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40 | Outlook | Sábado, 5.12.2009 VIDA Outlook | Sábado, 5.12.2009 | 41 José Manuel Galvão Teles “É uma loucura o que se passa na justiça” José Manuel Galvão Teles deu três conselhos ao seu cliente, José Penedos: que lhe contasse tudo sobre a Face Oculta, que não renunciasse ao cargo de presidente da REN e que nunca dissesse que tinha a consciência tranquila. “Todos os criminosos dizem ter a consciência tranquila” é a sua justificação. Entrevista de Francisco Teixeira e Susana Represas. Fotografias de Paula Nunes

José Manuel Galvão Teles “É uma loucura · juiz ouve cinco pessoas a dizer encarnado e outras cinco a dizer que é ... tempo e, quando comecei a ouvir o juiz de instrução criminal

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José ManuelGalvão Teles“É uma loucurao que se passana justiça”José Manuel Galvão Teles deu três conselhos ao seu cliente,José Penedos: que lhe contasse tudo sobre a Face Oculta, que nãorenunciasse ao cargo de presidente da REN e que nunca dissesseque tinha a consciência tranquila. “Todos os criminosos dizemter a consciência tranquila” é a sua justificação. Entrevistade Francisco Teixeira e Susana Represas. Fotografias de Paula Nunes

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perspectiva: estamos perante umapessoa inocente, injustiçada?Estou convencidíssimo que sim.

Em que estado fica a justiça no meiode tudo isto?Nesta crise da justiça, os principaisculpados são os portugueses em geral.

Porquê?Porque não têm o sentido de cidadania,de responsabilidade e de respeito pelostribunais e pela justiça como deviam ter.Todos os dias aparecem nos escritóriosde advogados, eu diria, à volta de 50%de clientes que não têm razão. O queacontece, na maior parte das vezes, éque o advogado fica a saber que o clientenão tem razão e mesmo assim aceitadefende-lo.

Mas todos, até os criminosos, têmdireito a ser defendidos.Mas a defesa não é para mentir. Vocêdeve dinheiro, pode dizer que paga maistarde ou que não pode pagar, há sempreuma justificação, nem que sejapsicológica. Pode até explicar que nãopaga porque é pobre. Não se pode émentir. Depois há um conluio entre ocliente e a defesa para se arranjartestemunhas que mentem e o pobre dojuiz ouve cinco pessoas a dizerencarnado e outras cinco a dizer que éverde, e tem de perceber quem é quetem razão.

Os juízes sabem fazer bem essadistinção?Os juízes portugueses devem ser a classemenos corrupta que há em Portugal.Têm bom senso, julgam com bom senso,e não são corruptos. Nós, advogados,temos uma deformação profissional e oMinistério Público também. Porexemplo no célebre caso de AntónioChampalimaud, o Ministério Públicoteve a coragem de defender a suaabsolvição. De facto, assim o impunha oprincípio da legalidade. Mas quantasvezes o Ministério Público actua destaforma? Pelo contrário, tem geralmenteum espírito acusatório sem sentido.

E esse espírito acusatório tem pordetrás uma vontade política?Eu, que também tenho um particulargosto pela política e me interesso pelasua prática quotidiana tenho dereconhecer que no fundo tudo é política.Quando os casos parecem ter umanatureza mais política, é evidente queisso também conta. Admito, sem terfeito quaisquer estudos, que no seio doMinistério Público há uma razoávelpercentagem de “ingenuidade”, háainda uns “amanhãs que cantam” queficaram da revolução do 25 de Abril, maso consequente abrandamento dos seusideais trouxe para muitos uma novaesperança: a de se conseguir esses“amanhãs” através da justiça, o que doponto de vista psicológico é natural, masdo ponto de vista quer político querjurídico é certamente errado.

Demorou algum minuto a decidir seaceitava defender José Penedos nocaso Face Oculta?Costumo dizer a todos os clientes queme devem contar a “história” toda,com todos os pormenores, nunca hádetalhes a mais. E acrescentava quenaquele momento era fácil escolheroutro advogado, tão bom ou melhor doque eu, mas se no meio do processo ahistória que me foi contada não

As associaçõessindicais dejuízes emagistradosocupam quasemais tempo nacomunicaçãosocial do queo Benfica,Sporting ePorto juntos“E

