74
Jurisprudência da Primeira Seção

Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

Jurisprudência da Primeira Seção

Page 2: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,
Page 3: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL N.!l 149.946 - MS

(Registro n Q 98.0018824-0)

Relator: Ministro Ari Pargendler

Relator p/ acórdão: Ministro José Delgado

Embargante: Estado do Mato Grosso do Sul

Advogados: Manuel Ferreira da Costa Moreira e outros

Embargado: Encol S/A - Engenharia, Comércio e Indústria

Advogados: Heriberto Rolando Brandes e outros

17

EMENTA: Tributário - ICMS - Operações interestaduais - Di­

ferencial de alíquotas - Empresa de construção civil - Não incidên­

cia.

1. As empresas de construção civil não são contribuintes do

ICMS, salvo nas situações que produzam bens e com eles pratiquem

atos de mercância diferentes da sua real atividade, como a pura ven­da desses bens a terceiros; nunca quando adquirem mercadorias e as utilizam como insumos em suas obras.

2. Há de se qualificar a construção civil como atividade de

pertinência exclusiva a serviços, pelo que "as pessoas (naturais ou

jurídicas) que promoverem a sua execução sujeitar-se-ão exclusiva­

mente à incidência de ISS, em razão de que quaisquer bens neces­

sários a essa atividade (como máquinas, equipamentos, ativo fixo,

materiais, peças, etc.) não devem ser tipificados como mercadorias

sujeitas a tributo estadual" Oosé Eduardo Soares de Melo, in Cons­

trução Civil - ISS ou ICMS?, in RDT 69, p. 253, Malheiros).

3. Embargos de divergência rejeitados.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencido o Sr. Ministro Ari

Pargendler, rejeitar os embargos. Os Srs. Ministros Garcia Vieira, Humberto

Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira votaram com o Sr. Ministro José Delgado (voto-vista), que lavrará o acórdão.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 4: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

18 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Brasília-DF, 6 de dezembro de 1999 (data do julgamento).

Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Presidente.

Ministro JOSÉ DELGADO, Relator. p/ acórdão.

Publicado no DJ de 20.03.2000.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO ARI PARGENDLER: Encol S/A - Engenharia, Comércio e Indústria propôs ação ordinária de anulação de lançamento fis­cal contra o Estado do Mato Grosso do Sul (fl. 3).

O MM. Juiz de Direito Dr. Romero Osme Dias Lopes julgou impro­cedente o pedido (fls. 216/222), sentença que foi confirmada pela egrégia Terceira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, Relator o eminente Desembargador Luiz Carlos Santini (fls. 263/272).

Seguiu-se recurso especial (fls. 274/282), provido pela egrégia Primei­ra Turma, Relator o eminente Ministro Garcia Vieira, nos termos do acórdão assim ementado: "ICMS. Construção civil. Diferencial de alíquota. Tratan­do-se de execução, por administração, empreitada ou subempreitada de cons­trução civil, quando da aquisição de mercadorias produzidas por terceiros, para sua utilização nas construções civis, é devido apenas o ISS, sendo indevida a incidência de ICMS e o diferencial de alíquotas internas e in­terestaduais. Recurso provido" (fl. 342).

Daí os presentes embargos de divergência (fls. 353/362), à base dos acórdãos proferidos pela egrégia Segunda Turma no RMS n.l!. 3.778-8, Relator o eminente Ministro Américo Luz, e no REsp n.l!. 76.924, que rela­tei, assim ementados, respectivamente:

"Tributário. ICMS. Diferença de alíquotas nas compras interes­taduais. Empresas de construção civil. Nas operações interestaduais, o Estado onde se localiza o destinatário tem direito à diferença entre a alíquota interna e a interestadual. As empresas de construção civil ins­critas que são no cadastro de contribuintes, ao adquirirem mercado­

ria em outros Estados, o fazem na condição de comerciantes, sendo, portanto, contribuintes do tributo." (fl. 369).

"Tributário. ICMS. Operações interestaduais. 1. Alíquotas. A Constituição Federal distingue as operações interestaduais, segundo

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 5: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 19

a qualid:;tde do destinatário das mercadorias; se ele for contribuinte do

imposto, incidirá a alíquota interestadual, devendo a diferença, em re­

lação à alíquota interna, ser cobrada pelo Estado em que estabeleci­

do o adquirente; se não for contribuinte, aplicar-se-á a alíquota interna

(art. 155, § 2J.l, VII e VIII). 2. Contribuinte. O comerciante (assim con­

siderada a sociedade anônima, qualquer que seja o respectivo objeto),

que, na condição de consumidor final, adquira bens ou serviços em

operações e prestações interestaduais, é contribuinte do ICMS (Con­

vênio ICMS nJ.l 66/1988, art. 2J.l, II C.C. o art. 21, parágrafo único, XII).

Recurso especial conhecido e provido." (fi. 375).

VOTO

O SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (Relator): O desate da lide

depende de saber se Encol S/A - Engenharia, Comércio e Indústria é, ou

não, contribuinte do ICMS.

"Ocorre o fato gerador do imposto" - diz o artigo 2J.l do Convênio

ICMS nJ.l 66/1988:

"II - na entrada no estabelecimento de contribuinte de mercadoria oriunda de outro Estado, destinada a consumo ou a ativo fixo",

"Contribuinte" - completa o artigo 21 - "é qualquer pessoa física ou

jurídica, que realize operação de circulação de mercadoria ou prestação de

serviços descrita como fato gerador do imposto.

Parágrafo único. Incluem-se entre os contribuintes de imposto:

XII - qualquer pessoa indicada nos incisos anteriores que, na condi­

ção de consumidor final, adquira bens ou serviços em operações e presta­

ções interestaduais".

Ora, entre as pessoas indicadas no inciso I, está o comerciante, hipó­tese em que se subsumem as sociedades anônimas.

" ... a lei vigente," - escreveram Egberto Lacerda Teixeira e José

Alexandre Tavares Guerreiro - "seguindo literalmente a orientação da

anterior, considera como mercantil toda sociedade que se organize sob a

forma de S/A, independentemente de qualquer consideração em torno de seu objeto. E, como conseqüência natural, firma o princípio de que toda e qual­

quer S/A se rege pelas leis e usos do comércio (art. 2'\ § lJ.l)" - (in Das

Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, José Bushatsky Editor, São

Paulo, 1979, voI. 1, p. 103).

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 6: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

20 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Em suma:

a) A Constituição Federal distingue as operações interestaduais, segun­

do a qualidade do destinatário das mercadorias; se de for contribuinte do

imposto, incidirá a alíquota interestadual, devendo a diferença, em relação

à alíquota interna, ser cobrada pelo Estado em que estabelecido o adquirente;

se não for contribuinte, aplicar-se-á a alíquota interna (art. 155, § 2Q, VII

e VIII).

b) A entrada no estabelecimento de contribuinte de mercadoria oriun­

da de outro Estado, destinada a consumo ou a ativo fixo constitui fato ge­

rador do ICMS (Convênio ICMS nQ 66/1988, art. 2Q, lI).

c) O comerciante (assim considerada a sociedade anônima qualquer

que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad­

quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais, é contri­

buinte do ICMS (Convênio ICMS n Q 66/1988, art. 21, parágrafo único,

XII).

Voto, por isso, no sentido de receber os embargos de divergência para

restabelecer a autoridade da sentença e do acórdão proferidos nas instân­

cias ordinárias.

VOTO-VISTA (VENCEDOR)

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: O eminente 1 .. 1inistro Ari Pargendler recebeu os embargos de divergência em apreciação para fazer

prevalecer acórdão da Segunda Turma com fundamentação sintetizada na

ementa que transcrevo (fl. 358):

"Tributário. ICMS. Diferença de alíquotas nas compras interes­

taduais. Empresas de construção civil.

Nas operações interestaduais, o Estado onde se localiza o desti­

natário tem direito à diferença entre a alíquota interna e a interesta­

dual.

As empresas de construção civil inscritas que são no cadastro de

contribuintes, ao adquirirem mercadoria em outros Estados, o fazem

na condição de comerciantes, sendo, portanto, contribuintes do tri­

buto."

Com vistas dos autos apresento o meu voto.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 7: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 21

o acórdão embargado, da lavra do eminente Ministro Garcia Vieira, defende, conforme consta no voto-condutor, que (fls. 338/339):

"O imposto de competência dos Municípios sobre serviços de qualquer natureza, tem como fato gerador a prestação, por empresa ou

profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa (artigo 81.1 do Decreto-Lei nl.l 406/1968). Os serviços incluídos nas listas ficam sujeitos apenas ao imposto previs­to neste artigo, ainda que sua prestação envolva fornecimento da mer­cadoria (§ 11.1). Ora, no item 32 da lista inclui a execução, por admi­

nistração, empreitada ou subempreitada de construção civil. Assim, a autora, ao adquirir mercadorias produzidas por terceiros, para a sua utilização nas construções civis, só fica sujeita ao ISS, sendo indevida a incidência do ICMS na entrada destas mercadorias a serem utiliza­das na construção e indevida a diferença de alíquotas internas e inte­restaduais. Esta egrégia Turma, no Recurso em Mandado de Segurança nl.l 3.456-9-DF, Relator Ministro Gomes de Barros, DJ de 14.11.1994, entendeu que:

'Não é lícito aos Estados, modificar, através de convênios, o Decreto-Lei nl.l 406/1968, para - em operações interestaduais - submeter as empresas de construção civil ao tratamento previsto no artigo 155, VII, a, da Constituição Federal.'

A competência atribuída aos Estados pelo artigo 34, § 81.1, do ADCT, foi apenas para, através de convênio, preencher as lacunas e não

para revogar lei complementar recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Esta egrégia Turma, no Recurso Especial n1.l30.671-5-SP,

julgado no dia 6 de outubro de 1993, Relator Ministro Cesar Rocha, entendeu que:

'1 - A competência atribuída aos Estados e ao Distrito Fe­

deral, para, na ausência de lei complementar necessária à insti­tuição do ICMS, celebrarem convênio para regular provisoria­mente o mencionado imposto, restringe-se às lacunas existentes e às matérias legais não recepcionadas pela Constituição vigen­te (artigo 34, § 51.1, ADCT)'."

Os acórdãos confrontados, de modo contrário ao assinalado no aresto supraquestionado, assim encontram-se postos:

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 8: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

22 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

a) o do RMS n.<l. 3.778-9-DF, relatado pelo eminente Ministro Américo Luz, afirma que (fls. 372/374):

"Do parecer da lavra do eminente Subprocurador-Geral da Re­pública, Dr. Miguel Guskow, destaco as seguintes considerações (fls.

126/128):

'No recurso, alegam as recorrentes a ilegalidade da Lei lo­cal n.ll 711988, sendo que a competência para definir contribuin­tes do imposto é reservada à lei complementar, a teor do art. 155,

XII, a, da Constituição.

No entanto, o art. 34, § 8.1l, do ADCTI1988 prevê a possi­bilidade de regular-se em convênios especiais a instituição do

Imposto. Apoiados nessa disposição constitucional, os Estados e o Distrito Federal celebraram o Convênio ICMS n.ll 66/1988, que tem eficácia de lei complementar, até que ela seja editada. Por outro lado, a adotar-se a forma restritiva de interpretação prevista nas razões das recorrentes no mandado de segurança, não se jus­tificaria a existência dessa disposição constitucional, que previu, justa e oportunamente a inexistência de lei complementar.

Esse Convênio ICMS n.ll 6611988 define o que é o contri­buinte do imposto, de resto definição seguida pela Lei local n.ll 7/1988.

Em face do art. 8.1l do Decreto-Lei n.ll 406/1968, com a res­salva do n.ll 32, as empresas de construção civil foram considera­das contribuintes do ICM, sendo que hoje são consideradas con­

tribuintes do ICMS.

o art. 155, IX, da Constituição trata dos casos de incidên­cia do ICMS, imposto cujo fato gerador é a saída de mercadoria, e seu contribuinte o produtor e iniciador do processo de circulação. Pelo dispositivo referido transfere-se o fato gerador para o receptor do bem, sendo a condição de destinatário que determina a alíquota e não a natureza da operação. Nas operações interestaduais, o Es­

tado de localização do destinatário tem direito à diferença entre a alíquota interna e a interestadual (art. 155, VIII, da CF).

Quanto à incidência do tributo sobre as empresas de cons­trução civil o Decreto n.ll 11.850/1989 (local) elimina a dúvida,

eis que regulamenta o contido na Lei n.ll711988 (local). A tese de

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 9: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 23

que as recorrentes não são contribuintes do ICMS não é corro­borada documentalmente, eis que todas elas são inscritas no ca­dastro de contribuintes do ICMS do Distrito Federal. É incoe­rente alegar que, mesmo inscrito no cadastro de contribuintes, não seja alguém contribuinte.

Quanto à competência tributária dos Municípios, no caso do DF sua competência abrange a legislação sobre matéria tributá­ria estadual e municipal, uma vez que o DF é ao mesmo tempo juridicamente um Estado e Município.

O certo é que, ao adquirirem mercadorias em outros Esta­dos, as recorrentes declaram-se comerciantes e declinam o núme­ro de seu registro no cadastro de contribuintes do ICMS local. Valem-se da alíquota interestadual, e quando recebem a merca­doria, pretendem declarar-se não contribuintes do imposto, para eximirem-se do diferencial interno entre as alíquotas.

Trata-se, sem dúvida, de conduta prevista na legislação tri­butária, que exige que o Fisco local não sofra prejuízos, nem haja concorrência desleal entre empresas, matéria que extrapola jurí­dicas razões, mas que demonstra não existir liquidez e certeza no direito pleiteado.'

Por adotar a fundamentação supratranscrita como razão de deci­dir, nego provimento ao recurso."

b) o do REsp nll. 76.924-MS, da lavra do eminente Ministro Ari Pargendler, dispõe a fundamentação desenvolvida no voto que transcrevo (fls. 379/380):

"Os autos dão conta de que Centros Comerciais Campo Grande S/A adquiriu mercadorias no Estado de São Paulo, como se fosse con­tribuinte do ICMS, situação em que a operação foi tributada pela alíquota interestadual de 8% (oito por cento).

Nos termos do artigo 150, lI, § 2.12, VIII, da Constituição Federal, a diferença entre essa alíquota e a alíquota interna de 17% (dezessete por cento) deveria ter sido por ela recolhida ao Estado do Mato Grosso do Sul.

Esse pagamento não foi feito, porque Centros Comerciais Cam­po Grande S/A, sem embargo do que constou das notas fiscais relati­vas às operações impugnadas, se declara agora não contribuinte do

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 10: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

24 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ICMS, situação em que incidiria o artigo 150, lI, § 22 , VII, b, da Constituição Federal, a saber:

'VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contri­buinte dele;'

o julgado apreendeu bem o fato de que, se Centros Comerciais Campo Grande S/A não é contribuinte do ICMS, o Estado de São Pau­lo foi lesado em parte substancial do tributo devido (= 9 %) - circuns­tância, todavia, alheia à relação jurídico-tributária constituída, pelo Estado do Mato Grosso do Sul, no lançamento fiscal.

Aqui importa, apenas, saber se Centros Comerciais Campo Gran­de S/A é, ou não, contribuinte do ICMS, indagação que o acórdão re­corrido respondeu pela negativa - e, salvo melhor juízo, sem razão:

'Ocorre o fato gerador do imposto' - diz o artigo 22 do Convênio ICMS n2 66/1988.

'lI - na entrada no estabelecimento de contribuinte de mer­cadoria oriunda de outro Estado, destinada a consumo ou a ati­vo fixo.'

'Contribuinte' - completa o artigo 21 - 'é qualquer pessoa físi­ca ou jurídica, que realize operação de circulação de mercadoria ou prestação de serviços descritas como fato gerador do imposto.

Parágrafo único. Incluem-se entre os contribuintes de imposto:

XII - qualquer pessoa indicada nos incisos anteriores que, na condição de consumidor final, adquira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais'.

Ora, entre as pessoas indicadas no inciso I, está o comerciante, hipótese em que se subsumem as sociedades anônimas.

' ... a lei vigente,' - escreveram Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro - 'seguindo literalmente a orientação da anterior, considera como mercantil toda sociedade que se organize sob a forma de S/A, independentemente de qualquer consideração em torno de seu objeto. E, como conseqüência natural, firma o princípio de

RST], Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 11: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 25

que toda e qualquer S/A se rege pelas leis e usos do comércio (art. 2!-1, § P')' - in Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, José

Bushatsky Editor, São Paulo, 1979, voI. 1, p. 103).

Em suma:

a) A Constituição Federal distingue as operações interestaduais,

segundo a qualidade do destinatário das mercadorias; se ele for con­

tribuinte do imposto, incidirá a alíquota interestadual, devendo a di­ferença, em relação à alíquota interna, ser cobrada pelo Estado em que

estabelecido o adquirente; se não for contribuinte, aplicar-se-á a alíquota interna (art. 155, § 2'2, VII e VIII).

b) A entrada no estabelecimento de contribuinte de mercadoria oriunda de outro Estado, destinada a consumo ou a ativo fixo consti­

tui fato gerador do ICMS (Convênio ICMS n!2 66/1988, art. 212, lI).

c) O comerciante (assim considerada a sociedade anônima qual­quer que seja o respectivo objeto), que, na condição de consumidor fi­

nal, adquira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais, é contribuinte do ICMS (Convênio ICMS n!2 66/1988, art. 21, pará­

grafo único, XII).

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de

dar-lhe provimento para julgar improcedente a ação, invertidos os ônus da sucumbência."

Como visto, o primeiro acórdão apresentado para confronto refere-se,

expressamente, à empresa de construção civil; o segundo cuida de uma em­presa que se dedica a proporcionar locação comercial de seus salões aos

comercian tes interessados.

Cumpre, assim, afastar de imediato o conhecimento dos embargos com

referência ao REsp n!2 76. 924-MS, haja vista que tratou de situação fática

diferente da decidida pelo acórdão embargado.

A divergência está demonstrada quanto ao paradigma representado pelo acórdão do REsp n!2 3.778-9-DF, haja vista que cuidou, expressamente, da

mesma situação jurídica e fática enfrentada pelo aresto embargado, isto é,

se empresas de construção civil, ao adquirirem mercadorias para serem empregadas em suas obras, em outros Estados, estão obrigadas ao pagamento

da diferença do ICMS pelo fato de serem consideradas, para tal fim, como

contribuintes do referido imposto.

Nos limites supra-referidos, conheço dos embargos de divergência.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 12: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

26 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Quanto ao mérito, entendo o que passo a expor.

A controvérsia está, unicamente, centrada no ponto bem destacado pe­

los acórdãos recorridos: as empresas de construção civil são, obrigatoria­

mente, quando adquirem produtos para emprego em suas obras, contri­

buintes de ICMS.

Em outras palavras, as empresas construtoras civis realizam, quando

adquirem tais mercadorias, operações de cunho econômico que podem sig­

nificar a prática de atos de comércio, ou elas se limitam, apenas, a prestar

serviços quando empregam os insumos adquiridos em suas obras?

É de se buscar resposta à mencionada pergunta nos limites do nosso

ordenamento jurídico.

