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FORMAÇÃO DE PROFESSORES Caderno Bimestral I Língua Portuguesa Ensino Fundamental II

Língua Portuguesa Ensino Fundamental II · Assim, vamos compartilhar experiências sobre práticas de leitura na escola e refletir sobre a importân-cia dessas práticas em sala

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Caderno Bimestral I

Língua Portuguesa Ensino Fundamental II

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O programa Ação Educação da Fundação Vale tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento humano nos territórios onde atua, apoiando os municípios em ações que contribuam para fomentar a justiça social e promover a inclusão no mercado de trabalho da forma mais equânime possível.

Diretora FunDação ValeIsis Pagy

Gerente - Geral De eDucação FunDação ValeJoaquim Antônio Gonçalves

equipe De eDucação FunDação ValeAndreia PrestesAnna Cláudia Eutrópio B. d’AndreaCláudia CostaLílian Neves

apoio eDitorialDepartamento de Comunicação Corporativa Vale

parceiro Comunidade Educativa CEDAC

projeto GráFico e DiaGramaçãoCrama Design Inventum Design

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I I Língua Portuguesa – Caderno Bimestral I

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A importância da leitura para a cidadania

Professor(a)

Ler não é uma habilidade que se restringe ao universo da escola. A leitura possibilita que possamos am-pliar nossa visão de mundo e, então, participar de forma ativa da sociedade em que vivemos. Contudo, várias pesquisas mostram que ela ainda representa grande dificuldade para muitas pessoas que só con-seguem entender palavras e frases curtas.

Assim, vamos compartilhar experiências sobre práticas de leitura na escola e refletir sobre a importân-cia dessas práticas em sala de aula para a formação dos alunos, visando ao desenvolvimento de habili-dades essenciais para atuarem como cidadãos sensíveis e críticos diante das produções escritas que cir-culam nos diversos contextos sociais.

Neste bimestre, daremos destaque à leitura de literatura, compreendendo que a prática social da litera-tura é não só fruição, mas também posicionamento crítico diante da obra. Pela literatura, o estudante pode ser levado a refletir e a posicionar-se quanto às grandes questões existenciais humanas.

Estaremos juntos, visando desenvolver as competências do trabalho em equipe, valorizando suas con-tribuições, em atividades coletivas que se transformarão em planejamentos de aula voltados para a compreensão de textos de maneira cada vez mais eficaz – pois é valorizando a ação do professor que se valorizam o aluno e o papel social da escola na formação do leitor.

Espera-se desenvolver e/ou ampliar as seguintes competências docentes neste bimestre:

n planejar, realizar e avaliar situações didáticas eficazes para a aprendizagem e para o desen-volvimento dos alunos, utilizando o conhecimento das áreas a serem ensinadas, bem como as respectivas didáticas;

n realizar atividades diversificadas para garantir as aprendizagens de todos os alunos (estruturar a prática tendo em vista o princípio da equidade);

n gerir a classe considerando a importância da organização do espaço, do tempo e dos agrupamentos de alunos para potencializar a aprendizagem.

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Formação de Professores

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Neste encontro, você participará de situações nas quais abordaremos os seguintes conteúdos:

n leitura: conceito e papel social; n literatura;n formação do leitor de literatura: letramento literário; n habilidades de leitura;n planejamento de atividades de leitura.

“Competência é a capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiando-se em conhecimentos, mas sem se limitar a eles.”

“Habilidades referem-se ao plano objetivo e prático do saber fazer e decorrem, diretamente, das competências já adquiridas e que se transformam em habilidades.”

BRASIL. MEC. PDE: Plano de Desenvolvimento da Educação. SAEB. Ensino Médio. Matrizes de referência, tópicos e descritores. Brasília: MEC, SEB; Inep, 2008.

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I I Língua Portuguesa – Caderno Bimestral I

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Encontro PresencialDuração: 4h

Para começo de conversaDuração: 30min

Momento Literário

1. No início de nossos encontros, teremos um momento especial, o Momento literário. Vamos ler um poema com um objetivo simples, mas inseparável da poesia, de vivenciar, coletivamente, uma expe-riência prazerosa e desfrutar as emoções que o autor preparou para nós. Para isso, basta que nos en-treguemos às delícias da leitura!

Antes da leitura:

O título do poema que leremos é “Mar Português”. Seu autor é o poeta português nascido em Lisboa, Fernando Pessoa (1888-1935), considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa e da literatu-ra universal. Como poeta, era conhecido por suas múltiplas personalidades, os heterônimos, que são objeto da maior parte dos estudos sobre sua vida e sua obra. Seus principais heterônimos são Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. “Mar Português” foi publicado em Mensagem, seu livro mais célebre. Composto por 44 poemas, foi chamado pelo autor de “livro pequeno de poemas”. Foi publica-do em 1934, quase um ano antes da morte do escritor. A partir do título do poema e daquilo que co-nhece sobre a obra do poeta Fernando Pessoa, converse com um colega e anote o que vocês imagi-nam que o texto tratará ou suscitará em vocês e por quê.

Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu salSão lágrimas de Portugal!Por te cruzarmos, quantas mães choraram,Quantos filhos em vão rezaram!Quantas noivas ficaram por casarPara que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a penaSe a alma não é pequena.Quem quer passar além do BojadorTem que passar além da dor.Deus ao mar o perigo e o abismo deu,Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa, em Mensagem, p. 11, poema X, obra de Domínio Público (www.dominiopublico.gov.br),

originalmente publicada em 1934.

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Durante a leitura

Faça a leitura compartilhada do poema. Enquanto um participante lê o texto em voz alta, os demais acompanham em seus exemplares. A tarefa de ler em voz alta pode ser revezada entre os integran-tes do grupo.

Após a leitura

Se você tivesse que apresentar esse poema a outro grupo de professores, o que escreveria? O que foi mais relevante na leitura? Anote.

Antes, porém, socialize aquilo que suscitou em você. Troque com os colegas sua interpretação do poema e de cada verso. Há outras diferentes? Alguma complementa ou amplia aquilo que você pensou inicialmente? Compartilhe aquilo que mais chamou a sua atenção, os trechos mais aprecia-dos. Discuta o porquê do título ou de passagens em que se evoca a bravura do povo português co-mo desbravador do mar. A que o poeta se refere? Observe a força de passagens como:

“Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal!”

Ou de outros trechos em que o poeta enaltece o heroísmo português, como ocorre nos versos:

“Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena.”

3. A proposta agora é a produção de uma indicação literária. Nessa indicação, é importante que vocês e seus colegas expressem se apreciaram o texto, que sentimentos ele gerou em cada um e se essa leitu-ra contribuiu para o desejo de ler outros poemas do mesmo autor. Para escrevê-la, um dos membros do grupo será escriba, enquanto os demais ditam o texto. O escriba, mesmo dedicando-se ao registro do texto, também pode, assim como os demais integrantes, sugerir o que escrever e contribuir para a elaboração da forma como as ideias serão expressas.

Para saber mais...

A experiência que você acaba de compartilhar, junto a outras situações de leitura, tem sido objeto de pesquisa para educadores, linguistas e pedagogos, entre outros. Hoje, podemos contar com inúmeros estudos sobre o tema, que trouxeram contribuições para aprimorar a prática docente. Antes de darmos início à atividade principal deste encontro, compartilhamos algumas ideias que consideramos significa-tivas para explicitar a concepção de leitura e leitor que embasa todas essas investigações. Leia, individu-almente, o texto e sublinhe ideias que permitam relacionar as ações do leitor e a possibilidade de cons-truir sentido para o que lê.

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I I Língua Portuguesa – Caderno Bimestral I

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Por que antecipar o que se sabe ou imagina antes da leitura

Faz parte do processo de leitura que os leitores antecipem o que lerão. Esse procedimento permite um maior engajamento do leitor na construção de um sentido para o texto, ou seja, aquilo que se sabe ou imagina sobre o texto e sobre a situação de leitura contribui para que se compreenda o texto mais e melhor. As antecipações dependem dos seguintes fatores:

n dos objetivos que o leitor se coloca ao ler: dependendo do que o leitor espera alcançar por meio da leitura, ele se dedicará à atividade de maneira diferente e, também, definirá algu-mas informações ou aspectos do texto como mais relevantes. No caso de um texto literá-rio, por exemplo, um leitor pode buscar, ao se dedicar à leitura do romance de um escritor que aprecia, o prazer de acompanhar seu modo instigante de escrever. Ele fará uma leitura diferente daquela que realiza um estudante cujo objetivo é ler o mesmo livro para respon-der a um roteiro de perguntas definido pela escola;

n daquilo que o leitor já sabe sobre a obra do autor, sobre o gênero que lerá ou sobre o te-ma abordado. Tais conhecimentos permitem expectativas mais ajustadas em relação àqui-lo que será lido e contribuem para a atribuição de significados ao que se lê;

n das experiências do leitor em relação à leitura. Um leitor não se forma de maneira inteira e acabada. Ele se constitui aos poucos e toda a sua experiência leitora é atualizada a cada lei-tura. Aprende-se a gostar de ler, aprende-se a aprender com os textos, aprende-se a bus-car os textos adequados para cada situação. Além disso, as experiências de sucesso ou fra-casso frente ao ato de ler contribuirão para gerar expectativas positivas ou negativas em relação à leitura.

Comunidade Educativa CEDAC

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Atividade de contextualizaçãoDuração: 1h

Discussão em grupo

1. Organizados em dois grupos, os professores devem fazer a leitura compartilhada dos textos jornalís-ticos que se encontram a seguir. Cada grupo irá ler um texto diferente e preparar uma apresentação sobre as principais informações lidas, que contribuem para traçar, em linhas gerais, o panorama da leitura de literatura em nosso país.

n O grupo 1 irá fazer a leitura compartilhada da notícia “País tem menos leitores do que em 2007, diz pesquisa”.

n O grupo 2 irá fazer a leitura compartilhada da entrevista “Os sacrifícios da leitura”.

Grupo 1

País tem menos leitores do que em 2007, diz pesquisa

O número de brasileiros que leu pelo menos um livro nos últimos três meses diminuiu em comparação com 2007. É o que aponta a 3ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, feita pelo Ibope Inteligência em conjunto com o IPL (Instituto Pró-Livro).

O estudo, realizado entre junho e julho de 2011, classifica de “leitores” aqueles que responde-ram ter lido pelo menos um livro, inteiro ou em partes, nos três meses anteriores à pesquisa.

Em 2007, eles eram 55% da população (ou 95,6 milhões de pessoas). No resultado apresentado na tarde desta quarta-feira, o índice diminui para 50% da população (88,2 milhões de pessoas).

Em todas as regiões houve redução desse índice, menos no Nordeste. O resultado, segundo ava-liação do instituto, pode ser explicado pelo grande número de pessoas estudando atualmente na região, sobretudo na faixa etária na qual a leitura é mais frequente (dos 5 aos 17 anos).

Para a presidente do IPL, Karine Pansa, o menor número de leitores não é necessariamente ne-gativo. “Aprofundando a análise dos resultados, percebemos indicadores que mostram uma melhor qualidade nessa leitura, com um crescimento do número de pessoas que afirmaram ler mais hoje do que em relação à última pesquisa”.

Em 2007, 40% dos entrevistados disseram que liam mais do que no ano anterior, contra 46% que disse ler menos. Em 2011, esses números foram 49% e 28%.

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I I Língua Portuguesa – Caderno Bimestral I

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Retratos da LeituraPesquisa aponta que menos brasileiros gostam de ler

Não sabe

Não gosta

Gosta pouco

Gosta muito

O que lê

53%Revistas

48%Jornais

47%Livros indicados pela escola

47%Livros não indicados pela escola

Por que não lê?

Não tem paciência

Lê muito devagar

Problemas de visão ou limitação física

Falta de concentração

2007 2011

Fonte: Instituto Pró-Livro e Ibope Inteligência

20%

19%

13%

12%

9%

23%

39%

28%

9%

30%

37%

25%

O número de livros lidos pelos brasileiros por ano também caiu – de 4,7 por pessoa em 2007 para 4 na pesquisa referente a 2011. Esse número inclui os livros indicados pela escola. Pansa atribuiu a variação a aperfeiçoamentos na metodologia da pesquisa, “como a inversão de per-guntas e o acréscimo de outras”.

A cerimônia de apresentação dos resultados contou com a presença da ministra da Cultura, Ana de Hollanda. O ministério incluiu em suas metas do Plano Nacional de Cultura o objetivo de que os brasileiros leiam quatro livros por ano fora do aprendizado formal (ou seja, excluí-dos aqueles indicados pela escola).

A ministra afirmou, durante o discurso, estar feliz com os resultados da pesquisa. Posterior-mente, porém, ela disse que só poderia fazer uma avaliação dos índices após ter acesso ao conteúdo integral do estudo. Ela afirmou ainda que o ministério está investindo na formação de novos leitores.

A pesquisa foi feita com 5.012 pessoas de 315 municípios, com margem de erro de 1,4%.

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PREFERÊNCIAS

As revistas estão em primeiro lugar na preferência dos leitores (53%), seguida pelos jornais (48%) e pelos livros, indicados ou não pela escola (47%). Em 2007, os livros não indicados pela escola superavam os indicados (50% contra 34%).

Perguntados sobre o gênero que preferem, os leitores continuam a mencionar a Bíblia em pri-meiro (42%), seguida pelos livros didáticos, romances e livros religiosos.

Os três escritores brasileiros mais admirados são Monteiro Lobato, Machado de Assis e Paulo Coelho. De 2007 para cá, deixaram de estar entre os 25 mais citados os escritores Ruth Rocha, Edir Macedo, Castro Alves, Raquel de Queiroz e Luis Fernando Veríssimo.

Esse ano, a pesquisa incluiu pela primeira vez questões a respeito dos livros digitais (“e-books”). Como reportagem da Folha antecipou hoje, cerca de 5% dos entrevistados afirmaram já ter li-do ao menos uma vez na vida um livro em formato eletrônico.

GUERLENDA, Nádia. País tem menos leitores do que em 2007, diz pesquisa.

Folha de São Paulo, São Paulo, 23 mar. 2012. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br >. Acesso em: 25 mar. 2012.

Grupo 2

Os sacrifícios da leitura

“Nós temos uma dívida histórica e social com a literatura”, considera Fabiano dos Santos sobre os índices de leitura no Brasil.

Fabiano dos Santos: grande parte das nossas escolas ainda está formando analfabetos funcionais.

