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Julho, 2013 Tese de Doutoramento em História da Expansão e dos Descobrimentos Portugueses João Antonio Botelho Lucidio ‘A Ocidente do Imenso Brasil’’: as conquistas dos rios Paraguai e Guaporé 2013 ‘A Ocidente do Imenso Brasil’: as conquistas dos rios Paraguai e Guaporé (1680-1750) João Antonio Botelho Lucidio

Julho, 2013 Tese de Doutoramento em História da Expansão e dos

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  • Julho, 2013

    Tese de Doutoramento em Histria da Expanso e dos

    Descobrimentos Portugueses

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    A Ocidente do Imenso Brasil: as conquistas dos rios

    Paraguai e Guapor (1680-1750)

    Joo Antonio Botelho Lucidio

  • A Ocidente dO imensO BrAsil:

    as conquistas dos rios Paraguai e guaPor (1680-1750)

    JOO ANTONIO BOTELHO LUCIDIO

    Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do grau de Doutor em Histria da Expanso e dos Descobrimentos Portugueses, realizada sob a orientao cientfica dos Professores Doutores ngela Domingues e Pedro Cardim.

    Julho de 2013

  • Para

    Olindina Botelho Lucidos e Maria Yedda Leite Linhares suas lies, fora e perseverana guiam meus passos.

  • AGrAdecimentOs

    Aos meus orientadores, professores doutores ngela Domingues e Pedro Cardim, pela confiana, disponibilidade, orientao e, sobretudo, pela amizade.

    professora doutora Leny Caselli Anzai, amiga que apoiou e acompanhou esta investigao, em todos os seus passos, desde o primeiro ao ltimo dia.

    Aos meus colegas professores do Departamento de Histria da Universidade Federal de Mato Grosso pela confiana e apoio incondicionais.

    Aos professores doutores Tiago C. P. dos Reis Miranda e Juan Marchena Fernandez, interlocutores perspicazes que acompanharam de perto minha trajetria por Lisboa e Sevilha.

    Ao amigo-irmo Roberto Boaventura da Silva, por mais de duas dcadas de uma slida e fecunda amizade.

    Ao Mario Clemente Ferreira, meu amigo-irmo de Portugal.

    amiga Alice Saboia sua competncia, amizade e carinho ao longo de tantos anos muito me honram.

    Aos queridos Andr Bertoli e Camila Ida amizade e apoios mtuos em Lisboa.

    Aos meus irmos que jamais, em tempo algum, me faltaram.

  • DECLARAO

    Declaro que esta tese o resultado da minha investigao pessoal e independente. O seu contedo original e todas as fontes consultadas esto devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografi a.

    Joo Antonio Botelho Lucidio,

    ____________________

    Lisboa, Julho de 2013

    Declaro que esta Tese se encontra em condies de ser apresentada a provas pblicas.

    Doutor Pedro Antnio Almeida Cardim,

    ____________________

    Lisboa, Julho de 2013

    ____________________

    ____________________

  • A Ocidente dO imensO BrAsil:

    as conquistas dos rios Paraguai e guaPor (1680-1750)

    Joo Antonio Botelho Lucidio

    resUmO

    Esta investigao tem como referncia as conquistas portuguesas na parte mais central da Amrica do Sul, espao geogrfico demarcado por dois grandes rios, o Paraguai e o Itenez ou Guapor. A temporalidade que nos interessa inscreve-se entre 1680 e 1750 perodo de muita tenso nos contatos entre os sditos americanos das coroas ibricas e de indefinies sobre a posse do territrio. No vale do rio Paraguai fundou-se Cuiab. J no curso de afluentes da margem direita do alto Guapor assentaram-se os arraiais que formaram o Termo do Mato Grosso. Quando os luso-brasileiros se instalaram nos vales do alto Paraguai (1718) e Guapor (1734), aqueles rios e os povos indgenas que habitavam as suas margens eram j conhecidos dos sditos da Espanha. Na margem do rio Paraguai, haviam construdo, em 1537, um Forte que deu origem cidade de Assuno, em 1541. Ainda na segunda metade daquela centria, homens sados de Assuno, fundaram Santa Cruz de la Sierra (1561). Mais de um sculo depois, os jesutas abririam as misses de Chiquitos e de Mojos que, em temporalidades vrias, mantiveram contatos com colonos de origem luso-brasileira. Nossa investigao prope uma releitura da Histria do Mato Grosso Colonial. Assim, analisaremos as aes levadas a cabo pelos sertanistas da capitania de So Vicente e, depois de So Paulo, para alm de atitudes que visavam expanso territorial do Brasil. Defendemos que a ocupao dos espaos disputados pelas duas monarquias ibricas na espacialidade indicada resultou mais dos interesses e das capacidades de seus sditos na Amrica e menos das estratgias gestadas por suas monarquias. Mas, o foco central da tese perceber o lugar dado pela historiografia aos povos indgenas que ali viviam e debater essa questo. Ao assim proceder, queremos enfocar a histria em Mato Grosso como parte de tramas que transcendem o mbito das fronteiras territoriais definidas ao longo dos sculos XVIII a XX.

    PALAVRAS-CHAVE: conquistas, ndios, Cuiab, Mato Grosso, Guapor, Paraguai, Misses de Chiquitos e Mojos.

  • tO the West Of the immense BrAzil:

    the cOnqUests of the rivers Paraguay and guaPore (1680-1750)

    Joo Antonio Botelho Lucidio

    Abstract

    This research has as reference the Portuguese conquests in the most central part of South America, a geographic area bounded by two great rivers, Paraguay and Itenez or Guapore. The temporality that interests us is within 1680 and 1750 a period of great tension in the contacts between the American subjects of the Iberian crowns and the uncertainties over the ownership of the territory. In the valley of the Paraguay River Cuiaba was founded. In the course of the tributaries of the right bank of upper Guapore villages were settled which formed the Terms of Mato Grosso. When the Luso-Brazilians settled in the valleys of the upper Paraguay (1718) and Guapore (1734), those rivers and indigenous peoples who inhabited its shores were already known by the subjects of Spain. On the banks/edges of the Paraguay River, it was built in 1537 a Fort that originated the city of Asuncion in 1541. While still in the middle of that century, men emerging from Asuncion founded Santa Cruz de la Sierra (1561). More than a century later, the Jesuits opened the missions of Chiquitos and Mojos that in several temporalities maintained contacts with settlers of Luso-Brazilian origin. Our research proposes a re-reading of the Colonial History of Mato Grosso. Thus, we will analyze the actions undertaken by explorers of the captaincy of So Vicente, and later of So Paulo, beyond the attitudes that only aimed at the territorial expansion of Brazil. We argue that the occupation of the disputed areas by the two Iberian monarchies, as indicated, relied more on the interests and abilities of their subjects in America and less on the strategies gestated in their monarchies. But the central focus of the thesis is to understand the place given by the historiography to the indigenous people who lived there and discuss this issue. In doing so, we want to frame the story in Mato Grosso as part of plots that transcend the scope of territorial boundaries over the eighteenth to twentieth centuries.

    KEYWORDS: conquests, Indigenous peoples, Cuiab, Mato Grosso, Guapore, Paraguay, Missions of Chiquitos and Mojos.

  • sUmriO

    Lista de Abreviaturas .............................................................................. 9

    Lista dos Mapas .................................................................................... 10

    Introduo ........................................................................................... 11

    Captulo 01 Conquistas de espaos e desenhos de territorialidades: singrando rios e trilhando sertes ................................................... 23

    Transpondo muralhas: por rios e sertes desenhando territorialidades ........... 23

    O Oriente Boliviano ................................................................................... 28

    O alto e mdio curso dos rios Paraguai e Paran ........................................... 35

    O Guapor oriental..................................................................................... 45

    Demarcando Territrios .............................................................................. 50

    Captulo 02 Para alm de Guaykurus e Payagus: diversas naes indgenas nas conquistas dos rios Paraguai e Paran......................................................................... 71

    Muitos povos nos sertes dos rios Paran e Paraguai ................................... 71

    Os Eyiguayegi Mbay Guaycures .......................................................... 77

    Os Evuevi Payaguas ................................................................................ 92

    Da diversidade onde se constituram poucas naes ................................... 111

    Captulo 03 As conquistas nos rios Paraguai e Cuiab: ndios, jesutas e bandeirantes ......................................................... 124

    As Bandeiras e a Cruz: europeus versus indgenas no alto Paraguai ............... 124

    Repensando marcos ................................................................................. 139

    As Conquistas do Cuiab ........................................................................... 150

    Captulo 04 As conquistas hispnicas e lusitanas no vale do Guapor .............174

    Jesutas nas ndias de Castela .................................................................... 174

    A misso de Chiquitos .............................................................................. 177

    A misso de Mojos ................................................................................... 189

    As redues dos Baures ............................................................................ 197

    O Termo do Mato Grosso: distrito do Cuiab, capitania de So Paulo ............ 211

  • Captulo 05 As monarquias ibricas e suas conquistas na fronteira ocidental do Brasil .......................................................... 224

    Avanos paulistas e segredos de Assuno: o ouro do Cuiab ....................... 225

    Lisboa: uma corte bem informada por sditos com El Rey na barriga ........... 240

    Madrid toma cincia dos descobertos de ouro do Cuiab e Mato Grosso ...... 253

    Captulo 06 Vestgios de desaparecimentos na noite dos tempos: os povos indgenas do Guapor Oriental ......................................... 268

    Os povos indgenas do Guapor Oriental: leituras contemporneas .............. 268

    Hua malsinada falsidade ....................................................................... 276

    Hum mal de to dificultoza cura ............................................................. 297

    Concluses .............................................................................................. 312

    Fontes e Bibliografia ......................................................................... 317

    Fontes Manuscritas .................................................................................. 317

    Catlogos, Fontes Publicadas, Relatos e Historiais ....................................... 318

    Livros ...................................................................................................... 322

    Artigos .................................................................................................... 328

    Dissertaes e teses ................................................................................. 333

  • 9

    listA de ABreViAtUrAs

    ABN Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro

    AHU Arquivo Histrico Ultramarino, Lisboa

    AGI Archivo General de Indias, Sevilla

    APEMT Arquivo Pblico do Estado de Mato Grosso, Cuiab

    ARSI Archivum Romanum Societatis Iesu, Vaticano

    CNCDP Comisso Nacional para as Comemoraes dos Descobrimentos Portugueses.

    BNL Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa

    BNRJ Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

    BPME Biblioteca Pblica Municipal de vora, vora

    BPMP Biblioteca Pblica Municipal do Porto, Porto

    IHGB Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro

    RIHGB Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro

    IHGMT Instituto Histrico e Geogrfico de Mato Grosso

    RIHGMT Revista do Instituto Histrico e Geogrfico de Mato Grosso

    IHGSP Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo

    RIHGSP Revista do Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo

    PPGHIS Programa de Ps-Graduao em Histria

    IPDAC Instituto de Pesquisa D. Aquino Corra

    CBM Casa Baro de Melgao

    NDIHR Ncleo de Documentao e Informao Histrico Regional

    Universidades do Brasil: UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso); UFF (Universidade Federal Fluminenses); UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro); UFPR (Universidade Federal do Paran); UNB (Universidade Federal de Braslia); UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais); UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul); UFU (Universidade Federal de Uberlndia); UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados); UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul); USP Universidade de So Paulo; FFLCH (Faculdade de Filosofia Cincias e Letras); UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas); UNISINOS (Universidade do Vale dos Sinos).

