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KHALILGIBRAN

CONTOSBREVES

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Título:CONTOSBREVES

Autor:KhalilGibran(1883–1931).

Tradutor:PauloSoriano

Imagemdacapa:KhalilGibran(1883–1931).

Leiautedacapa:Canva.

Série:ClássicosEstrangeiros–vol.24.

Direitos:Originaldedomíniopúblico(Leinº9.610,de19defevereirode1998art.41).©datradução:PauloSoriano.

Editor:FreeBooksEditoraVirtual.

Site:www.freebookseditora.com

Ano:2017.

Sitesrecomendados:

www.triumviratus.net,www.contosdeterror.com.br

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SumárioSOBREACOLETÂNEAOLOUCO

OREISÁBIO

AESTÁTUAOVELHO,VELHOVINHO

ACANÇÃODEAMOR

ENCONTRANDODEUSCORPOEALMA

DOISPOEMAS

ORELÂMPAGONAFEIRA

ADANÇARINA

ABALEIAEABORBOLETALÁGRIMASERISOS

ASROMÃS

OCÃOSÁBIOVESTIMENTAS

AMOREÓDIOONTEM,HOJEEAMANHÃ

LADYRUTH

ARAPOSAOSROSTOS

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SOBREACOLETÂNEA

KhalilGibran,escritor—etambémpintor—libanêsradicadonosEstadosUnidos,ésobretudoconhecidopelaobra“OProfeta”,poemaemprosatraduzidoparamais de 40 idiomas.Deixou, todavia, histórias curtas dotadas de elevadoconteúdomoralouespiritual.Apresentecoletâneareúne21deseusapólogosefábulas.

Conteúdo: “O Louco”, “O Rei Sábio”, “A Estátua”, “O Velho, VelhoVinho”, “A Canção de Amor”, “Encontrando Deus”, “Corpo e Alma”, “DoisPoemas”,“ORelâmpago”,“NaFeira”,“ADançarina”,“ABaleiaeaBorboleta”,“Lágrimas e Risos”, “As Romãs”, “O Cão Sábio”, “Vestimentas”, “Amor eÓdio”,“Ontem,HojeeAmanhã”,“LadyRuth”,“ARaposa”e“OsRostos”.

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OLOUCO

No jardim de um hospício, eu conheci um jovem de rosto pálido eencantador.Tinhaumaaparênciaesplêndida.

E,sentando-menumbancojuntoaele,perguntei:

—Porqueestásaqui?

Elemeolhoucomespantoedisse:

—Estaéumaperguntainconveniente;mas,aindaassim,responderei.Meupai pretendia fazer demimuma reprodução de simesmo.Omeu tio queria amesmacoisa.Aminhamãe tinhaa figurade seumaridomarinheirocomoumexemploperfeitoaserseguido.Meuirmãopensavaqueeudeviaserigualaele,umótimoatleta.

“Emeusprofessores—odoutoremfilosofia,omestreemmúsicaeodelógica—estavamdeterminados:cadaumdelesteriaemmimumreflexodeseusprópriosrostosemumespelho.

“Por isto, vim parar neste lugar. Mas acho este ambiente bem maissaudável.Pelomenos,aquieupossosereumesmo”.

Então,derepente,elesevirouparamimedisse:

—Mas,diga-me: foramaeducaçãoeobomconselhoque teconduziramparaestelugar?

—Não,souapenasumvisitante—respondi.

Eledisse:

—Oh,tuésumdaquelesquemoramnohospíciodooutroladodomuro...

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OREISÁBIO

Eraumavez,nalongínquacidadedeWirani,umreiquegovernavaosseussúditoscompoderesabedoria.Opovootemiaporseupodereoamavaporsuasabedoria.

Nocoraçãodaquelacidade,haviaumpoçodeáguafrescaecristalina.Delabebiamtodososseushabitanteseatémesmooreieosseuscortesãos,poiseraoúnicodalocalidade.

Certanoite,quandotodosdormiam,umabruxaentrounacidadeederramousetegotasdeummisteriosolíquidonopoço,dizendo:

—Apartirdeagora,quembeberdestaáguaficarálouco.

Namanhãseguinte, todososhabitantesdoreino,salvooreieoseulordecamareiro,beberamdopoçoeenlouqueceram,talcomoabruxahaviapredito.

E,naqueledia,nasruasestreitasenaspraçasdomercado,aspessoasnãoparavamdesussurrarentresi:

— O rei está louco! Nosso rei e o lorde camareiro perderam a razão.Certamente,nãopodemossergovernadosporumreilouco.Devemosdestroná-lo.