Destaco, desde logo, que a espécie em julgamento não cuida de em­

presa de construção civil que realizou obra por empreitada global, caso em

que as mercadorias são adquiridas dos fornecedores em nome da própria

empresa e, depois, destinadas a obras de terceiros, proprietários e contra­

tantes, quando há ato de comércio.

No caso em análise, o auto de infração de fI. 13, define, de modo bem

claro, o objeto de que o Fisco considerou como infração:

"O contribuinte deixou de lançar, apurar e recolher o ICMS no

valor original de Cr$ 38.901.806,85 (trinta e oito milhões novecen­

tos e um mil oitocentos e seis cruzeiros e oitenta e cinco centavos),

correspondente ao diferencial de alíquota, referente às suas aquisições

em operações interestaduais, de material para consumo final."

Essa perspectiva do litígio está comprovada com a decisão administra­

tiva proferida pela Primeira Câmara do Conselho de Recursos Fiscais do

Estado do Mato Grosso do Sul, conforme revelado na ementa referente ao

julgamento do Processo n J2 03/000847/92, que tratou da questão (fI. 183):

"ICMS. Diferencial de alíquotas, empresa de construção civil.

Operações interestaduais. Cabível a cobrança do imposto nas entradas

de bens e serviços para uso, consumo ou ativo fixo. Previsão legal.

Recurso improvido. Decisão unânime de acordo com o parecer da Fa­

zenda Pública Estadual.

A exigência do Fisco tem suporte legal e regulamentar que obriga

o contribuinte ao seu cumprimento. Ao realizar a circulação de bens

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 13: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 27

e serviços, a recorrente fica, pois, obrigada ao recolhimento do valor relativo ao diferencial de alíquota.

Vale observar que, tendo sido constituídas sob a forma de So­ciedade Anônima, equipara-se, por ficção da Lei n!.'. 6.404/1976, a co­merciante, caracterizando-a, ainda mais, como contribuinte do ICMS."

Vinculando-me à moldura fática caracterizada nos autos, peço vênia ao eminente Ministro Ari Pargendler para, conhecendo dos embargos, rejeitá­los, fazendo prevalecer o acórdão embargado.

No trato da questão, filio-me à corrente que entende não haver obri­gação das empresas de construção civil, quando adquirem mercadorias para serem empregadas nas obras por elas próprias constituídas, em terrenos de sua exclusividade, salvo as executadas por administração, empreitada ou subempreitada, em outros Estados, ao pagamento da diferença de alíquota porventura existente.

Em tal situação, a empresa adquire mercadorias que são consumidas em suas próprias obras, não as comercializando. Esse fato caracteriza a inexistência de operação determinadora da circulação econômica de mer­cadorias que fez nascer o fato gerador do ICMS.

O posicionamento que adoto recebe a influência, primeiramente, do julgamento proferido pelo colendo Supremo Tribunal Federal, no RE n!.'. 94.498-2, relatado pelo eminente Ministro Clóvis Ramalhete, cuja ementa traduz o seguinte (fl. 19):

"Tributário. Nas operações em que há incorporação de bens ma­teriais aos serviços prestados, por que seja o serviço prevalentemente o objeto de transação çoncluída por terceiros com o locador ou em­preiteiro do serviço, oçprre incidência exclusiva do ISS, excluída por conseguinte a do ICM. Aplicação do art. 8!.'. e § }lo'. do Decreto-Lei n!.'. 834/1969."

A referida decisão, embora não se refira às empresas de construção ci­vil, e tenha sido proferida antes da CF11988, acena como consagrando a compreensão ora defendida.

O Estado do Mato Grosso do Sul, o embargante, apega-se, para defen­

der a tese abraçada, nos Convênios ICMS de nilS. 66/1988, de 27.04.1988, e 71/1989, de 22.08.1989. Afirma que os referidos convênios substituem a norma federal enquanto a matéria de que tratam não for regulamentada.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 14: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

28 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL

Defende, ainda, que o Decreto-Lei ni!. 406/1968, com a redação dada pela

Lei Complementar ni!. 56/1987, não foi recepcionada integralmente pelo

novo sistema tributário, especialmente no que concerne às hipóteses de

ocorrência do fato gerador do ICMS.

A minha resistência à tese defendida pelo embargante apóia-se, pri­

meiramente, em não aceitar os convênios acima referidos, especialmente, o

de 71, de 22.08.1989, como produzindo eficácia e validade jurídicas.

No particular, meu entendimento está de acordo com o de Hugo de Brito Machado, in Aspectos Fundamentais do ICMS, Dialética, p. 103, ao

assim pronunciar-se:

"Esse convênio era desprovido de validade jurídica, tanto do pon­

to de vista formal, quanto do ponto de vista material, como bem de­

monstra Shubert de Farias Machado em estudo específico sobre o

tema."

Cita a fonte do referido estudo: Não Incidência do ICMS na Constru­

ção Civil, Shubert de Farias Machado, in O ICMS, a Lei Complemen­

tar ni!. 87/1996 e Questões Jurídicas Atuais, coordenado por Valdir de Oli­

veira Rocha, Dialética, São Paulo, 1997, pp. 213/215.

A seguir, o referido doutrinador explicita o seu pronunciamento:

"Formalmente, porque extrapolante da autorização contida no

§ 8i!. do art. 34 do ADCT, que dizia respeito apenas às normas neces­

sárias à implantação do ICMS em sua nova feição, vale dizer no que

concerne aos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de

comunicação, visto como no atinente à circulação de mercadorias, ha­

via já legislação compatível com a Constituição de 1988, por estar

recepcionada expressamente."

No aspecto material, também, não pode prevalecer o referido Convê­

nio. Dou o meu apoio ao que, na mesma fonte e página já indicados, Hugo de Brito Machado escreveu:

"Materialmente, porque as empresas dedicadas à atividade de

construção civil, não são contribuintes do ICMS, salvo quando produ­

zam ou comercializem materiais de construção. E também não são con­

sumidor final. O rigor terminológico, adverte Farias Machado, impõe

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 15: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 29

aqui se faça a distinção entre consumo e insumos. Ocorre o consumo pela utilização de um bem para a satisfação da necessidade pessoal de alguém, que neste caso recebe o nome de consumidor. Já o insumo, por seu turno, acontece quando da utilização de um bem na produção de outros bens, ou na prestação de serviços."

Conclui Hugo Machado:

"A empresa que realiza a construção civil não pratica o consu­mo, mas o insumo dos bens que adquire para emprego em suas obras. Em síntese, na atividade de construção civil não incide o ICMS, mas apenas o ISS, não havendo lugar, portanto, para a cobrança do dife­rencial de alíquotas."

Ressalte-se que, conforme ainda lembra o renomado jurista, mesma obra, p. 104, duas observações merecem ser feitas e levadas em consideração.

Palavras do autor citado:

"A primeira, o dispositivo segundo o qual o ICMS não incide sobre as operações relativas às mercadorias que tenham sido ou que se destinem a ser utilizadas na prestação, pelo próprio autor da saída de serviços de qualquer natureza definido em lei complementar como su­jeito ao imposto sobre serviços, de competência do municípios, ressal­vadas as hipóteses previstas em lei complementar (Lei Complementar n"" 87/1996, art. 3"", inc. V).

A segunda, afirma Hugo Machado, a omissão no que concerne ao fato gerador, à base de cálculo e ao contribuinte, na situação que antes autorizava a cobrança do questionado diferencial de alíquota, como acima já demonstrado. Assim, é hoje induvidoso que o diferen­cial de alíquotas em tela não é devido pelas empresas de construção civil, ainda que estas sejam consideradas contribuintes do ICMS."

Induvidoso é que as empresas de construção civil fossem sempre con­tribuintes do ISS, nos precisos termos do item 19 da lista de serviços ori­ginária, anexa ao Decreto-Lei n"" 406/1968, ou na lista de serviços, itens 32 e 34, da Lei Complementar n"" 56/1987.

A primeira disciplina:

"19. Execução, por administração, empreitada ou subempreitada,

de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes,

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 16: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

30 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimen­to de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços fora do lo­

cal da prestação dos serviços, que ficam sujeitos ao ICM)."

A segunda, a lista oriunda da Lei Complementar nJl 56/1987, explicita:

"32. Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes e respectiva engenharia consultiva, inclusive serviços auxiliares ou com­plementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo

prestador de serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICM)."

34. Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pon­

tes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias pro­duzidas pelo prestador dos serviços fora do local da prestação dos ser­viços, que fica sujeito ao ICM)."

A tudo o que já foi exposto, acrescente-se que o art. 2Jl da Lei Com­

plementar nJl 87, de 13.09.1996, determina que o ICMS não incide sobre "operações relativas a mercadorias que tenham sido ou que se destinem a

ser utilizadas na prestação, pelo próprio autor da saída, de serviço de qual­

quer natureza definida em lei complementar como sujeito ao imposto so­bre serviços, de competênc~a dos municípios, ressalvadas as hipóteses pre­

vistas na mesma lei complementar".

Tenho que é essa situação descrita no dispositivo supramencionado que

alcança a empresa embargada, conforme já explicitado.

O eminente relator, na conclusão do seu bem elaborado e judicioso

voto, concluiu:

a) que a Constituição Federal distingue as "operações interestaduais,

segundo a qualidade do destinatário das mercadorias, pelo que, se ele for

contribuinte do ICMS, incidirá a alíquota interestadual, devendo, portan­to, ser paga a diferença, em relação à alíquota inteira, a ser cobrada pelo

Estado em que estabelecido o adquirente;

b) que se o adquirente da mercadoria não for contribuinte, aplicar-se­

á a alíquota interna;

c) que a entrada no estabelecimento do contribuinte de mercadoria

oriunda de outro Estado, destinado a consumo ou a ativo fixo constitui fato

gerador do ICMS, por força do Convênio ICMS nJl 66/1988, art. 2Jl, II;

RST], Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 17: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 31

d) O comerciante que, na condição de consumidor final, adquira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais, é contribuinte do

ICMS.

Ora, as afirmações do eminente relator, embora absolutamente corre­tas, em tese, para as relações jurídicas configuradas na exposição do seu voto, não se aplicam ao caso em análise porque, conforme já demonstrado:

a) da empresa embargada está sendo exigida diferença da alíquota de ICMS por operações interestaduais pelo fato de ter adquirido mercadorias para serem empregadas nas obras próprias, mercadorias estas que não fo­ram comercializadas;

b) ao adquirir tais mercadorias, não fez para o seu consumo próprio,

porém, como insumos que integraram as construções de sua responsabili­dade;

c) o convênio referido sofre ilegalidade porque, primeiramente, como Ja demonstrado, extrapolou a autorização contida no § 8"- do art. 34 do

ADCT;

d) as empresas dedicadas à atividade de construção civil não são con­tribuintes do ICMS, salvo quando comercializam materiais de construção ou dedicam-se à sua fabricação;

e) o fato de as empresas de construção civil serem obrigadas a se ins­creverem como contribuintes do ICMS é de menor importância para a ca­racterização da responsabilidade tributária acima enfocada;

f) inexistir na lide a determinação de fato gerador, no caso, empresa de construção civil, sobre a situação fática questionada nos presentes em­

bargos, a contribuir para que prevaleça o acórdão embargado da lavra do eminente Ministro Garcia Vieira;

g) por último, merece ser considerada a moldura jurídica aplicada às atividades das empresas que se dedicam ao ramo de construção civil.

Na busca de se compreender os elementos presentes na composição do quadro suso-referido, há de se qualificar a construção civil como atividade de pertinência exclusiva a serviços, pelo que "as pessoas (naturais ou jurí­dicas) que promoverem a sua execução sujeitar-se-ão exclusivamente à in­

cidência de ISS, em razão de que quaisquer bens necessários a essa ativi­dade (como máquinas, equipamentos, ativo fixo, materiais, peças, etc.) não

devem ser tipificados como mercadorias, sujeitas a tributo estadual" a osé

Eduardo Soares de Melo, in Construção Civil - ISS ou ICMS?, in RDT 69, p. 253, Malheiros).

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 18: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

32 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Essa orientação, aliás, deu origem à Súmula n"'" 167, deste Superior Tribunal de Justiça, quando tratou de fornecimento de concreto, que é pre­

parado no trajeto até a obra em betoneiras acopladas a caminhões. Idem, quando a Segunda Turma, no REsp n"'" 40.356-SP, Relator o eminente Mi­

nistro Peçanha Martins, j. em 29.1l.1995, decidiu que: "Na construção ci­vil pelo sistema de pré-moldados, sob regime de empreitada global, em que

a empresa construtora produz as peças a serem montadas em edificações

específicas, sem comercializá-las individualmente, transportando-as para o

local da obra, não incide o ICMS, cuja base de cálculo para cobrança é inexistente" .

Evidencia-se, conforme acima demonstrado, que as empresas de cons­trução civil não são contribuintes do ICMS, salvo nas situações que produ­

zam bens e com eles pratiquem atos de mercância diferentes da sua real ati­vidade, como. a pura venda desses bens a terceiros. Nunca quando adquirem

mercadorias e as utilizam como insumos em suas obras.

Convém registrar que no XI Congresso Brasileiro de Direito Tribu­

tário o tema foi objeto de análise aprofundada por José Eduardo Soares Mello, Doutor'ém Direito, Prof. da PUC/SP e Juiz Contribuinte do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, quando em trabalho apresentado sob o

título Construção Civil - ICMS e ISS? (RDT n"'" 69, Edit. Malheiros, p.

238).

Por tais considerações, com o meu pedido de vênia ao eminente

Relator, rejeito os embargos.

É como voto.

VOTO

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Sr. Presidente, a nossa jurispru­dência é no sentido do voto do Sr. Ministro José Delgado.

Acompanho o voto de S. Exa.

MANDADO DE SEGURANÇA NQ. 5.157 - DF (Registro n"'" 97.0025735-5)

Relator: Ministro Hélio Mosimann

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 19: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 33

Impetrantes: Diana Lúcia Porto de Cerqueira, Heloísa Maria Valen­te Fressynet, José Antônio Urdiales, Maria Eugênia Vas­concelos Ramos, Marília Nóbrega da Câmara Torres, Sandra Mafra Amora e Sílvia Beatriz Hazan Menasce

Advogados: Izabel Dilohe Piske Silvério e outros

Impetrado: Ministro de Estado das Relações Exteriores

Sustentação oral: Izabel Dilohe Piske Silvério (pelos impetrantes)

EMENTA: Mandado de segurança - Ministério das Relações Ex­teriores - Brasileiros contratados para exercerem suas funções jun­to à Embaixada do Brasil em Paris - Auxiliares locais - Regime Ju­rídico dos Funcionários do Serviço Exterior - Filiação à Previdên­cia Social Brasileira - Lei nQ. 8.745/1993 - Direito de opção - Segu­rança concedida - Voto-vencido.

A Lei nQ. 8.745, de 9 de dezembro de 1993, dando nova redação à Lei nQ. 7.501/1986, estabeleceu que serão segurados da Previdência Social do Brasil os Auxiliares Locais de nacionalidade brasileira que não possam filiar-se ao sistema do país de domicílio, assegurando­lhes, em outro dispositivo (artigo 15), o direito de opção para perma­necerem corno contribuintes da Previdência Social Brasileira.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencido o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira (voto-vista), conceder a segurança. Os Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Humberto Gomes de Barros, José Delgado e Garcia Vieira votaram com o Sr. Ministro-Relator.

Brasília-DF, 6 de dezembro de 1999 (data do julgamento).

Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Presidente.

Ministro HÉLIO MOSIMANN, Relator.

Publicado no DI de 19.06.2000.

RELATÓRIO

o SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Diana Lúcia Porto de

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 20: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

34 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNALDEJUSTIÇA

Cerqueira e outros (são sete servidores brasileiros no exterior), impetram

mandado de segurança com pedido de liminar, contra ato do Ministro das

Relações Exteriores, que entendem ilegal e arbitrário, conforme os moti­

vos que a seguir explicitam.

Aduzem ser brasileiros natos e contratados pelo l'vEnistério das Rela­

ções Exteriores, para o exercício de funções típicas dos cargos que ocupam,

junto à Embaixada do Brasil em Paris - França, a partir das datas que dis­

cnm1nam.

Alegam que, à exceção de uma das impetrantes, todos os demais fo­

ram contratados na forma prevista pelo art. 44 da Lei n.Q. 3.917/1961, res­

saltando que a citada norma previa a possibilidade de os Chefes de Missões

Diplomáticas e Repartições Consulares admitirem "auxiliares locais" a tí­

tulo precário, demissíveis ad nutuIll.

Afirmam, no entanto, que a legislação em comento foi revogada pelo

art. 93 da Lei n.Q. 7.501/1986, tendo, assim, sido excluído do sistema jurí­

dico brasileiro, em face da União Federal, aquele tipo de contratação pre­

cária que abrangia os funcionários de nossas Missões no exterior.

Logo, no entender dos impetrantes, as situações jurídicas constituídas,

envolvendo Auxiliares Locais, a exemplo dos cargos para os quais foram eles

contratados, passaram a ser abrigadas pela Lei n.Q. 7.501/1986, pela qual ins­

tituído o Regime Jurídico dos Funcionários do Serviço Exterior, "onde, em

seu art. 65, incluiu os Auxiliares Locais como efetivos integrantes do pes­

soal dos postos no exterior, estabelecendo, no art. 67, que os mesmos pas­

sariam a ser regidos pela legislação brasileira" - o mesmo corroborado pelo

disposto no art. 87 do Decreto n.Q. 93.325/1986 (decreto regulamentador).

Asseveram que com a Constituição de 1988 passaram de celetistas à

condição de servidores públicos estáveis e, com o advento da Lei n.Q. 8.112/

1990, ficaram submetidos ao Regime Jurídico Único.

Ocorre que novas regras foram estabelecidas quanto à contratação de

Auxiliares Locais, através dos dispositivos da Lei n.Q. 8.745/1993, e seu re­

gulamento - Decreto n.Q. 1.570/1995, que os submeteu às leis do país onde

sediada a repartição.

Acrescentam que pela simples leitura das normas regulamentadoras

estabelecidas no citado decret9, verifica-se que seu objetivo é disciplinar

critérios inerentes às no'vas contratações de Auxiliares Locais, ou seja, para

aqueles que forem contratados a partir de sua edição, e não para os que,

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 21: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 35

como eles, já tinham sido anteriormente contratados, detendo, por isso, prer­

rogativas que lhes foram asseguradas pela legislação brasileira no curso dos

anos em que estiveram trabalhando em favor do Estado Brasileiro.

Alegam que a inaplicabilidade da nova legislação aos antigos Auxilia­res Locais é reforçada, ainda mais, pelo teor do art. 15, da Lei n!.l. 8.745/ 1993, que lhes assegurou o direito de opção para permanecerem na situação vigente quando da publicação daquela norma, da mesma forma que o art. 21 do (Decreto Regulamentador nU 1.570/1995.

