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Rev.DireitoPráx.,RiodeJaneiro,Aheadofprint,Vol.XX,N.XX,2017,p.XX.JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoDOI:10.1590/2179-8966/2017/31488|ISSN:2179-8966
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Justiça de Transição e Usos Políticos do Poder Judiciário noBrasilem2016:umGolpedeEstadoInstitucional?TransitionalJusticeandPoliticalUsesoftheJudiciaryinBrazilin2016:anInstitutionalCoup?JoséCarlosMoreiradaSilvaFilho
PontifíciaUniversidadeCatólicadoRioGrandedoSul,PortoAlegre,RioGrandedoSul,Brasil.Email:[email protected]/11/2017eaceitom12/12/2017.Comocitaremaheadofprint:FILHO,JoséCarlosMoreiradaSilva.JustiçadetransiçãoeusospolíticosdopoderjudiciárionoBrasilem2016:umGolpedeEstadoinstitucional.RevistaDireitoePráxis,Aheadofprint,Riode Janeiro, 2017. Disponível em: link para o artigo. acesso em xxxx. DOI: 10.1590/2179-8966/2017/31488
Rev.DireitoPráx.,RiodeJaneiro,Aheadofprint,Vol.XX,N.XX,2017,p.XX.JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoDOI:10.1590/2179-8966/2017/31488|ISSN:2179-8966
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Resumo
O artigo analisa inicialmente a ambiguidade do processo de anistia e redemocratização do
Brasil.Emseguida,ofocoéopapeldojudiciáriotantonajudicializaçãodarepressãodurantea
ditadura quanto no processo de anistia. Na terceira seção é fornecida uma breve
caracterização da ruptura institucional ocorrida no Brasil em 2016 e uma discussão sobre a
natureza dessa ruptura. Por fim, em tom conclusivo, identificam-se relações entre os
processosmencionados.
Palavras-chave:Anistia;JustiçadeTransição;GolpedeEstado;PoderJudiciário;Democracia;
Brasil.
Abstract
The article initially analyzes the ambiguity of the amnesty and redemocratization process in
Brazil.Next, the focus ison the roleof the judiciary inboth the judicializationof repression
during the dictatorship and in the amnesty process. In the third section is provided a brief
characterizationoftheinstitutionalruptureoccurredinBrazil in2016andadiscussionabout
thenatureofthisrupture.Finally,inaconcludingtone,weidentifyrelationshipsbetweenthe
mentionedprocesses.
Keywords:Amnesty;TransitionalJustice;CoupD'Etat;Judiciary;Democracy;Brazil.
Rev.DireitoPráx.,RiodeJaneiro,Aheadofprint,Vol.XX,N.XX,2017,p.XX.JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoDOI:10.1590/2179-8966/2017/31488|ISSN:2179-8966
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Em relaçãoaosdemaispaísesdaAmérica Latinaqueamargaramditaduras civis-militaresde
segurançanacionalnasegundametadedoséculoXX,oBrasilapresentouumapeculiaridade
que acabou por influenciar sobremaneira as características do regime democrático que se
seguiuapartirde1988:aredemocratizaçãoguiou-sesobosignodeumaanistiaambígua,que
representoutantoas lutasdasociedadecivilpelaaberturadoregime,comooempenhodos
agentesdaditaduraemgarantirumatransiçãoquenãoosresponsabilizassepeloscrimesque
praticaram. Este último aspecto encontrou solo fértil para prosperar, visto que ao longo de
todooperíododitatorialhouveumamploe intensoprocessode judicializaçãoda repressão
política,oquecertamentecultivounopoder judiciáriobrasileiroumagrande resistênciaem
revisaros termosdessaanistia,mesmoemperíododemocrático.Argumenta-senesseartigo
que o ambiente criado a partir do caráter ambíguo da anistia, em especial considerando a
atuação do poder judiciário, contribuiu para a ruptura da democracia ocorrida noBrasil em
2016.
1.AAmbiguidadedaAnistianoBrasil
Nodia28deagostode1979,emplenaditadura,foipromulgadaaleideanistianoBrasil,aLei
N°6.683.Estaleirefleteumaacentuadaambiguidade, e que se transmite ao próprio sentido
dapalavra"anistia"nocontextopolíticobrasileiro.
Deumlado,aleifoioresultadodeumaamplamobilizaçãosocialemtornodapauta
da anistia aos que estavam presos, no exílio ou na clandestinidade, acusados de terem
praticado crimes políticos. A demanda pela anistia representou a demanda pela
redemocratização do país1. O largo contingente de setores da sociedade que conseguiu
mobilizar (trabalhadores, artistas, intelectuais, políticos, imprensa, igreja, presos políticos,
entreoutros)constituiuabasesobreaqualmaistardeviriamasmobilizaçõespelasDiretasJá
em1984eaparticipaçãonoprocessoConstituinteem1987e1988.
1Noanode1975édesencadeadaacampanhapelaAnistia,comolançamentodoManifestodaMulherBrasileirapelo Movimento Feminino pela Anistia (MFPA). Sobre a movimentação popular em prol da anistia na segundametadedadécadade70veroaprofundadoedetalhadoestudodeCarlaRodeghero,GabrielDienstmanneTatianaTrindade:RODEGHERO,CarlaSimone;DIENSTMANN,Gabriel;TRINDADE,Tatiana.Anistiaampla,geraleirrestrita:história de uma luta inconclusa. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2011. Também importa conferir a tese deHeloísaGreco:GRECO,HeloísaAmélia.Dimensões fundacionais da luta pela Anistia. 2003.456f. [TesedeDoutorado]–CursodePós-GraduaçãodasFaculdadesdeFilosofiaeCiênciasHumanasdaUniversidadeFederaldeMinasGerais.BeloHorizonte.2003.
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Poroutro lado,a lei representouumavitóriaparaoprojetode transiçãocontrolada
idealizadopelacúpuladoregimeditatorial2,jáqueconseguiuofeitodeanistiarosagentesda
ditadura,impedindoqualquerinvestigaçãosobreosseuscrimes,semsequerafirmarquetais
agentes teriam praticado assassinato, tortura, desaparecimento forçado e outras graves
violaçõesdedireitoshumanos3.Domesmomodo,excluiuaanistiaparaospresospolíticosque
estavam condenados por terem tomado parte na resistência armada. E, por fim, a
promulgaçãodaleifoiapresentadacomoumabenesseofertadapelogovernomilitarsemque
sepromovesseoreconhecimentodaamplaparticipaçãopopularnesteprocesso.
A redemocratização do país foi balizada pelo que a lei de anistia representou. O
aspecto emancipatório e popular da luta pela anistia desaguou na ampla participação da
sociedadecivilnoprocessoconstituintenosanosde1987e1988enacaracterísticaavançada
da lei em termos de princípios e reconhecimento de direitos fundamentais4. Já o aspecto
autoritárioereacionáriodaanistiarefletiu-senoesquecimentoinstitucionaldoscrimescontra
a humanidade praticados e sua necessária responsabilização. Tal bloqueio, devidamente
afirmado pelo Poder Judiciário em todas as tentativas que foram feitas de investigar e
responsabilizar esses crimes5, também favoreceu a ausência de reformas institucionais que
buscassemesclareceraparticipaçãodospoderesconstituídosnoregimeditatorial,bemcomo
de processos de responsabilização administrativa e judicial sobre os agentes e funcionários
públicosquefacilitaramoupraticaramdiretamentetaiscrimes.Emoutraspalavras,militares,
policiais, juízes, promotores, políticos e demais funcionários públicos que participaram
2ALVES,MariaHelenaMoreira.EstadoeoposiçãonoBrasil(1964-1984).3.ed.Petrópolis:Vozes,1984.p.269-270;SKIDMORE,Thomas.Brasil:deCasteloaTancredo.8.ed.RiodeJaneiro:PazeTerra,1988.p.427-428.
3NoArt.1ºdaLeiN°6683de1979,seafirmaqueestãoanistiadosos“crimespolíticosouconexoscomestes”,emseguida, o § 1º define que "consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer naturezarelacionadoscomcrimespolíticosoupraticadospormotivaçãopolítica",eo§2ºretiraosbenefíciosdaanistiapara"osqueforamcondenadospelapráticadecrimesdeterrorismo,assalto,seqüestroeatentadopessoal".
4SobreamobilizaçãodosmovimentossociaisemtornodaConstituintecomoumlegadodoenfrentamentocomaditaduraver:SOUSAJUNIOR,JoséGeraldode.SoberaniaeDireitos:processossociaisnovos?CadernoCEAC/UnB,Ano1,N.1,1987.p.9-16. [Constituinte: temasemanálise];SOUSA JUNIOR, JoséGeraldode.TristedoPoderquenãopode.CadernoCEAC/UnB,Ano1,N.1,1987.p.25-31.[Constituinte:temasemanálise];COELHO,JoãoGilbertoLucas.AGarantiadasInstituições.CadernoCEAC/UnB,Ano1,N.1,1987.p.37-45.[Constituinte:temasemanálise];BARBOSA,LeonardoAugustodeAndrade.OlegadodoprocessoConstituinte.In:SOUSAJUNIOR,JoséGeraldode;SILVAFILHO, JoséCarlosMoreirada;PAIXÃO,Cristiano;FONSECA,LíviaGimenesDiasda;RAMPIN,TalitaTatianaDias (Orgs.).ODireitoAchadonaRua: IntroduçãoCríticaà JustiçadeTransiçãonaAméricaLatina.Brasília:UnB,2015.p.51-54.(Livrotododisponívelnolink:https://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/15-12-15-direito-achado-na-rua-vol-7_web-versao-10mb-1.pdf)(Acessoem27/10/2017).5Especificamente sobre este ponto ver: SILVA FILHO, José CarlosMoreira da. Justiça de Transição - da ditaduracivil-militaraodebatejustransicional-direitoàmemóriaeàverdadeeoscaminhosdareparaçãoedaanistianoBrasil.PortoAlegre:LivrariadoAdvogado,2015.p.237-260.
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ativamente do processo de perseguição política aos opositores do regime ditatorial
continuaramnosseuspostosdetrabalhocomosenadahouvesseacontecido.
AConstituintefoiinstaladaem1987apartirdeumaemendaconstitucionalproduzida
na ordem jurídica autoritária, uma emenda à Constituição outorgada de 1967, a Emenda
Constitucional N° 26/1985. Nesta mesma emenda a lei de anistia de 1979 foi reafirmada6,
comoqueparasugerirqueanovaConstituiçãoasercriadanãopudessereverosseustermos.
A despeito dessa peculiaridade, o texto da nova Constituição não reproduz mais a
anistiaaoscrimesconexos.Alémdisso,emseuArt.8ºdoAtodasDisposiçõesConstitucionais
Transitórias o constituinte firmou, com clareza inequívoca, que a anistia era devida aos que
“foramatingidos,emdecorrênciademotivaçãoexclusivamentepolítica,poratosdeexceção,
institucionaisoucomplementares”.Assim,aanistiaaosagentesdaditaduranãofoirecebida
pelotextoconstitucionalde1988.Poroutrolado,tambémnãofoiexpressamenterepudiada.
