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Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, Ahead of print, Vol. XX, N. XX, 2017, p. XX. José Carlos Moreira da Silva Filho DOI: 10.1590/2179-8966/2017/31488| ISSN: 2179-8966 1 Justiça de Transição e Usos Políticos do Poder Judiciário no Brasil em 2016: um Golpe de Estado Institucional? Transitional Justice and Political Uses of the Judiciary in Brazil in 2016: an Institutional Coup? José Carlos Moreira da Silva Filho Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Email: [email protected]. Recebido em 29/11/2017 e aceito m 12/12/2017. Como citar em ahead of print: FILHO, José Carlos Moreira da Silva. Justiça de transição e usos políticos do poder judiciário no Brasil em 2016: um Golpe de Estado institucional. Revista Direito e Práxis, Ahead of print, Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: link para o artigo. acesso em xxxx. DOI: 10.1590/2179- 8966/2017/31488

Justiça de Transição e Usos Políticos do Poder Judiciário no Brasil …repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/11343/2/... · 2018-04-05 · Brasil em 2016: um Golpe de Estado

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Rev.DireitoPráx.,RiodeJaneiro,Aheadofprint,Vol.XX,N.XX,2017,p.XX.JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoDOI:10.1590/2179-8966/2017/31488|ISSN:2179-8966

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Justiça de Transição e Usos Políticos do Poder Judiciário noBrasilem2016:umGolpedeEstadoInstitucional?TransitionalJusticeandPoliticalUsesoftheJudiciaryinBrazilin2016:anInstitutionalCoup?JoséCarlosMoreiradaSilvaFilho

PontifíciaUniversidadeCatólicadoRioGrandedoSul,PortoAlegre,RioGrandedoSul,Brasil.Email:[email protected]/11/2017eaceitom12/12/2017.Comocitaremaheadofprint:FILHO,JoséCarlosMoreiradaSilva.JustiçadetransiçãoeusospolíticosdopoderjudiciárionoBrasilem2016:umGolpedeEstadoinstitucional.RevistaDireitoePráxis,Aheadofprint,Riode Janeiro, 2017. Disponível em: link para o artigo. acesso em xxxx. DOI: 10.1590/2179-8966/2017/31488

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Resumo

O artigo analisa inicialmente a ambiguidade do processo de anistia e redemocratização do

Brasil.Emseguida,ofocoéopapeldojudiciáriotantonajudicializaçãodarepressãodurantea

ditadura quanto no processo de anistia. Na terceira seção é fornecida uma breve

caracterização da ruptura institucional ocorrida no Brasil em 2016 e uma discussão sobre a

natureza dessa ruptura. Por fim, em tom conclusivo, identificam-se relações entre os

processosmencionados.

Palavras-chave:Anistia;JustiçadeTransição;GolpedeEstado;PoderJudiciário;Democracia;

Brasil.

Abstract

The article initially analyzes the ambiguity of the amnesty and redemocratization process in

Brazil.Next, the focus ison the roleof the judiciary inboth the judicializationof repression

during the dictatorship and in the amnesty process. In the third section is provided a brief

characterizationoftheinstitutionalruptureoccurredinBrazil in2016andadiscussionabout

thenatureofthisrupture.Finally,inaconcludingtone,weidentifyrelationshipsbetweenthe

mentionedprocesses.

Keywords:Amnesty;TransitionalJustice;CoupD'Etat;Judiciary;Democracy;Brazil.

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Em relaçãoaosdemaispaísesdaAmérica Latinaqueamargaramditaduras civis-militaresde

segurançanacionalnasegundametadedoséculoXX,oBrasilapresentouumapeculiaridade

que acabou por influenciar sobremaneira as características do regime democrático que se

seguiuapartirde1988:aredemocratizaçãoguiou-sesobosignodeumaanistiaambígua,que

representoutantoas lutasdasociedadecivilpelaaberturadoregime,comooempenhodos

agentesdaditaduraemgarantirumatransiçãoquenãoosresponsabilizassepeloscrimesque

praticaram. Este último aspecto encontrou solo fértil para prosperar, visto que ao longo de

todooperíododitatorialhouveumamploe intensoprocessode judicializaçãoda repressão

política,oquecertamentecultivounopoder judiciáriobrasileiroumagrande resistênciaem

revisaros termosdessaanistia,mesmoemperíododemocrático.Argumenta-senesseartigo

que o ambiente criado a partir do caráter ambíguo da anistia, em especial considerando a

atuação do poder judiciário, contribuiu para a ruptura da democracia ocorrida noBrasil em

2016.

1.AAmbiguidadedaAnistianoBrasil

Nodia28deagostode1979,emplenaditadura,foipromulgadaaleideanistianoBrasil,aLei

N°6.683.Estaleirefleteumaacentuadaambiguidade, e que se transmite ao próprio sentido

dapalavra"anistia"nocontextopolíticobrasileiro.

Deumlado,aleifoioresultadodeumaamplamobilizaçãosocialemtornodapauta

da anistia aos que estavam presos, no exílio ou na clandestinidade, acusados de terem

praticado crimes políticos. A demanda pela anistia representou a demanda pela

redemocratização do país1. O largo contingente de setores da sociedade que conseguiu

mobilizar (trabalhadores, artistas, intelectuais, políticos, imprensa, igreja, presos políticos,

entreoutros)constituiuabasesobreaqualmaistardeviriamasmobilizaçõespelasDiretasJá

em1984eaparticipaçãonoprocessoConstituinteem1987e1988.

1Noanode1975édesencadeadaacampanhapelaAnistia,comolançamentodoManifestodaMulherBrasileirapelo Movimento Feminino pela Anistia (MFPA). Sobre a movimentação popular em prol da anistia na segundametadedadécadade70veroaprofundadoedetalhadoestudodeCarlaRodeghero,GabrielDienstmanneTatianaTrindade:RODEGHERO,CarlaSimone;DIENSTMANN,Gabriel;TRINDADE,Tatiana.Anistiaampla,geraleirrestrita:história de uma luta inconclusa. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2011. Também importa conferir a tese deHeloísaGreco:GRECO,HeloísaAmélia.Dimensões fundacionais da luta pela Anistia. 2003.456f. [TesedeDoutorado]–CursodePós-GraduaçãodasFaculdadesdeFilosofiaeCiênciasHumanasdaUniversidadeFederaldeMinasGerais.BeloHorizonte.2003.

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Poroutro lado,a lei representouumavitóriaparaoprojetode transiçãocontrolada

idealizadopelacúpuladoregimeditatorial2,jáqueconseguiuofeitodeanistiarosagentesda

ditadura,impedindoqualquerinvestigaçãosobreosseuscrimes,semsequerafirmarquetais

agentes teriam praticado assassinato, tortura, desaparecimento forçado e outras graves

violaçõesdedireitoshumanos3.Domesmomodo,excluiuaanistiaparaospresospolíticosque

estavam condenados por terem tomado parte na resistência armada. E, por fim, a

promulgaçãodaleifoiapresentadacomoumabenesseofertadapelogovernomilitarsemque

sepromovesseoreconhecimentodaamplaparticipaçãopopularnesteprocesso.

A redemocratização do país foi balizada pelo que a lei de anistia representou. O

aspecto emancipatório e popular da luta pela anistia desaguou na ampla participação da

sociedadecivilnoprocessoconstituintenosanosde1987e1988enacaracterísticaavançada

da lei em termos de princípios e reconhecimento de direitos fundamentais4. Já o aspecto

autoritárioereacionáriodaanistiarefletiu-senoesquecimentoinstitucionaldoscrimescontra

a humanidade praticados e sua necessária responsabilização. Tal bloqueio, devidamente

afirmado pelo Poder Judiciário em todas as tentativas que foram feitas de investigar e

responsabilizar esses crimes5, também favoreceu a ausência de reformas institucionais que

buscassemesclareceraparticipaçãodospoderesconstituídosnoregimeditatorial,bemcomo

de processos de responsabilização administrativa e judicial sobre os agentes e funcionários

públicosquefacilitaramoupraticaramdiretamentetaiscrimes.Emoutraspalavras,militares,

policiais, juízes, promotores, políticos e demais funcionários públicos que participaram

2ALVES,MariaHelenaMoreira.EstadoeoposiçãonoBrasil(1964-1984).3.ed.Petrópolis:Vozes,1984.p.269-270;SKIDMORE,Thomas.Brasil:deCasteloaTancredo.8.ed.RiodeJaneiro:PazeTerra,1988.p.427-428.

3NoArt.1ºdaLeiN°6683de1979,seafirmaqueestãoanistiadosos“crimespolíticosouconexoscomestes”,emseguida, o § 1º define que "consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer naturezarelacionadoscomcrimespolíticosoupraticadospormotivaçãopolítica",eo§2ºretiraosbenefíciosdaanistiapara"osqueforamcondenadospelapráticadecrimesdeterrorismo,assalto,seqüestroeatentadopessoal".

4SobreamobilizaçãodosmovimentossociaisemtornodaConstituintecomoumlegadodoenfrentamentocomaditaduraver:SOUSAJUNIOR,JoséGeraldode.SoberaniaeDireitos:processossociaisnovos?CadernoCEAC/UnB,Ano1,N.1,1987.p.9-16. [Constituinte: temasemanálise];SOUSA JUNIOR, JoséGeraldode.TristedoPoderquenãopode.CadernoCEAC/UnB,Ano1,N.1,1987.p.25-31.[Constituinte:temasemanálise];COELHO,JoãoGilbertoLucas.AGarantiadasInstituições.CadernoCEAC/UnB,Ano1,N.1,1987.p.37-45.[Constituinte:temasemanálise];BARBOSA,LeonardoAugustodeAndrade.OlegadodoprocessoConstituinte.In:SOUSAJUNIOR,JoséGeraldode;SILVAFILHO, JoséCarlosMoreirada;PAIXÃO,Cristiano;FONSECA,LíviaGimenesDiasda;RAMPIN,TalitaTatianaDias (Orgs.).ODireitoAchadonaRua: IntroduçãoCríticaà JustiçadeTransiçãonaAméricaLatina.Brasília:UnB,2015.p.51-54.(Livrotododisponívelnolink:https://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/15-12-15-direito-achado-na-rua-vol-7_web-versao-10mb-1.pdf)(Acessoem27/10/2017).5Especificamente sobre este ponto ver: SILVA FILHO, José CarlosMoreira da. Justiça de Transição - da ditaduracivil-militaraodebatejustransicional-direitoàmemóriaeàverdadeeoscaminhosdareparaçãoedaanistianoBrasil.PortoAlegre:LivrariadoAdvogado,2015.p.237-260.

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ativamente do processo de perseguição política aos opositores do regime ditatorial

continuaramnosseuspostosdetrabalhocomosenadahouvesseacontecido.

AConstituintefoiinstaladaem1987apartirdeumaemendaconstitucionalproduzida

na ordem jurídica autoritária, uma emenda à Constituição outorgada de 1967, a Emenda

Constitucional N° 26/1985. Nesta mesma emenda a lei de anistia de 1979 foi reafirmada6,

comoqueparasugerirqueanovaConstituiçãoasercriadanãopudessereverosseustermos.