Depois de coordenar políticas públicas para a área do livro e da leitura na Secretaria da Cultu-ra do Ceará e no Ministério da Cultura, o escritor e doutor em literatura Fabiano dos Santos as-sumiu em janeiro último a diretoria de Leitura, Escrita e Biblioteca do Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e Caribe, um órgão ligado a Unesco e com sede em Bo-gotá. Em visita recente a Fortaleza, ele – que nasceu no Rio Grande do Norte, mas adotou o Ceará como sua casa – comentou os resultados da recente pesquisa “Retratos da Leitura” no Brasil e falou sobre os desafios de se incentivar a leitura atualmente.

O POVO – A pesquisa apresenta uma – ao menos aparente, já que houve um aprimoramento do mé-todo da pesquisa – queda no número de livros lidos pelo brasileiro por ano. Passou de 4,7 em 2007 pa-ra 4 em 2011. Isso se contarmos os livros lidos na escola, caso contrário, o número cai para pouco mais de um livro por ano. Como você avalia esse dado? As políticas públicas não surtiram resultado?

Fabiano dos Santos - Primeiro, nós temos uma dívida social e histórica com a leitura no Brasil que é enorme e não vai ser resolvida em uma gestão ou duas gestões. Ela requer pelo menos um par de dé-cadas para melhorar esse quadro. A meta do Plano Nacional de Cultura é que o índice de leitura no Bra-

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sil chegue a quatro livros lidos ao ano em 2022. O livro lido fora da escola. Eu acho uma meta muito ou-sada. Por outro lado, tivemos um avanço nas políticas públicas. Hoje o Governo compra sistematica-mente livros de literatura para as bibliotecas escolares, da Educação Infantil até o Ensino Médio e o EJA (Educação de Jovens e Adultos), ou seja, você tem uma política de fomentar a leitura por meio da lite-ratura. Mas há ainda uma fragilidade nesse programa do Ministério da Educação que é a formação do professor leitor. Essa é no meu ponto de vista uma das agendas mais estratégicas para o desenvolvi-mento do Brasil. Como um professor que não gosta de ler vai incentivar o aluno a ler?

OP – De acordo com um comparativo produzido pelo Cerlalc, o argentino lê 4,6 livros por ano e o chi-leno 5,4. O que faz os dois países estarem à frente do Brasil?

Fabiano - A Argentina venceu a questão do analfabetismo ainda no final do século XIX, início do XX. O Chile também venceu o problema no início do século XX. Então, historicamente esses dois países sou-beram superar esse problema há muitas décadas atrás. No Brasil, nós ainda temos uma taxa de analfa-betismo de, se não me engano, 11%. No Nordeste, isso aumenta, vai pra 15, 18%. Essa é uma das razões. Além do analfabetismo, existe o tal do analfabetismo funcional, que é aquele que lê, mas não compre-ende o que lê, não consegue estabelecer relações. Por isso, a gente não pode fazer uma leitura isolada dessa pesquisa, você tem que fazer analogias e comparações. Por exemplo, nós avançamos no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). De 2001 para 2009, nós saímos da última coloca-ção e demos um salto, avançamos 12 posições, e isso tem a ver com os investimentos em educação nessa década. Outro indicador, o Prova Brasil, que mede o índice de compreensão leitora dos alunos de 3ª e 5ª séries, mostrou que mais de 50% dos alunos que chegam ao terceiro e quinto anos não desen-volveram a competência de escrita e leitura que aquela série coloca como meta. Ou seja, é triste o que eu vou dizer, mas grande parte das nossas escolas ainda está formando analfabetos funcionais. Eu digo ainda, porque isso vem melhorando.

OP - Por que a importância de se incentivar a leitura por prazer?

Fabiano - A pesquisa nos revela que a leitura em termo de faixa etária está muito associada ao perío-do da escola e ao período da universidade. Isso vai diminuindo drasticamente depois, o que mostra que a escola não tem conseguido formar leitores pra vida inteira e esse é o desafio da escola. Aí entra a dimensão cultural da leitura. A escola tem desempenhado um papel importante na formação do leitor, mas é uma leitura instrumental, você lê pra responder, não pra fazer perguntas. Só a abordagem esco-lar, pedagógica, não dá conta, por isso que a leitura tem que ser despertada como um prazer para a vi-da inteira. A defesa da literatura reside nisso. Isso é fundamental na formação de uma nação de leitores.

OP - Qual a razão de livros como A Cabana e Ágape estarem no topo do ranking dos mais lidos?

Fabiano - As grandes editoras brasileiras hoje estão priorizando as traduções, estão priorizando a lista dos livros mais vendidos da Amazon. Isso é muito perigoso, porque se você for pegar a tradição dos conselhos das grandes editoras, que têm um papel importante na difusão da literatura brasileira, você percebe que eles primavam muito pelo conteúdo. Hoje existe o risco de você priorizar o potencial apenas econômico. Então quando os conselhos se reúnem, um sujeito fala: “Veja como está a posição dele na Amazon!”. Se es-tiver até entre os 50, tudo bem. Mas se tiver na rabeira, não se vai nem analisar o livro. É importantíssimo e necessário o Brasil traduzir a literatura de todos os lugares, mas, por outro lado, nós temos que criar situ-ações pra que a literatura brasileira seja exercitada. Isso significa políticas de fomento para a criação literá-ria, que uma parte cabe ao governo, mas o mercado também tem que ter essa responsabilidade política

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e social de publicar e difundir a literatura brasileira. A importância que a literatura brasileira tem nas cam-panhas publicitárias e planos de mídia e marketing em comparação aos best-sellers é triste. Essa é uma questão que temos que enfrentar e conversar com o mercado editorial.

OP - Mas existe uma demanda do próprio leitor nesses casos.

Fabiano - É uma demanda que surgiu nos últimos anos, a temática da autoajuda e agora dos livros re-ligiosos. Eu nunca fui contra que leiam um Paulo Coelho, por exemplo. Simplesmente eu li uma vez e pra mim não bateu. Mas às vezes uma leitura como essa pode formar leitores. Tem uma meninada que lê Harry Potter e está lendo outras literaturas também.

OP - A literatura perde cada vez mais espaço para o entretenimento audiovisual. Existe uma estratégia pra se ganhar terreno nessa disputa pelo potencial leitor?

Fabiano - Primeiro, eu não estou muito preocupado com essa competição, mesmo porque as pessoas que são leitoras possivelmente vão ver um bom filme, um bom programa na TV. Eu acho que a leitura tem que ter uma interface com as outras linguagens, com o cinema, com a TV, com o teatro, com a mú-sica. Quando estava naquele debate no fim do livro, há uns quatro anos, os editores todos preocupa-dos, o Umberto Eco escreveu Não contem com o fim do livro, em que ele diz que o livro é como uma co-lher ou um martelo, que se desenvolveu a tal ponto que o máximo que você pode ter são outros tipos de martelos e de colheres. Talvez uma das estratégias interessantes é pensar como as políticas podem associar a produção audiovisual com a literatura.

ROCHA, Pedro. Os sacrifícios da leitura. O Povo Online, Fortaleza, 21 abr. 2012.

Disponível em: < http://www.opovo.com.br/app/colunas/letraemusica/2012/04/21/

noticiasletraemusica,2824856/os-sacrificios-da-leitura.shtml>. Acesso em: 1 mai. 2012.

2. Após as apresentações, elabore um texto coletivo com o seguinte título: “A escola pode contribuir para ‘fazer a diferença’ na leitura dos jovens”. Nele o grupo deve discutir e incluir aquilo que a escola pode garantir no sentido de promover avanços na competência leitora e nos hábitos de leitura dos jovens brasileiros.

Habilidades de leitura

As habilidades de leitura são mobilizadas em qualquer contexto em que seja necessário ler. Nesse sentido, desenvolvê-las não é um objetivo que deva ficar restrito às aulas de língua portuguesa, deve se estender a todas as disciplinas do currículo, já que tais habilidades contribuirão para a aprendizagem de conceitos referentes a diferentes campos do conhecimento. É interessante frisar que, entendida dessa forma, a leitura é uma competência muito potente para favorecer a interdisciplinaridade e é importante considerar que toda a equipe de professores, responsáveis pelas várias disciplinas, precisa trabalhar conjuntamente para seu ensino, contribuindo, assim, para que o aluno se constitua como um bom estudante em qualquer área do conhecimento.

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Leitura e Literatura

O tema deste bimestre é “aprender a ler textos literários”. A abordagem desse tema suscita pelo me-nos duas indagações:

n O que entendemos por leitura?n O que entendemos por literatura?

Como se trata de conceitos complexos, vamos começar pela discussão de cada um desses termos para que possamos considerá-los a partir de uma representação comum.

3. Junte-se a um colega do grupo e escreva, em poucas linhas, o que vocês entendem por leitura e por literatura.

4. Ainda em dupla, leia as definições a seguir:

Leitura de acordo com Isabel Solé

“Na perspectiva interativa, [...] a leitura é o processo mediante o qual se compreende a lingua-gem escrita. Nesta compreensão intervêm tanto o texto, sua forma e conteúdo, como o leitor, suas expectativas e conhecimentos prévios.”

(SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura. Trad. C. Schilling. Porto Alegre: Artmed, 1998, p. 23).

Para Saber Mais:

Isabel Solé nasceu na Espanha. É professora do Departamento de Psicologia Evolutiva e da Edu-cação na Universidade de Barcelona. Dedica-se à pesquisa dos processos envolvidos na com-preensão leitora e sua vinculação com o ensino e aprendizagem. Seu livro mais conhecido no Brasil é Estratégias de Leitura, publicado em 1998, pela Artmed. Aborda aquilo que está implica-do no ato de ler, a partir de uma concepção que coloca a leitura como um processo complexo, que requer um papel ativo do leitor. Propõe também sugestões para o ensino da leitura, com o propósito principal de promover nos alunos a utilização de estratégias que lhes permitam inter-pretar e compreender, de forma autônoma, os textos lidos. A autora utiliza linguagem simples e agradável, abordando o tema a partir de uma perspectiva construtivista da aprendizagem.

Literatura de acordo com Antonio Candido

“Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis da pro-dução escrita das grandes civilizações”.

(CANDIDO, Antonio. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011, p. 174).

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Para Saber Mais:

Antonio Candido é escritor, ensaísta e professor universitário. Considerado um dos mais importan-tes críticos literários brasileiros. Foi professor titular de teoria literária e literatura comparada na Uni-versidade de São Paulo. Lançada em 1959, sua obra mais influente e polêmica é Formação da Lite-ratura Brasileira, na qual estuda os momentos decisivos da formação do sistema literário brasileiro.

5. Discuta cada um desses textos a partir das seguintes questões:

n Quais as contribuições que tais definições trazem para que se possa refletir sobre o ensino da lei-tura em geral, e da literatura em particular?

n Quais os pontos comuns em relação àquilo que a dupla escreveu no início dessa seção, quando solici-tamos que, em dupla, você refletisse sobre o que entende por leitura e por literatura? Há divergências?

Reescreva suas definições de leitura e literatura de modo a incorporar as contribuições.

6. Com todos do grupo reunidos, convém elaborar uma síntese do que, para vocês, define leitura e li-teratura. É possível usar ideias dos textos e acrescentar outras, que vocês julguem relevantes.

O objetivo dessa socialização é que os membros do grupo conheçam os sentidos atribuídos e cons-truam, ao longo da formação, um repertório comum que possa se tornar referência para o trabalho pedagógico e para as discussões acerca do tema.

O que é letramento

Trata-se da apropriação da escrita e das práticas sociais que estão a ela relacionadas. Há vários níveis e diferentes tipos de letramento, como, por exemplo, o letramento literário.

O que é letramento literário

Processo de letramento que se faz via textos literários. Prática social da literatura, compreende fruição e também posicionamento diante da obra. É o aprendizado crítico da leitura literária. Realiza-se com o encontro pessoal do leitor com o texto, considerado princípio de uma experiência estética.

Por que ler literatura?

7. Leia os depoimentos de Umberto Eco e de Ana Maria Machado sobre a importância da literatura. Es-sa leitura tem o objetivo de trazer subsídios para discutirmos a função social da literatura. Em outras palavras, precisamos refletir sobre a seguinte questão:

Por que é importante ensinar nossos alunos a ler textos literários?

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Depoimento de Umberto Eco

“Os grandes livros contribuíram para formar o mundo. A Divina Comédia, por exemplo, foi fun-damental para a criação da língua e da nação italianas. [...] Estamos rodeados de poderes ima-teriais [...]. E entre esses poderes eu incluiria também o da tradição literária, isto é, do comple-xo de textos que a humanidade produziu e produz, não com fins práticos, mas [...] por amor a si mesma, e que são lidos por prazer [...]. É verdade que os objetos literários são imateriais em parte, pois geralmente encarnam em veículos de papel. Mas houve um tempo em que eles encarnavam na voz de quem recordava uma tradição oral, ou entalhados em pedra, e hoje es-tamos discutindo o futuro dos e-books. [...] A leitura das obras literárias obriga a um exercício de fidelidade e de respeito dentro da liberdade de interpretação. [...] propõem um discurso com muitos planos de leitura, defrontando-nos com a ambiguidade da linguagem e da vida. [...] Ler uma história é também ser capturado por uma tensão, por um espasmo. [...] É a desco-berta de que as coisas aconteceram, [...] à margem do desejo do leitor. [...] A função das narra-tivas imodificáveis é justamente essa: contrariando nosso desejo de mudar o destino, nos fa-zem experimentar a impossibilidade de mudá-lo. E assim que seja a história que elas contem, contarão também a nossa, e é por isso que as lemos e as amamos. [...]”

ECO, Umberto. A literatura contra o efêmero. Folha de São Paulo, São Paulo, 18 fev. 2001. Caderno, Mais pp. 12 - 14.

Para Saber Mais:

Umberto Eco nasceu em Alexandria, 5 de janeiro de 1932. É escritor, filósofo, linguista e bibli-ófilo italiano. Eco é famoso escritor de romances, entre os quais O Nome da Rosa e O pêndulo de Foucault. O nome da rosa é o romance que o tornou mundialmente conhecido. A trama se desenrola em um mosteiro italiano na última semana de novembro de 1327. Ali, em meio a intensos debates religiosos, um frade franciscano inglês e seu jovem auxiliar envolvem-se na investigação da morte de sete monges, em sete dias e sete noites. Os crimes se irradiam a par-tir da biblioteca do mosteiro a maior biblioteca do mundo cristão, cuja riqueza ajuda a expli-car o título do romance: “o nome da rosa” era uma expressão usada na Idade Média para de-notar o infinito poder das palavras.