Detodomodo,aonãomencionarotemaeaoassinalaroforterepúdioàtortura,considerada
crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia7, a partir dos seus princípios e direitos
fundamentais,aConstituiçãorevela-seumlocalmuitopoucoconfortávelparaabrigaraanistia
aos crimes conexos entendida como a anistia aos crimes dos agentes da ditadura. Há uma
evidente contradição principiológica e valorativa no argumento de que a Constituição
brasileirade1988endossaaanistiaataiscrimes.
Além de excluir da sua apreciação a anistia aos crimes da ditadura, o Artigo 8º do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias lançou as bases de uma verdadeira política de
reparaçãoaosex-perseguidospolíticos.Otermo"anistia",mesmonalegislaçãoproduzidapela
ditadurasempretrouxealusão igualmenteaalgumsentidodereparaçãoederestituiçãodo
statusanterioràperseguiçãopolítica.Porém,comoeradeseesperarnaqueleambienteainda
mutilado politicamente, contaminado pelo esquecimento forçado e seguido de perto pelo
autoritarismo, a lei regulamentadora dessa política de reparação sinalizada pelo texto
6A EC n° 26/1985 repete a lei n° 6.683/1979 quanto ao lapso temporal da anistia, e repete a anistia a crimespolíticos ou conexos, contudo não reproduz a definição do que seriam crimes conexos nem a exclusão doschamados "crimesde sangue"doalcanceda anistia.A emendaaindaamplia as situaçõesde recomposiçãoparaincluirestudantes,dirigentessindicais,servidoreseempregadoscivis.7No Art. 5º, XLIII a Constituição brasileira estabelece esta condição, complementada pela Lei 9.455/97. Importamencionar, além disso, o Art. 5º, §4º que reconhece a submissão do Brasil ao Tribunal Penal Internacional. OTratado de Roma penetra a ordem jurídica interna brasileira por força do Decreto Legislativo Nº 4.388/2002,estabelecendoexplicitamentequeatorturapraticadadeformasistemáticaaparcelasdapopulaçãocivil,ouseja,comopráticadeumcrimecontraahumanidadeéimprescritível.Porfim,aConstituiçãodemarcanoArt.5º,XLIVque "constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis oumilitares, contra a ordemconstitucionaleoEstadoDemocrático".Comosesabe,foiexatamenteistoquefizeramosmilitaresecivisgolpistasem1964.
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constitucionalsóviriaàluzcercade13anosdepois,maisprecisamenteem2001,viaMedida
ProvisóriadepoisconvertidanaLeiN°10.559/2002.
Anovaleideanistia,alémdepreverdireitoscomoadeclaraçãodeanistiadopolítico,a
reparaçãoeconômica,acontagemdotempoeacontinuaçãodecursosuperiorinterrompido
oureconhecimentodediplomaobtidonoexterior8,instituiaComissãodeAnistia,vinculadaao
MinistériodaJustiça,equeficaresponsávelpelaapreciaçãoejulgamentodosrequerimentos
deanistia9.AComissãodeAnistiaé,naverdade,umacomissãodereparação,masquecarrega
consigoaprópriaambiguidadedo termo"anistia", forjadanoprocessode redemocratização
dopaís.
ObservandoaatuaçãodaComissãodeAnistia,desdeasuacriação,e,especialmente,
durante o segundomandato do Presidente Lula, iniciado em 2007, quando oMinistério da
JustiçafoiconduzidoporTarsoGenroeapresidênciadaComissãodeAnistiaporPauloAbrão,
percebe-seumaradicalmudançanaconcepçãodaanistiacomopolíticadeesquecimento.Em
primeirolugar,aoexigiraverificaçãoecomprovaçãodaperseguiçãopolíticasofrida10,aleide
anistiaacabasuscitandoaapresentaçãodedocumentosenarrativasquetrazemdevoltado
esquecimentoosfatosquehaviamsidodesprezadospelaanistiade1979.Passaasercondição
para a anistia a comprovação e detalhamento das violências sofridas pelos perseguidos
políticos,circunstânciaqueporsisóassociaanistiaàmemória.
Nas sessões de julgamento da Comissão de Anistia, os requerentes que estão
presentes são convidados a semanifestarem,proporcionandoemmuitos casos importantes
testemunhos,quesãodevidamenteregistrados.Osautosdosprocessoscontêmumanarrativa
muitodiferentedaquelaqueestá registradanosarquivosoficiais.OsprocessosdaComissão
de Anistia fornecem a versão daqueles que foram perseguidos políticos pela ditadura civil-
8DeacordocomoArt.1°daLeiN°10.559/2002.9De acordo com a lei os Conselheiros e Conselheiras são escolhidos e nomeados pelo Ministro da Justiça, elideradospeloPresidentedaComissãodeAnistia,tambémescolhidopeloMinistro.Até2016semprefoipráticadoEstadobrasileiro,parafinsdaescolhadosmembrosdaComissãodeAnistia,aconsultaaosgruposemovimentosdasociedadecivilemtornodapautadeverdade,memóriaejustiçaemparticularededireitoshumanosemgeral.DosmembrosdaComissãoumnecessariamenterepresentaoMinistériodaDefesaeoutrorepresentaosanistiandos.Os Conselheiros não recebem pagamento pelo seu trabalho, considerado, de acordo com a lei, de relevanteinteressepúblico.Oconselhofuncionacomoumtribunaladministrativo,masaresponsabilidadefinaldadecisãoédoMinistro da Justiça, completando-se o processo de anistia apenas após a assinatura e publicação da PortariaMinisterial.
10Emseuart.2º,aLein10.559/2002prevêaotodo17situaçõesdeperseguiçãopormotivaçãoexclusivamentepolítica que justificam o reconhecimento da condição de anistiado político e os direitos dela decorrentes. Aquiestãoprisões,perdadeemprego,sercompelidoaoexílio,seratingidoporatosinstitucionais,entreoutrassituações.
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militar, contrastando coma visão,normalmentepejorativaque sobreeles recai apartir dos
documentosproduzidospelosórgãosdeinformaçãodoperíodo.
Para além da reparação econômica, a Comissão de Anistia também é conhecida
internacionalmenteporterempreendidodemaneirainovadoraesensívelpolíticaspúblicasde
memóriaeprojetosvanguardistascomoasCaravanasdaAnistia11,asClínicasdoTestemunho12,
o Projeto Marcas da Memória13, e por ter iniciado a construção doMemorial da Anistia14,
11Atéagostode2016foramquase100CaravanasrealizadasportodooBrasil.Nelas,aComissãosedesalojadasinstalaçõesdoPaláciodaJustiçaemBrasíliaepercorreosdiferentesEstadosbrasileirosparajulgarrequerimentosdeanistia emblemáticosnos locaisondeasperseguições aconteceram, realizandoos julgamentosemambienteseducativoscomoUniversidadeseespaçospúblicosecomunitários.OmomentoaltodasCaravanasedetodasassessõesdeapreciaçãoderequerimentosdeanistiaéopedidoformaldedesculpasemnomedoEstadobrasileiroaosqueporeleforamperseguidosnopassado.LongedetalpedidosignificarqueoEstadojáfeztodoopossívelpara reparar a perseguiçãoquepromoveunopassado, ele sinaliza para o necessário aprofundamento célere doprocesso justransicionalbrasileiro, incluindo-seaí asmedidasde responsabilizaçãoede reformadas instituições,que sempre foram duas bandeiras da Comissão de Anistia em inúmeras ocasiões (o que ficou registrado, porexemplo,emartigodeopiniãoescritopeloentãoVice-PresidentedaComissãodeAnistiaepublicadonojornalZeroHoraem16deabrilde2014.Ver:http://wp.clicrbs.com.br/opiniaozh/page/239/).ParaumregistrodasCaravanasdaAnistia,veraobraeditadaepublicadapelaComissãodeAnistiaintitulada:COELHO,MariaJoséH.;ROTTA,Vera(orgs.). Caravanas da Anistia: o Brasil pede perdão. Brasília: Ministério da Justiça; Florianópolis: Comunicação,Estudos e Consultoria, 2012, disponível em: http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/livro_caravanas_anistia_web.pdf.(Acessoem27/10/2017).12AsClínicasdoTestemunhosãoumprojetoinéditodeassistênciapsicológicaepsicanalíticaàsvítimasdaviolênciadoEstadoditatorial,equejápossuiquasetrêsanosdeexistência.OprojetoClínicasdoTestemunhoiniciou-senoanode2013apartirdeEditalPúblicopublicadoem2012evinculadoàComissãodeAnistia.Seuobjetivoépropiciaratendimento psicanalítico às vítimas da repressão estatal promovida pela ditadura civil-militar no Brasil. Em suaprimeiraediçãooprojetocontemplouduas iniciativasnacidadedeSãoPaulo,umanoRiodeJaneiroeoutraemPortoAlegre.Nasegundaedição(2015a2017)oprojetofoiampliadograçasàparticipaçãodoFundoNewton(quepara aportar recursos tem como condiçãoo aportenomesmovalor por partedo Estadobrasileiro), passandoacontemplartambémacidadedeFlorianópolis.Entreasdiversasaçõesjáproduzidas,alémdosatendimentos,estãoeventos e publicações. Eis a referência das publicações e os links para as respectivas versões digitais: SIGMUNDFREUDASSOCIAÇÃOPSICANALÍTICA(Org.).ClínicasdoTestemunho:reparaçãopsíquicaeconstruçãodememórias.Porto Alegre: Criação Humana, 2014; SILVA JR,Moisés Rodrigues da;MERCADANTE, Issa.Travessia do silêncio,testemunhoereparação.Brasília:ComissãodeAnistia;SãoPaulo:InstitutoProjetosTerapêuticos,2015;CARDOSO,Cristiane; FELIPPE, Marilia; BRASIL, Vera Vital (Orgs.).Uma perspectiva clínico-política na reparação simbólica:Clínica do Testemunho no Rio de Janeiro. Brasília: Comissão de Anistia; Rio de Janeiro: Instituto ProjetosTerapêuticos, 2015;OCARIZ,MariaCristina (Org.).Violência de estado na ditadura civil-militar brasileira (1964-1985) - efeitos psíquicos e testemunhos clínicos. São Paulo: Escuta, 2015; http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/livro-on-line-2.pdf; http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/travessia_final.pdf;http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/sedes-violencia-de-estado-2.pdf; http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/livro-clinicas-do-testemunho.pdf; http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/arquivos-da-vo-alda.pdf. (Acesso em27/10/2017).13OMarcasdaMemóriaénaverdadeumamploguarda-chuvanoqualseabrigampolíticasdememóriadiversas.Em seu bojo inserem-se todas as iniciativas da Comissão de Anistia aqui mencionadas, devendo-se aindaacrescentar o aporte de recursos para sustentar e promover iniciativas da sociedade civil em prol da memóriapolíticadopaís.Foramdezenasdefilmes,publicações,peçasdeteatroeeventosculturaisjáapoiados.Aprimeirachamada ocorreu no ano de 2010, e eis aqui o link para conhecer alguns dos resultados iniciais:http://www.justica.gov.br/seus-direitos/anistia/projetos/marcas-da-memoria-i-2010.ParamaiordetalhamentodoProjetoMarcasdaMemóriaveroartigodeRobertaBaggio,intitulado"MarcasdaMemória:aatuaçãodaComissãode Anistia no campo das políticas públicas de transição no Brasil" , disponível em:file:///Users/josecarlosmoreiradasilvafilho/Downloads/2924-10625-1-PB.pdf(Acessoem27/10/2017).14O projetoMemorial daAnistia Política é fruto de um convênio entre oMinistério da Justiça e aUniversidadeFederaldeMinasGerais.OprojetoprevêaconstruçãonacidadedeBeloHorizonte-MGdeumespaçodeexposição
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realizadoeventose intercâmbiosacadêmicose culturais, alémde inúmeraspublicaçõesque
aprofundamosentidodaJustiçadeTransiçãonoBrasilenaAméricaLatina15.Estesprogramas
eprojetoscompunhamaté2016oProgramaBrasileirodeReparaçãoIntegral,reconhecidoe
celebradointernacionalmente,efaziampartedoroldosdireitosdetodosaquelesqueforam
atingidosporatosdeexceçãoduranteaditaduracivil-militareaosseusfamiliares.