A despeito dessa peculiaridade, o texto da nova Constituição não reproduz mais a

anistiaaoscrimesconexos.Alémdisso,emseuArt.8ºdoAtodasDisposiçõesConstitucionais

Transitórias o constituinte firmou, com clareza inequívoca, que a anistia era devida aos que

“foramatingidos,emdecorrênciademotivaçãoexclusivamentepolítica,poratosdeexceção,

institucionaisoucomplementares”.Assim,aanistiaaosagentesdaditaduranãofoirecebida

pelotextoconstitucionalde1988.Poroutrolado,tambémnãofoiexpressamenterepudiada.

Detodomodo,aonãomencionarotemaeaoassinalaroforterepúdioàtortura,considerada

crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia7, a partir dos seus princípios e direitos

fundamentais,aConstituiçãorevela-seumlocalmuitopoucoconfortávelparaabrigaraanistia

aos crimes conexos entendida como a anistia aos crimes dos agentes da ditadura. Há uma

evidente contradição principiológica e valorativa no argumento de que a Constituição

brasileirade1988endossaaanistiaataiscrimes.

Além de excluir da sua apreciação a anistia aos crimes da ditadura, o Artigo 8º do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias lançou as bases de uma verdadeira política de

reparaçãoaosex-perseguidospolíticos.Otermo"anistia",mesmonalegislaçãoproduzidapela

ditadurasempretrouxealusão igualmenteaalgumsentidodereparaçãoederestituiçãodo

statusanterioràperseguiçãopolítica.Porém,comoeradeseesperarnaqueleambienteainda

mutilado politicamente, contaminado pelo esquecimento forçado e seguido de perto pelo

autoritarismo, a lei regulamentadora dessa política de reparação sinalizada pelo texto

6A EC n° 26/1985 repete a lei n° 6.683/1979 quanto ao lapso temporal da anistia, e repete a anistia a crimespolíticos ou conexos, contudo não reproduz a definição do que seriam crimes conexos nem a exclusão doschamados "crimesde sangue"doalcanceda anistia.A emendaaindaamplia as situaçõesde recomposiçãoparaincluirestudantes,dirigentessindicais,servidoreseempregadoscivis.7No Art. 5º, XLIII a Constituição brasileira estabelece esta condição, complementada pela Lei 9.455/97. Importamencionar, além disso, o Art. 5º, §4º que reconhece a submissão do Brasil ao Tribunal Penal Internacional. OTratado de Roma penetra a ordem jurídica interna brasileira por força do Decreto Legislativo Nº 4.388/2002,estabelecendoexplicitamentequeatorturapraticadadeformasistemáticaaparcelasdapopulaçãocivil,ouseja,comopráticadeumcrimecontraahumanidadeéimprescritível.Porfim,aConstituiçãodemarcanoArt.5º,XLIVque "constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis oumilitares, contra a ordemconstitucionaleoEstadoDemocrático".Comosesabe,foiexatamenteistoquefizeramosmilitaresecivisgolpistasem1964.

Rev.DireitoPráx.,RiodeJaneiro,Aheadofprint,Vol.XX,N.XX,2017,p.XX.JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoDOI:10.1590/2179-8966/2017/31488|ISSN:2179-8966

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constitucionalsóviriaàluzcercade13anosdepois,maisprecisamenteem2001,viaMedida

ProvisóriadepoisconvertidanaLeiN°10.559/2002.

Anovaleideanistia,alémdepreverdireitoscomoadeclaraçãodeanistiadopolítico,a

reparaçãoeconômica,acontagemdotempoeacontinuaçãodecursosuperiorinterrompido

oureconhecimentodediplomaobtidonoexterior8,instituiaComissãodeAnistia,vinculadaao

MinistériodaJustiça,equeficaresponsávelpelaapreciaçãoejulgamentodosrequerimentos

deanistia9.AComissãodeAnistiaé,naverdade,umacomissãodereparação,masquecarrega

consigoaprópriaambiguidadedo termo"anistia", forjadanoprocessode redemocratização

dopaís.

ObservandoaatuaçãodaComissãodeAnistia,desdeasuacriação,e,especialmente,

durante o segundomandato do Presidente Lula, iniciado em 2007, quando oMinistério da

JustiçafoiconduzidoporTarsoGenroeapresidênciadaComissãodeAnistiaporPauloAbrão,

percebe-seumaradicalmudançanaconcepçãodaanistiacomopolíticadeesquecimento.Em

primeirolugar,aoexigiraverificaçãoecomprovaçãodaperseguiçãopolíticasofrida10,aleide

anistiaacabasuscitandoaapresentaçãodedocumentosenarrativasquetrazemdevoltado

esquecimentoosfatosquehaviamsidodesprezadospelaanistiade1979.Passaasercondição

para a anistia a comprovação e detalhamento das violências sofridas pelos perseguidos

políticos,circunstânciaqueporsisóassociaanistiaàmemória.

Nas sessões de julgamento da Comissão de Anistia, os requerentes que estão

presentes são convidados a semanifestarem,proporcionandoemmuitos casos importantes

testemunhos,quesãodevidamenteregistrados.Osautosdosprocessoscontêmumanarrativa

muitodiferentedaquelaqueestá registradanosarquivosoficiais.OsprocessosdaComissão

de Anistia fornecem a versão daqueles que foram perseguidos políticos pela ditadura civil-

8DeacordocomoArt.1°daLeiN°10.559/2002.9De acordo com a lei os Conselheiros e Conselheiras são escolhidos e nomeados pelo Ministro da Justiça, elideradospeloPresidentedaComissãodeAnistia,tambémescolhidopeloMinistro.Até2016semprefoipráticadoEstadobrasileiro,parafinsdaescolhadosmembrosdaComissãodeAnistia,aconsultaaosgruposemovimentosdasociedadecivilemtornodapautadeverdade,memóriaejustiçaemparticularededireitoshumanosemgeral.DosmembrosdaComissãoumnecessariamenterepresentaoMinistériodaDefesaeoutrorepresentaosanistiandos.Os Conselheiros não recebem pagamento pelo seu trabalho, considerado, de acordo com a lei, de relevanteinteressepúblico.Oconselhofuncionacomoumtribunaladministrativo,masaresponsabilidadefinaldadecisãoédoMinistro da Justiça, completando-se o processo de anistia apenas após a assinatura e publicação da PortariaMinisterial.

10Emseuart.2º,aLein10.559/2002prevêaotodo17situaçõesdeperseguiçãopormotivaçãoexclusivamentepolítica que justificam o reconhecimento da condição de anistiado político e os direitos dela decorrentes. Aquiestãoprisões,perdadeemprego,sercompelidoaoexílio,seratingidoporatosinstitucionais,entreoutrassituações.

Rev.DireitoPráx.,RiodeJaneiro,Aheadofprint,Vol.XX,N.XX,2017,p.XX.JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoDOI:10.1590/2179-8966/2017/31488|ISSN:2179-8966

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militar, contrastando coma visão,normalmentepejorativaque sobreeles recai apartir dos

documentosproduzidospelosórgãosdeinformaçãodoperíodo.

Para além da reparação econômica, a Comissão de Anistia também é conhecida

internacionalmenteporterempreendidodemaneirainovadoraesensívelpolíticaspúblicasde

memóriaeprojetosvanguardistascomoasCaravanasdaAnistia11,asClínicasdoTestemunho12,

o Projeto Marcas da Memória13, e por ter iniciado a construção doMemorial da Anistia14,

11Atéagostode2016foramquase100CaravanasrealizadasportodooBrasil.Nelas,aComissãosedesalojadasinstalaçõesdoPaláciodaJustiçaemBrasíliaepercorreosdiferentesEstadosbrasileirosparajulgarrequerimentosdeanistia emblemáticosnos locaisondeasperseguições aconteceram, realizandoos julgamentosemambienteseducativoscomoUniversidadeseespaçospúblicosecomunitários.OmomentoaltodasCaravanasedetodasassessõesdeapreciaçãoderequerimentosdeanistiaéopedidoformaldedesculpasemnomedoEstadobrasileiroaosqueporeleforamperseguidosnopassado.LongedetalpedidosignificarqueoEstadojáfeztodoopossívelpara reparar a perseguiçãoquepromoveunopassado, ele sinaliza para o necessário aprofundamento célere doprocesso justransicionalbrasileiro, incluindo-seaí asmedidasde responsabilizaçãoede reformadas instituições,que sempre foram duas bandeiras da Comissão de Anistia em inúmeras ocasiões (o que ficou registrado, porexemplo,emartigodeopiniãoescritopeloentãoVice-PresidentedaComissãodeAnistiaepublicadonojornalZeroHoraem16deabrilde2014.Ver:http://wp.clicrbs.com.br/opiniaozh/page/239/).ParaumregistrodasCaravanasdaAnistia,veraobraeditadaepublicadapelaComissãodeAnistiaintitulada:COELHO,MariaJoséH.;ROTTA,Vera(orgs.). Caravanas da Anistia: o Brasil pede perdão. Brasília: Ministério da Justiça; Florianópolis: Comunicação,Estudos e Consultoria, 2012, disponível em: http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/livro_caravanas_anistia_web.pdf.(Acessoem27/10/2017).12AsClínicasdoTestemunhosãoumprojetoinéditodeassistênciapsicológicaepsicanalíticaàsvítimasdaviolênciadoEstadoditatorial,equejápossuiquasetrêsanosdeexistência.OprojetoClínicasdoTestemunhoiniciou-senoanode2013apartirdeEditalPúblicopublicadoem2012evinculadoàComissãodeAnistia.Seuobjetivoépropiciaratendimento psicanalítico às vítimas da repressão estatal promovida pela ditadura civil-militar no Brasil. Em suaprimeiraediçãooprojetocontemplouduas iniciativasnacidadedeSãoPaulo,umanoRiodeJaneiroeoutraemPortoAlegre.Nasegundaedição(2015a2017)oprojetofoiampliadograçasàparticipaçãodoFundoNewton(quepara aportar recursos tem como condiçãoo aportenomesmovalor por partedo Estadobrasileiro), passandoacontemplartambémacidadedeFlorianópolis.Entreasdiversasaçõesjáproduzidas,alémdosatendimentos,estãoeventos e publicações. Eis a referência das publicações e os links para as respectivas versões digitais: SIGMUNDFREUDASSOCIAÇÃOPSICANALÍTICA(Org.).ClínicasdoTestemunho:reparaçãopsíquicaeconstruçãodememórias.Porto Alegre: Criação Humana, 2014; SILVA JR,Moisés Rodrigues da;MERCADANTE, Issa.Travessia do silêncio,testemunhoereparação.Brasília:ComissãodeAnistia;SãoPaulo:InstitutoProjetosTerapêuticos,2015;CARDOSO,Cristiane; FELIPPE, Marilia; BRASIL, Vera Vital (Orgs.).Uma perspectiva clínico-política na reparação simbólica:Clínica do Testemunho no Rio de Janeiro. Brasília: Comissão de Anistia; Rio de Janeiro: Instituto ProjetosTerapêuticos, 2015;OCARIZ,MariaCristina (Org.).Violência de estado na ditadura civil-militar brasileira (1964-1985) - efeitos psíquicos e testemunhos clínicos. São Paulo: Escuta, 2015; http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/livro-on-line-2.pdf; http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/travessia_final.pdf;http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/sedes-violencia-de-estado-2.pdf; http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/livro-clinicas-do-testemunho.pdf; http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/arquivos-da-vo-alda.pdf. (Acesso em27/10/2017).13OMarcasdaMemóriaénaverdadeumamploguarda-chuvanoqualseabrigampolíticasdememóriadiversas.Em seu bojo inserem-se todas as iniciativas da Comissão de Anistia aqui mencionadas, devendo-se aindaacrescentar o aporte de recursos para sustentar e promover iniciativas da sociedade civil em prol da memóriapolíticadopaís.Foramdezenasdefilmes,publicações,peçasdeteatroeeventosculturaisjáapoiados.Aprimeirachamada ocorreu no ano de 2010, e eis aqui o link para conhecer alguns dos resultados iniciais:http://www.justica.gov.br/seus-direitos/anistia/projetos/marcas-da-memoria-i-2010.ParamaiordetalhamentodoProjetoMarcasdaMemóriaveroartigodeRobertaBaggio,intitulado"MarcasdaMemória:aatuaçãodaComissãode Anistia no campo das políticas públicas de transição no Brasil" , disponível em:file:///Users/josecarlosmoreiradasilvafilho/Downloads/2924-10625-1-PB.pdf(Acessoem27/10/2017).14O projetoMemorial daAnistia Política é fruto de um convênio entre oMinistério da Justiça e aUniversidadeFederaldeMinasGerais.OprojetoprevêaconstruçãonacidadedeBeloHorizonte-MGdeumespaçodeexposição