Depoimento de Ana Maria Machado

Com a literatura, o leitor descobre que chega a algumas compreensões em que jamais havia pensado, compreensões às vezes de si mesmo, às vezes do próprio mundo, às vezes de am-bos – a literatura nos humaniza, nos faz mais compreensivos... A leitura literária favorece forte-mente a formação do leitor. Ana Maria Machado nos esclarece por que ler literatura é relevan-te e chama a atenção para o papel da escola na formação do leitor de obras literárias:

“Uma sociedade que se quer democrática tem que [...] garantir a todos que seja saciado seu di-reito à leitura. E essa leitura, sobretudo em países que ainda estão se construindo, não pode ser apenas uma leitura de entretenimento e de aquisição de conhecimento – embora esse tipo de livro também seja importante e não possa ser desprezado. Mas é indispensável que também

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se leiam textos criadores, textos que tragam o prazer de pensar, interrogar, sonhar, ligar-se com o resto da humanidade (inclusive gentes de outras épocas e de outros lugares), textos que brinquem com a sonoridade das palavras, que aproximem conceitos díspares, que desenvol-vam a inteligência e o espírito crítico. Textos que usem as palavras de maneira artística, rica, su-blinhando a beleza que possa nascer do contato entre elas, valorizando a multiplicidade de sig-nificados possíveis que elas possam ter, se abrindo para a infinidade de conceitos que elas po-dem apontar. E, como, na maioria das vezes, grande parte da população só vai se tornar leitora se tiver contato com bons livros através da escola, [...] é de fundamental importância que a es-cola não desperdice essa oportunidade e não recomende bobagens nem desenvolva atitudes que funcionem como vacina contra a leitura, de tanto que criam anticorpos no leitor. [...]”

MACHADO, Ana Maria. Contracorrente: conversas sobre leitura e política. 1ª ed. São Paulo: Ática, 1999, p. 88.

Para Saber Mais:

Ana Maria Machado nasceu na cidade do Rio de Janeiro. Jornalista, professora, pintora e escri-tora, consagrou-se como escritora de livros infantis. Algumas de suas obras são Contracorren-te (Ática), coletânea de artigos e conferências cuja preocupação principal é a literatura; Como e por que ler os clássicos universais desde cedo (Objetiva), em que a autora nos conta como aprendeu a se apaixonar pela literatura; e os infantis, ganhadores dos mais importantes prê-mios de literatura destinada a esse público, Bisa Bia, Bisa Bel (Salamandra), História meio ao con-trário (Ática) e Menina bonita do laço de fita (Ática).

Você conhece algum dos autores citados? Já leu algum de seus livros? Qual? Conte para o grupo suas impressões sobre essa leitura.

Faça um levantamento das ideias que evidenciam o que, para esses autores, torna essencial garantir o acesso das pessoas à produção literária. Em seguida, discuta as principais dificuldades para aproximar os alunos da leitura. Anote tanto as ideias que justificam o ensino da leitura de textos literários quanto as dificuldades e resistências que esse trabalho encontra junto aos alunos.

Durante este encontro, você terá oportunidade de analisar, discutir e avaliar propostas didáticas cujo va-lor já foi comprovado em diferentes pesquisas. Se incluídas na rotina como atividades permanentes, propiciam a aproximação dos jovens com a literatura. É o caso da atividade abaixo, que parte da leitura compartilhada de uma narrativa, um apólogo, de um autor consagrado e cuja temática e complexida-de são adequadas à faixa etária. Garantir que a leitura compartilhada de narrativas seja uma atividade permanente tanto permite que os alunos se familiarizem com os gêneros narrativos, compartilhem ex-periências suscitadas pela leitura, aprofundem sua compreensão e interpretação dos textos, quanto fa-vorece o fortalecimento do vínculo deles com a literatura.

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Atividades habituais

“Atividades que se reiteram de forma sistemática e previsível uma vez por semana ou por quinzena, durante vários meses ou ao longo de todo o ano escolar. Oferecem a oportunidade de interagir intensamente com um gênero determinado em cada ano da escolaridade e são particularmente apropriadas para comunicar certos aspectos do comportamento leitor. [...] As atividades habituais (ou permanentes) também são adequadas para cumprir outro objetivo didático: o de favorecer a aproximação dos alunos a textos que não abordariam por si mesmos...”

LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002, p.88.

A prática em questãoDuração: 1h

Situação a ser vivenciada

1. No final de nosso encontro, você analisará uma proposta de planejamento da leitura do texto “Um apólogo”, de Machado de Assis.

Para que possa ajudar os alunos a observar determinados elementos da narrativa e o modo como o autor lidou com eles, tornando assim a leitura mais rica, vamos analisar conjuntamente algumas des-sas características.

Antes da leitura do apólogo, alguns dados tornarão mais rica a compreensão do texto:

A prática de leitura começa antes mesmo que o leitor inicie a leitura integral da obra. O que ele conhece do assunto, do autor e as expectativas desencadeadas por uma primeira inspeção do material a ser lido estabelecem os parâmetros que irão definir a natureza de sua interação com o texto.

(Referencial de expectativas para o desenvolvimento da competência leitora e escritora no ciclo II do Ensino Fundamental / São Paulo: SME/DOT, 2006.)

Sobre o autor

Joaquim Maria Machado de Assis (Rio de Janeiro, 21 de junho de 1839 - Rio de Janeiro, 29 de setembro de 1908) foi um escritor brasileiro, amplamente considerado como o maior nome da literatura nacional. Escreveu praticamente todos os gêneros literários, sendo poeta, roman-cista, cronista, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista e crítico literário.

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Testemunhou a mudança política no país quando a República substituiu o Império e foi um grande comentador e relator dos eventos político-sociais de sua época.

Nascido no Morro do Livramento, Rio de Janeiro, de uma família pobre (seu pai era brasileiro, mulato e pintor de paredes e sua mãe, portuguesa da ilha de Açores, era lavadeira).

Estudou por pouco tempo em uma escola pública, onde aprendeu as primeiras letras. Sem meios para cursos regulares, estudou como pôde e, em 1854, com 15 anos incompletos, pu-blicou o primeiro trabalho literário, o soneto “À Ilma. Sra. D.P.J.A.”, no Periódico dos Pobres, núme-ro datado de 3 de outubro de 1854.

Teve diferentes profissões como caixeiro de uma livraria, tipógrafo e revisor, antes de se tornar jornalista e escritor. Em 1856, entrou para a Imprensa Nacional, como aprendiz de tipógrafo, e lá conheceu Manuel Antônio de Almeida, que se tornou seu protetor. Em 1858, era revisor e cola-borador no Correio Mercantil e, em 60, a convite de Quintino Bocaiúva, passou a pertencer à re-dação do Diário do Rio de Janeiro. Escrevia regularmente também para a revista O Espelho, na qual estreou como crítico teatral, a Semana Ilustrada e o Jornal das Famílias, no qual publicou de preferência contos. Como uma boa parcela da intelectualidade da época, Machado ingressou no funcionalismo público e assumiu diversos cargos públicos, passando pelo Ministério da Agri-cultura, do Comércio e das Obras Públicas, e conseguindo precoce notoriedade em jornais nos quais publicava seus primeiros poemas e crônicas. Em sua maturidade, reunido a colegas próxi-mos, fundou e foi o primeiro presidente unânime da Academia Brasileira de Letras.

Machado de Assis tem extensa obra que se constitui de nove romances e peças teatrais, 200 con-tos, 5 coletâneas de poemas e sonetos, e mais de 600 crônicas. É considerado o introdutor do Re-alismo no Brasil, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881). Este romance é pos-to ao lado de todas suas produções posteriores, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó e Memo-rial de Aires, conhecidas como pertencentes a sua segunda fase, em que se notam traços de pessi-mismo e ironia, embora não haja rompimento de resíduos românticos. Dessa fase, os críticos des-tacam que suas melhores obras são as da Trilogia Realista. Sua primeira fase literária é constituída de obras como Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena e Iaiá Garcia, nas quais se notam características herdadas do Romantismo, ou “convencionalismo”, como prefere a crítica moderna.

Algumas obras de Machado de Assis.

Poesia

Crisálidas, 1864. Poesias completas, 1901.

Romance

Ressurreição, 1872. A mão e a luva, 1874. Helena, 1876. Iaiá Garcia, 1878. Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881. Quincas Borba, 1891.

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Dom Casmurro, 1899. Esaú e Jacó, 1904. Memorial de Aires, 1908.

Conto

Contos Fluminenses,1870. Várias Histórias, 1896. Páginas recolhidas, 1899. Relíquias de Casa Velha, 1906.

Texto adaptado de http://pt.wikipedia.org/wiki/Machado_de_Assis. Acesso em: 07/06/2012 as 14h30

Você já leu algum desses livros? Qual? Compartilhe com o grupo as impressões que essa leitura lhe causou.

Sobre o livro

Várias Histórias (1896) - Os textos do livro Várias Histórias, originalmente publicados em jor-nais entre 1884 e 1891, trazem Machado de Assis em seu auge. Eles têm a marca inconfundí-vel do escritor que acabara de revolucionar a prosa de ficção, com a publicação de Brás Cubas, e que já se dedicava à escrita de outros dois grandes romances, Quincas Borba e Dom Casmur-ro. Muitas das questões centrais da ficção machadiana resplandecem aqui. As formulações precisas, as combinações surpreendentes de palavras, as enormidades enunciadas com ligei-reza e graça... eis a dicção machadiana em sua plenitude. A frustração amorosa, o adultério, o ciúme e a indecisão são os temas recorrentes do escritor que animam as personagens dessas narrativas. Entre as 16 histórias reunidas aqui, estão obras-primas muito conhecidas, como “A cartomante”, “Um homem célebre” e “A causa secreta”, e outras menos conhecidas, como “En-tre santos”, “A desejada das gentes” e “D. Paula”. Lidas em conjunto, conforme apareceram no li-vro de 1896, permitem compreender melhor a obra ficcional mais importante produzida no Brasil do século XIX.

Martins Fontes. Disponível em: < http://www.martinsmartinsfontes.com.br/catalogo_det.php?id=561>.

Acesso em: 7 jun. 2012.

O que é um apólogo

Um apólogo é uma narrativa curta e, como a fábula, carrega uma moral, em geral apresentada no final. Distinguem-se destas pelas personagens: no apólogo são objetos inanimados (plantas, pedras, rios, re-lógios, moedas, estátuas etc.), e na fábula, geralmente, animais.

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Um apólogo

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:

— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma coisa neste mundo?

— Deixe-me, senhora.— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que

sim, e falarei sempre que me der na cabeça.— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o

meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.— Mas você é orgulhosa.— Decerto que sou.— Mas por quê?— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu?— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás,

obedecendo ao que eu faço e mando...— Também os batedores vão adiante do imperador.— Você é imperador?— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando

o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:

— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima.

A linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E quando compunha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:

— Ora agora, diga-me quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.

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Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:

— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.

Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

Machado de Assis, “Um apólogo” em Várias Histórias, (Ática, Martin Claret ou Martins Fontes)

2. Após a leitura compartilhada, discuta a análise do apólogo apresentada abaixo, considerando aqui-lo que poderá ser trabalhado com alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Identifique que elementos da narrativa poderiam ser enfatizados num trabalho que visasse aprofundar a possibilida-de de compreensão dos alunos.

Do que trata a narrativa? Qual é o tema da história?

“Um apólogo” narra a discussão entre uma agulha e um novelo de linha para saber quem era mais im-portante e fazia um trabalho melhor, enquanto a costureira (modista) faz o vestido de baile da dona da casa (ama), uma baronesa. A narrativa tem início com a expressão “Era uma vez...”. Como não se trata de um conto de fadas, é importante que indaguemos que outra ideia o leitor faz de um texto que tem tal começo. Em geral, esse início prenuncia uma história que pode se passar num tempo indefinido e em que tudo é possível, objetos e animais podem até falar e apresentar características humanas.

Um dos elementos que consideramos para analisar qualquer narrativa é a caracterização das perso-nagens. No texto em questão, a conversa entre a agulha e a linha é que vai dizer como essas perso-nagens são, o que pensam de si e do outro. Veja um exemplo do início da história:

“Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:

— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma coisa neste mundo?

— Deixe-me, senhora.— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que

sim, e falarei sempre que me der na cabeça.— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa

o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.— Mas você é orgulhosa.— Decerto que sou.”

É importante observar que o autor lança mão dos diálogos como uma forma de caracterização de personagens. Esse é um recurso utilizado em outros gêneros narrativos e por outros autores. Mas neste caso, a sequência textual que chamamos de conversacional é muito significativa. É a partir de-la que o leitor constrói sentidos para a narrativa.

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n Nos apólogos, os objetos são personificações de valores e comportamentos humanos. A moral é expressa como conclusão. No texto, o alfinete é o porta-voz da moral da história e podemos in-terpretar que ele nos diz que existem pessoas que facilitam a vida de outras, ajudando, abrindo caminhos, e, na hora da conquista, quem recebe os benefícios é a pessoa que foi ajudada.

n No texto “Um apólogo”, a relação entre as personagens permite uma reflexão sobre os papéis de cada um em situação de trabalho e nos leva a pensar sobre o que é um trabalho em equipe: um é melhor do que o outro? Qual é o papel de cada um no esporte de grupo, no teatro, na dança...

n É importante observar no texto a arrogância da agulha e depois a humilhação que teve que pas-sar, retornando à caixinha. A arrogância da agulha é construída na relação com a linha e, portan-to, é fruto das relações sociais, tema que interessa ao autor e que marca toda a sua obra. Essa re-lação entre as personagens é retratada desde o início quando a linha, ao se referir à agulha, a cha-ma de senhora, enquanto a agulha trata a linha de você. O uso dos pronomes de tratamento no conto é um índice do lugar social que cada personagem ocupa e da representação que a linha tem da agulha.

n O texto tem pontuação riquíssima, especialmente o uso de reticências, que parecem indicar que as personagens são interrompidas uma pela outra, dando a sensação para o leitor de uma con-versa pouco afável.

Para Saber Mais:

SABERES DO PROFESSOR E SABERES DOS ALUNOS

Não há receita para propor a leitura de qualquer gênero textual para os alunos. Em cada texto, é importan-te selecionar elementos significativos para a compreensão, aqueles sobre os quais o professor vai lançar lu-zes ao discutir a leitura.

Observar previamente algumas características dos gêneros permite uma possível análise do texto, mes-mo que outras possam ser feitas (depende do que se pretende realçar em cada momento).

