51

José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura
Page 2: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

PREFÁCIO

Tentarei fazer este pequeno relato sobre a minha vida de maneira intuitiva, pois não sou literato. Desculpe-me se não conseguir expressar- me claro e objetivamente sobre este terna, que, diga-se de passagem, é subjetivo. Não tenho formação acadêmica, e nem disponho de recursos técnicos. De início, sou franco em dizer, minhas idéias causarão grande controvérsia dentre a psiquiatria. Porém acredito que tenho bagagem e experiência o suficiente para transmiti-lo sem constrangimento nem receio.

Procurei, de maneira insistente, nas minhas poucas possibilidades, encontrar, em livros, jornais escritos, telejornais, em conversas com psiquiatras, psicólogos, médicos, padres, algo que tratasse deste assunto. Mas, em seis anos dessas buscas incessantes e intrigante surpresa, encontrava sempre portas fechadas. Porém com uma informação aqui, outra ali, outra mais adiante, pude chegar à conclusão de meu caso ser, como sempre achei desde o início, um baita trauma infantil. Só agora pude, com muito sacrifício, juntar todas as pedras deste fantástico QUEBRA-CABEÇA.

Foi como um toque de mágica e com a ajuda divina que eu fiz este próximo parágrafo, que denominei sugestivamente, caracteristicamente e conseqüentemente de O LOUCO. Depois que o li, senti-me ainda com mais estímulo para realizar esta tarefa, que para muitos é louca, mas, mesmo assim, não hesitei em realizá-la. Digo logo que será de grande questionamento dentre alguns espertos.

O LOUCO

Não fique aí parado, porque você pode ser atropelado. Ninguém fica com tanta coisa na cabeça sem ter um objetivo para o desenvolvimento dessas idéias, que para muitos são malucas, mas os poucos que não são malucos também as ignoram, pois não têm confiança em si próprios, imagine confiar em subjetividade alheia, mesmo com explicações que só poucos dos poucos que não são loucos entendem. Aí sim, chega-se ao desenvolvimento dessas idéias e às suas verdadeiras conclusões, para que assim os muitos loucos as entendam e usufruam delas da maneira infantil que lhes é peculiar nesses tem as. Mas os poucos que não são loucos continuam sempre com novas idéias loucas, e assim continua ciclicamente a loucura humana. Bonito, não?

Não poderia esquecer de desejar a... Neste momento tão oportuno, felicidades, como quando o fiz no fim do ano de 1998. FELIZ NATAL...

Sou maníaco depressivo, com “tudo que tem direito”, como me dissera um certo dia o meu ex-psiquiatra. Após seis anos de luta solitária e de bastante sofrimento, principalmente moral e afetivo, e caminhando como um peregrino solitário, mas incansável na busca de informações que tratassem a respeito deste caso que só quem sabe de seus sofrimentos e suas conseqüências é quem convive ou conviveu com eles, como eu há muitos por aí, com esse tamanho trauma infantil. Digo isso com total convicção de quem conviveu carregando este trauma de maneira progressiva, embora sutil, em quase toda a existência e só aos trinta e três anos apresentou-se bruscamente.

Hoje, seguramente, só hoje, fazendo uma retrospectiva de minha vida, constato claramente que houve uma progressão lenta que os psiquiatras denominaram de P.M.D (psicose maníaco depressivo ou distúrbio bipolar) e que ultrapassou os limites de minha tolerância humana aos meus trinta e três anos, causando em mim, ainda mais, em um período de seis anos, um dos maiores sofrimentos suportáveis a um ser humano.

Page 3: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Hoje, 16 de junho de 1999, com um computador emprestado de meu irmão Joaquim Teixeira Neto, em uma mesa improvisada aqui no quarto de meu amado filho, Gabriel, estou escrevendo este livro. Peço a Deus, todo instante, para que ajude-me nesta tarefa e que me dê à sabedoria necessária para transmitir, de maneira clara, esta tarefa que eu, considero um dever cumprido, e digo e repito desde já, será de grande controvérsia entre a psiquiatria. Mas, mesmo assim, tenho perspicácia, experiência e convivência até de sobra para fazê-lo. Tenho esta total certeza e convicção de quem foi seu próprio e muitas vezes, indiretamente e cobaia durante sofridos seis anos e que, principalmente, serve corno exemplo, como alerta, para muitos e muitos pais desavisados que existem por aí, como o meu foi. Para que não façam agressões a seus filhos, como aquelas de que fui vítima e/ ou outros mais. Preservem seus filhos desta possível e evitável loucura louca, loucura mesmo, trate-os com amor e carinho.

1° Parte

PRÉ-INFÂNCIA

1. Timbaúba dos Batistas, minha terra natal

Sou filho de urna família que tem suas raízes em pleno sertão nordestino, precisamente na região do Seridó, aqui no estado do Rio Grande do Norte, urna terra esquecida pelos nossos governantes desde muitos e muitos anos. É uma região muito sacrificada pela seca que assola, quase que constantemente, o nosso povo, com períodos prolongados de grande estiagem, deixando-o desesperado com a falta d’água até para o seu próprio consumo.

Os nossos governantes aproveitam, até hoje, esta situação tão sofrida, para usarem corno cabide de votos em suas mirabolantes eleições, reeleições e por aí vai. Digo isto porque no tempo de minha infância convivi na pele este drama de muito perto e só quem tem essa convivência é que sabe de maneira intrínseca a verdadeira razão da sobrevivência humana Porém, com todas essas adversidades a nossa gente tornou-se intrépida para suportar essas inconveniências e eu não fujo desse princípio que considero imprescindível principalmente hoje com a globalização nos mostrando a competividade sempre mais acirrada, mas bastante proveitosa para todos nós.

Timbaúba dos Batistas na época do meu nascimento era ainda distrito da capital do Seridó, Caicó. Tornou-se emancipada no início da década de sessenta. É uma cidade lá com seus dois mil habitantes, incluindo também toda a área rural e alguns passantes que na época do recenseamento estavam por lá. Cidade muito pequena, porém hospitaleira, encravada no semi-árido nordestino com poucos meios de sobrevivência: agricultura e agropecuária de subsistência. Mas tem o melhor bordado artesanal do Brasil e quem leva essa fama indisputável é Caicó.

Timbaúba dos Batistas é urna cidade onde ai hoje o progresso demora a chegar; a energia elétrica só chegou em 1968. Antes a energia era gerada a motor a diesel, que ficava localizado em uma garagem antiga e dali partia a distribuição precariamente para todo o povoado, que ficava às escuras a partir das 21 h. A iluminação só voltava a funcionar no dia seguinte às 18h. As poucas geladeiras existentes naquela época eram movidas a fogo de querosene. A televisão, para assombro de todos, só chegou depois, lá pelos idos de 1975 mais ou menos. Com a chegada da energia vinda da hidroelétrica de Paulo Afonso, quando da sua inauguração, a cidade toda vestiu-se de festa, com luzes enfeitando todo o povoado, sem interrupção Foi um deslumbramento geral para toda aquela comunidade. Foi uma festa da qual eu participei e via de perto, no rosto de todos, simplesmente alegria, fascinação

Page 4: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Timbaúba dos Batistas é urna cidade onde a população trabalha quase que exclusivamente em serviços públicos existentes; outros como eu, são aposentados. As mulheres com suas máquinas de bordar são quem, em algumas casas, dão o sustento da família. Os que trabalham na agricultura e pecuária de subsistência, após os seus afazeres, juntam-se nos muitos botequins existentes para prosearem, principalmente sobre a vida alheia, sempre puxada a urnas e outras doses de cachaça. Eu participava muito daquelas diversões. Uns exageravam em seus aperitivos diários, mas sempre de maneira divertida e com muitas gozações.

No final do ano comemora-se a festa religiosa na igreja, bonita, grande, bem centralizada que a população construiu em 1952, e que tornou-se um orgulho para toda aquela gente. Tem como padroeiro São Severino Mártir, o protetor espiritual da cidade.

Esta festa, além de ter, principalmente como ponto referencial a parte religiosa, serve também corno ponto de convergência de todos os nossos conterrâneos que buscaram sua sobrevivência em centros urbanos mais avançados os quais têm então, a oportunidade de colocarem a agenda em dia com seus familiares, conterrâneos e amigos.

Durante a festa ma pracinha em frente à igreja, fazem-se leilões de produtos típicos da região, como, doces, bolo, galinhas assadas puxadas sempre a cervejas. Há até leilão de pizza. Eu, particularmente acredito que aprenderam a prepará-las lendo jornais e assistindo aos telejornais que diariamente são transmitidos pelas TVs, justamente agora com essa onda de privatizações, mas, as pizzas de lá são preparadas em fornos de fogão a lenha, não são como as que costumeiramente assistimos fazerem nos jornais e telejornais diários; aquelas, fazem-nos aumentar o colesterol orgânico; estas, o colesterol compulsório da pobreza, da educação, da saúde, da segurança e da indignação de uma comunidade, de um povo e de urna sofrida população. Há também parque infantil onde a criançada faz sua festa com muita diversão. A alegria é geral.

Pelo que vemos nos telejornais, a maioria dos nossos governantes, em escala decrescente, então usando da improbidade administrativa como urna pessoa comum torna seu cafezinho diário rio boteco da esquina. Acham, acredito eu, ser honroso, exemplar, para um representante de um povo ou de uma comunidade A isso falo esclarecidamente e embasado nos duelos e nas guerras explícitas pelo poder, que são travados por eles, e que são de conhecimento dos que, sem querer, encontram em seus pronunciamentos diários, em TVs e jornais, explicitamente a verdadeira e simples razão, provocando conseqüentemente, um efeito cascata, embusteiro diretamente inserido e sorrateiramente humilde, mas, desastrosamente feroz em seus pobres e teleguiados seguidores, ávidos e conseqüente seguidores. Simplesmente lamento tamanha e indesejada gastronomia. Ê pura indignação para um povo que espera de seus governantes, simplesmente, os direitos inerentes à cidadania humana: justiça, paz, saúde, educação, segurança, para que tenha uma vida não sofrida, única, e não a que leva, provocada por má digestão de certos políticos inexoráveis e indesejados donos do poder.

Timbaúba dos Batistas a minha cidade natal, pacata, típica do interior do sertão nordestino, onde eu passei a maior parte da minha infância, vindo, depois, como muitos outros, procuram melhores condições de estudo e sobrevivência em um centro urbano mais avançado.

VIDA

Timbaúba dos Batistas, onde tudo começou. Encavada num deserto, mas com um brilho de uma flor.

Page 5: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Terra de minha infância querida, mas com uma chama imbuída, que só Deus a imolou, em um ponto... feneceu. Mas, muito tempo depois voltou, no resplandecer de uma dor, de uma vida. Terra de Deus amor. Terra como a vida, Terra muito sofrida, Onde só Deus não duvida, como a vida,como o amor. Terra da minha vida, de minha infância querida. Terra de um Deus amor, onde tudo começou. Onde só Deus não duvida, como a vida, como o amor. Terra de minha vida, De minha infância querida. Terra de Deus amor, onde tudo começou.

2. Tamanduá, o sítio dos avós paternos

No pequeno sítio Tamanduá, distante uns três quilômetros de Timbaúba dos Batistas, nasceu e criou-se o meu pai, José Damasceno Batista, filho de João Damasceno Batista e de vovó Chiquinha, como era carinhosamente chamada pelos seus netos. Vovô João e vovó Chiquinha criaram com dificuldade os seus filhos: João, Manoel, Carlos, Francisco, Amilda, Lieta, Guilhermina, Brígida, Cecília, e a Lenice (quase não termina a lista), e sempre trabalhando na agricultura e na pecuária de subsistência, enfrentando as dificuldades de pequeno proprietário rural, em uma região onde a seca supera os períodos de chuvas.

Se hoje encontramos dificuldades em educarmos nossos filhos, de encontrarmos vagas nas escolas públicas, imagine sessenta anos atrás. Eu fico imaginando, quando papai conta-me as mirabolantes façanhas para driblar as dificuldades encontradas naquela época para chegar à conclusão da quarta série do 1° grau. Só com muita vontade de estudar é que consegue tamanho êxito.

Vendo que as condições no sítio não era lá estas vantagens todas, meu pai foi convidado para trabalhar em urna mercearia em Timbaúba dos Batistas, aceitou de imediato o convite, com o aval de meu avô. Foi naquela época, em que ele ainda era muito jovem, que teve início a sua trajetória comercial. Trabalhou como empregado muitos anos. Vendia de tudo, até cachaça, certas horas da noite, sendo importunado, muitas vezes, em seu sono para tal fim. Fez suas economias, seu pé de meia, e iniciou o seu próprio negócio com a ajuda de seu então sogro, Joaquim Teixeira de Melo, que lhe emprestou alguns contos de réis. Iniciou a vida a dois, também no comércio, com a minha saudosa MÃE, JUDITH, e com um sócio, meu tio. Começaram, em uma sala alugada, a sua pequena loja de tecidos: compravam essas mercadorias na cidade do Recife e as revendiam. Foi assim que meu pai iniciou a sua trajetória comercial cm Timbaúba dos Batistas, e passou boa parte de sua vida sendo pequeno comerciante.

A sociedade que ele mantinha era com meu tio José de Araújo Teixeira, Ceuzinho. Meu pai e ele eram também paramédicos timbaubenses, tio Dedé, como nós o chamávamos, é uma pessoa de voz grave, risada aberta, larga, um gozador. Era, na época, solteiro, farreador;

Page 6: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

jogador de pif-paf, um verdadeiro boêmio. Por conseguinte, não cumprindo com suas atribuições de sócio, resolveram meu pai e ele, de comum acordo e com estabilidade de ambos, desfazerem a sociedade.

Quase todos os anos quando nos reunimos na nossa casinha de praia em Búzios, uma das nossas melhores Praias aqui do nosso imenso e belo litoral para passarmos o veraneio, tio Dedé nos acompanha nas churrascadas e, quando indagado com o seu peso, responde satisfeito e orgulhoso que tem oito arrobas bem distribuídos em seus 1,65cm de estatura. E um gozador nato, até de si mesmo.

Joaquim Teixeira de Melo, meu avô materno, foi uma pessoa de estatura mediana, meio acaboclado, forte, conversador. Pelo que me dizem, tinha também os seus distúrbios de humor em pequena escala, embora, nunca tenha precisado tomar remédios para suas depressões e gastadoras manias. Casou-se quatro vezes. Acredito eu, que não gostava de ter muitos sogros, Pois casou-se com três irmãs. No primeiro casamento, com Dona Clotildes, minha avó materna, tendo corno filhos minha saudosa MÃE, JUDITH, Francisquinho, Manoelzinho, e M. Clotildes. No segundo, casou-se com Silvina Cristina, e teve como filhos Ceuzinho e Dona Edite; No terceiro casou-se com Dona Otília, mas não teve filhos. No quarto e último, não tendo mais irmãs com quem casar, casou-se com Maria Laura, viúva de Nicácio Oliveira, seu cunhado dos três primeiros casamentos.

Dizem que, quando a mulher do terceiro casamento faleceu, como acontecera nos dois primeiros, o seu cunhado Nicácio disse “Quero ver com quem Joaquim Teixeira vai casar-se, pois não tenho mais irmãs”. Veja como é a nossa vida!

3. A grande perda

Quando buscava informações sobre a minha família, para fazer este relato, conversando com Dona Adélia, viúva do saudoso tio Francisco, adquiri, para a minha surpresa e admiração o que ela tinha guardado, com o todo o carinho, lá no fundo do baú, o original do jornal A FOLHA, da cidade de Caicó, do dia 10 de junho de 1961, em cuja coluna diária do Padre Itan expressara o seu pesar pelo falecimento de minha MÃE. Transcrevo nesta hora tão oportuna, na integra, este verdadeiro tributo à memória de minha MÃE. Hoje eu assumo a guarda dessa verdadeira relíquia, desse verdadeiro presente tão estimado, tão íntimo e que tanto me comoveu.

COMENTÁRIOS AVULSOS

“MORREU CUMPRIMDO O SEU DEVER...”

DEDICAMOS esta coluna, hoje a memória da senhora Judith Teixeira de Araújo, falecida no hospital do Seridó, ainda esta semana. Não chegamos mesmo a conhecê-la pessoalmente. Fomos apenas informados do que significou a morte de Dona Judith. Alguém chegou mesmo dizer. “Morreu a mãe da povoação de Timbaúba dos Batistas.” A pequena vila vestiu-se de luto no enterro daquela senhora que estava dentro do coração de todos os timbaubenses.

Page 7: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Todo mundo chorou o sou desaparecimento

O impressionante de tudo isto é que Dona Judith se nos apresenta nesta hora, em que todos sentem o impacto de sua morte, como o retrato vivo da mãe cristã que na vida soube cumprir o seu dever. Aliás, morreu cumprindo este dever, com o heroísmo da mãe que não tem medo de nada na vida, nem da própria morte, quando pode viver tranqüila, certa de que sempre foi digna de sua missão, da sua sublime missão, a mais sublime que Deus deixou para a mulher realizar na história.

MORREU Dona Judith. Muito cedo ainda. Nem sequer chegou a criar os seus filhos. Ficamos sem compreender este violento golpe que nos deixa atordoados diante de um jovem lar sem mãe. Quem não sente esta cena de cortar coração? Por isso muita gente derramou suas lágrimas diante do cadáver da que, deixando a terra deixou, porém, o coração do seu povo. Outra vez esbarramos nos misteriosos planos da providência. Deus pediu o sacrifício dela. Precisou certamente do holocausto da jovem mãe, para, quem sabe, não deixar cair sua maldição sobre aquelas outras mães que não conhecem o sacrifício. Digo mal, que fogem do sacrifício porque a sua covardia e a sua traição do papel da maternidade fazem-nas tremer diante do próprio mistério que possuem. Elas têm medo. Têm medo da vocação que trouxeram no mundo, e por isso fogem. Por isto se escondem atrás do remorso da própria consciência. Em vão se escondem.

PARA DEUS não existe esconderijo. Em Dona Judith reverenciamos o ideal impressionante da mulher cristã que soube lutar, que soube conquistar os louros da vitória sobre a terra, que não entregou ao desânimo, que não traiu a sua missão. Levou no próprio caixão o filho do seu amor porque Deus não quis que ela no mesmo dia recebesse no céu aquele que foi o motivo do seu sacrifício.

ASSIM compreendemos porque Timbaúba dos Batistas chorou e porque está de luto. Foi o sentimento de ter perdido aquela MÃE carinhosa que soube espalhar a bondade nos seus caminhos. Que soube dar conta do seu recado, conquistando a amizade e a admiração de todos os seus conterrâneos que foram deixá-la no túmulo, neste mesmo túmulo onde se consumiram os seus restos mortais, mas que não consumiram nunca as saudades, a lembrança e o exemplo daquela que está guardada no coração de sua gente.

Eu infelizmente não tive a oportunidade de conhecer esta grandessíssima MÃE, pois, quando ela nos deixou, eu contava apenas com dois anos de existência. Corno no próprio relato fala, são os mistérios da Providência Divina. Um dia com toda certeza, encontrá-Ia-ei no céu, perto de Deus.

É com relatos como estes e o de outras pessoas que a conheceram pessoalmente que me emociono..., pois me fazem imaginar a exuberante grandiosidade de MÃE. Fico imaginando tamanha bondade, tamanha dignidade, tamanha virtude de MÃE, e de mulher, de companheira e principalmente, afeto, o amor, que essa mulher deixou para os seus entes queridos no dia 7 de junho de 1961, com apenas trinta e seis anos, muito jovem. Mas ela continua viva nos corações de quem tanto a amou, a ama e amará.

Sou o último dos cincos filhos vivos desse casamento, que teve como rebentos: Ivete, a baixinha pacifista; Gilberto, o eterno vereador; Neto, o tio Patinhas e a baixinha e brava Iseuda; e eu o louco. Ah, isto só do primeiro casamento: vem mais por aí...

Quando a nossa mãe nos deixou, dizem-me que todas as mulheres que iam trabalhar lá em casa eu as chamava de mãe. Veio Zefa: mãe. Veio Chicuta: mãe. Veio Galega: mãe. Até que papai casou-se pela segunda vez, com Maria Céles, que eu considero como sendo a

Page 8: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

nossa segunda mãe. Eu a chamava também de mãe. Era urna pessoa muito especial, extraordinária. Criou praticamente os cinco filhos do primeiro casamento de papai: o mais velho estava com nove anos e eu apenas com dois anos. Graças a Deus foi a nossa segunda mãe e soube cumprir de maneira exemplar esse difícil legado. Devo muito a sua criação, a seus ensinamentos como um todo, os quais, para mim, particularmente, foram de mãe. Deixou-nos também muitas saudades, recordações, afeto e amor de mãe.

Desse segundo casamento, apareceram mais dois irmãos: Hélber, o potinho, e Heide, a brava. Maria Céles,nos deixou em 12 de fevereiro de 1975, vítima de uma doença, lúpos heritematoso, que a fez sofrer bastante antes de sua partida, para o céu. Digo isso, embasado em suas qualidades de mulher, de companheira, de mãe e principalmente, nos momentos difíceis que passou ao lado de meu tão estimado pai.

2ª PARTE

MINHA INFÂNCIA

1. A Falência

Fui uma criança normal, mas, quando muito pequeno, não lembro em que idade eu estava, eu só sei que, em um momento de travessuras, Maria Céles manteve comigo este diálogo:

- Eu ainda vou tirar uma foto sua. Você com uma bola embaixo do braço.

- Mas por quê?

- Você pensa que é o dono do mundo.

Essa é urna das poucas recordações que tenho desta fase da minha infância.

Passou, e eu continuei...não sei, com mais travessura.

Lembro... muito pequeno ainda, quando olhava para o alto de muitas casas e via... o mastro de uma pequena bandeira, ainda com restos de pano preto que representava, que simbolizava o luto que as pessoas daquela casa pesaram pela minha MÃE. Ficava atônico a contemplar... pensando...silenciosamente: Como o povo desta casa gostava muito de minha MÃE!

Quando eu comecei a encontrar-me como gente, Comecei entender-me como pessoa, meu pai já estava com o seu comércio bastante desenvolvido, rico aqui para a nossa cidade. Havia, além da loja de tecido, uma pequena mercearia, onde ele vendia até bacalhau, o verdadeiro da Noruega. Vendia toneladas de rações para gado, comprava toneladas e mais toneladas de algodão mocó, um dos melhores da região, fibra longa, como era mais conhecido. Para esse comércio pesado, contava com o seu caminhão para a movimentação dos produtos. Ele comprava o algodão, transportava-o e vendia para as muitas usinas de beneficiamento que, naquela época. existiam naquela região. Comprava a torta, que era um subproduto do algodão, na mesma usina que servia de alimento básico para o gado da região. Hoje esse comércio inexiste naquela região. O principal produto, o algodão, foi dizimado, foi extinto por uma praga que vitimou o pequeno produtor. Naquela época era um dos principais produtos daquela região; era praticamente o que segurava o nosso povo a terra, ao sito, à roça.