  • 10

    listA dOs mAPAs

    Mapa 01 AMRICA DO SUL RIOS E REAS OCUPADAS 1700/1740 ................ 63

    Mapa 02 BOLVIA /ORIENTE BOLIVIANO .......................................................... 65

    Mapa 03 BACIA DO RIO PARAN/PARAGUAI/RIO DE LA PLATA ........................ 67

    Mapa 04 GUAPOR ORIENTAL .......................................................................... 69

  • 11

    intrOdUO

    Oito de abril de 1719. Primeiro de janeiro de 1727. Nove de maio de 1748. De modo indelvel, esses marcos esto imbricados no passado da territorialidade que, nos meados dos setecentos, foi denominada capitania do Mato Grosso e Cuiab1. No sculo XIX, a capitania foi renomeada provncia e, ainda ao final daquela centria, estado de Mato Grosso. A cada data atribuiu-se um significado. Todas evocavam e evocam um episdio poltico que remete apropriao daquele espao como constituinte das mais ocidentais conquistas portuguesas na Amrica do Sul.

    O oito de abril de 1719 foi eleito e consagrado para se comemorar o aniversrio de fundao de Cuiab. O primeiro de janeiro de 1727 , de fato, o dia em que o pequeno Arraial do Bom Jesus das Minas do Cuiab foi alado condio de Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiab 2. Por sua vez, em nove de maio de 1748, deu-se a conhecer a Proviso que criava a Capitania Rgia do Mato Grosso e Cuiab.

    Das trs efemrides, a mais comemorada o oito de abril. Sobre ela construiu-se uma aura de mito fundador. O primeiro de janeiro de 1727 jamais foi aventado como hiptese. Para tanto, foi necessrio encontrar documentos que comprovassem a maior antiguidade possvel de Cuiab como o centro primevo da colonizao portuguesa na frente mais a oeste do Estado do Brasil. Foram localizar to rara preciosidade nos Annais do Sennado da Cmara do Cuyab 3.

    1 No existia forma nica de grafar e nominar a capitania. Criada a nove de maio de 1748 seu nome aparece escrito de diversos modos. Nas instrues que orientavam o governante que a implantaria a nominaram do seguinte modo: Ao governador do Matto Grosso e Cuiab parece pelas razes sobreditas se deve ordenar que faa a maior parte de sua rezidencia no Matto Grosso,..., donde se conclui que a nominaram Capitania do Matto Grosso e Cuiab. Ver: Consulta do Conselho Ultramarino sobre os novos governos em Gois e Mato Grosso, Lisboa, 29 de Janeiro de 1748, A.H.U., Mato Grosso, cx. 4, doc 2.

    2 O Termo de fundao da Vila do Senhor Bom Jesus de Cuiab aparece como um dos anexos do documento Carta do Ouvidor Geral de Cuiab, Antnio lvares Lanhas Peixoto, A.H.U., Mato Grosso, cx. 01, doc. 04. Existem trs verses impressas deste documento: Estevo de Mendona, Datas mato-grossenses, Nitheroi, Escolas Typ. Salesianas, 1919, p. 10; J.M.P. de Alencastre, Annaes da Provncia de Goyaz, in Revista do IHGB, Rio de Janeiro, B.L. Garnier, Tomo 27, V. II, 1864, pp. 43/44; e tambm Otvio Canavarros, O poder metropolitano em Cuiab (1722-1752), Cuiab, EdUFMT, 2004, pgs. 170/71.

    3 Vale ressaltar que os Anais do Cuyab foram parcialmente impressos com o ttulo de Chronicas do Cuyab ou Relao Chronologica dos estabelecimentos, factos e sucessos mais notveis que aconteceram nestas minas do Cuyab, desde o seu estabelecimento por ordem da Rainha Nossa Senhora..., in Revista do IHGSP, So Paulo, Typ. Andrade, Mello & Comp., vol. IV, 1898/1899, pp. 4-217. Em Mato Grosso sua divulgao coube Revista do IHMT que o publicou em formato de fascculos nos nmeros que vo do Tomo I (1919) aos Tomos XXXV-XXXVIII (1936-1937) com o ttulo CHRONICAS do Cuyab (Dos Annaes do Senado da Cmara). A ltima edio desse texto resultado do trabalho de transcrio dos manuscritos, sob a guarda do Arquivo Pblico de Mato Grosso, e veio a lume com ttulo: Annaes do Sennado da Camara do Cuyab: 1719-1830 [transcrio e organizao Yumiko Takamoto Suzuki], Cuiab, Entrelinhas/Arquivo Pblico de Mato Grosso, 2007.

  • 12

    O documento escolhido para comprovar a importcia de tal efemride foi uma carta que teria sido redigida em oito de abril de 1719. Quem a transcreveu foi Jos Barbosa de S, e no sabemos notcias de outras pessoas que viram ou dela tiveram cincia. Segundo interpretao hegemnica, ali se informaria s autoridades metropolitanas e posteridade no apenas os novos descobertos de ouro, mas o incio do povoamento no vale do rio Cuiab. Ao instituir aquele dia como o do aniversrio de fundao de Cuiab, justificava-se, pela antiguidade, o poder dali emanado. Com tal estratgia, as demais datas tiveram seu valor simblico minimizado.

    A valorao histrica da referida data fez parte de uma estratgia poltica visvel nas comemoraes do bicentenrio da fundao da cidade de Cuiab e do centenrio da independncia do Brasil, ocorridas entre os anos de 1919 a 1922 4. Foi decidido que a Histria de Mato Grosso teria incio a partir de referncias que se acreditava estariam expressas na cpia da transcrio da junta que fez o capito mr Pascoal Moreira Cabral com seus companheiros aos oito dias do mes de Abril da era de mil setecentos e dezanove annos neste Arrayal do Cuyab 5. Sendo tal suposto documento o mais antigo, onde aparece grafada a expresso Arrayal do Cuyab, e foi suficiente para transform-lo no marco primevo do existir cuiabano.

    Ficou consagrado que os termos da referida carta eternizariam o incio da ocupao no indgena da territorialidade que, ao depois, chamou-se capitania do Mato Grosso e Cuiab. Desde ento, estudiosos adeptos das mais diferentes interpretaes historiogrficas, invariavelmente, tomam esse documento como ponto de partida ou de chegada. bem verdade que, nos ltimos anos, tem-se feito algum esforo na tentativa de se repensar esse marco. Tanto que o retrocederam ao ano de 1716. Afirma-se que desde essa data, Pascoal Moreira Cabral j garimpava o ouro de aluvio nas margens e leitos dos ribeires afluentes do rio Cuiab. Teria sido a presena da bandeira de Antnio Pires de Campos que o incentivou a anunciar oficialmente coroa seus achamentos 6.

    4 Essas duas datas referem-se, respectivamente, comemorao do factcio bicentenrio de Cuiab e do centenrio da independncia do Brasil. Num esforo de construo de uma identidade mato-grossense, as duas datas fizeram parte de um contnuo de comemoraes da elite poltica cuiabana em que sobressaram: a institucionalizao e reconhecimento do oito de abril como sendo o dia do aniversrio de Cuiab, a fundao do Instituto Histrico de Mato Grosso e de uma Revista como veculo de divulgao da concepo de histria de seus membros, a composio do Hino de Mato Grosso, a criao de Bandeira e de um Braso para o Estado; a instalao da Academia Mato-grossense de Letras; a edio a obra Mato Grosso de Virglio Correa Filho e, finalmente, a Exposio Cartogrfica da Comisso Rondon e a publicao da Carta de Mato Grosso de 1922, ambas assinadas pelo Coronel Cndido Mariano da Silva Rondon.

    5 Nesta investigao nominamos tal documento como Termo de certido para noticia do descobrimento novo que achamos no ribeiro do Coxip invocao de Nossa Senhora de Penha. Tomamos esta liberdade uma vez que, para alm de Jos Barbosa de S que afirma t-lo copiada do prprio original. Ver: Jos Barbosa de S, Relao das povoaens do Cuyab e Mato grosso de seos princpios th os prezentes tempos, in Annais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Vol. XXIII (ano/1901), Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1904, pp. 5 a 58.

    6 Thereza Martha Borges Pressotti, O novo descobrimento dos sertes e Minas do Cuiab. A mentalidade da conquista, dissertao de mestrado apresentada ao PPGHISIS da UNB, Braslia, 1996.

  • 13

    Mas, como j nos ensinou, h algum tempo, Alfredo Bosi, Datas so pontas de iceberg7. Nesta investigao, o oito de abril de 1719 ser apenas isto: a ponta de um iceberg. nosso propsito entender as atividades que luso-brasileiros levaram a cabo nos descobertos aurferos nos vales dos rios Cuiab e Guapor como decorrentes de remotas temporalidades, resultado de vrias dcadas de aes dos sertanistas paulistas na bacia dos rios Paran e Paraguai. Queremos destacar a sua perseverana e menos a sua itinerncia.

    Iremos portanto, ressaltar outros fatos que nos remetam ao espao abarcado pelas bacias dos rios Paran/Paraguai e do Guapor/Mamor. Episdios ocorridos nos sertes da capitania de So Vicente. Vivncias experimentadas nas provncias do Paraguai e de Santa Cruz de la Sierra das ndias de Castela. Decises polticas tomadas em Portugal e Espanha. Conflitos materiais, por corpos e almas indgenas entre jesutas e colonos naquelas conquistas. Para tanto, remontaremos s ltimas dcadas do sculo XVII.

    Nossa investigao tem como referncia as conquistas portuguesas na parte mais central da Amrica do Sul, espao geogrfico demarcado por dois grandes rios, o Paraguai e o Itenez ou Guapor. No vale do rio Paraguai, fundou-se Cuiab. J no curso de afluentes da margem direita do alto Guapor, assentaram-se os arraiais que formaram o Termo do Mato Grosso. Os dois ncleos compunham-se de paulistas, reinis, ndios administrados, negros escravos e libertos e de mestios. As suas ligaes com Lisboa efetuavam-se intermediadas por So Paulo e, depois de 1750, tambm pelo Par. Dentre os muitos aspectos que distinguiam aquelas conquistas, destacamos: a distncia dos portos de mar e sua posio limtrofe fosse, com distintas naes de amerndios no catequisados, fosse com os hispano-americanos das cidades de Assuno e de Santa Cruz de la Sierra, bem como se avizinhavam dos jesutas e ndios das misses de Chiquitos e de Mojos.

    Quando os luso-brasileiros se instalaram nos vales do alto Paraguai (1718) e do alto Guapor (1734), aqueles rios e os povos indgenas que habitavam as suas margens eram j conhecidos dos sditos da Espanha. No rio Paraguai haviam construdo, em 1537, um Forte que deu origem cidade de Assuno, em 1541. Ainda na segunda metade daquela centria, homens sados de Assuno, fundaram Santa Cruz de la Sierra (1561) 8. Mais de um sculo depois, os jesutas abririam

    7 Alfredo Bosi, O tempo e os tempos, in Adauto Novais (org.), Tempo e Histria, So Paulo, Cia das Letras, 1992.

    8 Uma anlise dos eventos que culminaram com a fundao de Santa Cruz de la Sierra desde Assuno e/ou de La Plata pode ser acompanhada pelos escritos de: Enrique de Gandia, Historia de Santa Cruz de la Sierra una Nueva Republica en Sud Amrica, Buenos Aires, Tallares Grficos Argentinos de L.J. Rosso, 1935; Enrique Finot Franco, Historia de la conquista del Oriente boliviano, La Paz, Editorial Juventud, 1978 (1 ed. 1946); Jos Mara Garca Recio, Anlisis de una sociedad de frontera: Santa Cruz de la Sierra en los siglos XVI y XVII, Sevilla, Diputacin Provincial de Sevilla, 1988, [2 ed.] 1990; Herbert S. Klein, Historia general de Bolivia, La Paz: Juventud, 1988; Alcides Parejas Moreno, Historia del Oriente Boliviano Siglos XVI XVII, Santa Cruz de la Sierra, Universidad Autnoma Gabriel Moreno, 1979; Jos Luis Roca, Economa y Sociedad en el Oriente Boliviano. (Siglos XVI e XX), La Paz, Cotas Ltda. 2001; Thierry Saignes, Los Andes Orientales: Historia de un olvido, La Paz, CERES/IFEA, 1985.