Ao longo desses anos de existência e atuação da Comissão de Anistia é possível
identificaroutrosórgãosecomissõesdeEstadoquereforçarameseguiramomesmosentido
de resgate da memória política da ditadura a partir da visão das vítimas, dentre os quais
destacam-seemespecialaComissãoEspecialdeMortoseDesaparecidosPolíticos,criadaem
1995 ainda no governo de FernandoHenrique Cardoso, e a ComissãoNacional daVerdade,
criada em 2011 e instalada em 2012, em meio ao primeiro mandato da Presidenta Dilma
Roussef.
2.JudiciárioBrasileiroentreoautoritarismoeoativismo
Em seu livro “Ditadura e Repressão”, no qual promove um estudo comparado sobre a
judicializaçãoda repressãonaArgentina,noChileenoBrasil,AnthonyPereira identificaum
curiosoparadoxonocasobrasileiro16.Detodosostrêspaíses,oBrasilfoiaquelequemaisse
aprofundounajudicializaçãodarepressãoditatorialequeconstruiuumalegalidadeautoritária
maisampla,arraigadaevinculadaàordemjurídicaanterior.Talsedeve,entreoutrosfatores,
aoaltograudecoesãoentreaselitesjudiciaiseasforçasarmadas17,oquelevouestasúltimas
àopiniãodequeojudiciárioera“confiável”,equeportanto,ostribunaispoderiamseprestar
aopapelde intermediárioentreaaçãorepressivadiretadosagentesdesegurançapúblicae
permanentelocalizadonoantigocoleginhodaFAFICH,localhistóricodeorganizaçãodaresistênciaàditadura,deumparqueedeumprédionovoqueabrigaráoacervodaComissãodeAnistiaeumcentrodepesquisasparaopúblicoedeproduçãodepesquisasnocampodamemóriapolíticabrasileiraedaJustiçadeTransição.OprojetoprevêaindaaconstituiçãodeumaRedeLatino-AmericanadepesquisasobreJustiçadeTransição(jácriadaequevemproduzindorelatórioseeventosinternacionais-verositedarede:http://rlajt.com).Oprojetomuseológico,jáprontoenoperíodoemqueseescreveesteartigoaindadependentedaentradadosrecursos faltantesparaserinaugurado, pode ser conhecido neste vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=65IXBY98ggc . (Acesso em27/10/2017).15 Grande parte das publicações promovidas pela Comissão de Anistia encontra-se no site:http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anistia-politica-2.16PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no Chile e naArgentina.SãoPaulo:PazeTerra,2010.17Em sua tese de doutorado, Vanessa Shinke evidencia esse alto nível de coesão institucional entre o PoderJudiciárioeasForçasArmadas.SCHINKE,VanessaDorneles. Judiciário e autoritarismo: regimeautoritário (1964-1985),democraciaepermanências.RiodeJaneiro:LumenJuris,2016.
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aqueles que eram perseguidos políticos, tidos no contexto da ditadura como criminosos e
terroristas.
Se por um lado os milhares de julgamentos ocorridos na ditadura brasileira faziam
vistas grossas em relação às denúncias de tortura e compactuavam com leis draconianas,
como eram os Atos Institucionais e seus derivados, contando com juízes que defendiam e
incorporavama ideologia do regime, por outro, tais julgamentos contavam comumarsenal
razoáveldegarantiaseprocedimentosepermitiamemgrandepartedoscasosevitarqueos
opositorespolíticosfossemsimplesmenteeliminados.Emsuapesquisa,AnthonyPereiranotou
também que no Brasil os advogados de defesa de presos políticos possuíam uma relativa
liberdade e autonomia para atuar nas cortes políticas e conseguiram, por vezes, induzir os
juízes a interpretarem a legislação autoritária de uma maneira mais benigna para os seus
clientes18.
NaArgentina,aausênciadeumacoesãoentreosmilitareseaelite judicial levouos
militares a considerarem o judiciário pouco ou de modo algum “confiável”. Não havia,
portanto,mediadoresinstitucionaisentreaviolênciadiretadosagentesdarepressãoeosseus
alvos.Aestratégiaadotada foi claramenteadaeliminaçãoedodesaparecimentoemmassa
dos opositores políticos. Contudo, se a forte coesão institucional ocorrida na ditadura civil-
militarbrasileiraea suamáscarade legalidade foramumdos fatores responsáveisporuma
ciframenordemortosedesaparecidosdoqueemrelaçãoàArgentina,elascontribuírampara
manter mais arraigada no Brasil a continuidade da herança autoritária no período pós-
ditatorial.Apósaditadurabrasileira,nenhumjuiz,pormaisconiventequefossecomoregime,
nenhumpolicial,pormaisquetenhatorturadoeassassinadoopositores,nenhumpolíticoou
dirigente,pormaisquetenhaaprovado,ordenadooutenhasidoconiventecomatortura,foi
demitido, exonerado ou responsabilizado pelos seus atos. Muitos deles simplesmente
continuaramaatuarnoPoderPúblico, transferindoagorao focodasua impunidadeparaos
criminosos comuns e os suspeitos de o serem, que continuaram a ser barbaramente
torturadosnasdelegaciasenospresídios19.
18Sobreestepontoespecífico,verainda:SPIELER,Paula;QUEIROZ,RafaelMafeiRabelo (Coords.).Advocacia emtempos difíceis - ditadura militar 1964-1985. Curitiba: edição do autor, 2013. Disponível em:https://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/advocacia-em-tempos-dificeis_baixa-resolucao.pdf(Acessoem27/10/2017).19Estefato,notórioeregistradoemdiferentesestudoselevantamentos,épalpável,porexemplo,noRelatóriodaAnistia Internacional lançado em fevereiro de 2017 (ver páginas 82 a 87, que tratam do Brasil - disponível em:https://anistia.org.br/wp-content/uploads/2017/02/AIR2017_ONLINE-v.3.pdf)(Acessoem27/10/2017).
Rev.DireitoPráx.,RiodeJaneiro,Aheadofprint,Vol.XX,N.XX,2017,p.XX.JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoDOI:10.1590/2179-8966/2017/31488|ISSN:2179-8966
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Comrelaçãoao temadaanistiaeda responsabilizaçãodosagentesdaditadura,o judiciário
brasileiro sempre foi reticente.No conhecido casodasmãos amarradas, noqual o sargento
Manoel Raymundo Soares foimorto por agentes da ditadura por afogamento e encontrado
boiandocomasmãosamarradasnoRioJacuíem196620,aprovocaçãoaoPoderJudiciáriofoi
vã.
ApósaConstituiçãode1988,houveatentativadoMinistérioPúblicodeSãoPaulode
abrir um inquérito civil para apurar, em 1992, a morte do jornalista Vladimir Herzog e a
tentativadereabrirainvestigaçãodocasoRiocentro21,em1996,noSuperiorTribunalMilitar.
Emambososcasoshouveoindeferimentodospleitospelamesmarazão:incidênciadaanistia
“bilateral”de197922.Ocuriosoéque,no segundocaso, referenteaoatentadoocorridoem
1981 no Riocentro, mesmo reconhecendo indícios de autoria de militares no crime, os
Ministros do STM– agindoemdesacordo comaprópria LeiNº 6.683/1979– justificaramo
arquivamento do procedimento pela incidência da anistia a crimes cometidos após 1979. A
construçãodeuma“anistiapara frente”representouumverdadeiroestelionato jurídicoque
contribuiu para fortalecer a noção de que – no Brasil – não haveria responsabilização dos
agentes do estado de exceção: como pensar em punir os crimes de tortura, sequestro e
homicídioocorridosantesde1979sesobreaquelesqueocorreramdepois(comooatentado
20Paramais informações sobreo caso ver, entreoutros:ASSUMPÇÃO, ElianeMaria Salgado (org.).ODireito naHistória:ocasodasmãosamarradas.PortoAlegre:TRF4a.Região,2008;eoprópriorelatóriodaComissãoEspecialdeMortos eDesaparecidosPolíticos: BRASIL. Secretaria Especial dosDireitosHumanos. Comissão Especial sobreMortos e Desaparecidos Políticos. Direito à verdade e à memória. Brasília: Secretaria Especial dos DireitosHumanos,2007.p.75-77.21O casoRiocentrodiz respeito a umatentado a bomba frustradoocorridonanoite dodia 30de abril de 1981contraumacasadeespetáculossituadanacidadedoRiodeJaneironaqualsecomemorariaodiadotrabalho.Abombaexplodiunocolodedoismilitares,vitimandoumeferindoooutro,antesquepudesseserinstaladanolocaldosshows.Aintençãoeraatribuiroatentadoagruposdelutaarmada,àquelaalturajáeliminados,paracomistobuscarjustificaracontinuidadedofechamentodoregimepolítico.Estecasoaindafoijudicializadoumavezmaisnoano de 2014 por iniciativa doMinistério Público Federal. A juíza federal da 6a Vara Federal Criminal do Rio deJaneiro aceitou a denúncia, mas os réus obtiveram o trancamento da ação no Tribunal Regional Federal da 2aRegião,comopretextodaprescrição,nãomaisdaanistia.OMPFrecorreueaquestãoseguependente.22A decisãode trancar o inquérito policial do casoHerzog veio daQuarta câmarado Tribunal de Justiça de SãoPaulo (SÃOPAULO. Tribunal de Justiça.Habeas Corpus n. 131.798-3/2. Relator Péricles Piza) e foimantida peloSuperior Tribunal de Justiça (SUPERIOR TRIBUNALDE JUSTIÇA.Recurso Especial n.33.782-7-SP, j.18/08/1993, 5aTurma,unânime,RelatorMinistroJoséDantas).JáadecisãodetrancarasinvestigaçõesdocasoRiocentrocombasena Lei de Anistia foi tomada pelo Superior Tribunal Militar em 1988, quando declarou de ofício a extinção dapunibilidade dos autores (Representação n. 1.067-7/DF) e quando negou em 1996 novo pedido de abertura dainvestigação (Representação Criminal n. 4-0/DF).Maiores detalhes sobre ambos os casos podem ser vistos em:SANTOS,RobertoLima;BREGAFILHO,Vladimir.Osreflexosda"judicialização"darepressãopolíticanoBrasilnoseuengajamentocomospostuladosdajustiçadetransição.In:RevistaAnistiaPolíticaeJustiçadeTransição.Brasília,n.1,p.152-177,jan./jun.2009.Nomomentoemqueseescreveesteartigo,ocasoHerzogencontra-sejudicializadopelaCorteInteramericanadeDireitosHumanos,játendoocorridoaaudiênciajuntoàCortenodia24demaiode2017.
