Juros Extorsivos No Brasil

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    Ladislau Dowbor

    Imperatriz, MA2016

    Como o brasileiro perdeu seu poder de compra

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    Copyright 2016 by Ladislau DowborO contedo deste livro de livre uso, no comercial, respeitada a citao do autor.Download integral e gratuito em PDF no portal dowbor.org

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    Projeto grfico: tica Editoratica Editoratica Editoratica Editoratica Editora

    Coordenao editorial: Adalberto FranklinAdalberto FranklinAdalberto FranklinAdalberto FranklinAdalberto Franklin

    Capa: Fografi deWisson Jordan / CorbisWisson Jordan / CorbisWisson Jordan / CorbisWisson Jordan / CorbisWisson Jordan / Corbis (RF)Impresso e acabamento: tica Editoratica Editoratica Editoratica Editoratica Editora (sistema digital)

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao

    D744j Dowbor, Ladislau.Juros extorsivos no Brasil: como o brasileiro perdeuseu poder de compra / Ladislau Dowbor. Impera-triz, MA: tica, 2016.101 p. ; il.

    ISBN 978-85-88172-82-11. Econoimia Brasil, 2. Brasil Poltica Econ-mica. 3. Juros. 4. Finanas. I. Dowbor, Ladislau. II.Ttulo.

    CDD 330.981

    Depsito Legal na Biblioteca Nacional

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    Outro ponto intrigante da dinmica da economiabrasileira: suas extravagantes taxas de juros.

    Celso Furtado

    Os bancos deveriam voltar a fazer o que faziamquando foram criados: oferecer um localseguro para as poupanas e capital a negciosque pretendem se desenvolver.

    J. C. Polychroniu

    Crdito igual a veneno de cobra: dependendoda dose pode curar ou matar.

    Cartilha Sebrae

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    Agradeo pelos conselhos e aportes de vrias pessoas, o que no me exime das fragi-lidades ou erros no presente texto. Este agradecimento e a ressalva precisam ser qua-

    lificados, pois, no exerccio que nos propusemos, de cruzar dados de vrias reas paraevidenciar ordens de grandeza da deformao do sistema financeiro, mas do ponto de

    vista do impacto para agentes da economia real, tivemos de aproximar dados e classi-ficaes que obedecem a metodologias diferentes, fragilidade conscientemente assu-mida, pois temos de evoluir para a produo de estatsticas financeiras integradas,conforme apontado no texto.

    Marcos Esprito Santo (PUC-SP)Andria Furtado (PUC-SP)Gonzalo Berron (FES)

    Juvandia Moreira (Sindicato dos Bancrios)Lenissa Lenza Lenza (Fora do Eixo)Regina Camargos (Dieese)

    Ctia Uehara (Dieese)Carlos Cordeiro (Contraf)Rafaela Andrade (Sindicato dos Bancrios)Pio Cortizo (Sebrae)

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    Agradeo ainda pelos comentrios de Rubens Ricpero, Bresser Pereira,Mrcio Pochmann, Hazel Henderson, Tnia Bacelar, Amir Khair, OdilonGuedes, Antonio Correia de Lacerda, Fbio Comparato, Leonardo Boff,Ignacy Sachs e outros amigos.

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    SumrioSumrioSumrioSumrioSumrio

    Introduo: resumo executivo, 12Intermediao financeira e produtividade da economia, 20O credirio, 25

    Os juros para pessoa fsica, 30Os juros para pessoa jurdica, 40Os juros sobre a dvida pblica, 44Uma deformao sistmica, 47

    A dimenso jurdica, 55A dimenso internacional, 60

    Resgatando o controle, 67A alavanca de poder: desestabilizao externa e in terna, 79Bibliografia, 89O Autor, 95

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    Afinanceirizao est no centro dos debates econmicos, porque aprofunda a desigualdade esobretudo porque trava o desenvolvimento. Este ltimo aspecto alvo de numerosos estudosinternacionais, e aqui abordamos o mecanismo como se manifesta no Brasil. Basicamente, oscredirios, cartes de crdito e juros bancrios para pessoa fsica travam a demanda, poistipicamente o comprador paga o dobro do valor do produto, endivida-se muito comprando

    pouco, o que esteriliza o impacto de dinamizao da economia pela demanda. Os juros elevadospara pessoa jurdica travam por sua vez o investimento, isto que o empresrio efetivamenteprodutivo j enfrenta a fragilidade da demanda e pode simplesmente aplicar na dvida pblica. Ea taxa Selic elevada, ao provocar a transferncia de centenas de bilhes dos nossos impostospara os bancos e outros aplicadores financeiros, trava a capacidade do Estado expandir polti-cas sociais e infraestruturas. Essa dinmica, no contexto de uma carga tributria que oneradesproporcionalmente o consumo popular, de um sistema de evaso dos impostos atravs depreos de transferncia e parasos fiscais, gera um dreno insustentvel de recursos. Assim te-mos esta estranha situao de um PIB que estagna e de lucros financeiros que se agigantam. Asrecomendaes vo no sentido de uma reforma financeira no sentido amplo, muito alm daspropostas de ajuste fiscal.

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    Introduo: resumo executivo

    Um debate fundamental pede passagem: a esterilizao dos recursos do pas atravs dosistema de intermediao financeira, que drena em volumes impressionantes recursos que de-

    veriam servir ao fomento produtivo e ao desenvolvimento econmico. Os nmeros so bastanteclaros, e conhecidos, e basta junt-los para entender o impacto.

    A conta simples. Segundo o Banco Central, o saldo das operaes de crdito do sistema

    financeiro, incluindo recursos livres e direcionados, atingiu 3.111 bilhes reais, 54,5% doPIB, em julho de 2015. Sobre esse estoque incidem juros, cujo valor mdio no mesmo perodoera de 28,4% ao ano (o equivalente na Europa da ordem de 3-5%). Isto significa que a cargade juros pagos apenas nos bancos representa R$ 880 bilhes, 15,4% do PIB. Uma massa derecursos desse porte transforma a economia. Analisar a sua origem e destino , portanto, fun-damental. (BCB, ECOIMPOM, ago. 2015) Se acrescentarmos os recursos drenados pela

    dvida pblica s custas dos nossos impostos, com a elevada taxa Selic, da ordem de 400 bi-lhes, e os diversos tipos de credirios do sistema comercial, o travamento torna-se insustent-

    vel: a economia se financeirizou de forma generalizada. s custas do consumidor e do produ-tor, foram os intermedirios quem assumiram o modelo econmico realmente existente.

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    bom lembrar que o banco uma atividade meio; a sua produtividade depende dequanto repassa para o ciclo econmico real, no de quanto dele retira sob forma de lucro e

    aplicaes financeiras. Como extrado esse volume de recursos e o que com eles acontece?Em geral, as pesquisas no cruzam os credirios comerciais e os custos do carto de crditocom as diversas atividades bancrias formais e os ganhos sobre a dvida pblica, e muito menosainda com os fluxos de evaso para fora do pas: ou seja, no se estuda o fluxo financeiro inte-grado.

    O exerccio que empreendemos mostra, entre outros, a que ponto carecemos de um siste-

    ma estatstico financeiro adequado para quantificar e analisar os impactos para os diversossetores da economia real, para os diversos agentes econmicos, para os diversos grupos soci-ais, para as diversas regies do pas. Essa situao pesa sobre a presente anlise, pois teremosde trabalhar com ordens de grandeza e aproximaes.

    Aqui simplesmente foram juntadas as peas, conhecidas, para obter um primeiro desenhoda engrenagem completa. Portanto, o fluxo financeiro integrado, na viso dos agentes econ-

    micos que sofrem o seu impacto: o consumidor, o empresrio, o administrador de projetospblicos. O principal entrave ao desenvolvimento do pas aparece com fora. A reforma finan-ceira vital, mais do que o reajuste fiscal proposto, compreensvel este ltimo mais por razesde equilbrios polticos do que por razes econmicas.

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    Alguns exemplos para entender a dinmica, antes de entrar no detalhe. O credirio cobra,por exemplo, 104% para artigos do lar comprados a prazo. Acrescentem-se os 403% (!) do

    rotativo no carto, os mais de 253,2% (!) no cheque especial, e temos neste caso grande parteda capacidade de compra dos novos consumidores drenada para intermedirios financeiros,esterilizando a dinamizao da economia pelo lado da demanda (Valor, 23 set. 2015). O jurobancrio para pessoa fsica, em que pese o crdito consignado, que, na faixa de 25 a 30%,ainda escorchante, mas utilizado em menos de um tero dos crditos, da ordem de 103%segundo a ANEFAC (Associao Nacional dos Executivos de Finanas, Administrao e Con-

    tbeis). Na Frana os custos correspondentes se situam na faixa de 3,5% ao ano.A populao se endivida muito para comprar pouco no volume final. A prestao que cabe

    no bolso pesa no bolso durante muito tempo. O efeito demanda travado. A parte da rendafamiliar que vai para o pagamento das dvidas passou de 19,3% em 2005 para 46,5% em2015: ningum entra em novas compras com esse nvel de endividamento. Os bancos e outrosintermedirios financeiros demoraram pouco para aprender a drenar o aumento da capacidade

    de compra do andar de baixo da economia, esterilizando em grande parte o processo redistri-butivo e a dinmica de crescimento estimulado pela demanda, que permitiu uma fase de fortecrescimento da economia, mesmo frente crise mundial de 2008.

    Efeito semelhante encontrado no lado do investimento, da expanso da mquina produ-

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    tiva, pois se no ciclo de reproduo o grosso do lucro vai para intermedirios financeiros, acapacidade do produtor expandir a produo pequena, acumulando-se os efeitos do trava-

    mento da demanda e da fragilizao da capacidade de reinvestimento. Quanto ao financiamentobancrio, os juros para pessoa jurdica so proibitivos, da ordem de 24% para capital de giro,35% para desconto de duplicatas, e tocar uma empresa nessas condies no vivel. Existemlinhas de crdito oficiais, mas compensam em parte apenas a apropriao dos resultados pelosintermedirios financeiros. Na zona do euro o custo mdio para pessoa jurdica de 2,20% aoano.(ECB, 2015)

    Terceiro item da engrenagem, a taxa Selic. Com um PIB da ordem de 5,5 trilhes, umpor cento do PIB representa 55 bi. Se o gasto com a dvida pblica atinge 5% do PIB, so maisde 250 bilhes dos nossos impostos transferidos essencialmente para os grupos financeiros, acada ano. Em 2015 esse montante deve atingir cerca de R$ 400 bilhes. Com isso se esterilizaparte muito significativa da capacidade do governo financiar infraestruturas e polticas sociais.