Rev.DireitoPráx.,RiodeJaneiro,Aheadofprint,Vol.XX,N.XX,2017,p.XX.JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoDOI:10.1590/2179-8966/2017/31488|ISSN:2179-8966

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realizadoeventose intercâmbiosacadêmicose culturais, alémde inúmeraspublicaçõesque

aprofundamosentidodaJustiçadeTransiçãonoBrasilenaAméricaLatina15.Estesprogramas

eprojetoscompunhamaté2016oProgramaBrasileirodeReparaçãoIntegral,reconhecidoe

celebradointernacionalmente,efaziampartedoroldosdireitosdetodosaquelesqueforam

atingidosporatosdeexceçãoduranteaditaduracivil-militareaosseusfamiliares.

Ao longo desses anos de existência e atuação da Comissão de Anistia é possível

identificaroutrosórgãosecomissõesdeEstadoquereforçarameseguiramomesmosentido

de resgate da memória política da ditadura a partir da visão das vítimas, dentre os quais

destacam-seemespecialaComissãoEspecialdeMortoseDesaparecidosPolíticos,criadaem

1995 ainda no governo de FernandoHenrique Cardoso, e a ComissãoNacional daVerdade,

criada em 2011 e instalada em 2012, em meio ao primeiro mandato da Presidenta Dilma

Roussef.

2.JudiciárioBrasileiroentreoautoritarismoeoativismo

Em seu livro “Ditadura e Repressão”, no qual promove um estudo comparado sobre a

judicializaçãoda repressãonaArgentina,noChileenoBrasil,AnthonyPereira identificaum

curiosoparadoxonocasobrasileiro16.Detodosostrêspaíses,oBrasilfoiaquelequemaisse

aprofundounajudicializaçãodarepressãoditatorialequeconstruiuumalegalidadeautoritária

maisampla,arraigadaevinculadaàordemjurídicaanterior.Talsedeve,entreoutrosfatores,

aoaltograudecoesãoentreaselitesjudiciaiseasforçasarmadas17,oquelevouestasúltimas

àopiniãodequeojudiciárioera“confiável”,equeportanto,ostribunaispoderiamseprestar

aopapelde intermediárioentreaaçãorepressivadiretadosagentesdesegurançapúblicae

permanentelocalizadonoantigocoleginhodaFAFICH,localhistóricodeorganizaçãodaresistênciaàditadura,deumparqueedeumprédionovoqueabrigaráoacervodaComissãodeAnistiaeumcentrodepesquisasparaopúblicoedeproduçãodepesquisasnocampodamemóriapolíticabrasileiraedaJustiçadeTransição.OprojetoprevêaindaaconstituiçãodeumaRedeLatino-AmericanadepesquisasobreJustiçadeTransição(jácriadaequevemproduzindorelatórioseeventosinternacionais-verositedarede:http://rlajt.com).Oprojetomuseológico,jáprontoenoperíodoemqueseescreveesteartigoaindadependentedaentradadosrecursos faltantesparaserinaugurado, pode ser conhecido neste vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=65IXBY98ggc . (Acesso em27/10/2017).15 Grande parte das publicações promovidas pela Comissão de Anistia encontra-se no site:http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anistia-politica-2.16PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no Chile e naArgentina.SãoPaulo:PazeTerra,2010.17Em sua tese de doutorado, Vanessa Shinke evidencia esse alto nível de coesão institucional entre o PoderJudiciárioeasForçasArmadas.SCHINKE,VanessaDorneles. Judiciário e autoritarismo: regimeautoritário (1964-1985),democraciaepermanências.RiodeJaneiro:LumenJuris,2016.

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aqueles que eram perseguidos políticos, tidos no contexto da ditadura como criminosos e

terroristas.

Se por um lado os milhares de julgamentos ocorridos na ditadura brasileira faziam

vistas grossas em relação às denúncias de tortura e compactuavam com leis draconianas,

como eram os Atos Institucionais e seus derivados, contando com juízes que defendiam e

incorporavama ideologia do regime, por outro, tais julgamentos contavam comumarsenal

razoáveldegarantiaseprocedimentosepermitiamemgrandepartedoscasosevitarqueos

opositorespolíticosfossemsimplesmenteeliminados.Emsuapesquisa,AnthonyPereiranotou

também que no Brasil os advogados de defesa de presos políticos possuíam uma relativa

liberdade e autonomia para atuar nas cortes políticas e conseguiram, por vezes, induzir os

juízes a interpretarem a legislação autoritária de uma maneira mais benigna para os seus

clientes18.

NaArgentina,aausênciadeumacoesãoentreosmilitareseaelite judicial levouos

militares a considerarem o judiciário pouco ou de modo algum “confiável”. Não havia,

portanto,mediadoresinstitucionaisentreaviolênciadiretadosagentesdarepressãoeosseus

alvos.Aestratégiaadotada foi claramenteadaeliminaçãoedodesaparecimentoemmassa

dos opositores políticos. Contudo, se a forte coesão institucional ocorrida na ditadura civil-

militarbrasileiraea suamáscarade legalidade foramumdos fatores responsáveisporuma

ciframenordemortosedesaparecidosdoqueemrelaçãoàArgentina,elascontribuírampara

manter mais arraigada no Brasil a continuidade da herança autoritária no período pós-

ditatorial.Apósaditadurabrasileira,nenhumjuiz,pormaisconiventequefossecomoregime,

nenhumpolicial,pormaisquetenhatorturadoeassassinadoopositores,nenhumpolíticoou

dirigente,pormaisquetenhaaprovado,ordenadooutenhasidoconiventecomatortura,foi

demitido, exonerado ou responsabilizado pelos seus atos. Muitos deles simplesmente

continuaramaatuarnoPoderPúblico, transferindoagorao focodasua impunidadeparaos

criminosos comuns e os suspeitos de o serem, que continuaram a ser barbaramente

torturadosnasdelegaciasenospresídios19.

18Sobreestepontoespecífico,verainda:SPIELER,Paula;QUEIROZ,RafaelMafeiRabelo (Coords.).Advocacia emtempos difíceis - ditadura militar 1964-1985. Curitiba: edição do autor, 2013. Disponível em:https://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/advocacia-em-tempos-dificeis_baixa-resolucao.pdf(Acessoem27/10/2017).19Estefato,notórioeregistradoemdiferentesestudoselevantamentos,épalpável,porexemplo,noRelatóriodaAnistia Internacional lançado em fevereiro de 2017 (ver páginas 82 a 87, que tratam do Brasil - disponível em:https://anistia.org.br/wp-content/uploads/2017/02/AIR2017_ONLINE-v.3.pdf)(Acessoem27/10/2017).

Rev.DireitoPráx.,RiodeJaneiro,Aheadofprint,Vol.XX,N.XX,2017,p.XX.JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoDOI:10.1590/2179-8966/2017/31488|ISSN:2179-8966

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Comrelaçãoao temadaanistiaeda responsabilizaçãodosagentesdaditadura,o judiciário

brasileiro sempre foi reticente.No conhecido casodasmãos amarradas, noqual o sargento

Manoel Raymundo Soares foimorto por agentes da ditadura por afogamento e encontrado

boiandocomasmãosamarradasnoRioJacuíem196620,aprovocaçãoaoPoderJudiciáriofoi

vã.

ApósaConstituiçãode1988,houveatentativadoMinistérioPúblicodeSãoPaulode

abrir um inquérito civil para apurar, em 1992, a morte do jornalista Vladimir Herzog e a

tentativadereabrirainvestigaçãodocasoRiocentro21,em1996,noSuperiorTribunalMilitar.

Emambososcasoshouveoindeferimentodospleitospelamesmarazão:incidênciadaanistia

“bilateral”de197922.Ocuriosoéque,no segundocaso, referenteaoatentadoocorridoem

1981 no Riocentro, mesmo reconhecendo indícios de autoria de militares no crime, os