Page 9: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Em seu comércio, papai vendia para quase todo o povoado: a concorrência era pequena. embora não fosse o único fornecedor, pessoas que moravam nos sítios, também faziam suas compras em seu estabelecimento; vinham dos sítios com seus burros de cargas. O transporte para a cidade de Caicó era difícil.

A clientela era boa de compras e de esquecimentos, também. Vendia a base de anotações em cadernetas, Isso, sobretudo, provocou a sua quebra como comerciante: muitos esqueciam seus compromissos, esqueciam que um dia compraram o sustento de suas famílias, às vezes esqueciam até a amizade. Levaram tudo, deixando-o em apuros.

Pura cumprir com os seus compromissos papai teve que vender as poucas cabeças de gado que criava em seu sítio; ficou somente com o pequeno sítio e a casa de morada. Mas não desistiu; perseverante, partiu para a luta como lavrador no seu pequeno sítio. Lembro quando, pequenos íamos ajudá-lo na lavoura de milho, de batata, de feijão, etc. E quando a preguiça nos chegava, estava ele sempre com o seu incentivo para nos animar, nos encorajar e não desistirmos da luta. Todos vencemos.

Meu pai distribuiu os filhos mais velhos com os seus parentes mais próximos, para estudarem, e de tabela serem criados. Naquela época eu já contava com, Helber, o potinho. e Heide a brava, o casal de novos irmãos do casamento do meu pai com minha mãe de criação, Maria Céles. Foram os irmãos com cuja aproximação eu contava na minha infância, em virtude, é claro, daquela dissociação forçada.

2. O negro e FATÍDICO dia

Em um desses dias, O FATÍDICO, lá pelos anos de 196... . Após uma manhã ensolarada e de trabalhos, vínhamos do sítio, eu e papai caminhando, lado a lado, eu ao seu lado direito, conversando, com fome mas, animadamente, quando... não lembro por qual motivo eu ri... e papai, de maneira contundente, voraz, bruta, inesperada e não costumeira, pois ele, pai exemplar, sempre nos tratara carinhosamente, disse: "Que risada afrescaida é esta, você é veado?” Não lembro qual foi minha reação, mas eu naquela idade já sabia um pouco o que aquela palavra significava. Saiba já o seu agravante para uma criança. Pelos poucos comentários e gozações que eu ouvia a respeito de um veado, homossexual, que havia em nossa cidade, eu via, sentia, aquilo não ser normal para um homem que presa a sua dignidade e integridade moral de macho.

O local onde houve a agressão de meu ingênuo pai, o que, conseqüentemente, paralisou também a comunicação de neurônios específicos da área. E, prejudicando o desenvolvimento normal da minha massa cinzenta, ainda hoje lembro-o, embora tenha passado por algumas modificações. Contudo, quando as condições melhorarem - a barra está ruça erguerei naquele mesmo local, como prêmio intuitivo e satisfação do meu ego, uma igreja católica piramidal com base eqüilateral para eu rezar todas as vezes que passar por lá. Eu, e/ou quem assim desejar.

Por que na minha primeira crise de depressão e na de mania - como são chamadas essas loucuras - aquelas mesmas palavras apareceram? Por quê?

Procurei sempre, insistentemente, ávido de informações, incansável, petulante, buscar entre os que estudaram, respostas que não me deixaram simplesmente calar. É claro, é evidente, é notório, mas inquestionável para poucos dos poucos... que aquelas palavras que estavam escondidas,opacas, inertes, em alguma parte especial do meu cérebro, também, e principalmente, estavam fazendo um enorme bloqueio em uma área específica, não sei qual, prejudicando-me. Como e por quê? E por que só depois de muitos anos eles apareceram? Nítidas, claras, provocando choro, muito choro mesmo, Foram uns sessenta minutos de rios de lágrimas. Isso aconteceu no trabalho, no momento do primeiro desabafo a um amigo. Por que aquela fatídica frase apareceu? É esse meu questionamento. Babaca, irreal e, principalmente

Page 10: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

obscuro, para muitos. Porém, repito, será inquestionável, notório, somente para poucos dos poucos.

Por que sem motivos aparentes e inexplicavelmente, como me fora informado a respeito daquela frase tão remota, ela apareceu nitidamente, sem querer me dessem jamais uma explicação plausível?

Aquela fatídica frase paralisou, na área “E”do meu cérebro, a transmissão do bloco dos neurônios de números 1962 a 1966, aproximadamente. Digo isso hoje, especificamente, com toda segurança, porque, quando dou uma olhada no meu passado, vejo nitidamente o meu viver em tempos atrás. Vivia apático, à deriva, voando até em relação a assuntos importantes da minha vida, como por exemplo, o desinteresse pelos estudos e perspectivas futuras.

Eu irei estudar, na área específica que trate esse assunto profundamente, para compreender loucuras como essas. Aí sim, compreendê-las melhor e principalmente evitar que se prejudiquem, no período da depressão, suicidas ambulantes, é é é..., isso mesmo, suicida ambulante, e principalmente evitáveis para muitos.

Disseram-me que este problema PMD, é patológico, é hereditário.

Sempre procurei, com estudos, é claro, com outros portadores de PMD e... com base nessas indagações e em outros mais. No meu caso, não tenho dúvidas. Veremos.

Em minha família existem outros casos, mas o que herdamos de nossos familiares foi à parte de sensitiva. Esta sim, é hereditária.

Eu coloco, desde já à disposição para ser analisada, a massa cinzenta da minha cabeça, como assim é denominado o cérebro, no livro “Uma Mente Inquieta”, um livro que li e cuja a autora, psiquiatra norte-americana, formada em um das melhores faculdades dos EUA, doutora em Psicologia, relata sua experiência, sua vivência, também sofrida, com aquela loucura. Diz que portadores de PMD têm em área da massa cinzenta acréscimo anormal do mesmo. Disponível desde então estou, nesse caso, para que procurem, vasculhem, minuciosamente, com radiografias computadorizadas e outros aparatos de que eu não tenho informações, para ver se encontram algum acréscimo ou diminuição do cérebro. Estou pronto, repito, desde já; comprometendo-me a servir como cobaia aos especialistas desses específicos exames.

Primeiramente no meu caso, a fatídica apareceu no desabafo com um amigo; depois, quando estava conversando com o meu psiquiatra, quando contundentemente fui reprovado, e com familiares, quando, de imediato fui interpretado erroneamente.

Calei-me, mas passei à busca silenciosa, sozinho, sem ninguém, sem apoio nem mesmo da minha própria família. Mas transcorridos seis sofridos anos, cheguei à conclusão — e que conclusão! — do meu quase solitário veredicto. Para mim, este ponto é o final.

3. O início dos intermináveis estudos

Iniciei meus estudos, a pré-escola, em uma sala de aula improvisada no clube, que antigamente se chamava “Clube de Mães”. Sempre fui meio preguiçoso para estudar, porém sempre ficava em uma colocação que eu considero mediano-ascendente: não era o primeiro da classe nem o último; passava satisfatoriarnente, sem muitos atropelos. Nunca gostei muito de estudar, talvez por conseqüência. Não sei.

Page 11: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Sempre conciliei os estudos com o trabalho, ajudando papai no sítio e carregando água para o consumo da nossa casa, pois em Timbaúba dos Batistas naquela época não havia água encanada. Tempos difíceis aqueles! Mas divertidos.

Por trás da casa de meus pais em Timbaúba dos Batistas, há aproximadamente uns quinhentos metros, existem uma convergência de dois riachos, onde no período de chuvas, eu ia buscar, em lombo de jumento, a água para o consumo de nossa casa. Havia sempre gostosos banhos intercalados, a cada carga d’água. O jumento Bolinha, pequeno, manhoso, por ter que andar vagaroso, sabendo o caminho de casa após encher os barris, fazia o percurso sozinho para casa. Era nesse intervalo que eu aproveitava para o banho e/ou as apostas em partidas de sinuca. Bolinha foi meu companheiro durante muitos anos nessa jornada. Aproveitava o tempo ocioso, sempre pela manhã, para, após o abastecimento de minha casa, vender água a algumas freguesias. Ganhava alguns trocados para o lanche escolar e intermináveis apostas no jogo de sinuca que havia perto de minha casa. Essa festa toda era somente no período de chuvas. Na época das vacas magras, a coisa ficava preta, riacho seco, filas e mais filas de jumentos nas cacimbas que eram cavadas no leito do riacho. A captura do líquido precioso torna-se um tormento.

Em dias de muito movimento, cheguei a contar vinte e cinco jumentos na fila em busca do precioso líquido. Haja paciência! Mas, mesmo assim, hoje eu considero proveitosa aquela experiência.

Iniciei essa jornada com seis anos de idade mais ou menos. Sempre contava com a ajuda do pequenino e saudoso Paulinho e de Antônio Cocada, companheiros diários, com idade de serem meus pais. Quando precisava de ajuda em algum acidente inesperado, eu sendo muito pequeno e inexperiente, eles, quando presentes, estavam sempre prontos e resolviam o problema. Devo muito a eles aqueles consertos e ajuda espontânea.

Vovó Chiquinha era urna velhinha franzina, corcunda, educada, porém rígida em suas declarações. Quando o meu avô morreu ela foi morar sozinha com urna empregada em uma casa lá em Timbaúba dos Batistas. Gostava muito de cultivar plantas em seu canteiro. No quintal da casa havia umas cinqüenta mudas. Eu, seu botador d’água, não gostava muito daquele pomar. Todos os dias, quando ia descarregar a carga d’água em sua residência, notava que havia novas plantações e o consumo d’água ia aumentando. Para ter um melhor equilíbrio, sempre que aumentava uma nova planta, eu, em contrapartida, cortava a raiz de urna mais antiga. No dia seguinte, vovó lamentava: “O que foi que houve? Logo esta plantinha!”. Ficava triste, calado, mas procurando urna próxima vítima, logo que chegasse uma nova moradora indesejada.

Havia também outros entretenimentos menos pesados para carregar água em jumento, corno jogos de futebol com bolas de pano (nos quais quase sempre saíam tapas), pião, bilas, jogos de castanha, garrafão (este, sim, o esporte da pancadaria). Apesar do fatídico, foi muito divertida e inesquecível a minha infância.

Na época em que comecei os estudos, em Timbaúba dos Batistas só existia o primário, corno antigamente chamávamos as cinco primeiras séries do primeiro grau. Logo após a pré-escola, que fiz em uma sala improvisada, fui cursar o primário no Grupo Escolar Basílio Batista de Araújo, escola antiga, salas de aula, com janelas, portas e cumeeiras.

O governo estadual construiu uma outra escola, maior um pouco, com três salas de aula, diretoria, cozinha, banheiro masculino e feminino, estilo moderno. Após essa construção, nós, os alunos (denominávamos as duas escolas de “grupo novo” e “grupo velho”) e todos só queríamos estudar no “grupo novo”. Lembro que entre um grupo e outro havia uma placa grande, vistosa, de propaganda de governo, mostrando que fizera a implantação do sistema elétrico da cidade. Após as aulas, para desespero dos professores, os alunos alvejavam com pedras aquela placa, fazendo um barulho ensurdecedor. Éramos castigados por aquilo, mas sempre a meninada encontrava algum jeito para que não fosse pego de surpresa em suas divertidas e barulhentas algazarras.

Page 12: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Fui fazer o ginasial, logo após o término do primário, na vizinha cidade de Caicó, que é a terra do meu nascimento, pois em Timbaúba dos Batistas não havia e nem há ainda hoje maternidade. Mas meu coração é muito mais timbaubense e, por convicção, Timbaúba dos Batistas é a minha cidade natal. Estudei durante cinco anos no Colégio Joaquim Apolinar. Íamos todos os dias em um ônibus em que papai, como prefeito, arranjou, junto ao governo, emprestado de uma cidade vizinha. A festa, a algazarra, era geral nesse ônibus, em todas as suas viagens.

Na quarta série do ginasial, com namoros já sérios, com festas, com bebidas, esqueci um pouco dos estudos e fui reprovado pela primeira vez, e logo em Matemática, a matéria de que eu gostava mais, repeti folgadamente o ano. Ora, com professores iguais, não dava para sentir dificuldades. Logo que terminavam minhas provas e havia meios, fazia as provas de urna colega. Nídia, menina bonita, inteligente, mas que “não queria nada com basquete”.

Papai começou na política, como subprefeito, em 1959, quando Timbaúba dos Batistas era distrito de Caicó. Após a sua quebra como comerciante, estando Timbaúba já emancipada, voltou à política em 1969, como vereador mais votado, tendo uma votação assombrosa de sessenta e poucos votos. Em 1970, não havendo candidato, não havendo concorrente, não interesse, porque a Prefeitura naquela época,tinha poucos recursos, reuniram-se os políticos e decidiram: como papai havia logrado o primeiro lugar a eleição anterior, lançaram-no como candidato único. Houve votos em branco de alguns de seus eternos adversários políticos.

Em 1973, como os recursos da prefeitura ainda eram poucos, encontrou dificuldades para encontrar o seu substituto. O comando municipal foi entregue ao seu compadre Alceu Batista, também, candidato único.

Logo que recebeu a prefeitura, a primeira providência, o primeiro teleguiado projeto foi fazer, junto ao Tribunal de Contas do Estado, urna auditoria nas contas da Prefeitura, não obtendo, para tristeza e decepção de alguns tietes locais, o resultado esperado. Aquela administração, do prefeito, teleguiado e que era representado em tudo; terminou um 1976.

4. Vida nova, o sítio dos segundos avós maternos

Em 1970, a seca foi pesada em nossa cidade. Papai, prefeito da cidade, achou por bem transferira residência oficial do município para o sítio, Via Nova, um nome bem sugestivo para urna situação adequada. Vida Nova, sítio dos seus segundos sogros Selerinho e a brava, brava mesmo, Dona Mariquinha. Um sítio onde o açude é um dos que têm o maior volume d’água na nossa região. Da casa grande, alpendrada, tem-se, como fundo visual, logo após as águas límpidas o profundas do açude, à visão singular de urna enorme serra. Esse contraste forma uma bela visão panorâmica, pedregosa, quase desértica, que me impressionou muito em um dos períodos gostosos de minha infância. Vida Nova serviu-nos muito, nas muitas férias escolares que passávamos lá, junto com os novos irmãos e primos que o destino nos trouxe. Muita meninada, muitas brincadeiras, banhos de açude em canoas, caças e pescas fartas. Marcou-me muito a Vida Nova, a nova vida.

5. Sabugi, o sítio dos meus avós maternos

Sabugi fica localizado às margens de um grande rio do mesmo nome da nossa região, distante uns quinze quilômetros a leste de Timbaúba dos Batistas e dez quilômetros a oeste da cidade de Caicó.

A casa principal do sítio é unia casa enorme, paredes laterais de fortaleza, com uns setenta centímetros de espessura, em um pequeno alpendre na frente, onde vovô

Page 13: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

costumeiramente sentava-se em uma cadeira de balanço, ficando a contemplar a paisagem, com os seus resmungos imperscrutáveis de “opa lé”.

Em frente à casa existe uma capela que servia para suas orações e algumas missas em datas especiais. Havia umas divisórias de cercas de pedras próximo à casa, onde, em suas manias gastadeiras, fazia três dias seguidos de vaquejadas, sempre acompanhados de animados forrós e bois e mais bois para churrasco. Convidava parentes, familiares e amigos para aquelas festanças, Não alcancei, infelizmente, aqueles tempos áureos, mas tenho conhecimento daqueles estados de manias e convivência com elas.

Naqueles anos tio Dedé sempre dizia-me que ia assinar um cabrito para mim. Não é que, para minha surpresa, muito tempo depois, eu tinha umas cabeças de bode assinadas com a minha marca particular? Mas, nunca vi o dinheiro produzido por aquela criação papai encarregava-se do mesmo e o empregava como lhe convinha.

3º PARTE

ADOLESCÊNCIA

Em 1976, papai candidatou-se prefeito de Timbaúba dos Batistas.O prefeito daquela época, aquele..., usou a máquina administrativa corno os políticos chamam essas atitudes, - em prol de seu adversário político, mas mesmo assim, papai obteve uma maioria de vinte e dois contatos e recontados votos, para um total de quinhentos e tantos votantes. Com essa maioria, nesse caso, esmagadora, assumiu pela terceira vez o comando da nossa cidade.

Eu acredito, sempre que papai me conta, que o tribunal de Contas do Estado, sediado na capital do Estado, distante uns trezentos quilômetros da nossa cidade, tinha naquela época, funcionários exclusivos somente para a prefeitura de Timbaúba dos Batistas. Não sei porque... Mas, houve meses em que o prefeito recebia, por três vezes, visitas ilustres, para vasculharem as contas da prefeitura, mas sempre as encontra, para desespero de algumas tietes locais, em verdadeira ordem.

Naquela época, eu sempre encontrava tempo para ajudar, em uma pick-up cheia de tambores, o carregamento de água pura a casa de Raimundo, um comerciante local e muito amigo nosso. Eu, e meu primo Everardo, Moacir,Chico Duro, Ribamar e outros amigos de infância e de copo também, fazíamos duas ou três vezes por semana aquela tarefa.

Após o abastecimento d’água da sua casa, tínhamos, como pagamento do nosso divertido trabalho, uma garrafa de cachaça e tira-gosto de carne ou de caldo à vontade, a nossa disposição. Um certo dia, sua esposa Vilma disse; “Tem uma pessoa aqui que é calado, mas quando toma umas não pára a língua” . Eu acredito que foi comigo porque já naquela época, com uns quinze anos, mais ou menos, aquela tal de depressão era minha companheira diária e eu não sabia. Portanto, só com uns dezoito, vinte anos, é que eu hoje, repito hoje, tenho condições de dizer, tenho condições de afirmar que aquela progressiva e indesejada depressão era minha sempre e oculta companheira e eu não sabia.

Sempre gostei de jogar futebol: era craque, bom de bola mesmo. É tanto que, com uns quinze anos de idade, mais ou menos, jogava no time de cima do São Paulo Futebol Clube de Timbaúba dos Batistas. Timão bom, um dos melhores da nossa região. Nas disputas com todos ao times da das cidades circunvizinhas, nós quase sempre ganhávamos. Ganhássemos ou perdêssemos, sempre havia comemorações. As viagens para aqueles jogos eram feitas em caminhões pau-de-arara. Eu não sei como após vinte, trinta cinqüenta quilômetros de viagens em cima de um caminhão, estradas de barro, chuvas e/ou sol escaldante, tínhamos condições de jogar noventa minutos. Coisa de jovem, mesmo, e de quem pratica, como bom esportista, o futebol ou outro esporte de que gosta. Eu sempre quis ser jogador profissional de futebol. Quando fui estudar em Natal, na ETFRN, e vi o campo de futebol, um tapete verde, fiquei encantado.,, ora, quem jogava em campo pedregoso, campo de várzea, um tapete verde daquele que só podia encher os olhos de satisfação. logo pensei:

Page 14: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

“Chegou a minha chance de mostrar meu futebol. “ Mas, medroso, matuto pé de serra, só participei dos jogos internos da ETFRN no último ano. Nosso curso ganhou, para a glória dos professores e alunos, o campeonato naquele ano de 1979. Mecânica não ganhava o campeonato havia muitos anos. Saímos tão bem naquela decisão que o técnico do juvenil do ABC, um dos melhores times de Natal, e professor de educação física na escola, convidou-me para fazer um teste no juvenil daquele time. Mas, já estava com vinte anos, pra meu descontentamento, velho.

Fiquei consolado, simplesmente, em jogar na seleção da escola algumas vezes e pendurar, para sempre, o sonho de ser jogador profissional de futebol. Tinha feito o concurso para ingressar na ETFRN em 1976. Matriculei-me no curso de mecânica porque havia um primo fazendo o mesmo curso, e, em conversa, ele dissera-me haver possibilidade, de após o curso, ingressar na Petrobrás, que, na época, estava chegando no RN. Para minha sorte fui aprovado e conclui satisfatoriamente, em três anos, o curso técnico da nossa capital, ó querida cidade de Natal.

Vim para Natal, sozinho, medroso, não sabia o que estava aguardando-me, não fui muito aventureiro, sem nem um conhecimento de cidade grande. Para minha surpresa maior, a imensidão e a beleza deste mar, destas belas e incontáveis praias! Foi um momento inesquecível para um matuto morador, até então, de um sertão desértico como o nosso.

Namorei varias garotas: Maria, mais velha, Marta, morena; Núbia, baixinha;Maria baixinha; Lúcia; Zilda, loira; Marta, morena; Marta, loira; Ana, baixinha; Aninha. Mas o namoro mais complicado foi quando eu namorei duas irmãs gêmeas idênticas. Eu acredito que namorava com as duas e que só elas sabiam, porque quando ia para a casa de seus pais e encontrava somente uma delas, eu não sabia, realmente, com quem estava namorando.

Embora papai fosse prefeito da nossa cidade, fui morar na casa do estudante. A adaptação, apesar da fome, não foi muito difícil, pois já havia corno residente dois conterrâneos e três primos lá, e, para a minha sorte, fui morar no quarto de um dos meus primos, Teixeira, que posteriormente se tornou presidente da casa. Coisa, que para calouro, não era costureiro. Eu dormia meio desajeitado, no centro do quarto, em urna cama de campanha. O pequeno quarto, somente com uns 9m, comportava somente dois beliches, um pequeno armário e minha cama, que todas as manhãs encarregava-me de dobrar e colocava num cantinho para que não atrapalhasse o trânsito dos colegas de quarto.

Quase todo estudante novato, com poucas exceções que, procedente do interior, fosse morar na casa do estudante, primeiramente ia para o porão, único, mau cheiroso, quente, um verdadeiro tormento; aliás, a casa toda era mau cheirosa, embora suas janelas ficassem sempre abertas. As grades de ferro das anelas mostrava ainda as marcas de balas de quem foi uma antiga cadeia local e palco de antigas revoluções.

Tínhamos como diversões uma televisão coletiva no pátio da casa, jornais, concorridas revistas e, na frente, urna quadra que servia para as práticas do futebol, basquete e voleibol.

No meio do curso, vendo que o curso de mecânica não proporcionava condições curriculares para o vestibular, eu pensei em desistir do curso e estudar em Jundiaí, no colégio agrícola em que os meus dois irmãos mais velhos estudaram e sem a ajuda de cursinho passaram no primeiro vestibular que fizeram.

Havia sempre, em nosso quarto na casa do estudante, reuniões de amigos de companheiros de quarto usuários de drogas, mas, graças a Deus, experimentei drogas somente um tempo depois. Preferia sempre um Scotch pernambucano nos conseqüentes aperitivos diários.

NATAL

Page 15: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Natal! Ah! Natal! Terra Natal! Terra dos três Reis Magos. Terra de um conjugal, pois com muita devoção ficou com o seu nome cravado neste imenso coração. Ah! Natal! Terras de praias belas, com suas portas e janelas abertas para a imensidão. Ah! Que conjugal. Com este ar tão puro soprando a poluição e com suas brancas dunas beijando que litoral! Ah! Natal! Com sua esquina do mundo. Neste milênio profundo. Com quatrocentos Natais. Com seu belo estuário derramando suas águas neste imenso litoral. Ah! Natal! Que bonita união!