Como leitores experientes e preocupados em aprofundar a relação dos alunos com a leitura, os profes-sores sabem o quanto é importante considerar o que trabalhar em cada momento para não compro-meter o vínculo positivo dos alunos com os textos, especialmente os literários. Escolher o enfoque que será dado numa determinada atividade a partir da leitura é uma decisão fundamental, que somente o professor, em contato com sua turma, saberá definir. Não é possível explorar tudo o que o texto ofere-ce numa única oportunidade, pois isso tornaria a proposta distante daquilo que seria possível aos alu-nos apreender. Você fará escolhas, em função dos objetivos que quer atingir e de como percebe a mo-tivação de seus alunos.

Prever e dosar o que vai ser abordado com os alunos, como e quando introduzir determinado elemen-to do texto, depende de uma boa escuta dos comentários que os alunos fazem, daquilo que já sabem sobre diferentes gêneros narrativos, de sua experiência leitora anterior e daquilo que já foi trazido para reflexão a partir dessas leituras.

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3. Na análise do apólogo proposta acima, vários conceitos da teoria literária, especialmente os elemen-tos constituintes das narrativas foram apresentados.

Numa perspectiva tradicional, o trabalho com tais elementos, porém, aparece dissociado dos textos, ou seja, trabalham-se conceitos como narrador, tempo da narrativa ou personagens como conteú-dos de ensino isolados.

De outro modo, ao situar cada um desses elementos nos textos lidos com ou pelos alunos, permite-se que aprendam a utilizá-los, operem com eles, o que aprofunda sua possibilidade de interpretá-los. Ao proceder assim, você estará contribuindo para que seus alunos contem com ferramentas impor-tantes para ler melhor, ou seja, ao fazer isso, se ensina a ler.

Como análises como a que foi proposta a partir do texto “Um apólogo” podem ser utilizadas com os alunos? Lembre-se de uma experiência em que você tenha realizado a leitura guiada de um texto li-terário e na qual foi possível aprofundar a compreensão dos alunos. Conte essa experiência a seus colegas. Em seguida, anote a experiência apresentada por algum colega que você tenha considera-do interessante.

Planejamento da atividade

Michele Petit, antropóloga francesa, realizou uma pesquisa inovadora. Por meio de entrevistas com leitores da zona rural e de bairros marginalizados das grandes cidades francesas, estudou a presença da leitura no percurso desses jovens. É dela a seguinte citação:

“[...] não é a biblioteca ou a escola que desperta o gosto por ler, por aprender, imaginar, descobrir. É um professor, um bibliotecário que, levado por sua paixão, a transmite através de uma relação individual. Sobretudo no caso dos que não se sentem muito seguros a se aventurar por essa via devido a sua origem social, pois é como se, a cada passo, a cada umbral que atravessam, fosse preciso receber uma autorização para ir mais longe. E se não for assim, voltarão para o que já lhes é conhecido.”

PETIT, Michele. Os jovens e a leitura, uma nova perspectiva. São Paulo: Ed. 34, 2008, p. 166.

Vamos iniciar nossa conversa refletindo sobre uma situação corriqueira. Duas professoras do 6º ano de uma mesma escola observavam que seus alunos não liam textos literários espontaneamente.

Com o objetivo de aproximar seus alunos desses textos, decidiram planejar, juntas, a mesma atividade. Após analisar várias possibilidades, escolheram propor a leitura de um conto que, tinham certeza, agra-daria os alunos pela temática abordada e pelo tom e irônico dado pelo autor.

Em seu planejamento semanal, anotaram:

Leitura do texto “Um apólogo”, de Machado de Assis, do livro Várias Histórias.

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Na semana seguinte, quando novamente se reuniram, as professoras avaliaram a atividade:

Profª 1: A atividade não deu certo. Meus alunos não conseguiram ler o texto todo. Além disso, se dis-persaram logo nos primeiros parágrafos. No final, disseram de forma evasiva que haviam gostado, mas sem o menor entusiasmo.

Profª 2: Em minha classe, a leitura foi o maior sucesso! Enquanto transcorria, os alunos sorriam e mostra-vam-se motivados para ir até o fim. No final, me fizeram prometer que leríamos os outros textos do livro.

1. A partir dos relatos das professoras, discuta com seus colegas:

n Além do entusiasmo dos alunos, que outros observáveis nos indicam que a atividade não atingiu o objetivo previsto no primeiro grupo e que este foi atingido no segundo?

n Por que, em sua opinião, ocorreu essa diferença entre os dois grupos?

n A seguir, leia o complemento dos relatos da atividade feitos pelas duas professoras:

Profª 1:

Para que meus alunos lessem o texto, providenciei cópias para todos. Tive o cuidado de incluir, na página inicial, a reprodução da capa, para que tivessem acesso ao livro de onde retirara o texto.

No dia da aula, propus a leitura, após ter mostrado o livro e apresentado o autor.

No início, propus que lessem autonomamente, mas logo percebi que o ritmo de alguns é len-to, muitos não chegariam ao final.

Por isso, achei que seria uma boa ideia que lessem os últimos parágrafos em voz alta. Imagi-nava que seria interessante contar com os alunos mais fluentes para ler o apólogo para os colegas.

No entanto, a leitura foi ficando arrastada e percebi que perderam o interesse. Ao terminarem de ler o texto, perguntei o que tinham achado, mas todos disseram apenas que a história era legal, sem aprofundar o comentário.

Profª 2:

Sabia que o texto tinha expressões antigas, que podiam dificultar sua compreensão. Optei, então, por entregar as cópias e propor que meus alunos acompanhassem minha leitura em voz alta. Assim, eu podia fazer pausas, se fosse necessário explicar alguma expressão desco-nhecida da classe. Além disso, eu havia me preparado antes, para garantir a entonação e ex-pressividade necessárias para a atenção do grupo.

Enquanto eu lia, via que meus alunos se esforçavam por acompanhar e estavam visivelmente curiosos para saber o que ia acontecer no final da história.

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Concluída a leitura, quando lhes pedi comentários, mostraram o quanto tinham compreendi-do, recuperando fatos e propondo interpretações pertinentes.

Propus que relessem o apólogo em casa para seus familiares e, ainda, combinamos a leitura de outra história do mesmo livro na semana seguinte.

Como se vê, o que inicialmente parecia ser a mesma proposta, pela diferença nos encaminhamen-tos, transformou-se em duas possibilidades bem distintas. A escolha de situações de leitura diferen-tes permitirá que mais alunos possam usufruir a proposta.

2. Leia o texto abaixo, em que são descritas diferentes possibilidades de encaminhar a leitura de textos literários. Ele foi retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais de 6º a 9º ano:

Leitura de textos escritos

Levando em conta o grau de independência do aluno para a tarefa, o professor pode selecio-nar situações didáticas adequadas que permitam ao aluno, ora exercitar-se na leitura de tipos de texto para os quais já tenha construído uma competência, ora empenhar-se no desenvol-vimento de novas estratégias para poder ler textos menos familiares, o que demandará maior interferência do professor. Tais atividades podem ocorrer com maior ou menor frequência, em função dos objetivos de ensino-aprendizagem.

A seguir são apresentadas algumas sugestões didáticas orientadas especificamente para a formação de leitores.

Leitura autônoma

A leitura autônoma envolve a oportunidade de o aluno poder ler, de preferência silenciosa-mente, textos para os quais já tenha desenvolvido certa proficiência. Vivenciando situações de leitura com crescente independência da mediação do professor, o aluno aumenta a confian-ça que tem em si como leitor, encorajando-se para aceitar desafios mais complexos.

Leitura colaborativa

A leitura colaborativa é uma atividade em que o professor lê um texto com a classe e, duran-te a leitura, questiona os alunos sobre os índices linguísticos que dão sustentação aos senti-dos atribuídos. É uma excelente estratégia didática para o trabalho de formação de leitores, principalmente para o tratamento dos textos que se distanciem muito do nível de autonomia dos alunos. É particularmente importante que os alunos envolvidos na atividade possam ex-plicitar os procedimentos que utilizam para atribuir sentido ao texto: como e por quais pistas linguísticas lhes foi possível realizar tais ou quais inferências, antecipar determinados aconte-cimentos, validar antecipações feitas etc. A possibilidade de interrogar o texto, a diferenciação entre realidade e ficção, a identificação de elementos que veiculem preconceitos e de recur-sos persuasivos, a interpretação de sentido figurado, a inferência sobre a intenção do autor,

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são alguns dos aspectos dos conteúdos relacionados à compreensão de textos, para os quais a leitura colaborativa tem muito a contribuir. A compreensão crítica depende em grande me-dida desses procedimentos.

Leitura em voz alta pelo professor

Além das atividades de leitura realizadas pelos alunos e coordenadas pelo professor, há as que podem ser realizadas basicamente pelo professor. É o caso da leitura compartilhada de livros em capítulos, que possibilita ao aluno o acesso a textos longos (e às vezes difíceis) que, por sua qualidade e beleza, podem vir a encantá-lo, mas que, talvez, sozinho não o fizesse.

A leitura em voz alta feita pelo professor não é prática comum na escola. E, quanto mais avan-çam as séries, mais incomum se torna, o que não deveria acontecer, pois, muitas vezes, são os alunos maiores que mais precisam de bons modelos de leitores.

Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental:

língua portuguesa/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília : MEC/SEF, 1998, pp. 72 e 73.

3. Após a leitura, assinale no texto acima as principais variáveis que devem ser consideradas ao definir o encaminhamento de situações de leitura com diferentes graus de complexidade em classe.

4. Pense num exemplo de atividade de leitura que se encaixe em uma das sugestões incluídas no tex-to acima. Cada professor deverá compartilhar uma atividade, mas é interessante que, no grupo, sur-jam propostas que se encaixem em cada uma das sugestões apresentadas no texto.

5. Leia o planejamento desta atividade. Agora, você e seus colegas analisarão os encaminhamentos e refletirão sobre mudanças que fariam, considerando a turma em que atuam.

Sobre ler em colaboração com os colegas, Tereza Colomer, uma estudiosa do ensino da leitura diz: “Na escola, o comentário compartilhado sobre os livros se dirige prioritariamente a entender os textos... Os alunos progridem a partir de uma leitura compreensiva – entendida como a leitura que se limita a explorar os elementos internos do enunciado, os sentidos denotados – ao enriquecimento da leitura interpretativa – entendida como a leitura que utiliza conhecimentos externos para suscitar significados implícitos, segundos sentidos ou símbolos que os leitores devem fazer emergir dos textos”.

COLOMER, Tereza. Andar entre livros, a leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2007, p. 149.

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I I Língua Portuguesa – Caderno Bimestral I

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Planejamento da atividade de leitura do conto “Um apólogo”, de Machado de Assis

Objetivos da atividade

Ao realizar essa proposta, espera-se que os alunos desenvolvam as seguintes habilidades rela-cionadas à leitura3 (utilizamos, como referência para destacar as habilidades, os descritores da Prova Brasil):

n acompanhar uma narrativa lida pela professora;n inferir o sentido de palavras ou expressões (D34);n inferir informações implícitas em um texto (D4);n estabelecer relações entre partes do texto, identificando repetições ou substituições que

contribuem para sua continuidade (D2);n identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a narrativa (D7 ou D10 5);n estabelecer relações de causa ou consequência entre partes e elementos do texto (D8 ou D11);n identificar efeitos de ironia ou humor em textos variados (D13 ou D16); n apreciar a leitura de textos literários.

Fique atento

Definir claramente os objetivos de aprendizagem em cada proposta permite que se te-nha maior clareza nas intervenções que serão realizadas. Nenhum conteúdo por si só é capaz de desenvolver as habilidades. Situações que exijam que os alunos coloquem-nas em prática é que promovem seu desenvolvimento.

Desafio que será enfrentado pelos alunos

Acompanhar atentamente a narrativa lida pela professora e compreender o texto.

Fique atento

Para que os alunos se mobilizem para realizar uma atividade, é preciso que tenham cla-ros os desafios propostos e o problema que precisam enfrentar. Explicitar claramente o desafio ou o problema permite que o aluno acione aquilo que sabe para poder resolvê--lo. Esse desafio ou problema não coincide exatamente com os objetivos didáticos da proposta. Os objetivos relacionam-se à aprendizagem que o professor espera promover, enquanto os alunos realizam ou se dedicam a resolver o desafio ou problema proposto.

3 A leitura de uma única narrativa literária não é suficiente para que se desenvolvam as habilidades apresentadas. É a leitura frequente de diferentes textos literários e a ação do professor para garantir a construção coletiva do sentido dos textos entre os alunos que favorecerão a construção de tais habilidades.

4 As letras D seguidas de números remetem a descritores avaliados pela Prova Brasil. 5 O primeiro D indica um descritor da Prova Brasil direcionada a alunos da 4ª série ou 5º ano do Ensino Fundamental, enquanto o

segundo remete a descritores de 8ª série ou 9º ano do Ensino Fundamental.

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Formação de Professores

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Materiais necessários para a realização da proposta

n O livro Várias Histórias de Machado de Assis, da Ed. Ática, Martin Claret ou Martins Fontes (se não for possível, o livro se encontra disponível na Internet: http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/contos/macn005.pdf ).

n Cópias do conto “Um apólogo” para os alunos.

Fique atento

Identificar previamente os materiais que serão utilizados em determinada proposta ga-rante que você se organize e potencialize sua ação e seu tempo.

Ações que o professor precisa realizar antes do encaminhamento da atividade em classe

Preparar-se para ler o conto em voz alta, de maneira a prender a atenção dos alunos, impri-mindo ritmo à leitura e buscando expressar emoções ou sentimentos relacionados a cada um dos trechos da narrativa. Identificar partes em que será necessário realizar pausas para propor que os alunos antecipem o que imaginam que ocorrerá, para que infiram o significado de pa-lavras pouco usuais ou para que observem recursos linguísticos utilizados pelo autor para en-riquecer sua narrativa.

Pesquisar sobre o autor para que os alunos contem com informações contextuais que lhes permitam fazer antecipações antes de iniciar a leitura. Além disso, tais informações permitem ampliar o repertório de conhecimentos relacionados à literatura brasileira, os quais são impor-tantes para que construam referências que contribuirão, no futuro, para que escolham auto-nomamente o que ler.

Fique atento

Antes de encaminhar uma proposta em classe, o professor precisa realizar ações, tomar providências, para que a proposta seja bem aproveitada pelos alunos. Algumas vezes, é preciso que ele se aprofunde no tema que será abordado em aula, outras vezes, ele ne-cessita providenciar ou preparar materiais específicos (cópias de um texto que foi produ-zido por um aluno, por exemplo), em outras ainda, ele precisa ensaiar o modo como lê em voz alta para apresentar melhor um texto. Em certas atividades, a ação preparatória realizada pelo professor diz respeito à organização dos alunos: definir quem trabalhará com quem, considerando as parcerias mais produtivas ou rever grupos em que não hou-ve uma boa dinâmica de trabalho.