Ministros do STM– agindoemdesacordo comaprópria LeiNº 6.683/1979– justificaramo

arquivamento do procedimento pela incidência da anistia a crimes cometidos após 1979. A

construçãodeuma“anistiapara frente”representouumverdadeiroestelionato jurídicoque

contribuiu para fortalecer a noção de que – no Brasil – não haveria responsabilização dos

agentes do estado de exceção: como pensar em punir os crimes de tortura, sequestro e

homicídioocorridosantesde1979sesobreaquelesqueocorreramdepois(comooatentado

20Paramais informações sobreo caso ver, entreoutros:ASSUMPÇÃO, ElianeMaria Salgado (org.).ODireito naHistória:ocasodasmãosamarradas.PortoAlegre:TRF4a.Região,2008;eoprópriorelatóriodaComissãoEspecialdeMortos eDesaparecidosPolíticos: BRASIL. Secretaria Especial dosDireitosHumanos. Comissão Especial sobreMortos e Desaparecidos Políticos. Direito à verdade e à memória. Brasília: Secretaria Especial dos DireitosHumanos,2007.p.75-77.21O casoRiocentrodiz respeito a umatentado a bomba frustradoocorridonanoite dodia 30de abril de 1981contraumacasadeespetáculossituadanacidadedoRiodeJaneironaqualsecomemorariaodiadotrabalho.Abombaexplodiunocolodedoismilitares,vitimandoumeferindoooutro,antesquepudesseserinstaladanolocaldosshows.Aintençãoeraatribuiroatentadoagruposdelutaarmada,àquelaalturajáeliminados,paracomistobuscarjustificaracontinuidadedofechamentodoregimepolítico.Estecasoaindafoijudicializadoumavezmaisnoano de 2014 por iniciativa doMinistério Público Federal. A juíza federal da 6a Vara Federal Criminal do Rio deJaneiro aceitou a denúncia, mas os réus obtiveram o trancamento da ação no Tribunal Regional Federal da 2aRegião,comopretextodaprescrição,nãomaisdaanistia.OMPFrecorreueaquestãoseguependente.22A decisãode trancar o inquérito policial do casoHerzog veio daQuarta câmarado Tribunal de Justiça de SãoPaulo (SÃOPAULO. Tribunal de Justiça.Habeas Corpus n. 131.798-3/2. Relator Péricles Piza) e foimantida peloSuperior Tribunal de Justiça (SUPERIOR TRIBUNALDE JUSTIÇA.Recurso Especial n.33.782-7-SP, j.18/08/1993, 5aTurma,unânime,RelatorMinistroJoséDantas).JáadecisãodetrancarasinvestigaçõesdocasoRiocentrocombasena Lei de Anistia foi tomada pelo Superior Tribunal Militar em 1988, quando declarou de ofício a extinção dapunibilidade dos autores (Representação n. 1.067-7/DF) e quando negou em 1996 novo pedido de abertura dainvestigação (Representação Criminal n. 4-0/DF).Maiores detalhes sobre ambos os casos podem ser vistos em:SANTOS,RobertoLima;BREGAFILHO,Vladimir.Osreflexosda"judicialização"darepressãopolíticanoBrasilnoseuengajamentocomospostuladosdajustiçadetransição.In:RevistaAnistiaPolíticaeJustiçadeTransição.Brasília,n.1,p.152-177,jan./jun.2009.Nomomentoemqueseescreveesteartigo,ocasoHerzogencontra-sejudicializadopelaCorteInteramericanadeDireitosHumanos,játendoocorridoaaudiênciajuntoàCortenodia24demaiode2017.

Rev.DireitoPráx.,RiodeJaneiro,Aheadofprint,Vol.XX,N.XX,2017,p.XX.JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoDOI:10.1590/2179-8966/2017/31488|ISSN:2179-8966

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ao Riocentro) também incidia – legitimamente, conforme o poder Judiciário – amalfadada

causadeextinçãodapunibilidade?

Assim, seja antes, seja depois do estabelecimento da ordem democrática pela

Constituição de 1988 a tentativa de se construir o pilar da “responsabilização” no processo

transicionalbrasileiro sempreestevepresente como reivindicaçãodosque sofreramcomos

atosdeexceção.Noentanto,comoseconstatou,ostermosdainterpretaçãodadaaoinstituto

da anistia impediram qualquer análise de mérito que viabilizasse alguma providência no

sentidoda investigaçãoedaresponsabilização.Somenteapósaviradadoséculo,apartirde

2008, é que houve uma novamobilização, por parte de organismos da sociedade civil e de

órgãos vinculados ao Estado, que buscou questionar a validade da interpretação da anistia

como“acordobilateral”peranteoSupremoTribunalFederal.

Tal questionamento foi feito através da Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental(ADPF)N°153,julgadaemabrilde2010emdoisdiasdesessãoecujoresultado

foi o de sete a dois pelo indeferimento, com votos que trouxeram fundamentos bastante

questionáveis,inclusivesobopontodevistahistórico23,chegando-seaafirmar,porexemplo,

quenadécadade70asociedadefoiàsruaspedirumaanistiaampla,geraleirrestritacomo

sentido de estendê-la aos torturadores do regime de força, quando em verdade o famoso

bordãosereferiaaospresospolíticoscondenadospelaatuaçãonaresistênciaarmada,eque,

nofinal,acabaramnãosendomesmoanistiadospelaLeiN°6.683/197924.

Umdosargumentosmaistortuososequeapareceutantonovotodorelator,Ministro

ErosGrau, comonovotodoMinistroGilmarMendes, foiodequeo impedimento formado

23ParaacríticadadecisãodoSTFeseusfundamentosver:MEYER,EmilioPelusoNeder.CATTONI,Marcelo.Anistia,históriaconstitucionaledireitoshumanos:oBrasilentreoSupremoTribunalFederaleaCorteInteramericanadeDireitosHumanos.InCATTONI,Marcelo(org.).ConstitucionalismoeHistóriadoDireito.BeloHorizonte:Pergamum,2011, p. 249-288. MEYER, Emilio Peluso Neder.Ditadura e Responsabilização- elementos para uma justiça detransiçãonoBrasil.BeloHorizonte:Arraes,2012;TORELLY,MarceloD.JustiçadeTransiçãoeEstadoConstitucionaldeDireito-perspectivateórico-comparativaeanálisedocasobrasileiro.BeloHorizonte:Fórum,2012;SILVAFILHO,José Carlos Moreira da. O Julgamento da ADPF 153 pelo Supremo Tribunal Federal e a Inacabada TransiçãoDemocrática Brasileira. In: Wilson Ramos Filho. (Org.).Trabalho e Regulação- as lutas sociais e as condiçõesmateriaisdademocracia.BeloHorizonte-MG:Fórum,2012,v.1,p.129-177;SILVAFILHO,JoséCarlosMoreirada;CASTRO, Ricardo Silveira.Justiça de Transição e Poder Judiciário brasileiro - a barreira da Lei de Anistia para aresponsabilização dos crimes da ditadura civil-militar no Brasil.Revista de Estudos Criminais, n.53, p.50-87;VENTURA, Deisy. A Interpretação judicial da Lei de Anistia brasileira e o Direito internacional. In: PAYNE, Leigh;ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo (orgs.).A Anistia na era da responsabilização: o Brasil em perspectivainternacional e comparada. Brasília:Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, LatinAmerican Centre, 2011. p.308-34; PAIXÃO, Cristiano.The protection of rights in the Brazilian transition: amnestylaw, violations of human rights and constitutional form(01. September 2014), in forum historiaeiurishttp://www.forhistiur.de/en/2014-08-paixao/.(Acessoem27/10/2017).24Acrescente-seaindaofatodequenasfrequentesassembleiasrealizadaspelosdiversosComitêsBrasileirospelaAnistia (CBA's) as resoluções finais sempre pediam a responsabilização dos crimes da ditadura, conforme anotaHeloísaGreccoemsuatese(GRECO,op.cit.),etambémRODEGHEROetal.,op.cit,p.160-162).

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pelaanistiade1979à investigaçãoeresponsabilizaçãodoscrimesdaditaduravinhadeuma

imposição de compromisso da ECN°26/1985 à Constituinte de 1987, isto é, afirmaram que

uma das bases da ordem democrática de 1988 vinha justamente de uma Emenda à

Constituiçãoautoritáriaeoutorgadade1967,oquelimitavaasoberaniadaConstituinte.

TalvezestadecisãodoSTFsejaumdospontosde inflexãomaisnítidosemdireçãoà

ruptura institucional que se consumou no dia 31 de agosto de 2016 com a conclusão do

processodeimpedimentodaentãoPresidentaDilmaRoussef.Aoreproduziremplenoregime

democráticoamesmainterpretaçãoqueaditaduraforjouparaaLeideAnistiade1979,pode-

sedizerqueoSTFalojouo"golpismo"emseusgabinetesedecisões.

Após a decisão do STF na ADPF 153, tomada em abril de 2010, o Brasil sofreu em

novembro de 2010 a condenação na Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso

GomesLundeoutros,tambémconhecidocomoCasoGuerrilhadoAraguaia.Adecisãodeixa

claroqueoSupremoTribunalFederalnãofezodevidocontroledeconvencionalidadeequea

sua decisão na ADPF 153 contraria as obrigações internacionais brasileiras, já que "as

disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves

violaçõesdedireitoshumanoscarecemdeefeitosjurídicos"25.

A partir da condenação do Brasil na Corte, o Ministério Público Federal assumiu a

orientação internade levaradianteaçõesderesponsabilizaçãopenaldoscrimesdaditadura

juntoaoPoderJudiciáriobrasileiro.Foramdezenasdeaçõespenais iniciadaspeloMinistério

PúblicoFederalapartirdacondenaçãodopaísnoCasoAraguaia,masopoderjudiciáriotem

negadosistematicamenteoseguimentodasações,oraapoiadonoargumentodaanistia,ora

nodaprescrição26,contandoinclusivecomalgumasdecisõesquechegamafazerapologiaao

regimeditatorial.

Argumenta-senesteartigoque,noâmbitodopoderjudiciáriobrasileiro,areafirmação

emtemposdemocráticosdeumacertatolerânciaecomplacência,paranãodizer,emalguns

casos, defesa da tomada do poder pelos militares em 1964, e o bloqueio a medidas

justransicionais de responsabilização e de pleno repúdio à ditadura civil-militar,

representaramumclaroflancopeloqualalojou-seaparticipaçãodopoderjudiciárioemnovo

processoderupturainstitucional,ocorridoagoraem2016,háquase20anosdapromulgação

25CORTE INTERAMERICANADEDERECHOSHUMANOS.CasoGomes Lund e outros vs. Brasil. Sentenciade24denovembre de 2010. § 174. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf .(Acessoem27/10/2017).26ParaumregistrorecentedovolumedeaçõesdoMPFpararesponsabilizaroscrimespraticadospeladitaduraeasteses jurídicas adotadas, ver: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes/roteiro-atuacoes/005_17_crimes_da_ditadura_militar_digital_paginas_unicas.pdf(Acessoem27/10/2017).

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daConstituiçãodemocrática.

3.ARupturaInstitucionalnoBrasilem2016:golpeparlamentarcomapoiojudicial?

O que aconteceu no Brasil no ano de 2016, com a saída de Dilma Roussef da

Presidência da República, pode ser explicado sob diferentes ângulos e a partir de uma

multiplicidadedefatores27,masrevelainegavelmenteumagraverupturainstitucionalquetraz

diversos paralelos com aquela ocorrida em 1964 com o golpe civil-militar que depôs o

Presidente João Goulart28. Diferentemente de 1964, em 2016 não houve a deposição pelas

armas e a participação das Forças Armadas. Seguiu-se um caminho semelhante àquele já

percorridoporHonduraseParaguai.

EmHonduras,noanode2009oPoder Judiciário,provocadopeloMinistérioPúblico

hondurenho, emitiu ordem de prisão ao então Presidente Manuel Zelaya, que retirado de

pijamasdasuacasapeloExércitofoiilegalmentedeportadoparaaCostaRica.NoParaguai,no

anode2012oentãoPresidenteFernandoLugofoidepostopeloParlamentoemumprocesso

relâmpagode impeachmentnoqual teveapenasduashoraspara sedefenderdeacusações

vagaseatípicasrelativasaumsupostofracoexercíciodassuasfunções.NoParaguainãofoi

difícil obter o impeachment, visto que o Congresso estava dominado pela oposição

conservadora.

