dentre os direitos abrangidos por estas gerações, temos o direito à paz, ao

desenvolvimento, ao meio ambiente, ao patrimônio comum da humanidade, autodeterminação

dos povos e o direito à comunicação.

Diz-se, em geral, que esses direitos são de titularidade coletiva, e não do

indivíduo especificamente.38

Os diplomas apontados como os primeiros a consagrar esses direitos são

Cartas Internacionais, dentre elas a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, de

1981, e a Carta de Paris para uma nova Europa, de 1990.

Observa-se, no entanto, que desses direitos, em virtude de seu conteúdo

abstrato e controvertido, pouco foi concretizado tendo que ser desenvolvido no seio desta

geração.

36 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais – São Paulo : Saraiva, 2005. p. 57.37 Idem.38 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, 5.ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2007. p. 429.

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30

Como bem ensina Bobbio: “Os chamados direitos de terceira geração, que

constituem uma categoria, para dizer a verdade ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que

nos impede de compreender do que efetivamente se trata”.39

Aliás, é cogente entre os constitucionalistas que o Direito Constitucional do

futuro deve se dirigir para concretização e efetivação desses direitos:

O constitucionalismo do futuro sem dúvida terá de consolidar os chamados direitos humanos de terceira dimensão, incorporados à ideia de constitucionalismo social e valores do constitucionalismo fraterno e de solidariedade, avançando e estabelecendo um equilíbrio entre o constitucionalismo moderno e alguns excessos do contemporâneo.40

A defesa desses direitos é muito débil, sendo certo que muitas vezes sua

promoção depende da boa-vontade política no plano internacional – em respeito a soberania

–, e no plano interno, da eficiência das instituições. Nesse jaez, a efetivação dos direitos

fundamentais de terceira geração constitui um dos grandes desafios da humanidade para o

século 21.

2.2 Direitos fundamentais e Direito Positivo Brasileiro

Ainda que de forma tardia, pode-se dizer com total certeza que o Brasil

consagrou todas as dimensões dos direitos fundamentais, o que se extrai do próprio índice do

Texto Magna de 1988.

Nesta, os direitos fundamentais estão preponderantemente consagrados: de

primeira dimensão, no art. 5.º, e nos arts. 12.º a 16.º; de segunda dimensão, nos arts. 6.º a 11.º;

de terceira dimensão, no art 4.º.

Fala-se em preponderantemente, pois o rol de direitos fundamentais da

Constituição Republicana não é taxativo, mas exemplificativo, o que se extraí de seu art. 5º, §

39 BOBBIO, Noberto. A era dos direitos, 10ª ed – Rio de Janeiro : Campus. 1992. p. 06.40 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Sistematizado, 14ª ed., rev, atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2010. p. 53.

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2º. Nesse aspecto, vale relembrar que o STF já reconheceu que o princípio tributário da

anterioridade é um direito fundamental41. Ademais, muitos direitos fundamentais, como o

direito ao meio ambiente equilibrado e a ordem econômico-social justa, estão consagrados a

partir do artigo 170 da Lei Maior.

Nesse diapasão, todas as dimensões de direitos fundamentais foram

consagradas pela Constituição Federal Brasileira contemporânea.

2.3 Evolução teórica dos direitos fundamentais

Muitas são as teorias que buscam explicar e fundamentar os direitos

fundamentais. Dentre as sistematizações mais interessantes, encontramos a citada pelo ilustre

mestre de Coimbra, Canotilho42, na linha de magistral trabalho de Ernst-Wolfgang

Böckenförde.

De fato, tal estudo se reveste de importância visto que cada uma das teorias

por este citada reflete uma concepção de Estado e constituição, que determinará a

interpretação dos direitos fundamentais, resultante de uma modificação de respostas em face

do mesmo substrato positivo e fático.

Veja-se sucintamente cada uma delas43.

Em primeiro lugar, destaca-se a teoria liberal, a qual prega que os direitos

fundamentais são direitos do particular perante o Estado, sendo que este apenas serve para

garantir as liberdades daquele, e nada mais. Os próprios indivíduos, beneficiados pela

liberdade, se auto-regularão em busca dos seus interesses pessoais.

Como se percebe, esta teoria teve forte influência nos pioneiros dos direitos

fundamentais, ou seja, na primeira dimensão.

De outro lado, cita-se a teoria da ordem de valores, que sustenta que os

direitos fundamentais se atém a um sistema de valores aceitos pela sociedade. Dessa forma, os

41 Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 939-7.42 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 6.ª ed., rev. – Coimbra : Livraria Almedina, 1993. p. 505-511.43 Nesta ordem também se assenta o magistério de Jorge Miranda, conforme verifica-se em sua obra Manual de direito constitucional, tomo IV : direitos fundamentais, 3.ª ed., rev. e atual. – Editora Coimbra, 2000. pg. 49-51.

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direitos fundamentais visariam garantir primariamente a concretização – eficácia ótima – só

do sistema de valores, pela dimensão objetiva dos direitos fundamentais, para, a partir daí, ou

seja, de forma indireta, alcançar os interesses individuais, dimensão subjetiva. Também

aponta a existência de uma escala de valores suscetível de controle e relativização judicial.

Seguindo, a teoria institucional, da mesma forma que a anterior, nega a

primariedade da dimensão subjetiva dos direitos humanos, porém embasa estes preceitos em

uma dimensão institucional. Quer dizer, através das instituições, não de pretensões

individuais, é que se garantirá os direitos fundamentais. Consagra também a necessidade de

ponderação dos direitos fundamentais com outros valores institucionais consagrados na

Constituição. Acrescenta que a defesa da dimensão institucional dá aos direitos fundamentais

também uma dimensão funcional, que tem funcionalidade na medida em que se vinculam e

preservam a instituição que os consagra.

Avançando, consagra-se a teoria social. Assinala que os direitos

fundamentais são dotados de tripla dimensão: individual, institucional e processual. Cada uma

dessas dimensões visa garantir a possibilidade do exercício da liberdade pleiteada na Teoria

Liberal, porém, reconhecendo a impossibilidade da manifestação de tal direito a não ser que

ocorra a intervenção do Estado na promoção de direitos sociais. Nesse esteio, entende que a

intervenção do Estado não é um limite, mas um fim. Assim, a liberdade almejada passa ter

uma dimensão social. Doutro lado, afirma a necessidade de participação dos cidadãos no

processo de concretização dos direitos sociais, ao que se chama dimensão processual dos

direitos fundamentais.

Por outro viés, a teoria democrática funcional defende uma dimensão

teleológico-funcional dos direitos fundamentais visando à proteção da democracia, ou seja, da

ordem que os consagrou. Nesse aspecto, os direitos fundamentais só podem ser exercidos se

coadunarem com o sistema democrático – fora disso se tornam inaceitáveis. Assim, o direito

fundamental corresponderia também ao dever fundamental de ser bom cidadão.

Por último, a teoria socialista dos direitos fundamentais. Essa teoria parte de

um pressuposto antropológico diverso das anteriores. Para estas, o homem é compreendido

como um indivíduo isolável, com autonomia de interesses diante da sociedade. Por sua vez, a

teoria socialista vê o homem como ser primordialmente social, ou seja, é um em face de todas

suas relações sociais. Assim, os interesses do indivíduo se confundem com a da sociedade a

que pertence. Diante deste pressuposto, entende que a única maneira de se dar cumprimento

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aos direitos fundamentais é a partir da apropriação do meio de produção pelos destinatários

desses direitos, bem como pela formação de garantias materiais concretas para tornar

realidade material os bens jurídicos tutelados pelos direitos fundamentais.

Esta última teoria foi acrescentada por Canotilho no rol formado por

Böckenförde.

Cada uma dessas teorias é alvo de duras críticas pela doutrina, até mesmo

pelo próprio Canotilho. Este, no entanto, aponta que cada uma delas preserva sua importância

face a multifuncionalidade dos direitos fundamentais. Explica-se: os direitos fundamentais na

contemporaneidade se irradiam por uma sociedade globalizada, altamente complexa e

multicultural, de forma que, cada uma dessas teorias pode servir de fundamento teórico para

tutelar a dignidade da pessoa humana, conforme convenha ao caso concreto. Veja-se:

Quanto ao problema da escolha livre de uma teoria dos direitos fundamentais, poder-se-ia ser tentado a, caso por caso, mediante uma adaptação tópica, procurar a teoria mais adequada à solução concreta. Significaria isto não haver uma teoria dos direitos fundamentais conforme a constituição (verfassungsgemãsse Grundrechtstheorie31), mas várias teorias pré-compreendidas, iluminadoras da compreensão das normas constitucionais. Aceitar esta conclusão seria não só admitir uma espécie de direito livre intimamente ligado à pré-compreensão do intérprete, como reconhecer a inexistência de um pressuposto constitucional comum, vinculativamente operante na interpretação--concretização dos direitos fundamentais. E este pressuposto constitucional, comum e ineliminável, tendo em vista o carácter compro-missório da Constituição e a síntese dialéctica por ela operada entre os direitos negativos clássicos e os direitos positivos modernos, dificilmente pode ser reconduzido a esquemas teóricos puros. De resto, apenas auxiliam na busca de uma compreensão material, constitucio-nalmente adequada, dos direitos fundamentais. Em suma, torna-se necessária uma doutrina constitucional dos direitos fundamentais, construída com base numa constituição positiva, e não apenas uma teoria de direitos fundamentais de carácter exclusivamente teorético44.

Nesse sentido, também leciona o peruano Cesar Rodrigo Landa Arroyo:

Las diversas teorías de los derechos fundamentales constituyen aportes adecuados para el desarrollo de los derechos de libertad en sus realidades, como también resultan insuficientes para resolver por si solas los problemas

44 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 6.ª ed., rev. – Coimbra : Livraria Almedina, 1993. p. 512.

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contemporáneos de la falta de realización de los derechos fundamentales en todas las regiones con culturas diferentes (82). Por eso, hay que recordar que junto a las teorías de los derechos fundamentales, se encuentran diversas concepciones jurídico culturales de Estado, sociedad, economía y naturaleza, que deben poner en relación de interdependencia a los derechos fundamentales con las variables culturales de cada Estado constitucional, para afrontar integralmente la teoría y la praxis de los derechos fundamentales (83).45

Assim, embora cada uma das teorias supra apontadas tenham suas falhas,

podem dar contribuições parciais para garantir os direitos fundamentais.

Além destas teorias que refletem visões de Estado de Direito e Constituição,

temos ainda outros caminhos teóricos que refletem a origem dos direitos humanos numa

perspectiva filosófica extraída da doutrina jusnaturalista, juspositivista e pós-positivista (neo-

constitucionalismo). Veja-se sucintamente cada uma delas, nos termos de estudo de Fábio

Rodrigo Victoriano46.

A primeira, jusnaturalismo, sustenta que o direito posto deve ser expressão

de um direito natural, ou seja, comprometido com a ordem natural da coisas. Dessa forma, o

legislador deve se ater aquilo que naturalmente deve ser, sob pena de ir contra a lei superior

da natureza, pois essa é anterior ao direito positivado.

Veja-se comentário sobre tal aspecto filosófico de André Franco Montoro:

“O reconhecimento de que o direito positivo encontra seu fundamento e justificação em certas

exigências elementares da natureza humana acompanha a formação histórica do direito” 47.

Nesse sentindo, cite-se excerto de André Ramos Tavares:

Em suma, o jusnaturalismo defende a existência de direitos naturais do indivíduo são que são originários e inalienáveis, em função dos quais, e para sua segurança, concebe-se o Estado.

45 ARROYO, Cesar Rodrigo Landa. Teorías de los derechos fundamentales. En: Cuestiones Constitucionales, Revista Mexicana de Derecho Constitucional, N° 6, Enero-Junio, 2002, México. Disponível em http://www.juridicas.unam.mx/publica/rev/cconst/cont/6/ard/ard3.htm, acessado em 01/08/2011.46 VICTORIANO, Fábio Rodrigo. Evolução da teoria dos direitos fundamentais. In: Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 39, p. 10-21 out/dez. 2007, que também cooperou no entendimento dos estudos de Ernst-Wolfgang Böckenförde.47 MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito, 25.ª ed. – São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999. p. 257.

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São direitos que, portanto, não incumbe ao Estado outorgar, mas sim reconhecer e aprovar formalmente.48

Quando se fala em universal e eterna, relembre-se a primeira dimensão dos

direitos fundamentais. De fato, tal doutrina jusfilosófica influenciou o desenvolvimento inicial

da primeira dimensão.

Dentre os adeptos do jusnaturalismo, encontram-se quase todos os autores

da antiguidade, entre eles, Platão, Aristóteles, Cícero, Ulpiano etc.; na idade média, São

Tomás de Aquino; e na idade moderna, filósofos como Montesquieu, Russeau e Kant.

Resumindo, entende essa corrente jusfilosófica que da natureza das coisas

decorre a lei, e, como essa natureza é uma só, não importando tempo, lugar ou cultura, tal lei é

universal e imutável. Nesse aspecto, a lei naturalmente atingiria todos os homens,

indiscriminadamente, que resulta na aplicação uniforme dos direitos do homem, sem

preocupação com o contexto sócio-cultural em que seus destinatários, parte passiva ou ativa,

então inseridos.

Doutro lado, o positivismo se levanta como uma nova corrente filosófica

encabeçada por Comte, e, no direito, por Kelsen – positivismo jurídico.

O positivismo jurídico é traduz a busca pela purificação do Direito.

Explique-se: para o direito cabe apenas a aplicação da norma ao caso concreto, por um

critério de subsunção desta àquela. Também trabalha-se com a questão da validade da norma,

mediante sua conformidade, material e formal, com outras normas que lhe são superiores.

Dessa forma, busca-se anular juízos de valor no estudo e aplicação do Direito.

A esse respeito, cabe transcrever mais uma vez lições de Montoro:

O positivismo jurídico, apesar de ligar-se à mesma linha de pensamento, ao se confunde com o positivismo científico ou positivismo filosófico. Ele consiste fundamentalmente na identificação do “direito” com o “direito positivo”. Direito natural, princípios de justiça e conceitos semelhantes estão fora do campo da ciência do direito. São, no dizer de Kelsen, elementos ideológicos oi metajurídicos. [...]49

48 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, 5.ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2007. p. 416.49 MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito, 25.ª ed. – São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999. p. 252.

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Doutro lado, comenta Tavares:

Para os positivistas, os direitos naturais não integram propriamente O Direito, consistindo sim em uma categoria de regras morais, filosóficas ou ideológicas que, no máximo, influenciam o Direito. Só quando a este incorporadas é que – pela visão positivista – podem-se considerar regras cogentes.

Partindo de tais premissas, concebe-se a positivação não mais com cunho declaratório, mas como ato de criação e, pois, constitutivo. [...]50

Para os direitos fundamentais, isso se torna importante na medida em que

sua existência está vinculada a sua positivação. Direitos naturais, ou seja, não positivados,

ainda que aceitos pela sociedade, não são direitos, são normas morais desprovidas de

juridicidade.

O principal benefício dessa teoria foi a fundamentação teórica dos direitos

fundamentais como instituto pertencente ao topo do sistema jurídico – Constituição –,

valendo-se sobre todas as demais – leis ordinárias, decretos, contratos etc.–, além de permitir

que o Sistema Jurídico-Normativo fosse dotado de maior segurança jurídica.

Avançando, o pós-positivismo acrescenta ao positivismo algumas

incrementações, com o objetivo de humanizar o Direito, na medida em que este, pela

aplicação crua, deu azo a flagrantes atentados à humanidade durante e após a Segunda Guerra

Mundial.

Nesse sentido, primorosas são as lições do ilustríssimo Luís Roberto

Barroso, que ensina:

O jusnaturalismo moderno, desenvolvido a partir do século XVI, aproximou a lei da razão e transformou-se na filosofia natural do Direito. Fundado na crença em princípios de justiça universalmente válidos, foi o combustível das revoluções liberais e chegou ao apogeu com as Constituições escritas e as codificações. Considerado metafísico e anti-científico, o direito natural foi empurrado para a margem da história pela ascensão do positivismo jurídico,

50 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, 5.ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2007. p. 417.

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no final do século XIX. Em busca de objetividade científica, o positivismo equiparou o Direito à lei, afastou-o da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça e dominou o pensamento jurídico da primeira metade do século XX. Sua decadência é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da 2a. Guerra, a ética e os valores começam a retornar ao Direito.51

E a seguir, Barroso arremata com a novel corrente constitucionalista:

A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de idéias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e a filosofia.52

Ensina ainda o conspícuo jurista que três são os marcos teóricos do neo-

constitucionalismo:

No plano teórico, três grandes transformações subverteram o conhecimento convencional relativamente à aplicação do direito constitucional: a) o reconhecimento de força normativa à Constituição; b) a expansão da jurisdição constitucional; c) o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. [...]53

51 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitionalismo e a Constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Disponível, dentre outros endereços eletrônico, em http://www.direitodoestado.com /revista/RERE-9-MAR%C7O-2007-LUIZ%20ROBERTO%20BARROSO.pdf, acessado em 19/09/2011.52 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitionalismo e a Constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Disponível, dentre outros endereços eletrônico, em http://www.direitodoestado.com /revista/RERE-9-MAR%C7O-2007-LUIZ%20ROBERTO%20BARROSO.pdf, acessado em 19/09/2011.53 Idem.

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Resumindo a sistematização de Barroso, tem-se que no neo-

constitucionalismo/pós-positivismo: 1- a Constituição ganha força normativa, revelando

atributos de norma jurídica hierarquicamente superior a todas as demais normas do

ordenamento; 2- as normas infraconstitucionais podem passar pelo crivo de Poder

Jurisdicional para avaliação de adequação – material e formal – com a Constituição; 3- as

normas constitucionais devem ser interpretadas a luz de novas regras hermenêuticas, além das

clássicas.

No que se refere a essa última observação, cumpre transcrever excerto do

mencionado artigo:

A interpretação jurídica tradicional desenvolveu sobre duas grandes premissas: (i) quanto ao papel da norma, cabe a ela oferecer, no seu relato abstrato, a solução para os problemas jurídicos; (ii) quanto ao papel do juiz, cabe a ele identificar, no ordenamento jurídico, a norma aplicável ao problema a ser resolvido, revelando a solução nela contida. Vale dizer: a resposta para os problemas está integralmente no sistema jurídico e o intérprete desempenha uma função técnica de conhecimento, de formulação de juízos de fato. No modelo convencional, as normas são percebidas como regras, enunciados descritivos de condutas a serem seguidas, aplicáveis mediante subsunção.

Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou- se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis.