    Alm disso, a Selic elevada desestimula o investimento produtivo nas empresas pois mais fcil

    risco zero, liquidez total ganhar com ttulos da dvida pblica. E para os bancos e outrosintermedirios, mais simples ganhar com a dvida do que fomentar a economia buscando bonsprojetos produtivos, o que exige identificar clientes e projetos, analisar e seguir as linhas decrdito, ou seja, fazer a lio de casa, usar as nossas poupanas para fomentar a economia. Os

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    fortes lucros extrados da economia real pela intermediao financeira terminam contaminandoo conjunto dos agentes econmicos.

    A economia funciona com trs motores principais: a demanda das famlias que estimulamais produo, investimentos e empregos; a atividade empresarial, que depende desta deman-da mas tambm de acesso a crdito fcil e barato para financiar a sua expanso; e o investimen-to pblico sob forma de polticas sociais e infraestruturas, que geram um contexto econmicomais dinmico para todos.

    Um quarto motor da economia, o comrcio exterior, joga no Brasil um papel importan-

    te mas complementar, e ser aqui apenas parcialmente abordado. Basta anotar que as commo-ditiesperderam 45% do valor de mercado no caso do minrio de ferro em 2014, perdas tam-bm no caso da soja e do suco de laranja, e que, portanto, o setor externo no alternativa nestafase da economia mundial, alm do fato que com 100 milhes de pessoas a serem promovidasa condies de vida digna, o nosso eixo estratgico de desenvolvimento continua centrado nadinmica interna. Temos o privilgio de ter um amplo horizonte econmico interno a ocupar.

    O nosso foco que quando o sistema de intermediao financeira, em vez de fertilizar efomentar, trava as trs dinmicas principais, a economia paralizada. neste contexto deeconomia parada ou em recesso que constatamos aumentos impressionantes dos lucros dosintermedirios financeiros. A concluso evidente que os intermedirios se transformaram em

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    O PIB cai, o lucro lquido dos bancos cresce radicalmente*

    atravessadores. No h como no relacionar o fato de o Banco Ita, por exemplo, ter visto osseus lucros crescer em 30,2%, o Bradesco em 25,9%, enquanto o PIB estanca.

    Assim entende-se que os lucros declarados dos intermedirios financeiros avancem tantoquando o PIB regride, aprofundando a crise atual:

    * Trata-se da soma do lucro dos bancos Ita, Bradesco, CEF, Banco do Brasil, Santander e HSBC. Os anos de 2011 e2014 no incluem o lucro do HSBC. Os anos de 2012 e 2013 incluem. O aumento do lucro dos bancos, de 18,5%, muito desigual. Por exemplo, entre 2013 e 2014 o lucro lquido do Ita cresceu de 30,2%, do Bradesco 25,90%,do Banco do Brasil 9,6% e da CEF 5,5%.

    Fonte:Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: DIEESE a partir dos balanos disponibilizados pelas instituies financeiras. ElaboraoMarcos Esprito Santo.

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    E fica mais claro porque o PIB estagna enquanto o desemprego relativamente limitado:o pas trabalha, mas os resultados so drenados pelos credirios, pelas cobranas e juros nos

    cartes de crdito, pelas tarifas absurdas pagas para qualquer transferncia ou pagamento on-line, pelos juros bancrios para pessoa fsica, pelos juros para pessoa jurdica e pela alta taxaSelic. A perspectiva de agravamento, na medida em que, em nome da austeridade, se travaainda mais a economia e, em nome do controle da inflao, se eleva a taxa Selic. No somosevidentemente os nicos a enfrentar esses problemas que assolam hoje a economia mundial. a dimenso brasileira da financeirizao mundial que apresentamos aqui. No h isolamentofinanceiro neste mundo globalizado.

    Fechando a ciranda, temos a evaso fiscal. Com a crise mundial surgem os dados dosparasos fiscais, na faixa de 20 trilhes de dlares segundo o The Economist, para um PIBmundial de 73 trilhes. O Brasil participa com um estoque da ordem de 520 bilhes de dlares,cerca de um tero do nosso PIB. Ou seja, estes recursos que deveriam ser reinvestidos nofomento da economia, no s so desviados para a especulao financeira, como escapam emgrande parte dos impostos. J saram, por exemplo, os dados do Ita e do Bradesco no Luxem-

    burgo (ICIJ), bem como os do misinvoicing ou transfer pricing (fraude nas notas fiscais) quenos custa US$ 35 bilhes/ano enviados ilegalmente para o exterior (cerca de 2,5% do PIB quese perdem), segundo pesquisa do Global Financial Integrity, alm dos fluxos canalizados peloHSBC e outros bancos.

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    Junte-se a isso o fato de os nossos impostos serem centrados nos tributos indiretos, comos pobres pagando proporcionalmente mais tributos do que os ricos, bem como a iseno de

    lucros e dividendos, e temos o tamanho do desajuste. De certa forma, temos aqui o espelho emescala brasileira do que Thomas Piketty analisa para os pases desenvolvidos.Procuramos aqui apresentar uma sistematizao do mecanismo, numa linguagem que

    qualquer no economista possa entender. Este ponto importante: grande parte do desajusteestrutural se deve ao fato que as pessoas em geral no entendem os mecanismos financeiros. Ese trata do bolso de todos ns. As contas batem. Os dados so conhecidos, aqui se mostra

    como se articulam.O ideal, naturalmente, seria que os dados estatsticos produzidos pelas diversas institui-es apresentassem, de maneira clara, os fluxos de recursos e os custos e benefcios para osdiversos agentes econmicos e sociais, ou seja, a produtividade comparada dos diversos fluxos.No quadro estatstico realmente existente, h fragilidades. Mas as ordens de grandeza soconvincentes. Considerando que para muitos a anlise econmica profundamente ideologiza-

    da e que a confiabilidade essencial, todos os nmeros aqui apresentados podem ser checadosnos linkscom as fontes primrias, ao longo do texto e na bibliografia.

    O texto que segue, mais do que uma opinio, constitui um relatrio sobre como a engre-nagem foi montada e como pode ser redirecionada. Uma ferramenta que espero seja til para

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    nos direcionarmos, pois precisamos de muito mais gente que se d conta de como funciona onosso principal entrave. No h PIB que possa avanar com tantos recursos desviados.

    A compreenso desta estranha crise, que claramente no para todos, j est entrando namdia, como vemos, por exemplo, nesta nota de Ruth Costas, da BBC: O Ita teve ainda umaumento de seu lucro de 30,2% em 2014 registrando o maior lucro da histria dos bancosbrasileiros de capital aberto segundo a Economtica (R$ 20,6 bilhes). O lucro do Bradescotambm se expandiu bastante: 25,6%. E isso em um momento em que consultorias econmicasestimam um crescimento prximo de zero para o PIB de 2014. Diante desses nmeros, no

    de se estranhar que dos 54 bilionrios brasileiros citados no ltimo levantamento da re-vista Forbes, 13 estejam ligados ao setor bancrio (COSTAS, 2015). Artigos indignados daprpria FIESP s reforam o argumento. Na realidade, muita gente j se d conta de ondeesto nossos principais desequilbrios.

    O nosso desafio, portanto, no s de um ajuste fiscal, e sim de um ajuste fiscal-finan-ceiro mais amplo. Tanto o consumidor como o empresrio-produtor e o Estado, na sua qualida-

    de de provedor de infraestruturas e de polticas sociais, tm tudo a ganhar com isso. Um empre-srio com quem discuti este texto constatou que estava gastando mais com juros do que com afolha de pagamento. Aqui temos at interesses comuns entre empresrios efetivamente produ-tivos, situados na economia real, e os trabalhadores que querem se tornar mais produtivos e

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    ganhar melhor. No mais possvel no vermos o papel dos atravessadores que travam a eco-nomia.

    No se trata aqui de simples crtica. A mquina que desenvolvemos, com milhares deagncias, bons tcnicos na rea financeira, boas infraestruturas informticas e softwarescor-respondentes, redes comerciais sofisticadas, sistemas que conectam online os cidados e asempresas tudo isso permite que tenhamos um sistema de intermediao financeira enxuto,gil e barato mas que precisa ter a sua funo reconvertida, no sentido de servir economia eno dela se servir a ponto de trav-la. O mesmo sistema que hoje nos trava pode se tornar em

    poderosa alavanca de desenvolvimento. No so necessrios aqui grandes investimentos, e simuma reorientao reguladora no sentido determinado no artigo 192 da nossa Constituio so-bre o Sistema Financeiro Nacional: Promover o desenvolvimento equilibrado do Pas e serviraos interesses da coletividade. E lembrando que os bancos, mesmo privados, no trabalhamcom dinheiro prprio, e sim com o nosso, e devem ser autorizados por uma carta patente doBanco Central. E j mais que tempo de o Banco Central assumir a sua funo de regulador

    financeiro e o cidado batalhar por um sistema mais confivel e transparente.

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    Intermediao financeira e produtividade da economia

    Antes de tudo, precisamos fazer as pazes com o que entendemos por intermedirios fi-nanceiros. Trata-se aqui de pessoas ou empresas que ganham no produzindo bens que nosso teis em si como um par de sapatos , mas que ganham negociando os direitos de acessoaos bens. Esses direitos constituem papis, como dinheiro, sinais magnticos no carto, ticketsrefeio ou semelhantes. Os que gerem o acesso aos papis e sinais magnticos tanto podemfacilitar a vida como torn-la muito complicada e sobretudo mais cara. Mas o essencial aqui

    entender que se trata de atividades meio, pois ningum come dinheiro. A intermediao fi-nanceira se justifica pelo impacto que tem sobre outros setores da economia, os que geramriqueza real, os bens e servios com utilidade final.

    Esta distino entre atividades meio e atividades fins ajuda muito. Se eu procuro ummdico, natural que haja uma pessoa que verifique a minha identidade, outra que me faaassinar diversas autorizaes, outra ainda que organiza a papelada no andar de cima e assim

    por diante. Mas quem eu quero ver o mdico. A parte burocrtica rea meio, necessria,mas justificada apenas se facilita a atividade fim, que a que me d acesso ao servio queprocuro. Quando se torna maior do que o necessrio, em vez de facilitar, trava o processo comcustos, demoras, irritaes e perda de produtividade. uma questo de equilbrios.