Três difíceis e proveitosos anos aqueles! Mas todas as minhas férias escolares ia para a terrinha, filho de prefeito, estudante de capital, sentia-me, apesar da fome, orgulhoso em está galgando um dos mais difíceis degraus da minha vida. Ei-los, a seguir, os mais difíceis:

Foi em uma dessas rias que eu namorei Zilda, timbaubense, estudante também de capital, moça bonita, com lindos, longos encaracolados cabelos loiros, moça educada, introvertida, fina, mas o nosso namoro naquela época não teve progresso.

Papai, naquela época, havia comprado urna Kombi O KM, na qual eu aprendi a dirigir e que, além de servir para seu transporte particular, servia também para viagens com pessoas doentes ao hospital mais próximo e de transporte para alguns estudantes que, à noite, estavam cursando faculdade em Caicó. Eu, em minhas férias escolares, era o seu espontâneo motorista, naquelas viagens, para, aproveitando aquelas oportunidades, fazer as minhas farras, mas sempre cumpridor dos horários pré estabelecidos com as alunas.

Não gostava quando alguns pseudodoentes apareciam madrugada a dentro para tais viagens a Caicó. Digo isso porque os médicos prescreviam simplesmente um remedinho, uma vitamina C, ou sei lá o que, e logo,para minha surpresa, eu puto da vida, eles ficavam bons, retornando ótimos de saúde para casa. Eu ficava muito indignado e, o pior, sem entender aqueles tipos de doenças.

Em 1975, com a morte de Maria Céles, minha segunda mãe, papai casa-se com Maria Alta, filha de Artur e D. Eusícia. Artur era um pequeno, mas influente proprietário rural de nossa cidade, dono do sítio Encampinado.

Desse terceiro, e, acredito, último casamento, nasceram mais três irmãs: Collete, a introspectiva, e as baixinhas, Caline e Caliane.

1. A vida profissional

Page 16: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Recebi o diploma de técnico em Mecânica no final do ano de 1979. Houve uma grande festa de confraternização na entrega dos nossos diplomas. Fiz, nesse mesmo ano, o primeiro vestibular. Concorri para o curso de Mecânica, mas, sem estudar, não obtive êxito.

Nessa época, eu não sabia o que fazer da vida. Pensava em fazer novo vestibular, mas, hoje digo, deprimido, não tinha ânimo para estudar; comprei alguns livros e fui para Timbaúba dos Batistas com intuito de estudar para prestar novo exame no vestibular, mas tudo em vão! Nessa época, costumeiramente bebia aperitivos diários. talvez... não sei... para expulsar a depressão. Tentei novo vestibular na Faculdade de Agronomia de cidade de Mossoró — RN, mas outra vez sem estudar, não obtive êxito. Bebia mais que estudava.

Com muita insistência de meu pai, viajei para Natal e procurei na ETFRN o CEE, setor encarregado de fazer o encaminhamento dos estudantes concluintes junto às empresas. Quando me apresentei naquele competente órgão da escola, fui duramente criticado pela sua chefe. Perguntou-me o que eu estava fazendo, pois todos os colegas de minha turma, com exceção dos que passaram no vestibular, já estavam com os seus empregos garantidos: uns estagiando na Petrobrás S/A outros em empresas diversas, inclusive em estados diferentes. Eu, indagado se quer ia mesmo trabalhar, respondi humildemente que sim.

Fui, logo em seguida, algumas semanas depois, prestar exames, e com sucesso, consegui iniciar em 07 de julho de 1980, o estágio na Petrobrás S/A. Hoje, como um bom entendedor daquela depressão, posso dizer com total segurança, que, naquela época, ela já fazia seus estragos em minha vida e eu não sabia. Trabalhava apático, voando, sem muito interesse, sem perspectiva, sem saber o que queria da vida. Dizem que São João era dorminhoco, mas eu ganhava-o folgadamente se houvesse possibilidades de disputa nesse sentido.

Próximo ao final do estágio de seis meses, houve uma conversa entre colegas do nosso setor de que dentre os três estagiários existentes na sessão de Mecânica, somente seriam contratados dois. Com aquelas conversas deprimentes, eu simplesmente, achava que quem não ia ser contratado era eu.

No final do estágio, houve uma reunião com todos os estagiários. O chefe do setor de pessoal nos informou que, não havendo possibilidades de nos contratar, naquele momento, achava por bem prolongar por mais dois meses o estágio, mas o único a não aceitar fui eu, mesmo ele dizendo-me que o salário iria duplicar. Com a minha desastrosa decisão, o chefe do setor de pessoal aconselhou-me gentilmente dizendo: “Damasco vá pra casa, passe este final de semana refletindo esta decisão, esfrie a cabeça, assista ao jogo da nossa Seleção e na segunda feira você conversa comigo.”

Babaca, disse-lhe: “Doutor, gostaria de saber se serei convidado quando houver novos concursos. Este ano eu vou estudar e prestar novo vestibular.” Prontamente recebi respostas positivas.

Fui para casa, e na segunda-feira, arrependido, fui falar com ele, mas, simplesmente ganhei alguns pontos a mais de depressão. Hoje eu, hoje, com total segurança, posso afirmar que vejo aquele acréscimo indesejado de pontos daquela depressão. Fui convidado, por telegrama, para fazer mais três concursos na Petróleo Brasileiro S/A. Passei em dois, mas, em um fui reprovado na entrevista, no outro fui reprovado no psicoteste. Nesse último, lembro que no teste havia em um dos itens a indagação a respeito da minha personalidade, se era introvertida, extrovertida, ou tensa. Marquei o que estava sentindo naquele momento: tenso. Olha a depressão manifestando-se lentamente sem que eu percebesse. Hoje, somente hoje, é que eu observo claramente, no transcorrer dos anos, a sua sutil e arrasadora progressividade.

Page 17: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Não tendo ânimo para os estudos, mas sempre querendo fazer faculdade, resolvi ir à caça de empregos. Conversando com um amigo, fui informado a respeito de uma pequena empresa prestadora de serviços da Petrobrás, na qual eu poderia ficar trabalhando e, ao mesmo tempo, procurando melhor emprego. No dia 15 de abril de 1982 iniciei o duro trabalho naquela empresa, que era especializada em inspecionar tubos utilizados em poços de petróleo. Trabalho duro: três técnicos fixos, sediados na base de Natal Com a ajuda de dois auxiliares para cada, tocávamos a empresa adiante.

Num dia de sábado, sol forte, saímos os três num fusquinha de um dos colegas para almoçarmos em um restaurante nas proximidades. Tomamos umas cervejas, papo animado e, lá pelas tantas, não sei quem teve a brilhante idéia de irmos tomar cerveja na praia. Retornamos na segunda-feira à empresa, e a chefia sumariamente nos demitiu. Foram mais seis meses de experiência na curta tentativa de encontrar um bom emprego. Naquela época, Situações semelhantes não me preocupavam tanto. Porque solteiro, ia preocupar-me com quem? Nessa época já havia saído da casa do estudante. Morávamos eu, meus irmãos Neto e Izeuda e os primos Marcondes, Márcia e Maríles, em uma casa alugada, onde todas as despesas domésticas eram divididas.

Nessa época eu namorava uma menina a bonitinha, mas muito apaixonada pelo seu ex-namorado. Um certo dia, para meu desespero, disse-me que estava grávida, fiquei muito preocupado, não tinha certeza de que o menino fosse meu. Naquela época, não havia teste de DNA; e eu não queria assumir compromisso mais sérios. Comentado com o meu irmão Neto, ele informou-me que um colega seu do trabalho lamentava todos os finais de mês quando recebia seu contracheque e havia uma P.J(pensão judiciária). Consegui convencer aquela garota a fazer o aborto. Gastei todo o dinheiro da indenização que havia recebido na demissão para tal fim. A mulher quase morre. Fugi para Timbaúba dos Batistas. Mas, com o perdão de Deus, nessas circunstâncias, conseguimos resultados satisfatórios.

Em 1982, Timbaúba dos Batistas passou de 0,2 para 0,6, na escala do F.P.M. (Fundo de Participação dos Municípios). Com esse aumento substancial em sua arrecadação municipal, a disputa política provocou interesse, até de pessoas que, embora timbaubenses esporadicamente apareciam por lá.

Há pessoas que se vestem de políticos, e que, não tendo capacidade de criar metas administrativas, usam da mentira, da calúnia e divulgam, para proveito próprio, perfidamente, informações aos eleitores. Foi o que fizeram naquela campanha municipal, dizendo, entre outras, que papai havia comprado uma mansão em Natal, para que seus filhos estudassem.

No dia da entrega do comando municipal ao adversário político, papai, sempre calmo, ouvia os gritos humilhantes de ladrão e outros insultos, acompanhado de explosões de bombas incessantes em direção ao alto de sua casa. Mas o tempo nos mostrou, simplesmente, a verdadeira razão histórica da política da nossa pequena cidade.

Sempre à procura de emprego morando na mansão em Natal, a qual nos foi graciosamente imposta, em um certo dia, conversando com minha irmã lseuda, ela informou-me que tinha uma colega que trabalhava em um empresa francesa prestadora de serviços à Petrobrás, e que ia conversar com a mesma para ver o que podia fazer por mim.

O trabalho de petroleiro, além de ter área que havia estudado e pela ótima remuneração, foi um atrativo para mim.

Combinamos um dia para, por intermédio da amiga de minha irmã, ir conversar com o chefe encarregado da adrnissão de pessoal daquela empresa. Fiz simplesmente um teste psicológico, e não obtive êxito. Mas o tal chefe, não me lembro do seu nome — tenho sempre dificuldades de gravar nomes, talvez seja, não sei, conseqüência — indicou-me uma outra empresa, também prestadora de serviços à Petrobrás. Uma empresa multinacional. Não fui muito bem num teste de matemática que fiz, mas o meu irmão Gilberto, então gerente de um órgão do Governo, sediado na pequena cidade de Pendências, onde aquela empresa fazia sua

Page 18: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

prestação de serviços à Petrobrás, em conversa, dissera-me que conhecia o chefe da empresa. Prontamente pedi-lhe que desse um empurrãozinho junto ao chefe. Consegui iniciar, como estagiário B, em 03 de junho de 1983. Era um ótimo emprego e dava-me bastante satisfação o trabalho naquela empresa.

2. Um momentinho de ciúmes

Quando resolvi fazer essa narrativa, que para muitos loucos é uma loucura, o que estava mais intrigando-me era que sempre que comentava a respeito disso com meus familiares, o que havia sempre em suas respostas, simplesmente, eram reprovações. Porém o que realmente me impedia de escrever era unicamente a falta de um computador ou algo com que pudesse escrever. Pensava em vender o meu Chevetinho para tal fim, mas uni certo dia, cheguei à casa dc meu irmão e vi, dentro de umas caixas, o seu computador velho.

Havia comprado um novo para seus filhos. Liguei para Neto, meu irmão, e obtive como resposta que o mesmo estava quebrado. Prontifiquei-me para consertar, mas, obtive como segunda resposta que iria usá-lo em seu comércio e o que estava faltando era somente uma mesa e sua instalação. Insisti que iria mandar consertar e logo que ele comprasse o móvel, eu devolveria prontamente o computador. Ficou tudo em comum acordo, mandei para o conserto, gastei cento e cinqüenta pratas colocando urna peça, um HD, recondicionado, mas em melhores condições do que o que estava sendo usado no computador.

Iniciei os trabalhos satisfeitos, embora com o computador mostrando sempre os defeitos da peça velha.

No início do mês de julho, meu filho Gabriel pediu-me para irmos para Timbaúba dos Batistas passar as suas férias escolares e de seus primos carnais Gibson, Caribele e Sarinha, filhos de meu irmão Gilberto e minha ex-cunhada, por uma parte, Zilmar.

Tentei entrar em contato com Neto para saber se poderia levar o computador, e logo que ele necessitasse do mesmo devolveria imediatamente. Não conseguindo, falei com Caline para transmitir-lhe o recado. \/iajei. No dia quinze, do mês, vim para Natal resolver alguns problemas, e mal entro na loja de meu irmão e ele me perguntou logo pelo desejado instrumento,mesmo sem ter, como ele próprio informou comprado mesa. Resolvemos que quando ele fosse para a festa de Sant’Ana em Caicó traria o computador.

Hoje, 20 de agosto de 1999, reiniciei esta loucura com o computador emprestado do meu amado filho Gabriel (salvador da pátria naqueles muitos e difíceis estados de depressões), pois ele, embora distante, dedico irrefutavelmente, este legado a ele. Comprometi-me para que quando ele necessitasse do computador para os seus trabalhos escolares, vir para nossa casa para que os fizesse. Antes esse empréstimo havia sido negado por causa desses deveres.

Eu acredito... não sei, mas acho que o computador que me ajudou bastante no início deste trabalho irá para o museu particular de meu irmão. Porque até hoje, 30 de agosto de 1999, encontra-se encaixotado, aguardando a tão esperada mesa para servi-lo em seu comércio.

Fui para Timbaúba dos Batistas, fiz alguma coisa desta loucura por lá. Meu filho divertiu-se bastante juntamente com seus primos e os amigos que fez por lá.

Lá em Timbaúba, um certo dia eu estava conversando com papai, embaixo de uma árvore, que fica em frente a sua casa, conversa animada, mas o que eu achei mais impressionante foi quando chegou Severino um amigo nosso para vender suas gostosas galinhas caipiras. Entrou na conversa e disse-nos uma piada que eu achei, para um morador de sítio daquela região, um pouco inusitada:

Page 19: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

“Chegou um presidente (serve também a outros governantes) em uma farmácia e disse à atendente

- Quero uma caixa de comprimidos de \/iagra.

- Trouxe a receita prescrita pelo médico do senhor?

- Não.

- Então, nessas condições, eu não posso fazer a venda, só com a receita médica.

- Você sabe com quem esta falando minha senhora?

- Nã... Não.

- É com o Presidente da República.

- Ah!!! O senhor com este negócio mole aí fodeu o Brasil, imagina agora tomando Viagra!”

Graças a Deus não fizeram a negociação. Pra quebrar a monotonia tem que haver um pouquinho de humor criativo à situação atual.

Voltemos agora ao estágio de que vinha falando anteriormente. O trabalho em Pedências, cidadezinha pequena, era pesado. Estagiário sofre para mostrar serviços. Bati muita marreta. Mas, a empresa em que trabalhava uma ótima multinacional, pagava hospedagem e alimentações aos seus técnicos. Morávamos em um hotelzinho, o hotel de D. Socorro, como era chamado. Alimentação caseira, instalações precárias, uma pensão, como são chamados esses tipos de hotéis do interior. O ventilador do meu quarto fazia um barulho igual ao de um helicóptero quando levanta vôo.

Fui trabalhar, primeiramente no setor de teste de formação, trabalho muito técnico. Obtínhamos com esse tipo de serviço todas as informações necessárias para colocar um poço de petróleo em produção como, por exemplo, as principais: vazão, pressão e vida útil de produção de um poço petrolífero. Nesta época namorava com Zilda pela segunda vez. Tive alguns namoricos por lá. A viuvinha baixinha, carinhosa foi com quem fiquei mais tempo, mas meu coração pulsava sempre em Natal. Recebi apelidos de Dadá e Soneca um. Bonifácio, o Soneca dois, um grande amigo, engenheiro e, na época, também estagiário, perdia feio para mim nos poucos momentos que tínhamos para dormir.

O Soneca dois fazia, quase todas as manhãs, o seu coopper em um parque de vaquejada situado nas proximidades da pensão em que morávamos. Um certo dia, uma velhinha, que morava nas vizinhanças do parque, aproximou-se dele e perguntou-lhe, para seu espanto e surpresa, se estava pagando uma promessa, porque quase todas as manhãs o via correndo naquele parque. Coisas de cidade do interior...

Trabalhavamos de sobreaviso; não tínhamos horários fixos de trabalho. O sistema de trabalho na empresa era corrido e sobreaviso; trabalhávamos doze dias seguidos e folgávamos quatro. Mas sempre, ao término do horário de trabalho na base, fazíamos a nossa divertida peladinha com os colegas de trabalho e alguns baianos insistiam em dizer que aquilo era “bater babo”. Jogávamos, também, quase todas as manhãs antes do expediente, na área do rio Assu, que passa ao lado da cidade.

Muitas vezes o período de folgas iniciava na segunda-feira e no início do final da semana lá eu voltando ao trabalho. Para que tivesse mais dias de folgas em Natal, pedi ao nosso supervisor para trabalhar em plataformas marítimas e ele informou-me que para

Page 20: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

trabalhar em plataformas tinha que aprender a fazer cimentação, um outro tipo de serviço, mais fácil até que teste de formação.

O sistema de folgas nas plataformas era quatorze dias trabalhando e quatorze de folgas, bem melhor que o sistema em terra e eu também já havia tido experiência, em plataformas, quando fiz o estágio na Petrobrás, trabalho confinado, isolado do mundo, mas as folgas superavam o sacrifício.

Em fevereiro de 1984 fui fazer um curso básico de cimentação na Argentina. Pó! A auto-estima foi lá pras nuvens. Curso no exterior, aumento da moral e do moral! É tanto que um dia, lendo um jornal local,vi um chamado da Petrobrás para fazer um concurso, logo dentro da área em que estava trabalhando, mas, mesmo assim, nem me chamou a atenção. Ô cara babaca!

Fui fazer em março de 1985 outro curso, também na Argentina, de Herramentas especiales e ensayos de formacion básico. Ô nomão bonito, não? Nessas condições não havia tempo para depressão. trabalhava animado, boa remuneração para um técnico de nível médio, plano de saúde, ia reclamar de quê?

Nas plataformas de petróleo, tínhamos vida ociosa, o como-e-dorme como era chamado. Trabalhávamos, também de sobre-aviso: a qualquer hora do dia ou da noite, chuva ou sol, poderíamos ser chamados para trabalhar.

Tínhamos que manter o equipamento em perfeitas condições, o estoque de produtos químicos em verdadeira ordem. A plataforma toda parava, ficando na mão do técnico de cimentação toda a responsabilidade do serviço. Não podia vacilar: qualquer falha na manutenção do equipamento, se constatado, falha do técnico era três letras na certa. Para que as coisas corressem normais, todas às vezes em que embarcava fazia primeiramente uma checagem geral do equipamento e dos produtos químicos, para não haver problema na hora do trabalho.

Das peças de reposição mais necessárias para a unidade cimentadora teria que haver, no mínimo, três estoques, para uma eventual necessidade. Se, em caso de necessidade, em uma emergência, não houvesse peças de reposição para aquele problema e a plataforma parasse? A quem recorrer no meio do oceano?

Poucas diversões havia nas plataformas em que trabalhei. Posso citar como exemplos: sinucas, totó, televisão, jornais e revistas, sempre das semanas passadas. Os filmes de putaria, que sempre eram renovados. Encontrávamos sempre em suas exibições os banheiros ocupados. Tinha que recorrer, telepaticamente, à rua da Palma número 5, ia fazer o quê?

Outra diversão de que gostava muito era a pesca, mas foi proibida, em uma certa época, porque certas pessoas inescrupulosas, em vez de fazerem o seu pacote com peixes para levá-los para casa, faziam-nos tendo no interior dos peixes ferramentas diversas, como alicates, chaves, etc. Houve, em uma das revistas que sempre fazia nos embarques e desembarques do pessoal, urna cena que eu achei muita criatividade do trabalhador. Um taifeiro vinha satisfeito para o desembarque, com o seu pacotão em formato de peixe a tiracolo, barbatana traseira de um peixão à mostra, mas, quando o segurança abriu o pacote, encontrou uns quinze quilos de filé bovino. Foram situações como essa que fizeram ser proibido um dos melhores divertimentos que eu encontrava quando estava embarcado.

Havia um operador de rádio, bom de sinuca mesmo, perdia para nós quando queria; participava até de campeonatos regionais. Quando eu conseguia ganhar dele nas disputas, que sempre eram travadas à noite, pó! Ficava satisfeito e gozava dele por meses seguidos. Fazendo uma analogia barata era como um goleiro defender um pênalti de um artilheiro em uma decisão de campeonato, no último minuto de jogo empatado.

Page 21: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Havia um engenheiro fiscal muito amigo meu, gaúcho, inveterado, tomador de chimarrão. Quando o seu embarque coincidia com o meu, ele sempre me pedia para eu pescar, para comermos um peixinho fresco no jantar. O único a fazer pescaria proibida naquela plataforma era eu. Muitos colegas chegavam, me vendo pescar diziam: “Damasceno... você é doido? Quer desembarcar antes do tempo? Ora, com autorização do chefe da plataforma, não me preocupava”.

Havia telefone nas plataformas, através do qual mantínhamos contatos com nossos familiares em terra, sempre que a saudade apertava.

O transporte para as plataformas era feito de lancha, com capacidade para uns cem ou duzentos passageiros. Viajávamos de ônibus para a cidadezinha pesqueira de Guamaié e de lá nas lanchas para as plataformas, com um percurso de umas duas horas de viagem enjoativa de mar a dentro.

Em uma dessas viagens, chegando à plataforma, encontramos como cartão de visitas, os mergulhadores resgatando na cesta do guindaste, um homem morto, que na noite anterior havia se jogado ao mar, mesmo sem saber nadar. Procurei saber junto aos seus colegas, quando subi a plataforma e disseram-me que havia se suicidado. Estava sem dormir, sem comer. Hoje conhecedor daquele estado, não tenho dúvida, pelo que ouvi. Estava deprimido. Aquela inusitada e estranha cena serviu-me como base, muitas e muitas vezes, nas minhas quase eternas e sofridas depressões... para que eu não cometesse o mesmo desfecho.

Como os trabalhos de prospecção da Petrobrás estenderam-se para a região oeste, a nossa base transferiu-se para a sua capital, Mossoró, cidade mais desenvolvida, mais cheia de vida. No início, até quando as coisas se normalizassem, ficaríamos hospedados no Hotel Termas, com suas piscinas de águas termais rodeadas de muito verde, o melhor hotel daquela região. Mas, naquela época, sempre havia comentários de urna lista preta, como um colega de nacionalidade peruana chamava demissões na empresa, que haviam iniciado em outros estados. Ele sempre nos alertava, quando estamos trabalhando, com um tom de gozação, dizendo: “Cuidado com a lista preta”. Foi o primeiro da lista. Hoje, posso dizer que naquela época minha indesejada companheira ganhava alguns sorrateiros pontos ascendentes em seu gráfico.

Dependendo da necessidade da empresa, ora trabalhava embarcado, ora trabalhava em Mossoró. Mas trabalhava mais embarcado. Um certo dia fui para o campo trabalhar, como normalmente fazia, nos muitos campos de petróleo que existem em Mossoró. Fui sozinho fazer um teste de formação em um poço de petróleo. Trabalhei o dia e entrei pela noite. Cheguei ao hotel para o descanso lá pela madrugada. Quando chego à base no dia seguinte, umas nove horas mais ou menos, reencontro o engenheiro do campo, que na época estava corno chefe interno na base, em lugar do titular, que havia entrado de férias.

