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Assmann - Maquiavel
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01/05/2015 Jornal Floripa Total um jornal de opinião para ser lido
http://www.jornalfloripatotal.com.br/detalhe.asp?id=793&autor=SELVINO%20JOS%C9%20ASSMANN 1/4
Boa tarde Sextafeira, 01 de Maio de 2015
Relendo... NICCOLÒ MACHIAVELLI, Istorie FiorentineEdição: 23 / Por SELVINO JOSÉ ASSMANN
Nicolau MAQUIAVEL (Niccolò Machiavelli 14691527), famoso pensador italiano da...
... Renascença, além das mais famosas obras de política (O Príncipe, A Arte da Guerra,
Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio), e de peças teatrais como A Mandrágora,
escreveu, sob encomenda dos Medici de Florença, Istorie Fiorentine (Histórias de Florença). Esta
obra, a mais extensa escrita por Maquiavel, e bem menos conhecida em geral, quando publicada,
foi endereçada ao Papa Clemente VII.
Se O Príncipe apresenta a política a partir do governante, e os Discursos sobre a Primeira
Década de Tito Lívio o fazem sobretudo a partir dos governados, as Istorie Fiorentine mostram
um Maquiavel preocupado com sua cidade, o que o levou até a falsear fatos históricos para
argumentar melhor a favor de suas próprias teses políticas. Na passagem aqui traduzida,
aparece de forma muito evidente o que é considerado por alguns estudiosos a mais importante
marca da análise maquiaveliana: a tensão ou o conflito entre a natureza e a cultura, entre uma
natureza humana comum a todos, governantes e governados, e a política na sua pragmaticidade,
na sua temporalidade e contingência. Neste contexto, o discurso traduzido, feito por alguém que
poderia ser chamado “líder sindical” dos trabalhadores da lã de Florença, categoria numerosa na
cidade e na região, revela de maneira muito clara, transparente e dura o que Maquiavel pensa
dos seres humanos como tais – “a verdade efetual das coisas” também a respeito da natureza
humana.Talvez por isso Maquiavel nunca deixe de ser atual.
Sendo os homens como são, fizeram com que Florença chegasse a ser o centro mais importante
da política e da cultura e da arte européia durante a Renascença, com todos os seus artistas,
seus políticos, seus pensadores. Sendo como são, durante o governo dos Medici, também houve
conflitos entre os dirigentes da cidade, gerando uma crise política na cidade. Esta é a
“occasione” (a chance) de que se devem aproveitar os que sempre se sentiram governados e
oprimidos, e que sempre tiveram medo dos governantes e do inferno: também eles – porque os
homens sempre são iguais, independente do tempo e do lugar em que vivem devem abandonar
uma visão otimista da natureza humana, e passar a assumir uma visão realista. Sem ter em
conta essa visão bem realista, não é possível entender o que acontece, nem é possível realizar
qualquer mudança na situação existente.
MACHIAVELLI, Niccolò. Istorie Fiorentine. Libro III, par. 13. In: Tutte le Opere. Organizado
por M. Martelli. Firenze, Sansoni, 1971, pp. 700702.
(As passagens em itálico são do tradutor).
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01/05/2015 Jornal Floripa Total um jornal de opinião para ser lido
http://www.jornalfloripatotal.com.br/detalhe.asp?id=793&autor=SELVINO%20JOS%C9%20ASSMANN 2/4
Assim, os homens plebeus, tanto os que se dedicam à arte da lã quanto às outras [artes], pelos
motivos indicados, estavam cheios de indignação: acrescendose a isso o medo devido aos
incêndios e roubos feitos por eles, reuniramse de noite algumas vezes, falando sobre os casos
acontecidos e chamandose mutuamente a atenção para os perigos em que se encontravam.
Nesta circunstância, um dos mais corajosos e de maior experiência, para encorajar os outros, fez
o seguinte discurso:
Se agora tivéssemos que deliberar entre tomar as armas, incendiar e roubar as casas dos
cidadãos, saquear as igrejas, eu seria um dos que renunciaria a pensálo, e talvez aprovaria que
fosse preferível uma tranqüila pobreza a um ganho perigoso; mas tendo em conta que as armas
foram tomadas e muitos males foram feitos, me parece que se deve pensar em como não
renunciar às mesmas e em como podemos protegernos dos males cometidos. Acredito
certamente que, se nada mais nos ensinasse, que a necessidade nolo ensina. Vocês vêem toda
esta cidade [Florença] cheia de lamentações e de ódio contra nós: os cidadãos se reaproximam,
a Senhoria está sempre com os Magistrados: saibam que se estão armando ardis contra nós, e
novas forças estão sendo preparadas contra nossas cabeças.
Diante disso, nós devemos procurar duas coisas, e ter, em nossas deliberações, dois objetivos:
o primeiro é fazer com que não possamos ser castigados por aquilo que fizermos nos próximos
dias, o outro, é fazer com que possamos viver com mais liberdade e mais satisfação do que no
passado.