Em Aveiro, quando ouviu o juiz deinstrução criminal suspender o seucliente, José Penedos, arguido naFace Oculta, porque decidiu escreveruma declaração escrita?Consigo fazer duas coisas ao mesmotempo e, quando comecei a ouvir o juizde instrução criminal a ser coerente noerro, isto é, errado do princípio ao fim,fiquei num estado de alguma irritaçãopela injustiça cometida e alinhavei entãouns breves apontamentos à mão. Senti anecessidade de o fazer porque precisavade ser forte e justo, sem correr o risco deentrar em polémicas de que o MinistérioPúblico gosta muito e que normalmenteterminam com queixas em tribunal porparte dos magistrados (o que, aliás, atéme honra muito). Tudo isto, porque oMinistério Público se sente ofendidocom as minhas palavras. Sucede que emalguns processos me vejo obrigado adizer que o Ministério Público se ocupado assunto de forma incompetente. Elesdizem que não lhes posso chamarincompetentes, eu acho que sim, desdeque o juízo recaia sobre o trabalho emquestão. Eles não gostam, acham quesão uma espécie de filhos de Deus,detentores da verdade, enquantosupostos órgão de soberania, e, por isso,tive um certo cuidado. Quis ter umalinguagem defensável.

Pediu autorização à Ordem dosAdvogados para falar?Eu nunca quis fazer políticaprofissionalmente. Sou advogado, fizsempre advocacia com convicção epaixão. A principal virtude dosadvogados é saber escolher a defesa dequem tem razão, de quem merecejustiça. E defendê-lo com grandeconvicção. Ser submetido a julgamentojá é mau, mas se se for inocente ainda épior. Mesmo nos casos mais mediáticosem que tenho tido participação, nuncafalei sem autorização da Ordem dosAdvogados. Foi, entre outros, o caso dajuíza Fátima Galante, acusada peloMinistério Público da prática de umcrime de corrupção no exercício dassuas funções, o que é gravíssimo. Mas aSenhora Juiz não foi sequerpronunciada, apesar do recurso doMinistério Público para o SupremoTribunal de Justiça. Foi de igual modo ocaso do Eng.º Carlos Melancia, entãoGovernador de Macau, também eleacusado de corrupção e que,obviamente, nunca foi condenado,apesar dos sucessivos recursos doMinistério Público. Com vêem, muitasvezes não são os advogados que atrasamos processos.

Em relação a José Penedos no casoFace Oculta, mantém a mesma

José Manuel Galvão Telesnão foge ao apelido.É advogado, sportinguistae determinado. Diz quetem mau feitio e que estáfarto de ver as violaçõesde segredo de justiçapassarem impunes.Defende José Penedosno caso Face Ocultae critica o estiloprossecutório doMinistério Público.Aos juízes deixa elogiospelo bom senso, e sobrea justiça uma avaliaçãomordaz: “É uma loucurao que se está a passar”

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correspondesse à verdade, eurenunciaria ao mandato. Não disse istoao eng.º José Penedos…

Não foi preciso?Por um lado, porque já o conhecia; poroutro lado, porque nós fomoschamados a tomar conta do caso nãopelo engº Penedos, mas pela própriaREN. Somos advogados de referênciada empresa e quando foram alvo dabusca judicial fomos chamados comurgência pela própria ComissãoExecutiva da REN. Acabámos por ser,naturalmente, advogados de JoséPenedos sem que da parte dele tivessehavido um convite expresso, mas simna sequência dos serviçoshabitualmente prestados à REN. Nãohouve portanto nem ocasião nemnecessidade de com ele termos areferida conversa. Conheço váriaspessoas que o conhecem bem e que têmfalado comigo, garantindo-me aquiloem que acredito: é uma pessoa séria eestá inocente.

Entrou sempre no Tribunal de Aveirobem disposto até ao último dia emque estava com um ar visivelmenteincomodado. A decisão do juizdesiludiu-o?Apesar desta longa experiência, deadvocacia e de vida, convenci-me deque não seriam aplicadas aquelasmedidas de coacção. Convenci-me. Ofacto de o juiz de instrução criminal seter distanciado das medidas de coacçãoque foram promovidas pelo MinistérioPúblico em relação ao Paulo Penedos,filho do eng.º José Penedos,descansou-me quanto a umapreocupação que tinha: a de que opensamento do juiz de instruçãocriminal andasse a par das intenções doMinistério Público. O juiz alterou de250 mil para 25 mil euros a caução dePaulo Penedos e alterou também aacusação de dois para apenas umcrime.