Perguntou-me por que estava chegando àquela hora. Disse-lhe que havia chegado do trabalho na madrugada, que estava descansando e à espera de um novo trabalho, como sempre e costumeiramente fazíamos. Ele não aceitou a minha explicação e por aquele motivo recebi, pela primeira vez, após anos de empresa, uma suspensão por escrito de três dias.

Eu não sei por que aquele rapazinho não gostava de meu trabalho ou de mim. Talvez porque ele fora o meu professor do último curso que fiz lá em Nilquém, Argentina, e em um certo dia emprestara-me, espontaneamente, o seu apartamento, para que eu e uma aluna de sua namorada, professora de balé, nos divertíssemos, em uma noite fria com algumas de suas baratas mas gostosas garrafas de vinho argentino. Não sei, pois nunca havia tido repreensão, nem oral, naquela empresa.

O tempo passou, recebera com preocupação a suspensão; voltei ao trabalho, mas com maiores preocupações. Quando voltei, comentando o fato com nosso supervisor da base, ele aconselhou-me cautela. Disse-me que a interinidade era passageira, e que trabalhasse como sempre trabalhei. Mas, transcorrido algum tempo, o dito cujo assumiu o comando da empresa no escritório que ficava sediado em Natal. Fiquei mais precavido ainda.

Page 22: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Passei mais a embarcar nas plataformas, longe da fera, embora em todo desembarque tivesse que transmiti-lhe os problemas e acertos do trabalho nos quinze dias nas plataformas. Já havia comprado a casinha de morada, com contrato de gaveta, ao meu irmão Neto. Já estava com o primeiro carro, um Fiat 147 ano 1981. Já estava relativamente estável financeiramente, mais o que me preocupava era a instabilidade no emprego.

As plataformas de prospecção de petróleo estavam mais distantes da costa leste do nosso estado. O transporte até elas era feito em helicópteros grandes, com capacidade para dezenove passageiros, com sessenta, oitenta minutos de mar a dentro. Ficava um pouco receoso com aquelas viagens. Havia, embora não costumeiramente, acidentes fatais com os helicópteros, mas graças a Deus, comigo só aconteceu um assustador pouzinho forçado, sem muitas conseqüências.

No dia 7 de fevereiro de 1987, casamos eu e Zilda. Casamento apressado, pouco dinheiro, convidados só familiares e padrinhos. Para nossa maior felicidade nasceu no dia 04 de julho do mesmo ano o nosso amado e querido filho Gabriel. O melhor acontecimento de minha vida. O melhor amigo, filho, precoce conselheiro e companheiro que eu tenho nasceu naquela tarde daquele sábado, com cinqüenta e nove centímetros de pura felicidade. Naquela época divulgavam na mídia que as mulheres brasileiras não gostavam de ter seus filhos em partos normais. A obstetra, talvez, influenciada, não sei, com os noticiários, induziu até o último instante, para que o parto fosse normal. Eu, acompanhado, na maternidade, ansioso, apreensivo, aos preparativos para o parto, achei não ser normal as várias injeções que a enfermeira aplicava em Zilda e perguntei-lhe isso. Recebi resposta negativa. Mas, o nascimento do nosso filho, após a correria para encontrar um médico anestesista, foi feito atrasado e a fórceps. Eu estava na sala de parto, por trás de um divisória, com a autorização da médica, juntamente com minha cunhada Cláudia, esposa de Neto e Zilmar, esposa do meu irmão Gilberto e irmã de Zilda.

Estava com uma máquina fotográfica para registrar as primeiras horas de vida de meu filho. Mas ele nasceu um pouco atrasado e achei por bem não fazer aquele registro, pois nasceu um pouco roxo, em conseqüência do parto atrasado. Graças a Deus não nasceu com seqüelas, como costumeiramente acontece com partos daquela natureza. Isso é o que eu ouço sempre falarem. Eu, particularmente acredito que aquela médica obstetra aprendeu naquela ocasião mais um pouquinho sobre como se faz um parto.

Em agosto de 1987, após o desembarque de plataforma, fui conversar com a chefia, como costumeiramente fazia em todos os desembarques, para relatar-lhes os quinze dias que passava trabalhando. Na conversa fui informado de que iria ser transferido para a base de Belém do Pará e que iria trabalhar em sonda que iria fazer alguns poços pioneiros na ilha de Marajó. Perguntei-lhe por que não transferiria um outro técnico com mais experiência que eu. Hesitei em ser transferido, dizendo-lhe que tinha casa de morada aqui em Natal, que estava com filho de dois meses de nascimento, que minha mulher trabalhava, ajudava um pouco nas despesas domésticas, que seria muito problemático ir para uma cidade que não conhecia, com um filho pequeno, de apenas dois meses de vida.. Precupavam-me os quinze dias em que iria ficar embarcado, trabalhando, deixando a família sozinha em uma cidade desconhecida. E, que, principalmente estava satisfeito morando e trabalhando em NataI.

Mas ele disse-me que não me preocupasse, pois a empresa daria hospedagem de quinze dias, para que eu procurasse uma nova morada naquela cidade. Após muita relutância, não convencido disse-lhe que estava entrando de folga e logo após entraria de férias. Mas recebi corno resposta que era de férias mesmo que eu teria que ser transferido para que não houvesse perda de tempo por parte da empresa. Fiquei indignado com aquela resposta e disse ao chefe que iria sozinho, veria as condições de moradia na nova cidade e se não houvesse condições dignas e satisfatórias para a minha família, voltaria e com carteira de trabalho em mãos. Então, ele disse-me: “Vá tirar suas férias e na volta conversaremos”.

Passei as férias com uma pulga atrás da orelha. No retorno, antes que as férias acabassem, recebi um telefonema da secretária para comparecer à empresa, perguntado-me por que não havia ainda comparecido. Eu disse-lhe que ainda faltavam uns dez dias para que

Page 23: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

as minhas frias acabassem, mas, mesmo assim, compareci falei com ela e retornei as férias restantes. Ao término das referidas férias fui solicitado a falar com o tal chefe, que de maneira sádica, informou-me que estava demitido e perguntou-me ainda mais o que era que eu iria fazer da minha vida. Com isso, eu quase lhe arrebento a fuça. Mas, mantive-me calmo e respondi-lhe, humilde e simplesmente que iria tentar trabalhar numa empresa concorrente que havia se instalado na região. Então ouvi-o dizer: “tem vaga, mas é para ir para Belém do Pará”. Eu prontamente respondi-lhe que iria, pois aquela nova empresa além de proporcionar um salário compatível com o que estava ganhando dava também e, principalmente para os transferidos, aluguel de moradia.

Antes da demissão, recusava por várias vezes, o convite de amigos que, pediam demissão da empresa onde trabalhávamos para trabalharem naquela nova concorrente, com ganhos relativamente mais satisfatórios, como por exemplos o aluguel de moradia. Graças a Deus passei somente uns quinze dias desempregado tempo necessário para resolver problemas trabalhistas e burocráticos da demissão. Fui trabalhar na nova empresa, aqui na plataforma continental do nosso estado. Embora a nova empresa proporcionasse ganhos melhores, melhores condições de trabalho e melhores condições hierárquicas de diálogo entre seus funcionários, ficou gravado em minha mente o fantasma da insegurança da demissão e, nessas condições, surgiram alguns sutis pontos a mais da arrasadora progressividade da depressão.

Só hoje, conhecedor daquele fantasma, é que tenho condições, satisfatórias e seguras para falar com convicção a respeito daquela iminente monstruosidade.

Em novembro de 1987, logo no segundo embarque, com quarenta e cinco dias trabalhando naquela nova empresa, fui acometido por um crise de vesícula. Estava embarcado trabalhando normalmente, quando comecei a sentir dois, três dias antes do desembarque, urna dorzinha no abdômen.

Falei com o enfermeiro a respeito daquela dor e ele aconselhou-me a, quando desembarcasse dirigir-me imediatamente a um gastroentologista, especialista no assunto.

Na segunda-feira, logo após o desembarque, fui ao médico e ele, após um rápido exame superficial, disse-me para minha surpresa e espanto (só não caí porque estava ainda deitado na maca de exame), que o remédio era faca. Iria mandar fazer os exames de rotina, para, com os resultados, confirmar a data da cirurgia. Passaram-se uns quatro dias e lá estava eu deitado em uma cama de hospital tomando soro para fazer a cirurgia.

Do apartamento em que fiquei no hospital, tinha-se, através da porta, a visão de um dos corredores do hospital. Na manhã ensolarada daquele dois de novembro, dia de finados, primeiro dia e primeira vez de hospital, estava eu deitado na cama tornando soro, apreensivo com a cirurgia conversando com uma gorda, mas simpática enfermeira e observando o caminhar de um homem com idade avançada, andar lento, trôpego, com uma Bíblia em baixo do braço e que se aproximava em direção do meu apartamento. Ao chegar à porta do apartamento abriu a Bíblia vagarosamente e foi logo me perguntando se eu acreditava em Deus e que estava aguardando a hora de fazer a cirurgia. Respondi-lhe que acreditava em Deus e que estava aguardando a hora de fazer cirurgia. Fui convidado para rezar com ele e prontamente rezamos um Pai-Nosso. Pedi também, silenciosamente, a minha mãe para ajudar-me naquele instante. O homem fechou a bíblia, desejou-me sucesso na cirurgia, despediu-se e eu acompanhei com um olhar pensativo aquele seus passos lentos: “Meu Deus? Será que este homem veio dá a minha extrema unção?”. A enfermeira, vendo meu semblante de medo, ainda mais apreensivo confortou-me, dizendo que aquele ato era corriqueiro no hospital.

Quando chegou a hora da cirurgia, lavou eu sendo rebocado por duas enfermeiras em cima de uma maca, com a garrafa de soro balançando no suporte da maca, aquela mangueirinha ligando a garrafa de soro ao meu braço esquerdo, vestido com aquele roupão verde que cabia uns dois de mim. Eu sentia-me um estranho no ninho naquela situação, que para mim, era desagradável, porém necessária.

Page 24: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Despedi-me de Zilda e Cláudia, minha cunhada, e pensando em meu filho Gabriel, que ficara em casa. Dirigiram-me passivo à sala de cirurgia indagando-me sue silenciosamente, naquele pequeno trajeto a sala de cirurgia: “Meu Deus do Céu, ajude-me. Será que eu volto desta viagem em paz?”

Graças a Deus a operação foi um sucesso e eu, com uns vinte dias de convalescença compareci com medo da demissão, à empresa. para conversar com a chefia, mas fui muito bem recebido. O chefe brincou comigo dizendo-me que a direção havia dito que era para terem contratado um funcionário sadio, que não fosse doente. Antes dos noventa dias de licença a que tinha direito, voltei espontaneamente, com medo da demissão, ao trabalho.

Em maio de 1988 fui transferido para a base de Belém do Pará. Combinamos, Eu e Zilda, que, após o meu primeiro embarque naquela nova base, ela viajaria com o nosso filho Gabriel e a minha irmã ColIete que iria nos acompanha para fazer-lhes companhia nos meus quinze dias de embarque.

Fui bem recebido pela nova chefia da base, que me ajudou com indicações dos melhores bairros para moradia. Aluguei um apartamento que tinha urna varandinha na sala, com dois, mas bem espaçosos e aconchegantes quartos, em Umarizal, um dos melhores, mais centralizados tranqüilos bairros daquela cidade.

Morávamos no terceiro andar daquele edifício, que foi a nossa morada por longos quatro anos. Fizemos amizades com D. Terezinha, viúva, moradora do segundo andar, urna pessoa idosa, muito carinhosa corri todos e principalmente com o nosso filho Gabriel.

A Petrobrás havia descoberto petróleo no Rio Urucu, no sul do estado do Amazonas, perto da divisa do estado do Acre. Todas as vezes que íamos embarcar, embarcávamos primeiramente para Manaus capital da imensa Amazônia e de lá em vôo de umas duas horas de mata a dentro até Carauari, cidadezinha às margens de um rio. Daquela pequena cidade, mais uns 60 minutos de helicóptero até a sonda. De cima, naquelas viagens, sempre observava a imensidão da floresta Amazônica, com aquele imenso tapetão verde sendo entrecortado por pequenos e grandes rios que se estende até onde a nossa visão alcança. Muito bonito, e encantador, aquela natureza que o homem está indiscriminadamente e controle destruindo.

O início de um poço de petróleo na mata Amazônica é muito dispendioso, trabalhoso e perigoso também. Veja que todo o material da sonda e dos alojamentos é transportado aos pedaços e de helicóptero. A movimentação de vôos dos helicópteros no início de um poço para transportar todo material da sonda petrolífera, incluindo o pessoal de apoio e alojamentos, é intensa.

A clareira feita na mata virgem pelo pessoal de frente tem aproximadamente um meio quilômetro quadrado. Em virtude dos seis meses de chuva naquela região provocar muito lamaçal, são feitas passarelas de madeira interligando a sonda aos alojamentos e outros pontos de movimentação de pessoal em seus ininterruptos trabalhos. Sempre ao lado dos alojamentos fazia-se um campinho, de futebol para o divertimento de fim de tarde em acirradas peladas dos que gostassem de futebol e/ou voleibol.

Trabalhei aproximadamente três anos naquela região. Trabalhava às vezes à noite e debaixo de um tororó d’água pesado — naquela região não chove, cai água. Quando o equipamento apresentava qualquer defeito na hora do trabalho, eu tinha que cair na lama e bater muita marreta. Mas, conformava-me em ver ao meu lado o engenheiro fiscal, também no meio da chuva. Hoje, somente hoje, posso afirmar que já aquela época a indesejada e oculta companheira estava manifestando-se e eu não sabia.

Todas as férias de final de ano, em novembro, dezembro e janeiro, vínhamos para a grande e apaixonante terra Natal, passarmos o veraneio de final dc ano e matar as saudades deste sol maravilhoso e elas belas praias.

Page 25: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Muito embora estivesse neste período, embarcando normalmente e viajando, de quinze em quinze dias, em viagens cansativas de ônibus a Belém para trabalhar, achava compensadores os momentos de folga em que ficávamos em Natal desfrutando as maravilhas desta terra abençoada por Deus e bonita natureza.

Após insistência minha junto ao chefe daquela base, consegui de comum acordo, que eu abriria mão do aluguel de moradia em Belém em troca das passagens até Belém, e de Belém a Natal.

Após o acordo que fiz, com a empresa para ficar morando em Natal e trabalhando em Manaus, a situação melhorou um pouquinho. Em todos os meus desembarques, sempre encontrava tempo para passar na zona franca de Manaus e trazer umas muambas para vender e melhorar a renda familiar mas, preocupava-me a instabilidade e aumentava una pouco a pontuação da dita cuja. Ora, eu pensava, se houver uma onda de demissões, eu serei o primeiro da lista, pois a empresa não irá ter muito prejuízo em demitir um funcionário que já está em sua terra natal. Será um gasto a menos que ela terá com a mudança da família. Essas indagações sempre pairavam em minha mente quando fazia comentários a colegas quando estávamos embarcados e este assunto entrava em pauta. Acredito eu que essas manifestações negativas já fossem indícios da inesperada e arrasadora implosão.

Na época em que morávamos em Belém, a situação financeira não estava lá essas vantagens todas; havia planos e mais planos para derrubar a inflação do Brasil, que estava beirando os 60% de salários defasados.

No início de 1992, consegui, para meu alívio, a transferência para a base de Mossoró. Voltei a trabalhar embarcado na plataforma continental do nosso estado sem aquele fantasma da demissão que sempre me atormentava. Mas, antes dos embarques, havia sempre o danado daquele tranco no peito.

Nessa época, uma semana antes do embarque para trabalhar nas plataformas, eu sentia aquela progressividade daquela angústia, daquele tranco no peito, mas sem saber o que danado era aquilo. Não me preocupava muito, não tinha conhecimento, naquela época, da dita cuja. Hoje, somente hoje, posso afirmar que a progressividade daquela indesejada situação aumentava e eu não sei por que ou, com aquela situação incômoda atormentando-me, não procurava, não me interessava em externar para alguém aquela situação tão desagradável que estava sentindo. Ainda hoje sinto, muito raro, quando ressacado, algum vestígio ela dita cuja.

3. Os negros e nefastos dias

Lembro muito bem que no dia do embarque, antes da primeira crise de depressão, naquele agosto de 1993, (estas datas estou colhendo da carteira de trabalho, pois naquela época não tinha noção ele espaço nem de tempo), eu liguei para o nosso supervisor da base em Mossoró, como fazia costumeiramente antes de cada embarque, e ele perguntou-me como eu estava me sentindo. Respondi-lhe que estava tudo bem. Naquele momento de sua pergunta eu pensei que ele estivesse a par da minha situação. Mas, conversamos, simplesmente a respeito de trabalho.

Embarquei com o danado daquele tranco muito forte no peito. Não sei se logo quando cheguei à plataforma, o sono fugiu. Eu só sei que passei uns oito dias sem dormir nada, e, o que é pior, o mundo todo contra mim. Qualquer programa que estivesse passando na televisão eu achava que era contra minha pessoa; revistas, jornais, o que veiculava logo na primeira página nas manchetes, eu achava, ou melhor, tinha certeza de que era contra minha pessoa. Se passasse em qualquer local da plataforma e estivessem duas ou três ou mais pessoas conversando, eu achava que aquela conversa era a meu respeito. Ó situaçãozinha difícil aquela! Achava também, que a minha então esposa estava traindo-me. Era urna confusão geral em minha mente.

Page 26: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Havia urna baiana, nutricionista, única e somente única mulher embarcada, com maneira tímida, deprimida eu comentei que achava que estava sendo traído pela minha esposa. Porém ela indagou-me como estava o nosso relacionamento e eu disse-lhe que estava normal. Com esta minha resposta ela chegou a brincar comigo, a respeito do caso. Mas, em um certo dia joguei a aliança do casamento no oceano.

Naqueles nefastos e negros dias de puríssima e límpida depressão em minha paupérrima mente, só vinham pensamentos suicidas. Passava horas e mais horas, de dia ou à noite, caminhando no heliporto, solitário e fazendo planos suicidas. Se pulasse daquela altura de uns cinqüenta metros era morte na certa. Mas a imagem daquele suicida deprimido que eu falei anteriormente ajudou-me e muito. Eu me via chegando em casa morto e com aquelas deformidades; seria muito pesado para meu filho aquela indesejada situação.

Nas poucas horas em que não estivesse caminhando, ficava no camarote deitado. E mais pensamentos suicidas. Às vezes caminhava aleatoriamente, mas, com bastantes precauções para que não fosse notada pelo pessoal embarcado, aquela aleatoriedade. Mas graças a Deus, em contrapartida eu repetia para mim mesmo, insistentemente, quase que insistentemente a frase: EU SOU FORTE.. EU SOU FORTE.. EU SOU FORTE.

Nas horas das refeições eu só fazia meu prato. para beliscar alguma coisa, após outros funcionários fazerem os seus. Eu achava que teriam colocado veneno para me matar. Vejam que coisas de louco: Pensar, constantemente, em suicídio e ao mesmo tempo achar que queriam matar-me envenenado. Só coisa de maluco mesmo.

Dias longos ... Longos ... E difíceis, muito difíceis aqueles dias. Agradeço sempre a Deus por ele ter salvado, muitas e muitas e muitas vezes aquele meu paupérrimo estado de vida. GRAÇAS A DEUS.

Eu sei que os muitos desentendidos do assunto irão achar que estou exagerando,porém quem é conhecedor daquela dita cuja irá compreender-me.

Em um certo dia, lá pela madrugada a dentro, eu vi que o meu companheiro de camarote não estava dormindo em sua cama. Tempos mais tarde, deparo-me com ele dormindo nas cadeiras da sala de televisão, e logo imagino: “Pô! Será que este cara está com medo de mim?” Mas, não comentei posteriormente o assunto com o ele.

Todas as noites, para passar mais o tempo, jogávamos baralho com apostas em centavos, na sala de televisão das chefias. Naquela plataforma havia duas salas desse tipo, uma para os chefes e outra para a peãozada. Mas eu transitava nas duas. Em todos os meus trabalhos precisava sempre da ajuda daqueles auxiliares por isso teria que manter o companheirismo com todos.

Em urna daquelas noites em que jogávamos baralho, se não me falha a memória era um domingo, estávamos jogando eu, dois técnicos da Petrobrás, o engenheiro da plataforma contratada, o mestre em eletricidade e o eletricista da sonda.

Jogaram se não me falha a memória, um rei de espadas em cima da mesa, e eu arreei as minhas cartas sobre a mesa e disse que havia batido a parada. Com a negação dos companheiros, dizendo que eu não havia batido, olhei as minhas cartas abertas que estavam sobre a mesa, e vi, para minha surpresa. que aquela carta não encaixava em meu jogo. Pedi licença, meio constrangido aos companheiros, e disse-lhes que não iria mais jogar. Saí da sala, e quando estava caminhando desolado no corredor dos alojamentos, fui chamado por um dos companheiros do jogo, colega de vários anos de petróleo. Ficamos conversando. Ele me perguntou o que estava acontecendo comigo, pois me conhecia de vários anos, mas, disse-lhe que estava tudo normal. Prontamente ele insistiu e disse-me que iria desembarcar no dia seguinte, caso eu tivesse com algum problema em terra e, se ele pudesse resolver, resolveria com o maior prazer. Mas, simplesmente, agradeci-lhe. E ele, vendo que as coisas não estavam normais comigo disse-me: “Damasceno, se eu não posso resolver o problema que você tem

Page 27: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

em terra, por que você não fala com o seu chefe e desembarca para resolvê-lo? Aqui você não terá condições de resolver. Poderá ficar mais complicado.”

Devo muito, muito mesmo, àquelas amigas palavras.

Fui, após esse pequeno, mas proveitoso diálogo, falar com o engenheiro da sonda, dizendo-lhe que não tinha condições de ficar embarcado. Perguntou-me o que estava acontecendo, pois a sonda não poderia ficar sem um técnico de cimentação e que estava próximo de ser feito um trabalho, faltavam só uns quatro dias para ser feito a cimentação no poço. Disse-lhe, simplesmente. que não teria condições de fazê-lo e que iria desembarcar no dia seguinte. Nesse momento, ele, vendo a minha decisão, pediu-me que entrasse em contato com o meu chefe para providenciar o meu substituto e que eu só desembarcaria após o acerto da substituição. Fui para a sala de rádio eram, aproximadamente 22h daquele nefasto domingo quando eu liguei, primeiramente, e a cobrar (as ligações só poderiam ser a cobrar para meu irmão Neto), dizendo-lhe que iria desembarcar no dia seguinte que ele fosse à minha casa, pegasse o meu carro, levasse para sua casa, e que quando eu desembarcasse, iria conversar com ele. Mas ele, sem entender porra nenhuma do que eu estava falando, perguntou-me se eu havia bebido. Respondi-lhe que não. Achava, naquele momento, que até a minha família estivesse contra mim também.

