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T E I A D E C O N H E C I M E N T O 12 por Gabriela Di Giulio Amazonas: pesquisas analisam redes formadas na região de Manaus O esforço para conhecer e entender a dinâmica do desenvolvimento econô- mico e social do estado do Amazonas e, mais especificamente de Manaus, levou quatro professores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e da Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Fucapi), a se dedicarem, durante quatro anos, ao estu- do dessa região. A parceria entre a Ufam e a Coordenação dos Programas de Pós- graduação de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apoiada pela Superintendência da Zona Franca de Manaus, deu a esses pesqui- sadores a oportunidade de analisarem algumas experiências de desenvolvi- mento e de evidenciarem a importân- cia da cooperação entre empresas locais e instituições de pesquisa. Os trabalhos resultaram em quatro teses de doutorado em engenharia de produção, que analisam a cooperação entre empresas no pólo industrial de Manaus, a valorização da biodiversida- de, a formação de redes de conhecimen- to na área de fármacos e cosméticos, e a geração e difusão do conhecimento em piscicultura no estado do Amazonas. Além de serem apresentadas em con- gressos, como no XI Seminário Latino- Iberoamericano de Gestão Tecnológica, realizado em 2005, em Salvador, as pes- quisas serão publicadas em um livro, a ser lançado no segundo semestre deste ano. As pesquisas levaram, ainda, à cria- ção, dentro da Fucapi, de um Núcleo de Estudos e Pesquisa em Inovação dedi- cado à sistematização de estudos sobre o desenvolvimento daquela região. Os pesquisadores chegaram a uma abordagem que focaliza o papel do conhecimento como instrumento de COM O APOIO GOVERNAMENTAL RECEBIDO, A INTERAÇÃO PERMITIU AGREGAR VALOR AOS PROCESSOS PRODUTIVOS NOS SETORES DE FÁRMACOS, FITOINDÚSTRIA E PISCICULTURA Jorge Fim/Inpa

Jorge Fim/Inpa - inovacao.scielo.brinovacao.scielo.br/pdf/inov/v2n2/a08v2n2.pdf · mento e de evidenciarem a importân-cia da cooperação entre empresas locais ... tar a produção

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T E I A D E C O N H E C I M E N T O

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por Gabriela Di Giulio

Amazonas: pesquisas analisam redesformadas na região de Manaus

O esforço para conhecer e entendera dinâmica do desenvolvimento econô-mico e social do estado do Amazonas e,mais especificamente de Manaus, levouquatro professores da UniversidadeFederal do Amazonas (Ufam) e daFundação Centro de Análise, Pesquisae Inovação Tecnológica (Fucapi), a sededicarem, durante quatro anos, ao estu-do dessa região. A parceria entre a Ufame a Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia (Coppe), daUniversidade Federal do Rio de Janeiro,apoiada pela Superintendência da ZonaFranca de Manaus, deu a esses pesqui-sadores a oportunidade de analisaremalgumas experiências de desenvolvi-mento e de evidenciarem a importân-

cia da cooperação entre empresas locaise instituições de pesquisa.

Os trabalhos resultaram em quatroteses de doutorado em engenharia deprodução, que analisam a cooperaçãoentre empresas no pólo industrial deManaus, a valorização da biodiversida-

de, a formação de redes de conhecimen-to na área de fármacos e cosméticos, ea geração e difusão do conhecimento empiscicultura no estado do Amazonas.

Além de serem apresentadas em con-gressos, como no XI Seminário Latino-Iberoamericano de Gestão Tecnológica,realizado em 2005, em Salvador, as pes-quisas serão publicadas em um livro, aser lançado no segundo semestre desteano. As pesquisas levaram, ainda, à cria-ção, dentro da Fucapi, de um Núcleo deEstudos e Pesquisa em Inovação dedi-cado à sistematização de estudos sobreo desenvolvimento daquela região.