Naquelanoite,oreimandouqueenchessemumagrandetaçacomaáguadopoço.Equandoatrouxeram,bebeudaáguaabundantementeeentregouacopaaolordecamareiro,paraquedolíquidotambémbebesse.

Ehouveumgranderegozijona longínquacidadedeWirani,porqueoseureieolordecamareirohaviamrecobradoarazão.

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AESTÁTUA

Eraumavezumhomemque, vivendo entre as colinas, tinhauma estátuaesculpidaporumantigomestre.Aesculturaficavaencostadaàporta,viradaparabaixo,eoseudonojamaislheprestavaatenção.

Certa feita, um homem culto passou à frente de sua casa. E, notando aestátua,perguntouaodonosegostariadevendê-la.

—Quemestariainteressadoemcomprarestaestátuasujaedesinteressante?—respondeuodono,rindo-se.

—Douporelaestapeçadeprata—disseohomemdacidade.

Ooutrohomemficouatônitoeencantado.

Aestátuafoitransportadaàcidadesobreolombodeumelefante.E,depoisdemuitas luas, o homemda colina visitou a cidade. Enquanto passeava pelasruas,viuumamultidãoparadaà frentedeuma lojaeumhomemque,emaltavoz,bradava:

—Venhameadmiremamaisbela,amaismaravilhosaestátuadomundo.Somenteduaspeçasdeprataparacontemplaramaisextraordináriaobradeummestre!

Entãoohomemdascolinaspagouduaspeçasdeprataeentrounalojaparaveraestátuaqueelemesmohaviavendidoporumasómoeda.

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OVELHO,VELHOVINHO

Eraumavezumhomemricomuitoorgulhosodesuasadegasedosvinhosqueelacontinha.Nela,haviaumagarrafacomumvinhoenvelhecidoguardadoparaalgumaocasiãosóporeleconhecida.

O governador do estado o visitou e ele, após pensar, disse a si mesmo:“Essagarrafanãodeveserabertaporumsimplesgovernador”.

Obispodadioceseovisitou,maseledisseconsigo: “Não, eunãoabrireiessagarrafa.Elenãosaberiaestimaroseuvalor,nemoseuaromachegariaàssuasnarinas”.

O príncipe do reino veio jantar com ele. Mas ele pensou: “É um vinhomuitomajestosoparaummeropríncipe”.

Emesmo no dia em que o seu sobrinho se casou, ele disse a simesmo:“Não,essagarrafanãofoifeitaparaessesconvidados”.

E passaram-se os anos.Morreu o homem já ancião e foi enterrado comoqualquersementeoubolota.

Nodia seguinte ao seu enterro, tanto a antiga garrafa de vinho quanto asdemaisforampartilhadasentreoscamponesesdosarredores.Eninguémsedeucontadesuaimensaantiguidade.

Paraeles,tudooquesederramaemumcopoéapenasvinho.

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ACANÇÃODEAMOR

Umpoetaescreveu,certafeita,umalindacançãodeamor.Delafezmuitascópiaseenviou-asaseusamigoseconhecidos,homensemulheres,eatémesmoa uma jovem a quem vira apenas uma única vez e que morava além dasmontanhas.

E,emumdiaoudois,chegouummensageirotrazendoumacartadajovem.Estadizia:

“Asseguro-te que estou profundamente comovida com a canção de amorquetuescrevesteparamim.Vemlogo,falacomomeupaiecomaminhamãeparaquetratemosdospreparativosdenossasnúpcias.”

Opoetarespondeuacarta,dizendo-lhe:

“Minhaamiga,oqueteenvieifoiapenasumacançãodeamornascidadocoraçãodeumpoeta,cantadaporqualquerhomemaqualquermulher.”

Elareescreveu-lhe,dizendo:

“Hipócrita ementirosoempalavras!Apartirdeagoraatédia emquemesepultem,euodiarei,portuacausa,todosospoetas.”

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ENCONTRANDODEUS

Doishomenscaminhavamporumvalequandoumdelesapontouparaumavertentedamontanhaedisse:

—Vêsaqueleeremitério?Láháumhomemquehámuitosedivorcioudomundo.ElebuscaapenasDeusenadamaissobreestaterra.

Eooutrohomemdisse:

—ElenãoencontraráDeusatéqueabandoneoseueremitérioeasolidãodeseu refúgio,e retorneaonossomundoparacompartilhardenossaalegriaedor;paradançarcomnossasdançarinasnasfestasdecasamentoeprantearcomaquelesquechoramemtornodosataúdesdenossosmortos.