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ao Riocentro) também incidia – legitimamente, conforme o poder Judiciário – amalfadada
causadeextinçãodapunibilidade?
Assim, seja antes, seja depois do estabelecimento da ordem democrática pela
Constituição de 1988 a tentativa de se construir o pilar da “responsabilização” no processo
transicionalbrasileiro sempreestevepresente como reivindicaçãodosque sofreramcomos
atosdeexceção.Noentanto,comoseconstatou,ostermosdainterpretaçãodadaaoinstituto
da anistia impediram qualquer análise de mérito que viabilizasse alguma providência no
sentidoda investigaçãoedaresponsabilização.Somenteapósaviradadoséculo,apartirde
2008, é que houve uma novamobilização, por parte de organismos da sociedade civil e de
órgãos vinculados ao Estado, que buscou questionar a validade da interpretação da anistia
como“acordobilateral”peranteoSupremoTribunalFederal.
Tal questionamento foi feito através da Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental(ADPF)N°153,julgadaemabrilde2010emdoisdiasdesessãoecujoresultado
foi o de sete a dois pelo indeferimento, com votos que trouxeram fundamentos bastante
questionáveis,inclusivesobopontodevistahistórico23,chegando-seaafirmar,porexemplo,
quenadécadade70asociedadefoiàsruaspedirumaanistiaampla,geraleirrestritacomo
sentido de estendê-la aos torturadores do regime de força, quando em verdade o famoso
bordãosereferiaaospresospolíticoscondenadospelaatuaçãonaresistênciaarmada,eque,
nofinal,acabaramnãosendomesmoanistiadospelaLeiN°6.683/197924.
Umdosargumentosmaistortuososequeapareceutantonovotodorelator,Ministro
ErosGrau, comonovotodoMinistroGilmarMendes, foiodequeo impedimento formado
23ParaacríticadadecisãodoSTFeseusfundamentosver:MEYER,EmilioPelusoNeder.CATTONI,Marcelo.Anistia,históriaconstitucionaledireitoshumanos:oBrasilentreoSupremoTribunalFederaleaCorteInteramericanadeDireitosHumanos.InCATTONI,Marcelo(org.).ConstitucionalismoeHistóriadoDireito.BeloHorizonte:Pergamum,2011, p. 249-288. MEYER, Emilio Peluso Neder.Ditadura e Responsabilização- elementos para uma justiça detransiçãonoBrasil.BeloHorizonte:Arraes,2012;TORELLY,MarceloD.JustiçadeTransiçãoeEstadoConstitucionaldeDireito-perspectivateórico-comparativaeanálisedocasobrasileiro.BeloHorizonte:Fórum,2012;SILVAFILHO,José Carlos Moreira da. O Julgamento da ADPF 153 pelo Supremo Tribunal Federal e a Inacabada TransiçãoDemocrática Brasileira. In: Wilson Ramos Filho. (Org.).Trabalho e Regulação- as lutas sociais e as condiçõesmateriaisdademocracia.BeloHorizonte-MG:Fórum,2012,v.1,p.129-177;SILVAFILHO,JoséCarlosMoreirada;CASTRO, Ricardo Silveira.Justiça de Transição e Poder Judiciário brasileiro - a barreira da Lei de Anistia para aresponsabilização dos crimes da ditadura civil-militar no Brasil.Revista de Estudos Criminais, n.53, p.50-87;VENTURA, Deisy. A Interpretação judicial da Lei de Anistia brasileira e o Direito internacional. In: PAYNE, Leigh;ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo (orgs.).A Anistia na era da responsabilização: o Brasil em perspectivainternacional e comparada. Brasília:Ministério da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, LatinAmerican Centre, 2011. p.308-34; PAIXÃO, Cristiano.The protection of rights in the Brazilian transition: amnestylaw, violations of human rights and constitutional form(01. September 2014), in forum historiaeiurishttp://www.forhistiur.de/en/2014-08-paixao/.(Acessoem27/10/2017).24Acrescente-seaindaofatodequenasfrequentesassembleiasrealizadaspelosdiversosComitêsBrasileirospelaAnistia (CBA's) as resoluções finais sempre pediam a responsabilização dos crimes da ditadura, conforme anotaHeloísaGreccoemsuatese(GRECO,op.cit.),etambémRODEGHEROetal.,op.cit,p.160-162).
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pelaanistiade1979à investigaçãoeresponsabilizaçãodoscrimesdaditaduravinhadeuma
imposição de compromisso da ECN°26/1985 à Constituinte de 1987, isto é, afirmaram que
uma das bases da ordem democrática de 1988 vinha justamente de uma Emenda à
Constituiçãoautoritáriaeoutorgadade1967,oquelimitavaasoberaniadaConstituinte.
TalvezestadecisãodoSTFsejaumdospontosde inflexãomaisnítidosemdireçãoà
ruptura institucional que se consumou no dia 31 de agosto de 2016 com a conclusão do
processodeimpedimentodaentãoPresidentaDilmaRoussef.Aoreproduziremplenoregime
democráticoamesmainterpretaçãoqueaditaduraforjouparaaLeideAnistiade1979,pode-
sedizerqueoSTFalojouo"golpismo"emseusgabinetesedecisões.
Após a decisão do STF na ADPF 153, tomada em abril de 2010, o Brasil sofreu em
novembro de 2010 a condenação na Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso
GomesLundeoutros,tambémconhecidocomoCasoGuerrilhadoAraguaia.Adecisãodeixa
claroqueoSupremoTribunalFederalnãofezodevidocontroledeconvencionalidadeequea
sua decisão na ADPF 153 contraria as obrigações internacionais brasileiras, já que "as
disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves
violaçõesdedireitoshumanoscarecemdeefeitosjurídicos"25.
A partir da condenação do Brasil na Corte, o Ministério Público Federal assumiu a
orientação internade levaradianteaçõesderesponsabilizaçãopenaldoscrimesdaditadura
juntoaoPoderJudiciáriobrasileiro.Foramdezenasdeaçõespenais iniciadaspeloMinistério
PúblicoFederalapartirdacondenaçãodopaísnoCasoAraguaia,masopoderjudiciáriotem
negadosistematicamenteoseguimentodasações,oraapoiadonoargumentodaanistia,ora
nodaprescrição26,contandoinclusivecomalgumasdecisõesquechegamafazerapologiaao
regimeditatorial.
Argumenta-senesteartigoque,noâmbitodopoderjudiciáriobrasileiro,areafirmação
emtemposdemocráticosdeumacertatolerânciaecomplacência,paranãodizer,emalguns
casos, defesa da tomada do poder pelos militares em 1964, e o bloqueio a medidas
justransicionais de responsabilização e de pleno repúdio à ditadura civil-militar,
representaramumclaroflancopeloqualalojou-seaparticipaçãodopoderjudiciárioemnovo
processoderupturainstitucional,ocorridoagoraem2016,háquase20anosdapromulgação
25CORTE INTERAMERICANADEDERECHOSHUMANOS.CasoGomes Lund e outros vs. Brasil. Sentenciade24denovembre de 2010. § 174. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf .(Acessoem27/10/2017).26ParaumregistrorecentedovolumedeaçõesdoMPFpararesponsabilizaroscrimespraticadospeladitaduraeasteses jurídicas adotadas, ver: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes/roteiro-atuacoes/005_17_crimes_da_ditadura_militar_digital_paginas_unicas.pdf(Acessoem27/10/2017).
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daConstituiçãodemocrática.
3.ARupturaInstitucionalnoBrasilem2016:golpeparlamentarcomapoiojudicial?
O que aconteceu no Brasil no ano de 2016, com a saída de Dilma Roussef da
Presidência da República, pode ser explicado sob diferentes ângulos e a partir de uma
multiplicidadedefatores27,masrevelainegavelmenteumagraverupturainstitucionalquetraz
diversos paralelos com aquela ocorrida em 1964 com o golpe civil-militar que depôs o
Presidente João Goulart28. Diferentemente de 1964, em 2016 não houve a deposição pelas
armas e a participação das Forças Armadas. Seguiu-se um caminho semelhante àquele já
percorridoporHonduraseParaguai.
EmHonduras,noanode2009oPoder Judiciário,provocadopeloMinistérioPúblico
hondurenho, emitiu ordem de prisão ao então Presidente Manuel Zelaya, que retirado de
pijamasdasuacasapeloExércitofoiilegalmentedeportadoparaaCostaRica.NoParaguai,no
anode2012oentãoPresidenteFernandoLugofoidepostopeloParlamentoemumprocesso
relâmpagode impeachmentnoqual teveapenasduashoraspara sedefenderdeacusações
vagaseatípicasrelativasaumsupostofracoexercíciodassuasfunções.NoParaguainãofoi
difícil obter o impeachment, visto que o Congresso estava dominado pela oposição
conservadora.
Oquehádecomumentreessescasosrecentes,incluindo-seaíobrasileiro,éofatode
serem países latino-americanos, de os governos atingidos serem considerados de esquerda,
com políticas populares voltadas ao combate das desigualdades sociais, e de terem sido
utilizadas as instituições estatais para aomesmo tempo retirar tais governantes do poder e
ostentar uma aparência de legalidade e normalidade institucional. Em todos esses casos,
27Várias análises já foram feitas sobreo contextoeo sentidodessa ruptura: CITTADINO,Gisele; PRONER,Carol;RAMOSFILHO,Wilson;TENEMBAUM,Marcio(Orgs.).Aresistênciaaogolpede2016.Bauru:Canal6,2016;RAMOS,GustavoTeixeira;MELOFILHO,HugoCavalcanti;LOGUERCIO,JoséEymardt;RAMOSFILHO,Wilson(Orgs.).Aclassetrabalhadora e a resistência ao golpe de 2016. Bauru: Canal 6, 2016; PRONER, Carol; CITTADINO, Gisele;NEUENSCHWANDER,Juliana;PEIXOTO,Katarina;GUIMARÃES,MariliaCarvalho(Orgs.).Aresistência internacionalao golpe de 2016. Bauru: Canal 6, 2016; JINKINGS, Ivana;DORIA, Kim; CLETO,Murilo (Orgs.).Por que gritamosgolpe?paraentenderoimpeachmenteacrisepolíticanoBrasil.SãoPaulo:Boitempo,2016;GENTILI,Pablo(Ed.).GolpeenBrasil-genealogiadeumafarsa.BuenosAires:CLACSO;OctubreEditorial,2016.28Paraumsucintoparaleloentreambososprocessosver: SILVAFILHO, JoséCarlosMoreirada.O JogodosSeteErros -1964-2016. In:PRONER,Carol;CITTADINO,Gisele;TENEMBAUM,Marcio;RAMOSFILHO,Wilson (Orgs.).AResistênciaaoGolpede2016.Bauru:Canal6,2016,v.,p.196-203.