Oquehádecomumentreessescasosrecentes,incluindo-seaíobrasileiro,éofatode

serem países latino-americanos, de os governos atingidos serem considerados de esquerda,

com políticas populares voltadas ao combate das desigualdades sociais, e de terem sido

utilizadas as instituições estatais para aomesmo tempo retirar tais governantes do poder e

ostentar uma aparência de legalidade e normalidade institucional. Em todos esses casos,

27Várias análises já foram feitas sobreo contextoeo sentidodessa ruptura: CITTADINO,Gisele; PRONER,Carol;RAMOSFILHO,Wilson;TENEMBAUM,Marcio(Orgs.).Aresistênciaaogolpede2016.Bauru:Canal6,2016;RAMOS,GustavoTeixeira;MELOFILHO,HugoCavalcanti;LOGUERCIO,JoséEymardt;RAMOSFILHO,Wilson(Orgs.).Aclassetrabalhadora e a resistência ao golpe de 2016. Bauru: Canal 6, 2016; PRONER, Carol; CITTADINO, Gisele;NEUENSCHWANDER,Juliana;PEIXOTO,Katarina;GUIMARÃES,MariliaCarvalho(Orgs.).Aresistência internacionalao golpe de 2016. Bauru: Canal 6, 2016; JINKINGS, Ivana;DORIA, Kim; CLETO,Murilo (Orgs.).Por que gritamosgolpe?paraentenderoimpeachmenteacrisepolíticanoBrasil.SãoPaulo:Boitempo,2016;GENTILI,Pablo(Ed.).GolpeenBrasil-genealogiadeumafarsa.BuenosAires:CLACSO;OctubreEditorial,2016.28Paraumsucintoparaleloentreambososprocessosver: SILVAFILHO, JoséCarlosMoreirada.O JogodosSeteErros -1964-2016. In:PRONER,Carol;CITTADINO,Gisele;TENEMBAUM,Marcio;RAMOSFILHO,Wilson (Orgs.).AResistênciaaoGolpede2016.Bauru:Canal6,2016,v.,p.196-203.

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igualmente,tratou-sedeimplantarumaagendadereformasdecunhoneoliberal,comfortes

restriçõesdedireitossociaisconquistadosnasúltimasdécadas.

Emobra recente,AnibalPérez-Liñán identificanaAmérica Latina, apósas transições

realizadas com o fim das ditaduras civis-militares de segurança nacional, a tendência de

interrupçãodemandatospresidenciaispormeiodejuízospolíticos.Taltendênciaacentuou-se

a partir dos anos 90 e indica um novo modo de instabilidade política na região29. Entre a

derrubada do Presidente brasileiro Fernando Collor em 1992 e o ano de 2004, Pérez-Liñán

catalogou a deposição de dez presidentes latino-americanos. Em seu estudo comparativo,

Pérez-Liñán identifica a confluência de quatro fatores desse novo processo: a ausência de

participaçãodasforçasarmadas,aexistênciadeprotestossociaisdegrandeexpressãoemface

dedenúnciasde corrupçãooudiantede crises econômicas, apresençadamídia comouma

espécie de vigilantemoral público da sociedade e um baixo nível de apoio parlamentar ao

presidenteeleito,alémdaparticipaçãodecisivadoparlamentonadeposiçãodoPresidentena

molduraconstitucional.

Aperguntaqueficaaquiindicadaéseestanovamodalidadepodeserconsideradaem

algunscasosumgolpedeEstado.CarlosBarbéassinalaquenosanos70doséculoXXaforma

mais frequente de golpe de estado foi a que envolveu a participação demilitares30, do que

podesededuzir,emacordocomadefiniçãodoautor,quenãoéumelementoobrigatórioe

necessárioaativaparticipaçãomilitar.

ConformeBarbé,nahistóriadoconceitodegolpedeEstado,queiniciacomaobrade

GabrielNaudé(Considérationspolitiquessurlecoupd'État-1639),identifica-seumamudança

de atores quanto à sua promoção ativa. Originalmente o conceito apontava para atos de

exceçãopraticadospelosoberano.Comoadventodoconstitucionalismo,oconceitopassoua

abrangertambémsituaçõesdemudançadogovernoocorridascomaviolaçãodaConstituição

vigente,epraticadapelosprópriosdetentoresdopoderpolítico,normalmentecomviolência.

E,porfim,ogolpemilitar.

Partindodessamolduraconceitual,épossívelidentificaraocorrênciadeumgolpede

Estado quando ocorre a mudança do governo a partir de uma violação das regras

29PÉREZ-LIÑÁN,Anibal.JuíciopolíticoalpresidenteynuevainestabilidadpolíticaenAméricaLatina.BuenosAires:FondodeCulturaEconomica,2009.p.282.30BARBÉ, Carlos. Golpe de Estado. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs.).DicionáriodePolítica.5.ed.TraduçãodeCarmenC.Varrialle...[etal].Brasília:UniversidadedeBrasília,1993.p.545-547.

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constitucionais, sendo também importante a participação de grupos políticos poderosos na

suarealização,eaindaquenãoocorraaparticipaçãodosmilitares.

Também é possível delimitar o caráter de golpe para os recentes processos de

deposição de governantes na América Latina recorrendo à ideia de que em Estados

formalmente democráticos, ainda que de baixíssima intensidade especialmente para as

camadasmaisperiféricasdassociedades latino-americanas,podemserutilizadasdemaneira

mais ampla e "criativa" medidas de exceção, isto é, medidas autoritárias, apoiadas no

decisionismo,semamparolegalouconstitucional.Taismedidasdeexceçãopodempromover

a retirada dos governantes eleitos e deflagrar mudanças bruscas de orientação política no

governo,semqueparaissosejanecessáriaainstauraçãodeumEstadodeexceçãodeclaradoe

sem que se rompa ostensivamente com os mecanismos de democracia formal 31 ,

contrariamenteaoqueocorreunasditadurascivis-militaresdesegurançanacional.

No caso brasileiro de 2016 nota-se uma diferença crucial em relação ao padrão

proposto por Pérez-Liñán, qual seja o papel decisivo do poder judiciário na ruptura

institucional, fazendo às vezes de guardiãomoral da sociedade apoiado e reverberado pela

mídia hegemônica, e com isso "justificado" em seus decisionismos violadores de cláusulas

constitucionais.

Apartirdosfundamentosexpostos,seapresentarazoáveleadequadaautilizaçãoda

categoria "golpe" para tratar do processo de impeachment sofrido pela Presidenta Dilma

Roussefem2016.

No dia 02 de dezembro de 2015 o Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo

Cunha aceitou pedido de impedimento contra a Presidenta Dilma Rousseff pela prática de

crime de responsabilidade contra a lei orçamentária (hipótese doArt.85, VI da Constituição

Federal de 1988). A aceitação do pedido deu-se em circunstâncias polêmicas, pois ocorreu

momentosdepoisqueosdeputadosdoPartidodosTrabalhadores(PT),partidodaPresidenta,

31Essa é a leitura proposta por Pedro Serrano para interpretar os eventos ocorridos emHonduras em 2009, noParaguai em2012enoBrasil em2016.Comapoiono conceitodeexceçãodeCarl Scmitt, o autor caracteriza aexceçãocomoopodersoberanoquedecidesobreasuspensãododireito,equepodeser identificadoquandoogovernanteougrupospolíticospoderososutilizamasferramentaseprocessosdemocráticosparasuspenderemasgarantiaslegaiseimporemaexceção,nãoraramenteatribuindoaoatodeexceçãoocaráterdeaplicaçãoregularecorretadanormademocrática.Umclaroexemplodessaestratégia segundooautor seriaoPatriotAct nosEUA,instituído após a queda das torres gêmeas. No caso dos recentes processos latino-americanos de deposição degovernantes, a exceção estaria presente pontualmente no apoio judicial aos processos irregulares einconstitucionaisdeinterrupçãodemandatoseletivos.AfirmatextualmenteSerrano:"EmHondurasenoParaguai,regimes democráticos foram inconstitucionalmente interrompidos, golpeando presidentes legitimamente eleitosporobraoucomapoiodasrespectivascortessupremas.Trata-sedajurisdiçãofuncionandocomofontedaexceção,enãododireito."(SERRANO,PedroEstevamAlvesPinto.AutoritarismoegolpesnaAméricaLatina-breveensaiosobrejurisdiçãoeexceção.SãoPaulo:Alameda,2016.p.168).

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declararam que votariam contra o Presidente da Câmara em causa de cassação do seu

mandatoemandamentonaComissãodeÉticadacasalegislativa.Nodia17deabrilde2016

ocorreu sessão plenária de votação do parecer favorável, aprovado pela Comissão Especial

constituída,aoimpedimentodaPresidenta.OpedidofoiaprovadopelaCâmaracom367votos

a favor, 137 contra, 7 abstenções e 2 ausências.Nasmanifestaçõesdosparlamentarespara

justificar o voto pouco se tratou da acusação da prática de crime de responsabilidade pela

Presidenta.Oqueaesmagadoramaioriadosdeputadosdisseforamhomenagensamembros

dafamília,acusaçõesdecorrupçãoàPresidenta(nãomencionadasnopedidocujaaceitaçãose

votava) e até homenagens a notórios torturadores da ditadura civil-militar, espetáculo que

chocouasociedade,atémesmoaquelesfavoráveisàdeposiçãodaPresidenta.Aaprovaçãodo

pedidonaCâmararepresentouomomentoculminanteparaoafastamentodaPresidentapelo

SenadoFederal, tornando-opraticamente irreversível sobopontodevistapolítico.Oplacar

doimpedimentonoSenadofoide61votosafavore20contra,emumparlamentocomampla

maioria oposicionista e conservadora, o que confere à ruptura institucional um inegável

caráterparlamentar.

AdenúnciaquefoiapreciadanoParlamentofoioferecidapelosjuristasHélioBicudo,

JanaínaPaschoaleMiguelRealeJr.Examinando-seapeçainicial,bemcomoasalegaçõesfinais

eorelatóriodoSenadorAntonioAnastasiadoPSDB32,quefoidesignadonoSenadorelatordo

pedidoaprovadonaCâmara,vê-seumadoutrinaabsolutamentepermissivadoimpeachment

no Direito brasileiro, que abre espaço a uma indevida fiscalização ordinária dos atos do

Presidente eleito e potencializa a criminalizaçãode atos de gestão e administração, quando

deveriaserumprocessoexcepcionalíssimoerigoroso,adstritoàshipótesesconstitucionais.

EmboraahipótesedoimpeachmentestejaprevistanaConstituiçãode1988,aleique

regulamentaoseuritoedetalhaassuashipóteseséumaleide1950,aLeiN°1.079/50.Esta

leitevecomoumdosseusredatoreseentusiastaopolíticoRaulPilla,conhecidoporseufervor

parlamentarista, e que havia sido previamente derrotado em sua campanha para que a

Constituiçãode1946adotasseosistema.AaprovaçãodaLeidoscrimesderesponsabilidade,a

LeiN°1.079/50,figuroucomoumaespéciedeprêmiomenoraoblocopolíticoparlamentarista,

32BRASIL.CÂMARADOSDEPUTADOS.DenúnciaN°1de2016.Autores:HélioBicudo, JanaínaConceiçãoPaschoal,MiguelRealeJr.eoutros;BRASIL.SENADOFEDERAL.ParecerN°,de2016.DaComissãoEspecialdoImpeachment,referente à admissibilidade da DEN nº 1, de 2016. Relatoria do Senador Antonio Anastasia; BRASIL. SENADOFEDERAL.Alegações Finais naDenúnciaN°1de 2016.Autores:Hélio Bicudo, JanaínaConceiçãoPaschoal,MiguelRealeJr.eoutros.Todasastrêspeçasreferidaspodemserencontradasem:http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/08/22/veja-os-principais-documentos-do-processo-de-impeachment-de-dilma-rousseff(Acessoem27/10/2017).