Assim, no pós-positivismo, o jurista não se detém somente na análise de

validade de norma jurídica positivada e sua aplicabilidade ao caso concreto, amputando-se seu

juízo de valor. Isso se daria por dois fatores, em síntese.

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Primeiro, porque não há como o julgador se despojar na sua apreciação

jurídica de seus juízos de valor.

Segundo, porque existem dois tipos de norma jurídica: primeira seriam as

regras, como já categoricamente afirmado pelo positivismo, que se aplicam por subsunção do

fato a este tipo de norma; a segunda, seriam os princípio, que se aplicam por ponderação,

otimizando valores insculpidos no ordenamento, dando significado e legitimidade às normas

jurídicas.

Dessa forma, se daria nova vida ao Direito, ao reconhecer e legitimar os

juízos de valor do jurista, na atividade da construção do sistema jurídico.

Para os direitos fundamentais isso implica numa aplicação e interpretação

mais adaptada aos anseios de uma sociedade complexa, que exige um misto de segurança

jurídica com justiça, bem como de atualização de sua tutela, mesmo face a inércia e

morosidade da atividade legislativa.

2.4. Definição

Diante de toda essa evolução teórica, convém tecer algumas observações

sobre a definição dos direitos fundamentais.

Como dito inicialmente, a complexidade do tema leva alguns autores a nem

se referirem a questão, no entanto, pode-se apresentar algumas das formulações que serão

suficientes para o decorrer deste trabalho científico.

Dentre as definições encontradas, veja-se a de Dimitri Dimoulis e Leonardo

Martins:

Direito fundamentais são direitos públicos-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram carárter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade imitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual.54

54 DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais – São Paulo : Revista dos Tribunais, 2008. p. 54.

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Doutra forma define Uadi Lâmmego Bulos:

Direitos fundamentais são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem cor, condição econômica ou status social.55

Aparentemente, quem traz a melhor definição é a obra de Sylvio Motta e

Gustavo Barchet, na medida em que ressaltam a dimensão formal, ou seja, previsão

constitucional, e material, que reflete a essencialidade para existência humana digna, dos

direitos fundamentais:

Reunindo estas duas acepções, podemos definir direitos fundamentais como o conjunto de direitos que, em determinado período histórico e em certa sociedade, são reputados essenciais, para seus membros, e assim são tratados pela Constituição, com o que se tornam passíveis de serem exigidos e exercitas, singular ou coletivamente.56

Portanto, observa-se que não é pacífica a definição de direitos fundamentais,

sendo certo que cada uma das definições, até as não incluídas no corpo desta obra, dão

contribuições parciais para o correto entendimento desses institutos jurídicos.

Visto, ainda que de forma sucinta, a história, o contexto pátrio de

positivação, a evolução teórica e as definições dos direitos fundamentais, pode-se avançar no

estudo em direção à sua eficácia horizontal.

55 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Consitucional, 4.ª ed. – São Paulo : Sarava, 2009. p. 429.56 MOTTA, Sylvio. BARCHET, Gustavo. Curso de Direito Constitucional – Rio de Janeiro : Elsevier, 2007. p. 147.

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3. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais

Vimos no capítulo anterior os aspectos principais dos direitos fundamentais,

tais como: seu desenvolvimento histórico e as diversas teorias que visaram dar-lhes adequada

base teórica.

Cumpre agora aprofundar o tema proposto no que se refere à eficácia dos

direitos fundamentais nas relações regidas pelo Direito Privado.

3.1. Premissas teóricas

Antes de adentrarmos na discussão específica da eficácia horizontal dos

diretos fundamentais, convém cotejar suas premissas teóricas. Preliminarmente estudaremos a

constitucionalização e a personalização do Direito Privado, a dimensão objetiva dos direitos

fundamentais e a tutela constitucional da liberdade e da autonomia privada.

3.1.1 Constitucionalização e personalização do Direito Privado.

Na fase final da Idade Média, concomitante com o florescer do

mercantilismo, a regulação das relações interprivadas se tornou uma forte preocupação nos

países europeus. Nestes havia um grave problema que dificultava livre curso do comércio:

existia um ordenamento jurídico para cada região ou localidade, consagrado pela relativa

independência que desfrutavam na era feudal.

Nesse sentido, com a centralização e fortalecimento dos estados europeus,

durante a Idade Moderna, houve um grande esforço legislativo na unificação e sistematização

das normas jurídicas, visando, sobretudo, dar segurança jurídica às relações negociais,

conforme ensinos de Faccini:

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A partir do final da idade média, com a formação do Estado moderno, há uma nova internepenetração entre o público e o privado, com uma funcionalização do público ao privado (pois interessava à burguesia emergente o fortalecimento da monarquia nacional, já que um governo centralizado e único tenderia a favorecer o desenvolvimento do comércio, reduzindo as barreiras alfandegárias, as múltiplas moedas, etc.) mas também com uma funcionalização do privado ao público (já que igualmente interessava ao monarca o fortalecimento da burguesia, de quem se cobravam tributos cada vez maiores, e de quem aquele obtinha empréstimos para financiar suas campanhas militares e outro empreendimentos régios).57

Garantir o direito de propriedade, bem como a sua livre circulação, sob

segurança jurídica, eram prioridades aos juristas da época pós-Idade Média – que inspirados

na Escola Exegética do Direito, seguindo também os exemplos deixados pelo Direito Romano

– culminaram na formação do Código Civil Francês, ou de Napoleão, em 1804.

De fato, o surgimento do diploma representou um marco do racionalismo

jurídico, com vista a regulamentação total do Direito Privado, num sistema que fosse ao

mesmo tempo uno, ordenado, rígido e completo – sem necessidade de interpretações judiciais.

Veja-se o escólio de Daniel Sarmento:

[...] A idéia de Código associa-se, por outro lado, à de sistema. Se a sistematização favorece a clareza, a harmonia e a ordem de objetos sistematizado, codificar o Direito significava revesti-lo com aqueles mesmos predicados, tornando-o mais simples e seguro.

[...]

Os códigos encampavam assim os interesses da burguesia, protegendo a propriedade e a autonomia contratual, e conferindo segurança ao trânsito jurídico, essencial para o desenvolvimento do capitalismo. Vivia-se, como registrou Natalino Irti, na “Era da Segurança” [...] 58

Outrossim, destacava-se, inclusive, uma extrema separação entre o Direito

Privado e o Direito Público, ao ponto que se entendia que a Constituição influenciava

somente as relações regidas por este ramo do Direito, e não pelo primeiro.59

57 FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In : Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, 2.ª ed., rev. e ampl. – Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2006. p . 18.58 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 68.

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Nesse espírito, perdurou o Direito Privado por um longo período até que,

em primeiro lugar, fosse constatada a insuficiência e incompletude da legislação ordinária em

si, para a regulação das relações civis, resultado do aumento da complexidade social,

engendrada pelo capitalismo moderno e pela globalização, tornando absolutamente necessária

a integração e interpretação das leis pelo Poder Judiciário.

Por outro lado, a ideia de que a Constituição não influenciava o Direito

Privado ficou ultrapassada. Primeiro, porque a própria separação entre Público e Privado se

tornou cada vez mais tênue. Segundo, porque a doutrina tem consagrada a ideia de que a Lei

Maior é dotada de uma força normativa, inclusive na consagração dos direitos fundamentais,

estes que irradiam por todo o ordenamento jurídico – eficácia irradiante –, influenciando

também a legislação do Direito Privado. A esse respeito, comenta Vinícius Cardona Franca:

Com o advento do Estado Social, a Constituição deixou de ser mero estatuto do Estado para se alçar à qualidade de norma máxima reguladora da vida em sociedade. A posição hierárquica superior da norma constitucional e a concepção de sua força normativa fizeram surtir dois efeitos: a limitação do legislador ordinário, que passou a jungir aos preceitos constitucionais na confecção do direito privado, e a necessidade de proceder a uma completa releitura hermenêutica dos seus vetustos princípios e institutos, não a fim de elidi-los, mas, antes, a fim de conformá-los aos princípios e aos mesmos valores consagrados constitucionalmente.

Controvérsias à parte, é possível asseverar que a constituição assumiu a posição de “astro-rei” do sistema jurídico, ao redor do qual gravitam todos os demais ramos, normas, princípios e institutos. De forma mais especial, assumiu a posição de epicentro do sistema o princípio da dignidade da pessoa humana, que passou a constituir o paradigma máximo de interpretação e aplicação da constituição.60

Noutro jaez, o Direito Privado tem passado por um movimento de mudança

de foco: deixando de ser o patrimônio, para se tornar a pessoa. Pode-se afirmar que esse ramo

do Direito passou a se preocupar muito mais com o ser do que com o ter61 – como resultado

59 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 70.60 FRANCA, Vinícius Cardona. Aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas. Dissertação de mestrado pela Universidade Federal da Bahia, 2009. p. 38.61 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 90 e ss.

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não só da eficácia da irradiante dos direitos fundamentais, mas também de um

reconhecimento da necessidade de especial proteção à dignidade da pessoa humana62.

Destaca-se, também, a consagração pelo legislador de uma normatização

mais aberta, com cláusulas gerais, deixadas para serem preenchidas pelo exercício do poder

jurisdicional – interpretando a legislação, agora assumidamente incompleta, de modo que

corresponda aos avanços e anseios da sociedade moderna, guiado pelos direitos fundamentais

e princípios constitucionais.63

Esses fatores e outros mais levaram a uma mudança de entendimento do que

seria o Direito Privado, sendo certo que a partir de então começaram a surgir expressões como

Direito Civil-Constitucional, Direito Empresarial-Constitucional etc.

Em resumo, pode-se afirmar que o entendimento do que seja o Direito

Privado passou por uma forte mudança, na medida em que seu norte não seria mais a

legislação ordinária, mas sim a Constituição – e que a sua completude e interpretação seriam

inevitavelmente obra do Poder Judiciário, este também guiado pelos valores veiculados pela

Carta Magna, e, notadamente, pelos direitos fundamentais.

3.1.2. Dimensão objetiva dos direitos fundamentais

Outra premissa é o reconhecimento da dimensão objetiva dos direitos

fundamentais, teoria que tem como base jurídica-filosófica a doutrina de George Jellinek,

declinada no livro Sistema de Direitos Públicos Subjetivos. A consagração dos direitos

fundamentais criava no indivíduo quatro status: subjetivo, em que o indivíduo deveria

submeter-se ao Estado; negativo, em que o Estado deveria se abster de interferir nas relações

dos indivíduos entre si; ativo, pelo qual o indivíduo poderia participar da formação da vontade

do Estado; positivo, pelo qual o indivíduo poderia exigir do Estado alguma prestação64.

Partindo dessa fundamentação, surgiram novas teorias, visando dar aos

direitos fundamentais um conteúdo menos individualista – demonstrando que não se

62 Idem. p. 88 e ss.63 Ibidem. p. 73.64 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Sistematizado, 14ª ed. rev, atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2010. p. 744.

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restringiam a direitos subjetivos, muito menos a direitos de proteção contra ingerências do

Estado – reflexo do status positivo.

Senão veja-se lições de Gilmar Ferreira Mendes:

A dimensão objetiva resulta do significado dos direitos fundamentais como princípios básicos da ordem constitucional. Os direitos fundamentais participam da essência do Estado de Direito democrático, operando como limite do pode e diretriz para a sua ação. As constituições democráticas assumem um sistema de valores que os direitos fundamentais revelam e positivam. Esse fenômeno faz com que os direitos fundamentais influam sobre todo o ordenamento jurídico, servindo de norte para a ação de todos os poderes constituídos.

Os direitos fundamentais, assim, transcendem, a perspectiva da garantia das posições individuais, para alcançar a estatura de normas que filtram os valores básicos da sociedade política, expandindo-os para todo o direito positivo. Forma, pois a base do ordenamento jurídico democrático.65

Nesse sentido, Carl Schmitt prega uma visão dos direitos fundamentais

como garantias institucionais estabelecidas pela ordem constitucional, uma vez que através

das instituições que esses direitos seriam efetivados, no seio e por meio da sociedade, o que se

deduziria pelo fato de que é nela que os indivíduos se relacionam e convivem.66 Sobre o tema,

vale lembrar as palavras de Paulo Bonavides:

Com o advento dos direitos fundamentais da segunda geração, os publicistas alemães, a partir de Schmitt, descobriram também o aspecto objetivo, a garantia de valores e princípios com que escudar e proteger as instituições.

Os direitos sociais fizeram nascer à consciência de que tão importante quanto salvaguardar o indivíduo, conforme ocorrera na concepção clássica dos direitos da liberdade, era proteger a instituição, uma realidade social muito mais rica e aberta à participação criativa e à valoração da personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista, onde se formara o culto liberal do homem abstrato e insulado, sem a densidade dos valores existenciais, aqueles que unicamente o social proporciona plenitude.67

65 MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, 4.ª ed, rev. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2009. p. 300.66 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 110.67 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 15.ª ed.- Malheiros, São Paulo. p. 565.

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Rudolf Smend, por outro lado, leciona que a Constituição prescreve valores

subjacentes ao seu sistema normativo, ao que se denomina teoria da ordem de valores, que se

propagam por todo o ordenamento, vinculando seus destinatários – inclusive particulares –, a

fim de promover a integração entre os indivíduos, permitindo em sua convivência o

cumprimento dos direitos fundamentais. Esses valores também influenciariam a ordem

jurídica através da legitimação do Estado, guiando a hermenêutica da legislação, tornando-a

um todo unitário e ordenado, pela irradiação de seus efeitos68.

Quanto a essa teoria, embora apoiada por Otto Bachof, e utilizada em

decisões de Cortes Supremas, a exemplo do BverfGE 7, 198, na Alemanha, e ADIN 595, no

Brasil, foram-lhe endereçadas críticas de Ernst Forsthoff, Gisele Cittadino e Konrad Hesse, ao

afirmarem que a idealização da Constituição unicamente como uma ordem de valores geraria

insegurança jurídica; inclusive podendo abrir azo ao descumprimento dos direitos

fundamentais, pela margem de interpretação deixada, uma vez que não existiria uma prévia

determinação de qual seriam esses valores bem como a escala em que seriam dispostos em

caso de confrontação. Nesse sentido, vejamos o escólio de Bonavides:

Em Smend os direitos fundamentais se inserem no processo integrativo da ordem estatal, na sua existencialidade política, e justamente contemplarem essa dimensão eles já não se identificam, enquanto categoria autônoma, com os direitos humanos da versão genérica, abstrata e universalista que tanto marcou as formulaçãoes franco-anglo-americanas; são eles sempre e necessariamente os direitos fundamentais de uma coletividade nacional, assinalados por esse traço de exclusivismo e objetivação, presos, portanto a valores cuja síntese compõe a expressão integrativa do ordenamento jurídico-espiritual.

[...]

O direito fundamental, à luz dessa inteligência hermenêutica, não é norma, mas valor. Não é norma pelo menos no sentido habitual do positivismo normativista. Sua função na concepção de Smend é, sobretudo, por uma determinada perspectiva, a de legitimar o próprio Estado, do qual ele, como ordem objetiva de integração, não se pode desmembrar.69

Por outro viés, na guisa da teoria dos valores, chegou-se a constatação de

que, ao mesmo tempo em que uma Constituição consagra direitos fundamentais, também

68 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 111 e ss.69 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 15.ª ed.- Malheiros, São Paulo. p. 625.

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consagra deveres fundamentais70, a serem cumpridos por toda coletividade, cooperando com a

atuação do Estado – o que, segundo Jorge Miranda, pode justificar uma restrição aos direitos

fundamentais. Veja-se:

21. Direitos fundamentais e deveres fundamentais:

I - Simétricos dos direitos fundamentais apresentam-se os deveres fundamentais - quer dizer, as situações jurídicas de necessidade ou de adstrição constitucionalmente estabelecidas (t), impostas às pessoas frente ao poder político ou, por decorrência de direitos ou ínteresses difusos, a certas pessoas perante outras.

[...]

Se seria forçado afirmar que as normas prescritivas de deveres equivalem, no fundo (ou equivalem sempre), a normas permissivas de intervenção do Estado, seguro é que, duma forma ou doutra, acarretam (ou podem acarretar) limites e restrições de direitos. Por isso, a sua interpretação e a sua aplicação não podem fazer-se em termos idênticos aos da interpretação e da aplicação das normas de direitos fundamentais e requerem particularíssimos cuidados.71

Em suma, a dimensão objetiva revela uma visão comunitária dos direitos

fundamentais em que todos, inclusive os particulares, têm o dever de promover o seu

cumprimento. Nessa linha, a objetividade faz com que esses institutos transcendam ao

domínio das relações entre cidadão e Estado, alcançando a relação inter-privada, limitando a

autonomia e liberdade dos entes não públicos em prol da proteção da dignidade da pessoa

humana.

Frise-se que a dimensão objetiva não anula a dimensão subjetiva dos

direitos fundamentais, mas sim a reforça, auxiliando o Estado na efetivação destes institutos

jusfundamentais.

Ademais, a dimensão objetiva adiciona uma eficácia irradiante aos direitos

fundamentais. Essa eficácia significa a transcendência dos valores emanados pela

Constituição a todo ordenamento jurídico, gerando duas ferramentas para interpretação e

70 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 128 e ss.71 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, tomo IV : direitos fundamentais, 3.ª ed., rev. e atual. – Editora Coimbra, 2000. p. 76-77.

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aplicação das normas infraconstitucionais: princípio da hermenêutica e mecanismo de

controle de constitucionalidade – interpretação conforme a Constituição.

Como princípio da hermenêutica, a eficácia irradiante leva o jurista a uma

interpretação do ordenamento jurídico à luz dos direitos fundamentais. Isso se dá através da

“interpretação e aplicação de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, presentes

na legislação infraconstitucional”72, tais como boa-fé, ordem pública, interesse público, abuso

de direito.

Outrossim, o mecanismo de controle de constitucionalidade permite a

declaração de inconstitucionalidade de uma norma, sem reduzir-lhe o texto, mas somente

determinando-lhe a exegese mais apropriada ao sistema jurídico na perspectiva da Lei

Fundamental73.

Outro fator relacionado à eficácia irradiante é o efeito unificador do sistema

normativo integrado nos valores emanados pelos direitos fundamentais, convertendo esses em

vetor principal de sua aplicação, nos termos do escólio de Tavares:

Podem-se assinalar como conseqüências decorrentes da concepção objetiva dos direitos fundamentais, a sua “eficácia irradiante” e a “teoria dos deveres estatais de proteção”.