  • 14

    duas misses que, em temporalidades vrias, mantiveram contatos com colonos de origem luso-brasileira. As 25 redues da misso de Mojos (1680/1767) postaram-nas ao longo do rio Mamor e em afluentes dos rios Beni e Guapor. Por sua vez, as 11 de Chiquitos (1690/1767), situaram-nas num altiplano divisor das bacias amaznica e platina, em rios tributrios do Mamor/Guapor e Paraguai.

    Esta investigao prope uma releitura da Histria do Mato Grosso Colonial. Assim, analisaremos as aes levadas a cabo pelos sertanistas da capitania de So Vicente e, depois de So Paulo, para alm de atitudes que visavam expanso territorial do Brasil. Defendemos que a ocupao dos espaos disputados pelas duas monarquias ibricas no vale dos rios Paraguai e Guapor resultou mais dos interesses e das capacidades de seus sditos na Amrica e menos das estratgias gestadas por suas monarquias.

    Defendemos, e procuraremos demonstrar, que tais conquistas no podem mais ser entendidas, sem esclarecermos o lugar das distintas naes indgenas nessas conquistas. Em que pese explorao a que foram submetidos, cada uma das naes, dos grupos ou at os indivduos que ocupavam aqueles espaos souberam encontrar seu caminho, fosse aceitando alianas com os jesutas, fosse como administrados, fugidos, ou recompondo-se e resistindo pela fora das armas.

    A temporalidade que nos interessa inscreve-se entre 1680 e 1750 por ser um dos perodos de muita tenso nos contatos entre os sditos americanos das coroas ibricas e de indefinies sobre a posse do territrio. ainda caracterstica daquele espao-tempo, a presena jesutica junto a vrios dos povos amerndios que ali viviam. Mas, o foco central da tese perceber e debater sobre o lugar dado pela historiografia aos povos indgenas que habitavam tal espacialidade. Ao assim proceder, queremos enfocar a histria em Mato Grosso, como parte de tramas que transcendem o mbito das fronteiras territoriais definidas ao longo dos sculos XVIII a XX.

    Sistematizar as fontes disponveis sobre um lugar de fronteira territorial entre as duas monarquias ibricas na Amrica requereu uma ampla pesquisa junto aos arquivos e bibliotecas de vrias cidades sul-americanas e da Europa. Iniciamos nossos trabalhos, a partir de um conjunto de Catlogos, Guias de Fontes e Revistas especializadas em Histria, publicados desde a segunda metade dos oitocentos por instituies guardis de importantes acervos documentais sobre as conquistas portuguesas e hispnicas na Amrica9.

    9 Entre outros catlogos de fontes vejam-se: Gabriel Ren Moreno del Rivero, Catlogo del Archivo de Mojos y Chiquitos, Santiago de Chile, Imprenta Gutemberg, [1888], Lib. Ed. Juventud, La Paz, 1973; Pablo Pastells e [Francisco Mateos], Histria de la Compania de Jess em la Provincia del Paraguay (Argentina, Paraguay, Peru, Bolivia, y Brasil) segun los documentos originales del Archivo General de Indias extractados y anotados por el R.P. Pablo Pastells, vol. I-V (Madrid 1912-1933), obra continuada por F. Mateo: vol. VI-VIII/2, Librera General de Victorino Surez y Consejo Supeior de Investigaciones Cientficas/Instituto Santo Toribio de Mogrovejo, Madrid 1912-1949, 8 tomos; ARCHIVO General de Indias, Catlogo descriptivo del material del Archivo de Indias referente a la historia de Bolivia: Sevilla, 1933 / Jos Vzquez-Machicado, La Paz: Ministerio de Educacin y

  • 15

    Comear a abordagem das fontes, utilizando tais instrumentos de pesquisa, permitiu visualizar, em parte, o volume do corpus documental com o qual nos depararamos. Ao proceder a uma primeira aproximao dos milhares de documentos que, ao longo dos sculos XIX e XX, haviam sido catalogados nos arquivos de Portugal, Espanha, Brasil, Paraguai, Argentina, Bolvia e Peru, foi possvel verificar que um alentado nmero deles havia sido publicado em revistas especializadas nas duas ltimas centrias 10.

    vasta a documentao escrita que versa sobre o espao Mato Grosso do sculo XVIII. Na quase totalidade so documentos de carter oficial produzidos por pessoas ligadas s instncias governativas das monarquias ibricas. Considerada a situao de fronteira fsica da capitania, a rigor, encontramos fontes manuscritas que informam sobre acontecimentos ali ocorridos em dois continentes e em oito pases.

    No Brasil, para alm dos arquivos do Mato Grosso, as fontes encontram-se dispersas nos seguintes estados: Gois, Rio de Janeiro, So Paulo e Par. Na Amrica hispnica, os maiores volumes documentais concentram-se na Bolvia, em especial nas de cidades de Sucre, Santa Cruz de la Sierra e La Paz, alm de Assuno, no Paraguai; Buenos Aires, na Argentina; e de Lima, no Peru. Na Europa limitamos-nos aos arquivos de Portugal com destaque para aqueles das cidades de Lisboa, Porto e vora; e, na Espanha, trabalhamos em Sevilha e Madrid. Entretanto, no nos foi possvel debruarmo-nos sobre todos os acervos existentes em cada um dos locais acima referidos.

    Considerando fatores como maior acessibilidade aos acervos, tipologia das fontes, tempo para a realizao do doutoramento e disponibilidade financeira, restringimos as

    Cultura Instituto Boliviano de Cultura, 1989; Alcides Parejas Moreno, Documentos para la historia del oriente boliviano: siglos XVI y XVII: Catlogo de documentos de la Seccin V (Audiencia de Charcas) del Archivo General de Indias, Santa Cruz, 1981; Elda E. Gonzlez Martnez, Gua de fuentes manuscritas para la historia de Brasil conservadas en Espaa, Fundacin Mapfre Tavera, Ministrio da Cultura do Brasil, Projeto Resgate Baro do Rio Branco, Madrid, 2002; Herbert Baldus, Bibliografia Crtica da Etnologia Brasiliera, Comisso do IV Centenrio de So Paulo, So Paulo, 1954; Joo Cabral de Melo Neto, O Arquivo das ndias e o Brasil: Documentos para a Histria do Brasil existentes no Arquivo das ndias de Sevilha, Rio de Janeiro, Ministrio das Relaes Exteriores, 1966; Vera Randazzo, Catlogo de Documentos Histricos de Mato Grosso, So Paulo/Cuiab, Vaner Bcego/Fundao Cultural de Mato Grosso, 1977, (4 volumes); CATLOGO dos Manuscritos Ultramarinos da Biblioteca Pblica Municipal do Porto [1938], Porto, 1988; NDICE Geral dos Nmeros de 1 a 399, in Revista do IHGB, ano 159, n 400, jul./set., 1998, pp. 643-1563; Elizabeth Madureira Siqueira (Org.), Catlogos da Casa Baro de Melgao: Coleo de Documentos do Instituto de Pesquisa D. Aquino Corra, Cuiab, IHGMT, 2000, (Col. Publicaes Avulsas, nos. 30 e 31).

    10 Apesar de no podermos consultar os arquivos das cidades de So Paulo/So Paulo, Gois/Gois, Belm/Par, Sucre/Bolvia, Assuno/Paraguai, Buenos Aires/Argentina, e Simancas/Espanha, localizamos um conjunto de documentos, dos acervos de arquivos daquelas cidades, que foram publicados e permitem que os mesmos no deixem de estar contemplados por esta investigao. No momento oportuno, faremos referncias a cada um deles. Com respeito s fontes constantes nos arquivos dos jesutas em Roma/Itlia, s foi possvel contempl-las mediante as publicaes das Cartas nuas. Ainda que muitos dos documentos constantes naqueles arquivos encontrem-se no Archivo General de ndias/Sevilha, ficar sempre a lacuna de no termos realizado o confronto entre os fundos documentais existentes nas cidades hispnicas da Amrica e com os que foram para a Espanha e para a sede da Companhia de Jesus.

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    investigaes aos arquivos a seguir relacionados: em Mato Grosso Arquivo Pblico do Estado e Arquivo da Casa Baro de Melgao; no Rio de Janeiro Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, Arquivo Histrico do Exrcito e Arquivo do Itamarati; em Lisboa Arquivo Histrico Ultramarino, Academia das Cincias, Arquivo Nacional da Torre do Tombo e Biblioteca Nacional de Lisboa; em Sevilha Archivo General de ndias e Escuela de Estudios Hispano-Americanos; e em Madrid Archivo Histrico Nacional de Madrid y Biblioteca Nacional de Madrid.

    Em Mato Grosso, foram trs as instituies que tomaram para si o encargo de guardar os documentos da sua histria: o Arquivo Pblico do Estado, o Instituto Histrico e Geogrfico e o Ncleo de Documentao e Informao Histrico Regional/UFMT. Vale ressaltar que cada uma delas criou instrumentos para divulgar seus trabalhos e publicar documentos histricos. Contudo, bem verdade que poucos se preocuparam em apresentar os documentos, informar-se se os mesmos j haviam sido editados, bem como de explicar os motivos de suas escolhas. Fazer o estudo crtico do documento era uma prtica pouco usual entre as instituies que davam prioridade publicao das fontes.

    O Instituto Histrico de Mato Grosso, fundado em 1919, possui um arquivo de importncia notvel para histria regional e das relaes entre ibero-americanos da bacia amaznica bacia platina. Desde aquele ano edita sua Revista, tambm publicou a coleo intitulada Documentos Avulsos. Desse acervo, interessou-nos os manuscritos referentes ao sculo XVIII que pertenceu ao Instituto de Pesquisas Dom Aquino Correa (IPDAC). Ao se usar essa documentao preciso estar atento para os casos de duplicao, uma vez que era prtica da coroa enviar a correspondncia para o Mato Grosso pelas frotas do Rio de Janeiro e do Par (1 e 2 vias) e ao se proceder ao arranjo do acervo, os organizadores no se ativeram para estas circunstncias.

    No Arquivo Pblico do Estado de Mato Grosso, existem duas grandes colees: os Documentos Avulsos e os Livros da Governadoria. Considerando que o primeiro dos fundos estava sendo arranjado, no foi consultado com a mesma acuidade que o segundo. Entretanto, foi possvel constatar que parte significativa dos Documentos Avulsos constituda por originais que foram transcritos para os Livros da Governadoria.

    Os Livros da Governadoria trazem tanto os documentos recebidos como os documentos emitidos. A vantagem em utiliz-los est em poder verificar o circuito documental percorrido pelas solicitaes, bandos, reclamaes, etc. desde a sua formulao at sua resoluo por parte do governante, ou funcionrio rgio, que deveria se pronunciar sobre a demanda. Nos Livros era assentada, pela Secretaria de Governo, a correspondncia recebida e emitida pelo Senado da Cmara, por ouvidores, provedores da Fazenda Real, capites-generais, motivo pelo qual foram escolhidos como fonte preferencial. Foram preservados no Arquivo Pblico do

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    Estado de Mato Grosso 72 Livros da Governadoria (no se sabe quantos eram ao todo), dos quais, 18 possuem correspondncias referentes ao perodo em anlise.