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    Os intermedirios financeiros so necessrios? Bancos alemes como os sparkassen, quegerem o grosso das poupanas do pas, constituem caixas econmicas municipais. Agregam

    poupanas das famlias e as repassam a quem queira abrir uma pequena empresa ou organizarum servio til para a comunidade. Ou seja, exercem a funo fundamental de oferecer um abrigomais seguro do que o colcho tradicional, rendem um pequeno benefcio ao poupador e enrique-cem a comunidade ao transformar patrimnio financeiro em capital produtivo. Essa riqueza adici-onal criada permite que o banco tenha lucro, ao receber o emprstimo de volta com juros. Masaqui o seu lucro faz parte da riqueza que contribuiu a criar. O lucro apropriado sem gerar a riqueza

    correspondente est apenas se apropriando do fruto do trabalho que outros j criaram.Um intermedirio financeiro pode, portanto, ser muito til, dependendo da qualidade doinvestimento que estimula nas reas fins da economia e de quanto cobra pelos seus servios.Um bom gerente de crdito aquele que sabe identificar oportunidades de fomento, adiantandoo dinheiro parado a quem vai dinamizar a economia com atividades na economia real. Portanto,os bancos e outros intermedirios financeiros so teis quando produzem mais do que custam.

    No nosso caso, como veremos, custam muitas vezes mais do que o que contribuem a produzir.J. C Polychroniu resume o desafio de maneira simples: Os bancos deveriam voltar a fazer o quefaziam quando foram criados: oferecer um local seguro para as poupanas e capital a negciosque pretendem se desenvolver.

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    Um segundo ponto a ser esclarecido, que tem tudo a ver com o primeiro, que investi-mento e aplicao financeira no so a mesma coisa. Para os de lngua inglesa complicado,

    pois em ingls se usa investment para ambas as operaes. O The Economist, na impossibilida-de de qualificar honestamente de investidores os que aplicam apenas em papis, criou umafrmula interessante: speculative investors. Na Frana, muito claro para qualquer estudantede economia a diferena entre investissements e placements financiers, sendo estas ltimasnaturalmente aplicaes financeiras. A confuso grave. O fato de os nossos bancos se referi-rem regularmente a investimentos quando se trata de aplicaes em papis tende a nos confun-

    dir. A confuso gerada, alis, voluntria, pois investir parece mais respeitvel.As aplicaes financeiras podem ser muito lucrativas, mas geram lucros de transferncia,e no por criao de riqueza suplementar. Se eu compro dlares por prever que a moeda vaisubir, e acertei na aposta, poderei revend-los com proveito e comprar mais coisas. A pessoaque os vendeu viu, pelo contrrio, a sua capacidade de compra baixar na mesma proporo: eleagora tem reais, e o dlar est mais caro. No pas no se produziu um par de sapatos a mais,

    no se construiu uma casa a mais, a riqueza acumulada do pas continua idntica por mais quefaamos frenticas transaes financeiras. So ganhos de transferncia, de direitos sobre oproduto que j existe, ou, no caso de processos especulativos, como os mercados de futuros,sobre um produto que ainda sequer for produzido, mas j tem dono.

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    Agora, se eu realizo efetivamente o que pode ser qualificado de investimento, o que tantopode ser a criao de uma fbrica de sapatos como o financiamento de um curso de formao

    tecnolgica para pequena e mdia empresa, estou criando riqueza, aumentando o capital dopas. No caso do investimento, mesmo que eu construa casas que depois tenha de vend-lascom perdas, o pas ganhou casas onde pessoas concretas podero morar. O estoque de riquezado pas aumentou. Se eu invisto o meu patrimnio, estou transformando-o em capital que geramais riqueza. Porm, se eu fao uma aplicao financeira, estou possivelmente aumentando omeu patrimnio, mas no criando capital no sentido produtivo.

    Quem viu Uma Linda Mulher lembrar como o aplicador financeiro, quando perguntadopela prostituta o que ele faz na vida, responde, de maneira direta: Eu fao o mesmo que voc,eu f... com as pessoas por dinheiro (Same as you, I screw people for money). Ele sabe perfei-tamente que no est criando riqueza nenhuma, e sim est se apropriando da que foi criada poroutros. David Ruccio, para o Real World Economics, explicita isto claramente: As finanaspodem ser muito lucrativas, tanto para as instituies bancrias como para estudantes de Har-

    vard, mas a nica coisa que fazem capturar parte do valor criado em outro lugar na economia.Em vez de criar riqueza, os rentistas simplesmente a transferem dos outros para si. Hoje,entre as grandes fortunas, muito poucos so os que criam riqueza, pois tende a ser muito maislucrativo transferir para si a riqueza produzida por outros.

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    No novo mundo econmico que construmos a partir dos anos 1980, o poder dos inter-medirios. Uma vez mais, podem ser teis quando contribuem mais para a economia do que o

    custo de apropriao e de desorganizao que provocam. Mas quando se tornam muito podero-sos e podem, inclusive, dobrar as leis que regulam as suas atividades e gerar as leis que osfavorecem, o seu poder desarticulador sobre quem quer investir, produzir e consumir pode sermuito grande.

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    O credirioO credirioO credirioO credirioO credirio

    A foto abaixo foi tirada numa loja em Joinville (SC). A prestao que cabe no bolso estem letras grandes. Colocam o valor final e os juros bem pequenos: paga-se mais do dobro, jurosde 122%. Esse tipo de credirio permite comprar hoje, mas trava a capacidade de consumo pordois anos. O produtor recebe pouco e pouco poder investir. E o consumidor pode comprarpouco, pelo peso dos juros. a chamada economia do pedgio, que trava o sistema produtivo,tanto do lado do produtor como do consumidor, em proveito do intermedirio.

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    A simulao abaixo, afixada na entrada de uma rede semelhante na Europa, MidiaMarkt,apresenta juros de 13,3% ao ano, o que equivale a 1,05% ao ms. Uma compra de 600 euros

    em 18 meses se materializa em 18 prestaes de 38,85 euros. O total a prazo de 699 euros.

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    E ganham bem com isso, pois apenas precisaram fazer a intermediao, no tiveram que pro-duzir nada. Basta comparar com o exemplo acima no Brasil, com preo vista de 694 e custo

    total a prazo de 1.437 reais, para se dar conta da deformao. No h economia que possafuncionar assim. E jogar a culpa nos impostos funciona apenas porque culpar o governo anossa forma cultural de desviar as culpas de todos. Pode gerar um sentimento agradvel deindignao justificada, mas essencialmente baseado na incompreenso dos mecanismos.

    Essa incompreenso no uma questo de ignorncia, e sim de desinformao construdae que facilita a pilantragem: Joseph Stiglitz recebeu um Nobel de economia por mostrar o

    impacto da assimetria de informao. O recm-chegado ao mercado das grandes lojas apenasvai checar se a prestao cabe no bolso... e assina.Hoje temos os dados gerais sobre essas taxas de juros ao tomador final, para pessoa

    fsica, praticadas no comrcio, pelos chamados credirios.A ANEFAC (Associao Nacional de Executivos de Finanas, Administrao e

    Contabilidade) traz os dados de junho 2014:

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    Comportamento das taxas de juros do credirio por setor

    SetoresVariao

    (%)Variao (%)

    ao msmaio 2014 junho 2014

    Taxa Ms Taxa Ano Taxa Ms Taxa Ano

    Grandes Redes 2,49% 34,33% 2,51% 34,65% 0,80% 0.02

    Mduas Redes 4,80% 75,52% 4,83% 76,13% 0,63% 0.03

    Pequenas Redes 5,41% 88,18% 5,45% 89,04% 0,74% 0.04

    Emp. Turismo 3,74% 55,37% 3,75% 55,55% 0,26% 0.01

    Artigos do Lar 6,14% 104,43% 6,16% 104,89% 0,33% 0.02

    Eletro-Eletronicos 4,60% 71,55% 4,64% 72,33% 0,87% 0.04

    Importados 5,23% 84,34% 5,24% 84,57% 0,19% 0.01

    Veculos 1,80% 23,87% 1,78% 23,58% -1,11% -0.02

    Artigos de Ginstica 6,49% 112,67% 6,52% 113,39% 0,46% 0.03

    Informtica 4,43% 66,69% 4,38% 67,27% 0.69% 0.03

    Celulares 4,04% 60,84% 4,08% 61,59% 0.99% 0.04Decorao 6,30% 108,16% 6,33% 108,87% 0,48% 0.03

    Mdia Geral 4,62% 71,94% 4,64% 72,33% 0,43% 0.02

    Fonte: ANEFAC, Disponvel em:

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    Antes de tudo, uma nota metodolgica: os juros so quase sempre apresentados, no Bra-sil, como taxa ms, como na primeira coluna acima. tecnicamente certo, mas comercial-mente e eticamente errado. uma forma de confundir os tomadores de crdito, pois ningumconsegue calcular mentalmente juros compostos. O que usado mundialmente o juro anualque resulta. O Banco Ita, por exemplo, apresenta no seu site as taxas de juros apenas noformato mensal, pois ao ano apareceriam como so: extorsivos. Na foto mais acima vemos a TVoferecida com taxa de juros de 6,87% ao ms, e aparece em letras midas, por obrigao legal,o juro real ao ano, de 122%, literalmente um assalto.

    A mdia de juros praticadas nos credirios, de 72,33%, significa simplesmente que esse

    tipo de comrcio, em vez de prestar decentemente servios comerciais, pratica essencialmenteatividades financeiras. Aproveita o fato de as pessoas no entenderem de clculo financeiro e dedisporem de pouco dinheiro vista, para as extorquir. Aqui, a empresa que vende Artigos doLar, ao cobrar juros de 104,89% sobre os produtos, trava a demanda, pois ela ficar represa-da por 12 ou 24 meses, enquanto se paga as prestaes. Mas trava igualmente o produtor, querecebe muito pouco pelo produto. o que temos qualificado de economia de pedgio. Ironica-

    mente, as lojas dizem que facilitam. No conjunto do processo, a capacidade de compra doconsumidor dividida por dois, e a capacidade de reinvestimento do produtor estanca. Normal-mente, os mecanismos de mercado, atravs da concorrncia entre diversas lojas e na busca docliente, reduziriam os custos do credirio para nveis decentes, mas como no nosso caso o

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    sistema de distribuio altamente oligopolizado, o efeito cartel mantm os custos em nveisastronmicos.

    Os juros para pessoa fsicaOs juros para pessoa fsicaOs juros para pessoa fsicaOs juros para pessoa fsicaOs juros para pessoa fsicaO consumidor no se limita a comprar pelo credirio, cuja taxa mdia de 72,33% aparece

    reproduzida abaixo na primeira linha. Usa tambm carto de crdito e outras modalidades demecanismos financeiros pouco compreendidas pela imensa maioria dos consumidores.

