3
KOOLHAAS, Rem. “Junkspace” in: SYKES, A. Krista (org). O campo ampliado da arquitetura. Antologia teórica 1993-2009. São Paulo: Cosac Naify, 2013. p. 104-117. Lixo espacial = space-junk – entulho humano que suja o universo Espaço Lixo = junkspace – resíduo que a humanidade deixa no planeta, sobra depois que a modernização terminou seu curso, o efeito colateral da modernização. Junkspace é a soma total de nossa arquitetura atual, pois construímos em quantidade o equivalente a toda historia anterior somada. Fruto do encontro entre a escada rolante e o ar condicionado. Um território de parca ambição, expectativa e escassa dedicação. Substitui a hierarquia pela acumulação e a composição pela adição. A soma de todas as decisões não tomadas, problemas não enfrentados, concessões feitas, corrupção tolerada. Sua riqueza tem como efeito um vazio terminal que destrói sistematicamente a credibilidade da arquitetura, provavelmente para sempre. A arquitetura desapareceu no séc. XX. A continuidade é a essência do junkspace. Explora qualquer invenção que permita a expansão. Incorpora qualquer recurso que promova a desorientação. Apresenta uma infraestrutura sem emendas: a escada rolante, o sprinkler, o AC, a porta corta fogo. O AC revolucionou a arquitetura do séc. XX. Se a arquitetura é o que distingue os edifícios, o AC os agrega, assemelha. Como na Idade Média, um shopping agora é obra de gerações. O AC constrói e destrói nossas catedrais. A estrutura range invisível sob a decoração. Não há projeto e sim proliferação criativa. No junkspace luz, neons, LEDs descrevem um mundo sem autor e além de qqer reinvindicação de autoria, imprevisível, porém familiar. O junkspace troca de arquitetura como réptil troca de pele. A junção deixou de ser problema: os momentos de transição são definidos por grampeadores, fitas adesivas, que preservam a duras penas a ilusão da superfície contínua. Onde antes o detalhe indicava união de materiais dispares agora se tem um abraço fugaz, onde nenhuma das partes sobreviva. O junkspace sempre muda, mas nunca evolui.

Junk Space

Embed Size (px)

DESCRIPTION

resumo texto rem koolhaas

Citation preview

Page 1: Junk Space

• KOOLHAAS, Rem. “Junkspace” in: SYKES, A. Krista (org). O campo ampliado da arquitetura. Antologia teórica 1993-2009. São Paulo: Cosac Naify, 2013. p. 104-117.

Lixo espacial = space-junk – entulho humano que suja o universo

Espaço Lixo = junkspace – resíduo que a humanidade deixa no planeta, sobra depois que a modernização terminou seu curso, o efeito colateral da modernização.

Junkspace é a soma total de nossa arquitetura atual, pois construímos em quantidade o equivalente a toda historia anterior somada. Fruto do encontro entre a escada rolante e o ar condicionado. Um território de parca ambição, expectativa e escassa dedicação. Substitui a hierarquia pela acumulação e a composição pela adição. A soma de todas as decisões não tomadas, problemas não enfrentados, concessões feitas, corrupção tolerada.

Sua riqueza tem como efeito um vazio terminal que destrói sistematicamente a credibilidade da arquitetura, provavelmente para sempre.

A arquitetura desapareceu no séc. XX. A continuidade é a essência do junkspace. Explora qualquer invenção que permita a expansão. Incorpora qualquer recurso que promova a desorientação. Apresenta uma infraestrutura sem emendas: a escada rolante, o sprinkler, o AC, a porta corta fogo.

O AC revolucionou a arquitetura do séc. XX. Se a arquitetura é o que distingue os edifícios, o AC os agrega, assemelha. Como na Idade Média, um shopping agora é obra de gerações. O AC constrói e destrói nossas catedrais. A estrutura range invisível sob a decoração. Não há projeto e sim proliferação criativa.