Eu pensava também que a minha então esposa iria vender a nossa casa e eu quando desembarcasse iria deparar-me com outras pessoas morando lá. Iria morar solitário embaixo de uma ponte qualquer. E o desespero aumentou mais ainda. Logo depois, liguei para o meu chefe, para relatar-lhe que eu iria desembarcar no dia seguinte, pois não estava tendo condições de ficar trabalhando. Mas ele simplesmente disse-me que aquela atitude provocaria demissão. Mesmo assim, insisti que não teria condições de ficar trabalhando.

Com a minha relutância, disse-me que ligasse, após alguns minutos, para o engenheiro supervisor. Aguardei alguns minutos, mas o supervisor foi quem ligou. Foi mais amigável, de maneira mais compreensiva e civilizada, conversamos superficialmente a respeito daquela drástica situação. Disse-me que iria mandar, se houvesse condições, um substituto, pois, como eu era conhecedor, teria que haver uma programação antecipada nos embarques de pessoal. Naquela altura do campeonato, eu acredito que já passava de zero hora. Fiquei um pouco confortado em ter a esperança de no dia seguinte desembarcar.

Porém, lá pela madrugada, acredito que eram umas quatro horas da manhã, eu saí em busca em toda a plataforma, do outro técnico da Petrobrás, com quem estávamos jogando na noite anterior. Com este eu tinha mais amizade que com aquele outro. Consegui, após muita busca, encontrá-lo e logo ao deparar-me com ele, disse-lhe que precisava urgentemente conversar com ele. Combinamos e fomos à sala de televisão. Então eu passei uns longos sessenta minutos de rios de lágrimas conversando com ele a respeito do fatídico dia. E ele, com um ar de assombro pedia-me simplesmente, que eu me mantivesse calmo. (Eis o meu questionamento, que para muitos ... é babaquice). Por que aquela fatídica apareceu? Passou e eu fui para o meu camarote deitar-me. Deitado na cama, de repente eu cismei que o meu coração estivesse sem funcionar: procurava os batimentos e não os encontrava em parte alguma do corpo. Preocupado, fui logo procurar o enfermeiro da sonda para que ele fizesse a verificação do mesmo. Mas disse-me que estava tudo normal. Perguntei-lhe também, se haviam colocado, sem eu saber, algum remédio em minha comida. Recebi resposta negativa. Aí, eu ficava matutando: Meu Deus do céu, o que é isto? Mesmo assim, no estado em que eu estava sentia que havia alguma coisa de errado comigo.

Fiquei no camarote deitado na cama. O sistema de comunicação interno da plataforma chamou a comparecer à sala de rádio para um contato telefônico, justamente o técnico com quem eu havia conversado minutos antes. Nesse momento abri apressada a porta do camarote, abri a porta que dá para o convés da plataforma, subi correndo a escada que dava acesso à sala de rádio, entrei e sem falar com o operador de rádio fui logo atendendo ao telefone que estava sobre uma mesa. Do outro lado da linha, falava uma criança dizendo que aquele dia era o seu aniversário. Mas eu, achando que fosse o meu filho Gabriel, dizia-lhe, e chamando-o de filho, que o seu aniversário já havia passado. Porém o garoto insistia dizendo

Page 28: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

que sua mãe já havia feito as lancheiras, já havia convidado os primos, os amigos dele e que a comemoração iria ser feita à noite. Nesse momento eu senti que algo, realmente, estava errado. Perguntei a data ao operador de rádio e quando ele me falou eu pensei: estou doido, pirei de vez. Naquele momento, o que havia de vidro dentro da sala de tédio não ficou um inteiro, quebrei tudo na porrada. Foi caco de vidro e sangue pra todo lado. As minhas mãos ficaram derramando sangue. O operador de rádio, que estava batendo um documento à máquina de escrever, ficou apático. Sujei: ele, máquina de escrever, documentos, mesa e as paredes da pequena sala de rádio, tudo, de sangue.

Quando saí da sala de tédio, ia saindo do refeitório o contramestre de eletricidade; olho para a esquerda do corredor e deparo-me de frente com o engenheiro fiscal. Sujei-o, também, todo de sangue. Mas, foram me pedido calma, até que conseguiram me levar para o ambulatório para fazerem curativos em minhas mãos. Acalmaram-me dizendo também que já haviam providenciado um helicóptero para o meu desembarque.

Fui para o camarote arrumar a mochila e aguardar o desembarque. No camarote, fiquei pensando que viria no mesmo helicóptero uma emissora de televisão para mostrar o futuro presidente da República. A minha cabeça já mostrava dando sinais que para os médicos, são o estado de mania. Mas, para minha decepção na viagem fui ladeado pelo segurança industrial e o enfermeiro e ficava pensando: ‘Alguma coisa está errada. Por que a emissora de TV não veio?” No trajeto parecia um detento.

No desembarque em Guamaré aplicaram-me urna injeção, eu acreditei que era para dormir, mas não surtiu efeito algum.

Vim para Natal em um táxi, que por coincidência, era de um companheiro de quarto de quando morávamos na casa do estudante em Natal. Perguntou-me o que tinha havido com as minhas mãos, que estavam enfaixadas. Mas, lacônico, disse-lhe que teria sido em um acidente.

Pedi ao companheiro para descer urna quadra antes da minha casa, pois ainda achava que iria encontrar estranhos como moradores. Cheguei em casa, sorrateiramente, com medo. Porém encontrei,a minha mulher com um olhar assombrado e meu filho brincando no jardim. Nesse momento eu senti que a situação estava diferente da que estava em minha paupérrima mente. Conversei muito pouco e fui deitar-me no meu quarto.

À noite fomos convidados, por Cláudia, minha cunhada, para irmos rezar em uma igreja. Quando chegamos à igreja e iniciamos as orações, eu disparei a chorar novamente. Levaram-me à casa do irmão de Cláudia, que fica nas proximidades da igreja. Eu ouvia falarem em médicos, mas aos gritos dizia-lhes que os médicos não sabiam de nada. Veja como estava doido. Queria porque queria, naquela noite, ir conversar com papai, a trezentos quilômetros de distância, e a respeito justamente do dito cujo, mas contiveram-me.

Convenceram-me a ir conversar com o médico amigo de um cunhado de meu irmão Neto. Falei pouco, pedi-lhe um remédio para dormir, pois havia muito tempo que não conseguia. Levaram-me ao hospital psiquiátrico, onde resisti para entrar dizendo que não estava doido, mas, com muita insistência, tomei a tão desejada injeção, no pátio do hospital.

No dia seguinte, logo pela manhã, levaram-me à clínica psiquiátrica. Lá na clínica a conversa foi mais demorada. E foi lá, que, pela segunda, o fatídico apareceu. Mas o médico disse-me, de maneira ríspida, que não havia relação nenhuma do problema com a dita cuja. Como? Por quê? Eis o meu questionamento, mais uma vez, que para muitos ... é babaquice. Fui para casa.

Em um certo dia, estava meio zonzo ainda, o meu irmão Neto e sua esposa Cláudia foram-me fazer uma visitinha. Disse-lhes, a Neto, a Claudia e a Zilda que aquele problema era conseqüência do que papai me havia dito quando eu era criança. Então eu notei que eles achavam que papai teria, com aquele fatídico gesto, me impedido de algo. Porque, quando eu lhes disse o que papai havia me dito houve espanto geral. E Neto perguntou-me

Page 29: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

assombrado: ‘E você é veado”? Eu disse-lhe que não. (Eis o meu questionamento, mais urna vez, que para muitos babacas é loucura). Repeti outras vezes a fatídica. Mas sempre causava espanto. Calei-me e passei a busca silenciosamente.

Em uma dessas visitas de Neto e Claudia, eu já estava um pouco melhor, já estava a rindo, ele perguntou-me como eu estava, se já tinha melhorado, porque, sendo assim, eu não necessitaria ligar a cobrar para ele. Conhecedor daquela insensatez decorrente de sua (Tilpatinhês), fiz que não ouvi aquelas insanas palavras.

Entrei de licença médica pela segunda vez trabalhando naquela empresa naquele agosto de 1993. Mas, com uns trinta dias, com medo de demissão, pedi ao médico do INSS para voltar ao trabalho, embora estivesse ainda tomando os medicamentos prescritos pelo meu psiquiatra.

Meu médico, já prevendo alguma coisa, disse a minha então mulher que o efeito do medicamento era para acalmar. Mas, poderia ter um efeito contrário. Não deu outra. Recebi, pouco tempo depois, como prêmio de confraternização da empresa, a demissão. Naquela época, não sei, talvez por causa do efeito dos medicamentos, aquela demissão já não me abalou tanto como a anterior. Eu não tenho muitas lembranças nem tão pouco recordações daqueles negros e longos e nebulosos dias de minha vida. Estou colhendo dados da velha carteira de trabalho.

Lá pela base de Belém houve umas brigas do chefe com alguns técnicos, e houve demissões. Readimitiram-me após uns vinte dias. Fui trabalhar na base de Belém, e novamente no rio Urucu. Fui, então, fazer um curso de reciclagem em Macaé, Rio. No final do curso eu já achava que iria ser o novo Jesus Cristo. Achava também que havia um psicólogo infiltrado na equipe me vigiando. Cheguei até a fazer essa pergunta a um novato que apareceu em um jantar de confraternização, no final do curso. Naquela época eu elegi a Bíblia Sagrada como minha companheira inseparável, para rezar antes de dormir. No final do curso cheguei até a questionar, comigo mesmo, quem seria o novo São Paulo, pois havia um colega dc curso de nome Paulo e outro, que era o meu chefe. Ficava matutando

No final do curso, o diretor geral da empresa. proferiu um discurso de confraternização. Falou que a empresa, a partir daquele dia iria ser mais criteriosa em fazer demissões. No meio de sua explanação eu saí umas duas vezes da sala para, escondido, derramar lágrimas.

Mesmo assim, embarquei logo em seguida para a sonda. Lá o estado de mania veio com mais intensidade. Fiquei sem dormir, a cabeça ultrapassando a barreira do som constantemente. Ligava para casa duas, três, quatro vezes por dia. Minha mulher entrou cm contato com o meu médico e pediu-me que me comunicasse com ele pelo telefone. Na conversa, ele pediu-me para tomar o remédio para dormir, três vezes por dia. Mas eu passei a tomar quatro comprimidos de 100mg diários e o sono, mesmo assim, fugia. Comentei também com o meu médico, naquelas conversas telefônicas, que iria fazer um livro da minha vida. Ao saber daquela pretensão ambiciosa, ele pediu-me para desembarcar e conversar com ele. Mas, com medo da demissão, relutei.

A chefia perguntou-me se aquele problema que estava acontecendo comigo não poderia ser trauma de infância. E lá vem o fatídico dia sendo explanado novamente. Comentei com o chefe também que, se chorasse um ano ininterrupto, ficaria recuperado daquele estado. Em uma reunião com todos os funcionários, insisti em dizer ao chefe que, em um dos pontos da pauta da reunião, ele estava equivocado. Porém, com sua insistência, chamei-o de “burro”, e, logo na frente dos demais colegas. Pouco tempo depois, e a sós, ele veio me explicar sua decisão daquele momento.

Estava conversando com o chefe no camarote quando comentei que eu iria ser o novo Jesus Cristo. Mesmo com os seus conselhos em contrário, fui ao banheiro me ver no espelho, se estava cabeludo e barbudo como conhecemos a imagem de Cristo. Eu achava que iria ser um Jesus Cristo moderno, casado, com filho. indagava-me também como iria ser a educação

Page 30: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

do meu filho, pois, sendo o novo Jesus Cristo, iria andar o mundo todo. Porém, no mesmo instante, pensava: Sendo ele o filho de Jesus, irão colocar professores particulares nos acompanhando. Veja como eu estava voando alto! Bem pertinho de DEUS!

Após insistência dos dois chefes, eu desembarquei viajando para Manaus, acompanhado do supervisor. Naquele trajeto eu disse ao supervisor que iria conversar com o piloto da aeronave para ele acelerar mais o avião. Ora, para quem estava ultrapassando a barreira do som, aquela velocidade de 500 km/h era muito pouco. Mas fui contido por ele.

Pernoitamos em Manaus. Liguei para a mulher para que ela colocasse todo o dinheiro da indenização, que havia sido emprestado, em minha conta e comprei todo o dinheiro de muamba na zona franca, para revender e obter lucros.

Quando estava fazendo compras, vi em uma vitrine de uma loja uma máquina de calcular que mostrava o mapa-múndi planificado. Perguntei ao vendedor a finalidade daquela bonita engenhoca. Ele me explicou que servia para fazer cálculos aeroespaciais. Pensei logo em ser engenheiro aeroespacial. Mas, pelo preço um pouco salgado, resolvi adiar a compra e o sonho de trabalhar na NASA. Sempre estava segurando o freio da compulsão de gastar. Quando estava fazendo compras, fui abordado por um vendedor da Loteria Federal. Comprei uma faixa dos bilhetes e deixei, para seu espanto, o troco com ele, dizendo-lhe que um daqueles seria o premiado e aquele troco era a gorjeta.

No hotel havia uma garçonete, cara de índia, pele bronzeada, muito bonitinha. Conversamos, batemos um papinho, porém combinamos que iríamos nos encontrar, no domingo, na praia de Ponta Negra. Viajei antes do desejado encontro. Não tenho muita lembrança de como foi a viagem até chegar ao médico aqui em Natal, e em 05 de janeiro de 1994 entro, novamente, em auxílio-doença.

Para melhor definir o estado de mania eu fiz este verso. Pena que aquele estado de graça tenha sido cortado precocemente.

MANIA Ah!!! Mania! Que belo pensar! Mostra um estado gigante. Com uma energia vibrante Que deixa os neurônios fulgurantes, Não deixa o ocaso chegar, Deixando o sol sempre a brilhar. Com os neurônios fulgurantes, Ah! !! Que belo pensar! Que deixa o sono distante Que deixa a língua falante, Que deixa o sexo gigante, Pois está sempre a brilhar, Que deixa a tesão lá nas nuvens, Ficando sempre a pulsar. Ah!!! Com os neurônios fulgurantes, Que belo pensar!!! É um enigma profundo,, Que só Deus pode explicarMas, com estudos futuros,Pretendendo me reencontrarE, humildemente, poder me consolar.

Com os neurônios fulgurantes Ah!!! Que belo pensar.

Page 31: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Com pouco tempo de licença médica e com medo da demissão, pedi novamente ao médico do INSS pura voltar ao trabalho, dizendo-lhe que já estava apto para trabalhar. Telefonei para a base de Mossoró e informaram-mo que aguardasse um pouco, pois o chefe estava viajando. Fiquei preocupado, pois aquele procedimento não era costumeiro. Quando o chefinho voltou do passeio, fui com preocupação falar com ele, mas já sabendo mais ou menos o que estava me esperando. Não deu outra: demissão sumária, as forças e as esperanças esgotaram-se naquele dia. Passei de um estado sintomático de mania para o seu oposto. Recusei-me a assinar a carta de demissão. Viajei para Natal de ônibus, pensativo, procurando ajuda na Bíblia. Era início da noite, via pela janela do ônibus em movimento aquela imagem brilhante, sempre mutante, da lua saindo do horizonte por trás daquela vegetação seca.

Voltei à perícia médica dizendo que havia voltado ao trabalho e que tinha entrado em crise novamente. Engoliram os meus argumentos. Conversei com o meu psiquiatra a respeito do ocorrido e ele ainda tentou reverter o quadro, conversando, por telefone, com o chefinho, mas tudo em vão. Eu não sei, realmente, em que estado naquela época eu estava. Passaram-se três meses e fui novamente, apreensivo, à perícia médica. Dessa vez urna médica baixinha, loira, fez bastantes indagações a mim, e, em certo momento, ela saiu da sala, voltando instantes depois, com o seu chefe, e, olhando para min inerte em uma cadeira, disse-lhe: “Olha, este rapazinho diz que sente isto ... isto ... e isto”. O chefe pediu-lhe a minha pasta, revirou a papelada lentamente e mostrou-lhe um atestado médico dizendo: “Olha o número dele”. Senti um alívio. Quando recebera do meu médico aquele atestado, fora informado de que aquele número era colocado em virtude de ética médica. Naquele momento pensei rapidamente.”Pô! Sou doido mesmo”.

Comentava sempre com o meu médico aquela instabilidade, e ele, para aumentar mais ainda minha preocupação, dizia-me que não era fácil e que poderiam a qualquer momento, cancelar a licença médica. Naqueles negros meses eu me inscrevi em um cartão de crédito para, tão logo fosse cortada minha licença, comprar um revólver e exterminar o médico responsável e a mim mesmo. Já estava planejado. Mas, graças a Deus não cheguei àquele desfecho desesperador.

Comententando aquela instabilidade com Neto, ele convidou-me a vender o grosso: pedra, tijolo, telha, areia, brita, na loja de material de construção que ele tinha iniciado, dando-lhe, como compensação, um percentual sobre as minhas vendas. Ficou combinado que, logo após o aniversário de minha poupança, para não perder os juros, iniciaria as vendas. Portanto, uma semana após, com o dinheiro e os rendimentos da poupança, chego à loja para iniciar as vendas e encontro, para minha surpresa e mais uma decepção, justamente o material que tínhamos combinado que eu iria vender. Indaguei-lhe a respeito do combinado e ele disse-me: “Você só quer o filé?” Houve uma pequena discussão e constatei que ali não seria o lugar ideal que havia planejado. Mesmo assim, reticente, inconformado com a situação, comprei uma Kombi velha para ajudar na entrega dos produtos.

Naquela altura dos acontecimentos eu não sei realmente em que estado eu me encontrava: se estava em mania, se estava em depressão, ou se depressão e mania ao mesmo tempo. Eu só sei que a miscigenação daqueles constrangimentos todos foi muito pesado.

Na bula de um daqueles remédios que havia tomado anteriormente, eu lera que havia efeitos colaterais como a perda da Iibido. Achava, naquele momento, que o lítio e os outros medicamentos que estava tomando causassem o mesmo problema. Disse, mesmo com a reprovação do meu médico, que iria parar de tornar aqueles medicamentos. Parei somente alguns dias, pois o sono fugiu e ou tive que recorrer, novamente, àquela medicação.

Vendo que a situação na loja de material de construção, para mim, não teria futuro seguro, resolvi retornar os estudos para fazer concursos. Inscrevi-me em um desses cursinhos da cidade especializados em concursos. Estudava à noite. Urna das colegas, uma das mais bonitas da classe, deu em cima de mim, mas eu naquela situação em que me encontrava, com medo de fraquejar, sem dar conta direito nem da mulher que estava em casa, hesitei. Não demorou muito tempo para alguns pseudocolegas de classe e até professores ficarem soltando

Page 32: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

piadinhas indiretas, achando que eu “não fosse muito chegado”. Ora, na situação em que eu me encontrava, poderia aparecer quem fosse, não havia Viagra que desse jeito. Fiquei até o fim do curso com aquelas hostilidades e sentia que aquela situação provocava conseqüente depressão. Comecei, a partir daquele momento, a ser a minha própria cobaia solitária em autopsicoterapias involuntárias.

Na loja de materiais de construção eu conversei muito com Jair, o funcionário de Neto, e ele acatou os meus argumentos de que PMD fosse um trauma infantil.

Comentei com ele também o que estava acontecendo no cursinho, ele aconselhou-me a voltar a tomar os medicamentos. Comentei em casa o mesmo que havia comentado com o Jair. E como fui mal interpretado! Eu acredito que a minha então mulher achou que eu havia dito que eu era homossexual. O casamento, se já estava em suspenso com a minha história de dizer que a tal de PMD era trauma infantil e ninguém acreditava, achando sei lá o quê a partir daquele dia, sem haver urna comunicação satisfatória a respeito do caso, ficou ainda pior.

No curso, terminou a primeira turma e eu acertei com o coordenador para ficar recebendo somente aulas de Português com aqueles novos colegas. Naquela nova turma eu descobri, em bate-papos, que havia uma psicóloga. Procurei fazer amizade com ela para perguntar-lhe a respeito da tal de PMD. Disse-lhe que o meu médico me havia dito que eu teria que tornar o lítio pelo resto da minha vida, e ela reforçou mais ainda, para minha tristeza, que eu iria tomar aquele remédio até depois de morto. Mas não desisti. Eu matutava comigo mesmo: “Se eu acho que o problema é trauma infantil corno haver necessidade de remédio e logo a vida toda?”

Mas puro engano. O meu médico sempre me informou que teria que tomar o lítio pelo resto da minha vida, o, posteriormente, em conversas com psicanalistas e psicólogos disseram-me haver também, esta necessidade.

Comentando com colegas do cursinho a respeito das concorrências e dos níveis de estudo nos Estados onde iria haver o concurso de Técnico do Tesouro Nacional, achei favorável, para ter melhores condições de aprovação, a cidade de Manaus para prestar as provas do exame, pois lá havia urna concorrência muito menor e com um nível escolar mais baixo, tomando como referência concursos anteriores. Para cobrir as despesas, conhecedor da zona franca, não haveria problema. Outros colegas escolheram estados diversos para prestar seus exames.

Continuei sendo ameaçado pelos médicos, mas sempre antes das perícias médicas que aconteciam de três em três meses. Eu para chegar mais deprimido que estava e provocar choro, ao menor sinal do corte da licença parava sem ninguém saber por três dias consecutivos, o medicamento que estava tomando.

Naquela época, em virtudes das ameaças recebidas eu concorria até para concurso de lixeiro. Fiz outro cursinho em outro local. Mas nesse novo colégio já havia melhorado um pouco da dita cuja e, com o casamento do jeito que estava, namorei uma colega, uma galeguinha, bonita e muito simpática, mas ela, vendo-me muito preso, desconfiou que eu era casado e deu-me cartão vermelho.

Quando parei de tomar o remédio, não sei em que estado eu estava. Um dia, pela manhã logo cedo, minha mulher foi com o nosso filho Gabriel ao dentista para a extração do seu primeiro dente e quando saí eu pensei que, logo que retornasse, eu iria brincar com meu filho a respeito da sua primeira janelinha ter aparecido na boca com a falta daquele dente. Fiquei em casa sozinho. Fui jogar na loteria e no meio do caminho lembrei-me que havia esquecido o cartão do jogo que havia marcado. Voltei para pegar o volante. Dirigindo-me para fazer o tal jogo na casa lotérica que fica próximo a minha casa, no meio do caminho estavam podando um Jambo e havia muitos frutos maduros naquelas galhas cortadas. Lembrei-me que Gabriel gostava bastante daquela gostosa fruta aqui da nossa região. Falei com o podador, colhi alguns frutos e retornei para casa novamente. Para minha surpresa, no momento em que saí no portão da nossa casa, a mulher ia chegando. Achei aquela coincidência um pouco exagerada. Brinquei a respeito da janelinha e fui fazer o jogo na lotérica.

Page 33: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Um outro dia, logo cedo, fui com Gabriel para o seu treino na piscina de um clube local. Quando cheguei ao clube, como havia chegado muito antecipadamente, parei o carro alguns metros antes do portão. Olhei para o guarda dentro da guarita. Gabriel comentou comigo que havíamos chegado muito cedo. Porém olho novamente para a guarita e vejo o guarda sentado e de costas para nós dois, e de repente veio a minha cabeça que o guarda iria abrir o portão antecipadamente naquele instante. Fiquei um pouco assustado com aquela repetição de coincidências. Quando retornamos para casa e comentei os dois casos com a mulher, ela disse-me para não dar muita importância àquilo.