    No Rio de Janeiro, as investigaes concentraram-se no Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB) e na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BNRJ). Em certa medida, a escolha destas duas instituies deveu-se ao fato de elas manterem, sob sua guarda, cpias de documentos que foram transcritos dos arquivos de Portugal, ao longo da segunda metade do sculo XIX e primeira metade do sculo XX.

    O IHGB possui uma valiosa coleo de manuscritos sobre o Brasil, organizada de 1861 a 1865, e encadernada em 79 volumes. Segundo consta, seriam cpias de documentos, poca sob a guarda da Biblioteca Pblica de vora, do Arquivo Nacional da Torre do Tombo e do Arquivo da Marinha e Ultramar, coligidas por ordem de D. Pedro II, e que cobrem o espao temporal de 1561 a 1807. So 4 os livros referentes ao Mato Grosso. Entretanto, a mesma capitania aparece nos livros destinados a Gois, Par e So Paulo. H ainda documentos avulsos que foram enviados ao IHGB por Adolpho Varnhagen. No IHGB fizemos uma primeira seleo de documentos, quando confrontamos aqueles que ai se depositam com outros encontrados nos arquivos de Cuiab, bem como com os documentos do AHU divulgados pelo Projeto Resgate Baro do Rio Branco.

    No caso da Biblioteca Nacional/RJ, trabalhamos um conjunto de documentos da Seo de Manuscritos, que esto arranjados por Fundos ou Colees, e, sobre o Mato Grosso, localizamos manuscritos

    nos Fundos: Mato Grosso, Par, Limites do Brasil, Misses Espanholas na Amrica e Paraguai;

    e nas Colees: Pedro de Angelis, Alexandre Rodrigues Ferreira, Carvalho, Rio Branco, Morgado de Mateus11, Linhares, Jaime Corteso12 e Biblioteca Nacional.

    11 Alguns documentos da coleo Morgado de Mateus foram publicados nos Anais da Biblioteca Nacional/RJ, vol. 107, 1987, sob o ttulo: Notcias pertencentes communicao do Matto Grosso com o Estado do Maranho. Anno 1748 Excertos do Arquivo do Morgado de Mateus, pp. 33 a 142. A coleo foi adquirida em Lisboa, por compra, no ano de 1959 ao conde de Mangualde e Vila Real. O acervo compreende 38 cdices com de 9.481 documentos , 3.512 textos avulsos e 23 mapas, num total de 13.132 peas. Suas datas limites so 1603 e 1775 e informa sobre temas como: expedies, minerao, agricultura, povoamento e as questes de fronteira com a monarquia espanhola. Uma parte significativa dos documentos que compe essa coleo havia sido publicada no Brasil sob o ttulo: Yguatemy, in Documentos Interessantes para a Histria e Costumes de So Paulo, So Paulo, Arquivo do Estado, vols. IV-X (1895-1902).

    12 O que a BNRJ chama de Coleo Jaime Corteso so cpias de documentos, algumas datilografadas, que o historiador portugus mandou transcrever dos arquivos de Lisboa (ANTT e AHU), ao longo da dcada de 1940/50. Dos quais, muitos foram publicados in Jaime Corteso, Alexandre de Gusmo e o Tratado de Madrid, Rio de Janeiro, Ministrio das Relaes Exteriores, 1950/1956, (9 volumes).

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    Ao todo, foram identificados 130 documentos de dimenses e contedos variados. Vale ressaltar que, ao longo do sculo XX, muitos deles foram publicados nos Anais da Biblioteca Nacional ou mesmo em outros peridicos 13.

    Em Portugal, consultamos manuscritos nos arquivos indicados e fizemos novo confronto desses documentos com as cpias sob a guarda do IHGB de 1860/65, bem como com aqueles microfilmadas pela UFMT, em 1975. Da Biblioteca Pblica Municipal do Porto, para alm da cartografia, verificamos que no so muitos os documentos diferentes daqueles localizados nos arquivos do Brasil. Na Biblioteca Pblica de vora, encontramos poucas novidades uma vez que as fontes que interessavam investigao j haviam sido publicadas. Na sequncia, selecionamos aquelas afeitas ao tema que no haviam sido editadas e (ou) transcritas por alguma instituio 14.

    Com relao aos arquivos da Espanha, as leituras iniciais e a consulta aos catlogos nos permitiram concluir a necessidade de concentrar os esforos no Archivo General de ndias, em Sevilha, e no Archivo Nacional de Madrid.

    No Archivo General de ndias, ateno especial foi dada aos documentos que esto na Seccion V Gobierno, com destaque para as subsees Audincia de Charcas, Buenos Aires e Lima. Os documentos da Audincia de Buenos Aires do conta das questes mais ligadas parte sul do Brasil rea compreendida pelos rios da bacia platina, e trata de temas mais atinentes s provncias de Buenos Aires e do Paraguai. J os documentos da Audincia de Charcas tratam predominantemente das questes referentes provncia de Santa Cruz de La Sierra e ao espao que veio a ser chamado de Mato Grosso.

    A consulta dos legajos nos permitiu verificar que vrios dos documentos ali encontrados so, em parte, aqueles enviados pelos governantes da capitania de Mato Grosso e que tambm foram copiados, na sua maioria, nos Livros da Governadoria do APEMT, em Cuiab.

    Ao mesmo tempo, pudemos verificar que era intensa a correspondncia sobre a presena portuguesa na regio de fronteira, entre as diversas instncias governativas do vice-reinado do Peru e, tambm, com o rei e com o Conselho de ndias, na Espanha.

    13 Como exemplo de manuscrito sob a guarda da BN/RJ que foi publicado tomamos o documento identificado como: Navegao do rio Madeira principiada em 25 de setembro de 1749. [S.l.], 1752. 264 p. Consta na Lombada: Navegao do Rio da Madeira. Possui um mapa no final do cdice. Original. Manuscrito. No sculo XIX esse documento recebeu duas edies. A primeira, na coleo Notcias para a Histria e Geografia das Naes Ultramarinas que vivem nos Domnios Portugueses ou lhe so vizinhos, Lisboa, Academia Real das Cincias, tomo IV, 1826. A segunda, s ocorreria cerca de cinqenta anos depois num volume que leva o ttulo: Memrias para a Histria do Extincto Estado do Maranho cujo territorio comprehende hoje as provncias do Maranho, Piauhy, Gro-Par e Amazonas, Rio de Janeiro, 1874, organizado por Cndido M. de Almeida.

    14 Queremos deixar registrado aqui nosso agradecimento ao investigador Mrio Clemente Ferreira que, de modo gentil e absolutamente generoso, cedeu-nos um grande volume de documentos que ele havia transcrito no Arquivo Histrico Ultramarino.

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    Foi possvel constatar que eventos que abrangem as relaes entre os sditos das duas coroas, tanto no rio Paraguai, como no Guapor, e sobre os quais h poucos documentos nos arquivos de Cuiab e de Lisboa, os h em maior profuso em Sevilha 15.

    Alm dos documentos manuscritos, h uma grande massa documental, que foi publicada ao longo dos sculos XIX e XX em geral peas inditas, encontradas por pesquisadores em vrias instituies e que, por ach-los interessantes, acabaram por public-los. Para esta investigao, destacamos quatro instituies que editaram peridicos divulgando documentos sobre o Mato Grosso: Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro; Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo; a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; e o Instituto Histrico de Mato Grosso.

    Acreditamos, entretanto, que a publicao de documentos por tais instituies no o seja por ach-los interessantes. Do nosso ponto de vista a seleo de documentos reflete os posicionamentos poltico-ideolgicos dos partcipes das diferentes correntes historigrficas. Assim ao mapearmos os tipos de documentos publicados nestas revistas, encontramos sries e temticas diferenciadas.

    Por exemplo, o IHGB ao divulgar os documentos sobre as disputas de fronteiras, os povos indgenas e as expedies de reconhecimento do territrio mato-grossense podia estar exercendo uma poltica de legitimidade de soberania sobre aquele espao e sobre as pessoas que o ocupavam como parte integrante da nao e do imprio brasileiro, poca em construo. Por sua, vez o IHGSP deu preferncia aos documentos sobre a ao bandeirante e aos anos iniciais do povoamento do Cuiab, quando aquela vila fazia parte da capitania de So Paulo, uma linha temtica tradicional que sublinha o contibuto pioneiro dos bandeirantes paulistas na incorporao de territrios e na formao territorial do Brasil16. J o IHMT, trilhando caminhos da histrial regional, e visando consolidar o espao poltico de sua segunda capital, preferiu divulgar os documentos sobre os ocorridos no Cuiab/rio Paraguai, em detrimento dos da Vila Bela/rio Guapor.

    15 Por exemplo: os governadores de Buenos Aires e do Paraguai trocavam correspondncia fosse com o Vice Rei do Peru ou mesmo com o governador de Santa Cruz de La Sierra; os missionrios da Companhia de Jesus tanto podiam escrever aos seus superiores eclesisticos na Amrica, quanto aos governadores das provncias prximas s misses, como ao Vice Rei, ao Conselho de ndias ou mesmo diretamente ao Rei de Espanha; por sua vez o governador e capito general da provncia de Santa Cruz de La Sierra tinha que responder as ordens, consultas ou demandas de vrias instncias como: do Rei, do Conselho de ndias, do Vice Rei, do Presidente da Real Audincia de Charcas, dos seus Ouvidores, dos governadores de Buenos Aires e do Paraguai, do Bispo e dos prprios jesutas.

    16 Entre 1890 a 1940 o governo do estado de So Paulo tomou diversas iniciativas de divulgar fontes que informavam sobre o passado glorioso de seus ascendentes e publicou as colees: Documentos Interessantes para a Histria e Costumes de So Paulo a primeira fase 1894 a 1903 trata de documentos das entradas no sculo XVIII, portanto muito importantes para o Mato Grosso; as Actas da Camara de So Paulo, em 1914; os Registros Geral da Cmara Municipal de So Paulo, em 1917; e os Inventrios e Testamentos, de 1920; alm financiar a edio dos Anais do Museu Paulista, a partir de 1922, que publicou grande parte dos documentos mandados transcrever em Sevilha por Afonso de Taunay, que era o diretor do Museu e o editor da Revista.

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    Para alm dos Institutos Histricos, a BNRJ tambm publicou documentos atravs de seus Anais. Sobre o Mato Grosso chamam particularmente a ateno dois conjuntos documentais: um oriundo dos Arquivos da Marinha e Ultramar 17; e outro relativo ao Tratado de Limites de 1750 provenientes do Arquivo de Simancas/Espanha 18. Finalmente, foi ali que se deu lume obra Relao do Cuiab..., de Jos Barbosa de S.

    Na primeira metade do sculo XX, diversos investigadores escreveram snteses histricas e (ou) editaram documentos sobre a espacialidade Mato Grosso do XVIII, entre os quais destacamos: Arthur Ferreira Reis (1948), Jaime Corteso (1950/58), Marcos Carneiro de Mendona (1985 e 1997), cujas obras sero referenciadas ao longo da investigao.

    Fora dessa temporalidade, vale destacar ainda o esforo da Universidade Federal de Mato Grosso que mandou transcrever nos arquivos de Lisboa vasta documentao. De tal iniciativa resultaram um catlogo e duas coletneas: a correspondncia do primeiro governador da capitania D. Antnio Rolim de Moura 19; e a Coletnea de Documentos Raros do Perodo Colonial (1727-1746) 20.

    De entre as fontes selecionadas e transcritas, procedemos a uma srie de recortes temticos e analisamos aquelas especialmente relevantes para o mbito de nossa investigao, a saber: a correspondncia dos governadores das provncias do Paraguai e de Santa Cruz de la Sierra com as instncias governativas de sua monarquia; a correspondncia dos padres da Companhia de Jesus das ndias de Castela com seus superiores, com as instncias civis de sua coroa e com o governador da capitania de Mato Grosso, D. Antnio Rolim de Moura; as histrias escritas pelos jesutas, narrando a epopeia de seus membros na Amrica; a correspondncia dos governadores da capitania de So Paulo, do Senado da Cmara, dos ouvidores e provedores da Fazenda Real, radicados na Vila do Cuiab, com o rei e o Conselho Ultramarino; relatos de expedies, entre outros.