A eficácia irradiante obriga que todo o ordenamento jurídico estatal seja condicionado pelo respeito e pela vivência dos direitos fundamentais. A teoria dos deveres estatais de proteção pressupõe o Estado (Estado-legislador; Estado-administrador e Estado-juiz) como parceiro na realização dos direitos fundamentais, e não como seu inimigo, incubindo-lhe sua proteção diuturna.74

Nessa linha, tanto a Corte Constitucional da Alemanha, no julgamento 25

BverfGE 256, quanto o Conselho de Estado da França, no famoso caso do lançamento dos

anões da cidade de Morsang-sur-Orge, de numeração desconhecida, deram aplicação a essa

teoria.

Outro aspecto relevante da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, é

que ela abre azo a formação da teoria dos deveres de proteção. Nas palavras de Sarmento:

72 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 127.73 Idem. p. 124.74 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, 5.ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2007. p. 434.

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Hoje, garantir os direitos do homem significa protegê-lo nos mais diferentes contextos, públicos ou privados. O Estado, que apesar das múltiplas crises que enfrenta ainda é o principal garantidor dos direitos fundamentais.75

Portanto, o Estado deve não apenas deixar de violar os direitos

fundamentais, mas também protegê-los das investidas de terceiros; saindo de uma postura

abstencionista, típica do Estado liberal, para uma prestacional/ativa, conduta de um Estado

Social.

3.1.3 Tutela da autonomia privada e da liberdade

A liberdade e autonomia privada foram as primeiras conquistas no campo

dos direitos fundamentais, ambas constituindo notas marcantes na primeira dimensão desses

institutos. Refletem o primeiro anseio da sociedade moderna, ponta-de-lança para a

construção e edificação constitucional de todos os direitos fundamentais.76

Sem essa liberdade, resta comprometida a democracia e a dignidade da

pessoa humana. Afinal, ela pressupõe um ambiente aberto para discussão de ideias e

fiscalização dos governantes. A democracia é indissociável da liberdade, pois vincula-se a

uma ideia de autonomia, de autocondução da vida privada, possibilitando a realização

existencial.77

Não se pode esquecer que liberdade, relembrando comentários do estudo da

segunda dimensão dos direitos fundamentais, para ter efetividade social: “não basta o simples

reconhecimento [...], sem que se confiram as condições mínimas para que seus titulares

possam efetivamente desfrutá-las”78.

75 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 129.76 Conferir disposições do capítulo 2 desta monografia.77 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 154 e ss.78 Idem. p. 151.

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A liberdade, para ser efetivamente desfrutada, requer o acesso a bens

essenciais a existência digna, como emprego, moradia, alimentação, saúde, etc. Daí que a

liberdade assume um significado mais material na segunda geração dos direitos fundamentais,

veiculando-se ela pela igualdade material.

Mormente a liberdade seja tão cara ao sistema jurídico constitucional, é

cogente que ela não é um direito absoluto: os filósofos do iluminismo já afirmavam que para

formação da sociedade é essencial a limitação da liberdade de todos, a fim de possibilitar uma

coexistência equilibrada e pacífica. A responsabilidade de regular essa liberdade é do Estado,

que só pode fazê-lo baseado em lei, o que se denomina princípio da legalidade, conforme bem

expõe o artigo 5º, II, de nossa Constituição Federal79.

No entanto, sabendo que a liberdade ou autonomia pode ser limitada, a

doutrina visa esclarecer até onde o Estado pode ir nessa limitação de liberdade.

A esse questionamento a jurisprudência norte-americana estabeleceu um

mecanismo dual de apreciação de leis que limitam a autonomia privada, cuja autoria se atribui

ao Juiz Stone80.

Esse mecanismo, primeiramente, busca identificar que tipo de liberdade a

lei visa limitar: se uma liberdade econômica ou patrimonial, interferindo na autonomia

contratual e na livre iniciativa, ou se uma liberdade pessoal ou subjetiva, inerente à decisões

existenciais do ser humano.

Se limita a liberdade econômica o julgador deve manter uma postura mais

cautelosa na declaração de inconstitucionalidade da restrição, tendo em vista que tais

liberdades comumente necessitam de cerceamento para o bom convívio social, visando dar

funcionalidade a esse tipo de autonomia – só inutilizando a lei caso se revele totalmente

desarrazoada dos fins colimados do sistema jurídico constitucional.

Doutra forma, caso a liberdade cerceada seja existencial, o órgão

jurisdicional deve manter uma postura mais ativa, em face da essencialidade de tal autonomia

para a segurança do Estado democrático de direito – demonstrando que a restrição é

absolutamente indispensável.

79 Art. 5º, II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;80 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 187 e ss.

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Essa teoria foi utilizada para avaliar leis que limitavam a autonomia privada

como nos casos que envolviam questões de planejamento familiar, anticoncepcionais, aborto e

homossexualismo.

Dessarte a jurisprudência norte-americana entende que existe uma escala de

liberdades constitucionais cuja restrição será maior para as liberdades econômicas que as

existenciais.

Na Alemanha segue-se o entendimento semelhante: partindo “da ideia da

existência de uma ordem constitucional de valores, que tem no seu vértice o princípio da

dignidade da pessoa humana”81. Assim levando em conta o princípio da proporcionalidade,

tem-se que dignas de maior proteção as liberdades existenciais que patrimoniais ou

econômicas, na medida em que diretamente ligadas à dignidade da pessoa humana.

Confirmando essa teoria, a Corte Constitucional alemã já firmou

entendimento que o direito de propriedade não é absoluto uma vez que deve atender uma

função social tendo em vista o bem comum. Destaca-se, nessa inteligência os julgamentos

identificados como 58 BverfGE 300 e 50 BverfGE 290.

Por sua vez, deve-se levar em conta que a liberdade pode sofrer atentados

não só provenientes do Estado, mas também de entes privados, que, abusando de seu poder

econômico-social, influenciam a vida das pessoas, atentando contra sua dignidade e

autonomia. Veja-se excerto de Queiroz:

As decisões e manifestações destes centros são, por muitas vezes, tão imperativas e executória, que muito se assemelham às de um órgão administrativo estatal, gerando uma aproximação substancial das formas de dominação.

Fica evidente que no estado social presente, a constante dependência econômica, a disparidade subjetiva desenvolvida pela Lex Mercatoria transforma a desigualdade entre as partes, aceitável em uma economia capitalista, em falta de liberdade individual, incitando a proteção constitucional na esfera da autonomia privada.

Segundo Bobbio não importa o quão livre seja o indivíduo frente ao Estado se depois não é livre na sociedade, tampouco a existência de um Estado Liberal se vive em uma sociedade despótica.82

81 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 171.82 QUERIOZ, André Luiz Tomasi. Teorias da Horizontalização dos Direitos Fundamentais – Disponível no endereço eletrônico http://www.flaviotartuce.adv.br/artigosc/horizontal_and.doc, acessado em 10 de outubro de

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Trazendo a apreciação da liberdade ao âmbito das relações privadas, deve-se

levar em consideração que o sistema capitalista pode desequilibrar as relações de poder, sendo

comum encontrarmos um particular hipossuficiente sendo tolhido de seus direitos

fundamentais, constrangido por poderes não estatais.

A tais fatores o Direito não pode ficar indiferente, uma vez que não se pode

ignorar a desigualdade nas relações interprivadas, sob pena de se consolidar, pela omissão,

afrontas aos direitos fundamentais sob o pretexto de uma falsa liberdade.

É nesse espírito que se assentam as teorias afirmativas da eficácia horizontal

dos direitos fundamentais. Por outro lado, como descrever-se-á, é justamente por ignorar, ou

dar pouca relevância, a essa realidade que se perfazem as doutrinas negativas da eficácia

interprivada.

3.2 Teorias da eficácia horizontal dos direitos fundamentais

Os direitos fundamentais, originalmente foram pensados para serem

institutos que regulassem a relação entre Estado e cidadão, conferindo a este, tanto direitos de

proteção contra abusos estatais – através da consagração dos direitos individuais e políticos –,

como direito a prestação de bens essenciais – pela consagração dos direitos socio-econômico-

culturais. Dessa forma, estabeleceu-se uma relação genuinamente vertical, na medida em que,

o cidadão para desfrutar desses direitos, também deveria obedecer ás regras jurídicas

estipuladas pelo ente estatal.83

No entanto, o Tribunal Constitucional Alemão se deparou com um caso,

denominado caso Lüth, nos anos ciquenta, pós-segunda guerra mundial, em que se discutiu

justamente aplicabilidade dos direitos fundamentais aos particulares, num litígio em que

defrontavam o direito de opinião e livre expressão em face do direito a indenização84.

2011. p. 3-4.83 Conferir quadro ilustrativo de COTTIM, Armando António de Jesus. Da vinculação de entidades privadas aos direitos fundamentais. Contributo para uma teoria de construção. Lisboa, 2006, Disponível no endereço eletrônico http://www.ipbeja.pt/Paginas/default.aspx, acessado em 10 de outubro de 2011. p. 6.84 Um cineasta promoveu um boicote bem sucedido ao filme doutro cineasta uma vez que este participou de campanhas publicitárias do partido nazista – sendo considerado um anti-semita. O segundo ajuizou ação de indenização, o primeiro se defendeu alegando direito a liberdade de expressão e opinião.

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A partir de então, iniciou-se a discussão doutrinária a respeito da eficácia

dos direitos fundamentais entre particulares, uma eficácia horizontal – tanto na sua existência,

como na sua maneira de aplicação.

O desenvolvimento das teorias da eficácia horizontal dos direitos

fundamentais operou-se em diversas matizes no seio da doutrina e jurisprudência dos países

estrangeiros, sendo nítida a formulação de teorias tanto negativas e como afirmativas do tema

em apreço.

Adiante-se que, atualmente, é majoritária a corrente doutrinária que

reconhece o “Drittwirkung”, sendo certo que a discussão se aprofunda muito mais no modo

que se aplicarão às relações interprivadas85.

Vale lembrar que o tema também pode ser estudado com a denominação

diversa, a saber, utilizando-se de expressões como aplicabilidade ou vinculação dos

particulares aos direitos fundamentais. Diferença que não compromete o estudo.

Nesse sentido, estudar-se-á as seguintes teorias: negação da eficácia dos

direitos fundamentais nas relações privadas; doutrina do “State Action”; teoria da eficácia

indireta e mediata; teoria da eficácia direta e imediata.

Aqui cabe ressaltar a importância da indelével obra monográfica de

coorientação deste trabalho de conclusão, cuja marcante contribuição será percebida nas

próximas citações.

3.2.1. Teoria da negação

A presente teoria nega a vinculação dos entes privados aos direitos

fundamentais, defendendo que estes são dirigidos tão somente ao Estado. Seus primeiros

defensores, Mangoldt e Forsthoff, esgrimaram argumentos na guisa do desenvolvimento

histórico liberal dos direitos fundamentais nos quais se destacaram a subjetividade passiva do

Estado, na medida em que somente este seria responsável pelo cumprimento dos direitos

fundamentais o que se confirmava pela não inclusão expressa pelo constituinte da vinculação

85 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais e relação entre particulares. In : Revista Direito GV Direito, V.1, nº 1. p. 174.

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subjetiva passiva dos particulares a tais institutos. E também alegavam que “a eficácia

horizontal fulminaria a autonomia individual, destruiria a identidade do direito privado” [...]

“com efeitos devastadores para a segurança jurídica”.86

Nesse sentido, ensina André Luiz Tomasi Queiroz:

Por essa teoria, enraizada na própria concepção do Estado Liberal Clássico, os direitos fundamentais estabelecem limites apenas à atuação do Estado. São incapazes de regular as relações entre particulares, e suas condutas encontram-se fora do alcance do globo de garantias por aqueles emanado.87

Tal corrente não teve aceitação em seu nascedouro – Alemanha –, mas sim

nos Estados Unidos da América. Isso se deve a forte tradição liberal desta nação, em que a

liberdade tem um peso mais forte que em outros valores nas tomadas de decisões

jurisdicionais, excetuando-se o que se refere a norma contida na 13ª emenda da Constituição

Americana.88

Acrescente-se comentários de Vinício Cardona Franca:

Nessa linha, destaca-se o pensamento de Uwe Deiderichsen, para quem o sistema normativo constitucional e o sistema normativo do direito privado não estão numa relação de hierarquia, mas de concorrência, pelo que não haveria falar em necessária predominância dos valores do primeiro sobre o segundo, especialmente em vista da autonomia do direito privado.

Importa também destacar o escólio de Suzette Sandoz, para quem os termos da questão da aplicabilidade horizontal estão postos sobre uma confusão metodológica primária, porquanto a técnica de proteção do cidadão ante o ato estatal seria intransponível para a proteção do particular ate a ação de outro particular, haja vista que a distinção fraco/forte teria contornos absolutamente distintos no direito público e no direito privado. (sic)89

86 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 188.87 QUERIOZ, André Luiz Tomasi. Teorias da Horizontalização dos Direitos Fundamentais. Disponível no endereço eletrônico http://www.flaviotartuce.adv.br/artigosc/horizontal_and.doc, acessado em 10 de outubro de 2011.88 Que abolindo a escravidão, deve vincular indubitavelmente os particulares.89 FRANCA, Vinícius Cardona. Aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas. Dissertação de mestrado pela Universidade Federal da Bahia, 2009. p. 121.

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Historicamente destaca-se na jurisprudência norte-americana a declaração

de inconstitucionalidade de uma lei fundamentada na 14ª Emenda da Carta Magna de tal país,

nos denominados Civil Rights Cases, que vedava a discriminação no acesso de ambientes

como teatros, bares e trens. A Corte Suprema decidiu que o legislador não poderia vincular os

particulares aos direitos fundamentais, e, consequentemente, impedirem os

donos/responsáveis por esses ambientes de recusarem atendimento a determinado grupo de

pessoa, por exemplo, afrodescendentes.

3.2.2. State Action

Divergindo um pouco da derradeira teoria, fora criada a doutrina do State

Action que atualmente prevalece na doutrina e jurisprudência norte-americana: observou-se

que, embora os entes privados não fossem obrigados a cumprir os direitos fundamentais, tal

obrigação surgiria no momento em que exercida uma função pública, ao passo que realiza o

papel do Estado, formando-se a public function theory. Destarte, verificada assunção do

múnus público/estatal, o ente privado se revestiria do dever de dar comprimento aos direitos

fundamentais.

Nesse sentindo delineia-se o magistério de Sarmento:

A partir da década de 40 do século passado, a Supema Corte americana, sem renegar a doutrina da state action, começa a esboça alguns temperamento a ela. Com efeito, passou a Suprema Corte a adotar a chamada public function theory, segundo a qual quando os particulares agirem no exercício de atividades de natureza tipicamente estatal, estarão também sujeitos as limitações constitucionais. [...]

Ademais, existe, segundo a Suprema Corte, certas atividades que, independentemente de delegação, são de natureza essencialmente estatal, e, portanto, quando os particulares as exercitam, devem submeter-se integralmente aos direitos fundamentais previstos na Constituição. [...]90

90 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 190-191.

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Estabeleceu-se que a eficácia dos direitos fundamentais se restringiria não

somente as entidades governamentais, mas também aos particulares que exercessem a referida

função. Sendo a atividade tipicamente privada, os direitos fundamentais não irradiam seus

efeitos.

Conforme exposto em artigo científico publicado pela Havard Law Review,

a teoria se depara com o grande desafio de separar o público do privado, cuja dificuldade da

empreitada se avulta ante a “privatização da coisa pública” e “publicização da coisa

privada”91.

Nessa linha, a jurisprudência norte-americana julgou os seguintes casos

atestando esse tipo de teoria: Marsh vs. Alabama, 326 US 50192, Evan vs. Newton, 382 US

29693, Edmonson vs. Leesvile Concrete Co. Inc., 500 US 61494 etc.

Na mesma senda, segue a jurisprudência canadense, conforme os julgados

Ratail, Wolesail & Departament Store Union, Local 580 vs. Dolphin Delivery Ltd.

No entanto, existem vozes que não coadunam com a tal apreciação da

vinculação subjetiva dos direitos fundamentais no seio da doutrina norte-americana. Grupos

ligados aos movimentos feministas, e juristas como Erwin Chemerinsky, John E. Newak e

Ronald Rotunda Dwokin, alegam que toda vez que um órgão jurisdicional se defronta com

um caso de ofensa a um direito fundamental, não se deve averiguar se a ofensa se encontra

dentro ou fora do liame estatal, mas sim ponderar os interesses envolvidos pelo balancing

test. Por outro lado, argumenta que se o Estado permite que um particular pratique, ainda que

sob o manto da autonomia privada, uma ofensa aos direitos fundamentais, o próprio Estado

não cumpri a tais direitos em face de sua omissão95.

Nesse diapasão, veja-se trecho do artigo do próprio Erwin Chemerinsky

sobre o tema, o qual tomou-se a liberdade traduzir:

Eu sugiro que agora seja hora de repensar o state action. É a hora de novamente perguntar o por quê de infrações ao valores mais básicos –

91 HAVARD LAW REVIEW. Developments in the law – State action and the public/private distinction. Volume 123, Março de 2010, Número 5. p. 1250.92 Caso em que uma empresa detinha uma cidade privada.93 Caso que tratava de acesso ao público de parques.94 Caso em que advogado recusou júri por causa de sua cor/origem.95 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 195.

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discurso, privacidade e igualdade – deveriam ser toleradas apenas pelo fato do violador ser uma entidade privada e não uma governamental. Embora recentes artigos tenham demonstrada a irracionalidade da corrente do state action doctrine, eles largamente ignoraram os pressupostos subjacentes ao conceito.

Primeiro, há pouca atenção a origem ao requerimento do state action. Limitar as proteções constitucionais as ações do governo fazia sentido quando acreditava-se que o commom law protegia as pessoas da infrigências aos seus direitos pelos atores privados. Agora, entretanto, indivíduos tem tantos direitos que não possuem mais nenhum proteção do commom law. Assim, a doutrina do state action é baseada numa premissa anacrônica de um commom law que coexiste com liberdade individuais. Segundo, a literatura sobre state action ignorou completamente que a questão jurisprudencial do por que os direitos são protegidos. Eu afirmo que por uma teoria de direito – lei natural, positivismo, ou consensos – a exigência do state action não faz nenhum sentido. Terceiro, comentaristas prestaram pouca atenção aos pressupostos subjacentes as fundamentações atuais para a exigência do state action – que state action é necessária para proteger a zona da autonomia privada e para salvaguardar do supremacia estatal. Eu argüirei que a exigência do state action é desnecessária para alcançar tais metas e, de fato, é contra-produtivo.96

Dessa forma, a state action doctrine, embora seja aplicada sistematicamente

nos Estados Unidos, é alvo de críticas, abrindo azo a formulação doutras acepções

doutrinárias.