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igualmente,tratou-sedeimplantarumaagendadereformasdecunhoneoliberal,comfortes
restriçõesdedireitossociaisconquistadosnasúltimasdécadas.
Emobra recente,AnibalPérez-Liñán identificanaAmérica Latina, apósas transições
realizadas com o fim das ditaduras civis-militares de segurança nacional, a tendência de
interrupçãodemandatospresidenciaispormeiodejuízospolíticos.Taltendênciaacentuou-se
a partir dos anos 90 e indica um novo modo de instabilidade política na região29. Entre a
derrubada do Presidente brasileiro Fernando Collor em 1992 e o ano de 2004, Pérez-Liñán
catalogou a deposição de dez presidentes latino-americanos. Em seu estudo comparativo,
Pérez-Liñán identifica a confluência de quatro fatores desse novo processo: a ausência de
participaçãodasforçasarmadas,aexistênciadeprotestossociaisdegrandeexpressãoemface
dedenúnciasde corrupçãooudiantede crises econômicas, apresençadamídia comouma
espécie de vigilantemoral público da sociedade e um baixo nível de apoio parlamentar ao
presidenteeleito,alémdaparticipaçãodecisivadoparlamentonadeposiçãodoPresidentena
molduraconstitucional.
Aperguntaqueficaaquiindicadaéseestanovamodalidadepodeserconsideradaem
algunscasosumgolpedeEstado.CarlosBarbéassinalaquenosanos70doséculoXXaforma
mais frequente de golpe de estado foi a que envolveu a participação demilitares30, do que
podesededuzir,emacordocomadefiniçãodoautor,quenãoéumelementoobrigatórioe
necessárioaativaparticipaçãomilitar.
ConformeBarbé,nahistóriadoconceitodegolpedeEstado,queiniciacomaobrade
GabrielNaudé(Considérationspolitiquessurlecoupd'État-1639),identifica-seumamudança
de atores quanto à sua promoção ativa. Originalmente o conceito apontava para atos de
exceçãopraticadospelosoberano.Comoadventodoconstitucionalismo,oconceitopassoua
abrangertambémsituaçõesdemudançadogovernoocorridascomaviolaçãodaConstituição
vigente,epraticadapelosprópriosdetentoresdopoderpolítico,normalmentecomviolência.
E,porfim,ogolpemilitar.
Partindodessamolduraconceitual,épossívelidentificaraocorrênciadeumgolpede
Estado quando ocorre a mudança do governo a partir de uma violação das regras
29PÉREZ-LIÑÁN,Anibal.JuíciopolíticoalpresidenteynuevainestabilidadpolíticaenAméricaLatina.BuenosAires:FondodeCulturaEconomica,2009.p.282.30BARBÉ, Carlos. Golpe de Estado. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs.).DicionáriodePolítica.5.ed.TraduçãodeCarmenC.Varrialle...[etal].Brasília:UniversidadedeBrasília,1993.p.545-547.
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constitucionais, sendo também importante a participação de grupos políticos poderosos na
suarealização,eaindaquenãoocorraaparticipaçãodosmilitares.
Também é possível delimitar o caráter de golpe para os recentes processos de
deposição de governantes na América Latina recorrendo à ideia de que em Estados
formalmente democráticos, ainda que de baixíssima intensidade especialmente para as
camadasmaisperiféricasdassociedades latino-americanas,podemserutilizadasdemaneira
mais ampla e "criativa" medidas de exceção, isto é, medidas autoritárias, apoiadas no
decisionismo,semamparolegalouconstitucional.Taismedidasdeexceçãopodempromover
a retirada dos governantes eleitos e deflagrar mudanças bruscas de orientação política no
governo,semqueparaissosejanecessáriaainstauraçãodeumEstadodeexceçãodeclaradoe
sem que se rompa ostensivamente com os mecanismos de democracia formal 31 ,
contrariamenteaoqueocorreunasditadurascivis-militaresdesegurançanacional.
No caso brasileiro de 2016 nota-se uma diferença crucial em relação ao padrão
proposto por Pérez-Liñán, qual seja o papel decisivo do poder judiciário na ruptura
institucional, fazendo às vezes de guardiãomoral da sociedade apoiado e reverberado pela
mídia hegemônica, e com isso "justificado" em seus decisionismos violadores de cláusulas
constitucionais.
Apartirdosfundamentosexpostos,seapresentarazoáveleadequadaautilizaçãoda
categoria "golpe" para tratar do processo de impeachment sofrido pela Presidenta Dilma
Roussefem2016.
No dia 02 de dezembro de 2015 o Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo
Cunha aceitou pedido de impedimento contra a Presidenta Dilma Rousseff pela prática de
crime de responsabilidade contra a lei orçamentária (hipótese doArt.85, VI da Constituição
Federal de 1988). A aceitação do pedido deu-se em circunstâncias polêmicas, pois ocorreu
momentosdepoisqueosdeputadosdoPartidodosTrabalhadores(PT),partidodaPresidenta,
31Essa é a leitura proposta por Pedro Serrano para interpretar os eventos ocorridos emHonduras em 2009, noParaguai em2012enoBrasil em2016.Comapoiono conceitodeexceçãodeCarl Scmitt, o autor caracteriza aexceçãocomoopodersoberanoquedecidesobreasuspensãododireito,equepodeser identificadoquandoogovernanteougrupospolíticospoderososutilizamasferramentaseprocessosdemocráticosparasuspenderemasgarantiaslegaiseimporemaexceção,nãoraramenteatribuindoaoatodeexceçãoocaráterdeaplicaçãoregularecorretadanormademocrática.Umclaroexemplodessaestratégia segundooautor seriaoPatriotAct nosEUA,instituído após a queda das torres gêmeas. No caso dos recentes processos latino-americanos de deposição degovernantes, a exceção estaria presente pontualmente no apoio judicial aos processos irregulares einconstitucionaisdeinterrupçãodemandatoseletivos.AfirmatextualmenteSerrano:"EmHondurasenoParaguai,regimes democráticos foram inconstitucionalmente interrompidos, golpeando presidentes legitimamente eleitosporobraoucomapoiodasrespectivascortessupremas.Trata-sedajurisdiçãofuncionandocomofontedaexceção,enãododireito."(SERRANO,PedroEstevamAlvesPinto.AutoritarismoegolpesnaAméricaLatina-breveensaiosobrejurisdiçãoeexceção.SãoPaulo:Alameda,2016.p.168).
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declararam que votariam contra o Presidente da Câmara em causa de cassação do seu
mandatoemandamentonaComissãodeÉticadacasalegislativa.Nodia17deabrilde2016
ocorreu sessão plenária de votação do parecer favorável, aprovado pela Comissão Especial
constituída,aoimpedimentodaPresidenta.OpedidofoiaprovadopelaCâmaracom367votos
a favor, 137 contra, 7 abstenções e 2 ausências.Nasmanifestaçõesdosparlamentarespara
justificar o voto pouco se tratou da acusação da prática de crime de responsabilidade pela
Presidenta.Oqueaesmagadoramaioriadosdeputadosdisseforamhomenagensamembros
dafamília,acusaçõesdecorrupçãoàPresidenta(nãomencionadasnopedidocujaaceitaçãose
votava) e até homenagens a notórios torturadores da ditadura civil-militar, espetáculo que
chocouasociedade,atémesmoaquelesfavoráveisàdeposiçãodaPresidenta.Aaprovaçãodo
pedidonaCâmararepresentouomomentoculminanteparaoafastamentodaPresidentapelo
SenadoFederal, tornando-opraticamente irreversível sobopontodevistapolítico.Oplacar
doimpedimentonoSenadofoide61votosafavore20contra,emumparlamentocomampla
maioria oposicionista e conservadora, o que confere à ruptura institucional um inegável
caráterparlamentar.
AdenúnciaquefoiapreciadanoParlamentofoioferecidapelosjuristasHélioBicudo,
JanaínaPaschoaleMiguelRealeJr.Examinando-seapeçainicial,bemcomoasalegaçõesfinais
eorelatóriodoSenadorAntonioAnastasiadoPSDB32,quefoidesignadonoSenadorelatordo
pedidoaprovadonaCâmara,vê-seumadoutrinaabsolutamentepermissivadoimpeachment
no Direito brasileiro, que abre espaço a uma indevida fiscalização ordinária dos atos do
Presidente eleito e potencializa a criminalizaçãode atos de gestão e administração, quando
deveriaserumprocessoexcepcionalíssimoerigoroso,adstritoàshipótesesconstitucionais.
EmboraahipótesedoimpeachmentestejaprevistanaConstituiçãode1988,aleique
regulamentaoseuritoedetalhaassuashipóteseséumaleide1950,aLeiN°1.079/50.Esta
leitevecomoumdosseusredatoreseentusiastaopolíticoRaulPilla,conhecidoporseufervor
parlamentarista, e que havia sido previamente derrotado em sua campanha para que a
Constituiçãode1946adotasseosistema.AaprovaçãodaLeidoscrimesderesponsabilidade,a
LeiN°1.079/50,figuroucomoumaespéciedeprêmiomenoraoblocopolíticoparlamentarista,
32BRASIL.CÂMARADOSDEPUTADOS.DenúnciaN°1de2016.Autores:HélioBicudo, JanaínaConceiçãoPaschoal,MiguelRealeJr.eoutros;BRASIL.SENADOFEDERAL.ParecerN°,de2016.DaComissãoEspecialdoImpeachment,referente à admissibilidade da DEN nº 1, de 2016. Relatoria do Senador Antonio Anastasia; BRASIL. SENADOFEDERAL.Alegações Finais naDenúnciaN°1de 2016.Autores:Hélio Bicudo, JanaínaConceiçãoPaschoal,MiguelRealeJr.eoutros.Todasastrêspeçasreferidaspodemserencontradasem:http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/08/22/veja-os-principais-documentos-do-processo-de-impeachment-de-dilma-rousseff(Acessoem27/10/2017).
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criando-se assim uma lei moldada por um viés parlamentarista vigente em um sistema
presidencialista33. InteressantenotarquefoiRaulPillaquemredigiuaemendaqueadotouo
sistemaparlamentaristapraretirarospoderespresidenciaisdeJoãoGoulartem196134diante
dapressãodosinumeráveisgruposgolpistasdaquelaépoca,militaresecivis.