    Taxas de Juros para Pessoa FisicaLinha de Crdito Variao

    %Variaoao ms

    maio 2014 junho 2014Taxa Ms Taxa Ano

    Juros do comrcio 4,62% 71,94% 4,64% 72,33% 0,43% 0,02

    Carto de crdito 10,52% 232,12% 10,70% 238,67% 1,71% / 0,18

    Cheque especial 8,22% 158,04% 8,28% 159,76% 0,73% / 0,06

    1,80% 23,87% 1,78% 23,58% -1,11% -0,02

    3,41% 49,54% 3,45% 50,23% 1,17% 0,04

    7,29% 132,65% 7,35% 134,22% 0,82% 0,06

    Taxa Mdia 5,58% 100,76% 6,03% 101,90% 0,84% 0,05Fonte: ANEFAC. Disponvel em: , 2014.

    Taxa Ms Taxa Ano

    CDC - Bancos - financiamento automveis

    Emprstimo pessoal - bancos

    Emprstimo pessoal - financeiras

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    Tomando os dados de junho 2014, constatamos que os intermedirios financeiros co-bram tambm 238,67% no carto de crdito, 159,76% no cheque especial, 23,58% na com-

    pra de automveis. Os emprstimos pessoais custam, em mdia, 50,23% nos bancos e 134,22%nas financeiras. Estamos deixando aqui de lado a agiotagem de rua, que ultrapassa os 300%.O cheque especial merece uma notinha especial, na medida em que se trata de taxas de

    juros excepcionalmente altas. uma forma muito prtica de entrar no vermelho e terminasendo muito utilizada por quem tem dificuldades de fechar o ms ou pagar uma conta inadivel,o que leva a que os volumes de uso sejam elevados.

    Em dezembro de 2014, as pessoas jurdicas tinham um estoque de dvida de 13,6 bilhesde reais, pagando um juro de 189,3%, enquanto as pessoas fsicas deviam 25,5 bilhes, comuma taxa de juros de 201%. Como ordem de grandeza, isto representa cerca de 38 bilhes dereais que pagam juros da ordem de 70 bilhes, mais do dobro do Bolsa Famlia. E pesa tantosobre as famlias como sobre pequenas e mdia empresas, e, em particular, sobre famliaspobres (BCB - Depec, 2015).

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    Taxa de Jurosdo ChequeEspecial PF

    Janeiro / 2008 9.600 16.333 14.208,32 24.173,38 145,53Janeiro / 2009 11.600 20,027 16.221,21 28.005,36 172,01

    Janeiro / 2010 12.309 19.044 16.456,90 25.461,47 161,05

    Janeiro / 2011 13,634 20,296 17.197,72 25.601,06 172,57

    Janeiro / 2012 14.583 23,071 17.317,95 27.397,83 171,7 169,76

    Janeiro / 2013 14,403 23,420 16.112,58 26.199,86 146,34 138,15

    Janeiro / 2014 15.397 24,909 16,293,96 26.360,09 150,93 154,11

    Dezembro / 2014 13.644 24.504 13.644,00 24.504,00 189,34 200,99

    Taxa de Jurosdo ChequeEspecial PJ

    Saldo ChequeEspecial PFDeflacionado

    Saldo ChequeEspecial PJ

    Deflacionado

    SaldoCheque

    Especial PF

    SaldoCheque

    Especial PJ

    As variaes so grandes, com dados sobre taxas de juros por instituio financeiraapresentados pelo BCB para junho de 2015, variando entre 195,34 no Ita, 247,64 noBradesco e 326,21 no Santander. importante notar que no um mercado onde o cliente

    tem realmente escolha. As pessoas tendem a manter as contas onde recebem os seus salrios,e tendem a aceitar as condies oferecidas, alm de serem, em geral, pouco informadas. Emtodo caso, no um mercado fluido, e de toda forma as taxas nos diversos bancos so todasescandalosas, ainda que umas mais que as outras. Os dados por instituio podem ser consultados

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    em .

    Note-se que a Abecs (Associao Brasileira das Empresas de Cartes de Crdito eServios) considera que o juro mdio sobre o carto de 280%, portanto, bem acima da avaliaoda Anefac. A Abecs considera que 50,1% do crdito para consumo feito no carto, 23,5% nocrdito consignado, 13,1% no credirio de veculos, e 13,3% outros. Trata-se, no caso doscartes, de cerca de 170 bilhes de reais.

    Para termos um ponto de referncia sobre o que significam em esses bilhes que saem do

    circuito produtivo e entram no circuito dos intermedirios, lembremos que o Brasil tem um PIBda ordem de 5,5 trilhes de reais em 2014. Ou seja, cada vez que se retira 55 bilhes daeconomia real, 1% do PIB que deixa de fomentar a economia e que poderia ser transformadoem investimentos ou consumo adicional.

    importante lembrar que, mesmo sem entrar no crdito do carto, portanto, pagando vista, numa compra com carto na modalidade crdito, tipicamente uma loja tem de pagar

    cerca de 5% do valor das compras ao banco, alm do aluguel da mquina. Esses 5% podem sermenos para grandes lojas com capacidade de negociao com o sistema financeiro, mas de todaforma trata-se de um gigantesco imposto privado sobre a metade do crdito de consumo,reduzindo drasticamente a capacidade de compra do consumidor. Mesmo na modalidade

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    dbito, os bancos cobram cerca de 2%. Poderamos considerar que os 5% cobrados namodalidade crdito da compra vista, e 2% na modalidade dbito, correspondem aos custos degesto dos cartes. Para termos uma referncia, nos Estados Unidos o custo por transaopara as operadoras de carto da ordem de 4 centavos de dlar, cerca de 12 centavos de real,quando numa compra vista de 100 reais na modalidade crdito cobram 5 reais, que sairdo bolso do cliente. (BROWN, p.14)

    Considerando que se trata de centenas de bilhes em compras com carto, devidamentecontabilizados periodicamente pela Abecs, podemos imaginar o volume de recursos apropriados

    sobre esse montante, pedgio que tira recursos da economia real para o sistema de intermediaofinanceira. (Confira em )A Abecs considera que essa carteira est sendo responsvel por fomentar o crdito ao

    consumidor no pas. uma forma positiva de apresentar o problema, mas se fomenta o crdito,no o consumo. No caso da frequente entrada no crdito rotativo, as pessoas pagaro trs ouquatro vezes o valor do produto. Miguel de Oliveira, diretor da Anefac, resume bem a situao:

    A pessoa que no consegue pagar a fatura e precisa parcelar, ou entrar no rotativo, na verdadeest financiando a dvida do carto de crdito com outro tipo de crdito. O problema que essadvida no tem fim. As pessoas acabam no se dando conta dos juros que tero que pagar.(DCI,B1, 20 ago. 2014)

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    Como as pessoas tm dificuldades em imaginar que o sistema tenha sido to grosseiramentedeformado, apresentamos abaixo a tabela original de juros cobrados pelo Banco Santander. OCusto Efetivo Total do crdito rotativo no Santander, por exemplo, informado em tabelaenviada aos clientes, de 633,21%.

    Para os parcelamentos (Parcelamento da Fatura e Total Parcelado) o clculo realizado com base no plano com

    menor quantidade de parcelas e no valor do limite total disponvel para a respectiva operao, informados nestafatura.Para o Saque Vista, se disponvel, o clculo realizado com base no valor do limite total disponvel,informado nesta fatura.Para o Crdito Rotativo (Pagamento Parcial) o clculo realizado com base na diferenaentre o valor total desta fatura e o valor do Pagamento Mnimo, informados nesta fatura.Fonte: mailing do Banco Santander para clientes, Brasil, abril 2015

    Crdito Rotativo 16,99 557,33 0,38 0,1230 633,21

    Compras Parceladas c/ juros 1,90 25,34 0,38 0,1230 30,07

    Saque Vista 19,99 790,71 0,38 0,1230 997,96

    Parcelamento da Fatura 9,29 190,37 0,38 0,1230 3,50 324,80

    SuperCrdito

    Total Parcelado 6,50 112,90 0,38 0,1230 4,50 171,85

    Custo EfetivoTotal aoAno (%)

    TarifaR$

    Seguro Pres-tamista (%)

    (se contratado)

    I O FAdicional

    Taxa deJuros (%)

    ao ano

    Taxa deJuros (%)ao ms

    Operao de Crdito

    Tabela de juros enviada aos clientes do Santander, janeiro 2015

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    Obviamente, com essas taxas de juros, a pessoa, ao fazer uma compra a crdito, gastamais com os juros do que com o prprio valor do produto adquirido. Costuma-se apresentarapenas a taxa de endividamento das famlias, o que no informao suficiente, pois aqui asfamlias no s se endividam muito como se endividam muito comprando pouco. A conta evidente: em termos prticos, pagam quase o dobro, s vezes mais. Dito de outra forma, comprama metade do que o dinheiro delas poderia comprar, se fosse vista. Isto porque a compra vista

    j inclui os lucros de intermediao comercial.No crdito imobilirio as taxas so mais baixas, mas envolvem endividamento por dcadas,

    com impacto forte nesta poca em que muitas famlias esto evoluindo para a casa prpria. lucro estvel para os bancos, e com muita segurana, pois esto garantidos pelo valor do imvel.Ainda assim, os juros so absurdamente elevados, quando comparados com o juro mdioimobilirio na Unio Europeia: 2,18% na Europa, sendo por exemplo de 1,86% na Alemanhae 2,17% na Frana, contra cerca de 12% no Brasil, 5 vezes mais elevados. No Canad, a taxacorrespondente de juros de 2,27%. Tratando-se de montantes elevados, e de longo prazo, o

    impacto sobre a capacidade de consumo das famlias muito forte. (BCE). Veja a seguir algunsexemplos de taxa de juros para crdito imobilirio para pessoa fsica, no Brasil, em julho de2015:

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    Posio Instituio % a.m. % a.a.

    1 APEX POUPEX 0,86 10,822 CAIXA ECONMICA 0,91 11,48

    3 SANTANDER S.A. 0,97 12,24

    4 BANCO DO BRASIL S.A. 0,97 12,33

    Taxas de juros por Instituio Financeira, julho 2015 . Fonte: BCB. Disponvelem: .Modalidade: Pessoa Fsica Financiamento Imobilirio com Taxas Reguladas.

    Tipo de Encargo: Pr-Fixado.

    Se considerarmos as diversas formas de crdito e taxas de juros a que a populao estsubmetida, no h como no ver a razo principal do estancamento. A evoluo do nvel deendividamento das famlias pode ser visto na tabela abaixo: a parte da renda que as famlias tmde dedicar ao pagamento das dvidas passa de 19,3% em 2005 para 46,5% em maro de

    2015. No h como as famlias comprarem mais com este grau de endividamento. Note-se emparticular que as famlias mais ricas compram mais vista, e portanto a paralizao da capacidadede compra recai particularmente sobre as classes recm includas no mercado.