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I I Língua Portuguesa – Caderno Bimestral I

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Tempo de duração previsto para a atividadeDuração: 40min

Fique atento

Estipular o tempo de duração, mesmo que aproximadamente, ajuda o professor a se or-ganizar e aproveitar, da melhor forma, o tempo da aula.

Agrupamento dos alunos durante a atividade

Esta é uma atividade coletiva. Os alunos poderão ficar sentados em seus lugares para melhor acompanhar em seus textos a leitura feita pelo professor.

Fique atento

Propor que os alunos aprendam a trabalhar, considerando diferentes possibilidades de interação com os colegas, ou seja, compor momentos de trabalho individual, com pro-postas em que todos os integrantes da turma tenham que interagir (atividades coleti-vas) ou em que se trabalhe com alguns colegas de cada vez (em grupos de dois a cinco integrantes), é fundamental. Além de estimular o aluno a trabalhar em colaboração, de-terminadas situações de aprendizagem são potencializadas por uma ou outra forma de organização da turma.

ETAPAS PARA REALIzAçãO DA ATIVIDADE (como se trata de uma atividade de leitura, é preciso definir diferentes momentos)

Antes da leitura

O professor apresenta a atividade:

Explicar que será feita a leitura em voz alta pelo professor de um texto chamado “Um apólo-go”, enquanto cada aluno acompanhará em sua cópia.

Explicar que haverá algumas paradas para que os alunos conversem sobre o que compreen-deram da história até aquele momento ou para que discutam outras questões.

O professor também vai combinar com os alunos como devem proceder para sinalizar que se perderam no acompanhamento do texto (como cada um deverá seguir o que o professor lê em voz alta em seu próprio material, pode ocorrer de um ou outro aluno perder o ponto em que se encontra a leitura) ou para fazer alguma pergunta importante para a compreensão da história. O mais comum é combinar que o aluno levante a mão sempre que necessário.

O professor dá informações sobre o autor, o livro e a história:

Informar o nome do autor e alguns dados sobre ele. Mostrar o livro onde o apólogo foi publicado, a capa, a contracapa. Se a cópia é de uma versão da internet, identificar o site onde foi acessada.

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Formação de Professores

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Perguntar se conhecem outra obra do autor, se já leram outra história dele. Se já leram ou co-nhecem algum outro apólogo. Se sim, perguntar quem eram as personagens e qual era a mo-ral da história.

Fique atento

É importante que os alunos aprendam a considerar o contexto de publicação de uma obra. No caso dos textos literários, esse contexto é caracterizado pela obra do autor e co-mo ela é organizada editorialmente. Esse tipo de trabalho vai levando o aluno a com-preender o conceito de obra e a identificar como ela é concebida.

Os alunos antecipam o que acontecerá, a partir do título da história:

Dizer aos alunos que eles lerão um texto cujo título é “Um apólogo”. Pedir a eles que digam o que esperam encontrar num texto cujo título é esse. Observar que esse título indica tratar-se de um gênero textual narrativo. Se esse gênero for conhecido dos alunos, eles podem anteci-par que o texto provavelmente contará uma história que envolverá personagens não huma-nas e que terá um final moralizante, como as fábulas. Caso não tenham esse conhecimento, é importante apresentar o que caracteriza essas narrativas.

Fique atento

Quando o título de uma narrativa dá boas pistas sobre o que vai ser lido, favorece a cria-ção de um universo de expectativas que apoiarão o leitor para que se entregue à leitura de uma maneira mais ativa. Quando isso não ocorre, é importante contar com informa-ções adicionais, como as explicações fornecidas pelo professor.

Durante a leitura

A leitura será compartilhada, ou seja, o texto será lido em voz alta pelo professor e acompa-nhado pelos alunos em seus materiais. .

Durante a leitura, convém realizar pausas em momentos especialmente escolhidos por serem decisivos e permitirem levantar as expectativas dos alunos em relação ao que virá.

Outras interrupções podem ser propostas, para analisar o significado de palavras desconheci-das, utilizando o contexto oferecido pelo próprio texto para inferir o significado ou para inferir informações que não estejam explícitas.

No entanto, é importante cuidar para que essas interrupções não sejam frequentes, pois isso pode interferir na atenção necessária a que os alunos acompanhem a narrativa.

Como dissemos anteriormente, cada narrativa, apesar de ser composta por elementos que já se tornaram familiares aos leitores mais experientes (personagem, tempo, espaço, foco narra-tivo e enredo), evidencia, de modo particular, alguns desses elementos. As impressões que o autor quer causar no leitor fazem com que proponha determinada articulação desses ele-

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mentos. É essa articulação que vai levar o leitor a experimentar certas impressões sobre o tex-to. Descobrir como cada narrativa é escrita é como desvendar a composição de uma sinfonia, perceber como ela é composta. Durante a leitura, é interessante propor perguntas como: Que personagens aparecem no texto? Como são os ambientes? Eles revelam em que época trans-corre a história? Como sabemos que o tempo passou? O importante é estar atento às respos-tas que os alunos dão em cada momento. Elas indicam a interpretação que fazem da história e como podemos ajudá-los a interpretá-la melhor.

Após a leitura, favorecer que ocorra a compreensão do texto, a apreciação e a troca de impressões suscitadas pela história

Terminada a leitura, é o momento de conversar sobre a história. Perguntas genéricas como “o que acharam da leitura?” ou “o que sentiram ao ler?” não costumam contribuir para que os alu-nos conversem sobre aquilo que compreenderam. Questões diretas, relacionadas à história, que ofereçam múltiplas possibilidades de resposta são mais oportunas, pois permitem que os alunos conversem sobre aquilo que entenderam, compartilhem interpretações, voltem a tre-chos do apólogo, atividades que colaborem para que se construam a compreensão e a inter-pretação do texto.

Neste caso, algumas perguntas possíveis são:

n Qual é a causa da discussão entre a agulha e a linha?n Do que se orgulha a linha? Como ela explica seu orgulho para a agulha?n Em que momentos da história percebemos arrogância, humildade, orgulho, modéstia,

desprezo e humilhação?n Quem é, afinal, a mais importante no trabalho de costurar: a agulha ou a linha? Por quê?

Você concorda? n Quais trechos gostariam de ouvir novamente? Por quê?

Fique atento

As perguntas têm a intenção de favorecer a conversa entre os alunos. Não se trata de ava-liar a compreensão deles, mas de instaurar um diálogo em que diferentes ideias suscitadas pelo texto contribuam para que todos aprofundem o modo como o entenderam, avan-çando para uma construção de sentido mais complexa e abrangente, que inclua a reali-zação de inferências daquilo que o escritor deixa subentendido, nas entrelinhas.

Se surgirem diferentes interpretações ou respostas às perguntas propostas, é interessante que os alunos evoquem partes da história que corroborem suas ideias.

Fique atento

Reler partes da história para confrontar diferentes opiniões ou para ouvir novamente trechos que foram agradáveis para o professor ou os alunos é uma atividade prazerosa e interessante.

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Formação de Professores

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Novamente é Tereza Colomer quem esclarece: “Vale tudo na busca do sentido, já que sa-bemos de sobra que a discussão em grupo favorece a compreensão. Serve para enrique-cer a resposta própria com os matizes e os aportes da interpretação do outro, já que a li-teratura exige e permite distintas ressonâncias individuais. Serve para usar a metalin-guagem aprendida (‘personagem’, ‘metáfora’, ‘trama’ etc.) quando tem sentido fazê-lo.” (COLOMER, Tereza. Andar entre livros, a leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2007, p. 149.).

Avaliação da atividade

n Observar a participação dos alunos antes da proposta, especialmente se conseguiram realizar antecipações adequadas a partir do título (antecipações adequadas não são, necessariamente, as que se confirmaram pela leitura, mas as que são coerentes com aquilo que o título e outros dados contextuais sinalizam). A dificuldade em realizar antecipações pode estar relacionada a pouco contato com contos, especialmente contos antigos, escritos muitas vezes em uma linguagem que não utilizamos cotidianamente, como neste caso. Ela também pode estar associada à dificuldade do aluno em se colocar como um leitor ativo, que interage com o texto a partir de suas próprias expectativas. É comum que se relacione a leitores ainda presos à leitura sílaba por sílaba de cada palavra, sem a preocupação com a construção de um sentido (apenas traduzem letras em sons, sem se comprometer em construir significados para ele).

n Observar se, ao longo da leitura, os alunos conseguiram acompanhar o texto em suas cópias. Alunos que ainda têm dificuldade em realizar essa atividade, em geral, contam com pouca fluência na leitura. Necessitam de tempo e novas vivências como leitores para ganhar ritmo.

n Observar se, ao longo da leitura, os alunos se arriscam a antecipar aquilo que poderá ocorrer. É preciso, também, que confrontem suas antecipações com o que é lido, confir-mando algumas e descartando outras.

n Observar a qualidade da discussão que ocorre após a leitura. Essas colocações indicam o envolvimento dos alunos, a atenção com que acompanharam a leitura e seu vínculo com a literatura. Se no início a participação dos alunos não é tão efusiva, é interessante manter a atividade, escolher contos que, por sua temática e qualidade, despertem a sua atenção, de modo a cultivar e ampliar o interesse pelas narrativas literárias e favorecer que um número cada vez maior de alunos expresse suas ideias sobre o texto.

Para contribuir na avaliação das atividades de leitura, sugerimos o seguinte quadro, conside-rando as habilidades de leitura que temos como objetivo desenvolver:

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Habilidades Sim NãoNão foi

possível avaliar

Os alunos acompanharam a narrativa lida pelo professor?

Os alunos infeririam o sentido de palavras ou expressões?

Os alunos inferiram informações implícitas no texto?

Os alunos estabeleceram relações entre partes do texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para sua continuidade?

Os alunos identificaram o conflito gerador do enredo ou outros elementos que constroem a narrativa?

Os alunos estabeleceram relações de causa ou consequência entre partes e elementos do texto?

Os alunos identificaram efeitos de ironia ou humor no conto lido?

Os alunos apreciaram a leitura?

Fique atento

Definir alguns critérios passíveis de serem observados, que permitam avaliar se determi-nada atividade alcançou os objetivos propostos, favorece o desenvolvimento de um olhar crítico sobre sua própria atuação como professor. Refletir sobre aquilo que contri-buiu para que uma situação didática tenha sido produtiva, no sentido de favorecer a aprendizagem dos alunos, permite identificar o que necessita ser considerado, retoma-do ou reformulado nas situações futuras.

ALGUMAS INTERVENçõES DO PROFESSOR PARA LIDAR COM PROBLEMAS QUE POSSAM SURGIR

O que fazer para ajudar os alunos que se perdem com frequência na leitura compartilhada:

É importante acompanhar de perto esses alunos e ajudá-los a localizar o trecho que é lido em voz alta. O professor pode orientá-los e eles, também, podem contar com a ajuda dos colegas (numa leitura em duplas, por exemplo, o colega assume uma atitude de colaboração, indican-do para aquele que ainda não possui o mesmo domínio, em cada momento, onde se encon-tra escrito aquilo que o professor lê em voz alta).

O que fazer se poucos alunos se arriscam a colocar hipóteses do que acontecerá na história (a partir do título ou ao longo da leitura)?

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Formação de Professores

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Mesmo que poucos alunos se arrisquem inicialmente, o professor pode aproveitar essas ideias e propor aos demais que opinem se concordam com aquilo que foi antecipado pelo colega, se de fato pensam que aquilo poderá ocorrer na história. Na verdade, não se espera que os alunos levan-tem muitas possibilidades para a continuidade da história... Não se trata de adivinhação, de inven-tar qualquer possibilidade, aleatoriamente. Nesse sentido, trata-se de discutir com os alunos quais hipóteses combinam melhor com o que será lido, buscando ainda que justifiquem sua opinião. Es-sa é uma atividade que convida os alunos a participar de maneira diferente, já que devem conside-rar a melhor alternativa, entre as que foram levantadas, em vez de levantar uma nova possibilidade.

Fique atento

Antecipar que alguns alunos encontrarão dificuldades ao realizar uma proposta e definir o ti-po de dificuldade que poderá surgir permite que você reflita sobre algumas formas de ajudar esses alunos, de maneira a ajustar o desafio para aqueles que ainda não atingiram conheci-mentos com que outros colegas já contam. Assim, garante-se que, mesmo que não contem com as mesmas competências, todos tenham desafios, ajustados a suas possibilidades.

Comunidade Educativa CEDAC

6. Após a leitura do planejamento anterior, converse com o grupo e anote algumas (quatro ou cinco) orientações ali sugeridas que você considere produtivas.

7. Em seguida, converse com um dos colegas do grupo sobre as adaptações que vocês fariam à ativi-dade, para que ela seja realizada em sua classe. Procure justificar essas alterações, considerando a es-pecificidade de seu grupo.

Apresente suas ideias ao grupo e, em seguida, reformulem o planejamento acima, de modo a adaptá-lo aos alunos atendidos por vocês. É importante, no entanto, preservar os objetivos definidos para a propos-ta. Convém deixar claras as mudanças sugeridas e as justificativas para tais alterações, considerando que se garanta que a atividade seja mais significativa e adequada as possibilidades de seus alunos.

A leitura de textos literários, quando no contexto social, é uma leitura em que o leitor busca um momento de fruição. O prazer em ler não significa, necessariamente, a leitura de textos que abordem temas agradáveis. Esse prazer relaciona-se ao fato de, por meio dela, o leitor sentir-se brindado pela possibilidade de novos olhares para sua realidade (muitas vezes para sua subjetividade), da abertura de horizontes pelo contato com realidades distantes da sua. O prazer de ler está associado a transportar-se para outros mundos (reais ou imaginários), a aprofundar experiências, a ver sob outro ângulo nossa realidade, pela identificação com a subjetividade das personagens. Essa experiência, proporcionada pelo contato com a literatura, deve ser preservada na sala de aula. Não importa a situação didática escolhida pelo professor (a leitura autônoma, colaborativa ou em voz alta pelo professor), é necessário garantir que o contato com o texto literário, por parte dos alunos, seja prazeroso. É isso que o mobilizará a ler.