Os pesquisadores chegaram a umaabordagem que focaliza o papel doconhecimento como instrumento de

COM O APOIO GOVERNAMENTAL RECEBIDO,

A INTERAÇÃO PERMITIUAGREGAR VALOR AOS

PROCESSOS PRODUTIVOS NOS SETORES DE FÁRMACOS,

FITOINDÚSTRIA E PISCICULTURA

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no, como o ciclo da borracha, dimensãogeopolítica de sua localização, diversida-de da população — exige esforços maio-res para dar impulso a um desenvolvi-mento sustentável e não simplesmentea um extrativismo predatório. Todos ossegmentos da sociedade — empresas,instituições de pesquisa e ensino, asso-ciações de classe, comunidades indíge-nas, agências governamentais nacio-nais ou regionais — devem colaborar paraessa meta. Somente dessa maneira sur-girão soluções inovadoras", explica.

Como destaca o pesquisador JoséManoel Carvalho de Mello, um dos orien-tadores desse estudo, "o desenvolvimen-to não ocorre espontaneamente, masprecisa de um arcabouço institucionaljurídico-legal, regulatório, fiscal oufinanceiro que crie um ambiente favo-rável ao empreendedorismo e à inova-ção". A Zona Franca de Manaus, hojedenominada Pólo Industrial de Manaus(PIM), é um exemplo do que ele chamade desenvolvimento industrial volun-tarista. "Embora ainda bastante vulne-rável e não totalmente enraizado, essedesenvolvimento possibilitou investi-mentos importantes, geração de empre-

gos e renda. Por outro lado, o governolocal precisa assumir um papel essen-cial de articulação dos diversos interes-ses sociais e dar o impulso e condiçõesde consolidação a iniciativas locais vin-das das empresas e das instituições deensino e pesquisa", considera.

REDES DE CONHECIMENTONa análise da formação de redes, os

estudos mostram a importância dosprogramas de fomento à inovação comoas Plataformas Tecnológicas, os ArranjosProdutivos Locais (APL) e o Programade Apoio à Pesquisa em Empresas(Pappe). Esses programas foram res-ponsáveis pelo estímulo aos processosde interação e cooperação entre asempresas e instituições de pesquisa,condições fundamentais para a produ-ção e disseminação do conhecimento,conforme apontam as teses dos pesqui-sadores Guajarino de Araújo Filho,Dimas Lasmas, Niomar Lins Pimenta eMariomar de Sales Lima. Os trabalhosanalisam os programas enquanto ins-trumentos de intervenção numa dadarealidade, bem como as redes de conhe-cimento estabelecidas.

desenvolvimento econômico sustentá-vel. O ponto de partida é o modelo dahélice tripla, que mostra que o proces-so de inovação requer interações entreinstituições de pesquisa, empresas egovernos. Um outro conceito importan-te utilizado por esses estudos é o deredes de conhecimento, pertinentes aprocessos de capacitação gerencial etécnica de empresas, conhecimentosestes que podem eventualmente levara processos de inovação.

A partir desses modelos, os pesqui-sadores analisaram essas interaçõesmostrando como os conhecimentos gera-dos possibilitaram agregar valor aosprocessos produtivos, nos setores defármacos, fitoindústria e piscicultura.

A pesquisadora Anne-MarieMaculan, orientadora de dois trabalhos,acrescenta que o ambiente amazonen-se tem de ser analisado com cuidado,uma vez que é bastante específico. "Umconjunto de características — como iso-lamento geográfico, riqueza, mas tam-bém necessidade de preservação da bio-diversidade, experiências anteriores desurto de desenvolvimento econômicoseguido de períodos longos de abando-

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Segundo a pesquisadora Mariomar,"destaca-se como ponto forte dessas polí-ticas o fato de proporcionarem a recom-binação das capacidades existentes,estimulando a articulação entre os ato-res interessados em promover intera-ções para o desenvolvimento tecnoló-gico em campos específicos. Tais açõestêm sido apontadas como um elemen-to sustentador das políticas de desenvol-vimento regional". A pesquisadora apon-ta ainda que, embora exista preocupa-ção no âmbito das políticas nacional,local e das próprias instituições de pes-quisa em promover um crescimento eco-nômico por meio do desenvolvimentodas habilidades regionais, falta umamaior integração entre essas institui-ções, além de mecanismos de vincula-ção que viabilizem essas interações e,principalmente, definição de políticaspúblicas concatenadas com as fontesde conhecimentos, que dificultam atransferência de conhecimentos parao setor produtivo.