3.2.3. Teoria da eficácia indireta ou mediata

Esta teoria nasceu concomitante com a inicial discussão da eficácia dos

direitos fundamentais na Alemanha, pelo magistério de Günter Dürig. Segundo este jurista,

embora os direitos fundamentais consagrados através da Constituição sejam suficientes para

vincular o Poder Público, não o são para os particulares. Estes se inter-relacionam por meio

da regras do Direito Privado, o qual pressupõe, por meio da autonomia privada, a renúncia de

alguns direitos fundamentais, sob pena de desvirtuamento de tal ramo do Direito. Assim, seria

essencial ao Direito Privado, embora vedado ao Direito Público, a renúncia de direitos

fundamentais, em prol da autonomia privada.97

96 CHEMERINSKY, Erwin. Rethinking state action. In: Northwestern University Law Review, Volume 8, Número 3, 1985. p. 505-506.97 COTTIM, Armando António de Jesus. Da vinculação de entidades privadas aos direitos fundamentais. Contributo para uma teoria de construção. Lisboa, 2006. Disponível no endereço eletrônico

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Por outro lado, essa teoria enxerga na legislação ordinária, através da

previsão de “cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados”98, pontes que levam a

aplicação dos direitos fundamentais. Através dos próprios mecanismos do Direito Privado os

direitos fundamentais seriam aplicados nas relações privadas, e não através da Constituição. A

isso se dá justificativa de que, caso contrário, dar-se-ia muita margem de interpretação ao

julgador, gerando insegurança jurídica nas relações.

Nesse diapasão, veja-se comentário de Queiroz:

A aplicação direta dos direitos positivados na Constituição geraria um hipertrofia normativa constitucional e, conseqüentemente, um poder incomensurável aos magistrados, em vista do grau de indeterminação das normas definidoras dos direitos constitucionais.99

Da mesma forma lecionam Clemente e Freitas:

Ulterior a todo o exposto, é necessário a tarefa de mediar a aplicação dos direitos fundamentais sobre os particulares, função esta que cabe exclusivamente ao legislador ordinário, pois, cumpre a ele estabelecer, uma disciplina que se demonstre compatível com os valores constitucionais. Noutras palavras: compete, portanto, ao legislador, a função de proteger os direitos fundamentais sem permitir que estes ultrapassem a autonomia da vontade.

Ao Judiciário cumpriria preencher as cláusulas gerais com os com o substrato axiológico dos direitos fundamentais, posto que são eles a representação de uma ordem objetiva de valores. Porém, sua tarefa não se encerra por aí. É sua atribuição, ainda, rejeitar peremptoriamente a aplicação de normas de direito privado, caso estejam eivadas de inconstitucionalidade.100

Assim, podemos afirmar que tal doutrina detém duas premissas: que o

direito privado necessita da preservação da autonomia privada, com a renúncia pontual dos

http://www.ipbeja.pt/Paginas/default.aspx, acessado em 10 de outubro de 2011. p. 33.98 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 198.99 QUERIOZ, André Luiz Tomasi. Teorias da Horizontalização dos Direitos Fundamentais – Disponível no endereço eletrônico http://www.flaviotartuce.adv.br/artigosc/horizontal_and.doc, acessado em 10 de outubro de 2011. p. 10.100 CLEMENTE, Alexandre Shimizu. FREITAS, Riva Sobrado de. A vinculação dos direitos fundamentais nas relações intersubjetivas. In: Anais do XVIII Congresso Nacional da CONPEDI, 2009. p. 5657.

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direitos fundamentais; que, em nome a segurança jurídica, os direitos fundamentais só podem

ser aplicados nas relações privadas através dos próprios mecanismos da legislação ordinária

do Direito Privado.

Sarmento, por outro lado apresenta um resumo das críticas direcionadas a

esta teoria:

Finalmente, cumpre destacar que a teoria da eficácia indireta dos direitos fundamentais na esfera privada foi objeto de diversas críticas. Por um lado, há quem afirme, à direita, que a impregnação das normas do Direito Privado pelo valores constitucionais pode causar a erosão do princípio da legalidade, ampliando a indeterminação e a insegurança na aplicação da normas civis e comerciais. Da outra banda, a doutrina é criticada por não proporcionar uma tutela integral dos direitos fundamentais no plano privado, que ficaria dependente dos incertos humores do legislador ordinário. E há ainda quem aponte para o caráter supérfluo desta construção, pois ela acaba se reconduzindo inteiramente à noção mais do que sedimentada de interpretação conforme à Constituição.101

Dessa forma, denomina-se indireta ou mediata, vez que condiciona a

eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas aos ditames do Legislador Ordinário,

e não diretamente através da Constituição, onde são consagrados.

3.2.4 Teoria da eficácia direita e imediata

A presente teoria é marcada por defender a aplicação direta dos direitos

fundamentais nas relações privadas, ou seja, sem uma intermediação pelo Legislador

Ordinário, bastando o que já previsto fora constitucionalmente.

Seus principais defensores foram Hans Carl Nipperdey, Walter Lisner e

Reinhold Zippelius, que, entre outros, esgrimaram os seguintes argumentos: que o Direito

Privado deve se submeter à Constituição, inclusive aos direitos fundamentais; que o legislador

ordinário não pode prever todas as situações em que seja possível uma determinada violação

ao direito fundamental; que o Estado Social pressupõe a vinculação dos particulares aos

101 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 204.

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direitos fundamentais, pois no contexto contemporâneo a ofensa a tais institutos não só

adviriam do entes governamentais.

A respeito do tema, cite-se o conspícuo Eduardo Ferreira Fischer:

Em síntese, dita teoria consiste na utilização direta de normas constitucionais (Direitos Fundamentais) como fonte normativa para a solução de conflitos entre particulares, segundo lição de Wilson Steinmtez, “... a forma e o alcance da eficácia jurídica não depende de regulamentações legislativas específicas nem de interpretação e de aplicações judiciais,...”

O alicerce epistemológico dessa teoria consiste na idéia de que as possibilidades de violação aos Direitos Fundamentais não provêm apenas do Estado, mas também dos poderes sociais e de terceiros em geral e a opção pelo Estado Social importaria no reconhecimento dessa realidade, tendo como conseqüência a extensão dos Direitos Fundamentais às relações entre particulares, acrescentando-se, ainda, a idéia desenvolvida por Walter Leisner de que o reconhecimento da vinculação direta passa pela percepção de existência de uma unidade jurídica, não podendo o direito privado estar à margem da Constituição e dos Direitos Fundamentais.102

Vale destacar que seus adeptos não radicalizam suas ideias, negando uma

total e absoluta aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, mas apontam uma

necessidade de ponderação de interesses, a fim de alcançar um equilíbrio. Nesse sentido de

Juan Maria Bilbao Ubillos:

La eficacia frente terceros de los derechs fundamentales encuenra, natualmente, limite. Limites específicos, derivados de los princípios estruturales y los valores propios del Derecho Privado. La polivalencia delos derechos fundamentales no se resuelve em una transposición mecánica incondicionada de los mismos al campo de las relaciones jurídico-privadas. No hay que olvidar que lo que em juego es el frágil equilíbrio entre estos derechos y liberdades y el princípio de autonomía negocial. [...] A que ser consciente, en efecto, de que la incidencia directa de los derechos fundamentales en este tipo de relacionaes debe graduarse para no sacrificar el principio del autonomia contractual.103

102 FISCHER, Eduardo Ferreira. Hermenêutica para vinculação dos particulares a direitos fundamentais. Dissertação de mestrado pela Universidade Federal de Santa Cruz do Sul (Parlemo/Itália), 2006. p. 60-61103 UBILLOS, Juan Maria Bilbao. ¿En qué medida vinculan a los particulares los derechos fundamentales? In: Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, 2.ª ed., rev. e ampl. – Porto Alegre : Livraria do Advgado, 2006. p. 334.

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Essa teoria, embora tenha sido aplicada em questões trabalhistas, não teve

grande aceitação na Alemanha. Por outro lado, Portugal, Espanha, Argentina e Itália

esposaram essa doutrina. A Constituição Lusitana inclusive consagra expressamente que os

direitos fundamentais se aplicam aos particulares, nos termos de seu artigo 18.1. Nos outros

três países, essa aceitação foi obra da construção jurisprudencial e doutrinária, aquela também

em situações que envolviam o direito laboral.

Carolina Fontes Vieira catalogou seis críticas a essa teoria, a seguir

expostas104: pode levar a uma restrição demasiada da autonomia privada, impedindo a

renúncia ou limitação voluntária dos direitos fundamentais – trazendo a estudiosa, ao lume da

discussão, exemplo de uma legítima disposição do patrimonial testamentária, que, na linha da

aplicação imediata, poderia ser anulada em vista do direito à isonomia dos herdeiros de

mesmo patamar na legítima; pode trazer uma inflação de problemas jurídico-constitucionais,

na medida em que todas as questões do Direito Privado poderiam ser objeto de apreciação de

constitucionalidade no que se refere aos direitos fundamentais; pode retirar a identidade do

Direito Privado, uma vez que este, por sua alta complexidade, não seria eficazmente regulado

numa constituição; inexistência de norma constitucional específica, apontando,

expressamente, a aplicabilidade dos direitos fundamentais ao particular; ignora a diferença

entre a relação entre particular-Estado, relação vertical – de subordinação –, e particular-

particular, relação horizontal – de coordenação –, trazendo uma solução demasiadamente

simplista para substratos tão diversos; pode dar azo à insegurança jurídica, através de um

ativismo judicial, o qual, por sua vez, pode gerar um desequilíbrio na tripartição de poderes.

Visto isso, pode-se concluir que, assim como todas as outras teorias sobre a

eficácia horizontal dos direitos fundamentais, esta também é passível de críticas.

3.2.5 Outras teorias

As teorias já expostas foram objeto de ajustes doutrinários, visando

encontrar caminhos intermediários, aproveitando o que cada uma das doutrinas detem de

melhor. Assim, não se olvide que existem vozes doutrinarias dissonantes das já apresentadas.

104 VIEIRA, Carolina Fontes. Vinculação dos particulares a direitos fundamentais. Monografia para obtenção de título de especialista pela Universidade de Coimbra, 2006. p. 10 e ss.

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José Carlos Vieira de Andrade, seguindo por Vasco Manuel Pascoal Dias

Pereira da Silva, que tenciona uma posição intermediária entre a Teoria Direta e Indireta –

entende que os direitos fundamentais se aplicariam de forma direta toda vez que a relação

privada não for típica, ou seja, quando houver uma desproporção de poderes na formatação da

relação. Por outro lado, essa eficácia se torna indireta nas relações em que as partes se

relacionam de igual para igual, vinculando aos direitos fundamentais por meio do próprio

direito privado.105.

Digna de nota também é a teoria dos deveres de proteção, formulada por

Claus-Wilhelm Canaris, Joseph Isensee, Stefan Oeter e Klaus Stern. Aponta essa doutrina que

os particulares não são vinculados aos direitos fundamentais, mas sim o Estado. No entanto,

este seria obrigado a impedir que os particulares ofendessem tais direitos, na medida em que

exercer a função de legislador ordinário e poder jurisdicional constitucional, utilizando-se

mais uma vez da ponderação de interesses.

Cumpre também citar o posicionamento peculiar de Robert Alexy, buscando

conciliar as teorias da eficácia direita dos direitos fundamentais, da eficácia indireta e da

teoria dos deveres de proteção do Estado. Segundo este doutrinador, essa três teorias

produziriam resultados semelhantes, na medida em que na relação discutida, ambas as partes

são dotadas de direitos fundamentais, que, conforme a relação, seriam aplicados num modelo

de três níveis.

O primeiro nível revela a teoria da eficácia direita, que seria dirigido ao

Estado, vinculando-o a uma interpretação e aplicação das normas em sincronia com os

direitos fundamentais. O segundo nível seria dos deveres de proteção, vinculando

especificamente o Judiciário, dirimindo “conflitos interpretativos, levando em conta os

direitos fundamentais”106. O terceiro, eficácia indireta, sendo esta dirigida aos particulares.

Nega o jurista que isso tornaria inepto o Direito Privado, uma vez que as

normas dos direitos fundamentais permitem várias formas de resolução de conflito, a qual

deve ser escolhida segundo um juízo de ponderação. Traduz-se essa realidade no fato de que,

na maioria dos casos, o Direito Privado, por si só, responderá pela resolução dos conflitos que

lhe são próprios, na medida em que se aplica a legislação ordinária ao caso concreto, salvo em

105 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 212.106 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2.ª ed. – Porto Alegre : Lumen Júris, 2011. p. 223.

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casos em que a previsão seja insuficiente para alcançar os fins colimados no sistema jurídico,

voltando-se a partir de então aos direitos fundamentais, aplicados sob o ônus da argumentação

do julgador. Nesse diapasão para manifestação dessa eficácia de direitos fundamentais, pesa

sobre o órgão judicante o dever de motivar a não aplicação das normas emitidas pelo órgão

legiferante privado, mas as disposições constitucionais.

Por outro lado, cumpre aqui fazer constar quais sejam os posicionamentos

daqueles que buscaram adequar essas teorias a realidade brasileira, a saber, Daniel Sarmento e

Wilson Steinmetz.

Daniel Sarmento traz a discussão para dois parâmetros de análise do caso

concreto. Primeiro, se analisaria a capacidade econômica dos envolvidos, uma vez que esta

refletiria no poder de negociação de interesses dos particulares – quanto maior for a

discrepância das forças envolvidas, maior a aplicação dos direitos fundamentais. O segundo

aponta para essencialidade do direito fundamental envolvido: merecendo ter maior aplicação

os direitos fundamentais coligados a liberdade existencial, sendo menor nas patrimonias107.

Wilson Steinmetz prega que, conforme ensinos de Robert Alexy, basta a

aplicação dos direitos fundamentais à luz do princípio da proporcionalidade em face da

autonomia privada, em seus três estágios de apreciação: adequação, necessidade e

proporcionalidade estrita.108

Por fim, chega-se a conclusão que de existem várias teorias que apreciam a

questão da vinculação dos particulares aos direito fundamentais, à luz de um longo

desenvolvimento histórico da doutrina constitucional e civilista; tendo a discussão se

concentrado em demonstrar como, ou, em que medida, sucede essa vinculação, informação

essencial para aplicação do direito fundamental ao devido processo legal nas relações inter-

privadas.

107 Silva, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais e relação entre particulares. In : Revista Direito GV Direito, V.1, nº 1. p. 176 e 177.108 Idem. p. 177.

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4. Devido Processo Legal

Olhando para que já fora estudado em sede deste trabalho, estudamos os

direitos fundamentais no capítulo 2, e sua eficácia capítulo 3, tanto a geral quanto a específica

entre particulares.

Neste momento, torna-se conveniente, antes de adentramos o tema do

devido processo legal entre particulares, estudarmos o princípio do devido processo legal –

evitando assim qualquer salto doutrinário.

Para tanto, nos guiaremos pelo estudo realizado pelo conspícuo Nelson Nery

Júnior, que, em seu livro Princípios do Processo Civil na Constituição Federal109, elaborou

obra que mais correspondeu às expectativas deste Trabalho de Conclusão.

O ilustre processualista inicia sua abordagem afirmando que a maneira

como os juristas veem o Ordenamento Jurídico deixou de ser meramente pela ótica da lei

ordinária correspondente, sem buscar uma fundamentação jurídica na Constituição. Segundo

o autor, isso era gerado pela instabilidade política de nosso País. Vejamos:

Era muito comum, pelo menos até bem pouco tempo interpretar-se e aplicar-se determinado ramo do direito tendo-se em conta apenas a lei ordinária principal que a regulamentava [...]

Isto se deve a um fenômeno cultural e político porque passou e tem passado o Brasil ao longo de sua existência. Referimo-nos ao fato de o País ter tido

109 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, 7.ª ed. rev. e atual.com as leis 10.325/2001 e 10.358/2001 – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002 – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v. 21).

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poucos hiatos de tempo em Estado de Direito, em regime democrático, em estabilidade política, enfim.

Daí porque não se vinha dando grande importância ao Direito Constitucional, já que nossas Constituições não eram respeitadas, tampouco aplicadas efetivamente.110

Tendo passado esse estágio de instabilidade, começou-se movimento entre

juristas pela aplicação da lei ordinária à luz da Constituição, a chamada constitucionalização

do direito:

Entretanto, paulatinamente esse estado de coisas tem mudado. É cada vez maior o número de trabalhos e estudos jurídicos envolvendo interpretação e aplicação da Constituição Federal, o que demonstra a tendência brasileira de colocar o Direito Constitucional em seu verdadeiro e meritório lugar: o de base fundamental para o direito do País.

O intérprete deve buscar a aplicação do direito ao caso concreto, sempre tendo como pressuposto o exame da Constituição Federal. Depois, sim, deve ser consultada a legislação infraconstitucional a respeito do tema111.

Nesse jaez, conclui o processualista que, para o estudo do Direito

Processual, deve-se ter em vista que diz a Constituição, como fonte normativa superior da

respectiva lei ordinária em estudo.

Prosseguindo no intróito, Nery Júnior aponta, visando precisão

terminológica, a diferença entre Direito Constitucional Processual e Direito Processual

Constitucional:

Naturalmente, o direito processual se compõe de um sistema uniforme, que lhe dá homogeneidade, de sorte a facilitar sua compreensão e aplicação para a solução das ameaças e lesões a direito. Mesmo que se reconheça essa unidade processual, é comum dizer-se didaticamente que existe um Direito Constitucional Processual, para significar o conjunto das normas de Direito

110 Idem. p. 19.111 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, 7.ª ed. rev. e atual.com as leis 10.325/2001 e 10.358/2001 – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002 – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v. 21). p. 20.

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Processual que se encontra na Constituição Federal, ao lado de um Direito Processual Constitucional, que seria a reunião dos princípios para o fim de regular a denominada jurisdição constitucional. Não se trata, portanto de ramos novos do direito processual.

Exemplos de normas de Direito Constitucional Processual podemos encontrar no art. 5.º, n. XXXV, art. 8.º, n. III etc. De outra parte, são institutos de Direito Processual Constitucional o mandado de segurança, o habeas data, a ação direta de inconstitucionalidade etc.112

Por fim, o autor aponta que o estudo será dirigido ao Direito Constitucional

Processual:

Não é objeto deste ensaio o estudo do Direito Processual Constitucional, mas sim o da parte do Direito Constitucional Processual que trata dos princípios do processo civil insculpido na Carta Magna.113

Visto essa introdução, percebe-se que o estudo comentado tem basicamente

dois pressupostos teóricos: primeiro, o Direito Processual deve se nortear pela Constituição,

para, depois, interpretar a lei que o regula; segundo, o objeto do estudo é justamente o Direito

Constitucional Processual, notadamente pelos princípios constitucionais vetores do Processo

Civil. Dito isso, passemos agora a específica análise do Devido Processo Legal.