Apesar dos 50 anos que leva comoadvogado foi surpreendido. Porqueescreveu “é-me difícil encontrar”uma decisão tão injusta?Lembro-me que tive cuidado com essaexpressão, pois não posso dizer queseja a pior decisão com que já fuiconfrontado, talvez a da juíza FátimaGalante, por exemplo, seja maisofensiva. No caso Melancia, ao fim desucessivos recursos, perdidos peloMinistério Público deparei-me com umhomem destruído, em quem muitagente confiava e que podia ter tido umfuturo brilhante mas que, injustamenteacusado de corrupção, não tinharesistido ao implacável julgamentopopular que lhe foi montado.Ainda hoje, a propósito do caso FaceOculta, os comentadores parecembrincar com a justiça e a comunicaçãosocial também. Mas com a honra daspessoas não se brinca.

E isso começa pela violação dosegredo de justiça?É evidente. Eu com a idade estou a ficarmais intransigente e costumo dizer queestou farto de me queixar contra“terceiros”, gostava sim de verapanhados os “primeiros” responsáveis.Porque na generalidade dos casos quedefendo, tenho feito queixa contra“terceiros”, (“contra desconhecidos”),porque não sei quem violou o segredode justiça e recebo sempre a notícia de

A REN não temo capital muitodisperso,isto é, o títulotem poucaliquidez.Se tivessetinha sidouma tragédia.E quem é quepaga isso?“

que o processo foi arquivado.O Ministério Público conseguedescobrir muitos crimes, felizmente,mas quanto a este crime tem sido difícilencontrar os responsáveis, salvoquando são jornalistas.

Quem são os responsáveis pelaviolação do segredo de justiça?Acho que seria fácil descobrir osresponsáveis se o Ministério Público,de tempos, a tempos escutasse todas aspessoas que têm contacto com oprocesso. Sabiam logo. Têm tantaescuta, estão tão ocupados a escutartoda a gente (até a mim se calhar) têmtantos aparelhos ocupados, que deviamera colocar esses aparelhos e escutá-losa eles próprios: Ministério Público,Polícia Judiciária e funcionáriosjudiciais. Muitas vezes podem ser osadvogados, que não são melhores nempiores, mas existem muitos processosque estão em segredo de justiça e queaparecem nos jornais antes mesmo dosadvogados terem conhecimento doprocesso.

Acha que temos um sistema penalque dá muitas garantias aosarguidos?Também não é tão garantístico quantoisso. Eu peço muitas vezes a litigânciade má fé (há quem diga que tenho umfeitio difícil), mas a verdade é quemuitas vezes vê-se mesmo que astestemunhas estão a mentir. Os juízesnão utilizam o poder que têm,querem-no mas não o utilizam. Eureforçava os poderes dos juízes porqueé a única maneira de termos umajustiça mais célere. Senão éimpossível. Outro exemplo, é o doabuso das testemunhas abonatórias, oque é ridículo. É à portuguesa…

Defende que o juiz tenha mais poderdo que o Ministério Público?Não me queira liquidar junto doMinistério Público. Não me vou meternisso. Acho que o Ministério Público, aexistir com o estatuto actual, tem deter autonomia e independência. Mas oMinistério Público, embora estejasubmetido a uma hierarquia, estásempre em constante conflito: criticao PGR, discute a Constituição,menospreza todas as leis e opina sobreprocessos em curso. E, isso, é que jánão cabe nas suas funções.

E o PGR não tem mão nisso.Não queria entrar por aí. Mas, de facto,é uma loucura o que se está a passar.Este clima, em grande parteinflacionado pela Associação Sindicalde Juízes, pode estar a criar uma dasmaiores crises do Estado Democrático.

Temos a suspeição da classepolítica. O que lhe parece?Acho extraordinário que os doissindicatos (a Associação Sindical deJuízes e o Sindicato do MinistérioPúblico) ocupem quase mais tempo nacomunicação social do que o Benfica,Sporting e Porto juntos. Estãoconstantemente nas televisões ejornais a vitimizar-se, a por em causatudo aquilo que não lhes agrada.

Acha que falam demais?Mal e demais. Já estão, por exemplo, afalar na revisão da Constituição, que sódeverá ter lugar daqui a dois anos.

Mas como se inverte estacaminhada em passos largos para acrise?Tem de haver intervenções a sériosobre a justiça e é preciso trazer aspessoas para este debate. Por isso, nãoestou disposto a assistir passivamentea que isto continue assim. Será o fim.

Estamos perto do fim?Estamos numa situação má.