Desta forma, afirmam ter exercido tempestivamente o direito de op­ção para permanecerem filiados à Previdência Social brasileira, pois não lhes interessava a legislação previdenciária francesa, eis que esta resguardava apenas a filiação de contratados locais, com efeitos retroativos aos últimos cinco anos, "o que significaria desconsiderar o real tempo de serviço por eles prestado (muitos, com cerca de vinte anos de serviço em favor do Es­tado brasileiro), com os prejuízos funcionais e financeiros daí decorrentes".

No entanto, a par da opção legal feita pelos impetrantes, "o Ministé­rio das Relações Exteriores vem adotando medidas administrativas visando amoldar à nova lei, também, à situação previdenciária dos antigos Auxilia­res Locais, ... , para determinar que suas filiações se façam junto ao Siste­ma Previdenciário Francês", o que entendem ferir o direito líquido e certo que os ampara, principalmente quando a própria Lei nU 8.213/1991, em seu art. 11, afirma serem eles segurados da Previdência Social, ressaltando, de ou­

tra parte, que os contratos de trabalho por eles celebrado com o MRE nun­ca foram regidos pelas leis francesas, mas sim pelas normas brasileiras, confi­

gurando-se, assim, o direito adquirido à filiação previdenciária por eles re­querida, motivo pelo qual, in fine, pugnam pela concessão do IDandaIDus.

A liminar foi concedida por despacho (fls. 213/214) do Ministro José

Arnaldo, a quem inicialmente distribuídos os autos.

A autoridade apontada como coatora prestou informações às fls. 220/ 271 - documentação inclusa, aduzindo, preliminarmente, que Auxiliar Lo­cal é "o brasileiro ou estrangeiro contratado localmente, por tempo deter­minado para prestar serviços técnicos, administrativos ou de apoio que exi­jam familiaridade com as condições de vida, os usos e costumes do país onde esteja sediado o posto".

Em face das mencionadas características, o Auxiliar Local não pode

ser confundido com o servidor público do MRE, o qual, por força de dis­positivo constitucional, tem que ser brasileiro, além de estar legalmente in­

vestido em cargo para o qual deverá ter sido habilitado em concurso público.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 22: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

36 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Desta forma, em decorrência da Lei n.!.l 8.745/1993 e do Decreto n Jl

1.570/1995, o Itamaraty vem instruindo as missões diplomáticas e as Repar­

tições consulares brasileiras a que tomem as medidas necessárias "para as­

segurar que as relações trabalhistas e previdenciárias com seus Auxiliares

Locais se dêem no mais estrito cumprimento do ordenamento jurídico do

local onde os serviços são prestados, sem recurso a qualquer tipo de imu­

nidade ou privilégio diplomático".

Especificamente quanto aos contratados locais dos postos sediados na

França, assevera o impetrado ter instruído a Embaixada em Paris "a abrir

negociações com as autoridades francesas com o intuito de que seja garan­

tido aos Auxiliares Locais o reconhecimento de todo o tempo de serviço tra­

balhado anteriormente".

Menciona a Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, o art. 189, § 2.!.l, do ADCT, bem como o Enunciado n.!.l 207 do TST que, a seu ver,

solucionam a discussão.

Alega, outrossim, que o permissivo legal permite a contratação de es­

trangeiros como Auxiliares Locais, sendo os contratos precários e adstritos

à legislação previdenciária onde localizada a missão diplomática brasilei­

ra, esclarecendo que a Lei n.!.l 8.745/1993, determinou como regra geral a

filiação ao sistema local, sendo que a decantada opção pela inscrição no

INSS não poderá ser efetivada se o ordenamento jurídico do país obrigar

a filiação de qualquer empregado ao sistema previdenciário local - o que,

assevera, ocorre na legislação francesa.

Parecer da Subprocuradoria Geral da República, às fls. 272/277, opi­

nando, primeiro, pela incompetência deste STJ, pois a demanda é de natu­

reza trabalhista. Não fora isto, entende inidônea a via eleita, eis que a

dilação probatória não se ajusta à natureza jurídica do IllandaIllus (Dra.

Dalva Bezerra de Almeida).

Por despacho à fl. 279, o eminente Ministro José Arnaldo entendeu não

estar a matéria em debate inserida na competência da Terceira Seção deste

Tribunal, requerendo a redistribuição do feito, o qual restou a mim redistri­

buído.

Recebi dos impetrantes petição para devolver os autos à egrégia Terceira

Seção, assim como cópia de acórdão em julgamento ali realizado. Aguardei,

entretanto, a decisão no mandado de segurança que aqui estava sendo julga­

do e que acabou reconhecendo a nossa competência (MS n.!.l 5.346).

É o relatório.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 23: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 37

VOTO

o SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN (Relator): Não é nova a questão, como se pode facilmente verificar.

O primeiro ponto a decidir é o da competência interna, se compete o julgamento a esta ou à Terceira Seçãc.

No precedente aqui julgado (MS nJ.!. 5.346-DF, ReI. Min. Garcia

Vieira), que tratou de matéria idêntica, fiquei vencido na companhia do

eminente Ministro Demócrito Reinaldo, considerando que, quer porque a discussão envolve tema de ordem previdenciária, ou mesmo de ordem tra­

balhista, a competência não seria desta Primeira Seção.

A maioria, no entanto, depois de longo debate, não entendeu assim, pelo que, rendendo-me à decisão anteriormente tomada, afasto, também

nestes autos, a preliminar de incompetência.

Não se pode contribuir para retardar ainda mais a solução do litígio,

ainda que estejam os requerentes amparados por decisão liminar.

Cumpre observar, a seguir, que a autoridade apontada coatora não re­

futa ou contesta as afirmações relacionadas à situação funcional dos reque­

rentes, aceitando-as como verdadeiras.

Também não nega a prática do ato impugnado, procurando defender a sua legalidade.

Resta, assim, o exame da tese, no seu mento, isto é, o direito de se filiarem ao sistema previdenciário brasileiro, como pretendem.

Depois do julgamento do Mandado de Segurança n ll 5.346-DF, já re­

ferido, não vejo dificuldade. A Seção tem posição a respeito.

Reporto-me ao voto do Relator, Ministro Garcia Vieira, destacando o seguinte:

"A Lei n ll 7.501, de 27 de junho de 1986, em seu artigo 67, de­termina que o Auxiliar Local será regido pela legislação brasileira e

a Lei n ll 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, em seu artigo 11, item 1, letra e,

estabelece que são segurados obrigatórios da Previdência Social do

Brasil, os brasileiros que trabalham para a União, no exterior, em or­

ganismos internacionais dos quais o Brasil seja membro efetivo, ain­

da que lá domiciliado e contratado, salvo se segurado na forma da le­

gislação vigente do país do domicílio. Ora, a impetrante, brasileira

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 24: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

38 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

nata, que, por determinação legal e como Oficial de Chancelaria, con­

tribuiu para a Previdência Social Brasileira e, até a presente data, con­

tinuou como servidora do Ministério das Relações Exteriores e sem­

pre manteve a sua cidadania brasileira, tem o direito de continuar con­

tribuindo para a Previdência Social Brasileira (docs. de fls. 10 1/214).

A Lei n!l 8.745, de 9 de dezembro de 1993, em seu artigo 13, deu

nova redação ao artigo 67 da Lei n!l 7.501/1986 e determinou que se­

rão segurados da Previdência Social Brasileira os Auxiliares Locais de

nacionalidade brasileira, que não possam filiar-se ao sistema previden­

ciário do país de domicílio. A mesma lei, em seu artigo 15, assegurou

aos Auxiliares Locais brasileiros o direito de opção para permanece­

rem como contribuintes da Previdência Social Brasileira, estabelecendo

para isso um prazo de 90 (noventa) dias. O artigo 21, § 1!l, do Decreto

n!l 1.570, de 21 de julho de 1995, veio esclarecer que referido prazo

de 90 dias começaria a correr três meses após a publicação do referi­

do decreto. A impetrante, tempestivamente, pediu a sua filiação à Pre­

vidência Social Brasileira (doc. de fls. 27/28). Ela contribuiu para a

Previdência Social Brasileira durante 13 (treze) anos. Como Auxiliar

Local, continuou sendo servidora da União e segurada obrigatória da

Previdência Social Brasileira e como brasileira nata, que sempre man­

teve a sua nacionalidade, não pode ser impedida de voltar a ser filiada

à Previdência Social Brasileira. Não pode ela ser compelida a filiar­

se à Previdência Social Francesa. Como brasileira, sujeita-se a nosso

ordenamento jurídico, não se subordina à legislação previdenciária da

França. A digna autoridade coatora, em suas informações, confunde a

sujeição, como empregado, à legislação francesa com direito de

filiação à Previdência Social. Não existe nenhuma lei brasileira que

obrigue a impetrante a filiar-se à Previdência Social Francesa e ela

não está sujeita à legislação previdenciária da França, porque é bra­

sileira, com cidadania brasileira.

Desde seu ingresso no Ministério das Relações Exteriores, sem­

pre foi servidora da União e, como tal, tem direito de restabelecer a

sua filiação à Previdência Social Brasileira. A Legislação Previdenciária

Francesa pode obrigar os franceses e não os brasileiros. O Ministério

das Relações Exteriores não pode impedir a impetrante de filiar-se à

Previdência Social Brasileira e, muito menos, obrigá-la a filiar-se à

Previdência Social da França, porque ela é brasileira e segurada obri­

gatória da Previdência Social Brasileira.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 25: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 39

Outro precedente, no MS n~ 5.478-DF, ReI. Min. Vicente Leal:

"Mandado de segurança. Administrativo. Funcionária contratada pelo Ministério das Relações Exteriores. Auxiliar Local. Lei n~ 8.745/ 1993. Direito de opção. Filiação à Previdência Social Brasileira.

- A Lei n~ 8.745/1993 assegurou o direito de opção aos funcio­

nários contratados pelo Ministério das Relações Exteriores para prestar serviços em Embaixadas do Brasil no exterior na qualidade de Auxi­

liares Locais em permanecerem vinculados à Previdência Social Bra­

sil eira.

- Segurança concedida."

Diante do exposto, concluo votando pela concessão da segurança, con­firmando a liminar, para assegurar aos impetrantes o direito de se filiarem ao Sistema Previdenciário Brasileiro.

É como voto.

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Perturbado o meu con­vencimento por dúvidas, favorecido pelo viés processual próprio, examinei

diretamente as peças informativas da impetração, destacando que, em suma, a pretensão foi deduzida para assegurar.

" ... aos impetrantes, o direito de filiação ao Sistema Previden­ciário Brasileiro, na forma da opção por eles manifestada, com funda­mento no art. 15 da Lei n~ 8.745/1993 c.c. o art. 21 do Decreto n~

1.570/1995, bem como, seja determinado que as respectivas filiações

sejam implementadas pela digna autoridade coatora, com efeito retro­ativo à data de suas contratações, a fim de que os respectivos tempos de serviço sejam computados, para todos os fins legais, conforme prevê o art. 100 da Lei n~ 8.112/1990." (fi. 14).

No seu voto, reportando-se a precedentes desta Seção, o eminente Relator transcreveu a fundamentação acolhida no julgamento do MS n~ 5.346-DF, ReI. Min. Garcia Vieira, assim:

"A Lei n~ 7.501, de 27 de junho de 1986, em seu artigo 67, de­

termina que o Auxiliar Local será regido pela legislação brasileira e a

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 26: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

40 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Lei n.!.2 8,213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de

Benefícios da Previdência Social, em seu artigo 11, item 1, letra e,

estabelece que são segurados obrigatórios da Previdência Social do

Brasil, os brasileiros que trabalham para a União, no exterior, em or­

ganismos internacionais dos quais o Brasil seja membro efetivo, ain­

da que lá domiciliado e contratado, salvo se segurado na forma da le­

gislação vigente do país do domicílio. Ora, a impetrante, brasileira

nata, que, por determinação legal e como Oficial de Chancelaria, con­tribuiu para a Previdência Social Brasileira e, até a presente data, con­tinuou como servidora do Ministério das Relações Exteriores e sem­pre manteve a sua cidadania brasileira, tem o direito de continuar con­

tribuindo para a Previdência Social Brasileira (docs. de fls. 101/214).

A Lei nD. 8.745, de 9 de dezembro de 1993, em seu artigo 13, deu nova redação ao artigo 67 da Lei nD. 7.501/1986 e determinou que se­

rão segurados da Previdência Social Brasileira os Auxiliares Locais de

nacionalidade brasileira, que não possam filiar-se ao sistema previ­

denciário do país de domicílio. A mesma lei, em seu artigo 15, asse­gurou aos Auxiliares Locais brasileiros o direito de opção para per­

manecerem como contribuintes da Previdência Social Brasileira, esta­

belecendo para isso um prazo de 90 (noventa) dias. O artigo 21, § 1D., do Decreto n.!.2 1.570, de 21 de julho de 1995, veio esclarecer que re­ferido prazo de 90 dias começaria a correr três meses após a publica­

ção do referido decreto. A impetrante, tempestivamente, pediu a sua

filiação à Previdência Social Brasileira (doc. de fls. 27/28). Ela con­tribuiu para a Previdência Social Brasileira durante 13 (treze) anos.

Como Auxiliar Local, continuou sendo servidora da União e segura­

da obrigatória da Previdência Social Brasileira e como brasileira nata,

que sempre manteve a sua nacionalidade, não pode ser impedida de vol­

tar a ser filiada à Previdência Social Brasileira. Não pode ela ser compelida a filiar-se à Previdência Social Francesa. Como brasileira,

sujeita-se a nosso ordenamento jurídico, não se subordina à legislação previdenciária da França. A digna autoridade coatora, em suas infor­

mações, confunde a sujeição, como empregado, à legislação francesa

com direito de filiação à Previdência Social. Não existe nenhuma lei

brasileira que obrigue a impetrante a filiar-se à Previdência Social

Francesa e ela não está sujeita à legislação previdenciária da França,

porque é brasileira, com cidadania brasileira.

Desde seu ingresso no Ministério das Relações Exteriores, sem­

pre foi servidora da União e, como tal, tem direito de restabelecer a

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 27: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 41

sua filiação à Previdência Social Brasileira. A Legislação Previdenciária

Francesa pode obrigar os franceses e não os brasileiros. O Ministério

das Relações Exteriores não pode impedir a impetrante de filiar-se à

Previdência Social Brasileira e, muito menos, obrigá-la a filiar-se à

Previdência Social da França, porque ela é brasileira e segurada obri­

gatória da Previdência Social Brasileira." (MS n ll 5.157-DF, ReI. Min.

Hélio Mosimann).

Soalhada a situação processual, incontornável que o voto do emmen­

te relator, seguido pelas prestigiosas adesões dos Srs. Ministros Demócrito

Reinaldo e Humberto Gomes de Barros, tem fulgurantes fundamentos, re­

forçados por composições talhadas por esta Seção.

Se bem que significativa, com antecipadas escusas, manifesto divergên­

cia. E divirjo, de antemão, registrando que os servidores contratados no

exterior pelas representações diplomáticas do Brasil são regidos por con­

dições peculiares e excepcionais, uma vez que os respectivos chefes podiam

admitir (brasileiros e estrangeiros) como "auxiliares locais", atendendo as

condições típicas dos serviços da situação da representação, como jornada

de trabalho, feriados e obrigações específicas.

Bem se ressalta que, à ocasião da admissão, o servidor não se subme­

tia a concurso público, simplesmente atendendo às disposições legais vigen­

tes à época:

"Art. 44. Os Chefes das Missões Diplomáticas e Repartições

Consulares poderão admitir a título precário Auxiliares Locais demis­

síveis ad nututn." (Lei n ll 3.91711961- fiz o destaque).

Significa dizer que as admissões foram feitas conforme critérios pes­

soais dos representantes diplomáticos brasileiros, reclamados pelas neces­

sidades episódicas, sem vinculação definitiva.

É certo que, ao depois, a Lei n ll 7.50111986 modificou a natureza da

admissão, passando os Auxiliares Locais à situação definida legalmente. De

efeito:

"Art. 65. Além dos funcionários do Serviço Exterior, integram o

pessoal dos postos no exterior Auxiliares Locais, admitidos na forma

do artigo 44 da Lei n!2 3.917) de 14 de julho de 1961." (fiz o destaque).

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 28: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

42 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Na planura de interpretação lógica, porque o novo texto legal não re­

vogou, mas, isto sim, apenas explicitou a situação ditada na lei anterior,

põe-se que a referência à integração dos Auxiliares Locais, por si, não

desconstituiu a admissão precária anterior e possibilidade de dispensa ou

demissão. A lei nova apenas explicou que, além dos funcionários do quadro

estável do Serviço Exterior, as representações diplomáticas brasileiras tam­

bém continuaram servidas pelos Auxiliares Locais, admitidos "na forma do

artigo 14 da Lei nQ. 3.917/1961, ou seja: "a título precário" e demissíveis,

ad nutUITl (art. 44 ref.). Andante, denota-se que as disposições superve­

nientes são integrativas e não modificativas das anteriores. A distinção,

claramente separando os funcionários regulares do Serviço Exterior e os

Auxiliares Locais, classificação de natureza especial, ganha vulto nas dis­

posições do artigo 65, Lei n-º- 7.50111986, com a proposição adverbial

além, veja-se:

"Além dos funcionários do Serviço Exterior, integram o pessoal

dos postos no exterior Auxiliares Locais, admitidos na forma do art. 44

da Lei n-º- 3.917, de 14 de julho de 1961." (destaquei).

À conclusão fácil sobressai que os Auxiliares Locais, servidores de

apoio, não se confundem com os funcionários do Quadro Ordinário do

Pessoal do Ministério das Relações Exteriores, entendimento que se filia

à simetria do texto lineado na Lei n-º- 7.501/1986; para verificação:

"Art. 66. Auxiliar Local é o brasileiro ou estrangeiro admitido para

prestar serviços ou desempenhar atividades de apoio que exijam fami­

liaridade com as condições de vida, os usos e os costumes do país onde

esteja sediado o posto.

Parágrafo único. Os requisitos da admissão de Auxiliar Local se­

rão especificados em regulamento, atendidas as seguintes exigências:

'I - possuir escolaridade compatível com as tarefas que lhe

caibam; e

II - ter domínio do idioma local ou estrangeiro de uso cor­

rente no país, sendo que, no caso de admissão de Auxiliar Estran­

geiro, dar-se-á preferência a quem possuir melhores conhecimen­

tos da língua portuguesa.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 29: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 43

Art. 67. O Auxiliar Local será regido pela legislação brasi­

leira que lhe for aplicável, respeitadas as peculiaridades decorren­

tes da natureza especial do serviço e das condições do mercado lo­

cal do trabalho, na forma estabelecida em regulamento próprio'."

(grifei)

Sem enganos, pois, no âmbito da categoria funcional, são diferentes as

situações dos servidores regulares (quadro ordinário) e dos Auxiliares Lo­

cais (quadro de natureza especial), admitidos em condições extraordinárias

e na forma ditada em regulamento próprio, conseqüente de peculiaridades

de cada lugar no exterior, sem amoldagem aos regimes tradicionais da re~

lação de trabalho edificados para o servidor no Brasil. Daí a excepciona­

lidade, notadamente divisada na cláusula "legislação brasileira que lhe for

aplicável, respeitadas as peculiaridades ... " (art. 87, Decreto n.<:1. 93.325/1986

- grifei). As Leis nill. 8.028/1990 e 8.745/1993 dão ressonância aos regis­

tros feitos.