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    No o imposto que o vilo, ainda que o peso dominante dos impostos indiretos s piorea situao conforme veremos adiante: o desvio da capacidade de compra para o pagamento de

    juros. As famlias esto gastando muito mais, resultado do nvel elevado de emprego e da elevao

    do poder aquisitivo da base da sociedade, mas os juros esterilizam a capacidade de dinamizaoda economia pela demanda que estes gastos poderiam representar. Um dos principais vetoresde dinamizao da economia se v travado. Gerou-se uma economia de atravessadoresfinanceiros. Prejudicam-se as famlias que precisam dos bens e servios, e indiretamente asempresas efetivamente produtoras que vm os seus estoques parados. Perde-se boa parte doimpacto de dinamizao econmica das polticas redistributivas.

    O crdito consignado ajuda, mas atinge apenas 23,5% do crdito para consumo (DCI,2014), e tambm se situa na faixa de 25 a 30% de juros, o que aparece como baixo apenas pelonvel exorbitante que atingem as outras formas de crdito. Mais uma vez interessante compararo custo do crdito consignado com a taxa de juros cobrados na Frana, no caso de o consumidor

    MAR-05 SET-05 MAR-06 SET-06 MAR-07 SET-07 MAR-08 SET-08 MAR-09 SET-09 MAR-1019,3% 21,9% 22,9% 24,3% 25,7% 28,% 30,6% 32,5% 33,2% 34,7% 36,6%

    SET-10 MAR-11 SET-11 MAR-12 SET-12 MAR-13 SET-13 MAR-14 SET-14 MAR-1538,8% 40,6% 41,8% 42,5% 43,6% 44,6% 45,5% 45,5% 46,1% 46,5%

    Endividamento das famlias com o Sistema Financeiro Nacional acumulado dos ltimos doze meses

    Fonte: BCB Depec. - Disponvel em: . Acesso em: 3 jun. 2015.

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    optar por fazer um emprstimo no banco para pagar vista na loja: 3,50% ao ano, cerca de 8vezes menos do que o nosso crdito consignado.

    No caso da foto abaixo, de oferta da Banque Postale, a pessoa pode pegar um crditopagvel at 5 anos, entre 7 e 20 mil euros, com garantia de a taxa ser fixa, podendo utiliz-lopara comprar veculo, realizar obras ou investir em um projeto. Aqui o crdito estimula, tanto

    Anncio no metr em Paris, da Banque Postale, em julho de 2015.

    O anuncio completo inclui simulao.

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    pelo consumo como pelo empreendedorismo, em vez de trav-los. Crdito semelhanteencontramos na Polnia, com taxa de 5% ao ano, havendo ainda a vantagem, nesse pas, de sepoder recorrer a bancos cooperativos que financiam diretamente projetos locais.

    Note-se que no caso do Brasil encontramos cifras que variam sejam do Banco Central, daAnefac ou de pesquisas de diversas instituies financeiras, o que compreensvel pelas diferenasde metodologia. Mas o que nos interessa aqui o impacto final para o consumidor e a demanda,e no conjunto as cifras so rigorosamente coerentes em termos de apresentarem nveis de taxasde juros que simplesmente inviabilizam um crescimento dinmico da economia. Sobre que volumede recursos se aplicam esses juros: lembremos que o saldo de operaes de crdito do sistema

    financeiro nacional de 3.111 bilhes em 2015, dos quais praticamente a metade, 1.469bilhes, com pessoas fsicas. No h como o consumo familiar sobreviver com os juros que

    vimos aplicados a um montante to elevado. importante lembrar que quando se trata de um oligoplio, no existe nenhuma

    racionalidade tcnica (do tipo equilbrio entre oferta e demanda de crdito, ou entre custo decaptao e custo ao tomador final), e predomina simplesmente a busca do lucro mximo dentro

    dos limites do politicamente tolervel. E como uma grande massa de novos consumidores noconsegue ter pontos de referncia do que tolervel ainda mais quando se apresenta jurosao ms , a usura atinge nveis absurdos. E o conhecimento de como funcionam os juros noresto do mundo extremamente limitado.

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    Os juros para pessoa jurdicaOs juros para pessoa jurdicaOs juros para pessoa jurdicaOs juros para pessoa jurdicaOs juros para pessoa jurdica

    As taxas de juros para pessoa jurdica no ficam atrs. As carteiras de crdito para pessoa

    jurdica representaram em julho de 2015 R$1.642 bilhes, um pouco mais da metade do totalde operaes de crdito do sistema financeiro levantado pelo Banco Central. O estudo da Anefacapresenta uma taxa praticada mdia de 50,06% ao ano, sendo 24,16% para capital de giro,34,80% para desconto de duplicatas, e 100,76% para conta garantida. O Banco Centralapresenta os volumes para os diversos produtos, tanto em recursos livres como recursosdirecionados, mas sem as taxas de juros correspondentes, o que permitiria saber quanto dreno

    financeiro gerado pelos diversos produtos. A taxa mdia apresentada pela ANEFAC superestimada justamente por ser constituir uma mdia simples. Aqui seria essencial termospesquisas por produto financeiro, com o volume de crdito e taxa correspondente, e o consequenteaumento de custos para as empresas, alm de pesquisas sistemticas do grau de endividamento.

    De toda forma, e em que pesem os esforos muito importantes do BNDES, ningum ems conscincia consegue desenvolver atividades produtivas, criar uma empresa, enfrentar o tempo

    de entrada no mercado e de equilbrio de contas pagando este tipo de juros. Aqui, o investimentoprivado que diretamente atingido.

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    Capital de Giro 1,84% 24,46% 1,82% 24,16% -1.09% -0,02

    Desconto de Duplicatas 2,48% 34,17% 2,52% 34,80% 1,61% 0,04

    Conta garantida 5,92% 99,40% 5,98% 100,76% 1,01% 0,06

    Taxa mdiaa 3,4% 49,64% 3,44% 50,06% 0,88% 0,03

    Var. PontosPercentuais

    ao ms

    Variaao%Taxa

    Ano

    Maio de 3014Linha de Crdito

    Taxa de Juros para Pessoa Juridica

    TaxaMs

    TaxaAno

    Junho de 3014

    TaxaMs

    Fonte: ANEFAC. Disponvel em: . 2014

    A atividade bancria pode ser perfeitamente til, ao financiar iniciativas econmicas quedaro retorno. Mas isso implica o banco utilizar o dinheiro dos depsitos (alm naturalmenteda alavancagem) para fomentar iniciativas empresariais, cujo resultado dar legtimo lucro aoinvestidor, permitindo tambm restituir o emprstimo. A atividade bsica de um banco, queseria de reunir poupanas de depositantes para transform-las em financiamento de atividadeseconmicas, saiu do horizonte de interesse desses bancos. A economia, travada do lado da

    demanda com o tipo de crdito ao consumo visto acima, tanto nos bancos como nos credirios,v-se portanto igualmente travada do lado do financiamento ao produtor. Prejudica-se assimtanto a demanda como o investimento, os dois motores da economia (alm dos investimentosdo Estado que veremos adiante).

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    Um artigo de C.J. Polychroniou resume esta deformao profunda das funes do banco:O capitalismo financeiros economicamente improdutivo (no cria riqueza de verdade), soci-almente parasitrio (vive das receitas produzidas por outros setores da economia) e politica-mente antidemocrtico (restringe a distribuio da riqueza, cria desigualdades imensas e lutapor privilgios). O lucro mais elevado dos intermedirios financeiros no significa que a eco-nomia vai bem, e sim que intermedirios no-produtivos esto se apropriando de uma partemaior do produto. A prpria Federao do Comrcio resume bem o dilema do ponto de vista doempresariado: H quase consenso quanto necessidade de estimular investimentos no Brasil:ao reduzir os gastos com juros, as empresas passam a ter importante espao para alavancarseus investimentos e as famlias, com alvio nessa despesa, certamente estimularo o consumo,criando-se assim uma coerncia macroeconmica positiva (FECOMERCIO-SP). Um tom se-melhante pode ser encontrado na FIESP: Benjamin Steinbruch comenta que alm da confian-a, o consumidor precisa de crdito, mas com juros civilizados, e no com o absurdo custoatual, que passa de 300% ao ano (Valor, 25 ago. 2015).

    As regras do jogo aqui se deformam profundamente. As grandes corporaes transnacio-nais passam a ter vantagens comparadas impressionantes ao poder se financiar do exterior comtaxas de juros tipicamente 4 ou 5 vezes menores do que os seus concorrentes nacionais. Muitasempresas nacionais podem encontrar financiamentos com taxas que poderiam ser consideradas

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    normais, por exemplo pelo BNDES e outros bancos oficiais, mas sem a capilaridade que permi-ta irrigar a imensa massa de pequenas e mdias empresas dispersas no pas. Aqui tambmpodemos ter uma ideia do volume de recursos retirados da economia real. Os juros acima seaplicam sobre operaes de crdito para pessoa jurdica que atingem R$ 1.642 bilhes em2015, quase 30% do PIB (BCB, ECOIMPOM).

    Particularmente fragilizadas so as micro e pequenas empresas que no Brasil represen-tam a esmagadora maioria de atividades econmicas e emprego: o SIMPI (Sindicato da Microe Pequena Indstria) mostra, por exemplo, na pesquisa sobre quanto o pagamento dessesemprstimos representa no faturamento da sua empresa, que o item emprstimos para rene-gociar ou pagar dvidas representava, em dezembro de 2013, 4% do faturamento, enquantochegava a 17% em agosto de 2015. Todos os itens aumentam nesse perodo, e ainda que notenhamos dados integrados sobre o nvel de endividamento da pequena e mdia empresa, otravamento gerado nas PMEs pelos altos juros bastante claro e precisa ser pesquisado eamplamente divulgado (SIMPI, p. 51). O Sebrae, por exemplo, simplesmente no dispe dosdados correspondentes.

    No demais lembrar que na Alemanha 60% das poupanas so administradas por pe-quenas caixas de poupana locais, sparrkassen, que irrigam generosamente as pequenas inici-ativas econmicas locais, enquanto o gigante DeutscheBank vetor de instabilidade. A Polnia,

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    quem segundo o The Economist melhor enfrentou a crise na Europa, tem 470 bancos coopera-tivos, que financiam atividades da economia real. Um dos principais economistas do pas, J.Balcerek, comenta ironicamente que o nosso atraso bancrio nos salvou da crise.