Vê-se, portanto, que o espírito que animou a lei do impeachment foi o
parlamentarista.Contudo,osistemanoBrasiléopresidencialista.Senoprimeiroaperdada
maioriaparlamentarpodedestituirogovernante,nosegundoasuadestituiçãolegalsópode
ocorrer em circunstâncias excepcionais e restritas, não sendo suficiente a desconfiança da
maioria parlamentar oposicionista. Necessário é que se configure um crime de
responsabilidade. Afrouxar esta condição tornando-a permissiva para nela incluir múltiplas
hipóteses determinadas por leis infraconstitucionais, incluindo até mesmo raciocínios
extensivosedeanalogia,comoocorreunocasodoimpeachmentdaPresidentaDilmaRoussef,
éfragilizaracláusulademocrática,substituindoonumerosoeexpressivorespaldopopularque
sustenta o mandato do Presidente da República pelo malabarismo hermenêutico de
parlamentares com muito menos votos e de funcionários públicos sem representatividade
alguma,comoosãojuízeseprocuradores.
O Brasil alargou ainda mais o flanco de fragilidade democrática institucional ao
submeter a Constituição de 1988 à lógica parlamentarista de uma Lei editada em 1950, e
mesmoapósosistemaparlamentaristatersidorejeitadonoplebiscitode1993porquase70%
da população. Na ausência de uma nova lei, que esteja mais adequada tanto ao sistema
presidencialista como ao marco constitucional instituído a partir de 1988, seria ao menos
necessário uma interpretação judicial que submetesse a legislação ordinária à lógica e à
supremaciaconstitucional.Detodomodo,mesmoconsiderandoaexistênciadaLeide1950,o
processode impeachmentdaPresidentaDilmaRoussefnão conseguiudemodoconsistente
identificarqualquercrimederesponsabilidade.
33 QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo. Impeachment e lei de crimes de responsabilidade - o cavalo de tróiaparlamentarista.In:BlogDireitoeSociedadePublicadoem16dedezembrode2015.Disponívelem:http://brasil.estadao.com.br/blogs/direito-e-sociedade/impeachment-e-lei-de-crimes-de-responsabilidade-o-cavalo-de-troia-parlamentarista/(Acessoem27/10/17).34Aautoriadapropostadeemendaconstitucionalqueviriaaseraprovadaem1961erevogadaem1963podesercomprovada nos registros da Câmara dos Deputados. Ver:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2089572(Acessoem27/10/2017).
Rev.DireitoPráx.,RiodeJaneiro,Aheadofprint,Vol.XX,N.XX,2017,p.XX.JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoDOI:10.1590/2179-8966/2017/31488|ISSN:2179-8966
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Nocasodascélebres"pedaladasfiscais"35,oincisoVIdoArt.85daCFde1988afirma
quesãocrimesderesponsabilidadeatosqueatentemcontraa"leiorçamentária".Aspeçasda
acusaçãonoprocessodeimpeachmentafirmamquenestaexpressãodever-se-iaincluiraLei
deResponsabilidadeFiscal(LeiComplementarN°101/2000).Noentanto,aquestãofiscalnão
seconfundecomaorçamentária,aindaqueestejamrelacionadas,existindoumaleidiferente
paracadaqual.Quererincluirumaleiquenãoéorçamentáriaemumdispositivoexcepcionale
com consequências drásticas para o mandato presidencial é dar uma amplitude muito
questionáveletemerária.
Indo além, o Senador Anastasia afirmou em seu parecer de admissibilidade ao
processode impedimentonoSenadoque, comoa LeideResponsabilidadeFiscaldizno seu
Art.73queas infraçõesaesta lei serãopunidascombase,entreoutras leis,naLeide1950,
violar qualquer dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal implica em crime de
responsabilidade.ApartirdaíoSenador indicaqueaPresidentaviolouoArt.36,quevedaa
realização de empréstimo entre o ente da federação e instituição financeira por ele
controlada.Noentanto,emnenhumlugardaleisedizqueainfraçãoaesteartigoéumcrime
de responsabilidade.Mas ainda que fosse, atrasar o pagamento de recursos aplicados para
subvenção de programas que garantem direitos sociais, como ocorreu no Plano Safra, um
plano público de concessão de crédito para a agricultura familiar, não é uma operação de
crédito,nãoexistindosequerprecedentejudicialoudoutrinárionestesentido.
Combasenafalsapremissaanterior,partiu-separaaidentificaçãodoqueseriaoutro
supostocrimederesponsabilidade:aediçãodedecretosdecréditosuplementarforadameta
fiscal, já que se a premissa fosse verdadeira não haveria superávit a autorizar os créditos,
condiçãoprevistanaLeideOrçamentode2015.Deixandoafalsapremissadelado,aedição
desses decretos seguiu rigorosamente as condições exigidas em lei, e é recurso comum
utilizadoporgovernosanteriores.
Ademais, todos os atrasos de pagamentos do tesouro às instituições financeiras
federaisforamquitadosemjaneirode2016eoanode2015fechoucomametacompatível
aosgastosrealizados,tendoametasidoalteradaemdezembrodiantedosefeitosrecessivos
da crise econômicamundial36. No entanto, isso parece não ter qualquer relevância para os
35PedaladasFiscaisdesignamapráticadeoTesouropúblicoatrasarorepassedeverbas,queforamutilizadasparaprogramas públicos e sociais, a instituições financeiras públicas ou privadas, produzindo com isso uma melhorsituaçãofiscalnofechamentodeumdeterminadoperíodo.36Casoametanãohouvessesidoalteradadentrodoanofiscalaísimseconfigurariaogastoacimadametasemautorização do parlamento. De todo modo, é sintomático que apenas dois dias após a consumação do
Rev.DireitoPráx.,RiodeJaneiro,Aheadofprint,Vol.XX,N.XX,2017,p.XX.JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoDOI:10.1590/2179-8966/2017/31488|ISSN:2179-8966
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denunciantes do impeachment e os que os apoiaram, sob o pretexto de que se a Lei de
ResponsabilidadeFiscaléuma leiqueprotegeaprecaução,entãoqualqueratoconsiderado
temerárioviraumcrimederesponsabilidade,aindaquenãotenhahavidoprejuízoaoscofres
públicoseospassivostenhamsidosaldados.Éum"crimeformaldemeraconduta",conforme
estáassinaladonoparecerdoSenadorAnastasiaenasAlegaçõesFinaisdosdenunciantes.Não
interessaoresultado.
Em homenagem aos princípios mais elementares do Direito Penal e da cláusula
democrática,exige-sequeocrimeensejadordaperdadomandatopresidencialpopularseja
estritamente previsto na Constituição ou a partir dela, restando vedado qualquer juízo de
analogiaoualargamento.QuererafastaressacondiçãoparaqueoParlamentodecidaoque
quiser,comadesculpadequesetratadeumjuízoeminentementepolíticoéviolaralógicaea
Constituição.
Não só o crime identificado foi fruto de um verdadeiro atentado hermenêutico à
Constituiçãoeàlegislaçãofinanceiracomotambémnãoseconseguiuapontarsuaautoriacom
clareza e coerência. A Presidenta Dilma foi ao mesmo tempo acusada por ato omissivo e
comissivo, como se depreende da denúncia e das alegações finais. Somente restou aos
defensoresdoimpeachment,emsuasalegaçõesfinais,invocarema"personalidadeenérgicae
controladora"daPresidentaparaafirmarqueelafoiautoradoscrimescriados,ouatestarem
que a Presidenta era "íntima" do Secretário do Tesouro, a ponto de não se saber "onde
começavaumeterminavaooutro"37.
Para alémdoprotagonismoparlamentarnadeposiçãodaPresidenta eleita, opoder
judiciário teve tambémparticipação crucial nesseprocesso.O STF senegoua exercero seu
papeldelimitarosabusosdoParlamentoaolongodoprocessofraudulentodeimpeachment,
mesmoquandoprovocado38,soboargumentodequesetratavadeumadecisão"política"e
dequenãodeveriaintervir,lavandoassuasmãos.
impeachment,oSenadotenhaaprovadoumaleiqueflexibilizaaediçãodedecretosdecréditosuplementarsemautorizaçãodoCongresso,aLeiN°13.332/2016..37EstafrasefoiditaporMiguelRealeJr.,umdosjuristassignatáriosdopedidodeimpeachmentdeDilmaRoussef,quandorealizavasuamanifestaçãonaComissãoEspecialdoImpeachmentnoSenadoFederalnodia28deabrilde2016.Disponívelem:http://veja.abril.com.br/brasil/reale-defende-impeachment-no-senado-crime-de-responsabilidade-sem-punicao-e-golpe/(Acessoem27/10/17).38LogoapósconsumadooimpedimentodaPresidentaDilma,asuadefesaimpetrouumMandadodeSegurançanoSTFpedindoaanulaçãodoimpedimento.Aliminarfoinegadaeaação,atéosdiasnosquaisseescreveesteartigo,dormitanasgavetasdaCorte.
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Ademais,paraqueoprocessodeimpeachmentdaPresidentaDilmafossepossivel,foi
necessário um intenso processo de criminalização do seu partido e do seu governo,
proporcionadopor intensa campanhamidiática epor ação seletiva e arbitrária do Judiciário
federal,daPolíciaFederaledoMinistérioPúblicoFederal.
Ao longo do ano de 2016 o Jornal O Globo estampava sucessivas manchetes e
editoriaisdeapoioaogolpeparlamentar,assimcomofizeramtambémquasetodososjornais
dagrandemídia(eentreelesaFolhadeSãoPaulo,oEstadãoeaRevistaVeja).ARedeGlobo
deTelevisãotevepapeldecisivoeprotagonistapormeioprincipalmentedosseusprogramas
de notícias e jornalismo. O Jornal Nacional dedicou edições inteiras para noticiar e analisar
vazamentos seletivos e escutas ilegais enviadas diretamente pelo juiz Sergio Moro,
responsável pela Operação Lava-Jato39. Também deu destaque para investigações ainda em
andamentodoMinistérioPúblicoFederalvoltadascontraoEx-PresidenteLula,seupartidoeo
governodaPresidentaDilma,aomesmopassoemquedavapoucoespaçoe importânciaàs
denúncias e delações envolvendo empresários que apoiavam a oposição e políticos da
oposição,entreelesocandidatodoPartidodaSocialDemocraciaBrasileira(PSDB)derrotado
em 2014. O auge do espetáculo midiático ocorreu na noite de 16 demarço quandoMoro
enviougramposilegaisdeconversasentreaPresidentaDilmaeoEx-PresidenteLula,feitosna
própriaPresidênciadaRepública,diretamenteàRedeGlobodeTelevisão,contendoconversas
particulareseprivadasquesãomanipuladaseexpostasàexecraçãopúblicaemplenoJornal
Nacional40.OcrimepraticadoporMoroé ignoradopeloConselhoNacionalde Justiçaepelo
STF,contentando-seesteúltimocomumsimplespedidodedesculpas.