Por outra vertente, contrariando a petição dos impetrantes, as dispo~

sições do artigo 243, Lei n.<:1. 8.112/1990, não esmaecem as anotações feitas.

Assim penso, porque a continuação ou tempo dos serviços dos autores não

tem eficácia para derruir a natureza precária ou excepcional do vínculo de.,.

finido legalmente. É acontecimento comum na prestação do serviço públi­

co. Ad exemplum, lembra-se a situação funcional dos servidores em car­

gos DAS que, apesar de atividade permanente ou prolongada no tempo, têm

vinculação precária e são demissíveis ad nutum, sem o reconhecimento da

estabilidade.

Bem por isso, a invocação do artigo 19 do ADCT, não socorre a

impetração, segundo o espectro interpretativo do seu conteúdo:

"Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distri­

to Federal e dos Municípios, da Administração direta, autárquica e das

fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Consti­

tuição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido

admitidos na forma regulada no art. 37 da Constituição, são conside­

rados estáveis no serviço público.

C·· .) § 2.<:1. O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de car­

gos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 30: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

44 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado

para os fins do caput deste artigo, exceto se se tratar de servidor."

(grifei) .

No caso, pois, a foco cargo de natureza precária, alteradas as condi­

ções especiais de admissão, com forte contingente de peculiaridades que o distingue do cargo do Serviço Exterior (quadro de pessoal permanente), os

impetrantes não são beneficiários das previsões contidas no transcrito artigo 19 - caput, ficando albergados na exceção estadeada no seu § 2ll., derris­

cando-se, a estabilidade ensejada pela admissão no Regime Único da Lei nQ

8.112/1990. Enfim, também não se aplicam aos impetrantes o disposto no artigo 19, § 2Q

, do ADCT, e, incontrastável que a Constituição de 1988 (art.

37, IX) remete à lei infraconstitucional a disciplina da contratação tempo­

rária de pessoal, prevalecendo o excepcional interesse público. Donde, como

adiantado, igualmente não ser acolhível a pretensão com assento na Lei nQ

8.745/1993, dando nova redação ao artigo 67, Lei nQ 7.501/1986.

Em verdade, não se trata de interpretação inédita, uma vez que os tri­

bunais ordinários têm espraiado, podendo ser recordado o aresto constituído

na Apelação Cível nQ 00.7186-5-DF, conforme o voto-condutor do Juiz

Aldir Passarinho Junior, hoje eminente Ministro desta Corte.

Na confluência da exposição, sustentada a prenunciada divergência,

voto denegando a segurança.

É O voto-vista.

MANDADO DE SEGURANÇA N.2. 5.804 - DF (Registro nQ 98.0032909-9)

Relator: Ministro Hélio Mosimann

Impetrante: Instituto da Sagrada Família - Isafa

Advogada: Marli Soares Borges

Impetrado: Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social

Assistência: Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS

Procuradores: Lenilson Ferreira Morgado e outros

RST], Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 31: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 45

EMENTA: Mandado de segurança - Contribuição previden­ciária - Entidade filantrópica - Quota patronal - Imunidade.

Na condição de entidade de caráter filantrópico, reconhecida

como de utilidade pública, a impetrante tem assegurada a situação isencional relativamente à quota patronal da contribuição previden­

ciária, com direito à obtenção do respectivo certificado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a segu­

rança, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Humberto Gomes de Barros, José Delgado, Aldir Pas­

sarinho Junior e Garcia Vieira votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausen­te, justificadamente, o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira.

Brasília-DF, 18 de junho de 1999 (data do julgamento).

Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Presidente.

Ministro HÉLIO MOSIMANN, Relator.

Publicado no DI de 29.05.2000.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: O Instituto da Sagrada Família - Isafa, impetrou mandado de segurança (com pedido de liminar),

contra ato do Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social, consubstanciado no indeferimento, em grau de recurso administrativo, do

pedido de renovação do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos por ele

formulado, restando a negativa amparada, segundo o CNAS, no não aten­

dimento aos dispositivos do art. 2!l, inciso IV, do Decreto n!l 752/1993, pois

não teria ele comprovado "a aplicação em gratuidade de pelo menos vinte por cento da receita bruta, proveniente da venda de serviços e bens não in­

tegrantes do ativo imobilizado e contribuições operacionais".

Alega, em resumo, ser pessoa jurídica regularmente constituída e exer­

cendo sua finalidade assistencial sem fins lucrativos, tendo, por isso, sido

declarada de utilidade pública federal, desde 1993, e de utilidade pública

estadual, desde 1975, destacando que sua administração "sempre primou por

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 32: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

46 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

absoluta lisura e transparência, necessárias à manutenção da credibilidade

de uma entidade nessas condições".

Aduz ser também entidade filantrópica matriculada no Instituto Na­

cional do Seguro Social - INSS, e, apesar de manter unidades em diver­

sos Estados, centraliza suas operações contábeis e fiscais em sua sede, no

Município de Passo Fundo-RS, onde, inclusive, cumpre regularmente as exi­

gências do art. 14 do CTN.

Afirma que a autoridade coatora, ao indeferir a renovação de seu Cer­

tificado de Fins Filantrópicos agrediu a Carta Constitucional pela qual é

ele imune a impostos e contribuições sociais, negando-lhe um direito cris­

talino e, o que é pior, tendo como fundamento "uma norma francamente

discriminatória, porque impõe requisitos complexos e onerosos ao arrepio

da Constituição".

Entende que o Decreto nQ 752/1993 - na esteira da Lei nQ 8.212/1991,

que em seu art. 31 introduziu novas exigências para a isenção - é manifes­

tamente ilegal e inconstitucional, ferindo, inclusive, seu direito líquido e

certo, tendo em vista que as limitações ao poder de tributar já se encontra­

vam insertas no art. 14 do CTN, recepcionado pela Nova Carta - o qual

estabelece os requisitos para o gozo da imunidade tributária, ressaltando que

dentre eles :t;lão se incluiu a "gratuidade dos serviços prestados".

Bate-se, após extenso arrazoado em que cita doutrina e jurisprudência

sobre a matéria em discussão, pela concessão do mandamus, eis que

indubitável seu direito líquido e certo de ver respeitada a imunidade tribu­

tária constitucionalmente estabelecida, bem como lhe seja concedido o

indigitado Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos, liminarmente reque­

rido.

A autoridade impetrada forneceu suas informações às fls. 43/69, adu­

zindo, preliminarmente, inépcia da inicial e ilegitimidade passiva ad cau­

sam, bem como ser a impetração contra lei em tese - aplicando-se à hipó­

tese a Súmula n Q 266-STF.

Quanto ao mérito, alega, em resumo, que o certificado de filantropia

não é criação recente, pois existe no ordenamento brasileiro há muito tem­

po, sendo que o "legislador ordinário foi buscá-lo para lhe servir de requi­

sito à concessão da isenção - requisito este existente desde 1959 - como

também o fez com as declarações de utilidades públicas federal, estadual,

municipal ou do Distrito Federal, exigidas para a concessão da isenção da

cota patronal".

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 33: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 47

Afirma que ao ser negado o Certificado ao impetrante estava em vi­

gor o art. 55 da Lei nl!. 8.212/1991, regulamentado pelo Decreto nl!. 752/

1993, e no qual estabelecidos - de forma cumulativa - novos requisitos para

a isenção da cota patronal, aí inserto o Certificado de Entidade de Fins Fi­

lantrópicos.

Ressalta que a discussão travada neste writ não é referente a ser, ou

não, a entidade imune ou isenta, mas, isto sim, se ela tem direito, ou não,

ao Certificado de Filantropia. Logo, se lhe foi negado o indigitado Certi­

ficado, tal aconteceu após todo um procedimento administrativo no qual

garantidos o contraditório e a ampla defesa, pois, "para se chegar à conclu­

são de que a entidade não cumpriu o requisito em questão é necessária uma

perícia contábil, uma dilação probatória, que não se admite na via eleita".

Assevera que em nenhum momento o impetrante afirmou ter cumpri­

do o requisito do inciso IV do art. 2l!. do Decreto nl!. 752/1993, nem tam­

pouco trouxe aos autos qualquer prova contábil - o Balanço de 1993, ana­

lisado pelo CNAS - que constatasse a aplicação de 20% de sua receita bruta

em gratuidades.

Discorre sobre as diferenças entre imunidade e isenção, reafirmando,

por fim, a inexistência de direito líquido e certo a amparar a pretensão.

A liminar foi por mim negada à fl. 71.

Parecer da Subprocuradoria Geral da República, às fls. 73/76, opinan­

do pela extinção do processo sem julgamento do mérito, ou, caso ultrapas­

sadas as preliminares, pela denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN (Relator): As preliminares

levantadas não prosperam, como em diversos precedentes abordando idên­

tica matéria. Assim, em relação à alegada inépcia da inicial, à ilegitimida­

de passiva e ainda quanto à impetração atacando lei em tese.

No mais, ao proferir voto-vista (vencido), por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança n"" 3.395-DF, destaquei o seguinte:

"Tendo o artigo 1l!. do Decreto-Lei nl!.1.572/1977 revogado a

Lei n"" 3.577/1959, que isentava da contribuição de previdência as en­

tidades de fins filantrópicos reconhecidas de utilidade pública, cujos

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 34: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

48 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

diretores não percebiam remuneração (caso da entidade impetrante),

o § 1 ~ ressalvou que o preceito 'não prejudicará a instituição que te­

nha sido reconhecida como de utilidade pública pelo Governo Fede­

ral até a data da publicação deste Decreto-Lei, seja portadora de cer­

tificado de entidade de fins filantrópicos com validade por prazo

indeterminado e esteja isenta daquela contribuição' (fi. 109).

Quer dizer, a isenção da quota patronal antes concedida à insti­

tuição foi mantida pela Lei de 1977. Quanto a isso não há dúvida.

O problema está nas unidades mantidas como prolongamento das

atividades afins, criadas posteriormente, isto é, depois do Decreto-Lei

n~ 1.572/1977, expressão utilizada pela Circular n~ 150/1988 (fi.

137), que serviu de base à autuação (a circular e não a lei).

Dando aplicação aos termos da circular, entendeu o primeiro jul­

gamento que as unidades criadas após a lei não estão mais abrangidas

pela isenção, ressalvando-se tão-somente as que já estivessem no gozo

do benefício, pois a nova lei não teve o escopo de ensejar novas isen­

ções ou de ampliar as existentes.

Sucede que, atentamente examinado o texto (o texto da lez), in­

fere-se que a lei assim não dispôs, não podendo a circular ir além. O

Decreto-Lei n~ 1.572 manteve a isenção à instituição como um todo,

à associação, pessoa jurídica de direito privado (art. 16 do Código

Civil), no sentido mais amplo. Também não se trata, efetivamente, de

nova isenção ou de ampliação, a não ser que se considerassem as uni­

dades como peças autônomas, sem vínculo. Então, sim, a escola, dei­

xando de integrar a instituição, não estaria isenta da quota patronal.

Mas não seria esta a hipótese vertente.

É a conclusão a que se chega através do exame detalhado da si­

tuação em seu conjunto. Nem faria sentido que se isentasse a institui­

ção, mas não as suas filiadas.

Dentro da mesma linha de raciocínio, se as unidades integram a

mesma instituição, não constituindo outra, não se vislumbra malferi­

mento ao artigo 195, § 7~, da Constituição, mas sua estrita observân­

cia, pois a pessoa jurídica mantenedora, como um todo, só gozava do

benefício porque atendia às exigências legais. E assim permaneceu,

pouco importando para decisão a natureza jurídica da contribuição e

o caráter de imunidade ou isenção conferida às entidades beneficen­

tes de assistência social, teses largamente discutidas na doutrina."

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 35: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 49

Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal veio a se manifestar, reiteradamente, como segue:

"Imunidade. Contribuição previdenciária. Entidade filantrópica. Lei n ll 3.577/1959. Decreto-Lei n ll 1.572/1977.

Dada a condição de entidade de assistência social, reconhecida de utilidade pública federal em data anterior ao Decreto-Lei n ll 1.572/ 1977, a recorrente teve preservada a sua situação isencional relativa­mente à quota patronal da contribuição previdenciária. Aplicação da tese acolhida pela Primeira Turma do STF no RMS n ll 22.192-9, ReI. Ministro Celso de Mello. Recurso provido. Segurança concedida" (Min. Ilmar Galvão, RMS n ll 22.360-3). No mesmo sentido: Min. Moreira Alves, RTJ, 137/965.

Seguindo a orientação traçada pela Corte Maior, este Tribunal, bem recentemente, pelo voto de desempate, também concedeu a segurança, em acórdão assim ementado:

"Imunidade. Contribuição previdenciária. Entidade filantrópica. Lei n ll 3.577/1959; art. 195, § 7ll, da Constituição Federal.

As entidades filantrópicas e beneficentes de assistência social, reconhecidas como de utilidade pública federal, de acordo com a le­gislação pertinente e anteriormente à promulgação do Decreto-Lei n ll

1.572/1977, tem direito adquirido à imunidade tributária e, em con­seqüência, ao Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos.

Precedentes do STE

Segurança concedida por maioria de votos" (MS nil. 5.930-DF, Min. Demócrito Reinaldo).

Na linha dos precedentes, inclusive do Pretório Excelso, voto pela con­cessão da segurança.

MANDADO DE SEGURANÇA NQ. 5.964 - DF (Registro nil. 98.0069121-9)

Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 36: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

50

Impetrante:

Advogado:

Impetrado:

Litisconsorte:

Advogado:

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nacional Expresso Ltda

Rinaldo Aparecido Barros

Ministro de Estado dos Transportes

Expresso São Luiz Ltda

João Pessoa de Souza

Sustentação oral: Flávio Botelho Maldonado e Rinaldo Aparecido Barros (pela impetrante) e Adilson Ramos Júnior (pelo litiscon­sorte Expresso São Luiz Ltda)

EMENTA: I - Processual - Mandado de segurança - Empresa transportadora - Legitimidade - Permissão outorgada sem licitação.

- Empresa que se dedica ao transporte de passageiro tem inte­resse e legitimidade para impetrar mandado de segurança com o escopo de desconstituir outorga de linhas, sem licitação pública.

II - Administrativo - Ato nulo - Fundamento inidôneo.

- É nulo o ato administrativo que se apóia em fundamento ini­dôneo.

ACÓRDAo

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, por maioria, conceder a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, vencidos os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira, José Delgado e Demócrito Reinaldo, que denegaram a segurança. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior (voto-vista), Garcia Vieira e Hé­lio Mosimann.

Brasília-DF, 18 de junho de 1999 (data do julgamento).

Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Presidente.

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Relator.

Publicado no DI de 20.03.2000.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: O eminente

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 37: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 51

Subprocurador-Geral da República Miguel Guskow, no relatório que ante­

cede o parecer do Ministério Público, descreveu a lide, com estas palavras

(fls. 304/305):

"Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Nacional

Expresso Ltda em face de ato do Excelentíssimo Sr. Ministro de Es­

tado dos Transportes consistente na outorga de concessão do serviço

público de transporte coletivo à empresa Expresso São Luiz Ltda, sem

a observância do obrigatório procedimento licitatório.

Narra a impetrante que a litisconsorte passiva obteve, em

13.12.1986, autorização para realizar, pelo prazo de seis meses, via­

gens estatísticas entre Mineiros-GO e São Paulo-SP, visando auferir

a demanda de passageiros entre as duas localidades.

Entretanto, diante da irresignação das demais empresas do setor

de transportes, a autorização foi revogada pela Administração, sendo

que tal ato revogatório foi sustado através de sentença mandamental,

que assegurou à litisconsorte passiva o cumprimento do prazo de seis

meses, extinguindo-se, em 27.06.1988, a precária autorização.

Em 1996, com base no Decreto nQ. 952, de 07.10.1993, a litis­

consorte passiva necessária postulou administrativamente a revitali­

zação da autorização extinta, não obtendo êxito na sua pretensão até

o provimento de pedido de reconsideração, que restou revogado ante

a sua flagrante ilegalidade, visto que à Empresa de Transportes Ando­

rinha S/A estava assegurada, através de liminar, a operação do trecho

Mineiros-GO - São Paulo-SP.

Entretanto, alega a impetrante que, em 20.02.1998, cinqüenta

dias depois do reconhecimento da ilegalidade da autorização concedida

à litisconsorte passiva, a autoridade coatora autorizou a empresa a ope­

rar a linha em apreço pelo prazo de 120 dias, ao argumento de exis­

tência de compromissos com usuários

Expirado o prazo da autorização, a autoridade coatora, desconsi­

derando a ordem jurídico-constitucional, em 12.06.1998, outorgou a

concessão da linha Mineiros-GO - São Paulo-SP à litisconsorte pas­SIva.

Entende a impetrante que o ato atacado feriu a coisa julgada e o

princípio da segurança jurídica, além de ser nulo, porque os motivos

que o fundamentam são falsos, seu objeto é ilícito e sua finalidade está

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 38: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

52 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

desviada para privilegiar a empresa-litisconsorte, em prejuízo do prin­

cípio da impessoalidade e da legalidade a cuja observância está atre­

lada à Administração Pública.

À fl. 186, o Excelentíssimo Sr. Ministro-Relator solicitou as in­

formações que foram prestadas às fls. 190/196, aduzindo, em síntese,

a autoridade coatora, preliminarmente, a ausência de prova pré-cons­

tituída, e, no mérito, que, enquanto prepara os procedimentos

licitatórios de todas as linhas de transporte, não pode permitir que o

serviço público em apreço seja paralisado, em face do princípio da con­

tinuidade; pretendendo, assim, a impetrante, monopolizar um merca­

do, na ânsia de obter lucros sempre e cada vez maiores, sem atender

para o interesse do principal alvo do serviço público, ou seja, o usuá­

rio, que fica sem o direito de escolher a empresa que melhor lhe con­

vém, em decorrência do conforto, segurança, modicidade da tarifa e

horários mais flexíveis, contrariando todos os princípios que devem

nortear esse tipo de serviço público (fl. 195)."