É um advogado experiente econhece praticamente todas aspessoas que têm valor acrescentadoa falar sobre a justiça. Vai fazeralguma coisa?Temos um auditório lá em baixo [noprimeiro andar da Morais Leitão,Galvão Teles, Soares da Silva eAssociados] e gostaria de pôr aspessoas a discutir os problemas dajustiça. Gostava de ir buscar homens emulheres (os senadores, no bomsentido da palavra, de que vocêsfalam) que continuam a ter influênciano país para obrigar os partidos,também, a tomar consciência de todosestes problemas. Temos um Ministro

O MinistérioPúblicoconseguedescobrirmuitos crimes,felizmente.Mas quantoà violaçãodo segredode justiça temsido difícilencontrar osresponsáveis,salvo quandosão jornalistas

“Reparei que tem no seu gabinetetodos os jornais do dia. Tem tido apreocupação de ver o que dizem osjornais sobre a Face Oculta?Eu sou surpreendido muitas vezes. Já li“Rolexs tramam engenheiro” masnunca li a palavra Rolex em nenhumaparte do processo. Só se têm lá essaparte guardada, não sei. Tenho ideiaque a comunicação social tambémcomeça a atirar para o ar.

Mas como é possível compatibilizaro tempo da justiça com o tempo dosjornais e da informação?A sociedade civil e a comunicaçãosocial têm um ritmo acelerado, mas ostribunais não andam ainda a esse ritmoe têm de se adaptar. A forma de o fazeré complicada. Por exemplo, perante aenorme pressão para que José Penedosrenunciasse, eu aconselhei-o sempre anão suspender funções e assumo essaresponsabilidade, embora a decisãotenha sido exclusivamente dele. Se elesabe que está inocente por que é quehá-de pedir a suspensão? Não

compreendo bem! O caso Casa Piaensinou a todos os portugueses umbocado de direito mas devo dizer que émelhor não saber nada do que saberpouco, porque assim os portuguesespassam a julgar que sabem tudo. Masnão sabem que a constituição dearguido é para defesa do próprio.Passaram, sim, a saber que era fácilconstituir alguém arguido, basta umacarta anónima. Eu, aliás, disse a JoséPenedos para não dizer que tinha aconsciência tranquila. Nunca. Dá-me asensação que todos os criminososdizem que têm a consciência tranquila.É como aqueles jogadores que quandocometem uma falta põem logo osbraços no ar. Se eu fosse árbitro e visseos braços no ar tinha logo a tentaçãode marcar pénalti, porque dá asensação de culpabilidade. O eng.º JoséPenedos sabe que não cometeunenhum crime, sabe que élegitimamente presidente de umaempresa e, de repente, pressionam-nopara pedir a suspensão? Porquê? O queganha com isso? Quem é que ganha

com isso? O Estado? E arranjou-selogo um problema, porque no diaseguinte ele tinha uma reunião doConselho de Administração emEspanha, em que a REN se deveriafazer representar mas não podiaporque não tinha sequer sidonotificada da decisão do tribunal.

A empresa foi muito afectada?A REN não tem o capital muitodisperso, isto é, o título tem poucaliquidez. Se tivesse tinha sido umatragédia. E quem é que paga isso? OMinistério Público, o juiz ou osjornalistas?

Mas afinal de contas o que falta àjustiça para funcionar bem?Diria que isso passa essencialmentepor uma educação cívica que demoraanos, mas também por uma preparaçãodos profissionais, dos advogados, dosmagistrados. O CEJ é muito importantee os juízes devem ter mais poderespara actuarem no decurso do processo,que é demasiado formal e burocrático.

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MAKING OFFJosé Manuel Galvão Teles sabe receber.

Antes da entrevista e do almoço que nosacompanhou, levou-nos a conhecer o

edifício da Morais Leitão, Galvão Teles,Soares da Silva e Associados.

Começamos pelos quadros que tem noseu gabinete e parámos, atentamente, na

entrada da firma onde está exposto umquadro de Nikias Skapinakis, cedido

temporariamente pela FundaçãoSerralves. Depois conhecemos o auditório

João Morais Leitão, em homenagem aoseu colega de curso. Terminaram direitoem 1960, fundaram a firma em 1993. O

seu amigo João, morreu em 2006.

da justiça que é um óptimo jurista, umóptimo politico, e uma pessoa de bem.Há que aproveitar o momento.

A Associação Sindical de Juízesatacou a presença do seu colega RuiPatrício, na última reunião doConselho Superior de Magistratura.O que lhe pareceu esta crítica?Acho anormal! Acho irresponsável. Aquestão que se coloca é a documprimento da lei. Se a lei autoriza eé igual para todos por que é que estecaso é diferente? Por que incomoda aassociação sindical? São os juízes amostrar uma parcialidade e umacasualidade inacreditáveis. Eu,pessoalmente, tenho defendido, desdehá muito que os membros do ConselhoSuperior de Magistratura deveriamestar em exclusividade. Mas é a minhatese. A Associação Sindical de Juízesgosta de se substituir ao Executivo, aolegislador, pensa que tem a verdadetoda e proclama-a ao país.