    Os juros sobre a dvida pblicaOs juros sobre a dvida pblicaOs juros sobre a dvida pblicaOs juros sobre a dvida pblicaOs juros sobre a dvida pblica

    Vimos acima como o dreno dos recursos dos consumidores trava a demanda, e o drenodos recursos dos empresrios da economia real trava o investimento e a prpria produo. Umaterceira deformao resulta do imenso dreno sobre recursos pblicos atravs da dvida pblica.Se arredondarmos o nosso PIB para 5,5 trilhes de reais, 1% do PIB so 55 bilhes. Quandogastamos 5% do PIB para pagar os juros da dvida pblica, significa que estamos transferindo,essencialmente para os bancos donos da dvida, e por sua vez a um pequeno grupo de afortuna-dos, mais de 250 bilhes de reais ao ano, que deveriam financiar investimentos pblicos, pol-ticas sociais e semelhantes. Para a sociedade, trata-se aqui de uma esterilizao da poupana.Para os bancos, muito cmodo, pois em vez de buscar identificar bons empresrios e fomen-tar investimentos, tendo de avaliar os projetos, enfim, fazer a lio de casa, aplicam em ttulospblicos, com rentabilidade elevada, liquidez total, segurana absoluta, dinheiro em caixa, porassim dizer, e rendendo muito.

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    Ano Res. Primrio Juros Res. Nominal Selic

    2002 3,2 -7,7 -4,5 19,2

    2003 3,3 -8,5 -5,2 23,52004 3,7 -6,6 -2,9 16,42005 3,8 -7,4 -3,6 19,12006 3,2 -6,8 -3,6 15,32007 3,3 -6,1 -2,8 12,02008 3,4 -5,5 -2,0 12,52009 2,0 -5,3 -3,3 10,12010 2,7 -5,2 -2,5 9,9

    2011 3,1 -5,7 -2,6 11,82012 2,4 -4,9 -2,5 8,62013 1,9 -5,1 -3,3 8,3

    2014 (prev.) 1,5 -6,0 -4,5 11,0

    Resultado Fiscal do Setor P blicoResultado Fiscal do Setor P blicoResultado Fiscal do Setor P blicoResultado Fiscal do Setor P blicoResultado Fiscal do Setor P blico (% do PIB)

    Fonte: BANCO CENTRAL do Brasil; 2014. Previso de Amir Khair.

    Comenta Amir Khair: Neste ano [2015] com taxa de juros mdia maior que em 2014,incidindo sobre uma dvida mais elevada pode causar uma despesa prxima de 7% do PIB e,com resultado primrio de 1,2% do PIB, que a meta traada pela nova equipe, o dficit fiscalseria de 6% do PIB, ou seja, mais endividamento e mais despesas com juros, em verdadeirociclo vicioso.

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    O efeito aqui duplamente pernicioso: por uma lado, porque, com a rentabilidade assegu-rada com simples aplicao na dvida pblica, os bancos deixam de buscar o fomento da econo-mia. Fazem aplicaes financeiras em papis do governo, em vez de irrigar as atividades econ-

    micas com emprstimos. Por outro, muitas empresas produtivas, em vez de fazer maisinvestimentos, aplicam tambm os seus excedentes em ttulos do governo. A mquina econmi-ca torna-se, assim, refm de um sistema que rende para os que aplicam, mas no para os queinvestem na economia real. E para o governo, at cmodo, pois mais fcil se endividar doque fazer a reforma tributria to necessria. Com uma dvida pblica total da ordem de 2,3trilhes, os recursos que deveriam servir para dinamizar a economia atravs da expanso daspolticas sociais e das infraestruturas so desviados para o servio da dvida: e com a taxa Selicelevadssima, o Estado no consegue pagar a totalidade de juros anuais, o que aumenta o esto-que da dvida e aumenta a sangria.

    Podemos falar num tipo de tringulo das bermudas: juros sobre o consumo, juros sobre oinvestimento e juros sobre a dvida pblica convergem para travar a demanda, a produo e aspolticas pblicas. No h economia que possa funcionar assim.

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    Uma deformao sistmicaUma deformao sistmicaUma deformao sistmicaUma deformao sistmicaUma deformao sistmica

    O volume de crdito tem aumentado muito. Segundo relatrio do BCB, o saldo total decredito do sistema financeiro alcanou R$ 2.715 bilhes em dezembro, e expandiu 14,7% noano, comparativamente a 16,4% em 2012, e 18,8% em 2011 (BCB-REBC 2013, p. 5). Em

    julho de 2015, conforme vimos, atingia R$ 3.111, com pessoas e empresas se endividandomais, apesar das taxas de juros exorbitantes.

    Total 2.034,00 2.368,30 2.715,40 16,4 14,7

    Pessoas Jurdicas 1.112,90 1.292,50 1.464,20 16,1 13,3

    Recursos Livres 603,80 706,50 763,20 17,0 8,0

    Recursos Direciobnados 509,10 586,00 700,90 15,1 19,6

    Pessoas Fsicas 921,10 1.075,80 1.251,20 16,8 16,3Recursos Livres 628,40 692,60 745,20 10,2 7,6

    Recursos Direciobnados 292,70 383,20 506,00 30,9 32,0

    Variao (%)2013Discriminao

    Tabela 1 Evolu o de Cr ditoTabela 1 Evolu o de Cr ditoTabela 1 Evolu o de Cr ditoTabela 1 Evolu o de Cr ditoTabela 1 Evolu o de Cr dito

    2012201120132012

    R$ bilhes

    Fonte: Banco Central do Brasil

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    Participao %

    Total do PIB 19,1 53,9 56,0Pessoas Jurdicas / PIB 26,9 29,4 30,2

    Pessoas Fsicas / PIB 22,2 24,5 25,8

    Recursos Livres / PIB 29,7 31,8 31,1

    Recursos Direcionados / PIB 19,4 22,1 24,9

    201320122011Discriminao

    Fonte: BANCP CENTRAL do Brasil

    Essas taxas muito elevadas de expanso frente a uma economia com pouco crescimentosignifica que h uma deformao profunda no sistema financeiro em geral, pois no estimulanem a demanda nem o investimento. A explicao dessa diferena entre uma expanso saudvelde iniciativas econmicas aproveitando o crdito um crdito que estanca a economia , que as pessoas se endividam muito comprando ou investindo pouco, inclusive frequentementetomando dvida sobre dvida. o intermedirio financeiro quem aproveita e esteriliza os esforos.

    Segundo o Banco Central, em julho de 2015 o saldo das operaes de crdito do sistemafinanceiro atingiu 3.111 bilhes de reais, 54,5% do PIB. Sobre esse estoque incidem juros,apropriados por intermedirios financeiros, cujo valor mdio no mesmo perodo era de 28,4%

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    ao ano. Isto significa que a carga de juros pagos aos intermedirios financeiros representa R$880 bilhes, 15,4% do PIB. Esta parte extrada da economia real e que alimenta a intermediaofinanceira o que nos interessa aqui. Uma massa de recursos desse porte transforma a economia

    (BCB, ECOIMPOM, 2015).As comparaes com dinmicas internacionais so impressionantes, conforme vimos para

    vrios produtos financeiros acima, e na comparao que o IPEA apresentou ainda em 2009: ataxa real de juros para pessoa fsica (descontada a inflao) cobrada pelo HSBC no Brasil de63,42%, quando de 6,60% no mesmo banco para a mesma linha de crdito no Reino Unido.Para o Santander, as cifras correspondentes so 55,74% e 10,81%. Para o Citibank so 55,74%e 7,28%. O Ita cobra slidos 63,5%. Para pessoa jurdica, rea vital porque se trataria defomento a atividades produtivas, a situao igualmente absurda. Para pessoa jurdica, o HSBC,por exemplo, cobra 40,36% no Brasil e 7,86 no Reino Unido (IPEA, 2009).

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    Instituio Pas Juro real(em%)

    HSBCReino Unido 6,60

    Brasil 63,42

    SantanderEspanha 10,81

    Brasil 55,74

    CitibankEUA 7,28

    Brasil 60,84

    Banco do Brasil Brasil 25,05Ita Brasil 63,25

    Tabela 2: Taxa anual real de juros total*(Sobre empr stimos pessoais em institui es banc rias em pa ses

    selecionados na primeira semana de abril de 2009)

    Fonte: Dados fornecidos pelas instituies bancrias para os juros e OCDE e BCB parainflao nos selecionados e no Brasil.*Juros adicionados aos servios administrativos, riscos de inadimplncia, margem de lucroe tributao.

    Comenta o estudo do Ipea: Para emprstimos pessoa fsica, o diferencial chega a serquase 10 vezes mais elevado para o brasileiro em relao ao crdito equivalente no exterior.Para as pessoas jurdicas, os diferenciais tambm so dignos de ateno, sendo prejudiciaispara o Brasil. Para emprstimos pessoa jurdica, a diferena de custo menor, mas, mesmoassim, mais de quatro vezes maior para o brasileiro. Pesquisa da FIESP de 2010 chega a

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    concluses semelhantes: A comparao internacional de juros deixa claro o motivo da elevadapreocupao com o tema no Brasil: enquanto a mdia dos juros para emprstimos dos outrospases do IC-FIESP foi de 9,2% a. a. em 2008, os juros do Brasil eram de 39,6% a.a., ou seja,

    quase quatro vezes superiores. (FIESP, 2010)

    No caso dos cartes, os dados so ainda mais alarmantes se compararmos a taxa prati-cada no Brasil com a de outros pases. A taxa praticada no Brasil 525% maior do que a doPeru, que o pas com a maior taxa dentre os analisados. A nao peruana cobra 44,8% ao anoe o Mxico 39,16% anuais. O menor percentual da Colmbia, com 28,31% anuais. Osautores pesquisaram os principais bancos do Brasil: No Brasil foram levantadas as taxas de

    Comparativo das taxas anuais do cart o de cr ditoInfla o e taxa b sica de juros (em %). 16/01/2014

    PAS Taxa Bsica Inflao Taxa do Carto de CrditoBrasil 10,0 5,77 (*) 280,82%Argentina 20,0 10,5 35,82

    Chile 4,5 2,3 32,54Colmbia 3,2 1,7 28,31Peru 3,2 2,9 44,88Mxico 3,5 3,6 39,16

    Fonte: Banco Central do Brasil e pesquisa pela internet. (*) Taxa acumulada nos ltimos 12 meses IPCA - 2014Disponvel em: .

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    juros cobradas no rotativo por 60 cartes de crdito distribudos por 11 instituies financeiras(Banco do Brasil, Banco IBI, Banrisul, Bradesco, BV Financeira, Caixa, Citibank, Credicard,HSBC, Ita, e Santander):

    At a taxa de juros para aquisio de imveis, emprstimos volumosos e de longo prazo,com garantia no imvel, que por exemplo no Canad pagam juros de 2,7%, aqui so da ordemde 12%. O Banco Central Europeu informa que o juro anual para corporaes de 2,26% aoano (composite cost-of-borrowing indicator for new loans to corporationsbroadly unchangedat 2.26% in June 2015 (ECB, 2015).