Como registrou o relatório que acabo de reproduzir, as informações

dizem:

a) a impetrante não demonstrou que a exploração da linha Mineiros

a São Paulo lhe cause prejuízo. Tal demonstração - no entender do Sr. Mi­

nistro - é necessária ao deslinde da controvérsia;

b) a União está promovendo licitação, com o objetivo de outorgar per­

missões relativas a algumas linhas e continuará a promover certames desta

natureza, até abranger todo o território brasileiro;

c) para atingir tal objetivo, fazem-se necessários estudos acurados, a

requisitarem tempo e dinheiro. Frente às dificuldades cronológicas e finan­

ceiras, o plano de regularização é executado aos poucos;

d) o transporte de passageiros, entretanto, não pode parar. Assim, por

efeito de outorgas precárias ou decisões judiciais (como é o caso da impe­

trante e da litisconsorte passiva), evita-se que o serviço público tenha solu­

ção de continuidade;

e) a exploração de linha Mineiro - São Paulo foi reconhecida à litis­

consorte passiva, por força de mandado de segurança concedido em 1988

pelo Tribunal Federal de Recursos, no Processo n!2 127.480;

f) o Regulamento do Transporte Interestadual de Passageiros (Decreto

n!2 2.521/1998) reserva à União Federal o direito de autorizar ou permitir

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 39: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SECÃO 53

a exploração do transporte rodoviário interestadual ou internacional (art. 1 Q.);

g) a pretensão de a impetrante exercer monopólio, em região onde a demanda exige a participação de várias empresas carece de fundamento;

h) as duas linhas não observam o mesmo itinerário, em verdade, o per­curso da linha explorada pela litisconsorte é sensivelmente mais longo, com

duas escalas a mais que aquele observado pela impetrante (doc. de fI. 18);

i) em sendo mais longo o percurso executado pela litisconsorte, não

se admite que alguém o escolha, desprezando o caminho mais curto e rá­pido, observado pela impetrante;

j) a impetrante visa, em última análise, subverter o princípio da inde­

pendência dos Poderes, fazendo com que o Judiciário substitua a Adminis­tração;

k) em deferindo a segurança - sem prova idônea de prejuízo - o Su­

perior Tribunal de Justiça estaria exercendo função administrativa.

A litisconsorte passiva ofereceu contestação, dizendo, em suma:

a) explora, desde 1986, o transporte rodoviário entre Mineiros e São

Paulo. Faz isto, por efeito de autorização passada pelo DNER, na vigência

do antigo regulamento (Decreto nU 92.353/1986);

b) o Tribunal Federal de Recursos, em acórdão com trânsito em jul­gado, equiparou o ato que autorizou a referida exploração, a "verdadeira

permissão de serviços" (MS nU 127.480);

c) a velha permissão foi mantida, conforme previsão do art. 94 do Decreto nU 952/1993;

d) não faz sentido, assim, qualquer impugnação ao exercício desta li­

nha - tanto mais, quando a impetrante não opera a linha Mineiros - São Paulo.

o parecer do Ministério Público Federal recomenda a concessão da segurança.

VOTO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator):

O ato malsinado foi praticado sob o argumento de que a litisconsorte pas­

siva tem, em seu favor, mandado de segurança passado pelo Tribunal Fe­

deral de Recursos, declarando-a permissionária do serviço de transportes.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 40: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

54 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Tal permissão - continua o despacho - foi desacatada por sentença de l.\l. grau, deferindo mandado de segurança em favor de outra pessoa jurídi­

ca, não integrante deste processo.

Reconhecido o desacato, o Sr. Ministro determinou não se cumprisse

a sentença, até o trânsito em julgado do processo em que ela fora prolatada.

Como se percebe, o ato relaciona-se com processo em curso na Justi­

ça Federal. Seu escopo, diz o Sr. Ministro de Estado, é prevenir alterações

no estado de fato sub judice.

O tema é, assim, objeto de discussão em processo judicial, envolven­

do a litisconsorte passiva e outra pessoa jurídica.

Essa circunstância, entretanto, não impede o exame deste processo pelo

Superior Tribunal de Justiça.

É verdade que a concessão da segurança ora pleiteada pode tornar pre­

judicada a lide objeto daquele processo. Tal circunstância, contudo, não re­

tira à ora impetrante, o direito de ação.

Destaco outra questão preliminar: a impetrante pretende mandado de

segurança, para que - em declarando a nulidade do ato administrativo que

prorrogou a exploração do trecho malsinado - o Tribunal determine a

extinção do serviço explorado pela litisconsorte passiva.

Afirma que a linha operada pela litisconsorte passiva lhe causa preju­

ízo, porque retira clientes da linha entre Goiânia e São Paulo, regularmente

operada por ela; daí, seu interesse.

É que a litisconsorte passiva explora linha estadual entre Goiânia e

Jataí - cidade cortada pela linha Mineiros - São Paulo. AssIm, a litiscon­

sorte vende passagens para Jataí, onde os passageiros são transferidos para

ônibus destinados a São Paulo.

A petição inicial é ilustrada com gráfico em que se traça o roteiro se­

guido pela impetrante e aquele observado pela litisconsorte, para transportar

passageiros entre Goiânia e São Paulo.

O pedido de segurança veio acompanhado de cópias de passagens ven­

didas pela litisconsorte, nos trechos Goiânia - Jataí e Mineiros - São Paulo.

O Sr. Ministro impetrado nega a existência de tal prejuízo, observando

que o percurso Goiânia - São Paulo através de Jataí é sensivelmente mais

longo. Não se pode, assim, conceber que alguém despreze o itinerário mais

curto e rápido e prefira outro, mais lento e comprido.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 41: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 55

A impetrante não conseguiu elidir esse argumento.

A ação de mandado de segurança está subordinada ao adimplemento

de várias condições, entre elas, o interesse jurídico e a legitimidade (RMS

n ll 6.364).

A impetrante não demonstrou satisfatoriamente seu interesse.

Tenho para mim, que, em se dedicando ao transporte interurbano de

passageiros, a impetrante, tem interesse em ver as diversas linhas coloca­

das em licitação pública, através da qual poderá obter concessão para as

explorar.

No mérito, concedo a segurança: não procede o argumento de que a

sentença de III grau, concessiva de segurança à adversária de Expresso São

Luiz, desacata o acórdão do TFR, em favor desta.

Em verdade, o velho acórdão limitou-se a determinar se respeitasse o

prazo de seis meses estabelecido para a velha permissão outorgada a título

provisório. A sentença da Justiça Federal não o desacatou.

O despacho malsinado apóia-se em fundamento inidôneo.

Concedo a segurança.

ADITAMENTO AO VOTO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): Sr. Presidente, a vibrante sustentação oral desenvolvida pelo eminente advo­

gado Adilson Ramos Filho, realmente, é de admirável coragem e expressão,

no entanto, a meu ver, comete uma injustiça com relação ao eminente ad­

vogado da contraparte e ao Ministério Público. Como deixou claro o emi­

nente Subprocurador-Geral da República, Antônio Fernando, em verdade,

o acórdão do Tribunal Federal de Recursos outorgou a segurança para ga­

rantir a validade da permissão pelo prazo de 6 meses, descontados os dias

já comunicados. Havia uma permissão experimental, que foi outorgada por

6 meses. Antes desse prazo, a Administração, entendendo que havia come­

tido uma ilegalidade, cancelou essa permissão. Gerou-se aquele mandado de

segurança, que foi concedido pelo Tribunal Federal de Recursos, ao funda­

mento de que os 6 meses deveriam ser respeitados. Houve embargos declaratórios e o Tribunal, rejeitando-os, deixou claro que se fixara o pra­

zo mínimo. O DNER estava proibido de ampliá-lo. Tanto podia ser a per­

missão extinta, findo o prazo, como não. Essa é a extensão do acórdão do

Tribunal Federal de Recursos. Na verdade, parecem-me que não houve de

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 42: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

56 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

nenhuma das partes intenção que possa ser classificada como ato de liti­

gância de má-fé.

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Sob o telheiro das dúvidas surgidas, no viés regimental, solicitei vista para fazer direto exa­me das peças informativas, colhendo que a impetração objetiva "anular ato que outorgou concessão de serviço público sem o procedimento licitatório", ferindo os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e mora­

lidade.

Diante da pretensão recorda-se que o ato impugnado tem o seguinte

conteúdo:

" ... Assunto: Pedido de reexame da permissão para exploração da

linha Mineiros-GO - São Paulo-SP, e requer a insubsistência do ato ministerial que revogou o despacho do Diretor do DTR-MT, publicado no DOU de 31.12.1997. Despacho: Em razão do reconhecimento por parte do egrégio Tribunal Federal de Recursos ao julgar o Mandado de Segurança n!.l 127.480-RJ, em 08.06.1988, transitado em julgado em 30.09.1988,'reconhecendo o ato administrativo que autorizou a interessada a prestar serviço público referente à linha Mineiros-GO -São Paulo-SP, pelo prazo mínimo de seis meses e, em havendo uma

sentença de primeira instância da Justiça Federal-RJ, prolatado no AMS n!.l 924.7874, incompossível com aquela de grau superior, na defesa do

interesse público, determino a insubsistência do ato de suspensão do

mencionado ato revogatório, publicado no DOU de 16.02.1998, bem assim o conseqüente restabelecimento da exeqüibilidade do despacho deferitório do Sr. Diretor do Departamento de Transportes Rodoviá­rios publicado no DOU de 23.07.1997, até o trânsito em julgado da

matéria ora sub judice, consoante os termos do Parecer Conjur-MT n!.l 53/1998, aprovado pelo Despacho Conjur-MT n!.l 370/1998, da la­vra do Sr. Consultor Jurídico deste Ministério, por mim adotado. Pu­

blique-se." (fi. 53).

Esse provimento decorreu de outro assim redigido:

"Despacho: Determino a revogação do ato praticado pelo Sr. Diretor de Departamento de Transportes Rodoviários, publicado no

RSTJ, Brasília, a, 12, (133): 15-88, setembro 2000,

Page 43: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 57

DOU, no dia 23.07.1997, por ser atentatório à ação mandamental de

segurança que assegura à interessada o direito líquido e certo na opera­

ção dos serviços pleiteados, bem assim por contrariar a jurisprudên­

cia dominante da douta Advocacia Geral da União que impõe ao ad­

ministrador público o dever de, quando a matéria acha-se sub judice,

aguardar o deslinde da demanda para, somente depois, cumprir o decisu111, tudo em conformidade com o Parecer Conjur-MT nJ:!. 288/

1997, aprovado pelo Despacho Conjur-MT nJ:!. 981/1997, do Sr. Con­

sultor Jurídico deste Ministério, por mim adotado. Publique-se." (fi.

45).

Nesse contexto, o eminente Relator proferiu o seu voto, textualmente:

"O ato malsinado foi praticado sob o argumento de que a litis­consorte passiva tem, em seu favor, mandado de segurança passado pelo

Tribunal Federal de Recursos, declarando-a permissionária do servi­

ço de transportes.

Tal permissão - continua o despacho - foi desacatada por senten­

ça de 1 J:!. grau, deferindo mandado de segurança em favor de outra pes­

soa jurídica, não integrante deste processo.

Reconhecido o desacato, o Sr. Ministro determinou não se cum­

prisse a sentença, até o trânsito em julgado do processo em que ela fora prolatada.

Como se percebe, o ato relaciona-se com processo em curso na

Justiça Federal. Seu escopo, diz o Sr. Ministro de Estado, é prevenir

alterações no estado de fato sub judice.

O tema é, assim, objeto de discussão em processo judicial, envol­

vendo a litisconsorte passiva e outra pessoa jurídica.

Essa circunstância, entretanto, não impede o exame deste proces­

so pelo Superior Tribunal de Justiça.

É verdade que a concessão da segurança ora pleiteada pode tor­

nar prejudicada a lide objeto daquele processo. Tal circunstância, con­tudo, não retira à ora impetrante, o direito de ação.

Destaco outra questão preliminar: a impetrante pretende mandado

de segurança, para que - em declarando a nulidade do ato administra­

tivo que prorrogou a exploração do trecho malsinado - o Tribunal de­

termine a extinção do serviço explorado pela litisconsorte passiva.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 44: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

58 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Afirma que a linha operada pela litisconsorte passiva lhe causa

prejuízo, porque retira clientes da linha entre Goiânia e São Paulo,

regularmente operada por ela; daí, seu interesse.

É que a litisconsorte passiva explora linha estadual entre Goiânia

e Jataí - cidade cortada pela linha Mineiros - São Paulo. Assim, a litisconsorte vende passagens para J ataí, onde os passageiros são trans­

feridos para ônibus destinados a São Paulo.

A petição inicial é ilustrada com gráfico em que se traça o roteiro seguido pela impetrante e aquele observado pela litisconsorte, para transportar passageiros entre Goiânia e São Paulo.

O pedido de segurança veio acompanhado de cópias de passagens vendidas pela litisconsorte, nos trechos Goiânia - Jataí e Mineiros -

São Paulo.

O Sr. Ministro impetrado nega a existência de tal prejuízo, ob­servando que o percurso Goiânia - São Paulo através de Jataí é sen­

sivelmente mais longo. Não se pode, assim, conceber que alguém des­preze o itinerário mais curto e rápido e prefira outro, mais lento e comprido.

A impetrante não conseguiu elidir esse argumento.

A ação de mandado de segurança está subordinada ao adimple­mento de várias condições, entre elas, o interesse jurídico e a legiti­

midade (RMS n"" 6.364).

A impetrante não demonstrou satisfatoriamente seu interesse.

Tenho para mim, que ela, em se dedicando ao transporte interur­

bano de passageiros, a impetrante, tem interesse em ver as diversas li­

nhas colocadas em licitação pública, através da qual poderá obter con­

cessão para as explorar.

No mérito, concedo a segurança: não procede o argumento de que a sentença de 1"" grau, concessiva de segurança à adversária de Expres­

so São Luiz, desacata o acórdão do TFR, em favor desta.

Em verdade, o velho acórdão limitou-se a determinar se respei­

tasse o prazo de seis meses estabelecido para a velha permissão outor­

gada a título provisório. A sentença da Justiça Federal não o desaca­

tou.

O despacho malsinado apóia-se em fundamento inidôneo.

Concedo a segurança."

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 45: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 59

Atualizados os antecedentes da impetração e a solução constituída pelo Sr. Ministro-Relator, observa-se que os atos tiveram como ponto central motivador v. acórdão do extinto Tribunal Federal de Recursos, resumido na seguinte ementa:

"Administrativo. Serviço público. Permissão. Estudo para criação de linha.

1. Outorgada a permissão, com prazo mínimo fixado, destinada a 'verificar a viabilidade de licitação' de linha de transporte coletivo de passageiros, a revogação sem demonstração de interesse público sub­jacente, feriu direito da impetrante.

2. Segurança concedida." (fi. 58).

Ergue-se que a autorização, inicialmente, foi dada "em caráter expe­rimental", assinalando o voto-condutor "o prazo de seis meses" para liga­ção entre as cidades de l\1.ineiros-GO e São Paulo (Capital), decorrente de anterior justificação administrativa: "para efetuar uma pesquisa estatística, para verificação de demanda ... " (fls. 55/56). Acentuou o julgado na sua par­te dispositiva:

"A modalidade das viagens permitidas, tal como se apura nos autos decorreu de outorga 'destinada estudar demanda transporte pas­sageiros ligação Mineiros-GO e São Paulo-SP vg fim verificar viabi­lidade licitação da mesma." (fi. 75).

À vista fácil, sublinha-se a precariedade da permissão discricionaria­mente deferida pela Administração, sob o talante de cláusula temporal -prazo certo -, evidenciada no mencionado aresto:

"De todo o exposto, concluo que, se não demonstrada a existência de interesse público subjacente justificando a revogação da permissão com prazo certo, o ato é ilegal.

Assim, concedo a segurança, para assegurar a validade da permis­são pelo prazo de 6 (seis) meses, descontados os dias já consumidos." (fi. 75).

Significa dizer que a recordada segurança fundou-se na ilegalidade do ato que, abruptamente, então revogou permissão por prazo certo, notoria­mente, sem assegurar à impetrante (Expresso São Luiz Ltda), o direito de

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 46: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

60 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

continuar a ligação sob a mesma justificação inicial: "verificar a viabilida­

de de licitação". Esta, sim, via para consolidar o direito à adjudicação dos

serviços de transporte coletivo.

Adita-se que, no julgamento dos embargos declaratórios, a tempora­

neidade não foi desfigurada, limitando-se correspondente acórdão a escla­

recer:

( ... )

"No meu voto, momento algum, disse que o DNER estava ou está

proibido de ampliar o prazo mínimo de permissão ou tê-la por cum­

prida, exaurida a finalidade. Dizer que a permissão fora dada por pra­

zo mínimo de seis meses significa que, outrossim, tanto pode ser ex­

tinta findo esse prazo quanto não. Acentuei, isto sim, que o prazo mí­

nimo de seis meses é que não podia ser diminuído." (fls. 79/80).

A bem se ver, a ilegalidade reconhecida teve sede no descumprimento

do prazo fixado inicialmente - seis meses -, cujo tempo deveria ser respei­

tado, conforme lineou o aludido aresto ao conceder a segurança:

" ... Toda permissão é, por sua natureza, precária e se presta à exe­

cução de serviços ou de atividades transitórias, ou mesmo permanen­

tes. Mas, como lembra Hely Lopes Meirelles (ob. e voI. cit., pp. 141/ 142), pode ser condicionada e com prazo determinado para a sua vi­

gência, modalidade empregada nas permissões de transporte coletivo

e em outras que 'exigem altos investimentos para a execução do ser­

viço, tornando-se necessário garantir ao permissionário um tempo mí­

nimo de operação em condições rentáveis. Se o interesse público exigir

a revogação ou a alteração de tais permissões, a Administração pode­

rá fazê-lo, desde que indenize o permissionário dos danos que o

descumprimento do prazo ou das condições da outorga lhe causar.'

Quer dizer, apenas com o deferimento da permissão é que se constituem os direitos do permissionário. No caso, de efetuar pelo pra­

zo definido - seis meses - o estudo da viabilidade da criação da linha,

no interesse público.

Diógenes Gasparini (ob. e voI. cito nJ.1. 22) lembra que a 'permis­

são, quando outorgada com prazo certo, extingue-se ao se vencer a

dilação temporal'. O decurso do prazo põe fim ao desfrute do privi­

légio.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 47: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 61

E acrescenta:

'Só é possível a revogação se a comandá-la estiver um in­

teresse coletivo.

Assim, se necessária a revogação, impõe-se a indenização em

decorrência do princípio estabelecido no § F do art. 153 da Lei

Maior.'

De tal modo, a paralisação do serviço determinada pelo mesmo

Engenheiro-Chefe de 122 DRF, em 21.10.1986 (fl. 20), que certificou

a inexistência da linha, não tem o amparo legal do art. 112, que lhe

pretendeu conferir, pois a impetrante recebeu permissão da autorida­

de competente, e com prazo estipulado." (fls. 73/74).

Nem poderia ser diferente, porque, à falta de licitação pública, nos li­

mites de específica finalidade (estatística da demanda), vencido o prazo, fi­

caria extinta a permissão precária ou discricionariamente, se prorrogada,

continuaria sob o timbre da provisoriedade. A incidência, pois do julgado,

restringiu-se ao ato que fixou o prazo de seis meses, mas sem nenhum óbice

às deliberações administrativas futuras.

Enfim, se bem que permitido o transporte, não se constituiu o direito

adquirido à exploração continuada da ligação rodoviária em comento.

Nessa esteira é que a impetrante sustenta a ilegalidade do ato sob exa-

me.

Procurando a solução, no ponto, demonstrado que, após o prazo de seis

meses, o administrador podia entender extinto o prazo, prorrogá-lo ou não,

parece-me não se afeiçoar a ilegalidade, à vista de critérios e informações

de natureza administrativa, certamente considerados pela autoridade

indigitada como coatora para restabelecer os efeitos de anterior decisão do

Diretor do Departamento de Transportes Rodoviários (fls. 53, 99 e 100),

persistindo a cláusula da temporaneidade. Nesse interregno, outrossim, des­

figurando-se a afronta ao artigo 174, Constituição Federal. As eventuais

interrupções ocorridas não desnaturam as razões postas.