    17 Em fins da dcada de 1910, a BNRJ elaborou um programa de transcrio de documentos intitulado: Inventrio dos Documentos Relativos ao Brasil nos Arquivos de Marinha e Ultramar. Organizado para a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro por Eduardo de Castro e Almeida, 1 Conservador da Biblioteca Nacional de Lisboa e Director de Seco IX (Archivo de Marinha e Ultramar).

    18 Os manuscritos originais se encontram sob a guarda do Arquivo Geral do Governo em Simancas (Espanha). No Brasil existem cpias que foram transcritas em meados do sculo XIX e esto sob a guarda do Arquivo do Ministrio das Relaes Exteriores/Itamaraty Coleo Varnhagen [Francisco Adolfo de] que as emprestou Biblioteca Nacional para a publicao e que, por sua vez, a organizou da seguinte forma: no Vol. LII, com 544 pginas, encontra-se um conjunto de documentos de ordem mais geral, mas a maioria refere-se s Comisses Demarcadoras de Limites na parte sul das duas monarquias na Amrica. Por sua vez o volume Vol. LIII, com 440 pginas, concentra os documentos relativos Demarcao do Norte.

    19 Ana Mesquita Paiva (et al.), D. Antnio Rolim de Moura, Primeiro Conde de Azambuja; Correspondncias, Cuiab, Imprensa Universitria, 1983, (04 volumes).

    20 Eliane Maria Oliveira Morgado, [et al.], Coletnea de Documentos Raros do Perodo Colonial (1727-176), Entrelinhas/Edufm, Cuiab, 2007, (5 volumes).

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    Para entendermos distintos aspectos das conquistas ibricas entre os rios Paraguai e Guapor e rediscutirmos o lugar tradicional destinado aos povos indgenas pela historiografia em tais conquistas, estruturamos a tese ao longo de seis captulos.

    O captulo 1 intitula-se Conquistas de espaos e desenhos de territorialidades: singrando rios e trilhando sertes tem como objetivo apresentar como o espao fsico compreendido pelas bacias dos rios Paran, Paraguai, Guapor e Mamor foi apropriado e representado pelos conquistadores das coroas ibricas. A novidade deste captulo consiste na formulao dum olhar voltado para o espao que nominamos Guapor Oriental. Chamamos tambm a ateno para o modo como os historiadores abordaram a temtica indgena em geral e, em particular, sobre os povos indgenas que viviam no espao-tempo recortado e qual foi o lugar que a historiografia os colocou na histria ptria brasileira.

    Intitulado Para alm de Guaykurus e Payagus: diversas naes indgenas nas conquistas dos rios Paraguai e Paran, o captulo 2, trata de recuperar aspectos das aes dos moradores da capitania de So Vicente, da vila de So Paulo e da provncia do Paraguai nas conquistas ocorridas desde os dois principais formadores do rio de La Plata. Nossas reflexes questionam a ateno excessiva que historiografia dedicou aos ndios das naes Guaykuru e Payagu em detrimento de outros 21. Para tanto, partimos de uma leitura crtica sobre o lugar que a historiografia destinou a essas duas naes no construto da histria nacional. Por fim, apresentamos outras naes que conviviam naquele espao.

    As conquistas nos rios Paraguai e Cuiab: ndios, jesutas e bandeirantes o ttulo do terceiro captulo. Trs pontos so ali discutidos: as aes de jesutas e bandeirantes junto dos povos indgenas que ocupavam o alto curso do rio Paraguai antes dos descobertos de ouro que levaram s conquistas do Cuiab; a crtica histria do Mato Grosso construda pelos membros das elites paulista e mato-grossense, abrigados em seus respectivos Institutos Histricos; e, finalmente, propomos uma releitura das fontes usuais e, ao mesmo tempo, vamos recuperando a importncia da presena indgena naquelas conquistas para as entendermos de uma perspectiva mais inclusiva.

    21 Desde 1953 na primeira reunio da Associao Brasileira de Antropologia, foram sugeridas normas para a grafia dos etinnimos braslicos. Segundo essas normas, os substantivos e adjetivos so invariveis e grafam-se, no caso dos primeiros, com inicial maiscula e os segundo com minscula: os Payagu, os Bororo, a cermica karaj, a pintura kadiwu. Tais deliberaes foram publicadas na Revista de Antropologia, Vol.2, n 2, dezembro de 1954. Isto, entretanto, no significa que na atualidade todos os estudiosos da temtica indgena adotem tal grafia. Nesta tese, vazada na norma culta, variante brasileira da lngua portuguesa, so observadas as regras gramaticais desse padro lingustico na ntegra. Desse modo no que diz respeito conveno adotada pelos antroplogos, em relao aos grupos tnicos, mantm-se suas regras apenas nos textos de outras autorias, por uma questo de fidelidade ao texto original.

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    No captulo 4, abandonamos a bacia platina e adentramos no espao amaznico. Em As conquistas hispnicas e lusitanas no vale do Mamor e Guapor, tratamos de dois temas: as aes dos soldados da Companhia de Jesus das Provncias Jesuticas do Paraguai e do Peru, fundando, respectivamente, as misses de Chiquitos e Mojos em que dedicamos ateno especial s redues chamadas dos Baures; e, na sequncia, com base nos Anais de Vila Bela, apresentamos uma narrativa sobre a ocupao luso-brasileira desde o Cuiab at os descobertos de ouro nos altos afluentes da margem direita do Guapor as ditas minas do Mato Grosso 22.

    O quinto captulo intitula-se As monarquias ibricas e suas conquistas na fronteira ocidental do Brasil. A discusso gira entorno de dois temas: visa discutir as razes pelas quais os sditos da coroa espanhola no barraram os avanos dos sertanistas luso-brasileiros naqueles espaos em especial os moradores de Assuno; num segundo momento, chamamos a ateno para o fato de que, em consonncia com as correntes historiogrficas contempornea, muitas respostas a estes questionamentos residem, sobretudo, no mbito das colnias e menos nas monarquias ibricas na Europa.

    Em Vestgios de desaparecimentos na noite dos tempos: os povos indgenas do Guapor Oriental, o captulo 6, retomamos as conquistas portuguesas no vale do Guapor e encerramos nossa investigao. Seguindo pistas deixadas por Denise Maldi, propomos uma primeira incurso sobre as conquistas luso-brasileiras e dos jesutas de Castela, junto aos povos indgenas da margem direita ou oriental do rio Guapor. Finalizamos nossas reflexes, trazendo tona a questo dos descimentos indgenas e indicamos as tenses e as contradies entre a legislao portuguesa, e as prticas sertanistas no exerccio da administrao dos ndios nas conquistas do Cuiab e Mato Grosso.

    Finalmente, resta esclarecer sobre o ttulo A Ocidente do Imenso Brasil: as conquistas dos rios Paraguai e Guapor (1680-1750). A expresso A Ocidente do Imenso Brasil do hino de Mato Grosso, composto em 1919 pelo ento bispo e presidente do Estado, D. Aquino Correa. A letra exalta a heroicidade e fora do homem cuiabano, bem como designa um lugar para o ndio no imaginrio de seus habitantes que ainda hoje presente. Utilizamos tal expresso porque ela sintetiza muitos dos olhares que se contruiu sobre espacialidade Mato Grosso. Antes de ser uma homenagem um recurso discursivo que alerta para os pontos que pretendemos questionar ao longo desta tese: as ideias de grandeza daquele territrio apenas como uma fonteira geopoltica e de o mesmo ser representado como uma ddiva da colonizao luso-brasileira.

    22 Para uma descrio detalhada dos primeiros anos das minas do Mato Grosso ver: Janaina Amado, e Leny Caseli Anzai (org.), Anais de Vila Bela 1734-1789, Cuiab, Carlini & Caniato: EdUFMT, 2006.

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    caPtulo 01

    cOnqUistAs de esPAOs e desenhOs de territOriAlidAdes:

    sinGrAndO riOs e trilhAndO sertes

    transpondo muralhas: por rios e sertes desenhando territorialidades

    As conquistas ibricas na Amrica no podem ser dissociadas da capacidade que os homens que ali se radicaram tiveram para navegar oceanos e rios e trilhar sertes. Desde a Europa dois importantes ncleos urbanos ilustram bem esta assertiva: Lisboa e Sevilha. Um situado na margem do rio Tejo e o outro no Guadalquivir. Cidades de portos fluviais que buscavam o mar e de onde partiram milhares de homens que alcanaram as conquistas braslicas e as ndias Ocidentais de Castela.

    Ao cruzar o oceano Atlntico aqueles ibricos depararam-se com grandes cursos dgua que nele desaguavam. No delta do Amazonas os lusitanos fundaram Santa Maria de Belm do Par23. J os castelhanos ocuparam o esturio do rio da Prata onde estabeleceram la Ciudad de la Santsima Trinidad y Puerto de Nuestra Seora del Buen Ayre. A seu tempo, ambas as cidades constituram-se nas portas de acesso de conquistadores ibero-americanos para os sertes interiores da Amrica do Sul.

    Mas o delta do Amazonas e o esturio do Prata no foram as nicas vias de entrada de portugueses e espanhis em direo s partes centrais no sul do continente americano. Desde a cidade de Lima, no Peru, e da vila de So Vicente, no Brasil, os sditos das coroas ibricas transpuseram verdadeiras muralhas at alcanar os vales de rios como o Mamor Guapor Madeira, e do Paran Paraguai. Rios que correm para o centro da Amrica Merdional onde existem duas grandes plancies, por eles periodicamente alagadas, e s depois inflectem em direo ao oceano Atlntico. Para os conquistadores hispnicos, chegados pelo Pacfico, havia que atravessar a cordilheira dos Andes. J os vicentinos galgaram a Serra do Mar em busca de negros da terra, tambm nos quinhentos, e fundaram a vila de So Paulo de Piratininga de onde, seguindo cursos dgua que vertem para o interior, aprenderam a reconhecer os sertes mais distantes dos portos de mar.

    23 Atravs do grande rio Amazonas os portugueses s iniciariam suas conquistas em 1612 com a fundao do forte denominado do Prespio, na baa de Guajar, em seu entorno surgiu a povoao de Nova Lusitnia que daria origem a Santa Maria de Belm do Gro Par. Apenas depois de 1650 foi que expandiram rio acima e ao abrir o sculo XVIII alcanaram o rio Madeira at as cachoeiras. As quais seriam transpostas em 1722/23 quando da expedio comandada por Francisco de Mello Palheta desde Belm at misso jesuta de Exaltacin no rio Mamor. Todavia, a rota desde as Minas do Mato Grosso pelo Guapor Mamor Madeira Amazonas at Belm s seria retomada em 1740 e oficializada na dcada seguinte. Ver: Arthur Cezar Ferreira Reis, Limites e Demarcaes na Amaznia Brasileira: A fronteira com as Colnias Espanholas, 2 Tomo, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1948.

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    No exerccio de conhecer, conquistar, procurar tesouros, catequizar ou mesmo escravizar os povos indgenas e transpor as duas muralhas que davam acesso aos sertes interiores da parte sul do continente americano demorou mais de um sculo at que os sditos portugueses e espanhis comeassem a se defrontar. Naquelas imensides de terras e guas os ibero-americanos fundaram ncleos de povoamento. No rio Tiet, as vilas de So Paulo, Parnaba, Itu e Sorocaba 24. No rio Paraguai, a cidade de Assuno. No rio Cuiab, as minas e vila homnimas. Entre os rios Piray e Grande fixou-se Santa Cruz de la Sierra. Ainda no vale dos rios Mamor e Guapor, do lado hispnico, as misses de Mojos e Chiquitos e da banda lusitana, os arraiais das minas do Mato Grosso (Ver mapa 01).