    Enfrentamos aqui, portanto, uma deformao estrutural do nosso sistema de intermediao

    financeira. No h grande mistrio no processo: a financeirizao mundial, com as suas diversasformas de organizao segundo os pases e as legislaes, adquiriu aqui formas diferentes detravar a economia, dimenso nacional de uma deformao hoje planetria.

    No caso dos bancos, gera-se assim uma situao impressionante, em que apesar do PIBparado os lucros aumentaram mais de 18% entre 2013 e 2014, isto que j eram extremamenteelevados. O Dieese publica os dados: Em 2014, as cinco maiores instituies financeirasobtiveram lucro lquido de, aproximadamente, R$ 60,3 bilhes, crescimento de 18,5% nacomparao com o ano anterior. O maior lucro lquido foi do Ita Unibanco, de R$ 20,6 bilhes.Esse resultado representou incremento de 30,2% em relao a 2013. tambm o maior

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    percentual de crescimento do lucro entre os cinco maiores bancos do pas... Destacam-se,em termos de lucratividade e rentabilidade, o Ita e o Bradesco. O lucro desses dois grandesbancos soma R$ 36 bilhes, equivalente a cerca de 60% dos lucros dos cinco maiores (Dieese,

    2015). No entram aqui naturalmente fluxos orientados para parasos fiscais.

    Lucro dos banxs m bilhesVarialao % nos ultimos 12 meses

    LL Var.% LL Var.% LL Var.% LL Var.% LL Var.%Ita 13,3 14,6 9,7 14,04 4,1, 15,8 12,8 20,6 30,2

    Bradesco 10,02 11,02 10 11,5 2,9 12,2 5,9 15,4 ,25,9BB 11,7 12,1 3,6 12,2 0,7 15,8 29,1 11,3 9,6*CEF 3,8 5,2 37,7 6,06 17,1 6,7 19,2 7,1 5,5Santander 7,4 6,6 5 6,3 5 5,7 9,2 5,9 1,8Total 46,2 49,8 7,8 49,7 0,1 56,3 13,1 60,3 18,5

    20142013201220112010

    * Desconsiderado o efeito de distoro da venda da BB Seguridade em 2013.Fonte: DIEESE. Elaborao: Prpria.Disponvel em:

    Uma forma pouco divulgada da deformao que gera esse nvel de lucros a cobrana detarifas. Segundo o Dieese, somente com prestao de servios e cobrana de taxas, os cincomaiores bancos arrecadaram R$ 104,1 bilhes, 10,9% a mais que o ano anterior. O valor deu

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    Relao entre receita de prestao de serviose as despesas de pessoal

    171% 167%158% 166% 150% 152%

    Ita Unibanco Bradesco Santander0%

    100%

    200%

    50%

    150%

    1 tri 2014 1 tri 2015

    Fonte: Dieese 2015 - Somente com essa receita, secundria no banco, o banco cobre a totalidadedas despesas de pessoal e ainda sobra mais de 50% dessa despesa.

    para bancar, com folga, todos os gastos com os 451 mil bancrios, que em 2014 custaram R$74,6 bilhes, somados salrios, encargos, cursos e treinamentos. A estratgia dos bancosprivados, nos ltimos anos, visou incrementar os ganhos operacionais mediante crescimento

    das receitas com prestao de servios e tarifas bancrias e reduo de despesas, principalmente

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    de pessoal. Em 2014, esses bancos cortaram 5.104 empregos. Santander, Bradesco,Ita e Banco do Brasil reduziram os quadros de funcionrios em 8.390 postos de trabalho. Oresultado s no foi pior porque foram abertos 3.286 novos postos na Caixa, aponta o

    levantamento (DIEESE, 2015. Ver reportagem de Carlos Madeiro, Portal UOL, 18 abr. 2015).Evidentemente, no so apenas os bancos que lucram com esse sistema de intermediao

    financeira, pois gerou-se uma mquina de apropriao de recursos sem aporte produtivo queconstitui um entrave estrutural economia do pas. Outros grandes intermedirios participam,conforme vimos. O denominador comum, no entanto, que o sistema tal como se estruturou noBrasil desvia uma massa impressionante de recursos da rea produtiva para a especulao. Eencontra-se simplesmente desgovernada. O Banco Central acompanha as suas contas, mas noa sua produtividade ou funcionalidade econmica. E para a atividade de intermediao financeira,que constitui uma atividade meio e no fim, produtividade significa no quanto consegueretirar do sistema produtivo, e sim quanto consegue dinamiz-lo. Como vimos no incio, o lucro legtimo quando contribui para gerar riqueza, no quando trava o funcionamento da economia.

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    A di j diA di j diA dimenso jurdicaA dimenso jurdicaA di ju di

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    A dimenso jurdicaA dimenso jurdicaA dimenso jurdicaA dimenso jurdicaA dimenso jurdica

    A nossa Constituio, no seu artigo 170, define como princpios da ordem econmica e

    financeira, entre outros, a funo social da propriedade (III) e a livre concorrncia (IV). Oartigo 173, no pargrafo 4., estipula que a lei reprimir o abuso do poder econmico que visea dominao dos mercados, a eliminao da concorrncia e o aumento arbitrrio dos lucros. Opargrafo 5 ainda mais explcito: A lei, sem prejuzo da responsabilidade individual dosdirigentes da pessoa jurdica, estabelecer a responsabilidade desta, sujeitando-a s puniescompatveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econmica e financeira e

    contra a economia popular. Cartel crime. Lucro exorbitante sem contribuio correspon-dente produtiva ser reprimido pela lei com punies compatveis.

    Na Constituio de 1988, o artigo 192 traa as bases jurdicas do funcionamento doSistema Financeiros Nacional (SFN): O sistema financeiro nacional [ser] estruturado deforma a promover o desenvolvimento equilibrado do Pas e a servir aos interesses da coletivida-de. Aqui, claramente, assistimos a uma violao dos objetivos da nossa lei maior. As mesmasforas que deformaram o sistema financeiro tiraram do mapa o que foi aprovado em 1988, nomesmo artigo: As taxas de juros reais, nelas includas comisses e quaisquer outras remunera-es direta ou indiretamente referidas concesso de crdito, no podero ser superiores a

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    doze por cento ao ano; a cobrana acima deste limite ser conceituada como crime de usura

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    doze por cento ao ano; a cobrana acima deste limite ser conceituada como crime de usura,punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar. No s conseguiramdobrar a Constituio, como conseguiram abolir a CPMF, nico imposto significativo que,

    alm de taxar as transaes, permitia rastrear as transferncias e gerar um mnimo de transpa-rncia. Amir Khair lembra que a tributao sobre o patrimnio alcanou apenas 4% e sobre amovimentao financeira 2%. Financiar a poltica pode ser muito rentvel (KHAIR, 2013).

    O surrealismo da situao pode ser encontrado no documento da Febraban publicado em2014: O sistema financeiro produz bens pblicos. O setor financeiro tem funo crtica para odesenvolvimento de um pas. particularmente importante notar o papel dos bancos, que, ao

    capturarem depsitos em dinheiro, jogam um papel fundamental na economia, j que eles: 1)facilitam a intermediao entre poupadores e projetos de investimento; 2) monitoram a realiza-o de investimentos de capital por eles financiados; 3) contribuem para uma alocao maiseficiente de recursos na economia; 4) jogam um papel crtico na estabilidade monetria, e, 5)fornecem servios de pagamento eficientes, reduzindo custos de transao e oferecendo conve-nincia para a sociedade como um todo (FEBRABAN, 2014, p. 14). No h dvida de que os

    agentes do sistema financeiro sabem o que deveriam fazer. O contraste com os mecanismosreais que vimos acima impressionante.

    Na prtica, h uma deformao profunda em termos de regulao do sistema. A Anefac

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    apresenta uma viso da liberdade total dos intermedirios financeiros cobrarem as taxas de

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    apresenta uma viso da liberdade total dos intermedirios financeiros cobrarem as taxas dejuros que quiserem: Destacamos que as taxas de juros so livres e as mesmas so estipuladaspela prpria instituio financeira, no existindo assim qualquer controle de preos ou tetos

    pelos valores cobrados. A nica obrigatoriedade que a instituio financeira tem informar aocliente quais as taxas que lhe sero cobradas caso recorra a qualquer tipo de crdito.

    O sistema navega na realidade na escassa compreenso dos mecanismos financeiros porparte no s da populao, como dos jornalistas, advogados e tantos profissionais que nuncareceberam no nosso processo educacional uma s aula sobre como funciona o dinheiro. Istopermite aos intermedirios financeiros justificar incansavelmente na mdia os altos juros com a

    inadimplncia dos tomadores de crdito. Na realidade, a inadimplncia at seria compreensvelcom essas taxas escorchantes. Mas no o que acontece: a inadimplncia muito reduzida,entre 3% e 4%, inclusive entre os mais pobres. O ditado que corre, que pobre tem palavra,rico tem advogado. Os dados da inadimplncia podem ser vistos no grfico abaixo, inclusive emqueda

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    Fonte: Demonstraes Financeiras dos BancosElaborao: DIEESE Rede Bancrios

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    Ita Bradesco Santander

    Dieese Power point 2014: Os dados de inadimplncia (razo entre o montante de crdito com atrasos superiores a 90 dias sobre o total de crdito dobanco) seguem estveis (Bradesco) ou em queda (Ita e Santander), impactado principalmente pela ampliao de carteiras de baixo risco.

    Inadimplncia em queda

    Estvel no Bradesco)

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    Essa viso gerou um vale tudo que trava a economia O sistema no se justifica por duas

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    Essa viso gerou um vale-tudo que trava a economia. O sistema no se justifica por duasrazes: primeiro, porque o banco, mesmo privado, funciona a partir da obteno de uma carta--patente do Estado, que o autoriza a trabalhar com dinheiro do pblico, a quem deve prestar um

    servio na linha da utilidade social. Portanto, deve ser submetido a uma regulao segundo estecritrio. Segundo, porque, no caso brasileiro, formou-se um cartel que permite ao reduzidonmero de instituies financeiras cobrar juros estratosfricos sem que o cliente tenha opo.Do ponto de vista do usurio de servios financeiros, sem proteo reguladora do poder pblicoe sem mecanismos de mercado que levem os intermedirios a competirem para atrair o cliente,oferecendo melhores servios e mais baratos, gerou-se um sistema de extorso. Como somos

    forados a utilizar esses servios, no temos como escapar do pedgio, hoje um autntico impostoprivado.