Também aviva-se que o ato combatido, mesmo após a agregação de

mais cento e vinte dias (fl. 115 - in fine), não adjudicou os questionados

serviços de transporte coletivo, dependente de licitação pública, limitando­

se a formalizar a sua continuação precária "até o trânsito em julgado da

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 48: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

62 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

matéria sub judice" (fl. 194). Desse modo, à vista do aresto do extinto Tri­

bunal Federal de Recursos, trazido à colação, ainda que não defina o "di­

reito adquirido" em favor do Expresso São Luiz Ltda, não assentou a

improrrogabilidade da comentada permissão precária. É certo que não pode

perdurar indefinidamente. Donde a explicitação: "até o trânsito em julga­

do da matéria sub judice".

Noutro campo de análise, quanto ao especial aspecto da legalidade

formal do ato ferretado, divisa-se a presença dos requisitos da competên­

cia, motivação, causa, conteúdo e finalidade, não podendo ser acoimado de

ilegal.

Por derradeiro, anota-se que os julgados copiados às fls. 121 a 131 e

127 a 168, com vinculações aos fatos originários (iniciado em 1986), por

si, não obstaculizam a motivação e conclusão aqui aduzidas.

Tudo comentado, em que pese ao cipoal dos acontecimentos factuais

e jurídicos, plasma-se que a continuação de permissão precária não vulnerou

a legalidade. Deveras, os atos sucessivos apenas preordenaram situação ad­

ministrativa anteriormente definida e considerada no MS n>l. 117.232-RJ,

julgado no extinto Tribunal Federal de Recursos (fls. 58/75).

Na vivência dos dissertados motivos, clareado que, embora não cons­

tituído o direito adquirido nem adjudicação definitiva à permissão decor­

rente de licitação pública ou decorrente de título judicial, compreendendo

que o ato verberado não tem o estigma da ilegalidade, soçobrando a arti­

culação de pretendido direito líquido e certo, manifestando vênias ao emi­

nente relator, voto denegando a segurança.

É o voto-vista.

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: O eminente Ministro Hum­

berto Gomes de Barros, ao votar pela concessão da segurança, considerou

afrontoso a direito líquido e certo da impetrante, o ato administrativo ata­

cado que concedeu outorga de permissão de serviço público de transporte

coletivo à empresa Expresso São Luiz Ltda, sem observância do obrigató­

rio procedimento licitatório.

A referida manifestação do eminente relator foi antecedida com o re­

conhecimento da existência de interesse jurídico da impetrante para

desconstituir o ato malsinado, tendo em vista ser exploradora dos serviços

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 49: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 63

de transporte interurbano de passageiros, em percurso idêntico ao concedido

para exploração ao Expresso São Luiz Ltda, pelo que lhe cabe defender a

abertura de licitação pública, através da qual poderá concorrer e obter con­

cessão para explorá-la.

O eminente Ministro Milton Luiz Pereira denegou a segurança, sob o

argumento de não visualizar a cristalização de direito líquido e certo a so­correr a impetrante.

Com vista dos autos, apresento o meu voto.

Com a devida vênia, ao eminente Ministro Humberto Gomes de Bar­

ros, digníssimo relator, acompanho o entendimento posto pelo voto diver­

gente.

O exame do ato apontado como coator não revela estar o mesmo con­

taminado pela ilegalidade, em face dos seguintes aspectos que estão presentes

na sua constituição:

a) o ato administrativo atacado não apresenta, em sua essência, carac­terização que possibilite ser considerado como sendo uma outorga de con­cessão de serviço público, por seu exame conduzir a ser compreendido, ape­

nas, como uma permissão precária para a exploração da linha Mineiros-GO

- São Paulo-SP, enquanto transitam em julgado ações judiciais onde são

discutidos aspectos relativos ao mencionado relacionamento da empresa

Expresso São Luiz com o Poder Público;

b) a autoridade apontada como coatora, ao expedir o ato atacado pela

impetrante, considerou razoável a argumentação posta no parecer jurídico

apresentado pela sua assessoria, cujos termos transcrevo (fls. 47/51):

"Ressalta-se, que diante dessa decisão recebeu a requerente o

Ofício SV/TR n"- 12.03503/1987, expedido pelo DNER, determinan­

do a continuidade do serviço, e, em conseqüência, expediu quadro

tarifário e os seccionamentos que deveriam ser operados, ou seja, o

DNER autorizou, sob o instituto da autorização ou permissão, a ope­

ração da linha Mineiros-GO - São Paulo-SP, dando-lhes suas carac­terísticas operacionais, pelo prazo mínimo de seis meses, prorrogáveis

a critério do poder concedente.

Em função do prazo mínimo de 6 (seis) meses, e dos procedi­

mentos acima adotados pelo DNER, observa-se que a requerente vem

normalmente, desde a data de 13.10.1986, operando aqueles serviços, sofrendo fiscalização e multas pelo órgão competente, sendo autuado

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 50: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

64 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTIÇi\

por motivos outros, nunca, entretanto, por estar operando irregular­

mente a mencionada linha.

Sobre essa questão, valemo-nos dos ensinamentos de José Cre­tella Júnior, que define o poder de auto tutela que tem a Administra­

ção para erigir-se em fiscal ou tutor de si mesma, a seguir transcrito:

'Auto tutela é o poder que tem a Administração de fiscalizar

os próprios atos editados, mantendo-os, se legais, oportunos, con­

venientes, desfazendo-os em caso contrário.'

Destarte, a insurgência contra o ato administrativo em questão,

pela Empresa de Transportes Andorinha S/A, junto à 24;1 Vara da Jus­

tiça Federal do Rio de Janeiro, resultou na sentença prolatada pelo

MM. Juiz Federal, no Mandado de Segurança nQ 92.47874, que teve

como litisconsorte passiva a requerente, in verbis:

'Isto posto:

Concedo a segurança, nos termos do. pedido inicial. Comu­

nique-se, oficiando-se à autoridade apontada como coatora, ou

quem suas vezes fizer, para imediato cumprimento. Sentença su­

jeita a reexame necessário do egrégio Tribunal Regional Federal da 2;1 Região.

P.P.I.

Rio de Janeiro, 21 de março de 1995.

a) Rogério Vieira de Carvalho - Juiz Federal da 24;1 Vara.'

Através de pedido de reconsideração por parte da requerente,

houve o despacho deferitório que trata de regularização da linha de

transporte rodoviário interestadual de passageiros, entre as localidades

de Mineiros-GO e São Paulo-SP, com os seccionamentos, com base

no art. 94 do Decreto nQ 952/1993, e na documentação que instrui o

processo, publicado em 23.07.1997.

Após a determinação judicial do MM. Juiz Federal da 24;1 Vara,

aquele órgão foi oficiado e mediante o Parecer Conjur-MT n Q 288/

1997, aprovado pelo Despacho Conjur-MT nQ 981/1997, do Sr. Con­

sultor Jurídico desta Pasta, recomendou-se, tendo em vista achar-se a

questão sub judice, aguardar o deslinde final.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 51: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 65

Entretanto, em face das substanciais razões apresentadas pela re­querente, mormente no que tange ao resguardo do direito do usuário,

a finalidade precípua do ato administrativo, fora suspenso o ato revoga­tório pelo prazo improrrogável de cento e vinte dias.

Todavia, retorna a requerente aos autos do presente processo, re­querendo reexame da matéria sob os argumentos de que é titular de

autorização regular fundamentada nos termos do Ofício DRITP n.!l

187, de 13.10.1986, da antiga Diretoria de Transportes de Passagei­

ros do DNER e sob a égide do Decreto n.!l 92.353/1986.

A autorização concedida pelo DNER pelo prazo de seis meses, à requerente, veio a ser reconhecida por decisão unânime do antigo Tri­

bunal Federal de Recursos, no julgamento da AMS n.!l 117 .232-RJ, pela

Segunda Turma, em 17.11.1987, ReI. Min. Costa Lima, transitado

em julgado e com espeque nesta decisão, vem a requerente exploran­

do a linha Mineiros-GO - São Paulo-SP, desde 13.10.1986, até os

dias atuais.

Instado o Departamento de Transportes Rodoviários, manifestou­

se através da Informação n.!l98 DTRlSTT/MT, de 17.07.1997, a res­peito da referida matéria encontrar-se sub judice, verbis:

'8. O fato de a matéria estar sub judice não tem inviabi­

lizado o deferimento de pleitos semelhantes, pois o próprio

Departamento de Transportes Rodoviários, regularizou as linhas

Ijuí/Canarana e Ijuí/Guarantã processos administrativos

50400.000728/1995 em favor da empresa Viação Ouro e Prata, matéria sub judice na 211. Vara Federal de Porto Alegre-RS.'

E acrescenta: 'Os pedidos de reconhecimento de regularização dos

serviços de exploração do Transporte Interestadual de Passageiros pelo

Departamento de Transportes Rodoviários são analisados e deferidos

em função do reconhecimento de autorizações concedidas pelo DNER,

anteriormente ao advento do Decreto nl.l. 952, de 7 de outubro de 1993'.

É de se ressaltar que a decisão prolatada no MS nl.l. 92.47874,

concedendo a segurança à Empresa de Transportes Andorinha SI A,

para exploração da linha operada pela requerente, torna-se incom­

possível com aquela reconhecida pelo egrégio Tribunal Federal de Recursos a ora interessada.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 52: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

66 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nesse sentido, há de se consignar que há uma decisão que tran­sitou em julgado em 30.09.1997, asseverando que os serviços explo­

rados pela requerente tratavam-se de 'verdadeira permissão de servi­

ços' em que se observou um procedimento administrativo, aduzindo, ainda, que houve um procedimento sumário ao som do que se lê no inciso II do art. 11 do Decreto nQ 92.353/1986.

Por outro lado, há uma sentença de primeira instância, apelada

pela ora requerente, que decidiu contrariamente àquela do extinto Tri­

bunal Federal de Recursos que ao final, reconhecerá ou não, o direi­to da requerente em explorar a linha em questão.

Assim, ad cautelalll, deve-se considerar o decisulll do extinto

Tribunal Federal de Recursos, razão porque houve o deferimento da permissão a interessado, por um Tribunal Superior, constituindo direi­

tos da permissionária, garantia jurídica, e a propósito, retorno às li­ções do saudoso professor He1y Lopes Meirelles:

'A permissão é, em princípio discricionária e precária, mas admite condições e prazos para exploração do serviço, a fim de

garantir rentabilidade e assegurar a ampliação do investimento do permissionário visando atrair a iniciativa privada.' (Direito Ad­ministrativo Brasileiro, p. 324).

Recorro ainda, ao ilustre professor Diógenes Gasparini (Enci­

clopédia Saraiva do Direito, vaI. 58, pp. 170/180), verbis:

' ... para nós, a permissão de serviço público é o ato admi­

nistrativo pelo qual a Administração Pública transfere, sob con­dições, a execução e exploração de certos serviços que lhe são privativos a terceiros que, para isso, manifeste interesse, e que se

remunerará adequadamente, mediante a cobrança dos usuários de tarifas previamente aprovadas.'

Sob esse prisma, verifica-se que em razão da exploração da linha

mencionada, a empresa investiu em aquisição ou aluguel de ônibus,

contratou motoristas, mecânicos, locais para venda de bilhetes, o que

acarretou investimentos por sua parte, no propósito de ter garantida a

sua rentabilidade e assegurar a recuperação do investimento além do

que há o objetivo precípuo que está consubstanciado na defesa do in­teresse público.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 53: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊN elA DA PRIMEIRA SEÇÃO 67

Em última análise, 'os fins da Administração se consubstanciam

na defesa do interesse público, assim entendidas as aspirações ou van­

tagens licitamente almejadas por toda a comunidade administrada, ou

por uma parte expressiva de seus membros', e ainda: 'Os fins da Ad­

ministração Pública se resumem num único objetivo: o bem comum da

coletividade administrativa. Toda atividade do administrador público

deve ser orientada para esse objetivo'. Ou seja, se o administrador se

afasta ou desvia dessa finalidade trai o :munus público de que está

investido e todo ato administrativo que não for praticado no interes­

se do bem-estar so cial, será ilícito e imoral.

III - Da Conclusão

Diante dos fundamentos de fato e de direito, a defesa do interesse

público, mormente o reconhecimento definitivo por parte do extinto

Tribunal Federal de Recursos ao julgar o Mandado de Segurança n"'-

127.480-RJ, 08.06.1988, transitado em julgado em 30.09.1988 (cer­

tidão anexa), de que o ato administrativo que autorizou a operação da

linha Mineiros-GO - São Paulo-SP e constituía em 'verdadeira per­

missão de serviços', motivo pelo qual a requerente obteve autorização

para prestar aludido serviço público pelo prazo mínimo de seis meses

e, em havendo uma sentença de primeira instância da Justiça Federal

do Rio de Janeiro, prolatada no Mandado de Segurança n"'- 92.47874,

incompossível com aquela de grau superior, opinamos pela insubsis­

tência do despacho ministerial publicado no DOU em 3l.12.1997, que

determinou a revogação do ato praticado pelo Sr. Diretor do Depar­

tamento de Transportes Rodoviários publicado no DOU de 03.07.1997

e, em conseqüência, a insubsistência do ato de suspensão do mencio­

nado ato revogatório, publicado no DOU de 16.02.1998, bem assim

o conseguinte restabelecimento da exeqüibilidade do despacho

deferitório do Sr. Diretor do Departamento de Transportes Rodoviá­

rios publicado no DOU em 23.07.1997 até o trânsito em julgado da matéria ora sub judice."

Evidenciado está nos autos que a litisconsorte passiva necessária ex­

plorava, sem interrupção, sob a figura de permissão e por autorização ju­

dicial, a linha Mineiros-GO - São Paulo-SP, desde a data de 13.10.1986,

portanto, há mais de doze anos.

Esse fato está comprovado com os documentos de fls. 220 e 221, em

combinação com o afirmado por Expresso São Luiz Ltda à fl. 205:

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 54: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

68 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

"Mercê de autorização regular, estampada nos termos do Ofício

DRlTP n"" 187, de 13.10.1986, da antiga Diretoria de Transportes de

Passageiros do DNER e, posteriormente, pelo Telex ni2. 45, de

23.12.1987, do 8"" e 12"" DRF-DNER, ainda na vigência do antigo Re­

gulamento dos Serviços Rodoviários Interestaduais e Internacionais de

Transportes Coletivos de Passageiros, aprovado pelo Decreto n""

92.353, de 3l.0l.1986, a litisconsorte vem executando, sem interrup­

ção, os serviços da rota Mineiros-GO - São Paulo-SP, bem como os

seccionamentos existentes passando pelas cidades de Jataí-GO, Ribei­

rão Preto-SP e Campinas-SP."

Nenhuma prova foi depositada no curso da lide que elidisse essa si­

tuação de fato e que tem reflexos de alta consideração e efeitos na presta­

ção do mencionado serviço público.

Destaco, outrossim, que a autoridade impetrada, em suas informações,

registra que o ato atacado está obedecendo ao decidido em sentenças judi­

ciais lavradas sobre os mesmos fatos, pelo que, ad cautelalll, não deve ser

modificado, pela via administrativa, o que tais decisões já apreciaram.

O pronunciamento da autoridade impetrada, a respeito do acima

enfocado é o seguinte (fls. 194/195):

"Conforme ficou bem claro no Parecer Conjur-MT n"" 53/1998

acostado aos autos, objeto do presente lllandalllus, o reexame da per­

missão para exploração da linha Mineiros-GO - São Paulo-SP se de­

veu, principalmente em decorrência de reconhecimento, por parte do

então Tribunal Federal de Recursos, que ao julgar o Mandado de Se­

gurança n"" 127.480-RJ, em 08.06.1988, transitado em julgado em

30.09.1988, 'reconheceu o ato administrativo que autorizou o Expresso

São Luiz a prestar serviço público referente à linha Mineiros-GO -

São Paulo-SP, pelo prazo mínimo de seis meses e, em havendo uma

sentença de primeira instância na Justiça Federal (RJ), prolatada no

AMS n"" 9247874, incompatível com aquela de grau superior, na de­

fesa do interesse púplico o Sr. Ministro determinou a insubsistência

do ato de suspensão do anterior ato revogatório, publicado no DOU

de 16.02.1998, bem como, o conseqüente restabelecimento da

exeqüibilidade do despacho deferitório do Sr. Diretor do Departamen­

to de Transportes Rodoviários, publicado no DO de 23.07.1997, até o

trânsito em julgado da matéria sub judice.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 55: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 69

Ora, a Administração Pública Federal Direta, em particular esta

Pasta dos Transportes, sempre cumpriu orientação traçada em pareceres

da então Consultoria Geral da República, hoje Advocacia Geral da

União no sentido de que 'tendo o interessado ingressado na via judi­

cial, ao Executivo compete aguardar o pronunciamento da Justiça e

dar-lhe fiel cumprimento'.

Citados pareceres adquirem caráter normativo, após aprovados

pelo Excelentíssimo Sr. Presidente da República e publicados no Di­

ário Oficial da União, ficando os órgãos e entes da Administração Fe­

deral obrigados a lhes dar fiel cumprimento. Dentre eles destaca-se o

Parecer nU H-40, de 15.07.1964, nU H-422, de 19.10.1966, ambos do

eminente Consultor-Geral da República - Dr. Adroaldo Mesquita da

Costa, aprovados e publicados respectivamente em 29.07.1964 - DO

de 05.08.1964 e 24.10.1966 - DO de 27 seguinte e mais recentemente,

Parecer nUY-I0, de 15.07.1985, da lavra do Dr. Darcy Bessone, tam­

bém Consultor-Geral da República, aprovado em 27.07.1985 e publi­

cado em 30 do mesmo mês e ano.

Verifica-se pois, que esta Pasta dos Transportes nada mais fez do

que corrigir um erro seu conforme lhe autoriza a Súmula n"" 4 73 do

egrégio Supremo Tribunal Federal, restabelecendo uma linha conferi­

da ao Expresso São Luiz por decisão judicial, dando-lhe fiel cumpri­

mento.

Não cabe, pois, razão à impetrante em nenhuma de suas alegações.

Como se não bastassem todos motivos já expostos, a legislação

que rege a concessão de serviços públicos é absolutamente clara. O

atual Regulamento do Transporte Rodoviário Interestadual e Interna­

cional de Passageiros, consubstanciado no Decreto n"" 2.521, de

20.03.1998, DO de 23 seguinte, dispõe em seus arts. 1"" e 2"", in

verbis:

'Art. 1"" Cabe à União explorar, diretamente ou mediante

permissão ou autorização, os serviços rodoviários interestadual e

internacional de transporte coletivo de passageiros.

Art. 2"" A organização, a coordenação, o controle, a delega­

ção e a fiscalização dos serviços de que trata este Decreto cabe­

rá ao Ministério dos Transportes.'