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I I Língua Portuguesa – Caderno Bimestral I

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Avaliação do encontro

Após a realização das atividades e reflexões que foram propostas nesse Caderno Bimestral, sugerimos que você faça uma avaliação. Trata-se de um momento de reflexão sobre o que já foi apropriado por você, o que ainda precisa de aprofundamento e o que ainda não pôde avançar.

A avaliação refere-se às competências docentes que foram desenvolvidas e aprofundadas no trabalho pro-posto neste caderno. Conforme discutimos no Formação de Professores - Metodologia, todo o nosso traba-lho será baseado no desenvolvimento de competências. O objetivo é que você desenvolva capacidades de agir de forma eficaz em determinada situação, fazendo uso dos conhecimentos construídos ao longo do processo formativo.

Competências e habilidades para o trabalho docente

Plenamente desenvolvida

/ ampliada

Parcialmente desenvolvida

/ ampliada

Não foi desenvolvida

/ ampliada

Aprofundar a maneira de planejar atividades de leitura.

Reconhecer a importância de propor diferentes encaminhamentos para as atividades de leitura na sala de aula (leitura em voz alta do professor, leitura colaborativa ou leitura autônoma).

Evidenciar a potencialidade da troca entre os alunos para favorecer a formação de leitores comprometidos com a construção de significados nos textos lidos.

Planejar atividades que considerem os conhecimentos dos seus alunos e os conteúdos didáticos abordados no encontro.

Trabalhar em equipe, interagindo com os colegas e colaborando com a formação do grupo.

Realizar leitura de textos literários que contribuam para ampliar seu universo cultural, buscando constituir o grupo de professores numa comunidade de leitores.

Realizar leitura profissional, explorando as potencialidades do texto e relacionando a teoria com a prática docente.

O que você sugere como estratégia para ajudar a desenvolver as competências e habilidades que identificou como ainda pendentes em sua formação?

Leia cada item da coluna à esquerda. Após refletir, marque com X a coluna que corresponde à sua avaliação.

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Formação de Professores

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Preparação para o próximo encontro

Traga o livro didático de língua portuguesa adotado em sua sala de aula.

Traga suas dúvidas e reflexões, registradas a partir da atividade proposta na seção “Reflexão sobre a Prá-tica”, descrita mais adiante neste caderno.

Sugestões de leituras complementares

COLOMER, T. Andar entre livros, a leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2007.

COSSON, R. Letrameto literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.

LERNER, D. É possível ler na escola. In: Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Trad. E. Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2002.

MACHADO, A. M. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

PERRENOUD, P. Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. Porto Alegre: Artmed, 2001.

PETIT, M. Os jovens e a leitura, uma nova perspectiva. São Paulo: Ed. 34, 2008.

SOLÉ, I. Estratégias de Leitura. Trad. C. Schilling. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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I I Língua Portuguesa – Caderno Bimestral I

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Aplicação PráticaDuração: 4h

Durante este encontro, discutimos a importância de garantir o acesso dos alunos à leitura literária. O grupo leu e analisou o planejamento de uma situação de leitura colaborativa. Em seguida, sugeriu mu-danças e reformulou a proposta, considerando as características dos alunos atendidos.

Realize, em sua classe, a atividade de leitura colaborativa, considerando as mudanças que vocês propu-seram. Para isso, observe as seguintes orientações:

n releia o planejamento discutido neste encontro e as sugestões de alterações feitas pelo grupo;

n relembre os objetivos de leitura para a atividade e os encaminhamentos que foram revistos para me-lhor considerar as características de seus alunos;

n releia o texto e identifique as características que o tornam rico do ponto de vista literário. Isso contri-buirá para que você direcione o olhar dos alunos para tais aspectos. Além disso, prepare-se para a lei-tura em voz alta do conto;

n providencie as cópias do texto para que seus alunos possam acompanhar a leitura que você fará;

n realize então a atividade de leitura levando em conta tanto o planejamento como a participação de seus alunos. Procure interagir com eles para que construam juntos um sentido para o texto;

n antes da leitura, releia os itens que constam no “Registro da atividade: leitura colaborativa”, que indi-cam alguns aspectos da proposta que deverão ser retomados posteriormente nesse registro.

Registrando a prática

Em outro momento, depois que tiver realizado a leitura com seus alunos, registre a atividade, se-guindo o modelo do “Registro da atividade: leitura colaborativa”. Recomenda-se que esse registro seja feito pouco tempo após a realização da aula, a fim de que você possa se recordar bem de al-guns aspectos relevantes, como algumas falas dos alunos no momento em que você e eles con-versaram sobre o texto.

Registro da atividade: leitura colaborativa

Município: Escola:

Professor: Ano/Série:

Quantidade de alunos presentes no dia:

Tempo utilizado para realização da atividade:

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Formação de Professores

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Título do livro/ história:

Autor:

Ilustrador (se houver):

Editora:

1. Como os alunos participaram (concentração, envolvimento). Por que você acha que elas agiram dessa maneira?

2. Registre um trecho importante da conversa que teve com os alunos após a leitura (procure destacar comentários e perguntas suas e das crianças que possibilitaram um bom diálogo).

3. O que avalia que os alunos aprenderam (procure basear-se nas Competências e habilidades discentes previstas no planejamento)?

4. Registre como você considera que foi a sua atuação durante a realização da atividade (dificuldades, dúvidas, descobertas...).

Releia e revise seu texto antes de colocá-lo no Portal de Aprendizagem

Atividade VirtualDuração: 4h

n Escolha um texto literário (conto, crônica ou poema) que esteja incluído no livro didático que você utiliza com seus alunos.

n Leia cuidadosamente e reflita sobre alguns aspectos do texto que você considera ricos para ampliar o conhecimento dos alunos sobre os textos literários (após a leitura será necessário realizar a análise do texto para identificar esses aspectos).

n Planeje uma situação de leitura desse texto. Considere, para esse planejamento, as seguintes questões:

n Que modalidade de leitura será proposta (leitura autônoma, colaborativa ou em voz alta pelo professor)?

n Por que você escolheu tal modalidade (é importante considerar as características dos alunos, seus hábitos de leitura, o texto escolhido e o objetivo definido para a atividade)?

n Como você encaminhará a atividade? O que será feito antes, durante e como será a conversa posterior à leitura?

Após realizar a atividade que você planejou, elabore um registro reflexivo. Em seguida, revise seu texto antes de colocá-lo no Portal de Aprendizagem.

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I I Língua Portuguesa – Caderno Bimestral I

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Reflexão sobre a PráticaDuração: 4h

Para aprofundar a reflexão sobre o ensino da leitura nas séries mais avançadas do Ensino Fundamental, a proposta é que você leia trechos selecionados do documento “Prova Brasil: ensino fundamental: ma-trizes de referência, tópicos e descritores”6 de 2011.

A leitura desse documento é importante tanto por permitir maior familiaridade com essa avaliação na-cional, como por apresentar, de maneira abrangente, o quanto a leitura pressupõe que o leitor coloque em jogo diferentes níveis de conhecimentos. Ele aborda o funcionamento da Prova Brasil por meio de exemplos comentados das atividades propostas e da sugestão de atividades que favoreçam a constru-ção de habilidades relacionadas aos itens avaliados.

Os trechos selecionados são a introdução à apresentação das questões de língua portuguesa, a rela-ção de tópicos e os descritores avaliados nas diferentes atividades propostas e, por fim, exemplos co-mentados de atividades referentes aos tópicos V e VI, das provas destinadas ao 9º ano ou à 8ª série do Ensino Fundamental.

Leia os trechos selecionados refletindo sobre as seguintes questões:

n De que forma as atividades de leitura colaborativa de textos literários contribuem para a aprendizagem das habilidades relacionadas a esses descritores?

n Que outra atividade você sugeriria para o desenvolvimento das habilidades relacionadas a esses descritores?

Anote suas reflexões e dúvidas e traga ao nosso próximo encontro.

No próximo caderno vamos discutir a importância da leitura como ferramenta para favorec-er a aprendizagem de conteúdos relacionados às diferentes disciplinas do currículo. Vamos ainda refletir sobre a ação docente que favorece a constituição do aluno como leitor ativo, que dialoga com os textos e constrói sentido a partir deles. Aguarde!

6 Se você preferir, é possível acessar o documento “Prova Brasil: ensino fundamental: matrizes de referência, tópicos e descritores”, de 2011, na íntegra, no seguinte endereço eletrônico: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/prova%20brasil_matriz2.pdf.

Professor, Visite a Casa do aprender, um espaço aberto a toda a comunidade. na Casa você terá acesso a livros, revistas, vídeos, programas educacionais, debates etc., além de poder interagir com outros participantes do programa Ação Educação.

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Formação de Professores

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Prova Brasil: ensino fundamental: matrizes de referência, tópicos e descritores

4. LÍNGUA PORTUGUESA

4.1. Aprendizagem em Língua Portuguesa

O ensino da Língua Portuguesa, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), deve estar voltado para a função social da língua. Esta é requisito básico para que a pessoa in-gresse no mundo letrado, para que possa construir seu processo de cidadania e, ainda, para que consiga se integrar à sociedade de forma ativa e a mais autônoma possível.

Nesse aspecto, para ser considerado competente em Língua Portuguesa, o aluno precisa do-minar habilidades que o capacitem a viver em sociedade, atuando, de maneira adequada e re-levante, nas mais diversas situações sociais de comunicação.

Para tanto, o aluno precisa saber interagir verbalmente, isto é, precisa ser capaz de compreen-der e participar de um diálogo ou de uma conversa, de produzir textos escritos, dos diversos gêneros que circulam socialmente.

Ler e escrever, por suas particularidades formais e funcionais, são também competências mais especificamente desenvolvidas no ambiente escolar. Tanto os textos escritos de uso mais fami-liar (como o bilhete, a carta), quanto os textos de domínio público (como o artigo, a notícia, a re-portagem, o aviso, o anúncio, o conto, a crônica etc) são objeto do estudo sistemático na escola.

Daí a importância de promover-se o desenvolvimento, no aluno, da capacidade de produzir e compreender textos dos mais diversos gêneros e, em diferentes situações comunicativas, tan-to na modalidade escrita quanto na modalidade oral.

4.2. Texto

De acordo com os PCNs, o eixo central do ensino da língua deve se instalar no texto, como realização discursiva do gênero e, assim, explicar o uso efetivo da língua.

Alguns linguistas referem-se assim ao texto: ’texto’ emprega-se igualmente com um valor mais preciso, quando se trata de apreender o enunciado como um todo, como constituindo uma totalidade coerente. O ramo da linguística que estuda essa coerência chama-se precisa-mente ‘linguística textual’. Com efeito, tende-se a falar de ‘texto’ quando se trata de produções verbais orais ou escritas, estruturadas de forma a perdurarem , a se repetirem, a circularem lon-ge de seu contexto original.

É por isso que, no uso corrente, fala-se, de preferência, de ‘textos literários’, ‘textos jurídicos’, [...]

4.3. Gêneros do discurso

“Os gêneros do discurso pertencem a diversos tipos de discursos associados a vastos setores de atividade social. [...]”

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I I Língua Portuguesa – Caderno Bimestral I

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Koch (2005) afirma que os falantes/ouvintes sabem distinguir o que é adequado ou inadequa-do em cada uma de suas práticas sociais. Eles sabem diferenciar determinados gêneros textu-ais como, por exemplo, anedota, poema, conversa telefônica etc.

Para a autora,

“Há o conhecimento, pelo menos intuitivo, de estratégias de construção e interpre-tação de um texto. A competência textual de um falante permite-lhe, ainda, averi-guar se em um texto predominam sequências de caráter narrativo, descritivo, expo-sitivo e/ou argumentativo. Não se torna difícil, na maior parte dos casos, distinguir um horóscopo de uma anedota ou carta familiar, bem como, por outro lado, um texto real de um texto fabricado, um texto de opinião de um texto predominante-mente informativo e assim por diante...”.

4.4. Tipos textuais

Classificação que toma como critério a organização linguística, o conjunto de estruturas lin-guísticas utilizadas no plano composicional do texto.

O plano composicional é constituído por palavras, frases, orações etc.

A partir de Longrace, (apud Bonini, 1999), tipos textuais passaram a ser abordados como mo-dalidades retóricas ou modalidades discursivas que constituem as estruturas e as funções tex-tuais tradicionalmente reconhecidas como narrativas, descritivas, argumentativas, procedi-mentais e exortativas.

4.5. Os diferentes usos da língua

O contraste entre a concepção tradicional e a chamada concepção discursivo-interacionista da língua pode nos ajudar a compreender melhor o processo de aprendizagem da Língua Portuguesa.

As abordagens tradicionais de ensino da Língua Portuguesa lidavam com a concepção instru-mental de que a linguagem seria uma expressão fiel do nosso pensamento, apenas por meio de um conjunto de regras que deveriam ser rigorosamente seguidas. Isso fez com que o en-sino do idioma materno se tornasse uma prática mecânica, calcada na memorização (listas de coletivos, adjetivos, conjugação de verbos, regras de concordância, pontuação, entre outras) ou na exploração da metalinguagem (classificação de termos e de funções).

Para a perspectiva discursivo-interacionista, a língua é uma atividade interativa, inserida no universo das práticas sociais e discursivas, envolvendo interlocutores e propósitos comunica-tivos determinados e realiza-se sob a forma de textos – concretamente sob a forma de dife-rentes gêneros de textos.

Os testes de Língua Portuguesa da Prova Brasil estão estruturados com o foco em leitura, que requer a competência de apreender um texto como construção de conhecimento em diferen-tes níveis de compreensão, análise e interpretação. O fato de se avaliar apenas a leitura não re-

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Formação de Professores

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duz a importância dessas avaliações, tendo em vista que a leitura é fundamental para o desen-volvimento de outras áreas do conhecimento e para o consequente exercício da cidadania.

Em relação ao teste de Língua Portuguesa, a Matriz de Referência traz descritores que têm co-mo base algumas habilidades discursivas tidas como essenciais na situação de leitura.

4.6. A Matriz de Referência de Língua Portuguesa: Tópicos e seus Descritores – 4ª série/5º ano e 8ª série/9º ano do Ensino Fundamental

A Matriz de Referência de Língua Portuguesa apresenta a relação entre os temas, os descrito-res e as habilidades estabelecidos para a avaliação dos alunos da 4ª série/5º ano e 8ª série/9º ano do Ensino Fundamental(EF) e da 3ª série do Ensino Médio(EM).

No total, a Matriz de Referência de Língua Portuguesa da Prova Brasil e do Saeb é com-posta por seis tópicos: Procedimentos de Leitura; Implicações do Suporte, do Gênero e/ou do Enunciador na Compreensão do Texto; Relação entre Textos, Coerência e Coesão no Processamento do Texto; Relações entre Recursos Expressivos e Efeitos de Sentido e Variação Linguística.