Eooutrohomemconvenceu-sedetalverdadeemseucoração.Mas,apesardesuaconvicção,respondeu:

—Euconcordocomoquedisseste,mascreioque,aindaassim,oeremitaéumbomhomem.Masnãopodemos considerarqueumhomembom, comsuaausência,podefazermelhorqueabondadeaparentedetantoshomens?

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CORPOEALMA

Umhomemeumamulhersesentarampertodeumajanelaqueseabriaàprimavera.Sentaram-sejuntinhos.Amulherdisse:

—Euteamo.Ésbelo,rico,eestássemprebem-vestido.

Eohomemdisse:

—Euteamo.Ésumpensamento,algoetéreodemaisparasegurarcomasmãos,eumacançãonosmeussonhos.

Masamulherafastou-sedele,enfurecida,dizendo:

—Senhor,deixa-meagora.Eunãosouumpensamento,nemalgoquepassanos teus sonhos. Sou uma mulher. Gostaria que tu me desejasses como umaesposaemãedefilhosaindanãonascidos.

Elessesepararam.

Eohomemdiziaemseucoração:“Eismaisumsonhoquesetransformaemnévoa”.

E a mulher dizia para si: “Bem, o que esperar de um homem que metransformaemsonhoenévoa?”

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DOISPOEMAS

Há vários séculos, a caminho de Atenas, dois poetas se encontraram eficaramfelizesemsereverem.

Umdelesperguntouaocompanheiro:

—Oquetenscompostoultimamente?Comoestáatualira?

Eooutro,comorgulho,respondeu:

— Acabo de concluir o maior de meus poemas, talvez o maior jamaisescritonaGrécia.ÉumainvocaçãoaZeus,oSupremo.

Entãotiroudeporsobasuacapaumpergaminho,dizendo:

—Aquiestáele.Euotragosemprecomigoegostariadelê-loparati.Vem,sentemo-nosàsombradesseciprestebranco.

Eopoetaleuoseupoema.Eeraumlongopoema.

Eooutropoetadisse,combondade:

—Érealmenteumgrandepoema.Eleatravessaráosséculoseneletuserásglorificado.

Eoprimeiropoetaperguntou,calmamente:

—Etu,oquetensescritoultimamente?

Ooutrorespondeu:

—Tenho escrito pouco. Somente oito linhas emmemória de ummeninobrincandonumjardim.Erecitouosseusversos.

Oprimeiropoetacomentou:

—Nãoétãoruim,nãoétãoruim.

Esesepararam.

Ehoje,depoisdedoismilanos,asoitolinhasdopoetasãolidasemtodasaslínguasesãoamadaseapreciadas.

O outro poema também sobreviveu através de anos em bibliotecas e nosrecônditos dos especialistas. Mas, apesar de ser lembrado, não é amado nem

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lido.

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ORELÂMPAGO

Certafeita,numdiadetempestade,estavaumbispocristãoemsuacatedral.Umamulhernãocristãapresentou-seaele,dizendo:

—Eunãosoucristã.Paramim,hásalvaçãodofogodoinferno?

Obispoolhouparaamulhererespondeu:

—Não.Somentehásalvaçãoaosquesebatizamnaáguaenoespírito.

Enquanto falava, um raio caiu comumestrondo sobre a catedral, que foitomada pelas chamas. E os homens da cidade vieram correndo e salvaram amulher,masobispofoiconsumido,alimentodofogo.

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NAFEIRA

Vinda do campo, cegou à Feira uma jovemmuito atraente. Em seu rostohaviaumlírioeumarosa.Haviaumpôr-do-solemseucabeloeumalvoreceremseuslábios.

Assim que a adorável forasteira apareceu diante de seus olhos, os jovensaproximaram-sedelaearodearam.Umqueriadançarcomela;outro,cortarumboloemsuahomenagem.Etodosqueriambeijarasuaface.Afinal,aquilonãoeraaFeira?

Masamoçaficouchocadaepensoumaldosjovens.Repreendeuosrapazesemesmoosatingiuumoudoisdeles,norosto,comumabofetada.Então,fugiudali.

E,naquelanoite,enquantovoltavaparacasa,diziaemseucoração:“Estoutãodesgostosa!Quegrosseirosemal-educadossãoesseshomens!Vãoalémdetodapaciência”.

Epassou-seumano,aolongodoqualabelagarotamuitopensouemFeirasehomens.Entãovoltou àFeira como lírio e a rosano rosto, opôr-do-sol nocabeloeosorrisodaalvoradanoslábios.

Mas agora os rapazes, vendo-a, afastaram-se dela. Ela permaneceu o diainteiroignoradaesolitária.