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 56: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

70 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Data venia, é muita pretensão da impetrante querer operar so­

zinha uma linha de ônibus, em uma região onde a demanda exige mui­

to mais que isto, ainda, considerando, que o percurso não é totalmente

igual: a impetrante faz linha São Paulo-SP, Uberlância-MG, Itumbiara­

GO até Goiânia; e a ligação executada pelo Expresso São Luiz, cor­responde São Paulo-SP, Uberlândia-MG, Itumbiara-GO, Jataí-GO e

Mineiros-GO.

Ora, observando o traçado das linhas (doc. 18 dos autos) obser­

va-se que o percurso do Expresso São Luiz é mais longo, serve as ci­

dades de Jataí e Mineiros, o que não ocorre com a impetrante, não se

podendo admitir pois, que um usuário residente em Goiânia, por exem­

plo, necessitando ir a São Paulo, o faça via Jataí, que é muito mais lon­

go, o que levará a optar pelo serviço da ora requerente, constatando­

se pois, que não há prejuízo financeiro como alega.

O que pretende na realidade, a impetrante, é monopolizar um

mercado, na ânsia de obter lucros sempre e cada vez maiores, sem

atentar para o interesse do principal e maior alvo do serviço público:

o usuário, que fica sem o direito de escolher a empresa que melhor lhe

convém, em decorrência do conforto, segurança, modicidade da tarifa

e horários mais flexíveis, contrariando todos os princípios que devem

nortear esse tipo de serviço público, além de, em alguns trechos, a

impetrante não operar.

De fato, o que a impetrante postula, é o afastamento da compe­

tência legal do Poder Executivo (Ministério dos Transportes), de de­

cidir em matéria de sua competência para subverter o princípio cons­

titucional da independência dos Poderes, mediante a substituição do

critério da Administração (que no presente caso fez apenas cumprir

uma decisão judicial) pelo do Juízo, que assumirá, assim e também, a

direção do processo administrativo, com sério risco para o equilíbrio

que deve haver entre os Poderes.

Ora, caso o egrégio STJ conheça o pedido da impetrante que, não

apresentou nenhum estudo de mercado realizado por entidade espe­

cializada, que comprove a sua alegação de prejuízo diário, o eminen­

te julgador estará exacerbando o poder jurisdicional a ele concedido

pela lei, para colocar-se na condição de administrador."

Não se pode deixar sem consideração, com profunda influência na

inexistência do direito líquido e certo da impetrante, dois fatos:

RST}, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 57: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 71

a) o primeiro é o de que o relacionamento jurídico em discussão no

presente mandado de segurança é objeto de apreciação em processo judicial,

envolvendo a litisconsorte passiva e outra pessoa jurídica;

b) o segundo é a circunstância da impetrante requerer a concessão de

mandado de segurança, apenas, para sustar a continuidade da permissão

outorgada à litisconsorte passiva, sem questionar a ausência de licitação para

a exploração da mesma linha.

Em suma, o que pretende a impetrante é afastar a concorrência da

litisconsorte passiva, tornando-se única e exclusiva dona do mercado no tre­

cho em questão.

Acompanho, também, os fundamentos desenvolvidos pelo eminente

Ministro Milton Luiz Pereira, no sentido de que:

"Atualizados os antecedentes da impetração e a solução consti­

tuída pelo Sr. Ministro-Relator, observa-se que os atos tiveram como

ponto central motivador v. acórdão do extinto Tribunal Federal de

Recursos, resumido na seguinte ementa:

'Administrativo. Serviço público. Permissão. Estudo para

criação de linha.

1. Outorgada a permissão, com prazo mínimo fixado, des­

tinada a 'verificar a viabilidade de licitação' de linha de transporte

coletivo de passageiros, a revogação sem demonstração de inte­

resse público subjacente, feriu direito da impetrante.

2. Segurança concedida.' (fl. 58).

Ergue-se que a autorização, inicialmente, foi dada 'em caráter

experimental', assinalando o voto-condutor 'o prazo de seis meses' para

ligação entre as cidades de Mineiros-GO e São Paulo (Capital), de­

corrente de anterior justificação administrativa: 'para efetuar uma pes­

quisa estatística, para verificação de demanda ... ' (fls. 55/56). Acentuou

o julgado na sua parte dispositiva:

'A modalidade das viagens permitidas, tal como se apura

nos autos decorreu de outorga destinada estudar demanda trans­

porte passageiros ligação Mineiros-GO e São Paulo-SP vg fim

verificar viabilidade licitação da mesma. (fl. 75).

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 58: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

72 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

À vista fácil, sublinha-se a precariedade da permissão discriciona­

riamente deferida pela Administração, sob o talante de cláusula tem­

poral - prazo certo -, evidenciada no mencionado aresto:

'De todo o exposto, concluo que, se não demonstrada a exis­

tência de interesse público subjacente justificando a revogação da

permissão com prazo certo, o ato é ilegal.

Assim, concedo a segurança, para assegurar a validade da

permissão pelo prazo de 6 (seis) meses, descontados os dias já

consumidos.' (fl. 75).

Significa dizer que a recordada segurança fundou-se na ilegali­

dade do ato que, abruptamente, então revogou permissão por prazo

certo, notoriamente, sem assegurar à impetrante (Expresso São Luiz

Ltda), o direito de continuar a ligação sob a mesma justificação ini­

cial: 'verificar a viabilidade de licitação'. Esta, sim, via para consoli­

dar o direito à adjudicação dos serviços de transporte coletivo.

Adita-se que, no julgamento dos embargos declaratórios, a tempo­

raneidade não foi desfigurada, limitando-se correspondente acórdão a

esclarecer:

( ... )

'No meu voto, momento algum, disse que o DNER estava

ou está proibido de ampliar o prazo mínimo de permissão ou tê­

la por cumprida, exaurida a finalidade. Dizer que a permissão

fora dada por prazo mínimo de seis meses, significa que, outros­

sim, tanto pode ser extinta findo esse prazo quanto não. Acentuei,

isto sim, que o prazo mínimo de seis meses é que não podia ser

diminuído.' (fls. 79/80).

A bem se ver, a ilegalidade reconhecida teve sede no descumpri­

mento do prazo fixado inicialmente - seis meses -, cujo tempo deve­

ria ser respeitado, conforme lineou o aludido aresto ao conceder a se­

gurança:

' ... Toda permissão é, por sua natureza, precária e se presta à execução de serviços ou de atividades transitórias, ou mesmo per­

manentes. Mas, como lembra Hely Lopes Meirelles (ob. e vol.

RST}, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 59: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 73

cit., pp. 141/ 142), pode ser condicionada e com prazo determi­nado para a sua vigência, modalidade empregada nas permissões

de transporte coletivo e em outras que 'exigem altos investimen­tos para a execução do serviço, tornando-se necessário garantir

ao permissionário um tempo mínimo de operação em condições rentáveis. Se o interesse público exigir a revogação ou a altera­

ção de tais permissões, a Administração poderá fazê-lo, desde que indenize o permissionário dos danos que o descumprimento do

prazo ou das condições da outorga lhe causar'.

Quer dizer, apenas com o deferimento da permissão é que

se constituem os direitos do permissionário. No caso, de efetuar pelo prazo definido - seis meses - o estudo da viabilidade da

criação da linha, no interesse público.

Diógenes Gasparini (ob. e voI. cito nQ. 22) lembra que a

'permissão, quando outorgada com prazo certo, extingue-se ao se

vencer a dilação temporal'. O decurso do prazo põe fim ao des­

frute do privilégio.

E acrescenta:

'Só é possível a revogação se a comandá-la estiver um interesse coletivo.

Assim, se necessária a revogação, impõe-se a indeniza­

ção em decorrência do princípio estabelecido no § 12 do art.

153 da Lei Maior.'

De tal modo, a paralisação do serviço determinada pelo

mesmo Engenheiro-Chefe de 122 DRF, em 21.10.1986 (fl. 20),

que certificou a inexistência da linha, não tem o amparo legal do

art. 112, que lhe pretendeu conferir, pois a impetrante, recebeu permissão da autoridade competente, e com prazo estipulado.' (fls. 73/74).

Nem poderia ser diferente, porque, à falta de licitação pública,

nos limites de específica finalidade (estatística da demanda), vencido

o prazo, ficaria extinta a permissão precária ou discricionariamente, se

prorrogada, continuaria sob o timbre da provisoriedade. A incidência,

pois do julgado, restringiu-se ao ato que fixou o prazo de seis meses,

mas sem nenhum óbice às deliberações administrativas futuras.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 60: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

74 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNALDE]USTIÇA

Enfim, se bem que permitido o transporte, não se constituiu o direito adquirido à exploração continuada da ligação rodoviária em

comento.

Nessa esteira é que a impetrante sustenta a ilegalidade do ato sob

exame.

Procurando a solução, no ponto, demonstrado que, após o prazo de seis meses, o administrador podia entender extinto o prazo, pror­rogá-lo ou não, parece-me não se afeiçoar a ilegalidade, à vista de cri­térios e informações de natureza administrativa, certamente conside­rados pela autoridade indigitada como coatora para restabelecer os efeitos de anterior decisão do Diretor do Departamento de Transpor­tes Rodoviários (fls. 53, 99 e 100), persistindo a cláusula da tempo­raneidade. Nesse interregno, outrossim, desfigurando-se a afronta ao artigo 174, Constituição Federal. As eventuais interrupções ocorridas

não desnaturam as razões postas.

Também aviva-se que o ato combatido, mesmo após a agregação

de mais cento e vinte dias (fl. 115 - in fine), não adjudicou os ques­tionados serviços de transporte coletivo, dependente de licitação pú­blica, limitando-se a formalizar a sua continuação precária 'até o trân­

sito em julgado da matéria sub judice' (fl. 194). Desse modo, à vis­

ta do aresto do extinto Tribunal Federal de Recursos, trazido à colação, ainda que não defina o 'direito adquirido' em favor do Expresso São Luiz Ltda, não assentou a improrrogabilidade da comentada permis­são precária. É certo que não pode perdurar indefinidamente. Donde a explicitação: 'até o trânsito em julgado da matéria sub judice'.

Noutro campo de análise, quanto ao especial aspecto da legali­

dade formal do ato ferretado, divisa-se a presença dos requisitos da competência, motivação, causa, conteúdo e finalidade, não podendo ser

acoimado de ilegal.

Por derradeiro, anota-se que os julgados copiados às fls. 121 a

131 e 127 a 168, com vinculações aos fatos originários (iniciado em 1986), por si, não obstaculizam a motivação e conclusão aqui aduzidas.

Tudo comentado, em que pese ao cipoal dos acontecimentos

factuais e jurídicos, plasma-se que a continuação de permissão precá­ria não vulnerou a legalidade. Deveras, os atos sucessivos apenas preor­

denaram situação administrativa anteriormente definida e considerada no MS n.Q. 117.232-RJ, julgado no extinto Tribunal Federal de Re­

cursos (fls. 58/75).

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 61: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 75

N a vivência dos dissertados motivos, clareado que, embora não constituído o direito adquirido nem adjudicação definitiva à permis­

são decorrente de licitação pública ou decorrente de título judicial,

compreendendo que o ato verberado não tem o estigma da ilegalida­

de, soçobrando a articulação de pretendido direito líquido e certo, ma­

nifestando vênias ao eminente relator, voto denegando a segurança."

Diante de tais circunstâncias jurídicas, não há como se reconhecer di­

reito líquido e certo à impetrante que conduza a impedir a continuidade da

exploração da linha de transportes já identificada pelo Expresso São Luiz

Ltda, até que haja o trânsito em julgado das decisões judiciais que exami­

nam a mesma questão e sem prejuízo da abertura de licitação para igual fim.

Denego a segurança.

É como voto.

VOTO

o SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Sr. Presidente,

em face da intervenção do nobre advogado, esclareço que existe no autos

uma declaração do Departamento de Estradas de Rodagem, no sentido de

que a empresa tem concessão da linha. Não afirmei que era exatamente a

linha em disputa. Disse: linha superposta parcialmente. Isso, data venia,

está nos autos.

FI. 173:

"Em atenção à solicitação dessa empresa, informamos que a Em­

presa Nacional Expresso Ltda, é detentora da exploração das linhas

12.0134.00/Goiânia-GO - São Paulo-SP via Ribeirão Preto-SP,

12.0134.01lGoiânia-GO - São Paulo-SP via Itumbiara, 12.0134.51/

Goiânia-GO - São Paulo-SP carro leito, 12.0134.62/Goiânia-GO -

São Paulo-SP carro executivo, 12.0135.00/Goiânia-GO - São Paulo­

SP via Barretos-SP, 12.0135.01/Goiânia-GO - São Paulo-SP via di­

reta, 12.0135.511Goiânia-GO - São Paulo-SP e 12.0135.61/Goiânia­GO - São Paulo-SP carro executivo." (Ofício nQ. 504, de 19 de maio

de 1998).

Portanto, consta dos autos que ela tem uma linha que se superpõe par­

cialmente à linha em disputa. Tenho croqui à fl. 171 que mostra: "Minas

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 62: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

76 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

para São Paulo tem uma superposição de Jataí até São Paulo; e de Goiânia

- de Itumbiara até São Paulo - ela aí se superpõe". Então, data venia, es­

tou fiando-me nas provas dos autos.

o SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Ministro Aldir Pas­

sarinho Junior, com a devida vênia, essa questão de superposição de linha,

não sei se V. Exa. já apercebeu, de acordo com a nova legislação, ela não

tem nenhuma influência para efeito de conceder legitimidade do interesse

à parte, porque, hoje, a superposição de linha não é mais proibida. Ao con­

trário, o que é proibida é a exclusividade de linha. Ninguém pode mais ter

uma empresa de transporte exclusivamente sobre uma linha exatamente pelo

princípio do livre mercado, do livre comércio, da livre iniciativa, que são

princípios constitucionais, conforme sabe V. Exa. Só o fato de a superpo­

sição parcial ou total de linha, absolutamente, não constitui direito líqui­

do e certo para efeito da concessão do mandado de segurança, dado que a

legislação, hoje, é outra completamente diferente; ao contrário, proíbe a

exclusividade.

O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: O meu entendi­

mento, Ministro Demócrito Reinaldo, é no sentido de que, se existe uma

empresa regularmente constituída disputando um determinado mercado e

uma outra empresa que, mal ou bem - no meu entender, mal - tem uma li­

nha com superposição parcial, a primeira tem legitimidade para impugnar,

via mandado de segurança, o ato administrativo que beneficia a segunda.

Quanto a isso o meu ponto de vista é divergente. Sendo assim, acompanho

o voto do eminente Ministro-Relator Humberto Gomes de Barros.

O SR. MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS: Esse enten­

dimento que V. Exa. estabeleceu foi após a consulta dos autos.

O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Exato.

VOTO

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Sr. Ministro Aldir Passarinho

Junior, qual foi o pedido?

O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: O pedido espe­

cífico, de acordo com os autos, foi o seguinte: (lê)

"Assim, para ajustamento C ... ) emana da coisa julgada."

RST], Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 63: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 77

No caso, entendo que não há coisa julgada, porque a decisão anterior

já se esgotou porque dizia: pode ser por seis meses, ou pode ser renovada.

Doze anos depois, isso está sendo ainda mantido. Quer dizer: o que o ato

ministerial fez foi, na prática, tanto dar efeito suspensivo a uma decisão que

transitou em julgado, antiga, e cujos efeitos já terminaram, e, surpreenden­

temente, ainda, suspender uma segunda decisão da III instância em outro writ

que foi desfavorável ao próprio litisconsorte passivo.

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Então, seria realizada a licita­

ção com participação de todos os interessados, inclusive da ...

O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Se o Ministério

dos Transportes quiser. Entendo que não pode mais dizer que é para veri­

ficação estatística uma linha que foi dada em 1986 nesse sentido, e está até hoje acontecendo.

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Não basta só anular, é preciso

resolver a situação também.

O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Para resolver a

situação, basta o seguinte: se for desfeito esse ato ministerial, evidentemente,

a situação da empresa que faz essa linha por ele autorizada, no meu enten­

der, não poderia mais fazê-la. Portanto, ficaria em situação irregular.

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Sr. Presidente, a questão já está

suficientemente debatida.

Acompanho o voto do Sr. Ministro-Relator, Humberto Gomes de Bar­

ros, concedendo a segurança.

VOTO-VENCIDO

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Sr. Presidente,

denego a segurança por ausência de direito líquido e certo, inclusive por­

que só a circunstância de haver superposição de linha não concede esse di­

reito, pois a parte não demonstrou, através de prova pré-constituída - e isso

é impossível de se fazer na via do mandado de segurança -, que ela mes­

ma, com a superposição de linha, tenha qualquer prejuízo, decesso de ren­

das ou qualquer outra coisa que venha a beneficiá-la. Quer dizer: a deci­

são que se está proferindo, como afirmei numa hipótese idêntica em que foi

Relator o eminente Ministro Hélio Mosimann, com a devida vênia, está sen­

do uma decisão unilateral, porque só visualiza a ilegalidade ou a irregula­

ridade do ato praticado pelo Ministro. Porém, em mandado de segurança,

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 64: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

78 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL

a primeira coisa que se verifica é exatamente se existe direito líquido e cer­

to da parte, porque isso consta da Constituição: (lê)

"Concede-se mandado de segurança para proteger direito líqui­

do e certo."

Assim sendo, qualquer ato que venha a afrontar o direito líquido e cer­

to é que implica na concessão do mandado de segurança. Essa questão da

nulidade do ato praticado pelo Ministro competente poder-se-ia fazer por

meio de ação própria e nunca pela via do mandado de segurança.

Por não vislumbrar liquidez e certeza, denego a segurança, com a de­

vida vênia da maioria.

É como voto.

VOTO-VOGAL

O SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Sr. Presidente, acompanho

o voto do eminente relator, concluindo pela concessão da segurança, data

venia dos votos proferidos em sentido contrário.

MANDADO DE SEGURANÇA NQ 6.166 - DF (Registro n>l 99.0008087-4)

Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros

Impetrante: Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo no

Estado do Pará

Advogado: Marcos José Naho

Impetrados: Ministro de Estado da Fazenda e Ministro de Estado das Mi­

nas e Energia

EMENTA: AdIllinistrativo - Ato discricionário - Controle

jurisdicional - Portaria que obriga a venda de cOIllbustíveis a pre­

ços Illenores que os respectivos custos - IncoIllpetência - Desvio de

finalidade.

RSTJ, Brasilia, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 65: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 79

I - EIll nosso atual estágio, os atos adIllinistrativos deveIll ser

Illotivados e vinculaIll-se aos fins para os quais foraIll praticados (V,

Lei n!!. 4.717/1965, art. 2!!.). Não existeIll, nesta circunstância, atos dis­

cricionários, absolutaIllente iIllunes ao controle jurisdicional. Diz-se

que o adIllinistrador exercita cOIllpetência discricionária, quando a

lei lhe outorga a faculdade de escolher entre diversas opções aque­

la que lhe pareça Illais condizente COIll o interesse público. No exer­cício desta faculdade, o AdIllinistrador é iIllune ao controle judicial.