Resolvi ir falar com o padre da paróquia do nosso bairro e ele indicou-me que falasse com o padre Antônio VilelIa, pároco da Igreja do bairro de Candelária só ele aqui em Natal, teria condições de informar-me alguma coisa. Pois havia estudado P.M.D na P.U.C em São Paulo e a respeito daquele assunto. Fui logo no dia seguinte falar com o padre e ele falou-me, para o meu contentamento e alegria, que aquele meu estado de graça era o primeiro dentre cinco para se chegar a profeta. Não acreditei naquela surpresa. Fiquei encantado mais ainda quando ele nomeou o estado em que eu estava e os quatro restantes para se chegar a profeta. Fiquei mais entusiasmado ainda quando ouvi pela primeira vez que aquela tal de PMD era trauma infantil.

Na conversa que tivemos a respeito disso, ele informou-me que a tal de depressão era conseqüência do que meu pobre pai me havia dito naquele fatídico dia e que a mania era o que eu tinha condições de ser e não fui. Eu, mais surpreso ainda, disse-lhe: “Mas padre, quando eu estava em crise de mania queria porque queria ser o novo Jesus Cristo?” E disse-lhe que tinha tido pretensões menos audaciosas corno a de querer ser presidente da República. Ele riu e disse-me que eu estava velho demais para tão sublime pretensão. Perguntou-me qual era o meu grau de estudos e disse-lhe que havia estudado somente a o segundo grau.

Saí da igreja pensando o que eu iria fazer para galgar aqueles cinco estágios para chegar a ser profeta. Quando chego à loja de meu irmão, com aquela felicidade e aquele desejo de ser profeta, falei logo a Cláudia, minha cunhada, o que acabara de ouvir e ela disse-me: “Homem, acaba com isto?” Pensei: “Ora acaba! Eu vou é ser profeta”

As vendas na loja foram definhando e eu resolvi de vez, como ainda estava sendo ameaçado pelos médicos do INSS com a demissão, estudar mais e mais para concursos. O concurso que aparecia eu fazia, mas não obtinha êxito: havia muitos anos que não pegava em um livro didático. Mas não desistia de fazê-los. Fiz concurso em Recife, em João Pessoa, aqui. Porém, só nos dois últimos é que eu consegui aprovação, mas sem classificação.

Em um certo dia, meu irmão Gilberto ligou para mim e disse-me que lera em uma revista de grande circulação uma matéria sobre um livro em que uma psiquiatra falava a respeito de PMD. Procurei entre os vizinhos. Já havia saído de circulação a revista que vinculava a matéria. Li e achei muito interessante. Com os dados do livro como autor e editora, liguei para árias livrarias aqui em Natal, mas em nenhuma daquelas com que havia entrado em comunicação encontrei-o. Falei com a da qual obtive maior atenção pedindo-lhe informações de como eu conseguiria aquele livro, e prontamente o vendedor disse-me que poderia fazer o pedido. Precisaria somente o nome da autora e da editora que havia feito a tradução. Pediu-me que aguardasse uns quinze dias, tempo necessário para ele entrar em contato com a editora e a encomenda chegaria a Natal. Transcorrido o tempo combinado liguei para a livraria e fui fazer a compra do tão desejado livro. Ávido de informações sobre aquele tema, li o livro num piscar de olhos, mas infelizmente fiquei decepcionado: não encontrei o que estava procurando. Hoje eu vejo, com total segurança, que joguei fora aquelas 27,50 pratas. Antes de comprar aquele livro já havia procurado informações da dita cuja em um livrão deste tamanho, junto a uma prima da minha então mulher que, naquela época, estava fazendo medicina. Mas aquele livro falava resumidamente sobre PMD, e não dizia categoricamente, que fosse um trauma infantil.

Após ler o livro “Uma mente inquieta” fiz um comentário a respeito dele com uma tia da minha então mulher. Ela pediu-me para também lê-lo; prontamente emprestei-lhe. Eu quero saber onde foi que eu fiquei dizendo que PMD era trauma infantil, se, logo nas primeiras

Page 34: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

páginas daquele conceituado livro, sua também conceituada autora diz que PMD não é trauma infantil. Mas, repito, estou pronto desde já, para fazerem os exames específicos que comprovem com minha massa cinzenta, como assim foi denominado o cérebro naquele livro, para que procurem inutilmente, com radiografias computadorizadas, acréscimos do mesmo que, aquela autora diz em seu livro haver em portadores de PMD.

A minha mulher, além de ter o seu trabalho em uma secretaria do estado, trabalhava também, nas horas de folga, para aumentar a renda familiar em casa, como cabeleireira. Sua maior clientela eram suas colegas de trabalho e as amigas das colegas e alguns dos seus e dos meus familiares.

Quase todos os domingos íamos à praia e em baixas estações os hotéis costeiros aceitam visitantes locais. Em um daqueles domingos de sol estávamos em um dos hotéis à beira mar tomando umas cervejas na beira da piscina. O meu filho alegremente tomando banho. Faltou cigarro e eu, fumador inveterado, saí do hotel à busca daquele vício. No retorno, quando chego à mesa, vejo minha então mulher olhando, displicentemente, para uns rapazes que estavam em outra mesa, só que com minha presença ela teve aquele susto, procurou disfarçar mas já não havia como. Foi naquele momento que eu fiz a constatação de que realmente o nosso casamento estava em apuros, pois sempre tivera confiança em nosso casamento. E, mesmo com a minha presença, aquela situação de maneira mais sutil continuou. Tentei manter-me calmo. Tomamos o restante da cerveja pedi a conta e voltamos para casa

Quando chegamos em casa disse-lhe que teria urna conversa com ela. Obtive como resposta um sorriso crítico, amarelo. Naquele momento o sangue subiu à cabeça. Pensei, com aquela nefasta resposta, bater nela e olhe que eu nunca havia batido em ninguém. Mas contive-me. Saio de casa, vou ao próximo boteco da esquina e para piorar mais a situação tomo mais cervejas.

Já era noite. Volto para casa houve mais discussão. Juntei parte de minha roupa, joguei tudo dentro de uma mala e, no percurso para a casa de minha irmã Heide, tomei mais cervejas. Já naquela noite fui acometido pela dita cuja. No dia seguinte, logo cedo, o chororô reiniciou e aqueles pensamentos suicidas também voltaram, Com maior intensidade. Soube que o meu filho entrara também em crise de choro e passara a noite em um hospital. Com insistência de minha irmã, volto vulnerável e humilde para casa, e do que a hoje ainda tenha raiva, chorando incontrolavelmente e fazendo mil juras de amor para a então mulher. Pode uma situação daquelas?

Fui ao meu médico e voltei a tomar doses elefantinas de medicamentos: quinze comprimidos diários. Naquela época, com pensamentos suicidas, eu tinha crises de choro em qualquer lugar, até em pleno trânsito, dirigindo o meu próprio carro. O que eu acho mais impressionante naquela situação e intriga-me a hoje é que quanto mais ciúmes, mais depressão e com mais e incontrolável tesão eu ficava. E, o que é pior, submisso ao extremo. Cheguei a comentar sobre aquela situação ao meu irmão Neto. Mas não havia jeito. Ou situaçãozinha constrangedora aquela que passei! Mas, graças a Deus estou tentando contar aquela história!

O relacionamento no casamento melhorou um pouquinho, mas, com meu ciúme deprimente e incontrolável sempre aflorando e não sendo compreendido, fui outra vez à bancarrota. E, para melhorar mais ainda, com o apoio hipócrita da maioria dos membros da sua família, das amigas e das colegas da Secretaria logo da Educação. Se eu for contar beiram umas duzentas as contribuidoras a destruição do casamento.

Certa noite fomos convidados para uma festinha que havia em uma casa de uma de suas amigas. Eu, hoje posso dizer, sempre deprimido e tomando aquela dosagem elefantina de medicamentos, escuto no transcorrer daquela festinha a primeira de uma série de hostilidades que se seguiram no transcorrer dos quase intermináveis tempos. Estávamos à mesa, festa animada, alguns cantando e tocando violão. Quando, de repente e para minha surpresa, escuto de urna de suas tias a frase característica: “A família.., é fogo. Já matou um”. Eu, como estava ainda e sempre deprimido, indefeso, respondi-lhe com o silêncio. Porque, se não estivesse

Page 35: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

naquela situação e se fosse hoje, indagaria o verdadeiro motivo daquela tão empolgante e tão prazerosa e insana frase. É claro, porém, que os demais membros da família têm seus conceituados e reconhecidos valores.

O tempo passou e eu tentando segurar o casamento. Convidei a mulher até para fazermos psicoterapias de casais e falar com o padre Vilella, justamente o que fizera o nosso casamento e a primeira pessoa a me dizer que eu estava com a razão em dizer que aquela tal de PMD é um baita trauma infantil. Mas em vão; foi tudo negado. Eu ficava tentando segurar o casamento e, já conhecedor da dita cuja, ficava com medo, principalmente do conseqüente suicídio. Fiquei muito tempo entre a cruz e a espada.

Em um final de ano estávamos na nossa casa de Búzios tomando umas cervejas com amigos e familiares. Um dos amigos disse-me que havia comprado um livro de um psicólogo norte-americano cujo conteúdo, falava também a respeito de PMD. Eu logo lhe perguntei o nome do livro, pois não havia desistido do meu ponto de vista a respeito da tal de PMD. Comprei o livro “Inteligência Emocional”, um ótimo livro, cheio de pesquisas científicas, mas que também não fala categoricamente e de maneira direta cite a tal de PMD é um trauma infantil. Porém só o que eu ouvira de padre Vilella não era o suficiente ainda para mim. Continuei solitário a minha busca.

Quase todos os dias, no final do expediente, eu ia pegar minha então mulher no final do dia. Dirigia-me à sala onde ela trabalhava. Em um daqueles dias estava aguardando-a na ante-sala, como sempre fazia. Uma de suas incentivadoras disse, olhando para mim, com aquela cara sádica, sem vergonha e em alto o bom som: “Zilda, que pena, é tão bonito!” Eu recebi aquele choque, mas fiquei calado, fiz que não ouvi, e naquele momento eu percebi que a minha fama junto àquelas colegas de trabalho da minha mulher estava em alta. No carro, de volta para casa, eu comentei o ocorrido, mas ela sempre desconversava. E eu, com medo da dita cuja, tentando sempre adiar o fim casamento.

Nos sábados, como sempre, a minha então, mulher, trabalhava cortando cabelos. Em um daqueles sábados, chega uma outra tia irmã daquela de que eu já falei. Eu, mais ou menos, sei que passava naquela cabecinha antropóide, porque ela pedia-me para parar os remédios e caía na gargalhada. “Rá, rá, rá , rá. Perguntou-lhe também, e mais gargalhadas:

-Dedé, qual foi a data do seu aniversário? Rá, rá, rá, rá, rá

-24 de maio de 1959.

- Não! É porque se você tivesse nascido no dia 23 eu seria a sua madrinha. Já estava tudo combinado com sua mãe.

- É! Foi mesmo - e respondi para mim mesmo que tinha ouvido, dentro da barriga de minha MAE, aquele diálogo e adiado, por condições óbvias, o meu próprio nascimento. Já pensou se eu não houvesse adiado o meu próprio nascimento e tivesse uma madrinha com essas qualidades?

E eu com medo da dita cuja, tentando adiar o final do casamento.

Um certo dia à noite o telefone toca. Eu atendo-o. Do outro lado da linha, e para minha surpresa, falava “uma das tias”:

- Dedé, você sabe que eu sou sua amiga. Venha para cá, nós estamos tomando umas cervejas com churrasco aqui na casa de Maria e depois haverá um jantar.

-Tudo bem, vou tornar um banho o chegaremos em breve.

Page 36: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Chegamos à casa de dona Maria. Fomos bem recebidos, realmente havia churrasco com cervejas. Eu só não sabia o que me aguardava no tal jantar.

Durante o jantar estávamos nos servindo e a tal, após algumas cervejas fala: “Dedé, eu não sei se chamo você de amigo ou de amiga”. Fiquei calado, não comi aquele gostoso jantar. Perguntei a então minha mulher se queria ficar ou se queria ir para casa naquela hora. Fomos para casa; e mais discussão no percurso.

Houve mais hostilidades, mais hipocrisias menos diretas como estas das muitas pseudo psicoterapeutas e que denominei esses fatos de autopsicoterapias caseiras, mas bastante eficazes.

E eu, atônito, vendo destruírem, pedra por pedra, um lar que até então nunca havia tido discordâncias mais sérias.

E não é que, para minha surpresa, no veraneio deste ano de 1999 em Búzios aquela tal tia mandou me convidar por três vezes para almoçar em sua casa, que fica próximo a nossa casa. Fiquei muito lisonjeado com tais convites, mas não fui. Fiquei com medo de morrer de uma congestão intestinal. Eu realmente não entendi tais convites logo de uma pessoa que eu tenho uma maior afeição,maior admiração como pessoa e, principalmente, como amiga e como tia. Porque eu continuo o mesmo: não mudei e não mudarei em nada. Continuo o de sempre, o de antes.

Naqueles anos de 1996, eu já havia feito perícia médica externa. Quando fui informado daquela perícia parei os medicamentos uma semana antes, achava que ela fosse a gota d’água, que havia chegado a hora de cumprir o que eu havia planejado. Chorei muito durante a conversa que tive com a médica, sempre pensando no pior. Mas, graças a Deus, passei do que eu achava ser o pior.

Nos fins do ano de 1996, eu e minha então mulher, com o casamento nos finalmentes, tivemos a terceira e última discussão mais séria. Corno estava sempre deprimido naqueles anos todos, hoje eu posso verificar aquela depressão sintomática com mais clareza. Muito embora estivesse tomando rigorosamente o lítio, e bebia descontroladamente. Já havia perdido o medo do cancelamento da licença médica porque tinha estudado em Direito Administrativo que, após dois anos de licença, iria o licenciado automaticamente para a aposentadoria. Era menos um encargo sobre os meus pobres e humilhados ombros naqueles tristes anos.

Com a relação nas aparências, mesmo assim resolvi colocar um grampo no telefone, de segunda à sexta-feira e ir, com o meu filho Gabriel, passarmos o veraneio em nossa casinha de praia juntamente com meus irmãos e sobrinhos. Mas não colhi o que esperava. Com a união acabada, dormindo em quartos separados, marquei a separação justamente para o seu aniversário de dez anos do casamento. Como não havia mais diálogo, escrevi a verdadeira razão de meu comportamento quando deprimido durante as discussões que tivemos:

“Agindo-se com depressão, age-se com a emoção, esquece-se da razão, consequentemente perde-se a razão e a emoção. “Na normalidade”, age-se com a razão, esquece-se da emoção, mas muito raramente nessa questão perde-se a emoção, mas fico com a razão.”

No último Natal que passamos juntos, havia na garagem de nossa casa uma planta muito bonita enfeitada com adornos de Natal. Fiz um cartão de felicitações de final de ano e deixei-o no vaso daquela bonita planta. “O cartão dizia: se em crises envelhece-se dez anos em um, porém aprende-se em um ano dez, e sendo preferível morrer aos cinqüenta anos com experiência de sessenta a morrer aos sessenta com experiência de cinqüenta, preferiria morrer aos sessenta.”

Page 37: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Vendo que a relação havia chegado ao fim, mas com medo da dita cuja. a separação foi mais uma vez adiada alguns dias. Mas criei coragem, juntei forças e minha roupa, joguei-a dentro de uma mala, entreguei a alma a Deus e fui novamente para a casa de minha irmã. Ora, logo no dia seguinte a dita cuja reapareceu e veio com forças de um vulcão.

Fui ao meu médico e voltei a tomar a necessária dosagem elefantina de medicamento.

Telefonava, quase sempre chorando, para sua irmã, sua tia - a que tinha um melhor relacionamento comigo -, sua chefe, colegas, falei a com sua empregada para ver se conseguiria a reconciliação. Vendo que não conseguia nada, tentei a reconciliação pessoalmente, por telefone, mas não houve jeito.

Na casa de minha irmã eu chorava na sala, no banheiro, na cozinha, dizendo constantemente que iria me suicidar. Quando parava o choro, os maus pensamentos, para meu alívio, sumiam. E, o que foi pior, sem apoio específico à pesada situação. Sem ela entender bulhufas a respeito de depressão, ficou difícil.

Mesmo ela dizendo que se descobrisse se eu estivesse bebendo, me expulsaria de sua casa, eu, iniciava logo cedo, antes do café, para aliviar um pouco a dita cuja, com a primeira dose e só parava lá pelas dez horas da noite. Mas sempre de maneira controlada para não ser pego de surpresa e ser expulso da casa dela.

Fui para Timbaúba, passei uns vinte dias de choro por lá. Mas já havia descoberto o benéfico efeito do choro e não me sentia constrangido em chorar em qualquer lugar. E mais bebidas como alívio. Lá, mesmo sendo constantemente reprovado pelo meu pai em relação à bebida, não havia o perigo de expulsão. Recebi melhor e necessária compreensão. Papai, muito preocupado com o estado lastimoso, deplorável em que eu estava, procurou ajuda com outros médicos, mas recusei. Eu tinha plena convicção do diagnóstico dado pelo meu médico anteriormente e de que medicação estava correta. Claro, sou consciente de que o Scotch pernambucano estava atrapalhando a recuperação rápida.

Cheguei até a comentar com o meu médico, tempos mais tarde que, se fosse feita uma subtração das drogas maléficas ao organismo nas bebidas, elas seriam os medicamentos que teriam maior rapidez de ação ao combate à depressão perdendo somente para o primeiríssimo lugar que é o do choro, que é logo um medicamento natural e sem nenhum efeito colateral.

Melhorei um pouquinho com os vinte dias em Timbaúba, voltei para Natal e tentei novamente a reconciliação, mas tudo em vão.

Não houve jeito de adaptação na casa de minha irmã e tomei a decisão, com aviso prévio, de voltar para minha casa. Fiquei sozinho, mas, mais acomodado.

Muitas vezes eu saía de carro sem destino e de boteco em boteco tornava uma dose a mais, de maneira que eu achava controlada e sem descuidar de também tornar a necessária dosagem elefantina de quinze comprimidos diários. Portanto, com aquela mistura maluca, bati no carro quatro vezes. Naquele período o chevetinho parecia mais um maracujá de final de feira, todo amassado. Estava amassado na frente, atrás e na porta do passageiro que não havia condições de abri-la.

Em uma das visitas ao meu médico, comentei com ele, chorando muito em seu consultório que preferiria um outro tipo de mal à depressão. Porque se estando em estado terminal, se teria pelo menos esperança de cura e a dita cuja, sem apresentar mal algum aparentemente, o único desejo que causava era o extermínio da própria vida, Saí do consultório em prantos e dizendo que iria praticar o suicídio. No retorno à minha casa, em pleno trânsito, mais choro. No entanto, chego em casa e logo em seguida chega o meu irmão Neto e sua esposa, preocupados, com caras de espanto. Porém, para surpresa dos dois,

Page 38: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

encontram-me rindo e dizendo que estava tudo normal, tudo bem. Parecia, para minha própria surpresa também, que não havia tido nada comigo, ô remeidão bom!

Um outro dia, madrugada a dentro sem dormir, como em muitas outras, bulhufas nenhuma, sozinho em casa, a compulsão de suicídio foi tão grande que cheguei ao ponto de amarrar uma corda no pergolado do meu quarto e comecei a escrever a fatídica carta. Mas, porém, contudo e entretanto, quando inicio as recomendações a meu grande e amado filho ..., caio em prantos. E, logo em seguida, alguns minutos depois, toco fogo em corda, em carta, em caderno e em caneta e as cinzas ponho no vaso sanitário e dou descarga. Após essa grandiosa e graciosa salvação a distância consegui dormir alguns minutos tranqüilamente. No meu caso, parece-me que havia um acúmulo da dita cuja chegando ao seu ápice, para meu alívio, com a explosão de enxurradas de lágrimas.

Aconteceram outras compulsões em pequena escala, mas sempre procurava ajuda com meus familiares, e ... mais lágrimas. Eu acredito que, se não tivesse havido os rios de lágrimas, eu não estaria, neste momento, contando esta lastimosa história.

Melhorei um pouco mais. Comecei a sair à noite, só que em conversa com as meninas que conhecia, ficava sempre lamentando a separação e recebia em contrapartida, como consolo, a reconciliação. Eu, vendo que naquela situação desastrosa, o melhor remédio seria aguardar um pouco para sair à noite.

Como aminha bebedeira era diária e descontrolada, minha irmã, a baixinha brava, sensibilizada com aquele meu estado terminal, convidou-me a assistirmos reuniões no AA. Ela acompanhou-me em várias, ajudou-me bastante, deslocando-se do sua residência para acompanhar-me. Emprestou-me até um livro que falava sobre alcoolismo. Mas, após aquele encaminhamento naquela conceituada instituição, eu dirigia-me às reuniões, que eram sempre realizadas à noite, com algumas doses de cachaça na cuca e, vendo que estava enganando a mim mesmo, desisti de assisti a elas.

E continuei, para o meu desespero, bebendo e fazendo aquela mistura louca da dosagem elefantina de medicamentos e álcool.

Um certo dia, à noite, após ter tornado a cota diária de cerveja, como costumeiramente fazia, vinha saindo do boteco que fica nas proximidades do minha casa, quando fui abordado de surpresa por uma mulher de meia idade, morena, e, para minha surpresa, antes mesmo de apresentar-se, pois não a conhecia, perguntou-me, para aumentar ainda mais a surpresa, se aquela noite eu queria companhia. Parei um pouco, o pensei: “Bem, já que estou nestas condições, qualquer coisa serve como companhia.”

O papo foi rápido: combinamos o horário e disse-lhe que iria aguardá-la na sala de minha casa com o portão da garagem aberto. Pontualmente, no horário combinado, ela chegou. Tomamos umas cervejas e iniciamos o que só para ela, seria um grande romance. No início, é claro, nas condições em que eu estava demonstrei-lhe, para segurar a companhia, que estava apaixonado, dando-lhe a atenção merecida, de um verdadeiro enamorado. Encontrei naquele dia a pessoa ideal para as lamentações pelo que estava passando. Passávamos até a madrugada adentro, eu com minhas lamentações e recebendo promessas de que aquilo seria passageiro. Naquelas conversas noite a dentro, falava-me também que uma cliente sua era muito amiga de uma amicíssima de minha ex-mulher. E o papo rolava madrugada a dentro.

Como ela trabalhava corno manicure, os meus pés e as minhas mãos recebiam sempre, eu deitado imponente em minha rede, um tratamento especial. Eu parecia mais um xeique árabe deitado na rede, fazendo as unhas e tratamento especial nos meus calejados pés.