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criando-se assim uma lei moldada por um viés parlamentarista vigente em um sistema

presidencialista33. InteressantenotarquefoiRaulPillaquemredigiuaemendaqueadotouo

sistemaparlamentaristapraretirarospoderespresidenciaisdeJoãoGoulartem196134diante

dapressãodosinumeráveisgruposgolpistasdaquelaépoca,militaresecivis.

Vê-se, portanto, que o espírito que animou a lei do impeachment foi o

parlamentarista.Contudo,osistemanoBrasiléopresidencialista.Senoprimeiroaperdada

maioriaparlamentarpodedestituirogovernante,nosegundoasuadestituiçãolegalsópode

ocorrer em circunstâncias excepcionais e restritas, não sendo suficiente a desconfiança da

maioria parlamentar oposicionista. Necessário é que se configure um crime de

responsabilidade. Afrouxar esta condição tornando-a permissiva para nela incluir múltiplas

hipóteses determinadas por leis infraconstitucionais, incluindo até mesmo raciocínios

extensivosedeanalogia,comoocorreunocasodoimpeachmentdaPresidentaDilmaRoussef,

éfragilizaracláusulademocrática,substituindoonumerosoeexpressivorespaldopopularque

sustenta o mandato do Presidente da República pelo malabarismo hermenêutico de

parlamentares com muito menos votos e de funcionários públicos sem representatividade

alguma,comoosãojuízeseprocuradores.

O Brasil alargou ainda mais o flanco de fragilidade democrática institucional ao

submeter a Constituição de 1988 à lógica parlamentarista de uma Lei editada em 1950, e

mesmoapósosistemaparlamentaristatersidorejeitadonoplebiscitode1993porquase70%

da população. Na ausência de uma nova lei, que esteja mais adequada tanto ao sistema

presidencialista como ao marco constitucional instituído a partir de 1988, seria ao menos

necessário uma interpretação judicial que submetesse a legislação ordinária à lógica e à

supremaciaconstitucional.Detodomodo,mesmoconsiderandoaexistênciadaLeide1950,o

processode impeachmentdaPresidentaDilmaRoussefnão conseguiudemodoconsistente

identificarqualquercrimederesponsabilidade.

33 QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo. Impeachment e lei de crimes de responsabilidade - o cavalo de tróiaparlamentarista.In:BlogDireitoeSociedadePublicadoem16dedezembrode2015.Disponívelem:http://brasil.estadao.com.br/blogs/direito-e-sociedade/impeachment-e-lei-de-crimes-de-responsabilidade-o-cavalo-de-troia-parlamentarista/(Acessoem27/10/17).34Aautoriadapropostadeemendaconstitucionalqueviriaaseraprovadaem1961erevogadaem1963podesercomprovada nos registros da Câmara dos Deputados. Ver:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2089572(Acessoem27/10/2017).

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Nocasodascélebres"pedaladasfiscais"35,oincisoVIdoArt.85daCFde1988afirma

quesãocrimesderesponsabilidadeatosqueatentemcontraa"leiorçamentária".Aspeçasda

acusaçãonoprocessodeimpeachmentafirmamquenestaexpressãodever-se-iaincluiraLei

deResponsabilidadeFiscal(LeiComplementarN°101/2000).Noentanto,aquestãofiscalnão

seconfundecomaorçamentária,aindaqueestejamrelacionadas,existindoumaleidiferente

paracadaqual.Quererincluirumaleiquenãoéorçamentáriaemumdispositivoexcepcionale

com consequências drásticas para o mandato presidencial é dar uma amplitude muito

questionáveletemerária.

Indo além, o Senador Anastasia afirmou em seu parecer de admissibilidade ao

processode impedimentonoSenadoque, comoa LeideResponsabilidadeFiscaldizno seu

Art.73queas infraçõesaesta lei serãopunidascombase,entreoutras leis,naLeide1950,

violar qualquer dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal implica em crime de

responsabilidade.ApartirdaíoSenador indicaqueaPresidentaviolouoArt.36,quevedaa

realização de empréstimo entre o ente da federação e instituição financeira por ele

controlada.Noentanto,emnenhumlugardaleisedizqueainfraçãoaesteartigoéumcrime

de responsabilidade.Mas ainda que fosse, atrasar o pagamento de recursos aplicados para

subvenção de programas que garantem direitos sociais, como ocorreu no Plano Safra, um

plano público de concessão de crédito para a agricultura familiar, não é uma operação de

crédito,nãoexistindosequerprecedentejudicialoudoutrinárionestesentido.

Combasenafalsapremissaanterior,partiu-separaaidentificaçãodoqueseriaoutro

supostocrimederesponsabilidade:aediçãodedecretosdecréditosuplementarforadameta

fiscal, já que se a premissa fosse verdadeira não haveria superávit a autorizar os créditos,

condiçãoprevistanaLeideOrçamentode2015.Deixandoafalsapremissadelado,aedição

desses decretos seguiu rigorosamente as condições exigidas em lei, e é recurso comum

utilizadoporgovernosanteriores.

Ademais, todos os atrasos de pagamentos do tesouro às instituições financeiras

federaisforamquitadosemjaneirode2016eoanode2015fechoucomametacompatível

aosgastosrealizados,tendoametasidoalteradaemdezembrodiantedosefeitosrecessivos

da crise econômicamundial36. No entanto, isso parece não ter qualquer relevância para os

35PedaladasFiscaisdesignamapráticadeoTesouropúblicoatrasarorepassedeverbas,queforamutilizadasparaprogramas públicos e sociais, a instituições financeiras públicas ou privadas, produzindo com isso uma melhorsituaçãofiscalnofechamentodeumdeterminadoperíodo.36Casoametanãohouvessesidoalteradadentrodoanofiscalaísimseconfigurariaogastoacimadametasemautorização do parlamento. De todo modo, é sintomático que apenas dois dias após a consumação do

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denunciantes do impeachment e os que os apoiaram, sob o pretexto de que se a Lei de

ResponsabilidadeFiscaléuma leiqueprotegeaprecaução,entãoqualqueratoconsiderado

temerárioviraumcrimederesponsabilidade,aindaquenãotenhahavidoprejuízoaoscofres

públicoseospassivostenhamsidosaldados.Éum"crimeformaldemeraconduta",conforme

estáassinaladonoparecerdoSenadorAnastasiaenasAlegaçõesFinaisdosdenunciantes.Não

interessaoresultado.

Em homenagem aos princípios mais elementares do Direito Penal e da cláusula

democrática,exige-sequeocrimeensejadordaperdadomandatopresidencialpopularseja

estritamente previsto na Constituição ou a partir dela, restando vedado qualquer juízo de

analogiaoualargamento.QuererafastaressacondiçãoparaqueoParlamentodecidaoque

quiser,comadesculpadequesetratadeumjuízoeminentementepolíticoéviolaralógicaea

Constituição.

Não só o crime identificado foi fruto de um verdadeiro atentado hermenêutico à

Constituiçãoeàlegislaçãofinanceiracomotambémnãoseconseguiuapontarsuaautoriacom

clareza e coerência. A Presidenta Dilma foi ao mesmo tempo acusada por ato omissivo e

comissivo, como se depreende da denúncia e das alegações finais. Somente restou aos

defensoresdoimpeachment,emsuasalegaçõesfinais,invocarema"personalidadeenérgicae

controladora"daPresidentaparaafirmarqueelafoiautoradoscrimescriados,ouatestarem

que a Presidenta era "íntima" do Secretário do Tesouro, a ponto de não se saber "onde

começavaumeterminavaooutro"37.

Para alémdoprotagonismoparlamentarnadeposiçãodaPresidenta eleita, opoder

judiciário teve tambémparticipação crucial nesseprocesso.O STF senegoua exercero seu

papeldelimitarosabusosdoParlamentoaolongodoprocessofraudulentodeimpeachment,

mesmoquandoprovocado38,soboargumentodequesetratavadeumadecisão"política"e

dequenãodeveriaintervir,lavandoassuasmãos.

impeachment,oSenadotenhaaprovadoumaleiqueflexibilizaaediçãodedecretosdecréditosuplementarsemautorizaçãodoCongresso,aLeiN°13.332/2016..37EstafrasefoiditaporMiguelRealeJr.,umdosjuristassignatáriosdopedidodeimpeachmentdeDilmaRoussef,quandorealizavasuamanifestaçãonaComissãoEspecialdoImpeachmentnoSenadoFederalnodia28deabrilde2016.Disponívelem:http://veja.abril.com.br/brasil/reale-defende-impeachment-no-senado-crime-de-responsabilidade-sem-punicao-e-golpe/(Acessoem27/10/17).38LogoapósconsumadooimpedimentodaPresidentaDilma,asuadefesaimpetrouumMandadodeSegurançanoSTFpedindoaanulaçãodoimpedimento.Aliminarfoinegadaeaação,atéosdiasnosquaisseescreveesteartigo,dormitanasgavetasdaCorte.

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Ademais,paraqueoprocessodeimpeachmentdaPresidentaDilmafossepossivel,foi

necessário um intenso processo de criminalização do seu partido e do seu governo,

proporcionadopor intensa campanhamidiática epor ação seletiva e arbitrária do Judiciário

federal,daPolíciaFederaledoMinistérioPúblicoFederal.

Ao longo do ano de 2016 o Jornal O Globo estampava sucessivas manchetes e

editoriaisdeapoioaogolpeparlamentar,assimcomofizeramtambémquasetodososjornais

dagrandemídia(eentreelesaFolhadeSãoPaulo,oEstadãoeaRevistaVeja).ARedeGlobo

deTelevisãotevepapeldecisivoeprotagonistapormeioprincipalmentedosseusprogramas

de notícias e jornalismo. O Jornal Nacional dedicou edições inteiras para noticiar e analisar

vazamentos seletivos e escutas ilegais enviadas diretamente pelo juiz Sergio Moro,

responsável pela Operação Lava-Jato39. Também deu destaque para investigações ainda em

andamentodoMinistérioPúblicoFederalvoltadascontraoEx-PresidenteLula,seupartidoeo

governodaPresidentaDilma,aomesmopassoemquedavapoucoespaçoe importânciaàs

denúncias e delações envolvendo empresários que apoiavam a oposição e políticos da

oposição,entreelesocandidatodoPartidodaSocialDemocraciaBrasileira(PSDB)derrotado

em 2014. O auge do espetáculo midiático ocorreu na noite de 16 demarço quandoMoro

enviougramposilegaisdeconversasentreaPresidentaDilmaeoEx-PresidenteLula,feitosna

própriaPresidênciadaRepública,diretamenteàRedeGlobodeTelevisão,contendoconversas

particulareseprivadasquesãomanipuladaseexpostasàexecraçãopúblicaemplenoJornal

Nacional40.OcrimepraticadoporMoroé ignoradopeloConselhoNacionalde Justiçaepelo

STF,contentando-seesteúltimocomumsimplespedidodedesculpas.