No junkspace luz, neons, LEDs descrevem um mundo sem autor e além de qqer reinvindicação de autoria, imprevisível, porém familiar. O junkspace troca de arquitetura como réptil troca de pele. A junção deixou de ser problema: os momentos de transição são definidos por grampeadores, fitas adesivas, que preservam a duras penas a ilusão da superfície contínua. Onde antes o detalhe indicava união de materiais dispares agora se tem um abraço fugaz, onde nenhuma das partes sobreviva. O junkspace sempre muda, mas nunca evolui.

Pode ser o shopping e pode ser um deposito de lixo, pois é como um líquido que se condensa em qqer forma. Esta além da geometria, do padrão. Como não pode ser captado não pode ser lembrado.

CIRCULACÃO

Frequentemente junkspace é descrito como lugar de fluxo, mas como são movimentos não disciplinados, o junkspace é uma teia sem aranha. É anarquia. Porem às vezes sob por coerção os indivíduos são encurralados em um fluxo. A evidente má vontade causada pelo afunilamento ridiculariza o conceito de fluxo. OS fluxos levam ao desastre: cadáveres empilhados na frente das saídas de emergência da discoteca.

A linha reta enrosca-se em configurações cada vez mais labirínticas, como o percurso sobre desce, do check-in até o avião – uma coreografia perversa, que nunca foi questionada e submetemo-nos docilmente aos percursos dantescos por perfumes, roupa intima ostras celulares – aventuras incríveis para o cérebro, olhos, nariz e testículos. Quem ousa reivindicar a responsabilidade? A ideia de uma profissão que presumiu prever os movimentos das pessoas hj parece risível.

Page 2: Junk Space

Mutações excessivas escarnecem da palavra projeto. Apenas o diagrama fornece uma perspectiva tolerável. O junkspace é pós-existencial: cria incertezas do lugar onde está. Vc achou que poderia trata-lo com desdenhosa superioridade e como não conseguiu sua arquitetura está infectada tornou-se igualmente lisa, contínua, retorcida...

POLITICO

O junkspace é politico: depende da eliminação da capacidade critica em nome do conforto e do prazer. Países inteiros adotam o junkspace como programa politico. Os habitantes do junkspace formam um coletivo de consumidores em atitude de sombria expectativa em relação à próxima compra. Cria comunidades não a partir de interesses comuns, mas de estatísticas idênticas, um mosaico de denominador comum.

Seu financiamento é um nevoeiro que torna mais turvos negócios poucos transparentes, dúbias isenções de impostos, incentivos “surpreendentes”, cumplicidade entre o publico e o privado. O junkspace acontece espontaneamente através das corporações: ações filantrópicas, funcionários públicos que facilitam a venda de áreas para incorporadoras. è financiado por loterias, subsídios, doações, concessões, errático fluxo de dinheiro que cria envoltórios financeiros frágeis. Logo poderemos fazer qqer coisa em qqer lugar.

No junkspace a velha aura ganha novo brilho para gerar viabilidade comercial. Bilbao, olimpíadas de Barcelona, Disney. Expande-se com a economia. Qdo não é mais necessário é abandonado. No 3º. Milênio o junkspace assume a responsabilidade pelo entretenimento, proteção, exposição, intimidade, publico, privado O foco não é mais politica social, é o entretenimento. Atendendo a demanda popular a beleza corporativa tornou-se humanista, inclusiva, arbitraria. O junkspace é o espaço de férias.

ESCRITORIO

O fim da relação lazer e trabalho. O escritório é a próxima fronteira do junkspace. O escritório aspira ao domestico: como ainda precisamos de agitação ele simula a cidade, um lar urbano.

AEROPORTO

Os aeroportos, acomodações provisórias de quem está indo para outro lugar habitado por assembleias unidas pela iminência da dissolução se tornaram gulags do consumo.

Ainda que pareça um alivio diante do permanente massacre sensorial o mínimo é travestido de máximo. Seu papel não é aproximar o sublime, mas minimizar a vergonha do consumo.

PLASTICO

A vastidão já considerável no junkspace se estende ao infinito no espaço virtual. Conceitualmente cada monitor, tela de tv, é o sucedâneo de uma janela. A vida real está aqui dentro e o ciberespaço se tornou o grande exterior lá fora.