Just Who

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A história vai dar casamento em janeiro próximo. Os personagens são Patricia Schmidt, boleira de São Paulo, e Christian Escribà, um dos mais geniais confeiteiros do mundo,

com uma clientela jet set que inclui xeques, príncipes, cineastas e até o papa. É Patricia quem descreve o romance por meio de um e-mail enviado para a diretora da revista...

A boleira prudente

o confeiteiro maluco &


Barcelona, 20 de agosto de 2011

Darling,

“...não quero provocar nem atiçar suas saudades, mas não posso me furtar a lhe contar as novidades”.

Você sabe que senti muito em não estar presente ao Jantar do Século e ao Congresso Mesa Tendências* porque estava em Portugal, trabalhando. Lamentei sobretudo não ter conhecido, na ocasião, o Christian Escribà, o catalão da “confeitaria maluca”. Muitas pessoas haviam me falado dos bolos e doces incríveis que ele cria, mas foi o Viko (Viko Tangoda, banqueteiro paulista) quem me atiçou a realmente ir em busca das técnicas de Es-cribà, em Barcelona. Ele me confidenciou ter chorado na apresentação do confeitei-ro no Congresso Mesa Ten-dências, aí no Brasil: “Ele lembra o personagem Willy Wonka, do filme A Fantásti-ca Fábrica de Chocolate”, foi o que ele me disse à época. Veja você, como o mundo dá voltas... É essa a novidade que quero te contar: em ja-neiro vou me casar com o Christian Escribà!

Em 2009, alguns meses depois desse evento fabuloso realizado aí, fui até a Confeitaria Escribà, em Barcelona. Depois de tanta propaganda sobre ele, eu queria ser a representante brasileira de seus anéis de caramelo, que já encantaram a atriz Demi Moore e com os quais Dylan Lauren, filha de Ralph e proprietária da loja de doces Dylands Candy Store, de Nova York, presenteou os convidados em seu casamento.

Entrei na loja achando que seria recebida por um atendente de balcão, mas Escribà estava lá, em pessoa, confeitando o Bolo do Futuro, uma obra high-tech, ilu-minada, psicodélica que ele apresentaria nos Estados Unidos (procure no YouTube por “Pastel del Futuro”, é inacreditável!). Para minha surpresa, ele conhecia meu trabalho, que é uma confeitaria muito diferente da dele, mais comportada, e ele tinha livros meus. Até me pediu um autógrafo, acredita? A decoração do showroom me deixou extasiada de cara: uma casa antiga forrada de pirulitos e chocolates pelas paredes, com pintura que imita merengue derretido. Um lugar de história

infantil. Foi ali que assisti pela primeira vez à montagem de seus espetáculos açucarados. E desejei poder nunca mais sair de lá. 40

Ele elogiou a quantidade de detalhes na modelagem das massas de açúcar e as flores que faço, raros aqui em Barcelona. Ele veio com o papo de que eu poderia contribuir para um novo formato de confeitaria em sua loja e me propôs um intercâmbio de conhecimentos. Mas a verdade é que nós já estávamos apaixonados.

O Christian diz que foi amor à primeira vista, bateu assim que entrei pela porta da confeitaria. Eu, que sou mais prudente, e sabia que ele estava casado havia 30 anos, precisei me refugiar em Portugal e ficar uma semana pensando naquela loucura toda, para topar encarar a empreitada. Pouco tempo depois, unimos técnicas, ferramentas, corantes, livros e nossos senti-mentos. Completamente seduzida, saí de São Paulo em

2010 para trabalhar e viver com ele aqui em Barcelona.

Então, agora, te conto quem é meu marido, o genial Escribà – embora você já o conheça profissionalmente, eu sei. Mas talvez não saiba dos detalhes. Fui percebendo tudo o que ele representa no mundo da gastronomia. O Christian é a quarta geração de uma família de confeitei-

ros, com sobrenome tradicional desde 1906. A loja é a mesma, na Gran Via. O pai, Antoni, era conhecido como “O Mozart do Chocolate”, e foi o primeiro da linhagem a executar ideias ousadas. Amante das artes em geral e de esculturas em particular, dominava o chocolate. Desenvolveu um processo de trabalhar em série com base em moldes de papel. O transfer de chocolate que conhecemos hoje foi invenção dele, ideia retirada de uma fotocopiadora. Seu livro Felices Pascuas, de 1967, foi traduzido para cinco idiomas. Deu cerca de 160 palestras e recebeu mais de 30 medalhas em todo o mundo. Foi coroado O Melhor Confeiteiro da Europa, em 1975, e recebeu a Medalha de Ouro do Mérito Cul-tural de Barcelona, em 2001. Fez bolo para festas com 12.000 pessoas e esculturas de chocolate para Fellini e Picasso, seus amigos. (Aliás, Picasso presenteou-o com uma litogravura em preto e branco – e que um dia ele, simplesmente, pegou a aquarela e a coloriu!) Até a tocha olímpica ele carregou em 1992, tão querido é na cidade. Na loja da Gran Via tem uma foto enorme dele, abaixo o seguinte escrito: “Sem nenhuma dúvida, Antoni Escribà é um referente gastronômico do século XX,um revolucionário do mundo do chocolate. Foi o primeiro vanguardista da Gastronomia Espanhola” –