E,aoanoitecer,naestrada,enquantocaminhavadevoltavaparacasa,diziaemseucoração:“Estoutãodesgostosa!Quegrosseirosemal-educadossãoesseshomens!Vãoalémdetodapaciência”.

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ADANÇARINA

Eraumavezumadançarinaque,acompanhadadeseusmúsicos,chegaraàcortedopríncipeBirkasha.E,admitidanacorte,dançouparaopríncipeaosomdoalaúde,daflautaedacítara.

Executouadançadaschamaseadançadasespadaselanças.Etambémadasestrelaseadoespaço.E,porúltimo,adançadasfloresaovento.

Parou, depois, diante do trono do príncipe e curvou-se diante dele. E opríncipepediuqueadançarinaseaproximasse,dizendo:

—Lindamulher,filhadagraçaedoencanto,deondevematuaarte?Comoéquepodesdominartodososelementoscomosteusritmoserimas?

Eabailarina,curvando-senovamentediantedopríncipe,respondeu:

— Poderosa e graciosa Majestade, eu desconheço a resposta a tuasperguntas.Tudooqueseiéisto:aalmadofilósofohabitaemsuacabeça;aalmadopoeta,emseucoração;adocantor,emsuagarganta.Masaalmadadançarinapulsaemtodooseucorpo.

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ABALEIAEABORBOLETA

Certanoite,umhomemeumamulher seencontraramemumadiligência.Elesjáseconheciam.

Ohomemeraumpoetae,quandosesentouaoladodamulher,cuidoudeentretê-lacomalgumashistórias,sendoumasdesuaprópria lavraeoutrasquenãoeramsuas.

Mas, enquanto ele falava, a dama caiu no sono. Então, de repente, umsolavancoaacordou.Eeladisse:

—AdmiroatuainterpretaçãodahistóriadeJonaseabaleia.

Eopoetadisse:

—Madame,euestavacontandoumahistóriaquecrieisobreumaborboletaeumarosabranca,edecomoelassecomportaramumacomaoutra.

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LÁGRIMASERISOS

Certa noite, numadasmargensdoNilo, umahiena se encontrou comumcrocodilo.Ambospararamesecumprimentaram.Ahienadisse:

—Comotenspassadoodia,senhor?

Eocrocodilorespondeu:

—Muitomal.Às vezes, emminha dor eminha tristeza, choro.Então ascriaturassempredizem:“Ora,sãoapenaslágrimasdecrocodilo”.Istomemagoamuitomaisdoqueconsigoexpressar.

Entãoahienadisse:

—Tume falasde tuadorede tua tristeza,mas,porummomento,pensatambém em mim. Eu contemplo a beleza do mundo, suas maravilhas e seusmilagres.Então,porpuraalegria,eurio,comoriemosdias.E,então,osentesdaselvadizem:“Ora,istoésomenteumrisodehiena”.

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ASROMÃS

Eraumavezumhomemquetinhamuitasromãzeirasemseupomar.E,emtodos os outonos, ele punha as romãs numa bandeja de prata fora de casa, esobreabandejaumcartazondehaviaescrito:“Pegaumafrutadegraça.Tuésbem-vindo”.

Masaspessoaspassavamsempegarafruta.

Tendomeditadosobreisto,ohomem,noutrooutono,nãodeixouasromãsnasbandejasdeprataportaafora,senãofixouumanúnciogrifadocomgrandesletras:“Temosasmelhoresromãsdenossaterra,massomenteasvendemospormaismoedasdeprataquequaisqueroutrasromãs”.

E—vedeagora—todososhomensemulheresdasredondezaschegaramcorrendoparacomprá-las.

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OCÃOSÁBIO

Certodia,umcãosábiopassoupróximoaumgrupodegatos.

Aoacercar-seeverqueosgatosestavammuitoentretidosedespreocupadoscomasuapresença,parou.

Então,ergueu-sedomeiodagatariaumbichanograndeesolene,queolhouparaosdemaisedisse:

— Irmãos, orai. E quando tiverdes rezado uma e outra vez, sem de nadaduvidar,então,emverdade,choveráratos.

Ouvindoisto,ocãoriuemseucoraçãoeseafastou,dizendo:

—Ah,comosãocegose tolososgatos!Ora,nãoestáescrito—eeuseidistocomoosabiamosmeusancestraisantesdemim—queoquechoveporconta das orações, da fé e das súplicas não são os camundongos,mas sim osossos?

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VESTIMENTAS

Certo dia, a Beleza e a Fealdade se encontraram à beira do mar. Elasdisseramumaàoutra:

—Banhemo-nosnomar.