No caso específico dos programasAPL e Pappe, por se tratarem de progra-mas destinados a promover a ligaçãoentre a ciência e a tecnologia, envolvemregras que proporcionam, por exemplo,a integração das pesquisas, bem comoa soma das experiências das institui-ções e das suas infra-estruturas, facili-tando a produção de conhecimentos.Além disso, propiciam a obtenção deresultados mais precisos, com contro-le permanente por parte das várias ins-tituições signatárias da proposta.

EXPERIÊNCIASOs pesquisadores analisaram as

redes de conhecimento do APL e doPappe. No APL, eles se valeram dasexperiências do programa em quatrosegmentos, entre os quais os setores defármacos e cosméticos, e piscicultura.Foram analisados um estudo de doisprodutos fitoterápicos e um fitocos-

mético a partir de espécies amazôni-cas; um projeto destinado à adaptaçãoe transferência da tecnologia conhe-cida como tanque-rede para o cultivode peixes tambaqui e matrinxã e umprograma de transferência de uma tec-nologia desenvolvida na região, queeleva a produtividade de peixes matrin-xã e, portanto, é interessante que sejarepassada para os setores produtivoslocais, com fins de manutenção fami-liar e comercial.

Para as redes de conhecimento defármacos especificamente, alguns resul-tados obtidos pelo programa APL sãoimportantes, tais como a geração de ummapa da distribuição fitogeográfica dasespécies pesquisadas, o estabelecimen-to de um banco de padrões de referên-cia micro e macroscópico para determi-nação botânica das espécies e a melho-

ria dos laboratórios de fitoquímica doInstituto Nacional de Pesquisas daAmazônia (Inpa) e de farmacologia daUfam, ampliando o estoque de conhe-cimento na região e a infra-estruturalaboratorial para a pesquisa.

No caso das redes de conhecimentorelacionadas ao programa Pappe, os pes-quisadores analisaram duas experiên-cias na área de fármacos e cosméticos,e quatro em piscicultura. Dentro dosprojetos, foram avaliadas dez espéciesde plantas amazônicas ou adaptadas,com potencial de aplicação no merca-do de fragrâncias e aromas, e obteve-sea certificação para o cultivo de plantasmedicinais amazônicas. No setor de pes-cados, as equipes participantes dos pro-jetos conseguiram vantagens na pro-dução de derivados de pescado, tais comoprevenção e controle de parasitas, apro-

Etapas da infra-estrutura de usina de beneficiamento da castanha

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vação de resíduos de polpa para raçãoe inserção no mercado de pescado noAlto Solimões.

"As redes identificadas estão enqua-dradas como estratégicas, não só pelotipo de compromissos assumidos, mastambém porque estão possibilitando ainstalação de capacidades para a expe-rimentação, produção e disseminaçãode conhecimentos que promovam amelhoria das técnicas utilizadas nosprocessos produtivos já existentes, deforma que assegurem o êxito da produ-ção futura de determinadas espécies,por meio da utilização de novas técni-cas adequadas à realidade local", expli-ca a pesquisadora Mariomar.

Ainda segundo a pesquisadora, tra-ta-se de micro-redes de conhecimentoespecializado que permitem intercam-biar recursos, valores e interesses,obtendo-se benefícios mútuos, por meiode ações orientadas à produção deconhecimentos em colaboração, umavez que a disponibilidade dessas capa-cidades por si não é suficiente paragerar interações. "Daí a importânciada participação governamental naimplementação das estratégias e meca-nismos de vinculação (políticas de inter-venção) para a difusão desses conhe-cimentos, pois, através dessas redes,tem havido a integração de esforçosde investigação para resolver os pro-blemas das atividades locais e fomen-tar a produção de conhecimentos paraotimizar o aproveitamento das áreasvocacionais da Amazônia em funçãodas condições climáticas, da biodiver-sidade e dos recursos hídricos existen-tes na região", completa.