39AOperaçãoLava-JatoéumamegaoperaçãodeflagradapelaPolíciaFederalnoanoeleitoralde2014equenoâmbitodojudiciáriofederalvemsendocentralizadaecoordenadapelo juizfederalSergioMoro,comatuaçãodoSTF nos casos de políticos com foro privilegiado. O foco central é a investigação sobre esquemas de propinapraticados na Petrobrás envolvendo políticos e empreiteiras. Trata-se de uma operação polêmica, ainda nãoconcluída quando da redação deste artigo, que tem se tornado notória pelo uso explícito que faz de delaçõespremiadasobtidasdesuspeitosmantidosindefinidamenteemprisãopreventiva,devazamentosilegaisàimprensa,deatuaçãoemparceriaentrepromotoriaemagistraturacontraosréus,decerceamentodedireitosdadefesa,deaçõesespetacularescobertaspelamídiaedecondenaçõesseverasqueemmuitoscasosbaseiam-setãosomenteemdelações.40Na conversa ilegalmente gravada e divulgada a Presidenta Dilma avisava o Ex-Presidente Lula de que umemissáriolevariaatéeleotermodasuapossecomoMinistrodaCasaCivil,paraquepudesseutilizá-lo"emcasodenecessidade"atéasuachegadaaBrasíliaparaefetivamentetomarpossenocargo.ÀépocaoEx-Presidentenãoeraréuemqualquerprocesso,nãohavendo portantoqualquer impedimentoparaqueDilmaonomeasseMinistro,estandotalatitudedentrodasualegítimadiscricionariedadecomogovernanteeleita.ComasuanomeaçãocomoMinistro,oEx-Presidenteadquiririaforoprivilegiadoeteriaeventuaisdenúnciasapreciadaseformuladasapartirda ProcuradoriaGeral da República diante do Supremo Tribunal Federal.No STF, oMinistroGilmarMendes emdecisão monocrática e liminar simplesmente suspendeu a posse do Ex-Presidente, situação que não mais foirevertida,mesmocomaausênciadequalquerrazoabilidadeoufundamentolegalparasustentá-la.
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Amplos setores da Polícia Federal, em trabalho conjunto com o Judiciário e o
Ministério Público Federal, no bojo da Operação Lava-Jato, levaram adiante Operações de
investigação, conduções coercitivas 41 , prisões e de execução de mandados de busca e
apreensãoquesevoltaramprioritariamentecontraoprópriogovernodaPresidentaeleitae
seu Partido, por mais frágeis e inconsistentes que fossem as acusações, enquanto os
documentosedelaçõesqueenvolverampolíticosdospartidosfavorecidoscomadeposiçãoda
Presidenta Dilma, em especial o PSDB e o PMDB (Partido do Movimento Democrático
Brasileiro), foram sistematicamente ignorados. A operação assumiu explicitamente um viés
seletivo 42 apoiado basicamente em delações de corrupção obtidas a partir de prisões
provisórias sem prazo para acabarem, além de terem praticado inúmeras ações ilegais e
irregularescomovazamentosparaaimprensa,prisõesbaseadasemindíciosfrágeiseescutas
ilegais,inclusivedeescritóriosdeadvocaciaquerepresentavamosréus.
Quando provocado o STF e outras instâncias superiores convalidaram todas as
evidentes ilegalidadespraticadasemespecialpelo juizSergioMoro.Oepisódiomais intenso
neste sentido foi a decisão do Tribunal Regional Federal da 4a Região em representação
disciplinarfeitaporadvogadoscontraestejuiz,tomadaemsetembrode2016.Por13votosa
1, os juízes deste Tribunal decidiram que a Operação Lava-Jato está lidando com situações
excepcionaisequeportantoexigem"soluçõesexcepcionais",enãopodemser tratadaspelo
direitocomum43.OrelatorchegaatémesmoacitarGiorgioAgambemparadefiniroEstadode
exceção, embora o faça indevidamente já que interpreta ser a sua descrição do Estado de
exceçãoumahipótesenecessária emalguns casos e nãoumadenúncia do alastramentodo
seupadrãopelomundo.41Um dos momentos mais tensos em toda a escalada judicial-midiática que preparou o golpe foi a conduçãocoercitivadoEx-PresidenteLulanodia04demarçode2016.Semquefosseréu,semquehouvessesidointimadoousenegadoaprestardepoimentonoâmbitodasinvestigações,comtodooaparatorepressivoemidiático,LulafoilevadocoercitivamentedointeriordoseuapartamentoparaoaeroportodeCongonhasemSãoPaulo,ondeporfimacabouporfazeroseudepoimentoeser liberadoemseguida.HaviaaparatojádesignadoparaqueelefosselevadoàCuritiba,mas, aoqueparece, a forte reaçãopopular nopróprio aeroportoou algumoutromotivonãoesclarecido,impediuqueassimocorresse.42ImportaesclarecerquenãosepretendenesseartigonegarouafirmaroenvolvimentodepolíticosdoPartidodosTrabalhadores, assim como de outras siglas, em práticas de corrupção. O ponto que aqui interessa é notar ainstrumentalizaçãodosistemadejustiçaemproldeobjetivospolíticosquecontamcomanecessidadederupturasinstitucionais e de expedientes de exceção e antidemocráticos, adotando como bandeira assumida a perigosafórmuladequeosfinsjustificamosmeios.43Brasil. Tribunal Regional Federal (4a Região). P.A. CORTE ESPECIAL Nº 0003021-32.2016.4.04.8000/RS. RelatorDes. Romulo Pizzolatti. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-set-23/lava-jato-nao-seguir-regras-casos-comuns-trf(Acessoem27/10/2017).
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A deposição da Presidenta Dilma Roussef, assim como todas as consequencias que
vieramdepoisparaopaísemtermosderetrocessosefragilizaçãodemocrática,necessitoude
umambiente institucional denormalizaçãodoabusodepoderporpartedo Judiciário, bem
comodasuaconvergênciacomabusosdepoderpraticadosporoutrosagentespúblicos,entre
osquaismembrosdoMinistérioPúblico,daPolíciaFederaleparlamentares.
4.ConsideraçõesFinais
Noprocessodejustiçatransicionalbrasileiro,aindaemcurso,muitasaçõesimportantesforam
realizadas, ainda que tardiamente, mas o bloqueio da pauta da responsabilização, tanto
administrativa quanto penal, e a ausência de reformas públicas e legais mais efetivas no
repúdioàinstrumentalizaçãodasinstituiçõesestataisedesetoresestratégicoscomoamídiae
o sistema de justiça, parecem ter contribuído significativamente para a interrupção do
processodemocráticoiniciadoem1988.
É por demais simbólico que logo no segundo dia após consumado o processo
fraudulento de impeachment, mais precisamente no dia 02 de setembro de 2016, o então
Ministro da Justiça Alexandre de Moraes operou um desmantelamento da Comissão de
Anistia,comadispensaunilateralenãojustificadadeseisdosseusmembrosmaisantigosea
nomeaçãode vintenovosmembros, dosquais nenhumé reconhecido por atuarno campo
dos Direitos Humanos, o que fez sem qualquer consulta à sociedade civil organizada, como
movimentos de familiares de mortos e desaparecidos políticos, organizações de direitos
humanos,movimentossociais,esemaanuênciadosconselheirosdispensados.Emtodaasua
existência a mudança na composição do conselho sempre se deu a partir da espontânea
decisão dos membros mais antigos em saírem e a partir da consulta aos movimentos e
organizaçõesmaisenvolvidoscomapauta.
Houvenasprimeiras reuniõesdonovogrupoumaclara tentativaporpartedaatual
equipeadministrativaedealgunsdosnovosmembrosemalteraremdesfavordosanistiandos
umasériedeentendimentos jáconsolidadosnaComissãodeAnistia.Oápicedesteprocesso
foiadeclaraçãoàimprensadoentãonovoConselheiroAlbertoGoldmandequenãodeveria
haver a reparação pecuniária aos perseguidos, já que a reparação teria sido a própria
Rev.DireitoPráx.,RiodeJaneiro,Aheadofprint,Vol.XX,N.XX,2017,p.XX.JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoDOI:10.1590/2179-8966/2017/31488|ISSN:2179-8966
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redemocratizaçãodopaís44.MovimentosbrasileirosporVerdade,MemóriaeJustiçareagiram
em notas45, e devido à pressão o referido Conselheiro acabou pedindo o desligamento da
Comissão, mas o seu entendimento, hostil ao programa de reparações brasileiro, é
compartilhado por alguns dos novos Conselheiros e pela própria equipe administrativa da
Comissão,empossadatãologoAlexandredeMoraesassumiuoMinistériodaJustiça.
Desde que Michel Temer assumiu o poder, a Comissão tem estado praticamente
estagnada em todas as suas atividades. Foram pouquíssimas as sessões ocorridas até o
primeiro semestre de 2017. O Conselho, incluindo-se aí a Presidência da Comissão, perdeu
completamenteaingerênciasobreassessões,estandotodooandamentoetodososprojetos
da Comissão nas mãos da equipe administrativa, constituída de modo completamente
independente em relação à própria Presidência do Conselho, o que contrasta com omodo
anteriordefuncionamentodaComissãodesdeassuasorigens.
As Caravanas da Anistia foram interrompidas. O Edital Marcas daMemória não foi
renovado e não há qualquer perspectiva na sua continuidade. O Projeto Clínicas do
Testemunho não conta no horizonte com qualquer indício de renovação pelo governo
brasileiro.EaconstruçãodoMemorialdaAnistiarestainterrompidaeinconclusa46.
O golpe de 2016 articula simbolicamente um esforço revisionista de suavização do
golpe civil-militar de 1964. Para alémdos efeitos óbvios neste sentido que a paralisaçãode
toda a pauta justransicional acarreta, as manifestações civis que pediram a derrubada da
Presidenta eleita trouxeram consigo setores expressivos que pediam a volta da ditadura
militar, tida por eles como um período sem corrupção e duro para com os comunistas ou
membros da esquerda (agora identificados com o Partido dos Trabalhadores). Toda a forte
campanhadeestigmatizaçãodoPTedassuasprincipaislideranças,conduzidaaolongodesse
processo,teveocondãodesuavizarasilegalidadeseabusosdepoderpraticadoscontraeles,
44 Ver aqui a reportagem: https://oglobo.globo.com/brasil/novo-membro-da-comissao-de-anistia-contra-pagamento-perseguidos-1-20744424(Acessoem27/10/2017).45 Ver: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/alberto-goldman-e-o-retrocesso-da-comissao-da-anistia;https://oglobo.globo.com/brasil/movimentos-de-ex-perseguidos-politicos-rebatem-goldman-20760370;http://paulofontelesfilho.blogspot.com.br/2017/01/jose-carlos-moreira-para-goldman.html; e também:http://www.ocafezinho.com/2017/01/13/familiares-e-ex-presos-politicos-se-unem-contra-retrocesso-na-comissao-de-anistia/NotaPúblicadaComissãoEstadualdaMemóriaeVerdadeDomHelderCâmara(CEMVDHC):Disponívelem: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjKosWakYLUAhUJjpAKHdEEBUoQFggiMAA&url=https%3A%2F%2Fpt-br.facebook.com%2Fcomissaodaverdadepe%2F&usg=AFQjCNEhU_V3WpX1Tge5_ZlxwfiV-PsAEw> (Acesso em27/10/2017).46Poróbvio,taisfatosapresentamoestadodaquestãoàépocadefinalizaçãodesteartigo,maisprecisamentenomêsdenovembrode2017.