4.1 Direito ao devido processo legal – aspecto material e formal

Iniciando o estudo específico do devido processo legal, Nelson Nery Júnior

tece um breve escorço histórico, apontando os primeiros documentos que traziam a fórmula

ainda que não de forma idêntica, mas na forma da expressão law of the land (lei da terra).

Vejamos:

112 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, 7.ª ed. rev. e atual.com as leis 10.325/2001 e 10.358/2001 – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002 – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v. 21). p. 20 e 21. 113 Idem. p. 23.

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O primeiro ordenamento que teria feito menção a esse princípio foi a Magna Charta de João Sem Terra, no ano de 1.215, quando se referiu à law of land (art. 39), sendo, ainda ter mencionado expressamente a locução devido processo legal.

O termo hoje consagrado, due process of law, foi utilizado somente em lei inglesa de 1.354, baixada no reinado de Eduardo III, por meio de um legislador desconhecido (some unknown draftsman).

[...]

Antes mesmo da Constituição Federal americana, de 1.787, algumas constituições estaduais daquele país já consagravam a garantia do due process of law, como, por exemplo, as de Maryland, Pensilvânia e Massachusetts, repetindo a regra da Magna Charta e da Lei de Eduardo III.114

Doutro lado, lembra o processualista que o princípio do devido processo

legal foi expressamente consagrado em nossa Constituição Federal/1988, e que todos os

outros princípios do Direito Processual dele decorrem, ao ponto de afirmar que bastava a

consagração do mesmo para automaticamente veicular-se os demais:

O princípio fundamental do processo civil, que entendemos como a base sobre a qual todos os outros se sustentam, é o devido processo legal [...] A Constituição Federal brasileira de 1988 fala expressamente que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5.º, n. LIV).

Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due pocess of law para que daí decorressem toda as consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécies.115

O autor inclusive cita exemplos destes princípios que decorre do devido

processo legal, tais como o da “publicidade dos atos processuais, a impossibilidade de

utilizar-se em juízo prova obtida por meio ilícito, assim como o postulado do juiz natural, do

contraditório, e do procedimento regular”116.

114 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, 7.ª ed. rev. e atual.com as leis 10.325/2001 e 10.358/2001 – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002 – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v. 21). p. 34 e 35.115 Idem. p. 32.116 Ibidem. p. 32-33.

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Segundo autor, o princípio do devido processo legal, a partir do estudo dos

julgamentos da Suprema Corte dos Estados Unidos, tem um sentido genérico, abrangendo

tanto uma ordem substantiva, substantive due process, e processual, procedural due process.

De forma geral, este princípio seria instrumento de proteção do trinômio vida-liberdade-

propriedade, tutelando de maneira ampla os direitos fundamentais. Veja-se:

Genericamente, o princípio do due process of law caracteriza-se pelo trinômio, vida-liberdade-propriedade, vale dizer, tem-se o direito de tutela àqueles bens da vida em seu sentido mais amplo e genérico. Tudo o que disser respeito à tutela da vida, liberdade ou propriedade está sob proteção da due process clause.117

A partir de então o autor traz exemplos de como a Suprema Corte americana

aplicou a fórmula para tutela do direito de liberdade e privacidade como os casos Meyer v.

Nebraska, em 1923, e Pierce v. Society of Sisters 1925.

Doutro lado, Nelson Nery Júnior aponta que foi inspirado nesse diapasão

substantivo que nossa atual Constituição consagrou princípio em estudo:

E foi neste sentido genérico, amplo, que a locução vem expressamente adotada na CF de 1988 (art. 5º, n. LIV), que em proteção da liberdade e dos bens, com nítida inspiração na Emendas 5.ª e 14ª à Constituição dos Estados Unidos.118

A partir de então, passa-se a destacar que a fórmula do devido processo

legal não se resume a uma dimensão processual, mas, antes disso, material:

A cláusula due process of law não indica somente a tutela processual, como à primeira vista pode parecer ao intérprete menos avisado. Tem sentido genérico, como já vimos, e sua caracterização se dá de forma bipartida, pois há o substantive due process e o procedural due process, para indicar a incidência do princípio em seu aspecto substancial, vale dizer, atuando no

117 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, 7.ª ed. rev. e atual.com as leis 10.325/2001 e 10.358/2001 – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002 – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v. 21). p. 35.118 Idem. p. 36.

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que respeita ao direito material, e, de outro lado, a tutela daqueles direitos por meio do processo judicial ou administrativo.119

As lições Cássio Scarpinella Bueno fazem coro a esse entendimento,

conforme excerto infratranscrito:

O princípio do devido processo legal, contudo, não pode e não deve ser entendido como mera forma de procedimentalização do processo, isto é, da atuação do Estado-juiz em determinados modelos avalorativos, neutros, vazios de qualquer sentido ou finalidade mas, além disto, respeito à forma de atingimento dos fins do próprio Estado. [...]120

No direito administrativo norte-americano, segundo o N. Nery Junior, o

substantive due process assume forma do que entendemos por princípio da legalidade:

O devido processo legal se manifesta em todos os campos do direito, em seu aspecto substancial. No direito administrativo, por exemplo, o princípio da legalidade nada mais é do que manifestação da cláusula substantive due process. [...]

[...] a administração somente pode agir secudum legem, vale dizer, não pode praticar atos nem celebrar negócios jurídicos atípicos: somente o que é permitido por lei é pode ser objeto da atividade administrativa.121

Por outro lado, no direito privado, atua como cláusula que revela a

autonomia privada, sobretudo no que se refere à liberdade contratual:

No direito privado prevalece princípio da autonomia da vontade com a consequente liberdade de contratar, de realizar negócios e praticar atos jurídicos. Podem ser praticados quaisquer atos, mesmo que a lei não os preveja, desde que não atentem contra normas de ordem pública ou contra os

119 Ibidem. p. 37.120 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil : teoria geral do direito processual civil, V. 1, 4ª ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2010. p. 138121 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, 7.ª ed. rev. e atual.com as leis 10.325/2001 e 10.358/2001 – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002 – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v. 21). p. 38.

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bons costumes: o que não é proibido é permitido. É o que se denomina de princípio da atipicidade dos negócios jurídicos privados. [...]122

Leciona o estudioso que essa noção material do due process se deve a

análise da Corte Suprema americana de questões envolvendo a limitação do Poder Público,

inclusive no que tange a atividade legeferante, na guisa do princípio da razoabilidade.

Vejamos:

A origem do substantive due process teve lugar justamente com o exame da questão dos limites do poder governamental, submetida à apreciação da Suprema Corte norte-america no final do século XVII. Decorre daí a imperatividade de o legislativo produzir leis que satisfaçam o interesse público, traduzindo-se essa tarefa no princípio da razoabilidade das leis. Toda lei que não for razoável, isto é, que não seja a law of the land, é contrária ao direito e deve ser controlada pelo Pode Judiciário.123

Por fim, o insigne jurista resume exemplos em que o direito americano

aplica corolários do devido processo legal substantivo:

Vamos encontrar outros exemplos de inscidência do sustantive due process no direito americano, o que nos dá a dimensão do alcance do preceito: a) a liberdade de contratar, consubstanciada na “cláusula de contrato”, afirmada no caso Fletcher v. Peck (1810) em voto Marshall; b) a garantia do direito adquirido (vested rights doctrine); c) a proibição de retroatividade da lei penal; d) a garantia do comércio exterior e interestaduais (commerce clause) fiscalizados e regrados exclusivamente pela União (art. 22, n. VIII, CF; art. 1.º, Secção 8.ª, n. III, da Constituição norte-americana); e) os princípios tributários da anualidade, da legalidade, da incidência única (non bis in idem) etc.; f) proibição de preconceito racial; g) garantia dos direitos fundamentais do cidadão.124

Na mesma linha de pensamento, outros processualistas como Fredie Didier

Júnior, também lecionam esse viés material do devido processo legal. Senão vejamos:

122 Idem. p. 38.123 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, 7.ª ed. rev. e atual.com as leis 10.325/2001 e 10.358/2001 – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002 – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v. 21). p. 39.124 Idem. p. 40.

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As decisões jurídicas hão de ser, ainda, substancialmente devidas. Não basta a sua regularidade formal; é necessário que uma decisão seja substancialmente razoável e correta. Daí fala-se em um princípio do devido processo legal substantivo, aplicável a todos os tipos de processo, também. É desta garantia que surgem os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, aqui tratados como manifestação de um mesmo fenômeno.125

Acrescenta ainda o C. Scarpinella Bueno que o devido processo legal

também serve que como norma interpretativa, denotando a realidade de que o julgador deve

adequar a norma ao caso concreto:

[...] O “devido processo legal” (ou o que parece mais correto, “devido processo constitucional”) de que ocupou este número é (seria) formal. o “devido processo legal substancial” busca, bem diferente, outras realidades, relativas à interpretação do direito como um todo e à temática da melhor interpretação possível do caso concreto. Ela, portanto, em si mesma considerada, não se relaciona ao modelo mais adequado de atuação do Estado-juiz, embora seja relevante no seu devido contexto que é o da interpretação judicial do direito. [...]126

Em pesquisa, observamos a utilização pelo STF do princípio do devido

processo legal substantivo ou material para declarar inconstitucionais normas desprovidas de

razoabilidade e lógica estipulada por nosso sistema normativo, a exemplo do voto vencedor

do ex-Min. Maurício Corrêa, Relator do Recurso Extraordinário de número 197917/SP, do

qual colaciona-se os seguinte excerto:

[...] 50. Impende ainda aduzir que a solução apresentada, se merecer a aprovação deste Pleno, sem dúvida estará atendendo aos princípios estabelecidos no caput do artigo 37 da Constituição quanto à moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos, tanto mais, como restou evidenciado, que é generalizado o abuso com que as Câmaras Municipais elaboraram as Leis Orgânicas, prodigalizando o número de seus membros. 51. Assim sendo, tenho que o entendimento de que a proporcionalidade está mitigada pela determinação de observância de limites

125 DIDIER Jr., Freddie. Direito processual civil (V. 1) : teoria geral do processo e processo de conhecimento, 6ª ed. Salvador : Juspodivum, 2006. p. 47.126 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil : teoria geral do direito processual civil, V. 1, 4ª ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2010. p. 139.

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(MS 1949) não pode mais prosperar, pois sua aplicação prática provoca, conforme já dito, resultados que violam de maneira frontal a Constituição, tornando inócua a relação População/Vereadores, além de situar-se em descompasso com a isonomia e o devido processo legal substantivo. 52. Da mesma forma, a afirmação de que "da própria Constituição não é possível extrair outro critério aritmético de que resultasse a predeterminação de um número certo de Vereadores para cada Município" (MS 1945) não pode mais subsistir, uma vez que, como se viu, o anseio expresso na Carta Federal encontra forma de realizar-se e compor-se por equação aritmética determinável, de sorte a concretizar os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade da representação política. 53. Nem se diga possa haver qualquer ofensa à autonomia municipal (CF, artigos 1º, 18 e 29), já que na espécie fala mais alto o princípio maior resultante da própria Constituição, que submeteu os Municípios à regra da proporcionalidade entre o número de Vereadores e o de seus habitantes. [...]

Nessa mesma linha, a ementa do julgamento da ADI n.º 173/DF, relatoria

do Min. Joaquim Barbosa, mais especificamente em seu item 3:

3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável.

Portanto, pode-se afirmar que o sentido material do devido processo legal

foi abarcado pelo ordenamento jurídico brasileiro, que, consubstanciado pelo princípio da

racionalidade, vem sendo aplicado pelos tribunais nacionais.

Por outro lado, não se pode esquecer que o devido processo legal também

tem uma vertente processual (procedural due process), sendo um instituto garantidor de um

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processo que efetivamente tutele os interesses em jogo, servindo de ponto de partida para

consagração dos demais princípios processuais. Nas palavras de Nelson Nery Júnior:

Em sentido processual, a expressão alcança outro significado, mais restrito, como é curial. No direito processual americano, a cláusula (procedural due process) significa o dever de propiciar-se ao litigante: a) comunicação adequada sobre a recomendação ou base da ação governamental; b) um juiz imparcial; c) a oportunidade de deduzir defesa oral perante o juiz; d) a oportunidade de apresentar provas ao juiz; e) a chance de reperguntar às testemunhas e de contrariar provas que forem utilizadas contra o litigante; f) o direito de ter um defensor no processo perante o juiz ou tribunal; g) uma decisão fundamentada, com base no que consta dos autos.127

No Brasil, também se faz presente a manifestação desse princípio no sentido

processual:

E é nesse sentido unicamente processual que a doutrina brasileira tem empregado, ao longo dos anos, a locução “devido processo legal”, como se pode verificar, v.g., da enumeração que se fez das garantias dela oriundas verbis: a) direito à citação e ao conhecimento do teor da acusação; b) direito a um rápido e público julgamento; c) direito ao arrolamento de testemunhas e à notificação das mesmas para comparecimento perante os tribunais; d) direito ao procedimento contraditório; e) direito de ser processado, julgado ou condenado por alegada infração às leis ex post facto; f) direito à plena igualdade entre acusação e defesa; g) direito contra medidas ilegais de busca e apreensão; h) direito de não ser acusado nem condenado com base em provas ilegalmente obtidas; i) direito à assistência judiciária, inclusive gratuita; j) privilégio contra a auto-incriminação.

Especificamente quanto ao processo civil, já se afirmou ser manifestação do due process of law: a igualdade das partes; b) garanta do jus actionis; c) respeito ao direito defesa; d) contraditório.128

Dessa mesma forma leciona Alexandre Freitas Câmara, afirmando ser o

princípio o mais importante do processo civil, pois dele decorre outros princípios do Direito

Processual: “Dos princípios constitucionais do Direito Processual o mais importante, sem

127 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, 7.ª ed. rev. e atual.com as leis 10.325/2001 e 10.358/2001 – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002 – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v. 21). p. 40.128 Idem. p. 41-42.

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sombra de dúvida, é do devido processo legal. [...] este princípio é causa de todos os

demais”129.

Cita ainda o referido autor que, dentre outros princípios processuais,

decorrem do devido processo legal, os princípios do contraditório e da isonomia130.

Fernado G. Jayme, por sua vez, em seu artigo O devido processo legal,

acrescenta ainda os princípios: do juiz natural; princípio da presunção de inocência; princípio

da ampla defesa; princípio do livre convencimento fundamentado do juiz; princípio do duplo

grau de jurisdição; princípio da vedação da prova ilícita princípio do ne bis in idem; princípio

da publicidade131.

Contemplam-se inúmeros julgados dos Tribunais Superiores que afirmam a

formula no seu viés processual, a exemplo dos seguintes:

PROCESSO CIVIL. DECISÃO PROFERIDA EM INCIDENTE PROCESSUAL. PUBLICAÇÃO TAMBÉM NA AÇÃO PRINCIPAL. DESNECESSIDADE. AÇÃO RESCISÓRIA. DEPÓSITO PRÉVIO. AUSÊNCIA DE COMPLEMENTAÇÃO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. EXTINÇÃO DA AÇÃO SEM APRECIAÇÃO DO MÉRITO. INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE. DESNECESSIDADE. [...]

2. Deve-se, na medida do possível, simplificar o trâmite do processo, livrando-o de óbices e burocracias que possam transformar a ação em terreno incerto, repleto de armadilhas. Todavia, a mitigação de regras processuais cede frente à necessidade de proteção de direitos fundamentais da parte contrária, como o devido processo legal, a paridade de armas e a ampla defesa. [...]

(STJ, AgRg na AR 3.223/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/11/2010, DJe 18/11/2010)

PROCESSO CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL - DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO A RECURSO ESPECIAL - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - DEVIDO PROCESSO LEGAL - VIOLAÇÃO - NÃO-OCORRÊNCIA.

129 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, v.1, 16ª edição. Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2007. p. 33.130 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, v.1, 16ª edição. Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2007. p. 42 e 51.131 JAYME, Fernado G.. O devido processo legal. Disponível no endereço eletrônico http://www.ufmg.br/pfufmg/index.php/artigos, acessado em 23 de agosto de 2011.

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1. O devido processo legal é expressão das normas que regulam a processualidade na busca de materializar e efetivar o exercício das pretensões dos cidadãos em juízo ou fora dele.

2. Inexiste violação ao devido processo legal na negativa de seguimento de recurso especial que desatende ao requisito constitucional do prequestionamento.

3. Agravo regimental não provido

(STJ, AgRg no AG 1086851/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/03/2009, DJe 02/04/2009)

Conclui-se, portanto, que o devido processo legal é dotado tanto de uma

dimensão material, como de uma formal, sendo ambas reconhecidamente aplicadas e

reconhecidas no âmbito da doutrina e jurisprudência nacionais.

4.2 Corolários do devido processo legal formal

Prosseguindo no estudo, tem-se por conveniente também estudar-se alguns

desses princípios que decorrem do devido processo legal formal, na medida em que ganharão

importância nas discussões concernentes ao próximo capítulo, em que tratar-se-á da fórmula

aplicada nas relações entre particulares.

Dentre esse princípios destacam-se: contraditório; ampla defesa; isonomia;

lealdade processual, embasados na inesquecível obra Teoria Geral do Processo, dos autores

Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco132.

Começando pelo contraditório, muitas vezes confundido e/ou associado com

a ampla defesa, pode ser resumido em duas expressões: informação e possibilidade de reação.

Neste sentido ensina a referida tríade processualista: “Em síntese, o contraditório é constituído

por dois elementos: a) informação; b) reação (este, meramente possibilitada nos casos de

direitos disponíveis)”.133

132 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 23ª ed. rev. atual. até 15 fevereiro de 2007. Editora Malheiros : São Paulo. 133 Idem. p. 63.

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Esse princípio decorre da essência dialética do processo, na medida em que

envolve interesses contrapostos, que visam o convencimento do órgão julgador:

O juiz, por força de seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as partes, mas equidistantemente delas: ouvindo uma, não pode deixar de ouvir outra; somente assim se dará a possibilidade de expor suas razões, de apresentar suas provas, de influir sobre o convencimento do juiz. Somente pela soma da parcialidade das partes (uma representando a tese e a outra, a antítese) o juiz pode corporificar a síntese, em um processo dialético.134

Doutra forma não entende o já citado Nelson Nery Júnior, segundo o qual:

Por contraditório deve entender-se, de uma lado, a necessidade de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhe sejam desfavoráveis. Os contendedores têm direito de deduzir suas pretensões e defesas, de realizar as provas que requererem para demonstrar a existência de seu direito, em suma, direito serem ouvidos paritariamente no processo em todos os seus termos.135

Dessa forma, pelo princípio do contraditório, imprescindível oportunizar as

partes contradizer ou contra-argumentar as alegações da parte contrária, buscando, como

possa, persuadir racionalmente o juiz.