Então elas depuseramas suas vestes e nadaramnas águas.Depois de umcertotempo,aFealdadevoltouàmargemesevestiucomasroupasdaBeleza.Depois,afastou-se.

EaBelezatambémsaiudomar.Comonãoencontrouassuasroupaseeramuito recatadaparapermanecernua,vestiuas roupasdaFealdade.EaBelezaseguiuoseucaminho.

Atéhoje,homensemulheresconfundemumacomaoutra.

Todavia,háalgumaspessoasquevislumbramorostodaBeleza,apesardasroupas que ela veste. E algumas outras reconhecem a face da fealdade, cujospanosnãoaocultamdeseusolhos.

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AMOREÓDIO

Disseumamulheraumhomem:

—Euteamo.

Eohomemrespondeu:

—Estáemmeucoraçãoserdignodeteuamor.

Eamulherdisse:

—Nãomeamas?

Ohomemapenasolhou-afixamenteesecalou.

Entãoamulherbradou:

—Euteodeio!

Eohomemdisse:

—Pois,então,estáemmeucoraçãoserdignodeteuódio.

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ONTEM,HOJEEAMANHÃ

Eudisseaumamigo:

— Tu a vês inclinada nos braços daquele homem. Ainda ontem, elainclinava-senosmeus.

Emeuamigodisse:

—Eamanhãestaránosmeus.

Eudisse:

—Contempla-a sentada junto a ele.Ainda ontem, ela se sentava aomeulado.

Eelerespondeu:

—Amanhã,elasesentarájuntoamim.

Eudisse:

—Vê,elabebevinhodeseucáliceeontembebiadomeu.

Eeledisse:

—E,amanhã,domeucálice.

—Observacomoelao contemplacomamoreosolhosentregues.Aindaontem,elamecontemplavaassim.

—Amanhã,elamecontemplaráassim.

Perguntei:

—Tu não a ouvesmurmurar cantigas de amor nos ouvidos dele? São asmesmascantigasdeamorqueelaontemmurmuravanosmeusouvidos.

Emeuamigorespondeu:

—Eamanhãelaassussurraránosmeus.

Eudisse:

—Então,vê:elaoabraça.Eaindaontemelameabraçava.

Emeuamigodisse:

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—Amanhã,elameabraçará.

Entãoeudisse:

—Quemulherestranha!

Maselerespondeu:

—Elaécomoavida,possuídaportodososhomens.E,comoamorte,elaconquistatodososhomens.E,comoaeternidade,envolvetodososhomens.

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LADYRUTH

Certa feita, três homens viram, ao longe, uma casa branca, que se erguiasolitáriasobreumaverdecolina.Umdelesdisse:

—AquelaéacasadeLadyRuth.Elaéumavelhabruxa.

Osegundohomemdisse:

—Tuestáserrado.LadyRuthéumalindamulherquealiviveconsagradaaseussonhos.

Oterceirohomemdisse:

—Estaisamboserrados.LadyRuthéaproprietáriadestavastaterraetiraosanguedeseusservos.

E eles continuaram o seu caminho discutindo sobre Lady Ruth. Então,quandochegaramaumaencruzilhada,encontraramumvelhohomem.Umdelesperguntouaoancião:

—OsenhorpoderianoscontarsobreLadyRuth,quemoranacasabranca,noaltodacolina?

Ovelhoergueuacabeçae,sorrindo-lhes,disse:

— Tenho noventa anos e lembro-me de Lady Ruth desde quando eu eraapenasumgaroto.MasLadyRuthmorreuháoitenta anos e agora a casa estávazia.Nela,ascorujaschirriam,easpessoasdizemqueolugarestáassombrado.

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ARAPOSA

Umaraposaviuasuasombraaonascerdosoledisse:

—Hojetereiumcamelonoalmoço.

Epassouamanhãinteiraprocurandocamelos.Mas,aomeio-dia,voltouaverasuasombraedisse:

—Bem...comereiumratinho.

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OSROSTOS

Eu vi um rosto com mil semblantes, e um rosto que tinha apenas umsemblante,comoseestivessecontidoemummolderígido.

Vi um rosto cujo brilho eu podia vislumbrar através da fealdade que ocobria,eumrostocujobrilhotivederemoverparaveroquãobeloeraele.

Vi um velho rosto sulcado de rugas por nada, e um rosto viçoso em queestavamgravadastodasascoisas.

Conheço todos os rostos porque os vejo através da trama que os meusprópriosolhostecem,evislumbroarealidadequeestáportrásdotecido.