    O resultado prtico uma deformao sistmica do conjunto da economia, que trava ademanda do lado do consumo, fragiliza o investimento e reduz a capacidade do governo definanciar infraestruturas e polticas sociais. Se acrescentarmos a deformao do nosso sistematributrio, baseado essencialmente em impostos indiretos (embutidos nos preos), com frgil

    incidncia sobre a renda e o patrimnio, teremos aqui o quadro completo de uma economiaprejudicada nos seus alicerces, que avana sem dvida, mas carregando um peso morto cada

    vez menos sustentvel. Precisamos de um sistema de regulao que torne a intermediao

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    financeira funcional para a economia No basta um ajuste fiscal nas contas pblicas quando o

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    financeira funcional para a economia. No basta um ajuste fiscal nas contas pblicas quando osistema financeiro no seu conjunto est profundamente deformado.

    A dimenso internacionalA dimenso internacionalA dimenso internacionalA dimenso internacionalA dimenso internacional

    O dreno sobre as atividades produtivas, tanto do lado do consumo como do investimento, planetrio. Faz parte de uma mquina internacional que desde a liberalizao da regulaofinanceira com os governos Reagan e Thatcher, no incio dos anos 1980, at a liquidao doprincipal sistema de regulao, o Glass-Steagall Act, por Clinton, em 2009, gerou um vale-

    -tudo internacional.A dimenso internacional tornou-se hoje mais documentada a partir da crise de 2008. O

    prprio descalabro gerado e o travamento da economia mundial, levaram a que fossem levantadosos dados bsicos das finanas internacionais, que curiosamente sempre escaparam doInternational Financial Statistics do FMI. Apresentamos, em outros estudos, o detalhe de cadauma das novas pesquisas que surgiram, e apenas resumimos aqui o seus principais resultados,

    para facilitar uma viso de conjunto.

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    O Instituto Federal Suo de Pesquisa Tecnolgica (ETH na sigla alem) constatou que

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    O Instituto Federal Suo de Pesquisa Tecnolgica (ETH na sigla alem) constatou que147 grupos controlam 40% do mundo corporativo do planeta, sendo 75% deles instituiesfinanceiras. Pertencem, na sua quase totalidade, aos pases ricos, essencialmente Europa

    ocidental e Estados Unidos (ETH, 2011).O Tax Justice Network, com pesquisa coordenada por James Henry, apresenta o estoque

    de capitais aplicados em parasos fiscais, da ordem de 21 a 32 trilhes de dlares, para um PIBmundial da ordem de 70 trilhes. Estamos falando de quase um tero do PIB mundial. A economiado planeta est fora do alcance de qualquer regulao e controlada por intermedirios, no porprodutores. O rentismo impera e apresentado como desafio na reunio do G20 em novembrode 2014 (TJN, 2012).

    O dossi produzido pelo The Economistsobre os parasos fiscais (The missing 20trillion $) arredonda o estoque para 20 trilhes, mas mostra que so geridos pelos principaisbancos do planeta, no em ilhas paradisacas, mas essencialmente por bancos dos EUA e daInglaterra (The Economist, 2013).

    As pesquisas do ICIJ (International Consortium of Investigative Journalists) tm chegadoa inmeros, nomes de empresas e donos de fortunas, com detalhes de instrues emovimentaes, progressivamente divulgados medida em que trabalham os imensos arquivos

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    recebidos. Em novembro de 2014, publicaram o gigantesco esquema de evaso fiscal das

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    recebidos. Em novembro de 2014, publicaram o gigantesco esquema de evaso fiscal dasmultinacionais, usando o paraso fiscal que se tornou Luxemburgo. So apresentados em detalhesos montantes de evaso por parte dos bancos Ita e Bradesco (ICIJ, 2014) (Fernando Rodrigues,

    2014).O estudo de Joshua Schneyer, sistematizando dados da Reuters, mostra que 16 grupos

    comerciais internacionais controlam o essencial da intermediao das commoditiesplanetrias(gros, energia, minerais), a maior parte com sedes em parasos fiscais (Genebra, em particular),criando o atual quadro de especulao financeira-comercial sobre os produtos que constituem osangue da economia mundial. Lembremos que os derivativos dessa economia especulativa(outstanding derivatives) ultrapassam 600 trilhes de dlares, para um PIB mundial de 70trilhes (BIS, 2013) (Schneyer, 2013).

    O Crdit Suisse divulga a anlise das grandes fortunas mundiais apresentando aconcentrao da propriedade de 223 trilhes de dlares acumulados (patrimnio acumulado,no a renda anual), sendo que basicamente 1% dos mais afortunados possui cerca de 50% da

    riqueza acumulada no planeta. Em 2015, 62 bilionrios detm mais riqueza acumulada do que3,2 bilhes de pessoas na metade mais pobre da populao mundial.

    Os dados sobre a mquina de evaso fiscal administrada pelo HSBC apareceram no Le

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    Mondee so regularmente analisados pelo The Guardian medida em que surgem mais nomes

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    g p q gdos clientes, entre os quais milhares de fortunas brasileiras. (Confira .

    Em termos de anlise dos 28 bancos sistemicamente dominantes no planeta, os trabalhosde Franois Morin, ex-membro do conselho geral da Banque de France, apresentam a estruturado oligoplio mundial, o seu funcionamento, bem como as instituies que articulam o cartel,em particular o Global Financial Markets Association (GFMA) e o Institute of InternationalFinance (IFF). Sobre este ltimo, Morin comenta: O presidente do IFF tem estatus oficial,reconhecido, que o habilita de direito, a falar em nome dos grandes bancos. Poderamos dizerque o IFF o parlamento dos bancos, o seu presidente tem quase o status de chefe de estado.Ele faz parte, de facto,dos grandes com poder mundial de deciso (MORIN, p. 61).

    Um dossi particularmente bem informado pode ser encontrado em Treasure Islands:uncovering the damage of offshore banking and tax havens, de Nicholas Shaxson, an uterlysuperb book segundo Jeffrey Sachs, estudo que detalha como se articulam os parasos fiscais

    com o onshore, os sistemas financeiros internos com os quais lidamos. A perda de controle jurdico sobre as corporaes financeiras atinge dimenses

    impressionantes nos EUA, envolvendo os principais grandes bancos internacionais, conforme

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    apresentado no relatrio Rigged Justice que a senadora Elizabeth Warren apresentou em janeiro

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    apresentado no relatrio Rigged Justice que a senadora Elizabeth Warren apresentou em janeirode 2016. No so condenados pois fazem acertos (settlements)que no requerem admisso deculpa. Esto todos a, Citigroup, S&P, UBS, Barclays, JP Morgan etc. So grupos que pagam

    grandes campanhas publicitrias e, portanto, so tratados discretamente pelos meios decomunicao; financiam as campanhas polticas, alm de constituir, atravs dos acertosfinanceiros, uma base financeira poderosa no judicirio. o poder dentro do poder, controlandohoje boa parte da poltica, da mdia e do sistema jurdico.

    Temos assim um sistema planetrio deformado, e o Brasil uma pea apenas na alimentaodo processo mundial de concentrao de capital acumulado por intermedirios financeiros e

    comerciais. No temos estudos suficientes nem presso poltica correspondente para ter o detalhede como funciona a dimenso internacional dessa engrenagem no Brasil. No entanto, dois estudosnos trazem ordens de grandeza.

    O estudo mencionado do Tax Justice Network, desdobra algumas cifras de estoques decapital em parasos fiscais por regies. No caso do Brasil, encontramos como ordem de grandeza,519,5 bilhes de dlares, o que representa cerca de 25% do PIB brasileiro. (Primeira linha,quinta coluna de cifras da tabela a seguir).

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    UNRECORDED CAPITAL FLOWS, OFF SHORE ASSET, AND OFF SHORE EARNINGS, 1997-2010UNRECORDED CAPITAL FLOWS, OFF SHORE ASSET, AND OFF SHORE EARNINGS, 1997-2010UNRECORDED CAPITAL FLOWS, OFF SHORE ASSET, AND OFF SHORE EARNINGS, 1997-2010UNRECORDED CAPITAL FLOWS, OFF SHORE ASSET, AND OFF SHORE EARNINGS, 1997-2010UNRECORDED CAPITAL FLOWS, OFF SHORE ASSET, AND OFF SHORE EARNINGS, 1997-2010i i d ibb i

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    Latin America and Caribbean RegionFOREGIN DEBT ADJUSTED FOR CURRENCY CHANGES, RESCHEDULINGS, AND ARREARS

    (Nominal and Real $2000 Bilions)(40 countries in region - 33 with data)

    Source: World Bank IMF/ UN /central bank/CIA(data); JSH [email protected] for Currency of Debt; 75% Reinvestment Rate; Ave Yielt - $US 6 mos CD rate.Fonte:

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    gerados.Um estudo particularmente interessante do Global Financial Integrity, coordenado por

    Dey Kar, Brasil: fuga de capitais, fluxos ilcitos e as crises macro-econmicas, 1960-2012.Trata--se de uma sangria de recursos por evaso, estimada em cerca de US$ 35 bilhes porano entre 2010 e 2012. So mais de 2% do PIB que se evaporam s nessas operaes. Sorecursos que por sua vez iro alimentar em boa parte o estoque de mais de um trilho de reaisem parasos fiscais visto acima. Segundo o relatrio, o governo deve fazer muito mais paracombater tanto o subfaturamento de exportaes como o superfaturamento de importaes,

    adotando ativamente medidas dissuasivas adicionais em vez de punies retroativas (GFI,2014).

    Trata-se aqui, dominantemente, das empresas multinacionais. Kofi Annan considera queesse mecanismo drena cerca de 38 bilhes de dlares por ano das economias africanas. Omecanismo conhecido como mispricing, trade misinvoicing, ainda transfer prices.Estudomais recente do prprio GFI chegou a 60 bilhes de dlares, cerca de 5,5% do PIB dos pases

    da frica ao sul do Saara. Gradualmente, est se ampliando a capacidade de avaliao dessesdrenos sobre as nossas economias. Algumas das principais instituies de pesquisa sobre otema, como a Oxfam e o prprio GFI, resumiram a questo na New Haven Declaration on

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    Human Rights and Financial Integrity: O dinheiro ilcito sai dos pases pobres atravs de um

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    sistema financeiro paralelo (shadow financial system)que inclui parasos fiscais, jurisdies se-cretas, empresas fictcias, contas annimas, fundaes de faz-de-conta, fraudes nos preos e

    notas fiscais e tcnicas de lavagem de dinheiro. Esse dinheiro , em grande parte, permanente-mente desviado para economias ocidentais (GFI 2015), To importante quanto o dreno derecursos, a mquina de corrupo e contaminao dos centros de deciso poltica e dos judi-cirios. Para a democracia, um cncer. Mas no inevitvel o Brasil se submeter a essasdinmicas.

    Se quisermos retomar a dinmica de desenvolvimento, um pas com as nossas dimenses

    e diversificao econmica pode reorientar os seus recursos financeiros. E