Por isso, na minha opinião, para que nos sejam perdoados os velhos erros, nos convém
fazer novos erros, duplicando os males, multiplicando os incêndios e os roubos, e preocupar
nos em contar para isso com muitos companheiros, porque onde muitos erram ninguém é
castigado, e as falhas pequenas são punidas, enquanto as grandes e as graves são
premiadas; e quando muitos sofrem, poucos procuram vingarse, porque as injúrias universais
são suportadas com mais paciência do que as particulares. O fato de multiplicarmos os males
fará, portanto, com que mais facilmente encontremos perdão, abrindonos o caminho para
alcançarmos as coisas que, pela nossa liberdade, desejamos ter. E pareceme que iremos ao
encontro de um ganho certo, pois os que nos poderiam impedir de o alcançar estão desunidos e
ricos: a desunião deles, por um lado, nos dará a vitória, e as suas riquezas, quando se tornarem
nossas, nos garantirão a manutenção da mesma.
Nem sequer nos deve impressionar aquela antiguidade do sangue de que eles nos repreendem,
todos os homens, tendo tido um mesmo princípio, são igualmente antigos, tendo
sido feitos, pela natureza, da mesma maneira. Fiquemos todos nus: vocês nos verão
semelhantes; ponhamse em nós as vestes deles e neles as nossas: nós sem dúvida
pareceremos nobres e eles ignóbeis, porque só a pobreza e a riqueza nos desigualam.
Lamento sentir que muitos de vocês se arrependem, por consciência, das coisas feitas, e que
procurem absterse de fazer coisas novas; certamente, se isso for verdade, vocês não são os
homens que acreditava que fossem, porque nem consciência nem infâmia devem aterrorizar
vocês; porque aqueles que vencem, qualquer que seja o modo como vencem, nunca
sentem vergonha disso. E nunca devemos ter em conta a consciência, pois onde existe,
como em nós, o medo da fome e do cárcere, não pode nem deve caber o medo do inferno.
Mas se vocês observarem a maneira de agir dos homens, poderão verificar que todos os que
puderam alcançar grandes riquezas e grande potência usaram ou a fraude ou a força; e que
depois disso, para encobrirem a brutalidade da aquisição das coisas que eles usurparam ou com
engano ou com violência, eles procuram parecer honestos apelando para o falso nome do lucro.
E aqueles que, ou por pouca prudência ou por demasiada estupidez, evitam tais
comportamentos, se afogam sempre na servidão e na pobreza; isso se deve ao fato de que os
Relendo... Olympe de Gouges (1791)Declaração dos direitos da mulher e da cidadãRelendo... NICCOLÒ MACHIAVELLI, IstorieFiorentine
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servos fiéis sempre são servos e os homens bons sempre são pobres; jamais saem da
servidão senão os infiéis e audazes, e da pobreza, senão os astutos e os fraudulentos.
Porque Deus e a natureza puseram todas as fortunas dos homens no meio deles, e elas estão
disponíveis mais às rapinas do que à industriosidade, mais às más do que às boas artes; daí
nasce o fato de os homens se engolirem um ao outro e sempre vão com o pior quem pode
menos.
Portanto, se deve usar a força quando nos é dada a ocasião. Ela não nos pode ser oferecida
pela fortuna maior, estando os cidadãos ainda desunidos, a Senhoria em dúvida, e os
magistrados estarrecidos; por isso, podem ser oprimidos facilmente, antes que se unam e firmem
o ânimo; assim, ou nós seremos completamente príncipes da cidade, ou teremos tanta
participação que não só os erros passados nos serão perdoados, mas teremos autoridade tal que
poderemos ameaçálos com novas injúrias. Confesso que esta alternativa é audaz e perigosa,
mas onde a necessidade aperta a audácia passa a ser vista como prudência, e ao perigo
nas coisas grandes os homens corajosos nunca dão importância, pois sempre acabam
premiadas as empresas que começam com perigo, e de um perigo nunca se sai sem
perigo. Mesmo assim eu acredito que, onde se percebe que estão sendo preparados os
cárceres, os tormentos e as mortes, se deve temer mais o ficar parado do que a busca de
segurança, pois no primeiro caso os males são certos, no outro são duvidosos. Quantas vezes
ouvi vocês se queixarem da avareza dos seus superiores e da injustiça dos seus magistrados!
Chegou a hora não só de vocês se libertarem deles, mas de se tornarem tão superiores aos
mesmos, a ponto de eles terem mais do que queixarse e temer de vocês do que vocês com
relação a eles. A oportunidade que nos é proporcionada pela ocasião voa, e em vão se procura
depois retomála, quando ela escapa. Observem os preparativos dos adversários: nós
preocupamos os pensamentos deles, e quem de nós primeiro vier a tomar em armas, sem dúvida
será vencedor, com a ruína do inimigo e a própria exaltação. Isso trará honra para muitos de nós,
e segurança para todos.
Essas persuasões acenderam fortemente os já para eles acesos ânimos para o mal, a ponto de
terem deliberado tomar as armas, depois de terem atraído mais companheiros para os seus
propósitos; e sob juramento assumiram como obrigação socorreremse mutuamente, quando
viesse a acontecer que alguém deles fosse oprimido pelos magistrados. Apresentação e
Tradução por Selvino José Assmann
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