    Eram lugares muito distantes uns dos outros. Num continente povoado por centenas de naes amerndias, os novos e adventcios moradores usaram os rios para garantir suas sobrevivncias e, tambm, para interligar suas pequenas ilhas de civilidade.

    Singrar rios muito distinto de cruzar oceanos. Embarcaes pequenas e leves, guas encanadas, rebojos, corredeiras, saltos, cachoeiras, naufrgios, perdas de vidas e fazendas. Rios que eram domnios de povos nativos que conheciam os seus segredos. Um mundo novo de descobertas e um sem fim de aprendizados para os colonos. Necessidades de alianas. O locomover-se e conquistar os interiores das terras sul-americanas, seja por sditos hispnicos ou lusitanos foi mais ou menos acelerado, medida que a navegao dos rios foi sendo possvel e ensinada pelos amerndios.

    A apropriao do espao compreendido pelo alto vale dos rios Paraguai e Guapor por descendentes europeus e a transformao das territorialidades amerndias em territrios das coroas de Portugal e Espanha resultaram de um longo processo histrico que foi primeiro explicado a partir da busca do El Dorado 25. Outra possibilidade de leitura permitiu aos historiadores aludirem

    24 As conquistas lusitanas pelo interior da Amrica do Sul se iniciaram em 1554 com a fundao do colgio jesuta de So Paulo de Piratininga, feito vila em 1560. Mas, s nas dcadas iniciais dos seiscentos se daria a disperso daqueles moradores pelos sertes mais longnquos. Primeiro seguiram os rios que nascem na Serra do Mar e vertem para o interior onde capturaram as populaes indgenas. Depois, partiram ao encontro da frente de expanso oriunda desde Assuno e Buenos Aires. Para tanto, utilizaram os rios Paranapanema e Tiet, atravs dos quais alcanavam o Paran e o Paraguai. Ver: John Manuel Monteiro, Negros da Terra: ndios e bandeirantes nas origens de So Paulo, So Paulo, Companhia das Letras, 1994.

    25 Sobre o ouro como alavanca das conquistas no mundo ocidental e nas ndias Ocidentais de Castela ver, entre outros: Enrique Gandia, Histria crtica de los mitos de la conquista americana, Buenos Aires, Juan Roldan, 1929; Srgio Buarque de Hollanda, Os motivos ednicos no descobrimento e colonizao do Brasil, Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1959; Jean Delumeau, Uma histria do Paraso, Lisboa, Terramar, 1995; Laura de Mello e Souza, O diabo e a terra de Santa Cruz, So Paulo, Companhia das Letras, 1986; Johnni Langer, O mito do eldorado: origem e significado no imaginrio sul-americano (sculo XVI) in Revista de Histria, So Paulo, FFLCH/USP, n. 136, 1997, pp. 25-40; Sirlei Silveira, Em busca do pas do ouro: sonhos & itinerrios, Cuiab, MT, Carlini & Caniato: EdUFMT, 2009; e

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    quelas conquistas, reafirmando a primazia de uma das duas naes ibricas sobre o espao. Tal abordagem surgiu desde 1740, no bojo das negociaes e demarcao das fronteiras coloniais, e acirrou-se na centria seguinte com a constituio dos estados nacionais sul-americanos. Ainda na atualidade h historiadores que sustentam afirmativas do tipo: mediante cdula de 15 de febrero de 1560 el virrey Andrs Hurtado de Mendoza, marqus de Caete, creaba La Gobernacin de Moxos, que comprenda Mato Grosso, Chiquitos e Moxos. Identificam-se, no sculo XVI, as unidades poltico-administrativas e territoriais do Mato Grosso, de Mojos e de Chiquitos num tempo em que elas no existiam. No parece que faam isto por ignorncia, mas por escolhas 26.

    Fugir s armadilhas de perceber os eventos ocorridos no passado circunscritos a territorialidades que lhes so estranhas no fcil. O tipo de raciocnio acima indicado tem levado os investigadores a entender e explicar as conquistas ibricas na parte central da Amrica do Sul apenas da perspectiva do conquistador europeu. O recorte temporal que escolhemos (1680 1750) antecede, por exemplo, a criao da capitania de Mato Grosso. Entretanto, desde Virglio Correa Filho, lugares geogrficos que s foram incorporados ao territrio daquela capitania ao fim do perodo colonial so referidos para os sculos anteriores como mato-grossenses 27. No queremos repetir tais prticas que, insistimos, no so erros. Desta perspectiva, no os estaremos corrigindo ao propormos apreender aqueles espaos com outros referenciais que no apenas os geopolticos ou estratgicos 28.

    Isabelle Combs, Planchas, brazaletes y hachuelas: las rutas prehispnicas del metal andino desde el Guapay hasta el Pantanal in Revista Andina 47, Cuzco, 2010, p. 53-82.

    26 Entre outros historiadores ver: Alcides Pareja Moreno y Virgilio Sures Salas, Chiquitos: historia de una utopa, La Paz, Bolivia, Sirena, 1992, p., 57.

    27 Virglio Corra Filho, As Raias de Matto Grosso, Seco de Obras dO Estado de So Paulo, So Paulo, 1924-1926 (4 vols). Estamos nos referindo a autores, como os acima citados, que relacionam a ocupao de um determinado territrio com a ideia de nao e sentimento de ptria, muito em voga desde a segunda metade do sculo XIX e que perdurou at anos avanados da centria seguinte. A prtica foi muito comum na Amrica do Sul no perodo que mediou entre as independncias (1810/20) at a demarcao definitiva das fronteiras nacionais daqueles pases, cerca de 1940. Mas as anlises que privilegiam as perspectivas geopolticas seriam ainda reavivadas pelos grupos que patrocinaram Golpes Militares nos pases sul-americanos entre as dcadas de 1960/70. Para uma leitura crtica dessas abordagens ver a obra pioneira de: Friedrich Ratzel, Gographie Politique, Paris, Editions Rgionales Europennes, 1988; Paul Sutermeister, Ratzel contra os economistas: acesso a mercados, destruio criadora e teoria social darwiniana na obra geografia poltica, 1 SIMPGEO/SP, Rio Claro/SP, 2008; e, Marcelo Jos Lopes de Souza, O territrio: sobre espao e poder, autonomia e desenvolvimento in Geografia: conceitos e temas, in Elias de Castro, Paulo Csar da Costa Gomes e Roberto Lobato Corra (Org.), Rio de Janeiro, Bertrand Russel, 2001, pp. 77-116; alm das reflexes de Milton Santos, A natureza do espao: tcnica e tempo, razo e emoo, So Paulo, EdUSP, 2002, entre outros.

    28 Para uma reflexo sobre o construto de uma memria historiogrfica em Mato Grosso e a utilizao desta memria para justificar determinadas condutas e aes polticas ver: Oswaldo Zorzato, Conciliao e Identidade: consideraes sobre a historiografia de Mato Grosso (1904-1983), tese de doutorado apresentada ao PPGHIS da FFLCH/USP, So Paulo, 1998; Lylia de S. Guedes Galetti, Nos confins da civilizao: serto, fronteira e identidade nas representaes sobre o Mato Grosso, tese de doutorado

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    O espao que estudamos vivenciou mltiplas experincias de ocupao. fato que ali existiam dezenas de territorialidades amerndias cuja lgica muito distinta da europeia e devia seguir cdigos que no conseguimos apreender muito bem. Sabemos igualmente que foram sobre as espacialidades nativas que se fundaram as circunscries jurdicas, administrativas, de governo e eclesisticas prprias do universo europeu, representadas pelas monarquias ibricas, que as pleiteavam. O espao ento passou a ser referido como territrio, com os pontos de frico nominados como reas de fronteiras em litgio.

    Sabemos, igualmente, das disputas entre os amerndios por locais geogrficos onde houvesse melhores condies de sobrevivncia. Como os povos indgenas viviam estgios diferentes em relao s suas capacidades de controle da natureza, possvel que tivessem expectativas distintas em relao ao uso do espao. Por exemplo, aos grupos paleolticos que foram chamados de Payagus, que eram canoeiros e viviam da pesca e do comrcio, interessaria apenas o domnio dos rios? J os povos neolticos como os Chiquitos ou os Chans, que eram agricultores, prefeririam viver nas terras altas e no alagveis? Haveria sobreposio de territorialidades amerndias ou havia fronteiras demarcadas? No temos ainda elementos informativos nem clareza suficientes para responder tais indagaes.

    Na Amrica do Sul o delimitar grandes espaos por linhas fixas foi uma questo que s passou a existir e a requerer soluo aps os sditos das coroas ibricas comearem a se encontrar de modo sistemtico no interior do continente, quando, ento, configuraram-se os conflitos de interesses. Para definir os domnios e posses de cada monarquia, foi necessrio no apenas conhecer, mas criar representaes do espao. No cabe aqui historiar esta importantssima discusso 29.

    apresentada ao PPGHIS da FFLCH/USP, So Paulo, 2000; Vilma Eliza Trindade, Poltica, histria e memria em Mato Grosso: Virglio Corra Filho, 1887-1973, Campo Grande, UFMS, 2001; Gilmara H. e Franco, A construo da identidade mato-grossense na escrita de Virglio Corra Filho (1920-1940), dissertao de mestrado apresentada ao PPGHIS da UFMS/Grande Dourados, Dourados, 2007.

    29 Antes de tudo preciso indicar que existe uma vasta documentao cartogrfica sobre aqueles espaos que pode ser encontrada nos arquivos de vrios pases sul-americanos e da Europa. Tambm foram publicados relatos e dirios de viagens de sertanistas, jesutas, agentes a servio de suas coroas, bem como os trabalhos dos demarcadores de limites. To extensa quanto as representaes cartogrficas a bibliografia sobre o tema, entre outros ver: Isa Adonias, Mapas e planos manuscritos relativos ao Brasil colonial: 1500-1822, Braslia, Ministrios das Relaes Exteriores, 1960, 2v.; Jaime Corteso, Histria do Brasil nos Velhos Mapas, Instituto Rio Branco, Rio de Janeiro, Vol I e II, 1971; Joo Carlos Garcia (coord.), A mais dilatada vista do mundo: inventrio da coleo cartogrfica da Casa da nsua, CNCDP, 2001; Mrio Clemente Ferreira, Colonos e Estado na revelao do espao e na formao territorial de Mato Grosso no sculo XVIII: notas de uma investigao, in Territrios e Fronteiras Revista do PPGHIS da Universidade Federal de Mato Grosso, vol. 7, n 1, Janeiro/Junho de 2006, pp. 37-56; ANAIS do Museu Paulista: Histria e Cultura Material, Universidade de So Paulo, Museu Paulista, Nova Srie, Vol. 17, N 2, Jul.-Dez., 2009; Francisco Roque de Oliveira e Hctor Mendoza Vargas (orgs.), Mapas de metade do mundo, A cartografia e a construo territorial dos espaos americanos: sculos XVI a XIX, Lisboa/Ciudad de Mxico, 2010; Paulo Miceli, O desenho do Brasil no teatro do mundo, Campinas, Editora da Unicamp, 2012.