39AOperaçãoLava-JatoéumamegaoperaçãodeflagradapelaPolíciaFederalnoanoeleitoralde2014equenoâmbitodojudiciáriofederalvemsendocentralizadaecoordenadapelo juizfederalSergioMoro,comatuaçãodoSTF nos casos de políticos com foro privilegiado. O foco central é a investigação sobre esquemas de propinapraticados na Petrobrás envolvendo políticos e empreiteiras. Trata-se de uma operação polêmica, ainda nãoconcluída quando da redação deste artigo, que tem se tornado notória pelo uso explícito que faz de delaçõespremiadasobtidasdesuspeitosmantidosindefinidamenteemprisãopreventiva,devazamentosilegaisàimprensa,deatuaçãoemparceriaentrepromotoriaemagistraturacontraosréus,decerceamentodedireitosdadefesa,deaçõesespetacularescobertaspelamídiaedecondenaçõesseverasqueemmuitoscasosbaseiam-setãosomenteemdelações.40Na conversa ilegalmente gravada e divulgada a Presidenta Dilma avisava o Ex-Presidente Lula de que umemissáriolevariaatéeleotermodasuapossecomoMinistrodaCasaCivil,paraquepudesseutilizá-lo"emcasodenecessidade"atéasuachegadaaBrasíliaparaefetivamentetomarpossenocargo.ÀépocaoEx-Presidentenãoeraréuemqualquerprocesso,nãohavendo portantoqualquer impedimentoparaqueDilmaonomeasseMinistro,estandotalatitudedentrodasualegítimadiscricionariedadecomogovernanteeleita.ComasuanomeaçãocomoMinistro,oEx-Presidenteadquiririaforoprivilegiadoeteriaeventuaisdenúnciasapreciadaseformuladasapartirda ProcuradoriaGeral da República diante do Supremo Tribunal Federal.No STF, oMinistroGilmarMendes emdecisão monocrática e liminar simplesmente suspendeu a posse do Ex-Presidente, situação que não mais foirevertida,mesmocomaausênciadequalquerrazoabilidadeoufundamentolegalparasustentá-la.

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Amplos setores da Polícia Federal, em trabalho conjunto com o Judiciário e o

Ministério Público Federal, no bojo da Operação Lava-Jato, levaram adiante Operações de

investigação, conduções coercitivas 41 , prisões e de execução de mandados de busca e

apreensãoquesevoltaramprioritariamentecontraoprópriogovernodaPresidentaeleitae

seu Partido, por mais frágeis e inconsistentes que fossem as acusações, enquanto os

documentosedelaçõesqueenvolverampolíticosdospartidosfavorecidoscomadeposiçãoda

Presidenta Dilma, em especial o PSDB e o PMDB (Partido do Movimento Democrático

Brasileiro), foram sistematicamente ignorados. A operação assumiu explicitamente um viés

seletivo 42 apoiado basicamente em delações de corrupção obtidas a partir de prisões

provisórias sem prazo para acabarem, além de terem praticado inúmeras ações ilegais e

irregularescomovazamentosparaaimprensa,prisõesbaseadasemindíciosfrágeiseescutas

ilegais,inclusivedeescritóriosdeadvocaciaquerepresentavamosréus.

Quando provocado o STF e outras instâncias superiores convalidaram todas as

evidentes ilegalidadespraticadasemespecialpelo juizSergioMoro.Oepisódiomais intenso

neste sentido foi a decisão do Tribunal Regional Federal da 4a Região em representação

disciplinarfeitaporadvogadoscontraestejuiz,tomadaemsetembrode2016.Por13votosa

1, os juízes deste Tribunal decidiram que a Operação Lava-Jato está lidando com situações

excepcionaisequeportantoexigem"soluçõesexcepcionais",enãopodemser tratadaspelo

direitocomum43.OrelatorchegaatémesmoacitarGiorgioAgambemparadefiniroEstadode

exceção, embora o faça indevidamente já que interpreta ser a sua descrição do Estado de

exceçãoumahipótesenecessária emalguns casos e nãoumadenúncia do alastramentodo

seupadrãopelomundo.41Um dos momentos mais tensos em toda a escalada judicial-midiática que preparou o golpe foi a conduçãocoercitivadoEx-PresidenteLulanodia04demarçode2016.Semquefosseréu,semquehouvessesidointimadoousenegadoaprestardepoimentonoâmbitodasinvestigações,comtodooaparatorepressivoemidiático,LulafoilevadocoercitivamentedointeriordoseuapartamentoparaoaeroportodeCongonhasemSãoPaulo,ondeporfimacabouporfazeroseudepoimentoeser liberadoemseguida.HaviaaparatojádesignadoparaqueelefosselevadoàCuritiba,mas, aoqueparece, a forte reaçãopopular nopróprio aeroportoou algumoutromotivonãoesclarecido,impediuqueassimocorresse.42ImportaesclarecerquenãosepretendenesseartigonegarouafirmaroenvolvimentodepolíticosdoPartidodosTrabalhadores, assim como de outras siglas, em práticas de corrupção. O ponto que aqui interessa é notar ainstrumentalizaçãodosistemadejustiçaemproldeobjetivospolíticosquecontamcomanecessidadederupturasinstitucionais e de expedientes de exceção e antidemocráticos, adotando como bandeira assumida a perigosafórmuladequeosfinsjustificamosmeios.43Brasil. Tribunal Regional Federal (4a Região). P.A. CORTE ESPECIAL Nº 0003021-32.2016.4.04.8000/RS. RelatorDes. Romulo Pizzolatti. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-set-23/lava-jato-nao-seguir-regras-casos-comuns-trf(Acessoem27/10/2017).

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A deposição da Presidenta Dilma Roussef, assim como todas as consequencias que

vieramdepoisparaopaísemtermosderetrocessosefragilizaçãodemocrática,necessitoude

umambiente institucional denormalizaçãodoabusodepoderporpartedo Judiciário, bem

comodasuaconvergênciacomabusosdepoderpraticadosporoutrosagentespúblicos,entre

osquaismembrosdoMinistérioPúblico,daPolíciaFederaleparlamentares.

4.ConsideraçõesFinais

Noprocessodejustiçatransicionalbrasileiro,aindaemcurso,muitasaçõesimportantesforam

realizadas, ainda que tardiamente, mas o bloqueio da pauta da responsabilização, tanto

administrativa quanto penal, e a ausência de reformas públicas e legais mais efetivas no

repúdioàinstrumentalizaçãodasinstituiçõesestataisedesetoresestratégicoscomoamídiae

o sistema de justiça, parecem ter contribuído significativamente para a interrupção do

processodemocráticoiniciadoem1988.

É por demais simbólico que logo no segundo dia após consumado o processo

fraudulento de impeachment, mais precisamente no dia 02 de setembro de 2016, o então

Ministro da Justiça Alexandre de Moraes operou um desmantelamento da Comissão de

Anistia,comadispensaunilateralenãojustificadadeseisdosseusmembrosmaisantigosea

nomeaçãode vintenovosmembros, dosquais nenhumé reconhecido por atuarno campo

dos Direitos Humanos, o que fez sem qualquer consulta à sociedade civil organizada, como

movimentos de familiares de mortos e desaparecidos políticos, organizações de direitos

humanos,movimentossociais,esemaanuênciadosconselheirosdispensados.Emtodaasua

existência a mudança na composição do conselho sempre se deu a partir da espontânea

decisão dos membros mais antigos em saírem e a partir da consulta aos movimentos e

organizaçõesmaisenvolvidoscomapauta.

Houvenasprimeiras reuniõesdonovogrupoumaclara tentativaporpartedaatual

equipeadministrativaedealgunsdosnovosmembrosemalteraremdesfavordosanistiandos

umasériedeentendimentos jáconsolidadosnaComissãodeAnistia.Oápicedesteprocesso

foiadeclaraçãoàimprensadoentãonovoConselheiroAlbertoGoldmandequenãodeveria

haver a reparação pecuniária aos perseguidos, já que a reparação teria sido a própria

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redemocratizaçãodopaís44.MovimentosbrasileirosporVerdade,MemóriaeJustiçareagiram

em notas45, e devido à pressão o referido Conselheiro acabou pedindo o desligamento da

Comissão, mas o seu entendimento, hostil ao programa de reparações brasileiro, é

compartilhado por alguns dos novos Conselheiros e pela própria equipe administrativa da

Comissão,empossadatãologoAlexandredeMoraesassumiuoMinistériodaJustiça.

Desde que Michel Temer assumiu o poder, a Comissão tem estado praticamente

estagnada em todas as suas atividades. Foram pouquíssimas as sessões ocorridas até o

primeiro semestre de 2017. O Conselho, incluindo-se aí a Presidência da Comissão, perdeu

completamenteaingerênciasobreassessões,estandotodooandamentoetodososprojetos

da Comissão nas mãos da equipe administrativa, constituída de modo completamente

independente em relação à própria Presidência do Conselho, o que contrasta com omodo

anteriordefuncionamentodaComissãodesdeassuasorigens.

As Caravanas da Anistia foram interrompidas. O Edital Marcas daMemória não foi

renovado e não há qualquer perspectiva na sua continuidade. O Projeto Clínicas do

Testemunho não conta no horizonte com qualquer indício de renovação pelo governo

brasileiro.EaconstruçãodoMemorialdaAnistiarestainterrompidaeinconclusa46.

O golpe de 2016 articula simbolicamente um esforço revisionista de suavização do

golpe civil-militar de 1964. Para alémdos efeitos óbvios neste sentido que a paralisaçãode

toda a pauta justransicional acarreta, as manifestações civis que pediram a derrubada da

Presidenta eleita trouxeram consigo setores expressivos que pediam a volta da ditadura

militar, tida por eles como um período sem corrupção e duro para com os comunistas ou

membros da esquerda (agora identificados com o Partido dos Trabalhadores). Toda a forte

campanhadeestigmatizaçãodoPTedassuasprincipaislideranças,conduzidaaolongodesse

processo,teveocondãodesuavizarasilegalidadeseabusosdepoderpraticadoscontraeles,

44 Ver aqui a reportagem: https://oglobo.globo.com/brasil/novo-membro-da-comissao-de-anistia-contra-pagamento-perseguidos-1-20744424(Acessoem27/10/2017).45 Ver: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/alberto-goldman-e-o-retrocesso-da-comissao-da-anistia;https://oglobo.globo.com/brasil/movimentos-de-ex-perseguidos-politicos-rebatem-goldman-20760370;http://paulofontelesfilho.blogspot.com.br/2017/01/jose-carlos-moreira-para-goldman.html; e também:http://www.ocafezinho.com/2017/01/13/familiares-e-ex-presos-politicos-se-unem-contra-retrocesso-na-comissao-de-anistia/NotaPúblicadaComissãoEstadualdaMemóriaeVerdadeDomHelderCâmara(CEMVDHC):Disponívelem: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjKosWakYLUAhUJjpAKHdEEBUoQFggiMAA&url=https%3A%2F%2Fpt-br.facebook.com%2Fcomissaodaverdadepe%2F&usg=AFQjCNEhU_V3WpX1Tge5_ZlxwfiV-PsAEw> (Acesso em27/10/2017).46Poróbvio,taisfatosapresentamoestadodaquestãoàépocadefinalizaçãodesteartigo,maisprecisamentenomêsdenovembrode2017.