Ela contou-me parte de sua vida. Mas, quando ela me disse, com satisfação, que havia colocado o seu ex-companheiro frente a frente com um delegado em uma delegacia e quando me contou que tinha cinco filho de cinco pais diferentes, eu indaguei a mim mesmo: “Meu Deus

Page 39: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

do céu, que é que eu estou fazendo com este tipo de gente”? Tenho que procurar um jeito para acabar com esta aventura, sem, no entanto, machucá-la pois apesar dos pesares tinha me ajudado e muito, na situação desastrosa em que me encontrava.

A situação piorou quando passei a receber mensagens fonadas de declarações de amor e a receber cestas de café da manhã. Vi a partir dai que era chegada a hora de cortar aos poucos, as verdadeiras intenções daquela mulher.

4º PARTE

A TERCEIRA IDADE

Eu sempre repetia e lamentava constantemente, para mim mesmo o velho ditado popular “A esperança é a última que morre”. Mas, vendo que ela já estava com o pé na cova disse: “Ora a última que morre. A esperança é a primeira que não morre.” Assim fica menos passiva.

Fui melhorando da situação em que me encontrava e comecei a sair sozinho à noite e o ciúme, por parte dela, foi aflorando. Sempre me perguntava por que não saíamos juntos.

Um certo dia, em um dos muitos bares da noite, conheci uma jovem separada do marido, com três filhos, até bonitinha. Na conversa, perguntou-me de onde eu era. Disse-lhe que era filho de Timbaúba dos Batistas e que, também era separado.

- Ah! Eu conheço sua terra. Joana é de lá. Foi minha vizinha muito tempo. Ela e o marido têm uma fabriqueta do roupas. Pessoas muito boas. Você conhece?

- Claro! Prima da minha ex mulher. (Naquele instante eu pensei:“Vou ver como é que anda minha situação em Timbaúba dos Batistas”).

- Quando fui a trabalho em Timbaúba dos Batistas eu conheci Maria, gente muito boa. Você conhece?

-Ah! Pessoa excelente, prima, também da minha ex-mulher.

- Ela ainda mora lá?

-Ainda.

E o papo rolou noite a dentro. Ela deu-me o telefone de sua residência, o número do seu celular, convidou-me para ir, no domingo, para sua casa de praia, dizendo-me a localização desta, inclusive pontos de referência. Mas, como macaco velho não põe a mão em cumbuca, disse-lhe que ligaria no domingo para confirmar. Pois o meu filho poderia ficar comigo naquele final de semana.

Chego em casa lá pelas 6h da manhã e, ao me aproximar de casa, escuto o meu telefone tocar sem parar. Fiquei preocupado; poderia tratar-se de algum problema familiar. Mas, quando atendo, do outro lado da linha falava a apaixonada dizendo que me havia procurado nos bares da cidade, que me vira naquele bar conversando com uma mulher e que só não havia furado os quatro pneus do meu carro porque fora contida pelo seu genro. Aproveitei aquela oportunidade e mandei-a esquecer-me. Mas continuou ligando

Page 40: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

constantemente para mim e como ainda andava meio zonzo, com depressão sintomática, resolvi elegê-la companhia de segunda a quarta feira.

Como ficara combinado, ligo, no domingo para a garota que havia conhecido, e, não muito surpreso, recebo a informação de que ela tinha ido naquele mesmo dia à casa de D. Joana comprar uns biquínis para suas filhas. Após aquela informação preciosa, disse-lhe que estava com o meu filho em casa tentando fazermos o almoço. E foi só para ver o resultado daquela gostosa conversa que, só Deus sabe, combinamos novo encontro que foi generosamente adiado duas vezes por ela e eu adiei para sempre.

Para aumentar mais ainda o ciúme da apaixonada, propositadamente saía constantemente a noite. Ela, em contrapartida, achando que eu iria ficar com ciúmes, dizia-me constantemente que já que eu não a convidava para sair tinha um amigo que tinha um carrão e sempre a convidava dando-lhe noites de princesa. Simplesmente, para aumentar sua ira mais ainda, acatava cinicamente as suas provocações de ciúme.

Quando ela viu que não havia jeito, chegou ao ridículo de levantar sua saia aqui no meu quarto e, batendo na calcinha perguntar-me se eu achava que aquilo era depósito de esperma, dizendo que tinha muitos anos de praia.

Em uma daquelas noites de amor, para meu espanto maior e surpresa, ela revelou-me o seu lado sado masoquista. Fiquei a princípio assustado, mas já havia lido a respeito.

Embora ela houvesse feito ligação de trompas, um certo dia disse-me, muito preocupada, que estava com suspeita de gravidez. Eu, para acabar aquele romance de vez, simplesmente disse-lhe que a criança teria sido concebida nas noites de princesa que passara com o seu amigo de carrão.

Ora não demorou muito tempo para eu fazer, autopsicoterapia, agora voluntária. Para quem já havia feito Psicoterapia involuntária não foi muito difícil. Ela e uma das donas daquela cigarreirinha em que eu constantemente freqüentava para beber em minhas quase intermináveis depressões, foram as precursoras de minha fama de está veado aqui nos meios, quase todos, ótimos vizinhos.

Mesmo sabendo que iria receber hostilidades, com piadinhas indiretas, com risozinhos hipócritas, ainda freqüentei alguns dias aquela cigarreirinha fazendo minha humilhante, mas proveitosa autopsicoterapia. Ficava calado, bebendo e rindo,comigo mesmo, da cara daquelas pobres gentalhas.

É claro que fiz, paulatinamente, sem ser muito criterioso, a seleção daqueles ótimos vizinhos.

Naquela época, a situação exigiu-me estes versos:

LÁGRIMAS: O choro do coração resplandece no olhar. Com lágrimas tão brilhantes Que não se podem negar. Mas deslizam pela face Para no ralo encontrar O seu destino cruel, E na escuridão nadar. Só que encontram na distância um rio para poderem navegar. Mas não têm brilho, Pois já saíram daquele triste E remoto olhar. Seu destino itinerante elas hão de encontrar. São as águas limpas e puras,

Page 41: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

do meu belo azul meu mar. Eu só sei com tanto brilho, Elas vão se ofuscar. Mas encontram lá no fundo, o seu destino final para poderem sossegar.

Não é para minha surpresa, tempos depois, recebo telefonemas das amigas daquela pobre infeliz, pedindo-me para fazermos a reconciliação? Recebi até um telefonema de urna de suas filhas que mora no Rio de Janeiro pedindo-me para voltar àquele gostoso romance. Fiquei triste, pois logo que recebi o telefonema eu achava que fosse ela a interessada, pois é uma loura bonita.

E não é que alguns de meus ótimos vizinhos também não acompanharam a injúria daquela pobre e infeliz mulher, dando risozinhos de mim?! Respondia-lhes sempre com o silêncio, mas já selecionando-os.

Naquela época eu convidava para sair, só para ver suas reações, umas duas daquelas ótimas vizinhas. Porém, após eu entregar “O louco” a alguns de meus vizinhos desejando-lhes felicitações de Natal, no final de 1998, mesmo sem eles entenderem a verdadeira razão do poema, eu é que passei a rejeitar cantadas e logo das que antes haviam feito convites para sair.

Houve até uma das hipócritas vizinhas perguntando-me se eu havia comprado as menininhas com “O louco”. Simplesmente respondi-lhe que a minha intenção não era a de comprar ninguém, mas, se assim fosse, pediria a Deus para que as que não havia comprado, jamais comprar.

Lá nos fins do ano de 1997, eu já havia comentado com urna amiga que estava fazendo o curso de Psicologia na UFRN, que a tal PMD seria um trauma infantil. Ela prontamente disse-me que quando fosse estudar a dita cuja entraria em contato comigo. Mas, mais urna vez, fui decepcionado. Porém, continuei a minha solitária busca. Li nos jornais locais uma reportagem que falava de uma psicóloga carioca que usava a regressão em suas consultas. Logo no outro dia, liguei para a mesma dizendo que era PMD e que achava que obteria bons resultados de cura daquele trauma infantil, mas, fui informado de que as dosagens elefantinas que havia tomado poderiam impedir o resultado desejado e, como eu não tinha condições financeiras suficientes para tentar o tratamento resolvi adiá-lo.

Uma das nossas redes de televisão, nacionais veicula um programa matinal e interativo de um conceituado psiquiatra. Liguei para aquela rede de televisão, perguntando se seria possível àquele programa abordar o terna PMD, pois eu era portador do problema e achava que era um trauma infantil. A mulher com quem eu falei entendia do caso porque quando falei sobre PMD, ela perguntou-me logo se eu eslava fazendo psicoterapia. Eu quase lhe respondia que já havia feito autopsicoterapia mas contive-me simplesmente em dar o meu nome e o meu telefone.Fui informado que dentro de uns quinze dias entrariam em contato comigo, porém já se passaram meses e até hoje não obtive resposta. Aquele psiquiatra tem a mente quieta.

Conheci aqui na vizinhança Socorro, uma viúva, professorinha, extrovertida, alegre, gente muito boa, pois, embora sabendo do meu estado de fama aqui nas redondezas, ficou comigo, confiou, naquela época no meu humilhado, mas viril taco. Sempre lhe entregava as loucuras que escrevia para ela, dizendo-lhe que iria fazer um livro a respeito de PMD, mesmo contra os psiquiatras.

Mesmo antes de escrever este livro, eu comecei a pensar em como seria sua capa. Pensei uns dois meses só no título. Ficava matutando: Uma mente que sempre foi quieta. Uma mente que não foi inquieta. Uma mente quieta. Essas loucuras todas. Mas, quando caiu do céu aquele parágrafo característico, não pensei duas vezes em entitulá-lo de “O louco”. Quando, após muito quebrar a cabeça, veio a idéia de dividir a capa em duas partes simétricas de azul e preto, colocando as dançarinas letras vacilando em uma parte e outra. Mas, quando mostrei a

Page 42: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

capa do livro a Socorro, explicando-a, ela deu-lhe os arremates finais. Foi quem colocou a parte central de vermelho, representativo do purgatório.

Realmente, falhei. Eu não tinha lembranças de ter passado também pelo purgatório. Um certo dia eu viajo, propositadamente, para Timbaúba, para passar um final de semana e ver como estava, a minha barra por lá. Ora, não deu outra: alguns hipócritas conterrâneos e a familiares ... , fa-mi-li-a-res; estavam achando que eu fosse veado. Conversei muito com papai a respeito do caso, sem, no entanto, incriminá-lo. Havia descoberto mais gentaça como pseudopsicoterapeutas.

Voltei para Natal e, comentando com minha irmã Calline, que iria comprar um brinco e iria àquela cidade com ele pendurado na orelha, ela reprovou-me e indagou se eu era doido. A minha barra estava lentamente melhorando. Claro que teria que conversar anteriormente com papai, senão não entraria nem mesmo no portão de sua casa.

Procurei a danada da bijuteria aqui por Natal, mas não a encontrei.

Viajei. Passei mais uns vinte dias de mais psicoterapias baratas com alguns daquela gentalha. (Claro, que em toda regra há exceções).

D. Maria, a minha suposta precursora de espalhar em Timbaúba meu estado famoso, hoje procura sempre falar comigo?! Ora, uma pessoa que, como muitas outras, é para mim inexistente, Como é que posso cumprimentá-la?!

Em um certo dia, à noite, sozinho, pensativo, olhar distante, deitado em minha redinha, caíram também do céu estes versos, que eu denominei de Corações

CORAÇÕES O mistério do destino Fez face a face nos encontrarmos Sendo obra do divino Em um sorrateiro olhar Mostrando dois corações Tão bonitos tão trigueiros, a natureza nos mostra, não tem dúvidas, verdadeiros. O brilhar de um novo dia, aparece no divagar. como as águas de um rio que suave encontram o mar Como na relva da manhã no seu brilho a gotejar como o canto de um pássaro soa estridente a embelezar como o clímax de uma onda que estendendo-se suave na areia vai até o coqueiral. Mas sua origem distante oi bem longe em alto mar. Como a natureza é perfeita! Quando o coração pede não se consegue negar. Como a vida é tão bela Quando encontra na primavera Quando encontra um pulsar. Só Deus deu este destino para dois corações Amar.

Page 43: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

1. A Caneta

A minha leitura sempre me preocupou. Muitas vezes quando estava lendo faltava-me concentração: terminava a leitura de uma linha e tinha que retomar ao início dela, pois não havia entendido patavina Sempre que ouvia propaganda a respeito de curso de memorização e leitura dinâmica, sentia interesse em fazê-la.

Um certo dia apareceu um curso aqui por Natal e eu tive que me sacrificar despendendo por isso uma certa quantia a considerável para aposentado. Fui assistir à primeira aula, que era gratuita e logo fiz, para minha sorte, a inscrição.

Havia na sala de aula uns quinze alunos. Todos os dias, logo no início das aulas, antes de recebermos as instruções diárias, o professor nos entregava uma folha escrita com o número de palavras no final da página. Cronometrando, dava-nos um sinal para iniciarmos a leitura. Quem fosse terminando levantaria o braço e via no quadro, marcado por ele, o tempo em que havia feito aquela leitura. Fazíamos alguns cálculos para nos inteirarmos da velocidade de leitura e aprendizado. Eu sempre naquelas leituras era um dos últimos a terminar. Mas sempre procurava, com as técnicas recebidas durante o curso, o objetivo principal a que me destinara. Para minha surpresas no final do curso, descobri o que sempre estava procurando: uma maneira de entrar em mania sintomática, mesmo tomando rigorosamente o lítio. Eu acredito que a minha busca de ler cada vez mais rápido desencadeou aquele estado. Antes já sabia corno entrar em depressão, também sintomática, nas autopsicoterapias que tanto havia feito.

No final do curso recebemos umas técnicas de concentração. O professor nos deu dois exemplos: o de uma caneta e o de um carro, e explicou-nos como deveríamos proceder. Eu, logo no final das aulas, fui para o que apresentava maior dificuldade, que era o da caneta. Saí do curso e dirigi-me para casa, exercitando o que havia aprendido.

Era uma manhã de sábado ensolarado e, no trajeto para minha casa, para refrescar um pouco o calor, tomei urnas cervejas, mas continuei com os ensinamentos de concentração que havia aprendido. Estava com uma antiga namorada: Adormeci após o almoço e acordei lá pelas quatro da tarde, mas ainda continuei exercitando, já sem muito entusiasmo, o que havia aprendido.

Lá pelas 2h da manhã, como não conseguia dormir, saímos de carro sem destino, eu pedindo sempre a Maria para conversar comigo seja qual assunto fosse, para ver se a danada da caneta saía da cabeça. Naquele ciclo maluco, eu pensei na invenção da caneta esferográfica; na substituição, da caneta-tinteiro; na linha de montagem da canela esferográfica; no seu uso; no lixo; na reciclagem; na sua volta à linha de montagem e na sua volta ao comércio novamente. Com esse ciclo maluco, só consegui adormecer lá pelas cinco da matina.

No mesmo dia, logo cedo, ainda com caneta circulando na cabeça, ligo para o professor pedindo-lhe ajuda. Ora, para quem não tinha concentração, às vezes, nem em um linha de leitura, foram bastante proveitosos aqueles ensinamentos.

Estava em casa um dia à tarde e recebo minha irmã Ivete , uma das que sempre me visitam. Estávamos conversando e o telefone toca. Fui atendê-lo. Era Maria dizendo-me que D. Maria .., aquela lá de Timbaúba, tinha ido falar com os seus pais para ela acabar com o namoro comigo, dizendo que eu estava bebendo muito.., e só Deus sabe o restante daquela conversa. Quando desliguei o telefone, minha irmã perguntou-me, assustada: “Quem é’?” Eu, já conhecedor de minha fama também entre alguns membros familiares, respondo-lhe: “É um amigo meu”. Ela simplesmente disse-me: “E, Dedé, eu gosto de você mesmo assim”. Com aquela resposta maluca, eu falei-lhe com quem era que eu estava falando ao telefone e perguntei-lhes calmamente, se eu não poderia ter amigos. Ela ficou meio encabulada, cabisbaixa, um pouco envergonhada, e continuamos com o papo anterior.

Page 44: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

2. O impacto dos sustos

Fui falar com o padre Villela, da Igreja de Nossa Senhora da Candelária, no bairro de mesmo nome, para ele, corno conhecedor de minha vida mais a que eu próprio, fazer o tal livro. Mas ele disse-me que era muito ocupado e que não tinha tempo para fazê-lo.

Disse-lhe que iria procurar um escritor para fazê-lo, mas ele reprovou-me, dizendo que o escritor não iria fazer do jeito que eu desejava. Respondi-lhe, espantado: “Padre!!! Este livro vai ser questionado: na psiquiatria e ... na psicologia e do mundo todo!” Recebi corno respostas com espanto ainda maior: “Você quer ... você pode ... você consegue ...“ Eu saí da igreja indagando-me: “Meu Deus do céu, e agora??? O que vai ser de minha vida?” Ficava matutando e sempre questionando-me como era que eu iria fazer um livro dessa natureza sem nunca ter escrito nada na vida.

Como estava bebendo ainda diariamente, as um pouco mais controlado que anteriormente e o fígado reclamando, resolvi dar uma parada. Mas ainda, sempre antes do almoço a compulsão etílica aflorava.

Estava na casa de meu filho Gabriel para ensinar-lhe no período de provas, como costumeiramente faço, quando veio a danada da compulsão, e de repente o meu fígado deu aquela fisgada de dor. Eu achei estranho aquela coincidência. Mas não dei muita importância para o que havia acontecido. Porém, no outro dia, com o mesmo acontecimento inesperado, eu me assustei. Corri no mesmo dia para falar com padre Villela, o meu consultor espiritual de sempre. Ele aconselhou-me a parar de beber. Resolvi controlar ainda mais a bebida e deixar de fumar. Só que, para o meu espanto, logo no outro dia, quando pensava em acender um cigarro o meu fígado respondia com a mesma fisgada de antes. Corria para o padre e mais conselhos para deixar de fumar e de beber.

Fiquei muito preocupado com o que estava acontecendo comigo. Eu pensava: “Pô! Se penso em uma coisa e não faço, irá acontecer algo de errado comigo!”

O tempo passou e eu continuei, mesmo recebendo aqueles avisos, bebendo e fumando. Um certo dia fui acender um cigarro no isqueiro do carro e, para meu espanto. o isqueiro não funcionou. A princípio eu achei que fosse algum problema elétrico que tinha havido com o isqueiro. o que me pareceu muito estranho. Mas logo em seguida ele voltou a funcionar normalmente, aconteceram muitas outras situações semelhantes e eu corria para conversar com o padre dizendo-lhe que, mesmo com o que estava acontecendo, eu não estava conseguindo deixar o desastroso e maléfico vício de fumar.

Fui assistir a uma conferência em um dos hotéis locais, a qual abordava questões esotéricas, como, por exemplo, conhecimento do ego, vidas passadas sensações de já ter passado por lugares em que a pessoal nunca havia estado antes, coisas desse tipo.

No salão de conferência onde estava acontecendo o evento, havia umas cem pessoas assistindo a ela.

Eu estava assistindo atentamente e doido para colher mais informações sobre o que estava acontecendo comigo. Estava sentindo uma dor de cabeça de rachar, quando me lembrei do curso de concentração que havia feito. Fechei os meus olhos e me imaginei em casa com aquela dor de cabeça. Fui mentalmente à farmacinha que existe em casa, peguei um analgésico qualquer. abri a geladeira tomei o comprido e voltei paira me deitar e adormeci. Para minha surpresa ainda maior, quando abri os olhos, a dor de cabeça havia sumido completamente.Logo pensei Vou usar esta estratégia para tomar o danado do lítio.

Page 45: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

No outro dia, fui falar com o padre novamente e relatar-lhe o que havia acontecido. Ele informou-me que aquilo era auto-hipnose.

Fui depois falar com o meu médico o que havia descoberto e comunicar-Ihe que iria usar, para tornar o medicamento, aquelas condições. Mas, o meu médico ficou doido. Jurou-me que iria me internar, dizendo que eu havia pirado de vez.

Ele, sem saber das autopsicoterapias de que já havia feito, disse-me, aos gritos e expulsando-me do consultório, chamando o próximo paciente, que aquilo era coisa de pai-de-santo e que eu iria começar a dar a bunda. Simplesmente e com calma, saí rindo do seu consultório em um dos hospitais psiquiátricos locais.

Fui, logo após aquela consulta, ensinar o meu filho Gabriel. Chegando a sua residência, perguntei-lhe qual era a prova daquele dia, e fui informado de que era de Geografia. Dirigimo-nos para o seu quarto. Pedi-lhe para que estudasse e no final iria tirar suas dúvidas. Comecei a brincar com o computador corno sempre fazia, quando, de repente, como num toque de mágica, estava “O louco” na tela do computador Eu li, reli, e reli, e reli o falei, assustado:

- Meu Deus do Céu!

- O que foi, painho?

- Eu escrevi uma coisa muito bonita aqui.

- Por que você não faz um livro? Vive aí só escrevendo.

Foi naquele momento que criei mais coragem para fazer esta maluquice. Se já estava com sintoma de mania, mesmo tomando o lítio, esta aumentou mais ainda.

Saí doido, distribuindo “O louco” a torto e a direito, dizendo para os meus familiares e os da minha ex-mulher que iria fazer um livro, aquele iria ser o início. Mas começaram as indagações ... Indagações sobre como era que eu iria fazer aquele livro. Achavam, acredito eu, que eu tinha pirado de vez. Ninguém acreditou. Nem eu mesmo achava que teria condições de fazê-lo. Mas, graças a Deus, aos trancos e barrancos, está nos finalmentes. Para quem estava com medo de não conseguir fazer nem vinte páginas, eu acho que está de bom tamanho.

Quando comentei, somente com o meu filho, esse receio, ele incentivou-me, com a sua inocência, dizendo que fosse fazendo devagarinho. E, lá em Timbaúba, quando ele viu que eu estava com trinta páginas, disse-me baixinho com um ar de incentivo e íntima satisfação: ’Olhe aí... “Como quem queria dizer: “Está conseguindo. Vá em frente”.

Algum tempo depois, volto ao médico, entrego-lhe “O louco” e falo das intenções de fazer o livro, mas ele não falou nada, nem contra nem a favor.

Estava fazendo, aqui em casa, com tubos de PVC, um protótipo de uma bomba hidráulica. Precisei de uma borracha e quando me encontrava em um terreno baldio nas proximidades de minha casa, de repente dirigi o olhar para determinado local do terreno e veio a minha cabeça que lá se encontrava o que estava procurando. Para minha surpresa maior, quando cheguei ao local para onde havia olhado, encontrei exatamente o que estava procurando.

Aconteceram outras situações semelhantes e, para receber orientações confortantes, corria para o padre Vilella, assustado novamente, dizendo o que estava acontecendo comigo.

Page 46: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Fui passar o veraneio no início já do ano de 1999 na nossa casinha em Búzios. E meu irmão Gilberto importunando-me insistentemente para falar com o meu médico, recusava e dizia que estava num estado de mania controlada e, o que era melhor, sendo guiado por Deus. Explicava-lhe, explicava-lhe e explicava- lhe sempre o que era estado sintomático de mania, mesmo tomado o lítio. Mas, para o meu desespero maior, ele me perguntou: “Você tem mania de quê?” Quando vi que as minhas explicações e mais explicações estavam sendo em vão, resolvi ir falar com o meu médico.