Rev.DireitoPráx.,RiodeJaneiro,Aheadofprint,Vol.XX,N.XX,2017,p.XX.JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoDOI:10.1590/2179-8966/2017/31488|ISSN:2179-8966
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bemcomojustificarumjuízopolíticosemamparoconstitucional,emclaroparalelismocoma
rupturahavidaem1964.
Nessachave,aindaéprecisomencionarqueadespeitodaamplabaseparlamentardo
governoinstaladoem2016,ejustamenteporistocapazdeoperarretrocessosantipopularese
antissociais na legislação, a instabilidade política e econômica apenas se agravou. Nesse
cenário, um general da ativa das Forças Armadas, Hamilton Mourão, depois apoiado pelo
então Comandante do Exército brasileiro, General Eduardo Villas-Boas, invocou em uma
palestra tornada pública pelos meios virtuais, a possibilidade de uma "intervenção militar"
caso o judiciário brasileiro não afaste os políticos envolvidos emmaus feitos, e na mesma
ocasiãofezumadefesadopapeldasForçasArmadasduranteaditaduravividapelopaís47.O
fato teve repercussão nacional e encontrou amplo apoio nas redes sociais, não raro com
discursosrevisionistassobreosignificadodaditaduracivil-militar48.
Detodasasforçasquecontinuamaoperarpelanormalizaçãodogolpeparlamentare
das suas consequências, uma das maiores responsabilidades cabe ao Poder Judiciário, na
medida em que claramente abriu mão do seu papel contramajoritário e de defensor dos
direitosegarantiasconstitucionais49.
ApardaausênciadedepuraçõesadministrativasnocorpodoPoderJudiciárioapóso
regime autoritário, seja em relação ao pessoal integrante do aparato burocrático seja em
relaçãoaosprópriosmagistrados,importaaquidestacaramanutençãonoregimedemocrático
de uma expectativa moralizante a respeito da atuação jurisdicional combinada com sua
presençacadavezmaiornasfunçõesdemediaçãoinstitucionalesocial.
47 https://www.sul21.com.br/jornal/em-palestra-general-mourao-fala-em-possibilidade-de-intervencao-militar-no-pais/ e também: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/09/1920079-comandante-do-exercito-descarta-punir-general-que-sugeriu-intervencao.shtml(Acessoem27/10/2017).48https://www.cartacapital.com.br/politica/para-historiadora-intervencao-militar-no-brasil-201cnao-pode-mais-ser-descartada201d(Acessoem27/10/2017).49Entre tantas decisões polêmicas de chancela de retrocessos de direitos e garantias, cabe mencionar o casonotório da autorização de prisão por condenação não transitada em julgado. Confirmando decisão em casoespecíficoquehaviasidotomadaem17defevereirode2016,oSTFdecidiupermitiraexecuçãoprovisóriadapenadeprisãoapóscondenaçãoemsegundograumesmocomrecursoàsinstânciassuperioresaindaemtrâmite.Eofeza despeito dos Art.5°, LVII da Constituição Federal e do Art.283 do Código de Processo Penal que fixam anecessidade do trânsito em julgado para que alguém possa ser considerado culpado e cumprir a sua pena,permitindo-seapenasasexcepcionalidadesdaprisãopreventivaedaprovisória.Estadecisãofoireforçadanodia05 de outubro de 2016 comefeito geral no julgamento daAçãoDeclaratória de Constitucionalidade 43.Na suamanifestação o Ministro Gilmar Mendes chegou a dizer que a resposta à preocupação dos advogados com apresunçãodainocênciaseriaaLava-Jato,vistoqueadecisãodoSTFpossuioefeitopráticodeanteciparaprisãodepolíticospresospelaOperação já referida.Note-sequea cláusula constitucional relativizadae restringidaéumacláusulapétrea,assimdeclaradapelaprópriaConstituiçãonoArt.60,parágrafo4°.
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Paraumdiagnósticocoerentecomosquepoderiamserapontadoscomooscânones
democráticosmaisbásicos,sejamelesrelativosàsoberaniapopularouaoespaçoconferidoà
participação da sociedade civil organizada e à permeabilidade às demandas populares, não
bastapartir-seapenasdasdefiniçõesconceituaisreservadasaopapeldoPoderJudiciárioem
um Estado de Direito. É preciso problematizar suas continuidades históricas, sua estrutura
elitista, hierárquica e pouco permeável ao exercício democrático, o que assume cores
especiaisnocontextolatino-americano50.
Como lembra Cittadino51em um país como o Brasil, dificilmente se pode invocar a
existência de uma comunidade de valores que possa ser perscrutada pela inteligência e
sensibilidade superiores de algum magistrado, ou que esteja afinada a alguma tradição
constitucional. A história constitucional brasileira é permeada por rupturas e continuidades
quenãoautorizamapressuposiçãoquantoàexistênciadealgumtipodetradição.Tampoucoé
factívelsupor-seumacomunidadeéticadevalorescompartilhadosnocontextodesociedades
profundamentemarcadaspeladesigualdadeepelaassimetrianasrelaçõesdepoder(seéque
seriapossívelfazê-loemrelaçãoaqualquersociedadecontemporânea),semfalarnointenso
pluralismoqueascaracterizam.
Emcontextosassim,ocompromissomaiorenecessáriodoPoderJudiciáriodeveser,
deum lado,ode concretizar aConstituiçãoapartir dos seusprópriosmarcos republicanos,
abrindo mão da busca de um denominador moral objetivo que esteja para além ou para
aquém da referência constitucional, e controlando com especial atenção os seus próprios
arroubos ativistas, e de outro, a abertura e a permeabilidade aos grupos sociais populares
organizadosvoltadosapautasemancipatóriasdediminuiçãodasdesigualdadeshistóricaseao
respeitoeampliaçãodosdireitosfundamentais.ComobemadverteIngeborgMaus,
Quando a justiça ascende ela própria à condição de mais alta instânciamoral da sociedade, passa a escapar de qualquermecanismo de controlesocial - controle aoqual normalmente sedeve subordinar toda instituiçãodoEstadoemumaformadeorganizaçãopolíticademocrática.Nodomíniode uma Justiça que contrapõe um direito "superior", dotado de atributosmorais,aosimplesdireitodosoutrospoderesdoEstadoedasociedade,énotóriaaregressãoavalorespré-democráticosdeparâmetrosdeintegraçãosocial.52
50ZAFFARONI,EugenioRaúl.PoderJudiciário:crise,acertosedesacertos.SãoPaulo:RevistadosTribunais,1995.51CITTADINO,Gisele.Poderjudiciário,ativismojudicialedemocracia.Alceu(PUCRJ),v.5,n.9,p.105-113,jul./dez.2004.52MAUS,Ingeborg.Judiciáriocomosuperegodasociedade-opapeldaatividadejurisprudencialna"sociedadeorfã".TraduçãodeMartonioLimaePauloAlbuquerque.NovosEstudos,n.58,p.183-202.nov.2000.p.187.
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Nãosetratadenegaraojudiciárioanecessidadedequeexerçaainterpretaçãodalei
ou de querer regressar a parâmetros positivistas ou de literalidade, especialmente em um
marco constitucional principiológico, mas sim que se abstenha de ostentar as categorias
objetivas da moralidade social e da escuta do "clamor popular", acabando por confundir
interpretação com subjetivismo ou decisionismo. Autonomia e independência judiciais não
devem ser compreendidas como pretextos para abusos de poder. Dado o seu histórico de
complacência autoritária, é imprescindível que se opere uma democratização na própria
estrutura administrativa do poder judicial 53e em relação à sua atividade, ampliando os
controles sociais e democráticos, buscando-se criar verdadeiras pontes de diálogos e
construçãoentreamagistraturaeosmovimentossociais,semoqueseesvaemalegitimidade
easoberaniapopular.
Independente dos interesses e pressões internacionais que influenciaram a ruptura
institucional ocorrida em 2016 no Brasil, ao examinar-se o processo a partir das próprias
contradiçõesedificuldadesinternasdopaís,nota-se,portudooquejásedescreveuaqui,um
clarodestaqueparaopapel concomitantedopoder judiciário emomitir-seno controledos
atosparlamentareseempraticaratosdeabusodepoderedeviolaçãodosmarcos legaise
constitucionais, aspecto este combinado à realização de uma justiça de transição parcial e
bloqueada nas pautas da responsabilização e da reforma das instituições, que seguiu de
perto54aprópriaambiguidadedoprocessodeanistianoBrasil.
53Aesserespeito,verosucintoartigodeESCRIVÃOFILHOsobreocarátercentralizador,verticalizanteeoligárquicodaestruturajudicialnoBrasil,citando-seporexemplo:ainexistênciadosufrágiodiretoexercidopelosmagistradose servidores para a escolha dos presidentes dos tribunais de justiça; órgãos de corregedoria controlados pelostribunais e conformadores de uniformidades condizentes com o padrão político e ideológico adotado; presençadiminutaderepresentantesdasminoriassociaisnacomposiçãodosquadros(mulheres,negros,indígenas,LGBT's,etc); controle externo limitado, tímido, tardio, incompleto e claudicante. Ainda relativamente ao processo deescolhados juízesda instância judicialnacionalmaiselevada,oautorapontaparaumadiferençanoscritériosdecomposiçãodosjuízesdaCorteSupremaargentinaenosdoSupremoTribunalFederalnoBrasil.EnquantonaquelesseprevêexpressamenteocompromissodofuturomagistradodoTribunualcomosDireitosHumanos(emacordocomoDecretoPresidencialn.222/2003),exemplotambémpresentenaConstituiçãobolivianade2009,nestesnadasemencionasobreanecessidadedetalcompromisso.(ESCRIVÃOFILHO,2015,p.39-40).54PauloAbrãoeMarceloTorellyapresentamemminúciasoargumentoqueoprocessojustransicionalbrasileirofoiconduzidopeloprocessodaanistia.Ver:ABRÃO,Paulo;TORELLY,MarceloD.Oprogramadereparaçõescomoeixoestruturante da justiça de transição no Brasil. In: REÁTEGUI, Félix (Org.). Justiça de Transição - manual para aAméricaLatina.Brasília:ComissãodeAnistia;NewYork:InternationalCenterforTransitionalJustice,2011.p.473-516.
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Sobreoautor:JoséCarlosMoreiradaSilvaFilhoProfessordaEscoladeDireitodaPontifíciaUniversidadeCatólicadoRioGrandedoSul-PUCRS(Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Graduação em Direito); Ex-Vice-Presidente da Comissão de Anistia do Brasil; Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq.Email:[email protected]éoúnicoresponsávelpelaredaçãodoartigo.