“ O C H R I S T I A N É A Q U A R TA

G E R A Ç Ã O D E U M A FA M Í L I A

D E C O N F E I T E I R O S , C O M

S O B R E N O M E T R A D I C I O N A L

D E S D E 1 9 0 6 ”

O talento do pai (à direita, de chapéu, fazendo uma estátua doce)

e do filho Christian (abaixo, à esq.): da casa fundada em 1820

saíram encomendas para Fellini, (foto em preto e branco),

Almodóvar e o papa João Paulo II



Ferran Adrià. Então, esse é meu sogro.Agora, falo de “meu” Christian Escribà, amiga. Por

sua genialidade e criatividade, ele é muito respeitado no mundo da alta confeitaria europeia. Temos muitos amigos na gastronomia, e um dos mais próximos é o próprio Ferran Adrià, do elBulli, que “mi cariño” co-nhece desde 1986. Para a última ceia do elBulli, que é buldogue em catalão, aliás, nós fi zemos um buldogue de açúcar que deixou o próprio Ferran boquiaberto.

Ele é também um ser humano ímpar, bem-humorado, divertido. Ama rock-and-roll e música tecno, e agora também nosso samba-rock, que ele canta em seu por-tuguês esforçado! Desde que me mudei tenho vivido muitos momentos inigualáveis de felicidade – e fazendo o que mais gosto: confeitando!

São duas lojas Escribà: a matriz, que está desde 1906 na Gran Via, no mesmo prédio em que moramos, e outra na Ramblas de las Flores, onde hoje eu o auxilio e participo da criação e execução dos grandes projetos. Contribuo não só com meus bonecos e fl ores, mas com outro olhar, mais americanizado. À parte, continuo fazendo meus bolos de estilo inglês que faziam sucesso aí no Brasil.

Tenho até me arriscado a fazer algumas produções com ele. Juntos, concebemos produtos incríveis. O bolo para a festa da avant-première do espetáculo Varekai, do Cirque du Soleil. Um show! Um dos mais recentes foi a festa promovida por um bilionário do Cazaquis-tão. Fizemos para uma festa de crianças uma réplica do barco Pérola Negra, dos Piratas do Caribe. Eu fi z as velas, de açúcar. E, menina, nem te conto: ele contratou

a Cristina Aguillera por 3 milhões de euros para agradar os 30 adultos, na mesma festa.

Tem um monte de outras histórias de bolos perfor-máticos, voadores, explosivos em que colocamos a criatividade brincando com texturas e sabores. Como o carro de Fórmula 1 que baixou do teto, em tamanho real, com 3.000 folhas de caramelo brancas e verdes, cores da escuderia Jaguar defendida pelo piloto Pedro Martinez de la Rosa, no dia de seu casamento. E, como disse o Viko, é de chorar, mesmo. Para o Christian, o bolo deve surpreender, emocionar e causar um momento único e inesquecível de felicidade.

Entre os clientes há todo tipo de gente. O cineasta Pedro Almodóvar é um deles. Fizemos um bolo para ele. Há ainda jogadores de futebol, como o Ronaldinho, ou gente da realeza, como o príncipe de Astúrias e até o santíssimo papa (para ele, foi feita uma maquete de chocolate representando o Vaticano). Os orçamentos para as superproduções variam, mas chegam a preços nunca antes imaginados por mim. Ele mesmo custa a acreditar no último orçamento que fechou: 67.000 euros para um bolo de casamento para 250 convidados, evento que acontecerá em fi ns de 2011. Não, não é o nosso.

Aliás, confesso que no nosso bolo de casamento ainda não pensamos. Mas acho que ele sairá de sua secreta lista de bolos impossíveis: deverá sair algo bem espe-cial. Exagerado e diferente, é claro, mas principalmente recheado de amor.

Um beijo no Georges e nas crianças.O Christian aproveita para também mandar lembran-

ças a todo o pessoal.

Patricia Schmidt

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Tudo de comer:

as produções

espetaculares

na entrada

da loja:

paredes doces,

esculturas,

cenários e

fi gurinos

comestíveis

* O Jantar do Século foi um evento produzido pela revista Prazeres da Mesa e o Senac-SP, como parte do evento Semana Mesa SP, em 2009, no qual os maiores chefs espanhóis, entre os quais Ferran Adrià e Christian Escribà, fi zeram um banquete extraordinário que jamais será repetido. O Congresso Internacional Mesa Tendências faz parte do Semana Mesa SP.

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