Não muito distante se situa o princípio da ampla defesa, uma vez, conforme

ensina Fredie Didier Júnior, ela “qualifica” o contraditório, na medida em que consiste “no

conjunto de meios adequados para o exercício do adequado contraditório”136.

Explicitando com maiores detalhes, Scarpinella Bueno ensina que a ampla

defesa visa dar concretude ao contraditório:

134 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 23ª ed. rev. atual. até 15 fevereiro de 2007. Editora Malheiros : São Paulo. p. 61.135 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, 7.ª ed. rev. e atual.com as leis 10.325/2001 e 10.358/2001 – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002 – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v. 21). p. 137.136 DIDIER Jr., Freddie. Direito processual civil (V. 1) : teoria geral do processo e processo de conhecimento, 6ª ed. Salvador : Juspodivum, 2006. p. 47.

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Não há razão para deixar de entender a ampla defesa [...] como a garantia ampla de todo e qualquer acusado em sentido amplo [...] e qualquer réu ter condições efetivas, isto é, concretas de responder às imputações que lhe são dirigidas antes que seus efeitos decorrentes possam ser sentidos. Alguém que seja acusado de violar ou, quando menos, de ameaçar violar normas jurídicas tem o direito de se defender amplamente. [...]137

Dessa forma, a ampla defesa garante ao participante do processo uma

amplitude de defesa que concretize o contraditório.

A isonomia, por sua vez, garante a igualdade de condições entre as partes

litigantes, uma paridade de armas processuais, como comumente se define entre os juristas:

A igualdade perante a lei é premissa para a afirmação da igualdade perante o juiz: da norma inscrita no art. 5º, caput, da Constituição, brota o princípio da igualdade processual. As partes e os procuradores devem merecer tratamento igualitário. Para que tenham as mesmas oportunidades de fazer valer em juízo as suas razões.138

Não se esqueça, por outro aspecto, que isonomia processual é

flagrantemente substancial ou real, e não formal, na proporção em que conduz ao tratamento

desigual dos desiguais, na medida em que se desigualam, reequilibrando faticamente as

condições das partes:

A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do processo, obedece exatamente ao princípio da igualdade real e proporcional, que impõe tratamento desigual ao desiguais, justamente para que, supridas as diferenças, se atinja a igualdade substancial.139

Encerrando, destaca-se o princípio da lealdade processual, que aponta para o

dever de comportamento ético no processo, agindo na linha da probidade e da boa-fé:

137 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil : teoria geral do direito processual civil, V. 1, 4ª ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2010. p. 145138 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 23ª ed. rev. atual. até 15 fevereiro de 2007. Editora Malheiros : São Paulo. p. 59.139 Idem. p. 60.

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Sendo o processo, por sua índole, eminentemente dialético, é reprovável que as partes se sirvam dele faltando ao dever de verdade agindo deslealmente e empregando artifícios fraudulentos. [...] O princípio que impõe esses deveres de moralidade e probidade a todos aqueles que participam do processo (partes, juízes e auxiliares da justiça; advogados e membros do Ministério Público) denomina-se princípio da lealdade processual.140

Confirmando essa orientação, no portentoso estudo Boa-fé e processo -

princípios éticos na repressão à litigância de má-fé - papel do juiz, Humberto Theodoro

Júnior ensina que o processo deve ser veiculado em meio a um comportamento na guisa dos

valores da éticos, buscando, em última análise a Justiça:

As teorias que orientam o processo jurisdicional preconizam os valores éticos da justiça e solidariedade como norteadores da garantia do acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV) e do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). Ditos valores conferem à tutela jurisdicional o seu campo ético, a que há de se sujeitar todo o desenvolvimento do processo, servindo de orientação para o comportamento de todos os que atuam no cenário judicial, de modo a torná-los solidários na realização da justiça.

Mesmo quando posicionados em pontos antagônicos, como se dá entre as partes e seus advogados, a solidariedade exigida pelo princípio ético de justiça, que impõe a observância do dever de veracidade e, sobretudo, de lealdade e boa -fé, deve presidir a regra do jogo processual. Do lado do juiz, esse vínculo moral de solidariedade, o levará a dirigir o processo "sob o signo da igualdade, garantindo a liberdade das partes, minimizando as diferenças, levando o processo, sempre que possível e prioritariamente, a uma decisão rápida e justa".141

Nesse compasso, pode-se concluir que, no seio do processo, as partes devem

agir de forma proba, contribuindo para a resolução mais justa, mais benéfica a sociedade, e

assim, tornado concreto o princípio da lealdade processual, dignificando esse instituto tão

caro ao ordenamento jurídico.

Portanto, face todo o exposto, tem-se que é da essência do estudo processual

aplicação do princípio do devido processo legal, que em sua vertente formal, veiculará os

princípios do contraditório, ampla defesa, isonomia e lealdade processual. Dito isso, podemos

140 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 23ª ed. rev. atual. até 15 fevereiro de 2007. Editora Malheiros : São Paulo. p. 77.141 THEODORO Jr., Humberto. Boa-fé e processo - princípios éticos na repressão à litigância de má-fé - papel do juiz. Disponível no endereço eletrônico http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/ Humberto%20Theodoro%20J%C3%BAnior(3)formatado.pdf , acessado em 23 de agosto de 2011. p. 17.

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passar ao estudo de como estes princípios serão manifestos nos processos que ocorrem no seio

das relações privadas.

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5. Eficácia horizontal do direito fundamental ao Devido Processo Legal

Depois de estudar os direitos fundamentais, sua eficácia horizontal, e,

especificamente, o devido processo legal, neste estágio, estudar-se-á como se comporta este

direito fundamental nas relações privadas.

São muitos os exemplos que podem ser dados sobre o processo nas relações

privadas, dentro ou fora de instituições, situações que vão desde uma relação societária a uma

relação de consumo, bem como uma contratual/negocial. Nesse jaez, leciona Didier Júnior:

O devido processo legal aplica-se, também, às relações jurídicas privadas. Na verdade, qualquer direito fundamental, e o devido processo legal é um deles, aplica-se ao âmbito das relações jurídicas privadas. A palavra “processo”, aqui, deve ser compreendida em seu sentido amplo: qualquer modo de produção de normas jurídicas (jurisdicional, administrativo, legislativo ou negocial).142

Da mesma forma entende Maciel Júnior:

Está ultrapassado o entendimento de que a cláusula do devido processo legal visa proteger tão somente o jurisdicionado contra ação arbitrária do Estado, tendo em vista também o método da incorporação de outros valores e a identificação de formações sociais portadoras de poder privado quase que absoluto em alguns casos. Tal poder, quando manejado, pode ultrapassar a barreira da legitimidade constitucional, em detrimento do direito fundamental da pessoa oprimida ou violada em seu direito fundamental contraposto.143

Acrescenta-se ainda comentários de Franca:

Como visto em arestos acima citados, avulta de modo especial a cizância em torno da aplicabilidade do direito fundamental ao devido processo legal no

142 DIDIER Jr., Fredie. Direito processual civil (V. 1) : teoria geral do processo e processo de conhecimento – 6ª ed. Salvador : Juspodivum, 2006. p. 34.143 MACIEL Jr., João Bosco. Aplicabilidade do princípio do contraditório nas relações privadas. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 43 e ss.

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âmbito do processo “negocial”, expressão de que se valem alguns processualistas para designar as relações privadas sob um prisma eminentemente processual, sobretudo o iter da formação do negócio jurídico.

Talvez essa seja uma das mais interessantes consequências da doutrina da eficácia horizontal, pois exige que o direito fundamental ao due process of law e seus consectários, contraditório, ampla defesa, produção de provas, juiz natural, publicidade etc., vinculem não somente o Estado, como também os particulares. A idéia repousa em que os particulares, vinculados entre si por relações jurídicas, não se valham de prerrogativas contratuais ou legais para modificar a situação jurídica da outra parte sem a sua prévia oitiva e oportunidade de defesa.144

Atestando a importância do tema, destaca-se a decisão do Supremo Tribunal

Federal, no Recurso Extraordinário de n.º 201.819, pelo qual afirmou-se que, na linha da

aplicação dos direitos fundamentais as relações privadas, as entidades não governamentais

deveriam aplicar o devido processo legal, toda vez que suas decisões influenciarem os direitos

doutros particulares. Senão veja-se a ementa da decisão:

EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. [...] III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que

144 FRANCA, Vinícius Cardona. Aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas. Dissertação de mestrado pela Universidade Federal da Bahia, 2009. p. 140.

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exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.(RE 201819, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005, DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577 RTJ VOL-00209-02 PP-00821)

Aliás, como salienta Braga, essa exigência não é um mero capricho

doutrinário, uma vez que “O devido processo legal, enquanto exigência de moderação e

legalidade no exercício do poder, deve vincular os particulares, para deter e reprimir abusos e

desmandos privados e negociais”145.

Desta forma, o tema vergastado se reveste de importância, na medida em

que implica na apreciação de validade de inúmeros atos jurídicos que depende do

cumprimento do devido processo legal.

5.1. O direito à instrução probatória

Defende a doutrina que a eficácia do devido processo legal nas relações

privadas também gera o direito à produção de provas. Nesse sentido Maciel Júnior, que

citando parecer de Ada Pellegrine Grinover, no qual opinou pela oportunização do direito de

145 BRAGA, Paula Sarno. Aplicação do devido processo legal a processos particulares – processos punitivos de sócios, associados e condôminos. Artigo publicado no http://direitoprocessual.org.br, acessado em 18 de outubro de 2011. p. 4.

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prova aos envolvidos em uma pesquisa de qualidade de 30 marcas de extratos de tomate,

utilizando-se analogicamente de legislação concernente a ANVISA, aponta:

Consta do Parecer que determinada associação de defesa do consumidor, organização não governamental sediada no Rio de janeiro, realizou em junho de 2006, alguns testes comparativos, tendo efetuado, para tanto, a aquisição de amostras de cada uma das referidas marcas de molhos de tomate em supermercados, bem como submetidos tais amostras a exames laboratoriais sem que os respectivos fabricantes das marcas fossem previamente informados da realização dos aludidos testes.

Discutia-se, ainda, teoricamente, a existência de processo não jurisdicional e não estatal, bem como a ilegitimidade, mais do que mera ilegalidade, da imposição de reprimidos cujos resultados podem restringir direitos ou valorar pessoas e coisas, sem a observância do direito fundamental ao contraditório e da possibilidade ou não de acompanhamento – por assistentes técnicos nomeados pelos fabricantes – dos procedimentos de coleta de análise das amostras colhidas para a realização paralela de contraprova.

Ainda, consoante se depreende do Parecer, tais circunstâncias, de acordo com a consulente, estariam em desconformidade com a legislação específica que regula a matéria (arts. 33 e s. do Decreto-Lei n. 986/69, arts. 27 e. da Lei n. 6.437/77 e art. 5.4 da Resolução RDC n. 12/2001 da Anvisa), a qual exige, para a coleta de amostras de produtos alimentícios com a finalidade de inspeção: (i) a arrecadação de três amostras representativas de cada produto a ser analisado; (ii) a entrega de uma das amostras ao respectivo fabricante para viabilização de produção de futura contraprova; (iii) a lacração das amostras na presença do fabricante ou de quem o represente; (iv) a remessa de cópia do laudo técnico com os resultados da análise ao fabricante; e (v) a possibilidade expressa de apresentação de defesa e de recurso à autoridade administrativa, bem como da solicitação da realização de contraprova.146

A partir de então, conclui o referido autor que, tendo em vista que a

publicação da pesquisa pode influenciar o universo jurídico dos envolvidos, a entidade

responsável deveria disponibilizar-lhes oportunidade de, exercendo direito de defesa,

apresentar provas em sentido contrário do que lhes for desfavorável.

Na prática, tal conclusão decorreria da própria lógica da aplicação nas

relações particulares do devido processo legal, uma vez que este veicula, conforme atesta a

doutrina147, os demais direitos processuais, incluindo a ampla defesa e o contraditório –

direitos que resulta na possibilidade de produção de provas, bem como, muitos outros fatores

já devidamente estudados no capitulo anterior.

146 MACIEL Jr., João Bosco. Aplicabilidade do princípio do contraditório nas relações privadas. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 71 e ss.147 Ver comentários do capítulo 4.

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5.2. Processos em espécie

Tendo já sido introduzido o estudo do devido processo legal, tangenciado o

entendimento doutrinário e jurisprudencial do tema, convém estudar as hipóteses em que o

referido direito fundamental exerce seus efeitos, como uma demonstração legítima da eficácia

horizontal dos direitos fundamentais.

Para as finalidade deste trabalho de conclusão, quem melhor classifica essas

hipóteses é Paula Sarno Braga, segundo a qual existe:

a) o processo de formação dos negócios jurídicos, enquanto ritual exigido para constituição de um negócio – algumas vezes sintético e de difícil visibilidade -, que, para ser válido e eficaz, deve ser legítimo, cooperativo e equilibrado, tendo por ato final o negócio (autêntica norma jurídica);

b) e o processo de adimplemento restritivo, enquanto aquele em que uma das partes tem o poder de infligir restrições a esfera jurídica da outra (como sanções convencionais), através de decisão unilateral, parcial e não-jurisdicional (ato normativo) – abrangendo os processos punitivos (de sócios, associados, condôminos) e o processo arbitral.

Implicando o adimplemento do negócio a imposição de restrições de qualquer natureza aos bens jurídicos de um particular, exige a instauração prévia deste procedimento, necessariamente permeado por garantias legais mínimas (contraditório, ampla defesa, produção de provas, igualdade etc.), que deve desaguar, como todo ato jurídico complexo, em uma decisão que venha reger o caso concreto de forma proporcional e moderada.148

Nas próximas linhas, seguir-se-á essa sistematização, complementando-a

com outras hipóteses que permeiam o mundo jurídico.

5.2.1. Processo de formação de negócios jurídicos

148 BRAGA, Paula Sarno. Aplicação do devido processo legal a processos particulares – processos punitivos de sócios, associados e condôminos. Artigo publicado no http://direitoprocessual.org.br, acessado em 18 de outubro de 2011. p. 2-3.

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O negócio jurídico pode ser conceituado como ‘“uma norma de concreta

estabelecida pelas partes”’ – sendo necessário que, para ser válida, “esteja conforme a norma

jurídica”, ou seja, dentro dos “limites legais”149.

Nas palavras de Braga:

O negócio jurídico ou ato negocial subsiste quando a vontade exteriorizada não se limita a integrar o suporte fático de uma categoria jurídica predeterminada (com efeitos necessários). A vontade manifestada compõe o suporte fático (como elemento nuclear), atribuindo-se ao sujeito, dentro de limites pré-fixados pela lei, o poder de escolha da categoria jurídica e de regramento dos seus efeitos (oscilando em sua amplitude, surgimento, permanência e intensidade).150

Assim, o negócio jurídico pode ser entendido como uma enunciação de

vontade que produz efeitos jurídicos, baseada na autonomia privada.

Esta autora, inclusive estudando mais a fundo a questão dos atos jurídicos,

posiciona-se pela classificação dos negócios jurídicos como atos complexos, tais quais

processos legislativos, administrativos e judiciais, de maneira que também poderia ser

compreendido como processo:

Assim, o processo jurisdicional, o processo legislativo e o processo administrativo (como a licitação ou um procedimento disciplinar) são, em regra, atos jurídicos complexos.

Imperioso refletir, porém, se os atos complexos sempre serão públicos. Não seria possível falar-se em processos negociais? Questiona-se, pois, se não se poderia falar em processos de formação (aperfeiçoamento) do negócio — fase pré-contratual de elaboração do negócio na qual há preocupação com preenchimento de seus requisitos de validade — e em processos de execução do negócio jurídico — processo permeado por garantias mínimas (contraditório, ampla defesa, produção de provas, igualdade etc), cuja instauração é exigida para que se imponham restrições de qualquer natureza aos bens jurídicos de particulares, como, por exemplo, a expulsão de um integrante de um clube por ter descumprido seu regulamento.

Na verdade, toda norma que regula o negócio jurídico, quanto aos seus requisitos, é norma de processo negocial. Assim, também nos negócios jurídicos deve-se respeitar o devido processo legal (ex. escritura pública para transferência de imóvel: se ela não existir, não existe a transferência de

149 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, V.1 : teoria geral do Direito Civil, 23.ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2006. p. 436-437.150 BRAGA, Paula Sarno. Primeiras Reflexões sobre uma Teoria do Fato Jurídico Processual — Plano de Existência. Artigo publicado no http://processoemdebate.wordpress.com/, acessado em 18 de outubro de 2011. p. 12.

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propriedade). Ou seja, no processo negocial, de construção (implementação) do contrato, devem-se respeitar os requisitos legais (validade). O processo de elaboração do negócio deve ser legal.151

Levando em conta que a formação dos negócios jurídicos não sucedem de

forma automática, mas sim de uma contínua negociação, até que ajustem as vontades

envolvidas, essa relação negocial pode ser classificada como uma relação processual.

Para Diniz, as fases do negócio jurídico contratual são, negociações

preliminares (fase eventual), proposta e aceitação, sendo que todas podem, em maior ou

menor grau, dar ensejo a responsabilidade152.

Por sua vez, sobre as fases do negócio jurídico, Franca comenta que, em

verdade, pela sua marcha lógica em direção a um enunciado vinculante, apresentam-se como

um processo, que culminam na formação de uma norma jurídica:

De maneira muito genérica, podem-se observar no processo de aperfeiçoamento dos contratos uma fase inicial desencadeada por tratativas preliminares – fase de puntuação ou negociação – que geram uma proposta definitiva – fase de postulação – por uma das partes, que será aceita ou não pela contraparte – fase de decisão.153

Em todas essas fases, este estudioso considera imprescindível o respeito à

boa-fé objetiva e equidade contratual, bem como ao devido processo legal, inclusive em sua

dimensão substantiva, traduzida nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.154

5.2.2. Processo de adimplemento restritivo dos negócios jurídicos

151 BRAGA, Paula Sarno. Primeiras Reflexões sobre uma Teoria do Fato Jurídico Processual — Plano de Existência. Artigo publicado no http://processoemdebate.wordpress.com/, acessado em 18 de outubro de 2011. p. 15.152 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, V.3 : teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 23.ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2006. p. 37 e ss.153 FRANCA, Vinícius Cardona. Aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas. Dissertação de mestrado pela Universidade Federal da Bahia, 2009. p. 140.154 Idem. p. 140 e ss.