PodeIll, entretanto, os tribunais apurar se os liIllites foraIll observa­

dos.

II - A Portaria n!!. 324/1998, eIll estabelecendo preços insuficien­

tes à correta reIlluneração dos cOIllerciantes varejistas de cOIllbus­tíveis sediados na AIllazônia, inviabilizou a atividade econôIllica de

tais negociantes, atingindo fiIll diverso daquele previsto na Lei n!!.

8.175/1995.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a segu­rança, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Sr. Mi­

nistro-Relator os Srs. Ministros José Delgado, Eliana Calmon, Paulo

Gallotti, Francisco Falcão, Garcia Vieira e Francisco Peçanha Martins.

Brasília-DF, 13 de outubro de 1999 (data do julgamento).

Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente.

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Relator.

Publicado no DJ de 06.12.1999.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: O Sindica­to do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado do Pará re­

quereu mandado de segurança coletivo contra ato dos Srs. Ministros de Es­

tado da Fazenda e das Minas e Energia. O ato malsinado (Portaria Intermi­

nisterial n!!. 324/1998), ao tempo em que liberou o comércio de gasolina

automotiva e álcool em todo o Brasil, fixou preços máximos para a venda

RST], Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 66: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

80 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

em varejo dos combustíveis nos Estados localizados na Região Amazônica.

Tais preços - diz o impetrante - reduziram as margens de lucros a valores

impraticáveis. Em alguns locais, o limite fix~do pelos ministros é inferior

ao custo do combustível, acrescido do frete. Assim, a venda pelos valores

oficiais resulta em efetivo prejuízo. As situações de venda deficitária foram

demonstradas com gráficos e documentos que ilustram a inicial.

O tabelamento, que era injusto, tornou-se odioso, quando o Governo

(na mesma portaria) liberou a margem de lucros das distribuidoras e os

preços dos fretes. Para agravar, diz o impetrante, a portaria fixou os pre­

ços, sem levar em conta majoração de alíquota ocorrida no ICMS do Es­

tado do Pará.

Em tema de direito, o impetrante afirma que o tratamento pejorativo

de que são vítimas os revendedores amazônicos ofende os princípios cons­

titucionais da igualdade e da livre iniciativa. Sob outro enfoque, a porta­

ria carece de valor jurídico, à míngua de lei formal que lhe dê respaldo.

Nas informações, os Srs. Ministros não contraditam as alegações de

fato. Limitam-se em negar a existência de direito líquido e certo e afirma­

rem-se competentes para controlar preços de combustíveis. Acrescentam que

a fixação de preços, na hipótese, resulta de ato discricionário, cujo mérito

é imune ao controle judicial.

O Ministério Público Federal manifestou-se em parecer emitido pelo

eminente Subprocurador-Geral da República Miguel Guskow. Recomenda

a concessão da ordem.

Registro, por último, que deferi liminarmente a segurança.

Este, o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator):

Peço vênia para me reportar ao excelente parecer lançado nestes autos pelo

eminente Subprocurador-Geral da República Miguel Guskow, nestes termos:

"Como ressaltado nas informações de fls. 63/71, 'o ato de fixar

limites máximos de preços de combustíveis insere-se no poder que tem

o Estado de atuar na ordem econômica, que apesar de fundada na li­

vre iniciativa e na livre concorrência, deve assegurar também os inte­

resses do consumidor quanto aos preços que regulam a concorrência

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 67: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 81

em questão de acordo com cada combustível específico e seus deriva­

dos, além de outros bens e serviços'.

In casu, o Ministério da Fazenda, por expressa disposição legal

- art. 3Q, inciso IH, da Lei n Q 8.178/1995 - é o órgão competente para

fazer essa intervenção no domínio econômico, facultada pela Magna

Carta.

Entretanto, essa intervenção na atividade econômica deve ser rea­

lizada com vistas a disciplinar a economia, observados os princípios

do art. 170 da Constituição Federal de 1988, o que é expressamente

autorizado pelo art. 174, caput, do mesmo texto constitucional.

Assim, em face do art. 174 e do art. 170 da Constituição Federal,

ao Estado incumbe atuar como agente regulador da economia, podendo,

em setores estratégicos, como o é o de petróleo e derivados, estipular

limites e preços que devem ser observados pelas empresas privadas

operadoras no respectivo setor econômico.

Contudo, a atividade reguladora do Estado na área econômica

conhece limites fixados no próprio texto constitucional, mormente quando este prevê uma economia de mercado.

Com efeito, do texto constitucional extrai-se a legitimidade do

Estado para regular a atividade econômica e o condicionamento des­

ta regulamentação aos princípios econômicos basilares elencados no art. 170 da Constituição Federal.

Analisando a hipótese trazida a exame, que se cinge à possibili­

dade de intervenção estatal na atividade econômica e seus respectivos

limites, tenho que as Autoridades Coatoras, através do ato atacado, ul­

trapassaram os condicionamentos constitucionais fixados para o exer­

cício da regulamentação econômica do setor de revenda de combustí­

veis, violando, de conseqüência, o primado da livre iniciativa, sempre

resguardado para uma economia de mercado, reputada como tal a bra­

sileira, além de infringir o princípio da igualdade, porquanto abusivo

e desigual o tabelamento de preços perpetrado, ao ponto de inviabi­

lizar a atividade econômica desenvolvida pelos associados da impe­trante na região interiorana do Estado do Pará, sem assegurar o direito

dos consumidores que se encontram ameaçados de sofrer cortes no

abastecimento regular de combustíveis.

A Portaria n Q 324/1998, ao mesmo tempo em que liberou o pre­

ço dos combustíveis para as refinarias e distribuidoras, manteve-o

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 68: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

82 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

tabelado para os revendedores finais localizados fora da região metro­

politana de Belém-PA (art. 2'\ caput).

O tabelamento de preços configura-se em instrumento idôneo

dado ao Estado para intervir no domínio econômico, ex vi da regra

insculpida no art. 174 da Constituição Federal.

Contudo, in casu, o tabelamento de preços imposto aos reven­

dedores finais de gasolina automotiva e de álcool hidratado para fins

carburantes, inclusive aditivados, localizados no interior do Estado do

Pará, revela-se abusivo, discriminatório e desarrazoado, hábil a ferir

os primados da livre iniciativa e da isonomia, além de ofender o prin­

cípio federativo.

Com efeito, o ato impugnado atinge diretamente o princípio da

livre iniciativa, porquanto, ao liberar os preços para as refinarias e dis­

tribuidoras, e tabelá-los para os revendedores, inviabiliza a atividade

econômica para estes.

Ora, na medida em que o tabelamento de preços alcança os lu­

cros dos revendedores finais ao ponto de ocasionar a quebra dos em­

presários atuantes no setor, tolhe a livre iniciativa assegurada consti­

tucionalmente pelo art. 170, caput, e revela a inconstitucionalidade do

ato impugnado, posto que desarrazoadamente vai além dos limites da

intervenção estatal no domínio econômico autorizados pelo art. 174

do mesmo texto magno.

De fato, in casu, não existe nenhum motivo razoável amparan­

do o ato coator no sentido de legitimar o severo tabelamento de pre­

ços imposto, considerada a ausência de práticas econômicas abusivas

em face do consumidor, perpetradas pelos associados do impetrante.

Desta forma, configurada resta a afronta à livre iniciativa, por­

quanto a Portaria n-" 324/1998 inviabiliza a atividade econômica em­

preendida pelos revendedores finais de combustíveis, ante a ausência

de motivo razoável a determinar o tabelamento de preços.

Nesse passo, observe-se que o ato impugnado, ao ferir o princí­

pio da livre iniciativa, também constitui, por conseguinte, uma séria

ameaça aos consumidores, na medida em que, inviabilizando a ativi­

dade econômica em questão, por via reflexa, atinge o regular abaste­

cimento de combustíveis da região, fato este que não recebe amparo

de legitimação e, muito menos, não deve receber a chancela do Poder

Judiciário.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 69: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 83

De outro feito, o ato atacado afronta os princípios federativos e

da isonomia, conquanto institui um tabelamento de preços de combus­

tíveis em relação a alguns Estados federados, distinguindo-os de ou­

tros membros da Federação, de forma arbitrária e ilegítima.

Conforme é cediço, o princípio isonômico opera em dois planos,

ou seja, frente ao legislador e frente ao intérprete.

In casu, temos um exemplo típico de violação do primado da

igualdade operado no âmbito da competência reguladora conferida às

Autoridades Coatoras, isto é, de violação perpetrada na edição do ato

atacado, visto que inegavelmente distinguiu desarrazoadamente a mes­

ma situação de fato ocorrente em todo o território nacional, impon­

do a alguns Estados-membros uma disciplina de preços inexistentes

para outros.

Sobre esse tema, muito didática é a lição de Alexandre de Mo­

rais, extraída de sua obra Direito Constitucional (311. ed., Ed. Atlas,

São Paulo, 1998, p. 58), in verbis:

'A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a

pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam

ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com crité­

rios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve

aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida conside­

rada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de

proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade per­

seguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias

constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos

diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando

verificada a existência de uma finalidade razoavelmente propor­

cional ao fim visado.'

"Na presente hipótese, a Autoridade Coatora não apresentou jus­

tificativa objetiva e razoável a amparar a edição do ato coator, que li­

berou os preços de revenda dos combustíveis para todos os Estados

brasileiros, mantendo um tabelamento abusivo e injustificável apenas

nos Estados do Acre, Amapá, Roraima, Rondônia, Amazonas e Pará." (fls. 91/96).

RST], Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 70: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

84 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Não me parece, entretanto, necessário penetrar o plano do Direito

Constitucional, para déslindar a controvérsia.

Com efeito, não há discussão em torno de fatos. As informações reco­

nhecem que os postos da Amazônia estão subordinados a controle de pre­

ços, ao contrário de seus semelhantes, localizados fora daquela região. Ad­

mitem, ainda, que os preços impostos aos revendedores não permitem lu­

cros razoáveis, chegando a ser inferiores ao custo da mercadoria.

As informações propõem a denegação da segurança, porque:

a) praticaram os atos impugnados, nos estritos limites da competên­

cia que lhes outorga o Ordenamento Jurídico;

b) os atos malsinados inserem-se na categoria dos discricionários. São,

assim, imunes ao controle jurisdicional.

Ninguém discute a competência dos Srs. Ministros, para regularem os preços dos combustíveis. Observa-se, contudo, que controle dos preços visa

dois interesses, a saber: o interesse do consumidor e a livre iniciativa. O Es­

tado encarrega-se de manter em equilíbrio estas duas vertentes. Não é lícito à Administração, para homenagear um destes interesses, sacrificar o outro.

Tampouco se debate a assertiva de que o controle do comércio de com­

bustíveis insere-se no âmbito da competência discricionária.

Não é necessário, nesta Corte Superior, qualquer esforço doutrinário

para demonstrar a imprecisão da tese que proclama a liberdade absoluta da Administração, na prática de atos discricionários. Todos nós sabemos que,

em nosso atual estágio, os atos administrativos devem ser motivados e vin­culam-se aos fins para os quais foram praticados (V, Lei n Jl 4.717/1965, art.

2!2-). Não existem, nesta circunstância, atos discricionários absolutamente

imunes ao controle jurisdicional. Diz-se que o administrador exercita com­petência discricionária, quando a lei lhe outorga a faculdade de escolher entre diversas opções aquela que lhe pareça mais condizente com o interesse

público. No exercício desta faculdade, o Administrador é imune ao controle judicial. Podem, entretanto, os tribunais apurar se os limites foram obser­

vados.

Na hipótese, as próprias informações reconhecem que o tabelamento

reduziu os lucros dos retalhistas a limites incompatíveis com a atividade

econômica. Admitem mais, que em algumas situações, os preços de reven­

da superam os custos da mercadoria.

Ora, o comércio, como atividade econômica, tem como escopo o lu­

cro. Forçar o comerciante a vender com lucro insuficiente é condená-lo à

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 71: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 85

insolvência; compeli-lo a vender abaixo do valor de custo é proibi-lo de

comerciar.

A Lei n"- 8.175/1995 outorga competência ao Ministro da Fazenda

para baixar normas reguladoras de preços. Como bem assinala o Sr. Minis­

tro da Fazenda,

"O ato de fixar limites máximos de preços de combustíveis in­

sere-se no poder que tem o Estado de atuar na ordem econômica, que apesar de fundada na livre iniciativa e na livre concorrência, deve as­

segurar também os interesses do consumidor quanto aos preços que re­

gula a concorrência em questão de acordo com cada combustível es­

pecífico e seus derivados, além de outros bens e serviços." (fl. 66).

Forçar a venda de mercadorias, mediante preços inferiores aos respec­

tivos custos não é - data venia - assegurar os interesses do consumidor.

Pelo contrário, é impossibilitar-lhe o abastecimento, pela falência dos co­

merciantes que o ministram.

Não tenho dúvida em afirmar que, em fixando preços inferiores aos

custos, os Srs. Ministros impetrados ultrapassaram os limites de suas atri­

buições. Por outro lado, a Portaria n"- 324/1998, quando estabeleceu preços insuficientes à correta remuneração dos comerciantes de combustíveis

sediados na Amazônia, inviabilizou a atividade econômica de tais nego­

ciantes, atingindo fim diverso daquele previsto na Lei n"- 8.175/1995.

Concedo a segurança, para assegurar aos postos revendedores asso­ciados no sindicato impetrante, o regime de preços liberados apregoado na Portaria Interministerial n"- 324/1998. A segurança, entretanto, não impli­

ca em afastar-se a competência da Administração para intervir, em defesa

da livre concorrência e do interesse do consumidor, obviando eventuais exa­geros e deformações.

MANDADO DE SEGURANÇA N.!l 6.258 - DF (Registro n"- 99.0023520-7)

Relator:

Impetrante:

Ministro Franciulli Netto

Pedro Nunes Gouveia

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 72: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

86 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Advogados: Carlos Augusto Jatahy Duque Estrada Júnior e outro

Ministro de Estado da Justiça Impetrado:

EMENTA: Mandado de segurança - Processual Civil - Ato de

Ministro de Estado na condição de presidente de órgão colegiado -

Ilegitimidade passiva ad causam - Incompetência do Superior Tri­

bunal de Justiça - Aplicação da Súmula n!!. 177 deste Sodalício -

Extinção do processo decretada.

Ilegitimidade passiva ad causam de Ministro de Estado acolhi­

da, a fim de julgar o presente mandamus extinto, sem exame do

mérito, em vista de o ato derivar de presidente de órgão colegiado,

não se adequando a hipótese dos autos ao comando inserto no arti­

go 105, inciso I, letra b, da Constituição da República. Incompetên­

cia deste egrégio Tribunal nos moldes da Súmula n!!. 177. Mandado

de segurança extinto. Decisão unânime.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, de­

cide a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,

extinguir o processo, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, na for­

ma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazen­

do parte integrante do presente julgado. Votaram com o Sr. Ministro-Relator

os Srs. Ministros Garcia Vieira, Francisco Peçanha Martins, Milton Luiz

Pereira, José Delgado, Eliana Calmon e Francisco Falcão. Ausentes, ocasi­

onalmente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi e, justificadamente, o Sr. Mi­

nistro Paulo Gallotti, respectivamente. Custas, como de lei.

Brasília-DF, 6 de dezembro de 1999 (data do julgamento).

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente.

Ministro FRANCIULLI NETTO, Relator.

Publicado no DI de 29.05.2000.

RELATÓRIO

o SR. MINISTRO FRANCIULLI NETTO: Cuida-se de mandado de

segurança, com pedido de liminar, impetrado por Pedro Nunes Gouveia

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 73: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 87

contra o Sr. Ministro de Estado da Justiça, com o objetivo de sustar tem­

porariamente os efeitos da Deliberação nQ 4, de 5 de fevereiro de 1999, que

revogou ad referendum do Conselho Nacional de Trânsito - Contran, o

disposto nos artigos 11 e 13 e, também, alterou a redação dada ao artigo

10, todos da Resolução nQ 50/1998.

A inicial, em síntese, sustenta que a autoridade apontada como coatora,

na condição de Presidente do Contran, praticou ato arbitrário e abusivo ao

revogar os dispositivos suso mencionados, violando direito líquido e cer­

to de seu filho menor, consubstanciado no fato de poder conduzir o veícu­

lo ciclomotor Standart Force 50, na forma autorizada pela Resolução nQ 50/

1998. Em seguida, aduz que a autorização deve ser mantida a fim de que

sejam obedecidos os princípios da reserva legal ou direito adquirido.

Indeferida a liminar pela r. decisão de fl. 27, proferida pelo Exmo. Sr.

Ministro Demócrito Reinaldo, foram prestadas as devidas informações (fls.

31/35).

A douta Subprocuradoria Geral da República, pelo r. parecer de fls.

37/39 manifestou-se no sentido da incompetência desta colenda Corte Su­

perior para processar e julgar o presente mandamus e, no mérito, pela de­

negação da segurança.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO FRANCIULLI NETTO (Relator): A competência

deste Sodalício é para processar mandados de segurança contra ato de Mi­

nistro de Estado (artigo 105, inciso I, letra b, da Constituição Federal). In

casu, denota-se que a autoridade apontada como coatora, isto é, o Sr. Mi­

nistro da Justiça, é Presidente do Conselho Nacional de Trânsito - Contran,

órgão colegiado integrante do Sistema Nacional de Trânsito.

Na definição do saudoso e festejado autor Hely Lopes Meirelles são

órgãos colegiados ou pluripessoais "todos aqueles que atuam e decidem pela

manifestação conjunta e majoritária da vontade de seus membros" (cf. Di­

reito Administrativo Brasileiro, 24ll. ed. atualizada, Ed. Malheiros, p. 68).

O ato atacado, tido como violador de direito líquido e certo, foi levado

a efeito pelo Ministro da Justiça, na condição de Presidente do Contran, ad

referendum de seus membros, em vista da autorização expressa no artigo

6Q, inciso IX, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Trânsito.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.

Page 74: Jurisprudência da Primeira Seção...que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais,

88 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Destarte é enfática a Súmula n!l 177 desta Corte Superior ao preco­

nIzar que:

"O Superior Tribunal de Justiça é incompetente para processar e

julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato de órgão

colegiado presidido por Ministro de Estado."

O ato administrativo normativo, levado a efeito pelo Sr. Ministro de

Estado da Justiça na condição de Presidente do Contran, obedeceu aos co­mandos do Regimento Interno do Conselho, razão por que a Deliberação

nil. 4/1999, restringindo a autorização para conduzir ciclomotores aos pe­

nalmente imputáveis, foi levada a efeito ad referendulTl dos demais mem­

bros componentes do órgão colegiado.

Nesse diapasão, é inviável o exame da matéria no âmbito deste egré­gio Tribunal, em face da inexistência de adequação ao preceito constitucio­

nal que atribui a competência para processar e julgar mandados de seguran­

ça contra ato de Ministro de Estado (cf. art. 105, inciso I, letra b, da Cons­tituição da República).

Ex positis, julgo extinto o lTlandalTlus, sem exame do mento, em

face da ilegitimidade passiva de parte, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.

É como voto.

RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.