Estruturalmente, a Matriz de Língua Portuguesa se divide em duas dimensões: uma denomi-nada Objeto do Conhecimento, em que são listados os seis tópicos; e outra denominada Competência, com descritores que indicam habilidades a serem avaliadas em cada tópico. Pa-ra a 4ª série/5º ano EF, são contemplados 15 descritores; e para a 8ª série/ 9º ano do EF e a 3ª série do EM, são acrescentados mais 6, totalizando 21 descritores. Os descritores aparecem, dentro de cada tópico, em ordem crescente de aprofundamento e/ou ampliação de conteú-dos ou das habilidades exigidas.

Tópico I. Procedimentos de Leitura

Descritores 4ª/5º EF 8ª/9º EF

Localizar informações explícitas em um texto D1 D1

Inferir o sentido de uma palavra ou expressão D3 D3

Inferir uma informação implícita em um texto D4 D4

Identificar o tema de um texto D6 D6

Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato D11 D14

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I I Língua Portuguesa – Caderno Bimestral I

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Tópico II. Implicações do Suporte, do Gênero e/ou Enunciador na Compreensão do Texto

Descritores 4ª/5º EF 8ª/9º EF

Interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas, quadrinhos, foto etc.). D5 D5

Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros D9 D12

Tópico III. Relação entre Textos

Descritores 4ª/5º EF 8ª/9º EF

Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e daquelas em que será recebido

D15 D20

Reconhecer posições distintas entre duas ou mais opiniões relativas ao mesmo fato ou ao mesmo tema - D21

Tópico IV. Coerência e Coesão no Processamento do Texto

Descritores 4ª/5º EF 8ª/9º EF

Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para a continuidade de um texto

D2 D2

Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a narrativa D7 D10

Estabelecer relação causa/consequência entre partes e elementos do texto D8 D11

Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por conjunções, advérbios etc D12 D15

Identificar a tese de um texto - D7

Estabelecer relação entre a tese e os argumentos oferecidos para sustentá-la - D8

Diferenciar as partes principais das secundárias em um texto - D9

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Formação de Professores

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Tópico V. Relações entre Recursos Expressivos e Efeitos de Sentido

Descritores 4ª/5º EF 8ª/9º EF

Identificar efeitos de ironia ou humor em textos variados D13 D16

Identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras notações

D14 D17

Reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma determinada palavra ou expressão

- D18

Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos ortográficos e/ou morfossintáticos

- D19

Tópico VI. Variação Linguística

Descritores 4ª/5º EF 8ª/9º EF

Identificar as marcas linguísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de um texto D10 D13

Em relação aos textos de Língua Portuguesa, há que se considerar a escolha de gêneros tex-tuais mais complexos, que exigem estratégias interpretativas diversificadas, de acordo com o nível de escolaridade. O grau de complexidade do texto resulta, entre outras razões, da temá-tica desenvolvida, das estratégias textuais usadas em sua composição, da escolha de um vo-cabulário mais ou menos incomum, dos recursos sintático-semânticos utilizados, bem como dos determinações específicas do gênero e da época em que foi produzido. Ou seja, apesar de 15 descritores serem os mesmos da matriz de 3ª série do ensino médio, os itens construí-dos para os testes de 4ª série/5º ano e para os de 8ª série/9º ano do ensino fundamental re-querem processos cognitivos mais simples para sua resolução, levando-se em conta que os alunos avaliados encontram-se em faixas etárias e escolaridade menos avançadas.

Isso quer dizer que, de um mesmo descritor, podem ser derivados itens de graus de comple-xidade distintos, tanto do ponto de vista do objeto analisado, o texto, quanto do ponto de vis-ta da tarefa, como as determinações específicas do gênero e da época em que foi produzido. Assim, os conteúdos, competências e habilidades são diferenciados, para que se possa detec-tar o que o aluno sabe, resolvendo os itens do teste, em função das etapas próprias do proces-so de seu desenvolvimento.

Tópico V – Relações entre recursos expressivos e efeitos de sentido

Descritores D16 D17 D18 D19

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I I Língua Portuguesa – Caderno Bimestral I

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Do ponto de vista linguístico, os sentidos expressos em um texto resultam do uso de certos recursos gramaticais ou lexicais. Ou seja, os efeitos de sentido conseguidos

(como o da ironia, ou do humor, por exemplo), decorrem de como se explora

a polissemia de uma expressão, de como se inverte a ordem em que as coisas são ditas, para citar apenas esses dois recursos. Na verdade, as escolhas linguísticas respondem à intenção do interlocutor de produzir certos efeitos de sentido. Nesse quadro, situam-se os quatro descrito-res seguintes: 16, 17, 18 e 19.

Vale destacar que os sinais de pontuação e outros mecanismos de notação como o itálico, o negrito, a caixa alta e o tamanho da fonte podem expressar sentidos

variados. O ponto de exclamação, por exemplo, nem sempre expressa surpresa. Faz-se neces-sário, portanto, que o leitor, ao explorar o texto, perceba como esses elementos constroem a significação, na situação comunicativa em que se apresentam.

DESCRITOR 16 – Identificar efeitos de ironia ou humor em textos variados

Que habilidade pretendemos avaliar?

A forma como as palavras são usadas ou a quebra na regularidade de seus usos constituem recursos que, intencionalmente, são mobilizados para produzir no interlocutor certos efeitos de sentido. Entre tais efeitos, são comuns os efeitos de ironia ou aqueles outros que provocam humor ou outro tipo de impacto. Para que a pretensão do autor tenha sucesso, é preciso que o interlocutor reconheça tais efeitos. Por exemplo, na ironia, o ouvinte ou leitor devem enten-der que o que é dito corresponde, na verdade, ao contrário do que é explicitamente afirmado.

Um item relacionado a essa habilidade deve ter como base textos em que tais efeitos se ma-nifestem (como anedotas, charges, tiras etc.) e deve levar o aluno a reconhecer quais expres-sões ou outros recursos criaram os efeitos em jogo.

Por meio deste descritor pode-se avaliar a habilidade do aluno em reconhecer os efeitos de ironia ou humor causados por expressões diferenciadas utilizadas no texto pelo autor ou, ain-da, pela utilização de pontuação e notações. No caso deste item, o que se pretende é que o aluno reconheça qual o fato que provocou efeito de ironia no texto.

Exemplo de item:

O cabo e o soldado

Um cabo e um soldado de serviço dobravam a esquina, quando perceberam que a multidão fechada em círculo observava algo. O cabo foi logo verificar do que se tratava.

Não conseguindo ver nada, disse, pedindo passagem:

— Eu sou irmão da vítima.

Todos olharam e logo o deixaram passar.

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Formação de Professores

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Quando chegou ao centro da multidão, notou que ali estava um burro que tinha acabado de ser atropelado e, sem graça, gaguejou dizendo ao soldado:

— Ora essa, o parente é seu.

Revista Seleções. Rir é o melhor remédio. 12/98, p.91.

No texto, o traço de humor está no fato de

(A) o cabo e um soldado terem dobrado a esquina.

(B) o cabo ter ido verificar do que se tratava.

(C) todos terem olhado para o cabo.

(D) ter sido um burro a vítima do atropelamento.

Percentual de respostas às alternativas

A B C D

5% 10% 9% 74%

O que o desempenho do item nos indica?

Este item solicita ao aluno identificar em que reside o humor de um texto, o que se revela uma tarefa mais simples do que identificar efeitos de ironia no texto.

O item revelou-se fácil, vez que 74% dos alunos escolheram a alternativa correta

“D”. O texto é de fácil leitura e o efeito de humor pode ser identificado sem maiores proble-mas. Os alunos que marcaram as alternativas erradas são leitores imaturos que não consegui-ram localizar o que provoca humor no texto, apesar de textos humorísticos fazerem parte do cotidiano comunicativo deles.

Como podemos trabalhar essa habilidade?

Sugere-se que o professor trabalhe mais, em sala de aula, textos variados que busquem pro-vocar um efeito de humor, pois, na maioria das vezes, esse resulta do deslocamento do senti-do convencional de uma palavra.

É importante chamar a atenção para o fato de que muitas vezes o efeito de humor pode ser resultante de contextos evidenciados pela imagem ou ainda pela combinação das lingua-gens verbal e não verbal.

Essa habilidade é avaliada por meio de textos verbais e de textos verbais e não verbais, sen-do muito valorizadas neste descritor atividades com textos de gêneros variados sobre temas atuais, com espaço para várias possibilidades de leituras, como os textos publicitários, as char-

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ges, os textos de humor ou as letras de músicas, levando o aluno a perceber o sentido irônico ou humorístico do texto, que pode estar representado, por exemplo, por uma expressão ver-bal inusitada ou por uma expressão facial da personagem.

DESCRITOR 17 – Identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras notações

Que habilidade pretendemos avaliar?

Entre os recursos referidos acima, estão os sinais de pontuação. Além de estarem vinculados intimamente à coerência do texto, esses sinais podem acumular outras funções discursivas, como aquelas ligadas à ênfase, à reformulação ou à justificação de certos segmentos. Nessa perspectiva, a pontuação tem de ser vista muito mais além; isto é, não são simples sinais para separar ou marcar segmentos da superfície do texto.

Um item relativo a essa habilidade deve, portanto, conceder primazia aos efeitos discursivos produzidos por notações como itálico, negrito, caixa alta etc. e pelo uso dos sinais; muito mais, portanto, do que, simplesmente, a identificação de suas funções na sintaxe da frase.

Com este item, pretendemos avaliar a habilidade de o aluno identificar o efeito provocado no texto pelo ponto de exclamação, que colabora para a construção do seu sentido global, não se restringindo ao seu aspecto puramente gramatical. Consideremos o item a seguir:

Exemplo de item:

Eu sou Clara

Sabe, toda a vez que me olho no espelho, ultimamente, vejo o quanto eu mudei por fora. Tudo cresceu: minha altura, meus cabelos lisos e pretos, meus seios. Meu corpo tomou novas formas: cintura, coxas, bumbum. Meus olhos (grandes e pretos) estão com um ar mais ousado. Um brilho diferente. Eu gosto dos meus olhos. São bonitos. Também gosto dos meus dentes, da minha franja... Meu grande problema são as orelhas. Acho orelha uma coisa horrorosa, não sei por que (nunca vi ninguém com uma orelha bonitona, bem-feita). Ainda bem que cabelo cobre orelha!

Chego à conclusão de que tenho mais coisas que gosto do que desgosto em mim. Isso é bom, muito bom. Se a gente não gostar da gente, quem é que vai gostar? (Ou-vi isso em algum lugar...) Pra eu me gostar assim, tenho que me esforçar um monte.

Tomo o maior cuidado com a pele por causa das malditas espinhas (babo quando vejo um chocolate!). Não como gordura (é claro que maionese não falta no meu sanduíche com batata frita, mas tudo light...) nem tomo muito refri (celulite!!!). Pro-curo manter a forma. Às vezes sinto vontade de fazer tudo ao contrário: comer, co-mer, comer... Sair da aula de ginástica, suando, e tomar três garrafas de refrigerante geladinho. Pedir cheese bacon com um mundo de maionese.

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Engraçado isso. As pessoas exigem que a gente faça um tipo e o pior é que a gente acaba fa-zendo. Que droga! Será que o mundo feminino inteiro tem que ser igual? Parecer com a Luíza Brunet ou com a Bruna Lombardi ou sei lá com quem? Será que tem que ser assim mesmo?

Por que um monte de garotas que eu conheço vivem cheias de complexos? Umas porque são mais gordinhas. Outras porque os cabelos são crespos ou porque são um pouquinho narigudas.

Eu não sei como me sentiria se fosse gorda, ou magricela, ou nariguda, ou dentuça, ou tudo junto. Talvez sofresse, odiasse comprar roupas, não fosse a festas... Não mesmo! Bobagem! Mi-nha mãe sempre diz que beleza é “um conceito muito relativo”.

O que pode ser bonito pra uns, pode não ser pra outros. Ela também fala sempre que existem coisas muito mais importantes que tornam uma mulher atraente: inteligência e charme, por exemplo. Acho que minha mãe está coberta de razão!

Pois bem, eu sou Clara. Com um pouco de tudo e muito de nada.

RODRIGUES, Juciara. Difícil decisão. São Paulo: Atual, 1996.

No trecho “...nem tomo muito refri (celulite!!!).” (ℓ.14), a repetição do “ponto de exclamação”

sugere que a personagem tem

(A) incerteza quanto às causas da celulite.

(B) medo da ação do refrigerante.

(C) horror ao aparecimento da celulite.

(D) preconceito contra os efeitos da celulite.

Percentual de respostas às alternativas

A B C D

11% 20% 59% 10%

O que o resultado do item indica?

O item focaliza um uso da exclamação pelo qual se manifesta e se intensifica – por meio da repetição – o sentimento da enunciadora em relação a algo, a celulite.

A maior parte dos alunos assinalou corretamente a alternativa C (“horror ao aparecimento da celulite”), demonstrando ter percebido que as exclamações não estavam vinculadas ao pre-tenso “medo da ação do refrigerante”, como sugere a alternativa B (“medo da ação do refrige-rante”), mas ao horror pela consequência que pode advir de se tomar muito refrigerante.

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I I Língua Portuguesa – Caderno Bimestral I

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Por meio do item, evidencia-se a importância de se construir não apenas o conhecimento dos usos convencionais desses recursos, como também das funções textuais que podem vir a exercer em relação a um uso não convencional.

Tanto a pontuação quanto as demais notações (tipo e tamanho da letra, caixa alta etc.) são re-cursos gráficos, próprios do sistema da escrita, que promovem e/ou intensificam efeitos de sentido, sendo essenciais para o processamento da leitura.

Que sugestões podem ser dadas para melhor desenvolver essa habilidade?

Ao longo do processo de leitura, podemos oferecer aos nossos alunos o contato com gêne-ros textuais que utilizam largamente recursos, como propagandas, reportagens, quadrinhos, entre outros, orientando-os a perceber e analisar os efeitos de sentido dos sinais de pontua-ção (travessão, interrogação, exclamação, reticências, etc.) e das notações (itálico, negrito, cai-xa alta, entre outros) como elementos significativos para construção de sentidos.