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bemcomojustificarumjuízopolíticosemamparoconstitucional,emclaroparalelismocoma

rupturahavidaem1964.

Nessachave,aindaéprecisomencionarqueadespeitodaamplabaseparlamentardo

governoinstaladoem2016,ejustamenteporistocapazdeoperarretrocessosantipopularese

antissociais na legislação, a instabilidade política e econômica apenas se agravou. Nesse

cenário, um general da ativa das Forças Armadas, Hamilton Mourão, depois apoiado pelo

então Comandante do Exército brasileiro, General Eduardo Villas-Boas, invocou em uma

palestra tornada pública pelos meios virtuais, a possibilidade de uma "intervenção militar"

caso o judiciário brasileiro não afaste os políticos envolvidos emmaus feitos, e na mesma

ocasiãofezumadefesadopapeldasForçasArmadasduranteaditaduravividapelopaís47.O

fato teve repercussão nacional e encontrou amplo apoio nas redes sociais, não raro com

discursosrevisionistassobreosignificadodaditaduracivil-militar48.

Detodasasforçasquecontinuamaoperarpelanormalizaçãodogolpeparlamentare

das suas consequências, uma das maiores responsabilidades cabe ao Poder Judiciário, na

medida em que claramente abriu mão do seu papel contramajoritário e de defensor dos

direitosegarantiasconstitucionais49.

ApardaausênciadedepuraçõesadministrativasnocorpodoPoderJudiciárioapóso

regime autoritário, seja em relação ao pessoal integrante do aparato burocrático seja em

relaçãoaosprópriosmagistrados,importaaquidestacaramanutençãonoregimedemocrático

de uma expectativa moralizante a respeito da atuação jurisdicional combinada com sua

presençacadavezmaiornasfunçõesdemediaçãoinstitucionalesocial.

47 https://www.sul21.com.br/jornal/em-palestra-general-mourao-fala-em-possibilidade-de-intervencao-militar-no-pais/ e também: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/09/1920079-comandante-do-exercito-descarta-punir-general-que-sugeriu-intervencao.shtml(Acessoem27/10/2017).48https://www.cartacapital.com.br/politica/para-historiadora-intervencao-militar-no-brasil-201cnao-pode-mais-ser-descartada201d(Acessoem27/10/2017).49Entre tantas decisões polêmicas de chancela de retrocessos de direitos e garantias, cabe mencionar o casonotório da autorização de prisão por condenação não transitada em julgado. Confirmando decisão em casoespecíficoquehaviasidotomadaem17defevereirode2016,oSTFdecidiupermitiraexecuçãoprovisóriadapenadeprisãoapóscondenaçãoemsegundograumesmocomrecursoàsinstânciassuperioresaindaemtrâmite.Eofeza despeito dos Art.5°, LVII da Constituição Federal e do Art.283 do Código de Processo Penal que fixam anecessidade do trânsito em julgado para que alguém possa ser considerado culpado e cumprir a sua pena,permitindo-seapenasasexcepcionalidadesdaprisãopreventivaedaprovisória.Estadecisãofoireforçadanodia05 de outubro de 2016 comefeito geral no julgamento daAçãoDeclaratória de Constitucionalidade 43.Na suamanifestação o Ministro Gilmar Mendes chegou a dizer que a resposta à preocupação dos advogados com apresunçãodainocênciaseriaaLava-Jato,vistoqueadecisãodoSTFpossuioefeitopráticodeanteciparaprisãodepolíticospresospelaOperação já referida.Note-sequea cláusula constitucional relativizadae restringidaéumacláusulapétrea,assimdeclaradapelaprópriaConstituiçãonoArt.60,parágrafo4°.

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Paraumdiagnósticocoerentecomosquepoderiamserapontadoscomooscânones

democráticosmaisbásicos,sejamelesrelativosàsoberaniapopularouaoespaçoconferidoà

participação da sociedade civil organizada e à permeabilidade às demandas populares, não

bastapartir-seapenasdasdefiniçõesconceituaisreservadasaopapeldoPoderJudiciárioem

um Estado de Direito. É preciso problematizar suas continuidades históricas, sua estrutura

elitista, hierárquica e pouco permeável ao exercício democrático, o que assume cores

especiaisnocontextolatino-americano50.

Como lembra Cittadino51em um país como o Brasil, dificilmente se pode invocar a

existência de uma comunidade de valores que possa ser perscrutada pela inteligência e

sensibilidade superiores de algum magistrado, ou que esteja afinada a alguma tradição

constitucional. A história constitucional brasileira é permeada por rupturas e continuidades

quenãoautorizamapressuposiçãoquantoàexistênciadealgumtipodetradição.Tampoucoé

factívelsupor-seumacomunidadeéticadevalorescompartilhadosnocontextodesociedades

profundamentemarcadaspeladesigualdadeepelaassimetrianasrelaçõesdepoder(seéque

seriapossívelfazê-loemrelaçãoaqualquersociedadecontemporânea),semfalarnointenso

pluralismoqueascaracterizam.

Emcontextosassim,ocompromissomaiorenecessáriodoPoderJudiciáriodeveser,

deum lado,ode concretizar aConstituiçãoapartir dos seusprópriosmarcos republicanos,

abrindo mão da busca de um denominador moral objetivo que esteja para além ou para

aquém da referência constitucional, e controlando com especial atenção os seus próprios

arroubos ativistas, e de outro, a abertura e a permeabilidade aos grupos sociais populares

organizadosvoltadosapautasemancipatóriasdediminuiçãodasdesigualdadeshistóricaseao

respeitoeampliaçãodosdireitosfundamentais.ComobemadverteIngeborgMaus,

Quando a justiça ascende ela própria à condição de mais alta instânciamoral da sociedade, passa a escapar de qualquermecanismo de controlesocial - controle aoqual normalmente sedeve subordinar toda instituiçãodoEstadoemumaformadeorganizaçãopolíticademocrática.Nodomíniode uma Justiça que contrapõe um direito "superior", dotado de atributosmorais,aosimplesdireitodosoutrospoderesdoEstadoedasociedade,énotóriaaregressãoavalorespré-democráticosdeparâmetrosdeintegraçãosocial.52

50ZAFFARONI,EugenioRaúl.PoderJudiciário:crise,acertosedesacertos.SãoPaulo:RevistadosTribunais,1995.51CITTADINO,Gisele.Poderjudiciário,ativismojudicialedemocracia.Alceu(PUCRJ),v.5,n.9,p.105-113,jul./dez.2004.52MAUS,Ingeborg.Judiciáriocomosuperegodasociedade-opapeldaatividadejurisprudencialna"sociedadeorfã".TraduçãodeMartonioLimaePauloAlbuquerque.NovosEstudos,n.58,p.183-202.nov.2000.p.187.

Rev.DireitoPráx.,RiodeJaneiro,Aheadofprint,Vol.XX,N.XX,2017,p.XX.JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoDOI:10.1590/2179-8966/2017/31488|ISSN:2179-8966

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Nãosetratadenegaraojudiciárioanecessidadedequeexerçaainterpretaçãodalei

ou de querer regressar a parâmetros positivistas ou de literalidade, especialmente em um

marco constitucional principiológico, mas sim que se abstenha de ostentar as categorias

objetivas da moralidade social e da escuta do "clamor popular", acabando por confundir

interpretação com subjetivismo ou decisionismo. Autonomia e independência judiciais não

devem ser compreendidas como pretextos para abusos de poder. Dado o seu histórico de

complacência autoritária, é imprescindível que se opere uma democratização na própria

estrutura administrativa do poder judicial 53e em relação à sua atividade, ampliando os

controles sociais e democráticos, buscando-se criar verdadeiras pontes de diálogos e

construçãoentreamagistraturaeosmovimentossociais,semoqueseesvaemalegitimidade

easoberaniapopular.

Independente dos interesses e pressões internacionais que influenciaram a ruptura

institucional ocorrida em 2016 no Brasil, ao examinar-se o processo a partir das próprias

contradiçõesedificuldadesinternasdopaís,nota-se,portudooquejásedescreveuaqui,um

clarodestaqueparaopapel concomitantedopoder judiciário emomitir-seno controledos

atosparlamentareseempraticaratosdeabusodepoderedeviolaçãodosmarcos legaise

constitucionais, aspecto este combinado à realização de uma justiça de transição parcial e

bloqueada nas pautas da responsabilização e da reforma das instituições, que seguiu de

perto54aprópriaambiguidadedoprocessodeanistianoBrasil.

53Aesserespeito,verosucintoartigodeESCRIVÃOFILHOsobreocarátercentralizador,verticalizanteeoligárquicodaestruturajudicialnoBrasil,citando-seporexemplo:ainexistênciadosufrágiodiretoexercidopelosmagistradose servidores para a escolha dos presidentes dos tribunais de justiça; órgãos de corregedoria controlados pelostribunais e conformadores de uniformidades condizentes com o padrão político e ideológico adotado; presençadiminutaderepresentantesdasminoriassociaisnacomposiçãodosquadros(mulheres,negros,indígenas,LGBT's,etc); controle externo limitado, tímido, tardio, incompleto e claudicante. Ainda relativamente ao processo deescolhados juízesda instância judicialnacionalmaiselevada,oautorapontaparaumadiferençanoscritériosdecomposiçãodosjuízesdaCorteSupremaargentinaenosdoSupremoTribunalFederalnoBrasil.EnquantonaquelesseprevêexpressamenteocompromissodofuturomagistradodoTribunualcomosDireitosHumanos(emacordocomoDecretoPresidencialn.222/2003),exemplotambémpresentenaConstituiçãobolivianade2009,nestesnadasemencionasobreanecessidadedetalcompromisso.(ESCRIVÃOFILHO,2015,p.39-40).54PauloAbrãoeMarceloTorellyapresentamemminúciasoargumentoqueoprocessojustransicionalbrasileirofoiconduzidopeloprocessodaanistia.Ver:ABRÃO,Paulo;TORELLY,MarceloD.Oprogramadereparaçõescomoeixoestruturante da justiça de transição no Brasil. In: REÁTEGUI, Félix (Org.). Justiça de Transição - manual para aAméricaLatina.Brasília:ComissãodeAnistia;NewYork:InternationalCenterforTransitionalJustice,2011.p.473-516.

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Sobreoautor:JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoProfessordaEscoladeDireitodaPontifíciaUniversidadeCatólicadoRioGrandedoSul-PUCRS(Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Graduação em Direito); Ex-Vice-Presidente da Comissão de Anistia do Brasil; Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq.Email:[email protected]éoúnicoresponsávelpelaredaçãodoartigo.