Essas redes, na opinião de JoséManoel Carvalho Mello e Anne-MarieMaculan, favorecem a sustentabilida-de do desenvolvimento, interações,enraizamento e fortalecimento das ins-tituições. Apesar de não estarem ain-da muito difundidas, as redes têm se

desenvolvido bastante. Isso se deve, naavaliação de Niomar Pimenta, a doisfatores principais: o fato de os proble-mas se tornarem cada vez mais com-plexos e, portanto, exigirem aborda-gem multidisciplinar; e a prioridadedada pelas agências de fomento a tra-balhos consorciados, com a chancelade várias instituições.

Assim como o estado amazonensetem se beneficiado com essas políticasde intervenção e, conseqüentemente,da formação de redes de conhecimen-to, outras regiões brasileiras tambémtêm se valido disso. É o caso das expe-riências alcançadas com a construçãode novos pólos tecnológicos em MinasGerais, Recife, Campinas e PortoAlegre.

Para os pesquisadores, o estudo ama-zonense mostra que a gestão é uma dasdimensões pelas quais a inovação podese manifestar. O Amazonas, mesmo dis-tante das regiões mais desenvolvidasdo país, tem apresentado resultadosinteressantes em termos de uma arqui-tetura de seu sistema de CT&I, boa par-te em decorrência do pólo industrial deManaus. É possível perceber, segundoeles, um adensamento institucional euma ampliação dos recursos humanoscapacitados para a realização de estu-dos e pesquisas. "Esse potencial podeser utilizado de modo mais efetivo nagestão dos gargalos de seu desenvolvi-mento. E aí, como em outras localida-des, tende a crescer a demanda pelacapacidade local de estabelecer mecanis-mos de governança", consideram Melloe Anne-Marie.

EXPERIÊNCIA POSITIVA DAS REDES DO

AMAZONAS INFLUENCIA OUTROS PÓLOS TECNOLÓGICOS

PARCERIAS

A principal característica da hélice tri-pla é a relação que se estabelece entre ins-tituição de pesquisa (fornecendo o conheci-mento), o governo (financiando novos pro-jetos inovadores) e a empresa (que irá desen-volver os produtos em parceria com a insti-tuição de pesquisa ou adquirindo o protóti-po para desenvolver a tecnologia).

Essa relação pôde ser identificada narede criada a partir do Pappe, uma vez queé composta pela Embrapa e a Ufam comoinstituições geradoras dos conhecimentos,que realizarão os estudos com o apoio daMagama Industrial Ltda e Ajuri Florestal ecomo financiador do projeto está o Ministérioda Ciência e Tecnologia (MCT), por meio daFinanciadora de Estudos e Projetos (Finep) eo governo do estado do Amazonas.

As vinculações produzidas nos proje-tos Tanque-rede e Procima também caracte-rizam a formação de uma estrutura queenvolve a Embrapa, o Inpa e a Ufam, comoatores encarregados da produção dos conhe-cimentos, e o setor produtivo, representa-do pelas associações de produtores, as comu-nidades rurais de várias localidades e nova-mente o MCT e o governo estadual comoatores mobilizadores e garantidores do finan-ciamento, por meio dos fundos setoriais.Além desses, a Fucapi como interlocutor, oIpaam como ator de suporte técnico, as pre-feituras dos municípios de Maués, Fonte Boae Iranduba e o Incra como atores de apoio.

Por fim, em se tratando do Pappe, tem-se uma rede com os seguintes nós: o Inpa ea Ufam como atores encarregados da produ-ção dos conhecimentos e as empresas LitiaraInd. Cerâmica da Amazônia, Agência deAgronegócios do Amazonas (Agoamazon),Cupuama-Cupuaçu do Amazonas Ind. Com.e Exportação Ltda e Delicatessem Pescadoe, como nós governamentais e de financia-mento, o MCT, por intermédio da Finep, e ogoverno do Amazonas.

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