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Da mesma maneira, a execução de um negócio jurídico, o qual, se

desenvolvendo por relação contínua, também pressupõe uma sucessão de tratativas, que,

tomando corpo do processo, aqui classificado de processo de adimplemento restritivo.

Em relação este processo de execução do negócio, comenta Braga:

Na fase executiva, por outro lado, deve-se ver, por exemplo, que a imposição de sanção convencional deve atender aos requisitos estabelecidos no negócio e/ou na lei abstrata, bem assim observar o direito de defesa do infrator (ex. imputação de multa por conduta anti-social de condômino — art. 1.337, caput e parágrafo único, do CC), não podendo ultrapassar as raias da razoabilidade/proporcionalidade (devido processo legal formal e substancial).155

No mesmo diapasão, disserta Franca:

O negócio jurídico, também em sua fase de execução, está sujeito a situações que impõe a observância do devido processo legal. O chamado processo de “adimplemento restritivo” consiste naquele em que uma das partes tem o poder de infligir restrições à esfera jurídica da outra mediante decisão unilateral, parcial e não-jurisidicional.

Tal é o caso das chamadas sanções convencionais [...]

A aplicação das penalidades restritivas ou limitativa de direitos deve ser precedida de prévio procedimento que atenda às regras convencionadas no negócio, sobretudo regras que completem a possibilidade de oitiva e defesa da parte, produção de provas em seu favor, publicidade da decisão, isto é, todos os corolários da cláusula due process.156

Em resumo, entende-se que, neste processo também deve-se respeitar o

direito fundamental ao devido processo legal formal e material, boa-fé objetiva, equidade

contratual, bem como o contraditório e ampla defesa, possibilitando à contraparte a produção

de provas.

155 BRAGA, Paula Sarno. Primeiras Reflexões sobre uma Teoria do Fato Jurídico Processual — Plano de Existência. Artigo publicado no http://processoemdebate.wordpress.com/, acessado em 18 de outubro de 2011. p. 15.156 FRANCA, Vinícius Cardona. Aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas. Dissertação de mestrado pela Universidade Federal da Bahia, 2009. p. 143.

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Esta execução de negócio jurídico pode redundar em muitas hipóteses de

processo não jurisdicional, que podem correr no âmbito interno das entidades privadas

(processo de punição do associado, do sócio, do condômino e do partidário), ou por mera

relação negocial.

5.2.2.1. Processo de punição de associado

O Código de Civil prevê, dentre as pessoas jurídicas, a associação, como

uma entidade firmada pela união de pessoas com uma finalidade não econômica: “Art. 53.

Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não

econômicos”.

A respeito de tal pessoa jurídica, comenta Nery Júnior:

As associações não se formam por contrato, mas pela união de pessoas, sem direitos e obrigações recíprocos. [...] A associação não é sociedade e não visa lucro. Constituída por um número mais avantajado de indivíduos, tendo em vista fins morais, pios, literários, artísticos, em suma, objetivos não econômicos [...] O eventual lucro arrecadado por esta associação deve ser “reinvestido”.157

Para tal pessoa jurídica, o Diploma Substantivo Civil previu a possibilidade

de instauração de processo interno para exclusão de associado, nos termos de seu artigo 57,

em sua redação original:

Art. 57. A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, obedecido o disposto no estatuto; sendo este omisso, poderá também ocorrer se for reconhecida a existência de motivos graves, em deliberação fundamentada, pela maioria absoluta dos presentes à assembléia geral especialmente convocada para esse fim.

157 NERY Jr., Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado, 7.ª ed., rev., ampl. e atual. – São Paulo : Revista dos Tribunais. p. 266.

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Parágrafo único. Da decisão do órgão que, de conformidade com o estatuto, decretar a exclusão, caberá sempre recurso à assembléia geral.

Estudando a norma em sua forma original, Braga entende que:

O artigo, em sua redação originária, dispunha que o afastamento do associado só seria possível: i) mediante justa causa, respeitado o disposto no estatuto; ou ii) sendo omisso o estatuto, se reconhecida a existência de motivos graves por deliberação fundamentada de assembléia especialmente convocada para esse fim. No seu parágrafo único, uma ressalva. Se a decisão fosse proferida por outro órgão interno que não a assembléia geral, caberia sempre recurso dirigido a este órgão deliberativo (assembléia).

Percebe-se que o art. 57, CC/2002, em seu texto primitivo, não previa a necessidade de assegurar-se ao associado ameaçado de exclusão o direito a um procedimento prévio, pautado no due process. Ainda assim, a doutrina e a jurisprudência já interpretavam o dispositivo conforme a Constituição Federal, para exigir, no mínimo, o respeito ao contraditório e à ampla defesa.158

Portanto, segundo a autora, desde já, era reconhecido na doutrina e

jurisprudência o dever de respeito ao due process por essa espécie de pessoa jurídica que

deveriam dar oportunidade de defesa ao associado.

Com a modificação do artigo pela Lei n.º 11.127/2005, este passou a

redigido da seguinte forma: “Art. 57. A exclusão do associado só é admissível havendo justa

causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos

termos previstos no estatuto”.

Sobre a inovação legislativa, Braga considera de bom alvitre que o

dispositivo deve ser interpretado extensivamente para incluir o dever de proteção processual

ao associado em caso de punição, e não só de exclusão159.

158 BRAGA, Paula Sarno. Aplicação do devido processo legal a processos particulares – processos punitivos de sócios, associados e condôminos. Artigo publicado no http://direitoprocessual.org.br, acessado em 18 de outubro de 2011. p. 9-10.159 BRAGA, Paula Sarno. Aplicação do devido processo legal a processos particulares – processos punitivos de sócios, associados e condôminos. Artigo publicado no http://direitoprocessual.org.br, acessado em 18 de outubro de 2011. p. 13-14.

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Nesse jaez, Franca aponta para aplicação do devido processo legal inclusive

em associações religiosas (igrejas etc.) e desportivas:

É possível, à luz da teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, levar essa proposta a âmbito em que o Estado, desde o advento do paradigma liberal, não se imiscui, tais como as relações entre organizações religiosas e membro fiel, por exemplo. As igrejas e instituições religiosas em geral contam com ampla tutela constitucional de seu direito de auto-organização e independência do Estado. E assim de fato deve ser. Contudo, tal liberdade não pode construir um cheque em branco que enseje a violação de direitos fundamentais, como ocorrer. A igreja ou denominação religiosa que excomunga um membro, deve observar o devido processo legal, sob pena de ter a reintegração determinada pela via judicial.

Idêntica postura devem adotar as organizações desportivas, como as federações e confederações que cuidam das mais variadas modalidades de esporte. A punição de um atleta de um clube deve observar o devido processo legal, pelos mesmos fundamentos antes apontados.160

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou especificamente sobre a

exclusão de associado no RE 201.819, nos termos da decisão supracolacionada.

A respeito da decisão, relembra Gonet que, embora o direito à associação

seja um direito fundamental constitucionalmente consagrado (art. 5.º, XVII, CF/1988), este

não é absoluto, devendo ser limitado ao direito de defesa e ao devido processo legal; e que o

decisum representa a aceitação pelo STF da teoria da eficácia dos direitos fundamentais nas

relações privadas. Ademais, o conspícuo constitucionalista ressalta a importância de análise

do mote da exclusão em face do animus associativo, uma vez que é digno de respeito os

motivos ideológicos que levaram a formação da pessoa jurídica:

É certo que a associação tem autonomia para gerir a sua vida e a sua organização. É certo, ainda, que, no direito de se associar está incluída a faculdade de escolher com quem se associar, o que implica poder de exclusão. O direito de associação, entretanto, não é absoluto e comporta restrições, orientadas para o prestígio de outros direitos também fundamentais. A legitimidade dessas interferências dependerá da ponderação a ser estabelecida entre os interesses constitucionais confrontantes. A apreciação do fundamento dessas interferências, afinal, não pode prescindir de variantes diversas, como o propósito que anima a existência da sociedade.[...]

160 FRANCA, Vinícius Cardona. Aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas. Dissertação de mestrado pela Universidade Federal da Bahia, 2009. p. 143.

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[...] Assim, as associações que detêm posição dominante na vida social ou econômica ou que exercem funções de representação de interesses gozam de uma liberdade mais restrita na fixação das causas de sanção e na imposição das mesmas. Para os autores, as entidades “que promovem fins ideológicos integram o núcleo essencial da autonomia privada coletiva: as resoluções das associações religiosas ou de pessoas que compatilham um certo ideário ou uma ou outra concepção do mundo não estão, no fundamental, sujeitas a controle judicial”. Nas entidades de fins associativos predominantemente econômicos, a expulsão seria revisável em consideração ao dano patrimonial que pode causar ao excluído.

É importante notar [...] nem toda pretensão decorrente de relação estatutária, surgida no interior de uma entidade privada, pode ser alçada à hierarquia de questão constitucional. [...] Casos, no entanto, de desprezo à garantia de defesa do expulso defesa que há de abranger a notificação das imputações feitas e o direito a ser ouvido tendem a ser inseridos na lista dos temas de índole constitucional, em que se admite, ademais, a eficácia dos direitos fundamentais no âmbito das associações particulares.

O direito de defesa ampla assoma-se como meio indispensável para se prevenir situações de arbítrio, que subverteriam a própria liberdade de se associar.

[...]

O julgado em comento marca postura do Supremo Tribunal em conferir larga extensão à garantia da ampla defesa, firma precedente inserindo o direito brasileiro na corrente que admite a invocação de direitos fundamentais no domínio das relações privadas e dá entrada a novas e ricas perspectivas argumentativas na compreensão do direito de se associar e no manejo do próprio recurso extraordinário.161

É de se ressaltar que a jurisprudência brasileira tem adotado esse

posicionamento, conforme os julgados seguintes julgados: TJSP, Apelação Cível nº 9095198-

67.2007.8.26.0000 e Apelação Cível n° 9101604-07.2007.8.26.0000; TJMG Apelação Cível

1.0480.07.105915-2/001 e Apelação Cível 1.0024.07.451440-7/001; TJRS, Apelação Cível

70.025.257.528 e Apelação Cível 70.030.645.527.

Diante de todo o exposto, é de se considerar essencial o devido processo

legal para validade das punições aos membros das associações.

5.2.2.2. Processo de punição de sócio

161 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Associações, expulsão de sócios e direitos fundamentais. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 13, abril-maio, 2002. Disponível na Internet: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em 18 de outubro de 2011.

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Segundo a doutrina brasileira, sociedade pode ser conceituada como uma

pessoa jurídica de direito privado, cuja formação tem finalidade econômica, vale dizer,

objetiva o lucro:

Entre a associação e a sociedade a diferença se encontra na natureza dos objetivos que inspiram a união dos esforços pessoais de seus integrantes. No primeiro caso, tais objetivos não são econômicos, mas filantrópicos, culturais, sociais, políticos ou de qualquer outro gênero. No caso das sociedades, os objetivos que aproximam os sócios são econômicos, isto é, quem compõe uma sociedade com outras pessoas está pretendendo ganhar dinheiro com isso. [...]162

Em resumo, esta pode ser classificada como Sociedade Simples e Sociedade

Empresarial, cuja separação é alvo de grandes debates doutrinários. Para este trabalho

monográfico, cumpre frisar que se faz suficiente saber que esta desenvolve e explora a

empresa, destinando-se à circulação, produção e comercialização de bens ou serviços;

enquanto aquela, quando não expressamente previsto em lei, destina-se à prestação de

serviços de ordem intelectual, científica, literária ou artística, conforme dispões o Código

Civil em seu artigo 982, e nos termos do escólio de Nery Júnior.163

Preliminarmente, é preciso lembrar que, a sociedade terá regulação

subsidiária da associação, nos termos do § 2.º do art. 44 do Código Civil, a respeito do que

ensina Braga:

No entanto, o art. 44, §2o, CC/2002, dita que: “As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades [...]”. Com isso, incide o art. 57, CC/2002, acima comentado e interpretado, da mesma forma, nas relações entre sócio e sociedade. Para a expulsão do sócio ou aplicação de qualquer outra penalidade é necessário o transcurso de um itinerário processual legítimo e equilibrado, atendendo-se às exigências do due process formal e material.164

162 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial (V. 2), 11.ª ed. – São Paulo : Saraiva, 2008. p. 13.163 NERY Jr.,Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado, 7.ª ed., rev., ampl. e atual. – São Paulo : Revista dos Tribunais. p. 839.164 BRAGA, Paula Sarno. Aplicação do devido processo legal a processos particulares – processos punitivos de sócios, associados e condôminos. Artigo publicado no http://direitoprocessual.org.br, acessado em 18 de outubro de 2011. p. 14-15.

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Portanto, indubitável que as conclusões extraídas das disposições relativas

às associações, deverão servir de parâmetro para a interpretação do processo de punição do

sócio – tornando preliminarmente necessária a obediência a cláusula do due process of law.

Prevendo a possibilidade de descumprimento de suas obrigações, o Diploma

Substantivo Civil prevê a possibilidade de exclusão do sócio, cujas várias hipóteses podem

ser, conforme lições de F. U. Coelho, com ou sem forma de sanção.165

In casu, interessa somente as que assumem forma de sanção, na medida em

que resultam de um ato unilaterial e parcial dos outros sócios, os quais deverão respeitar o

devido processo legal.

Por outro lado, interessantes são os apontamentos de Miguel Reale sobre o

Direito Empresarial do Código Civil de 2002, relatando que as novidades seriam uma resposta

aos abusos cometidos por sócios majoritários:

Um dos objetivos do nosso Código Civil é reestruturar as instituições empresariais regidas por antigas leis que, além de estarem superadas pelo desenvolvimento econômico-social, estejam servindo de cobertura a odiosos privilégios.

Entre os diplomas legais que não asseguram os direitos e interesses dos sócios minoritários figura o antigo Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919, que ainda disciplina as sociedades por quotas de responsabilidade limitada, permitindo abusivas decisões por parte dos que detêm a maioria de seu capital social, sem que a minoria tenha condições de participar eqüitativamente dos lucros sociais, fazendo valer os seus direitos.

A legislação vigente, no fundo, subordina, praticamente, a administração das sociedades limitadas à vontade arbitrária dos sócios majoritários, não obrigados a prestar periodicamente conta de suas decisões, o que a nova Lei Civil vem corrigir, assegurando os direitos e interesses de todos os quotistas.166

Em relação à Sociedade Limitada, a legislação expressamente prevê a

possibilidade de exclusão de sócio minoritário:

165 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial (V. 2), 11.ª ed. – São Paulo : Saraiva, 2008. p. 415 e ss..166 REALE, Miguel. Fim de Odiosos Privilégios. Artigo publicado no endereço eletrônico http://www.miguelreale.com.br/. Acessado em 18 de outubro de 2011.

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Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.

Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.

Sobre o processo de exclusão de sócio minoritário, convém citar os

apontamentos de Paulo Lucon:

A exclusão é um instrumento pelo qual um ou mais sócios podem utilizar para retirar da sociedade outro sócio, mesmo que sem o seu consentimento, antes de dissolvida a sociedade. Desse modo, podemos determinar que a exclusão realiza-se sem o consentimento, isto é, à revelia, permitindo com que os fins sociais da empresa não sejam afetados.

[...]

Havia divergência quanto à forma de se operar a exclusão, se por simples alteração contratual do contrato social ou se mediante provimento judicial. Acabou vingando a primeira orientação, contanto que a alteração contratual indique o justo motivo da exclusão, conforme disposto no artigo 54 do Decreto nº 1.800/96, salvo os casos previstos em lei

A propósito, nota-se que esse mesmo entendimento foi adotado pelo Código Civil, com o acréscimo de que a alteração contratual, impondo a exclusão do sócio, seja antecedida de “reunião ou assembléia especialmente invocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa” (art. 1.085 e parágrafo único).

Evita-se, com a previsão por deliberação dos sócios, a delonga com discussões judiciais que resultariam da propositura de ações visando obter tal resultado, sem prejuízo, é claro, de o sócio excluído receber seus haveres.167

Dessa forma, a legislação societária previu especificamente a sociedade

limitada um processo interno para exclusão de sócio minoritário, prevendo, para tanto, o

respeito ao direito de defesa, em homenagem tanto a segurança jurídica, como ao devido

processo legal.

167 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Conflitos societários: breves apontamentos. Artigo publicado no http://direitoprocessual.org.br. Acessado em 18 de outubro de 2011. p. 15 e 20-21.

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Braga sistematiza a maneira como o Código Civil condiciona a exclusão do

sócio faltoso – e, bem assim, conclui que pela necessidade respeito ao devido processo legal

no processo de sua exclusão:

No capítulo relativo às sociedades empresárias limitadas, existe, ainda, um dispositivo que merece especial atenção: é o art. 1.085 (caput e parágrafo único), CC/2002. Cuida de hipótese de exclusão de sócio minoritário (mediante alteração contratual), por deliberação dos sócios majoritários, impondo, para tanto, determinados requisitos: i) a prática de ato grave pelo (s) sócio(s) minoritário(s) que tenha colocado em risco a continuidade da empresa; ii) a previsão no estatuto social da possibilidade de exclusão por justa causa; iii) existência de deliberação tomada em reunião ou assembléia convocada especialmente para esse fim; iv) e, enfim, o mais importante dos requisitos, que a dita deliberação societária de exclusão seja precedida do exercício do contraditório pelo sócio acusado que deve estar ciente da assembléia “em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa”.

Condiciona-se, pois, a licitude da exclusão do sócio minoritário à prévia observância do devido processo legal. Trata-se de regra que deve ser aplicada por analogia a todas as outras modalidades de sociedade, em que cabível.168

Por outro viés, Lucon opina que, o judiciário, na análise do fato concreto,

não se limite à parte formal da exclusão, mas que aprecie o mérito, de forma a não permitir

qualquer abuso de direito:

Nessa esteira, o legislador, reconhecido o poder da sociedade, consolidado nas mãos da maioria do capital social, evitou que a decisão de exclusão do sócio tido como faltoso se degenere em abuso de direito. Por esse motivo, é preciso que o Poder Judiciário esteja bem atento a esta peculiaridade. Isso porque, são raros os pronunciamentos judiciais adentrando especialmente ao mérito que levou a sociedade a expulsar o sócio tido por faltoso, limitando-se em muitos casos referendar a decisão de exclusão, mormente se esse modus operandi estiver fundamentado na desarmonia entre os sócios ou a quebra da affectio societatis.

[...]

Assim, se a exclusão não for consubstanciada em uma justa causa, o excluído terá o direito de voltar à condição de sócio da empresa, isto é, de anular a alteração contratual que o excluiu e de ser indenizado pelo ato ilícito pratica pela sociedade.169

168 BRAGA, Paula Sarno. Aplicação do devido processo legal a processos particulares – processos punitivos de sócios, associados e condôminos. Artigo publicado no http://direitoprocessual.org.br. acessado em 18 de outubro de 2011. p. 15.169 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Conflitos societários: breves apontamentos. Artigo publicado no http://direitoprocessual.org.br, acessado em 18 de outubro de 2011. p. 15-16 e 21.