Jorge Sampaio apelou àresponsabilidade de todos.Reconhece-se neste pedido?Sim, seria uma das pessoas que gostariaque interviesse, para que o país possacontar com uma palavra de bom sensosobre um problema que também opreocupa muito. Cunha Rodrigues eraoutro dos nomes, é certamente uma daspessoas que melhor conhece osproblemas da justiça em Portugal.

Os políticos continuam a estar sobpermanente escrutínio e suspeitapor parte da justiça. É possível umGoverno viver debaixo deste clima?Acho que é muito difícil e deixo aminha homenagem ao primeiro--ministro, porque que tem tido umagrande capacidade de resistência. Nãoconheço os casos concretos, mas o quesei é que uma pessoa não pode viversob suspeição. O direito fez-se para seraplicado com base em factos e não emmeros pressupostos. Por isso, é que háa presunção de inocência. Eu acho que

Ao que parecesurgiu agorauma outrafigura jurídica,inventadanestepaís: a do“pré arguido”“

Nova Iorque a convite de MeloAntunes.

Integrou o MES?Costumo dizer que estivemos no “pré--MES”, porque saímos no primeirocongresso constitutivo.

Considera-se um homem de esquerda?Da esquerda clássica e socialista?No 25 de Abril entendíamos que ospartidos socialistas da época (diferentesdo que são hoje) deveriam conciliar ademocracia representativa comaspirações socialistas. Nessa alturacombatemos o PCP que não aceitavaaquilo a que chamava a democraciaburguesa. Em qualquer caso em 1974houve uma oportunidade única de fazeressa experiência.

Sempre foi a tribunal.É um “advogado de barra”?Não havia outra advocacia quando eucomecei a exercer. Trabalhei com o meutio que era um grande advogado, o JoséMaria Galvão Teles, e tive uma escola deadvocacia muito boa e muito exigente.Tive a sorte de trabalhar com um grandeadvogado e de não ter de andar aprocurar clientes. É evidente que tinha onome feito – Galvão Teles –, o que contamuito. Hoje costumo dizer aosadvogados mais novos que uma acçãoganha-se na forma como se conduzem asprimeiras reuniões com os clientes. Temde se descobrir se o cliente tem razão ounão, e só aceitar os clientes que têmrazão ou defende-los mas apenas namedida da sua culpa.

Sabe quantos clientes teve?Não tenho essa contabilidade feita.No outro dia um colega meu, mais novo,estava a criticar os juízes e as decisõesque tomam, e eu dizia que não sinto isso.Tenho a impressão de que muitosadvogados pegam nos casos sem estudaro assunto. Posso dizer que tive a vidafacilitada, tinha um nome na praça, feitopelos meus tios, que sempre procureinão estragar.

deve haver respeito por todas e cadauma das decisões judiciais. Enquantose é arguido, há uma simples suspeiçãoque não tem sentido nenhum do pontode vista social. Ao que parece surgiuagora uma outra figura jurídica,inventada neste país, que é a do “pré--arguido”. Relativamente aoprimeiro-ministro – entretantoconstituído “pré-arguido” – então asuspeita é zero: não vale nada. Quem alança talvez devesse encarnar umafigura jurídica nova do processo penal:a do “automaticamente condenado”.

Há uma campanha contra Sócrates?Eu tenho grande admiração e respeitopelo senhor ministro da Economia quefalou em “espionagem política” nocaso Face Oculta. Acho que é umhomem muito sério e competente e seele me quiser por ao lado dele, tenhomuito gosto. Se for a julgamento, e nãosendo o seu advogado, aceitarei commuito gosto ser co-arguido. Há umaquantidade de factos estranhos emtodo este processo. Há nexos decausalidade que não se compreendem.A expressão que ele utilizou foi a maiscorrecta? O que interessa é ter sido umhomem sério a dizer o que sentia e eusubscrevo totalmente a ideia. Mas nãofui ao dicionário ver o que quer dizer“espionagem política”. Acho que onosso Ministério Público e os nossospolíticos vêem muitos filmes policiais.

A frase de Vieira da Silva pode servista como espionagem da justiçaou uma campanha política.Reconhece-se em alguma dessasideias?Todas estas violações do segredo dejustiça são estranhas e alguém agiumal. Não sei quem, mas cabe aoMinistério Público descobrir.

Formou-se em 1960. Sempreexerceu advocacia?Desde 1961 o único ano em que nãoexerci advocacia foi quando fuiembaixador nas Nações Unidas, em