Fomos eu e Gilberto ao consultório. Entrei primeiramente, para falar com o médico. Conversamos e, no final do papo que tivemos, ele perguntou-me sobre o livro que estava com pretensões de fazer. Respondi-lhe que iria escrever. Ele disse-me que havia comprado o livro Uma mente inquieta. Abriu um armário, pegou o tal livro e, folheando-o lentamente, com o polegar direito, disse-me: “É... este livro é da dra uma psiquiatra americana, formada em uma das melhores faculdades dos EUA...’ Mas, antes que ele prosseguisse com o seu relato enfadonho, falei-lhe que o nome do meu iria ser O LOUCO. Balançou sua cabeça lentamente, com gestos negativos, e recolocou o livro no local de origem.

Após aquele gesto, disse-lhe que havia um dos doidos de meus irmãos que queria falar com ele. Conversaram e voltamos a Búzios. Continuei lá em Búzios com a intuição aguçada, como padre Villela me havia dito a respeito daquele estado.

Um dia de sol forte, desci para tornar um banho de mar, juntamente com Gilberto, Zilmar e as crianças. Quando chego próximo no mar, com aquelas águas azuis, escuto, além do barulho normal das ondas, um outro, vindo também do mar bem parecido com um barulho de um Boeing. A princípio, assustei-me, olhei para o alto e não vi nenhum vestígio de avião. Vi comprovadamente que aquele barulho emanava de dentro do mar. Fiquei calado, ouvindo aquele barulho, mas sem dizer nada a ninguém do que estava acontecendo, porque senão me internariam como pirado para o resto de minha vida. Comentei com o padre Villela, tempos mais tarde, o que havia acontecido, como sempre fazia com esses acontecimentos inesperados, mas bastantes confortantes.

Um certo dia daquele veraneio, estava brincando no alpendre da casa em Búzios com os meus sobrinhos e seus amigos. A algazarra da meninada era grande. Estava controladamente bebendo minha cachacinha e brincando com a meninada, porém meu irmão, talvez por não ter conseguido dormir a sua sesta, saiu para o alpendre e, sem dizer nada, colocou urna cara de leão deste tamanho para mim. Eu fiquei muito puto com aquele olhar e, a partir daquele instante, descontrolei-me com a bebida e fui parar num hospital de doido.

Fiquei internado uns vinte dias naquele manicômio. Lá eu quase piro de vez, sem fazer porra nenhuma e engaiolado. Ficava só fazendo planos de fugir.

No dia 11 de abril de 1999 li na página inteira de número 5 em um jornal local uma matéria com o apoio de um psiquiatra local, que falava a respeito de depressão. Faço a transcrição do que eu achei mais interessante: “O mal que atinge indiscriminadamente pessoas de todas as classes e credos, só não é tão regular quando se trata de sexo. Ela ataca duas vezes mais mulheres que os homens. Esta diferença pode estar na questão hormonal”

Mesmo se não houvesse o verbo (poder), com aquele tempo verbal, naquela matéria, quem já colocou a cabeça a prêmio não hesita também em se submeter a um exame específico a respeito da questão hormonal.

3. A grande busca

No livro que li e que fala a respeito de PMD, há uma pagina inteira ou mais só de agradecimentos a doutores. Os meus agradecimentos têm como primeiríssimos lugares: Deus, acima de tudo; meu grande e amado filho Gabriel, que foi quem me salvou muitas vezes; padre

Page 47: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

Antônio Villela, o meu consultor nas horas difíceis que passei; Isabel, a psicanalista que me ajudou muito e os que direta ou indiretamente contribuíram para este relato.

Precisava de urna pessoa com conhecimentos acadêmicos para ajudar-me nesta tarefa. Como já havia conversado a respeito do meu com urna Psicóloga que trabalha em um órgão governamental e sentia o seu apoio a minha conversa, procurei-a novamente para que me desse a ajuda que estava procurando. Passei umas quatro semanas indo ao seu trabalho para conversarmos, porém, já no final daquele papo ela insistiu em eu voltar a tomar os medicamentos, até que eu, já não suportando tanta insistência sua, disse-lhe que nunca mais iria tomar tal medicamento. E ela respondeu-me: “Nunca diga nunca”. Eu, já puto da vida olhei firme para ela e disse-lhe, em voz alta: “Eu mais nunca vou tomar aquela porra”. Ela, assustada, pediu-me calma e mandou-me conversar com o psiquiatra que também trabalha por lá. Mas fui logo taxativo, dizendo que iria conversar e que não iria voltar a tomar os medicamentos.

Não deu muito resultado ficar sem tomar o medicamento: entrei em crise e tive de voltar a torná-lo diariamente.

Conversei com o psiquiatra, expus de maneira rápida o meu ponto de vista, falando logo que já havia conversado com padre Villela a respeito do meu caso, e recusei-me pela enésima vez a voltar a tornar os medicamentos. Ele deu-me a antepenúltima pedra do quebra-cabeça, dizendo-me que a personalidade humana é formada de zero aos sete anos (quando ocorrem os traumas) e aconselhou-me que procurasse ajuda no setor de pesquisa do curso de Psicologia da UFRN.

Logo no outro dia, juntei a papelada de pesquisa que já dispunha e fui para a Faculdade falar com o pessoal do curso de Psicologia. Fiz a triagem com uma aluna que estava estagiando e relatei-lhe o meu ponto de vista a respeito de PMD. Entreguei-lhe o que já havia feito, inclusive a capa de “O louco”.

Em um outro dia combinado para o retorno, volto à Faculdade, mas a mesma psicóloga foi logo me dizendo que não. poderia ajudar-me. Eu falei- lhe simplesmente: “Bem, eu vou fazer o livro ... e vocês, psicólogos psiquiatras, leiam e tirem as conclusões que acharem convenientes”. Mas ela encaminhou-me a uma psicóloga infantil. No mesmo dia fui ao consultório desta. Falei, falei, e no final da conversa a psicóloga disse-me também que não poderia me ajudar. Eu, já puto da vida, disse-lhe: “Eu quero saber se eu não vou encontrar um maluco para me ajudar neste livro.” Ela pacientemente pediu-me calma e disse-me que aquilo não era coisa de doido. Foi naquela conversa que consegui a penúltima pedra do complicado quebra-cabeça que montei.

Fui por fim encaminhado à psicanalista Isabel Cristina, que finalmente vai fazer uma das orelhas de “o louco’’.

Porém, após terminar de escrever o livro, retornei novamente àquele setor de pesquisa do curso de Psicologia da UFRN e fui logo falar com a coordenadora daquele setor com o livro pronto em mãos. Cheguei e fiquei na ante-sala. Disse ao pessoal da recepção que queria falar com a chefia. Perguntaram-me o assunto e disse que estava precisando de ajuda a respeito de um livro que havia escrito. Com pouco tempo, fui encaminhado a falar com ela. Fui bem recebido e convidado a sentar-me. Falei do livro, de uma maneira geral, e do questionamento que ele traz. Ela pegou o livro e marcou dia e hora para o meu retorno, tempo suficiente e necessário para que lesse o livro e tirasse suas conclusões. No dia marcado para o meu retorno, cheguei um pouco antes da hora combinada e um pouco ansioso. Fiquei na ante-sala esperando o convite para o desejado encontro. Fui convidado a entrar na sala novamente e convidado também a sentar-me em uma cadeira junto à mesa do trabalho da chefia. Conversamos um pouco e, sobre a mesa, eu notei que havia, acho que propositalmente. só para também eu ver; urna foto de urna criança virada para onde eu estava sentado. Perguntei sobre a foto e ela disse-me que era sua filha. Também sobre a mesa, um pouco mais adiante, e também de frente para onde eu estava sentado, vi um livro com mais de duzentas páginas, com o título de “Traumas Infantis”. Peguei-o e dei uma folheada. Comentamos

Page 48: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

satisfatoriamente sobre o livro e depois o coloquei onde estava. Havia descoberto naquele momento mais um apoio e o que faltava para a loucura preventiva. Despedi-me dela, agradeci a ajuda e fui para casa satisfeito.

Se me perguntarem qual é a minha idade, com tudo o que eu já passei para a montagem desse quebra-cabeça e o transcorrer do final do casamento, eu respondo com total convicção, que tenho três: a cronológica, que é quarenta anos; a Biológica que é uns duzentos anos e a jovem, psicológica, que é a que manda em ambas as outras.

E, para sintetizar verdadeiramente certos loucos, são loucos certos aqueles que pensam que certos loucos são loucos certos.

5º PARTE

APÊNDICE

A pior coisa do mundo que se pode fazer com um homem fizeram comigo. Acredito eu que acharam pouco o meu sofrimento, corno você acabou de ler; nessa loucura preventiva, mas daqui a trinta a quarenta anos estarei morto e essa idéia perdurará.

A Prefeitura de Natal, para incentivar a população, todo final de ano promove um concurso Iiterário para seus habitantes, através da Capitania das Artes, de contos romanceados e poesias. Quando terminei de fazer essa loucura preventiva, inscrevi-me no concurso, mas somente logrei o décimo primeiro lugar. Vi no jornal local os ganhadores do concurso e dirigi-me para aquele órgão municipal para recolher os meus exemplares. Chegando lá, dirigi-me para o setor onde havia feito a inscrição e falei com o rapaz responsável. Perguntou o nome do trabalho e respondi-lhe que era “O Louco”. Ele, então, meio admirado, perguntou o meu nome e disse-me: “Damasceno, você quase enlouquece todo mundo aqui com o seu trabalho”. Confirmei naquele momento que o que havia escrito tinha algum valor.

Naquele mesmo dia, falei com o chefe daquele órgão municipal para que ele fizesse a edição do livro, mas isso me foi educadamente negado, dizendo-me ele que a Prefeitura não tinha recursos naquele momento. Fui também procurar edição dessa obra na UFRN, mas não consegui. Consegui sim, a publicação em seus bastidores: principalmente, na TVU (TV Universitaria) e na TVE (TV Educativa) do Rio de Janeiro.

Um certo dia, à tarde, cheguei em casa, liguei a TVE e, para minha surpresa, estava passando o final de um programa de entrevista exclusivamente criticando fervorosamente o meu livro. Havia na mesa redonda um psicanalista, um velho e conhecido ator, que estava apoiando-me, e uns dois jornalistas. É interessante e intrigante existir psicanalista apoiando-me, e outros criticando este trabalho. Isso acontece também na psicologia e até na psiquiatria. Após esse dia, passei a assistir com mais assiduidade a “TVU” e a “TVE” e mais críticas em ambas as TVs. O tempo foi passando e comecei a ter delírios quando ligava essas duas TVs e outras mais. Até em desenhos animados eu via críticas, mesmo tomando a medicação rigorosamente.

Todos os sábados minha faxineira vinha trabalhar lá em casa. Chegava cedo, fazia o meu café matinal e começava o seu trabalho. Certa vez, num impulso, liguei para o meu filho Gabriel vir para minha casa, pois achava, achava não, tinha certeza que o mundo iria acabar em cinco segundos e ele iria ser o novo Jesus Cristo. Mas não obtive êxito: ele estava dormindo e sua mãe não quis acordá-lo. Transmiti a minha empregada o que e estava acontecendo em minha mente, dizendo que o mundo iria se acabar em cinco segundos e eu teria que buscar o meu filho em sua casa para ficar comigo, pois em minha residência ele iria ficar mais seguro.

Marquei uma páginas na Bíblia para que ficasse lendo enquanto eu fosse buscar o meu filho Gabriel, isso tudo em cinco segundos. A mulher ficou assombrada, abriu o portão e saiu

Page 49: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

correndo e eu saí correndo aliás. Alcancei-a quando ela ia entrando cm urna garagem vizinha, puxei-a fortemente pelo vestido de modo que ela bateu com a cabeça no portão da garagem da casa ferindo-se na cabeça e sangrando bastante. Quando vi o seu estado, deu-me um branco e só recobrei a consciência quando estava deitado de bruços em urna calçada com as mãos algemadas para trás e um policial de sentinela e várias outras pessoas ao meu redor. Houve luta com os meus ótimos vizinhos, pois eu estava com a bermuda rasgada de cima a baixo. Com pouco tempo chegou um camburão da polícia e, para minha salvação, o meu irmão Neto também. Fui colocado, sem reação, no camburão. Neto conversou bastante com os policiais para que eu não fosse parar em urna cela de delegacia e pediu que me levassem para o Hospital Psiquiátrico e Público João Machado. Chegando ao hospital, aplicaram-me uma injeção que, para os leigos, é “amansa-leão”. Com uma injeção daquela o paciente perde os sentidos e fica pronto para a internação em mais ou menos cinco minutos.

No dia seguinte, acordei meio zonzo, amarrado em uma cama em um quarto todo fechado, com outros pacientes meio lelés da cuca. Entrou um médico e, dirigindo a palavra para mim, disse que eu estava bom de ser transferido para a enfermaria.

Estava deitado em minha nova cama em condições melhores que antes quando fomos convidados para tomar a medicação matinal. Recusei imediatamente tornar oito comprimidos de urna só vez. Foi quando o médico psiquiátrico perguntou-me se queria tomar uma injeção de Haldol (sicrano de tal ), sem, pelo menos, dizer-me os efeitos colaterais que causava. Tornei a injeção. Ora, em poucos dias, notei que estava impotente sexualmente. Fiquei muito apreensivo e relatei o fato à auxiliar de enfermagem da nossa ala. Esta me disse que o efeito colateral da injeção seria de trinta dias, mas não acreditei. Achava que tivera sido urna represália do meu então psiquiatra, por causa do questionamento do livro relatando os traumas infantis, pois havia emprestado para ele ler e implorado, sem obter êxito em sua devolução.

Após quinze dias de internação, fui liberado para passar o final de semana em casa e, como estava meio pirado, retornei ao hospital na segunda-feira, porém com vinte e um dias de internação fui novamente liberado para passar o final de semana em casa e não retornei. E mais apreensão e mais indignação na cabeça por causa da impotência.Ora não demorou muito e, logo na quarta-feira a depressão bateu violentamente e para contê-la liguei para o meu então psiquiatra marcando uma consulta, que ocorreu tardiamente, na sexta-feira. Chorando muito, fui consultado e me foi prescrito urna medicação cujos efeitos colaterais eram piores que a própria depressão, mas, mesmo assim, tomei essa medicação, pois não tinha condições financeiras de consultar outro médico psiquiátrico. Fui passar os pesados efeitos colaterais da medicação na casa de minha irmã Ivete e procurar outro médico psiquiátrico.

Foi na casa de minha irmã lvete, a pacifista, que, conversando com ela e seu marido, me veio a idéia de alugar a minha casa e ficar morando em sua residência. Daria urna certa quantia em dinheiro para ajudá-la nas despesas domésticas. Fiz a mudança, arrumamos minhas coisas em um quarto com televisão e tudo. Ainda estava ligado diariamente na TVU e na TVE, e haja mais críticas e haja mais delírios e haja, eu acredito, que mais delírios nas outras TVs também, e haja mais remédios.

Havia encontrado no posto do bairro onde minha irmã mora uma médica psiquiátrica, com a qual passei a fazer minhas consultas médicas.

O início na nova casa do morada foi às mil maravilhas. Pensei até em fazer um quarto nos fundos da casa. Mas, com o passar dos tempos, a coisa foi piorando e com as críticas e com os delírios começaram as discussões com minha irmã e meu cunhado e passei a ser ameaçado de despejo e de expulsão. Pensava em outras alternativas de morada, pois já havia alugado minha casa, mas não encontrava. Não queria ir para a terrinha, pois não queria fazer mais psicoterapias e sofrer hostilidades: as que fizera já eram o bastante.

Por causa dos delírios e das discussões, minha irmã falou com meu irmão Neto e, em um certo dia, ele foi conversar comigo para irmos ao Hospital Público João Machado falar com

Page 50: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

a psiquiatria de lá a respeito de. meu estado sintomático de crise, mesmo tomando a medicação rigorosamente e havendo parado de beber e de fumar e a respeito também da impotência sexual, pois já haviam passado os trinta dias a que se referia a auxiliar de enfermagem e ainda não estava revigorado completamente. Fornos os três para o Hospital João Machado. Chegando lá, conversamos com um dos psiquiatras de plantão sobre o meu estado sintomático de crise e ele prescreveu mais uma medicação e perguntou-me qual a injeção havia tomado:

- Você tomou Haldol (fulana de tal)?

- Não.

- Você tomou Haldol ( sicrana de tal)?

- Foi essa aí que me aplicaram.

- É porque ... a injeção de Haldol (beltrana de tal de 1000 ml/g) não esta mais sendo aplicada. Fiquei mais aliviado e tranqüilo.

Como estava sendo ameaçado de expulsão quase que diariamente, fui conversar com o meu irmão Neto para ir morar em um quarto improvisado que existe em sua loja de material de construção, mas não havia condições. Voltei, no final do dia para casa, e encontrei todos os meus objetos espalhados pelo quarto e pronto, para mudança. Liguei para Neto dizendo que iria morar, mesmo sozinho, na nossa casa de praia. Viajei com a maior parte da mudança e fiquei em uma praia deserta, fora da época de veraneio, tendo como vizinho somente um jovem casal que toma conta de urna mercearia e um restaurantezinho onde eu fiquei almoçando.

Em um certo dia de um certo final de semana, meu irmão Neto foi entregar-me, em sua camionete, o restante da minha mudança, tendo como principal componente a televisão. E haja mais delírios, mesmo tomando a medicação rigorosamente.

Um final de semana vieram fazer-nos companhia, com as suas respectivas famílias, dois vizinhos da nossa rua.

E foi nesse mesmo final de semana que os delírios aumentaram. Eu achava que o mundo ia acabar e, com a chave da casa em mãos, eu subia e descia a nossa rua dizendo, aos gritos, que o mundo iria se acabar e que estava com a chave do céu em mãos, ciente de que o mundo iria se acabar, dias antes, tinha jogado toda a medicação que estava tomando no lixo.

Já ora noite quando o meu irmão Neto veio me buscar, acompanhado de um carro da polícia com dois policias. Quando nas minhas passeatas, avistei os dois carros em nossa casa, dirigi-me até lá. Ao chegar, fui algemado sem resistência e, com as mãos para trás, colocado na camionete de meu irmão. Dirigimo-nos para Natal com destino ao Hospital público e Psiquiátrico João Machado. Chegando lá, recebi, como cartão de visita, uma injeção de “amansa leão”, aquela que o paciente fica pronto para internação em mais ou menos cinco minutos, mas, como estava lelé da cuca, disse ao médico que a injeção não iria fazer efeito, Com isso, simplesmente, ele mandou aplicar outra injeção e disse para todo mundo ouvir a frase auto-incriminatória: “A injeção que ele precisa aqui no Hospital não tem, tem lá na clínica Santa Rita”. Não lembro nem quando retiraram a agulha da segunda injeção do meu braço, pois só recobrei os sentidos quando acordei no outro dia, meio atordoado, amarrado em cima de uma cama e na clínica Santa Rita. Olhe o nome: Santa Rita.

O complô, partindo do meu ex-psiquiatra, já estava feito para fazerem a represália.De qualquer das três clínicas psiquiátricas existentes em Natal em que eu procurasse internação, seria transferido paro a clínica Santa Rita porque lá era onde existia a cavernosa injeção de Haldol (beltrano de tal de 1000 ml/g). Quando melhorei um pouco mais, perguntei a dois auxiliares de enfermagem sobre qual injeção eu havia tomado no dia anterior. Um dos auxiliares de enfermagem disse-me, num tom de indignação e revolta que teria sido urna

Page 51: José Damascendo Filho - A Biografia de uma Loucura

“eutanásia” que tinham feito comigo, e o outro disse-me que eu havia acabado com o estoque. Mas, mesmo assim, eu ainda acreditava que fosse a injeção Haldol (sicrano de tal), aquela com seu efeito devastador de trinta dias, pois, segundo o psiquiatra do Hospital Público João Machado a cavernosa injeção de Haldol (beltrano de tal de 1000 ml/g) não estava mais sendo aplicada. Mas, puro engano! O verdadeiro objetivo, que é escondido por trás da ética médica, não é revelado.

Fui passar mais um solitário final de semana em nossa casinha em Búzios e, corno já havia passado dos quarenta dias e ainda estava impotente sexualmente, fiquei muito apreensivo e mais indignado com a situação, e agora ciente de que haviam feito a eutanásia sexual aplicando-me a cavernosa injeção de Haldol (beltrano de tal de 1000 ml/g).

Logo na segunda-feira quando cheguei à clínica, discuti bastante com o médico a respeito da cavernosa injeção. Com isso, ganhei mais uns dez dias de clínica, se é que se pode chamá-la de clínica.

Quando recebi alia, o médico, se é que se pode chama-Ia de médico, prescreveu um remédio para mim que não tinha nada a ver com a minha PMD, e olhe que eu havia lhe dito que era PMD. Mesmo assim fiquei tomando a medicação.

Não lembro quando e como viajei aqui para a terrinha. Eu só sei que estava com meu irmão Gilberto em urna exposição de animais em Caicó quando lhe disse que não estava me sentindo bem. Fomos para uma clínica local onde, chorando muito, fui atendido por um médico psiquiatra e falei que haviam me aplicado a cavernosa injeção de Haldol beltrana de 1000 mlg. O médico até hoje é meu psiquiatra e olhe que lhe dei para ele também ler o mesmo livro que dera ao meu ex-psiquiatra.

A mais duradoura das sete crises que já passei foi essa, pois já passa dos dois anos e ainda estou tomando antidepressivo e a medicação para dormir. Nas outras crises, ficava tomando essa medicação somente quatro a cinco meses ficando depois somente com o lítio, remédio que tenho que ficar usando pele resto de minha vida.

Quando melhorei um pouco, acredito que em dois meses de tratamento, viajei para Natal a fim de ser consultado por um urologista que me prescreveu uma medicação para um tratamento de três meses. Passado o tratamento, retornei e me foi prescrito o paliativo mas milagroso Viagra, que está no século XXI.

Quando ainda estava escrevendo essa loucura preventiva, todos os dias ia comprar cigarros e tomar um cafezinho em uma loja de conveniência de um posto de gasolina que fica perto de minha casa lá em Natal. Ficava jogando conversa fora com a moça que trabalha como caixa da loja e em um certo dia, estava falando-lhe sobre o livro e o questionamento que ele traz quando entrou nu conversa um padre com mais de cinqüenta anos dizendo-nos que tinha um familiar com PMD e um psiquiatra havia dito a elo que “PMD é um dos quase oitenta tipos de esquizofrenias existentes”. Com isso, a minha cabeça girou trezentos e sessenta graus fazendo um raciocínio lógico, e logo quando cheguei em casa liguei para a psicanalista Izabel Cristina relatando o ocorrido e perguntando se as outras esquizofrenias também eram traumas infantis. Recebi como resposta um silabudo e longo “t a m- b é m”.