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    Neste momento inicial da nossa narrativa interessa situar as conquistas portuguesas do Cuiab e do Mato Grosso, em relao aos ncleos de ocupao hispnica a elas circunvizinhas. Para tanto, tomaremos como referncia um conjunto de signos e informaes consolidados ao longo dos ltimos sculos e que so universalmente reconhecidos pelo mundo ocidental. Ento os lugares geogrficos distintivos de tal espao sero referidos a partir dos nomes recebidos tanto de luso-brasileiros, como de hispano-americanos no ato de exerccio das conquistas 30.

    Se considerarmos que o marco que delimita o centro geodsico da Amrica do Sul encontra-se postado no caminho que, no sculo XVIII, ligava o porto do rio Cuiab vila homnima, podemos concordar que as conquistas luso-brasileiras, nos afluentes do alto curso do rio Paraguai, iniciaram-se num ponto equidistante entre os oceanos Pacfico e Atlntico. Ou, se preferirmos a narrativa do historigrafo ingls Robert Southey, Foi no corao mesmo da Amrica do Sul que o paulista Paschoal Moreira Cabral descobriu as minas de Cuyab 31. Ponto equidistante ou corao da Amrica Sul, enfim no era fcil chegar ou sair de um lugar to central que, apesar disto, foi conquistado. Assim, o tomaremos como referncia para nos situarmos em relao s demais reas ocupadas pelos sditos das monarquias ibricas na poro sul do continente americano.

    Para melhor visualizarmos o espao circunscrito pelas bacias dos rios Paraguai e Guapor, vamos apresent-lo a partir de trs lugares geogrficos: o oriente boliviano, o alto e mdio cursos dos rios Paraguai/Paran e o Guapor oriental. A temporalidade que nos interessa inscreve-se entre 1680 e 1750 por ser um dos perodos de muita tenso nos contatos entre os sditos das coroas ibricas e de indefinies sobre a posse do territrio. ainda caracterstico daquele espao-tempo a aceitao da presena dos jesutas pelos colonos hispano-americanos junto a vrios povos indgenas que ali viviam.

    30 Isto no significa que sejam nomes europeus, mesmo porque este exerccio de (re)nomear os lugares que se ia perlustrando era realizado por sertanistas que se faziam acompanhar de ndios administrados. No podemos esquecer de que a aliana dos hispano-paraguaios foi com os Tupis de lngua Guarani, de que pode decorrer semelhanas com o Tupi falado no Brasil. Nas palavras de um historigrafo paulista do incio do sculo XX: As levas que partiam do litoral a fazer descobrimentos falavam, no geral, o tupi; pelo tupi, designavam novos descobertos, os rios, as montanhas, os prprios povoados que se fundavam..., ver: Teodoro Sampaio, O tupi na geografia nacional in RIHGSP, So Paulo, v. 6, 1902, p. 493. Para o caso do Mato Grosso h o trabalho pioneiro do baro de Melgao, Augusto Leverger, Apontamentos para o Diccionrio Chorographico da Provincia de Matto-grosso in RHIGB, Rio de Janeiro, Typographia de H. Laemmert & C., 1884, pp. 307 a 504. Mas nem todos os topnimos so de origem Tupi-Guarani a literatura histrica dos jesutas hispnicos fornece vrios exemplos de nomes de origem Mbai/Guaykuru, ver: Jos Snchez Labrador, El Paraguay Catlico, Tomos I e II, Buenos Aires, Imprenta de Coni Hermanos, 1910.

    31 Robert Southey, Histria do Brasil, tomo quinto, traduo do Dr. Luis J. de O. Castro e anotaes do cnego J.C.F. Pinheiro, Rio de Janeiro, Livraria de B. L. Garnier, 1862, p. 242.

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    O Oriente Boliviano

    O espao que leva este nome foi definido a partir das experincias de conquistas protagonizadas pelos hispano-americanos radicados tanto em Assuno, quanto em Lima no Peru. Desde o sculo XVI passou a ser periodicamente visitado por malocas que iam aprisionar ndios 32. Foi consolidado sobre distintas territorialidades amerndias, e sua expanso teve como ponto de partida a cidade Santa Cruz de la Sierra. Ainda hoje um lugar poltica e economicamente importante na Bolvia e para apresent-lo tomamos de emprstimo a delimitao contempornea proposta por Alcides Pareja Moreno.

    Se conoce con el nombre de Oriente Boliviano una amplia zona de la Repblica de Bolivia, que se extiende desde las ultimas estribaciones de la Cordillera de Los Andes, hacia el Este, hasta la regin del Mato Grosso en el Brasil; y desde los ros Madera y Abun, en el Norte, hasta las llanuras del Chaco Boreal en el Sur. Ocupa los actuales departamentos de Pando, Beni y Santa Cruz y parte do La Paz y Cochabamba ms de 50% del territorio nacional33 (Ver mapa 02).

    No espao delimitado fundaram-se cidades, vilas e redues geridas por rgos e indivduos com jurisdies legislativas, administrativas, fiscais e eclesisticas. Numa primeira instncia, desde a Espanha, existia a hierarquia de poder e de mando constitudo pelo rei, os Conselhos e, depois, as Secretarias de Despacho Universal; j nas ndias de Castela o poder era executado ou emanava, no plano civil, a partir do Vice-reinado do Peru com sede em Lima; da Audincia de Charcas abrigada em La Plata; e do Governador e do Cabildo de Santa Cruz de la Sierra na cidade homnima. No mbito religioso, o Arcepispado e a Provncia Jesutica do Peru, em Lima; e, finalmente, o bispado de Santa Cruz de la Sierra e suas misses subordinadas.

    Duas foram as experincias hispano-americanas de ocupao no oriente boliviano. A primeira, de carter civil, iniciou-se com a fundao de Santa Cruz de la Sierra, s vezes, tambm referida como San Lorenzo de la Barranca. J a segunda, foi comandada pelos jesutas que fundaram as misses de Mojos e Chiquitos.

    32 Se denominan malocas a las expediciones armadas organizadas por los colonos cruceos con el simple propsito de capturar indgenas para mantener trabajos agrcolas y la industria azucarera en la ciudad de Santa Cruz de la Sierra, donde de hecho los nativos presos vivan en condicin de esclavos. Estas entradas armadas, que no estaban motivadas ni por intereses pobladores ni respondan a provocaciones blicas de los indgenas eran llamadas por los cruceos correduras, y afectaran a los chiquitanos desde los inicios de la conquista del oriente boliviano perdurando todo el siglo XVII. Roberto Tomich Charup, La primera evangelizacin en las reducciones de Chiquitos, en Bolvia (1691-1767), Cochabamba/Bolivia, Editorial Verbo Divino, Universidad Catlica Boliviana y Ordo Fratrum Minorum Conv, 2002, pp. 379-380.

    33 Alcides Pareja Moreno y Virgilio Sures Salas, Chiquitos: historia de una utopa, cit., p. 19.

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    Tambm foram duas as correntes de expanso que deram origem a Santa Cruz de la Sierra. Uma partiu da cidade de La Plata e foi comandada por Andrs Manso (1557). A outra saiu de Assuno e foi liderada por uflo de Chves (1558). consenso entre os historiadores que, enquanto as expedies oriundas das terras andinas buscavam capturar ndios nas plancies alagveis onde vivia o povo nominado de Mojo; as provenientes do rio Paraguai tentavam abrir uma ligao entre a provncia homnima e as minas de Potos, at La Plata. Os que vieram de Assuno se radicariam em territorialidade de vrios dos grupos que foram identificados como Chiquitos. Logo se configuraram os conflitos de interesses entre ambas as ondas conquistadoras (1559/60) e criou-se ento a Gobernacin de Moxos, subordinada ao Vice-reinado do Peru e Audincia de Charcas. Pouco depois, uflo de Chves fundou, a 26 de fevereiro de 1561, a cidade de Santa Cruz de la Sierra.

    No sculo XVI, Santa Cruz era o ponto mais interior das conquistas hispnicas e ligava as terras altas do Peru com as plancies amaznica e do pantanal. As dificuldades que se apresentaram para mant-la foram muitas. Passados 30 anos desde seu incio e de vrias experincias que incluem a fundao de outros ncleos de povoamento, tanto os colonos ou vecios cruceos, como as autoridades da Audincia de Charcas entenderam ajuntar seus moradores com os de San Lorenzo de la Barranca ou de la Frontera. Mas, segundo consta, isto s ocorreu em 1621. Ou seja, 60 anos depois de fundada, a cidade encontrou seu stio definitivo exatamente onde estava o de San Lorenzo, a escasos cinco kilmetros al Este del ro Pira,34. Daquele ponto ficava mais fcil ligar-se s cidades de La Plata e Potoss e destas de Lima.

    A nova localizao de Santa Cruz tambm facilitava o acesso s reas de maior concentrao de povos indgenas que deram nome a um espao geogrfico conhecido como Llanos de Mojos. Que se tratava de uma grande plancie alagvel. Segundo a narrativa dos historigrafos jesutas, entre 1595 e 1671 ocorreram 10 entradas de cruceos para capturar ndios nos Llanos de Mojos, autorizadas pelos governadores de Santa Cruz de la Sierra e pelos Presidentes e Fiscais da Audincia de Charcas 35. Faz-se necessrio, portanto, apresentarmos tal espao onde os padres da Companhia de Jesus da Provncia do Peru vieram fundar o conjunto das

    34 Os pargrafos sobre Santa Cruz de la Sierra foram escritos a partir da leitura dos seguintes autores: Enrique Finot Franco, Historia de la conquista del Oriente boliviano, cit., pp. 245-248. Segundo nos explica outro autor os cruceos foram to habis que se apropriam no s do espao onde estava fundada San Lorenzo de la Barranca como se sobrepuseram a este. A estratgia teria sido sutil. Comenz a escribirse San Lorenzo de la Gobernacin de Santa Cruz de la Sierra o ms sencillamente San Lorenzo de Santa Cruz de la Sierra; y este ltimo nombre por la ley de la menor resistencia, por ser ms antiguo o ms conocido y que abarca mayor jurisdiccin fue sobreponindose hasta reemplazar a la ciudad en forma absoluta. Ver tambm: Humberto Vzquez Machicado, Santa Cruz de la Sierra en los siglos XVI y XVII in Obras completas de Humberto Vzquez Machicado, Vol. II, La Paz, Don Bosco, 1988, p. 95.

    35 Entre outros ver: Rubens Vargas Ugarte, SJ, Historia de la Compaia de Jesus en el Peru, Tomo III, Burgos, Imprenta de Aldeoca, 1964, pp. 1 a 15.

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    25 redues que, em referncia aos primeiros grupos indgenas que aceitaram a catequese, nomearam como misso de Mojos.

    O exerccio de delimitao do espao geogrfico da misso e dos Llanos de Mojos foi realizado por vrios investigadores. Escolhemos as reflexes de David Block36. Seriam dois nichos ecolgicos: um formado por terras alagveis seis meses por ano e o outro, por terrenos no inundveis. Deste conjunto, 75% das terras abrangeriam uma sabana compreendida desde o sop mais baixo dos Andes at a margem esquerda do rio Guapor. Esta maior rea entremeada por ilhas de pequenas elevaes do terreno que perfazem 15%, dos 75%. Durante as cheias dos rios era nestes 15% que se construam as aldeias, plantavam as roas, caavam e retiravam madeiras para confeccionar canoas e armas e como combustvel. Os demais 25% eram formados por terras altas de bosques, situadas nos altiplanos andinos e pelas mesetas ao norte do Planalto de Chiquitos, do que se conclui que os rios e o regime de suas guas, com cheias e vazantes, so fundamentais para entendermos a ocupao e conquista daquele espao (Ver mapa 02).