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Nesse sentido, foi prolatado acórdão que refutou a tese de que deixar de ser

polido e dedicar-se aos estudos se enquadraria na legal de hipótese de justa causa (TJSP,

Apelação Cível n.º 0002402-02.2009.8.26.0564).

Mormente existência de previsão legal da cláusula da justa causa, tal

apreciação do mérito da decisão societária seria possível também pelo fato de que o respeito

ao devido processo legal deve ser dado não só em sua dimensão formal, mas também

material, conforme já supra delineado nos excertos doutrinários já colacionados, prescrevendo

o respeito ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade.

Cumpre reconhecer que, na maioria dos casos, quando ocorrida alguma

nulidade nesse tipo de processo interprivado, o que se busca em juízo, na maioria dos caos,

não é a reintegração à sociedade, mas sim a apuração de haveres, na medida em que, na

maioria dos casos, já deixou de existir a affectio societatis.

Entretanto, segundo o escólio de Braga, acepção semelhante é a que têm os

Tribunais Nacionais em relação às cooperativas:

No contexto das sociedades cooperativas (arts. 982 e 1.093, ambos do CC/2002), os tribunais assumem posicionamento semelhante. Reconhecem que a eliminação legítima do cooperado depende do respeito ao devido processo legal, sob pena de sua reintegração. É o que se extrai de julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, um anterior (1998) e outro posterior (2007) ao CC/2002.

Também no ano de 2007, o Tribunal Gaúcho, ratificando sua posição, reconheceu o direito a indenização por danos morais a cooperados excluídos em 1989, reintegrados por ordem judicial do STF (em 1996), mas novamente excluídos, logo em seguida – sem o respeito ao contraditório e a ampla defesa. Os desembargadores condenaram a Cooperativa Mista São Luiz a pagar R$ 7 mil como reparação por danos morais para três cooperados retirados do quadro da cooperativa, sob o fundamento de que teriam sido afastados e humilhados perante mais de 100 (cem) associados.

Cumpre observar que o Código Civil não foi uniforme na disposição de suas

normas: na maioria de outros casos em que o sócio possa ser punido, não trouxe disposição

semelhante no sentido de determinar um processo interno com o direito de defesa. A exemplo,

na sociedade simples e em conta de participação a exclusão pode ser judicial:

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Art. 996. Aplica-se à sociedade em conta de participação, subsidiariamente e no que com ela for compatível, o disposto para a sociedade simples, e a sua liquidação rege-se pelas normas relativas à prestação de contas, na forma da lei processual.

[...]

Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente.

Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026.

Em outros, esta punição ou exclusão pode ser de ofício, como o disposto no

artigo 1.004 do CC, regulando outras hipóteses de exclusão na Sociedade Simples:

Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora.

Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031.

De todo modo, embora ocorra essa falta de sincronia do Diploma

Legislativo, pode-se relativizar esse tipo de previsão legal, toda vez que ela for utilizada para

burlar o sistema jurídico, na medida em que, mesmo em face das especificidades de cada

norma legal, se extrai do ordenamento o dever de respeitar a boa-fé objetiva e o devido

processo legal de forma ampla. Afinal, conforme o próprio Código Civil prevê em seu artigo

187170, não se admite qualquer sorte de abuso de direito171.

170 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.171 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, V.7 : responsabilidade civil, 22.ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2008. p. 573 e ss.

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5.2.2.3. Processo de punição de condômino

O condomínio, conforme prevê o Código Civil, será regulado pela lei, pela

convenção e pelo regimento interno. Senão veja-se:

Art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção.

[...]

Art. 1.334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará:

condôminos, ou possuidores;

[...]

V - o regimento interno.

Vale frisar o art. 1.334 do CC, especificamente em seu inciso IV, que

determina que a convenção estipulará “as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou

possuidores”.

Por sua vez, Braga traz ao lume as punições previstas pelo Código Civil aos

condôminos:

O próprio Código Civil de 2002 trouxe um sistema graduado de sanções para os condôminos infratores: i) o condômino inadimplente (art. 1.336, I, CC/2002) fica sujeito a juros moratórios e multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito (art. 1.336, §1.o, CC/2002); ii) o condômino que não cumprir deveres insertos no art. 1.336, incisos II a IV, fica sujeito à multa convencional não superior ao quíntuplo do valor das contribuições mensais – cabendo à assembléia fixá-la em caso de omissão estatutária (art. 1.336, §2.o; iii) o condômino (ou possuidor) que é renitente no descumprimento de seus deveres (legais ou estatutários) fica sujeito à multa legal não superior ao quíntuplo do valor das contribuições mensais, a ser arbitrada pela assembléia, considerando a gravidade da falta e sua reiteração (art. 1.337, CC/2002); iv) e se esse renitente comportamento anti-social do condômino gerar incompatibilidade de convivência comum fica sujeito à multa

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correspondente ao décuplo do valor das contribuições mensais (art. 1.337, parágrafo único, CC/2002).172

No entanto, o Código Civil não aponta, para validade da punição, a

concessão do direito de defesa do condômino nocivo. Apesar disso, a doutrina tem afirmado

que: “Qualquer que seja a modalidade de imposição de multa ou penalidade, requer seja

conferido direito de defesa ao condômino”173.

Nesse mesmo sentido, o Enunciado n. 92, do Conselho da Justiça Federal,

que expressamente dispõe que: “As sanções do CC 1.337 não podem ser aplicadas sem que se

garanta direito de defesa ao condômino nocivo”.

Nesse mesmo entendimento perfilham os Tribunais, a exemplo do seguinte

julgado:

Despesas condominiais. Cobrança. Pretensão recursal objetivando a extirpação das multas por infração à convenção de condomínio. Acolhimento. Cominação de multa que exige prévia notificação do condômino com oportunização de prazo razoável para defesa, circunstância que, ausente no caso, implica na insubsistência das sanções. Redução parcial da procedência da ação, com a exclusão das multas infracionais. Recurso provido.

(TJSP, 28.ª Câmara de Direito Privado, DES. REL. JÚLIO VIDAL, Apelação Cível 9230455-30.2008.8.26.0000, julgado em 27/09/2011, publicado em 30/09/2011)

Dessarte, tem-se que no processo de punição de condômino se perfaz pela

oportunização de direito de defesa, concretizando o devido processo legal.

5.2.2.4. Processo de punição de partidário

172 BRAGA, Paula Sarno. Aplicação do devido processo legal a processos particulares – processos punitivos de sócios, associados e condôminos. Artigo publicado no http://direitoprocessual.org.br, acessado em 18 de outubro de 2011. pg. 19.173 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil (V. 5) : Direitos reais, 2.ª ed. – São Paulo : Atlas, 2002. p. 297.

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Os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado que, ao lado de

todas as outras hipóteses aqui aventadas, também prevê em sua legislação (Lei 9.096/1995) a

possibilidade de punição de seus partidários:

Art. 23. A responsabilidade por violação dos deveres partidários deve ser apurada e punida pelo competente órgão, na conformidade do que disponha o estatuto de cada partido.

§ 1º Filiado algum pode sofrer medida disciplinar ou punição por conduta que não esteja tipificada no estatuto do partido político.

§ 2º Ao acusado é assegurado amplo direito de defesa.

Conforme ensina Jardim, o partidário, neste processo de punição, tem

direito de defesa:

A fidelidade e a disciplina partidárias são exigências da Constituição (art. 17, § 1.º, in fine). A lei, portanto, prevê a responsabilização por violação dos deveres partidários, desde que tipificada a conduta, a ser apurada e punida na forma do estatuto, assegurada ao acusado a ampla defesa.174

Jardim ainda ensina que, embora seja necessária a preservação pelo partido

político de seus valores ideológicos mediante atuação de membro, a punição não poderia se

dar em caso de “escusa de ordem filosófica ou religiosa ou de convicção íntima”, uma vez que

a Constituição Federal consagrou no rol de direitos fundamentais a liberdade de consciência e

de crença (art., 5º, VI e VIII)175.

Sobre a necessidade de respeito ao Devido Processo Legal na punição de

partidário já se manifestaram tribunais nacionais:

Registro de candidatura. Eleições 2006. Candidato a Governador. Pedido de cancelamento do registro.

Deliberação da expulsão de candidato do partido político. Competência do Tribunal Regional Eleitoral para a apreciação de questões interna corporis de

174 JARDIM, Torquato. Direito Eleitoral Positivo, 2.ª ed., rev. e ampl. – Brasília : Brasília Jurídica, 1998. p. 102.175 Idem. p. 102.

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partidos políticos, que repercutam diretamente no processo eleitoral. Expulsão ocorrida de forma manifestamente ilegal, não assegurado direito a ampla defesa e ao contraditório. Candidato expulso sem sequer oferecer defesa ao órgão de deliberação do partido.

Indeferimento do pedido de cancelamento do registro.

(REGISTRO DE CANDIDATOS nº 10822006, Acórdão nº 2810 de 06/09/2006, Relator(a) CARLOS AUGUSTO DE BARROS LEVENHAGEN, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 06/09/2006 )

PROCESSO DE EXPULSAO DE MEMBRO DE PARTIDO POLITICO. LEI ORGANICA N. 9096/95, ARTIGOS 15, INCISOS II E V E 23.

GARANTIA DO CONTRADITORIO E AMPLA DEFESA.

CONSULTA CONHECIDA E RESPONDIDA.

(CONSULTA nº 24, Acórdão nº 23246 de 24/05/1999, Relator(a) CARLOS FERNANDO CORREA DE CAST, Publicação: DJ - Diário da Justiça, Data 09/06/1999, Página 0 PSESS - Publicado em Sessão, Data 09/06/1999 )

Portanto, também para se punir/excluir partidário, os partidos políticos

devem respeitar o devido processo legal.

5.2.2.5. Processo de negativação

Assim como todos os demais processos supradelineados, tem-se que a

negativação, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, constitui indubitavelmente um

processo que depende do respeito ao contraditório e ampla defesa. Senão vejamos o que

dispõe o artigo 43 do CDC:

Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.

§ 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.

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§ 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.

§ 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.

§ 4° Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.

§ 5° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.

Sobre o instituto, comenta Rizzatto Nunes:

Ora, como os cadastros arquivam apenas dados negativos relativos ao não-pagamento de dívidas, conclui-se logicamente que:

a) existe a dívida;

b) a data prevista para pagamento venceu;

c) o valor é líquido e certo.

[...]

Além disso, anota-se que, [...] com entrada em vigor do código de defesa do consumidor, a negativação somente é válida se o consumidor tiver sido avisado previamente e por escrito, [...]

O aviso serve para:

a) respeitar direito constitucional dar garantia da dignidade e imagem do consumidor;

b) dar prazo para que o consumidor tome medidas (extrajudiciais e judiciais) para se opor a negativação quando ilegal; ou

c) ter chance de pagamento da dívida, impedindo a negativação (ou mesmo negociar a dívida).176

Ora, se o consumidor deve ser notificado para se manifestar ou reagir ante a

existência do débito e a possibilidade de seu cadastro na lista de mal pagadores, e que, até

176 NUNES, Luis Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 4.ª ed. – São Paulo, Sariva, 2009. p. 585.

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mesmo o conteúdo desse cadastro é passível de redução, não resta dúvida que a negativação

deve obedecer ao devido processo legal.

Tanto é assim que é pacífico na jurisprudência brasileira que os órgãos

cadastrais e os credores são responsáveis, tanto pelo descumprimento da formalidade de

notificação, como pelo conteúdo do cadastro: cobrança indevida e informações depreciativas.

A exemplo, pode-se citar os seguinte julgados do STJ: no AgRg no Ag 1400867; EDcl no

AgRg no Ag 1389928; AgRg no REsp 1186062.

Contudo, vale lembrar que esse tipo de proteção não é válido somente ao

consumidor, mas também ao fornecedor, que, podendo ser incluído em cadastro de

reclamações de consumidores, é lhe assegurada a possibilidade de apresentação de

informações, com vistas à retificação do cadastro, ou mesmo demonstrar que a reclamação foi

atendida. Nesse aspecto, o caput do artigo 44 do CDC:

Art. 44. Os órgãos públicos de defesa do consumidor manterão cadastros atualizados de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, devendo divulgá-lo pública e anualmente. A divulgação indicará se a reclamação foi atendida ou não pelo fornecedor.

Sobre o cadastro de reclamações do fornecedor, comentam os autores do

anteprojeto do CDC:

Uma informação, necessariamente, deve constar da divulgação. É o despecho final da reclamação do consumidor, ou seja, se foi ela atendida ou não pelo fornecedor. Na medida em que o Código exige a presença de tal elemento, nenhuma divulgação pública é possível – o arquivo sim – sem que o fornecedor tenha tido sua chance de se manifstar.

[...]

Assim, por exemplo, tem o fornecedor o direito à retificação de dado incorreto. No mesmo sentido, entendo que os cadstros não podem conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos. Afinal, assim como o consumidor, a empresa pode alterar o seu comportamento e não é justo que sua imagem permaneça maculada para sempre. [...] Finalmente, a inclusão do fornecedor no cadastro pressupõe que seja ele disto informado.177

177 GRINOVER, Ada Pellegrine. BENJAMIM, Antônio Herman de Vasconcellos e. FINK, Daniel Roberto. FILOMENO, Jospe Geraldo Brito. WATANABE, Kazuo. NERY Jr., Nelson. DENARI, Zelmo. Código de

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Dessa forma pode-se concluir que a negativação, tanto para consumidor,

como para o fornecedor, deve-se preitear obediência ao devido processo legal.

Portanto, o referido direito fundamental é dotado de patente eficácia nas

relações particulares, seja regendo processos internos de punição, seja atuando na formação e

execução de negócios jurídicos.

CONCLUSÃO

Neste trabalho foram estudados os direitos fundamentais, e, dentre estes, o

devido processo legal, bem como sua aplicação nas relações privadas, e, considerando que

foram alcançados os resultados almejados, pode-se tecer algumas conclusões.

Em primeiro lugar, chega-se à conclusão que os direitos fundamentais são

tema de importância impar a Ciência Jurídica, uma vez que assumem papel protetivo do ser

humano e do cidadão, contra os contínuos atentados a sua dignidade fundamental.

No que tange a esses atentados, embora sejam preponderantemente

provenientes do Estado, pelo que se extrai a eficácia vertical dos direitos fundamentais, é de

se considerar que estes também podem advir de entidades regidas pelo direito privado,

particulares.

Reconhecendo essa ameaça, a doutrina e a jurisprudência, e, por vezes, o

legislador, chegam à conclusão de que os direitos fundamentais também são dotados de uma

eficácia horizontal, vinculando os particulares.

Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do anteprojeto, 5.ª ed., rev. e atual. – Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1997. p. 340-341.

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Embora seja razoavelmente aceita tal aplicabilidade dos direitos

fundamentais às relações privadas, não há um consenso a respeito de como se dará essa

aplicação, ou o seu porquê. No entanto, é cogente na doutrina que isso não se dá de forma

absoluta, uma vez que é da natureza do Direito Privado a renúncia pontual dos direitos

fundamentais, a fim de possibilitar o desfrute pleno e harmônico da liberdade.

Dessa forma, pode-se observar que o objetivo doutrinário é justamente

formular uma teoria que equacione esses interesses, evitando, a cima de tudo, o abuso de

direitos de entidades que, aproveitando de desequilíbrios nas relações sociais, imponham

restrições a outrem que sejam inaceitáveis em um Estado Democrático de Direito.

Nesse viés metodológico, o devido processo legal, tanto na dimensão

formal, como na material, tem atuado como garantia aos indivíduos, para evitar que decisões

alheias lhes restrinjam direitos de modo abrupto e impertinente.

Muitas são as hipóteses de sua aplicação, tendo sido citado no corpo do

trabalho o total de 9 (nove) exemplos178. Contudo, lembrando as lições da teoria da eficácia

imediata dos direitos fundamentais, não há como prever todas as hipóteses em que o devido

processo legal de deverá ser aplicado, ainda mais em face da atual complexidade da sociedade

em que vivemos.

Por isso, a conclusão final deste trabalho monográfico não é que se deve

aplicar o direito fundamental ao devido processo legal apenas nas hipóteses supraelencadas.

Mas sim em todas as oportunidades em que a decisão ou ato de um particular, pessoa física,

jurídica ou ente despersonalidazado, possa prejudicar os interesses de outro particular.

Cabe aqui esclarecer que, essa conclusão não aponta a necessidade de um

formalismo procedimental enclausurante das relações privadas. Os particulares, para se

relacionar, não precisam aplicar os ditames de um Código de Processo. Ora, se até o processo

judicial tem sido influenciado pelo princípio da instrumentalidade das formas, quanto mais

esse processos não estatais.

Basta que, para que se respeite o direito fundamental ao due process, seja

dada efetiva oportunidade de apresentação de defesa e formação provas ao interessado, ou

178 Enumere-se: processo de formação de negócios jurídicos; processo de execução de negócios jurídicos; processo de punição de associado; processo de punição de sócio; processo de punição de condômino; processo de punição de partidário; processo de negtivação de consumidor; processo de negativação de fornecedor; processo de formação de opinião jornalística-informativa.

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seja, de influir na decisão ou ato a ser tomada. Vale salientar que essa oportunização de

defesa deve-se dar por comunicação comprovada.

Por último, é preciso lembrar que a decisão a ser tomada pelo particular não

deve respeitar somente a dimensão formal do instituto jusfundamental referido. O devido

processo legal substantivo ou material se impõe para os particulares, determinando que suas

decisões sejam pautadas na razoabilidade e proporcionalidade.

Ou seja, o procedimento deve culminar numa decisão que não represente

um abuso de direito. Não é por outro motivo que o legislador prescreve a existência de justa

causa para conduta prejudicial ao consorte.

Se ao final de um processo privado, o particular aplicar penalidade

desproporcional ou tomar decisão que ultrapasse os limites da razão, extrapolando interesses

legítimos, calha no descumprimento do material do devido processo legal.

Portanto, conclui-se que os particulares são vinculados ao direito

fundamental do devido processo legal material e formal, toda vez que suas decisões ou atos

puderem influenciar negativamente a esfera jurídica doutros particulares.

O Poder Judiciário, por sua vez, deve estar atento para não permitir que

decisões privadas abusivas venham corroer nosso sistema jurídico, anulando a eficácia dos

direitos fundamentais na sociedade pelo descumprimento do devido processo legal.

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