Vale destacar que os sinais de pontuação e outros mecanismos de notação, como o itálico, o negrito, a caixa alta e o tamanho da fonte podem expressar sentidos variados. O ponto de ex-clamação, por exemplo, nem sempre expressa surpresa. Faz-se necessário, portanto, que o lei-tor, ao explorar o texto, perceba como esses elementos constroem a significação, na situação comunicativa em que se apresentam.

DESCRITOR 18 – Reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma determinada palavra ou expressão

Que habilidade pretendemos avaliar?

Se é verdade que nada no texto acontece aleatoriamente, ganha relevo admitir que a seleção de determinada palavra em lugar de uma outra pode responder a uma intenção particular do interlocutor de produzir certo efeito discursivo. Optar por um diminutivo, por exemplo, pode ser um recurso para expressar uma ressalva, para desprestigiar um objeto, como pode, ao con-trário, revelar afeto, carinho, aceitação.

Optar por uma palavra estrangeira também tem seus efeitos. Portanto, a competência

comunicativa inclui a capacidade de não apenas conhecer os significados das palavras, mas, sobretu-do, de discernir os efeitos de sentido que suas escolhas proporcionam. Isso nos leva a ultrapassar a simples identificação “do que o outro diz” para perceber “por que ele diz com essa ou aquela palavra”.

Um item destinado a avaliar essa habilidade deve focalizar uma determinada palavra ou ex-pressão e solicitar do aluno o discernimento de por que essa, e não outra palavra ou expres-são, foi selecionada.

Com este item, pretendemos avaliar a habilidade de o aluno reconhecer a alteração de signi-ficado de um determinado termo ou vocábulo, decorrente da escolha do autor em utilizar uma linguagem figurada. Devemos compreender a seleção vocabular como uma estratégia do autor para que o leitor depreenda seus propósitos. Vejamos o exemplo a seguir:

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Exemplo de item:

A beleza total

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pas-mavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços.

A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e es-tes, por sua vez, perdiam toda capacidade de ação. Houve um engarrafamento mons-tro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa.

O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito.

Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extre-ma beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um dia cerrou os olhos para sempre. Sua beleza saiu do corpo e ficou pairando, imortal. O corpo já então enfezado de Gertrudes foi recolhido ao jazigo, e a beleza de Gertrudes continuou cintilando no salão fechado a sete chaves.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Contos plausíveis. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985.

Em que oração, adaptada do texto, o verbo personificou um objeto?

(A) O espelho partiu-se em mil estilhaços.

(B) Os veículos paravam contra a vontade dos condutores.

(C) O Senado aprovou uma lei em regime de urgência.

D) Os espelhos pasmavam diante do rosto de Gertrudes.

Percentual de respostas às alternativas

A B C D

39% 15% 11% 34%

O que o resultado do item indica?

A habilidade indicada por este descritor objetiva reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma determinada palavra ou expressão. A seleção vocabular deve ser compre-endida como estratégia pela qual se podem depreender propósitos do autor do texto.

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I I Língua Portuguesa – Caderno Bimestral I

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O item propõe-se a avaliar a habilidade do aluno em relacionar o conhecimento prévio que tem sobre a personificação – recurso expressivo bastante produtivo no texto literário – com essa estratégia, tal como se manifesta no texto de Carlos Drummond de Andrade. Ressalte-se, a esse respeito, que o texto literário em foco procura, por meio desse recurso expressivo, in-tensificar a beleza da personagem Gertrudes. Os alunos que responderam corretamente à questão, assinalando a alternativa “D” (“Os espelhos pasmavam diante do rosto de Gertrudes”), demonstraram, portanto, não apenas habilidade de usar conhecimento prévio relevante, co-mo também de identificar o uso estratégico que se faz do recurso expressivo, pelo qual se atri-bui qualidade humana ao objeto “espelho”.

Aqueles que optaram pela alternativa A (“O espelho partiu-se em mil estilhaços”) interpreta-ram o pronome “se” como reflexivo, subentendendo-se, ao que parece, que a personificação seria decorrência dessa reflexividade na ação expressa pelo verbo. A interpretação reflexiva é também possível, podendo o espelho ter sido tomado como um ente que se parte. Apesar disso, a resposta mais evidente ao item é a do gabarito “D”.

Que sugestões podem ser dadas para melhor desenvolver essa habilidade?

Para desenvolvermos essa habilidade, podemos utilizar textos publicitários, literários, entre outros, nos quais sejam explorados recursos expressivos importantes, como a metáfora ou a personificação, por exemplo, proporcionando ao aluno a percepção das estratégias utilizadas pelo autor para a ampliação do significado do texto.

Seria desejável que a exploração do recurso da personificação, assim como de outros recursos expressivos (metáforas, ironia, pontuação etc.), acompanhasse, nas atividades em sala de aula, o estudo da construção dos diferentes elementos da narrativa (narrador, personagens, enre-do, espaço e tempo).

DESCRITOR 19 – Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos ortográficos e/ou morfossintáticos

Que habilidade pretendemos avaliar?

As explicações dadas para o descritor anterior, em parte, podem valer para este. Ou seja, as es-colhas que fazemos para a elaboração de um texto respondem a intenções discursivas espe-cíficas, sejam escolhas de palavras, sejam escolhas de estruturas morfológicas ou sintáticas. Assim, não é por acaso que, em certos textos, o autor opta por períodos mais curtos – para dar um efeito de velocidade, por exemplo; ou opta por inversões de segmentos – para surtir cer-tos efeitos de estranhamento, de impacto, de encantamento, afinal (“tinha uma pedra no meio do caminho; no meio do caminho tinha uma pedra”). Ou seja, mais do que identificar a estrutura sintática apresentada, vale discernir sobre o efeito discursivo provocado no leitor.

Um item relativo a essa habilidade deve, pois, conceder primazia aos efeitos discursivos pro-duzidos pela escolha de determinada estrutura morfológica ou sintática. Incide, portanto, so-bre os motivos de uma escolha para fins de se conseguir alcançar certos efeitos.

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Com este item, pretendemos avaliar a habilidade do aluno em identificar o efeito de sentido decorrente das variações relativas aos padrões gramaticais da língua. No texto a seguir, explo-ramos, como recurso expressivo, a repetição lexical.

Exemplo de item:

A chuva

A chuva derrubou as pontes. A chuva transbordou os rios. A chuva molhou os tran-seuntes. A chuva encharcou as praças. A chuva enferrujou as máquinas. A chuva enfureceu as marés. A chuva e seu cheiro de terra. A chuva com sua cabeleira. A chuva esburacou as pedras. A chuva alagou a favela. A chuva de canivetes. A chu-va enxugou a sede. A chuva anoiteceu de tarde. A chuva e seu brilho prateado. A chuva de retas paralelas sobre a terra curva. A chuva destroçou os guarda-chu-vas. A chuva durou muitos dias. A chuva apagou o incêndio. A chuva caiu. A chuva derramou-se. A chuva murmurou meu nome. A chuva ligou o para-brisa. A chuva acendeu os faróis. A chuva tocou a sirene. A chuva com a sua crina. A chuva encheu a piscina. A chuva com as gotas grossas. A chuva de pingos pretos. A chuva açoi-tando as plantas. A chuva senhora da lama. A chuva sem pena. A chuva apenas. A chuva empenou os móveis. A chuva amarelou os livros. A chuva corroeu as cer-cas. A chuva e seu baque seco. A chuva e seu ruído de vidro. A chuva inchou o bre-jo. A chuva pingou pelo teto. A chuva multiplicando insetos. A chuva sobre os va-rais. A chuva derrubando raios. A chuva acabou a luz. A chuva molhou os cigarros. A chuva mijou no telhado. A chuva regou o gramado. A chuva arrepiou os poros. A chuva fez muitas poças. A chuva secou ao sol.

ANTUNES, Arnaldo. As coisas. São Paulo: Iluminuras, 1996.

Todas as frases do texto começam com “a chuva”. Esse recurso é utilizado para

(A) provocar a percepção do ritmo e da sonoridade.

(B) provocar uma sensação de relaxamento dos sentidos.

(C) reproduzir exatamente os sons repetitivos da chuva.

(D) sugerir a intensidade e a continuidade da chuva.

Percentual de respostas às alternativas

A B C D

17% 11% 21% 49%

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I I Língua Portuguesa – Caderno Bimestral I

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O que o resultado do item indica?

Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos ortográficos e/ou mor-fossintáticos é o que se objetiva com este descritor.

O texto analisado recorre à estratégia da repetição lexical (a chuva) com o propósito de suge-rir certa intensidade da chuva, bem como sua continuidade.

Assim, este é um item por meio do qual se pode avaliar se o aluno sabe identificar a função textual do recurso em foco, sabendo diferenciá-la de outras que também seriam possíveis pe-lo uso do mesmo recurso expressivo. Os alunos que marcaram a alternativa D souberam esta-belecer essa diferença.

Que sugestões podem ser dadas para melhor desenvolver essa habilidade?

As atividades de leitura e de análise linguística possibilitam ao aluno investigar diferentes fun-ções textuais produzidas por um único recurso expressivo e os diferentes efeitos de sentido que podem daí derivar. Temos, muitas vezes, a ideia equivocada de que a repetição de palavras e ex-pressões é um recurso típico de textos produzidos na modalidade oral, que indica falta de ma-estria no uso da linguagem. O recurso da repetição é, entretanto, estratégia que pode promover múltiplos e vários efeitos (por exemplo, topicalização, sequenciação textual, entre outros).

A partir das dificuldades apresentadas no item anterior, podemos sugerir atividades nas quais os alunos se familiarizem com a maestria do autor na construção da forma do texto, o que in-clui o domínio da linguagem. Esses recursos são bastante evidentes nas poesias, podendo ser explorados os aspectos formais que exercitam a percepção de marcas utilizadas pelo autor na construção do sentido.

Tópico VI – Variação Linguística

Descritores D13

Este tópico expõe o descritor 13, que avalia a habilidade do aluno de perceber as marcas lin-güísticas identificadoras do locutor e do interlocutor, assim como situações

de interlocução do texto e as possíveis variações da fala.

DESCRITOR 13 – Identificar as marcas linguísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de um texto

Que habilidade pretendemos avaliar?

As variações linguísticas, evidentemente, manifestam-se por formas, marcas, estruturas que revelam características (regionais ou sociais) do locutor e, por vezes, do interlocutor a quem o texto se destina. Essas variações são, portanto, resultado do empenho dos interlocutores para se ajustarem às condições de produção e de circulação do discurso.

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Um item relacionado a essa habilidade deve, portanto, centrar-se no reconhecimento das va-riações (gramaticais ou lexicais) que, mais especificamente, revelam as características dos lo-cutores e dos interlocutores.

Este item vai exigir do aluno a habilidade em identificar as variações linguísticas resultantes da influência de diversos fatores, como o grupo social a que o falante pertence, o lugar e a épo-ca em que ele nasceu e vive, bem como verificar quem fala no texto e a quem este se destina, reconhecendo as marcas linguísticas expressas por meio de registros usados, vocabulário em-pregado, uso de gírias ou expressões ou níveis de linguagem.

Exemplo de item:

O homem que entrou pelo cano

Abriu a torneira e entrou pelo cano. A princípio incomodava-o a estreiteza do tubo. Depois se acostumou. E, com a água, foi seguindo. Andou quilômetros. Aqui e ali ouvia barulhos familiares. Vez ou outra um desvio, era uma seção que terminava em torneira.

Vários dias foi rodando, até que tudo se tornou monótono. O cano por dentro não era interessante.

No primeiro desvio, entrou. Vozes de mulher. Uma criança brincava.

Então percebeu que as engrenagens giravam e caiu numa pia. À sua volta era um branco imenso, uma água límpida. E a cara da menina aparecia redonda e grande, a olhá-lo interessada. Ela gritou: “Mamãe, tem um homem dentro da pia”.

Não obteve resposta. Esperou, tudo quieto. A menina se cansou, abriu o tampão e ele desceu pelo esgoto.

BRANDãO, Ignácio de Loyola. Cadeiras Proibidas. São Paulo: Global, 1988, p. 89.

Na frase “Mamãe, tem um homem dentro da pia.” (ℓ. 9), o verbo empregado representa,

no contexto, uma marca de

(A) registro oral formal.

(B) registro oral informal.

(C) falar regional.

(D) falar caipira.

Percentual de respostas às alternativas

A B C D

35% 33% 26% 6%

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O que o resultado do item indica?

Este descritor pretende identificar as marcas linguísticas que evidenciam o locutor e o interlo-cutor de um texto. Neste item, pretendeu-se mostrar que o verbo ter usado no sentido exis-tencial é característico das situações marcadas pela informalidade

das relações familiares e cotidianas. Usou-se aqui esse recurso em uma situação de interação entre mãe e filha, personagens do conto.

Os alunos que assinalaram corretamente a alternativa B (33%) demonstraram ser capazes de identificar a relação entre o verbo ter existencial – que recebe valor semântico semelhante ao do verbo haver – e a situação comunicativa apresentada no texto.

Embora a resposta correta focalize, como fator de variação, a situação de comunicação,

deve-se ressaltar que, para escolher essa alternativa, o aluno precisou descartar fatores rele-vantes, como o falar regional e o falar caipira, respectivamente, alternativas “C” e “D”. U Um fa-tor dificultador é o uso generalizado de “ter” no lugar de “haver” em textos formais, inclusive.

Que sugestões podem ser dadas para melhor desenvolver essa habilidade?

O professor deve trabalhar com textos que contenham muitas variantes linguísticas, privile-giando expressões informais, expressões regionais, expressões características de certa faixa etária ou de uma época etc. O trabalho com variação linguística é essencial para o desenvol-vimento de uma postura não preconceituosa dos alunos em relações a usos linguísticos dis-tintos dos seus. É importante que o professor mostre aos seus alunos as razões dos diferentes usos linguísticos por diferentes grupos de falantes, para que eles adquiram a noção do valor social atribuído a essas variações. Podemos também trabalhar a variação linguística em grava-ções de áudio e vídeo de textos orais (por exemplo, programas de televisão), dramatização de textos de vários gêneros e em atividades com músicas de estilos variados (regionais, sertane-jas, entre outras).

Atividades de análise linguística a partir das quais os alunos possam refletir sobre a interferên-cia dos fatores variados, que se manifestam tanto na modalidade oral como na escrita, favore-cem o desenvolvimento dessa habilidade. Os fatores que intervêm no uso da língua e provo-cam tal variação são de ordem geográfica (em função das regiões do país e de seus espaços rurais e urbanos), histórica (o que envolve a época histórica de sua produção), sociológica (tais como classe social ou gênero sexual), de contexto social, entre outros.

Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/prova%20brasil_matriz2.pdf

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Anotações

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