    Foi navegando os rios Pirai e Grande ou Guapai que os moradores de Santa Cruz de la Sierra alcanaram o Mamor e dali os afluentes da margem direita do Beni e da esquerda do Guapor e, assim, estabeleceram contato com os povos indgenas que ali viviam. A este tema voltaremos no captulo 4. Por hora, interessa ressaltar que, ao longo do rio Mamor e seu confluente, o Guapor, as conquistas hispano-americanas foram iniciadas pelos civis e, depois, levadas a cabo pela Companhia de Jesus. Ou seja, trataremos de um espao onde a conquista espiritual dos indgenas substituiu com maior sucesso a experincia laica.

    Nascem nos Andes Orientais os principais rios formadores do Mamor que recebe esse nome na confluncia do Chapar com o Mamorecillo. Com uma extenso de 1.931 km, sua calha principal flui para o norte, atravessando a parte mais central de uma extensa savana que, desde os meses de outubro e novembro, comea a ser por ele inundada. Dezembro e janeiro so de mximas chuvas e todos os seus tributrios, da margem ocidental e oriental, se emendam formando um gigantesco lago, com 13.750 lguas quadradas ou 200.000 km2. Finalmente, nos meses de maro e abril, as guas refluem e de maio a outubro, ocorre o perodo de estio nos Llanos de Mojos quando os rios, mais uma vez, correm cleres dentro de suas calhas 37 (Ver mapa 02).

    36 David Block, La cultura reduccional en los llanos de Mojos: tradicin autctona, empresa jesutica & poltica civil, 1670-1763, La Paz, Tupac Katari, 1997.

    37 Se compararmos com os pases ibricos, por exemplo, podemos ter uma ideia aproximada do tamanho da rea conhecida como Llanos de Mojos. Portugal tem uma superfcie total de 92.074 km2, sendo que 88.994 km2 correspondem superfcie de Portugal Continental e, 3.080 km2 s Ilhas dos Aores e da Madeira. J Espanha Continental possui cerca de 493.515 Km2, lhas Baleares 4.992Km2, Ilhas Canrias 7.447 Km2, rea total de Espanha 505.954 km. Ou seja, os Llanos de Mojos eram mais de duas vezes o tamanho de Portugal e quase da extenso da Espanha. J o Oriente Boliviano tem uma superfcie territorial de 648.162 Km2 e isto equivale a um espao maior que Espanha e Portugal juntos.

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    Desde Santa Cruz de la Sierra, o Mamor foi o principal dos rios navegados pelos hispano-americanos na plancie amaznica. Quando os jesutas, a partir de 1670/80, iniciaram seus trabalhos de catequese junto aos povos indgenas que viviam nas terras baixas, fizeram-no a partir daquele rio. s suas margens, fundaram as primeiras e mais longevas das quantas redues que vieram a constituir a misso de Mojos.

    Com informaes deixadas pelos jesutas, distintos investigadores, identificaram os seguintes grupos vivendo naquele espao: os Mojos, localizados em ambas as margens do Mamor, desde a foz do rio Grande at a altura da foz do Aper; os Mobinas e Kayubabas moviam-se por sua margem ocidental, desde a foz do Aper at quase o seu encontro com o Guapor; pela margem oriental do Mamor, encontravam-se os Canisianas desde que acabavam os domnios dos Mojos e por todo o alto vale do rio Machupo; por sua vez, os Itonomas avizinhavam-se com os Canisianas, mas concentravam-se desde o lago San Lus e pelo baixo curso do rio que tomou emprestado seu nome do povo; finalmente, os Baures, que viviam desde a margem direita do rio Itonoma e numa rea prxima confluncia do rio que recebeu seu nome daquele povo, no Guapor 38.

    Para os jesutas, os Baures eram os mais civilizados de entre todas as naes de ndios com as quais conviveram. O espao por eles ocupado abrigou um conjunto de 5 redues. Um lugar geogrfico demarcado a partir dos principais afluentes da margem esquerda do Guapor e so eles: o Paragu; o San Simn, o San Martn e o Blanco que formam o rio Baures; o So Miguel; o Itonomas; o Machupo; e o prprio Guapor. Quando, no sculo XVIII, os luso-brasileiros descobriram as minas do Mato Grosso e fundaram seus arraiais na margem oriental do Guapor, aquele espao viveu intensas disputas no s territoriais, mas tambm pelo controle de seus moradores amerndios.

    Queremos reforar que os rios so fundamentais para entendermos a ocupao indgena e as conquistas hispnicas no Mamor. No existiam tambm, barreiras naturais que dificultassem os contatos, amistosos ou de guerra, entre os diversos povos que ali conviviam. Parece-nos que grupos de um mesmo povo poderiam radicar-se tanto nas terras altas como na savana. Por sua vez, havia outros que habitavam num nico nicho ecolgico, como era o caso dos Chiquito, instalados nos altiplanos e que sequer sabiam navegar.

    38 David Block, La cultura reduccional en los llanos de Mojos: tradicin autctona, empresa jesutica & poltica civil, 1670-1763, cit.; Denise Maldi Meireles, Guardies da Fronteira: Rio Guapor, sculos XVIII, Petrpolis/RJ, Vozes, 1989; Josep M. Barnadas, Introduccin, in Francisco Javier Eder, SJ, Breve Descripcin de las Reducciones de Mojos, Cochabamba, Historia Boliviana, 1985.

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    Evidncias arqueolgicas apontam para a existncia de trocas entre os amerndios que viviam tanto nas reas alagveis, quanto no planalto 39. A presena dos hispano-americanos e a criao das governaes do Paraguai, de Santa Cruz de la Sierra e, depois, das misses de Mojos e Chiquitos nos passam a falsa ideia de separao/isolamento entre os grupos indgenas radicados nos Llanos de Mojos e no Planalto dos Chiquitos. Do mesmo modo, os Chiquito mantinham contatos com os demais povos que ocupavam reas das plancies alagveis da bacia do rio Paraguai lugares conhecidos como Chaco e Pantanal. Muitos historiadores, ao entenderem a ocupao do espao apenas da perspectiva europeia, negligenciaram as estratgias indgenas para enfrentar os conquistadores.

    Ao passarmos dos Llanos de Mojos e galgarmos as terras mais altas onde se situa o chamado Planalto dos Chiquitos, adentramos pelo universo da experincia catequtica, levada a cabo pelos jesutas da provncia do Paraguai. Podemos resumir alguns acontecimentos que remetem fundao da misso de Chiquitos do modo como se segue.

    Na dcada de 1680, os padres da provncia jesutica do Paraguai estavam empenhados em atuar junto de outros povos indgenas que no apenas os dos rios Paran e Paraguai. A seara era imensa. Aps vrios estudos, considerando preservar e reforar as ligaes entre as distintas cidades e provncias do vice-reinado do Peru, resolveram que era o momento de investir seus esforos junto dos povos que viviam no Chaco 40.

    39 Entre os estudos de arqueologia sobre esse espao ver: Branislava Susnik, Apuntes de etnografa paraguaya, Asuncin, Manuales del Museo Etnogrfico Andrs Barbero, 1961; William M. Denevan, La geografa cultural aborigen de los Llanos de Mojos, La Paz, Juventud, 1980; Clark L. Erickson, Sistemas agrcolas prehispnicos en los Llanos de Mojos, Amrica Indgena, Mxico, XL/4, 1980, pp. 731-755; Maria Clara Migliaccio, O domstico e o ritual: cotidiano Xaray no Alto Paraguai at o sculo XVI, tese de doutorado apresentada ao Museo de Arqueologia da Universidade de So Paulo, So Paulo, 2006; Isabelle Combs, El Candire de Condori. El Saypur inca y la tierra sin mal, in Arqueologia, etnologia e etno-histria em Iberoamrica: fronteiras, cosmologia, antropologia em aplicao, in Rodrigo Luiz Simas de Aguiar, Jorge Eremites de Oliveira e Levi Marques Pereira (Orgs.), Dourados/MS, Editora da Universidade Federal da Grande Dourados, 2010; Luis Fernado Erig Lima, A ocupao Pr-Colonial na Fronteira Ocidental Adaptabilidade Humana, Territorialidade e Aspectos Geomorfologicos na Microrregio do Alto Guapor, Mato Grosso, tese de doutorado apresentada ao Museu de Arqueologia da USP, So Paulo, 2010.

    40 O Chaco foi uma rea menos frequentada pelos conquistadores luso-brasileiros. As notcias que ficaram so dos jesutas que por ali trafegaram, por quase dois sculos, na tentativa de catequizar os povos indgenas que o habitavam. Vejamos uma das definies que aquele espao recebeu: Conviene precisar un poco lo que con este nombre (Chaco) se significa. El vulgo llamaba ordinariamente Chaco a las vastsimas llanuras que se extienden al oeste del ro Paraguay hasta que llegan a encontrarse las primeras estribaciones de los Andes. Recientemente los litigios que se han suscitado entre las naciones americanas sobre le cuestin de lmites han obligado a precisar mejor los territorios significados con este nombre. () han convenido generalmente en distinguir tres regiones en el Chaco. La primera es la que se llama Chaco Austral, o sea la inmensa planicie situada al sur del ro Bremejo y que se extiende desde este ro hasta las regiones poco ms o menos de Santiago del Estero. Llamamos Chaco central a la faja extenssima que corre desde el ro Paraguay hacia el noroeste entre los dos ros principales, Bermejo e Pilcomayo. Por ltimo han recibido el nombre de Chaco Boreal las regiones situadas entre el Pilcomayo, el Paraguay y el sur de la repblica de Bolivia. Ver: Padre Antonio Astrain, Historia da la Compaa de Jess en la Asistencia de Espaa, Tomo VI (1652-1705), Madrid, Administracin de Razn y Fe, 1920, pp. 698/99.

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    Um dos pontos de partida para as incurses de catequese e de tentativas de fundar misses no Chaco foi a provncia de Tucumn. Na medida em que crescia a demanda por produtos e bens agropastoris nas minas de Potos, aumentava a necessidade por incorporar terras para a expanso pastoril. Esse movimento gerava enfrentamentos entre os colonos hispnicos e as populaes indgenas do Chaco 41. Entremeando as guerras, os jesutas procuravam obter sucesso em suas aes de pacific-los.

    A catequese entre os Chiquitos teria surgido dum destes fracassos. Em 1686, o padre Jos Arce foi mandado viver entre os Chiriguanos do Chaco. Quatro anos depois estava convencido que poderia fundar ali uma misso e foi Santa Cruz de la Sierra solicitar autorizao ao governador. Experiente no trato com os Chiriguanos, com os quais fazia alianas temporrias e dos quais os moradores de sua provncia compravam ndios cativos, o governador Don Agustn Arce, o alertou que eran stos una gente sumamente voluble y probablemente abandonaran pronto los misioneros... En cambio les propuso que se extendiesen hacia el Oriente de Santa Cruz de la Sierra y visitasen a los indios Chiquitos, de cuyo carcter estaba muy satisfecho 42.

    Poucos meses depois, o jesuta, ao ser expulso pelos Chiriguanos, resolveu aceitar a proposta do governador. Ainda em fins de 1690, redirecionou suas aes para os Chiquitos. Assim, os jesutas do Paraguai, deslocavam seu o campo de atuao das naes indgenas radicadas no Chaco para aquelas localizadas nas terras altas a oriente de Santa Cruz de la Sierra. Nos anos iniciais de abertura da misso os jesutas tiveram que enfrentar a oposio dos colonos cruceos que rejeitavam tal projeto, pois sabiam que isto dificultaria seus negcios e a organizao das malocas com fito de cativar ndios.

    Para delimitarmos a rea de terras destinada misso de Chiquitos, passemos ento a palavra ao padre jesuta Francisco Burgs, que a descreveu do seguinte modo:

    La Nacin de los Chiquitos confina por el Occidente con la ciudad de San Loreno y Provincia de Santa Cruz de la Sierra. Su distrito corre azia el Oriente hasta el Ro P