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    Comunicao na perspectiva da Igualdade de Gnero:

    apontamentos para o debate sobre Marco Regulatrio1

    Profa.Dra. Cludia Regina LAHNI

    2

    Profa.Dra. Daniela AUAD3Universidade Federal de Juiz de Fora

    Resumo: O artigo tece reflexo sobre Marco Regulatrio tanto ao abordar a temtica daComunicao e das Relaes de Gnero quanto ao se beneficiar de resultados depesquisa sobre a presena da mulher em um veculo local da grande imprensa, noperodo eleitoral. Na perspectiva adotada, gnero assumido como categoria de anlisee, a partir disso, prope-se a sua considerao em toda e qualquer regulamentao dascomunicaes. H, com isso, a intencionalidade de no perpetuar posturas neutras nos

    processos de construo do conhecimento e de produo miditica. Tais posturastornariam invisveis grupos de mulheres para quem e por quem polticas igualitrias decomunicao devem ser formuladas e implantadas. Como base para a anlise, realizou-se levantamento bibliogrfico nos Anais e nas Revistas da Intercom e da Comps (2003a 2010) e estudo sobre como as mulheres aparecem em matrias jornalsticas. Assim,aspira-se a colaborar com o debate sobre Marco Regulatrio para a Comunicao noBrasil e para a construo de conhecimento interdisciplinar, democrtico e socialmentereferendado pelos movimentos sociais e pela comunidade acadmica.

    Palavras-chave: mdia local; relaes de gnero; igualdade; cidadania; marco

    regulatrio.

    Como na educao, na cultura, nas artes e na comunicao, as mulheres so

    colocadas em sua maioria em um papel subjugado, erotizado e mercantil. Essa realidade

    precisa ser combatida com iniciativas populares e com polticas pblicas. Este um

    trecho inicial do texto-base sobre Comunicao e Cultura da 3. Conferncia Estadual

    1Uma primeira verso deste artigo foiapresentado no GP Comunicao para a Cidadania no XI Encontro dosGrupos de Pesquisa em Comunicao, evento componente do XXXIV Congresso Brasileiro de Cincias daComunicao, realizado em Recife, em setembro de 2011.2Cludia Regina Lahni coordenadora do Grupo de Pesquisa Comunicao para a Cidadania da Intercom. docentede Comunicao Comunitria da graduao da Faculdade de Comunicao e do Programa de Ps-Graduao emComunicao da Universidade Federal de Juiz de Fora. Coordenou (de 2007 a 2010) o projeto de extenso eminterface com a pesquisa Comunicao para a Cidadania: Tecnologias, Identidade e Ao Comunitria (financiadopela Fapemig). Organizou, com outras autoras e autores, os livros Culturas e disporas africanas (UFJF, 2009) eSociedade e comunicao: perspectivas contemporneas (Mauad X, 2008).3Daniela Auad lder do Grupo de Estudos de Gnero, Feminismo e Diversidade Sexual da Universidade Federal deSo Paulo, instituio na qual Professora Permanente do Programa de Ps-Graduao Educao e Sade na Infnciae na Adolescncia. Na UFJF, como Adjunto III, Daniela Auad Docente nas disciplinas de Sociologia da Educao eEstado, Educao e Sociedade. Na Universidade de So Paulo, aps a graduao em Pedagogia e o Mestrado,concluiu Doutorado em Sociologia da Educao. Na Universidade de Campinas, realizou Ps-doutorado no

    Departamento de Sociologia. Dentre outras publicaes, autora dos seguintes livros: Feminismo: que histria essa?(DP&A, 2003), Educar Meninas e Meninos: relaes de gnero na escola(Contexto, 2006), Gnero e PolticasPblicas: avanos e desafios(Secretaria Especial de Polticas para as Mulheres & UCDB/MS, 2008).

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    de Polticas para Mulheres da Bahia4, realizada como preparao para a 3. Conferncia

    Nacional de Polticas para as Mulheres5. O texto-base tambm salienta que faz-se

    necessrio investir em iniciativas de narrativas femininas que resgatem a memria das

    mulheres e que se estabelea uma identidade feminina atravs das artes e da

    comunicao6. As deliberaes das Conferncias Estaduais so debatidas e votadas na

    Conferncia Nacional, a qual indica a elaborao de polticas pblicas para os governos.

    Da mesma forma que as Conferncias Municipais, Estaduais e Nacionais de

    polticas para as mulheres debateram e debatem a necessidade de regulamentao da

    mdia no sentido do respeito s mulheres e igualdade entre os gneros, a 1. Conferncia

    Nacional de Comunicao (Confecom), realizada em Braslia, em dezembro de 2009,

    indicou a necessidade de uma poltica de comunicao que contribua para a promooda igualdade e desestimule a produo de contedos discriminatrios (Secretaria de

    Polticas para as Mulheres - SPM, 2011, p.16).

    Ainda segundo a SPM (2011, p.16), o item Cultura, Comunicao e Mdias

    Igualitrias, Democrticas e No-discriminatrias, contemplado no captulo 8 do II

    Plano Nacional de Polticas para as Mulheres, estabelece as seguintes prioridades (2008-

    2011) para a Secretaria:

    - Estimular e garantir que os programas de fomento produoe difuso cultural valorizem a expresso das mulheres e a suacontribuio social, poltica, econmica e cultural;

    - Estimular a produo e a difuso de contedos no-discriminatrios e no-estereotipados das mulheres, valorizandoas dimenses de raa/etnia, orientao sexual e gerao;

    - Construir mecanismos de monitoramento e controle social doscontedos veiculados nos espaos de mdia e comunicao,

    4A 3. Conferncia Estadual de Polticas para Mulheres da Bahia reuniu mais de mil mulheres, nos dias

    12 a 14 de novembro de 2011, no Centro de Convenes de Salvador. A co-autora deste artigo, professoraDaniela Auad, participou desta Conferncia como expositora e debatedora e esteve presenteespecialmente nas atividades do Eixo Temtico sobre Educao e Relaes de Gnero. No ser demaisregistrar que onze dias aps o trmino da Conferncia Estadual de Polticas para Mulheres, em 25 denovembro de 2011, a Bahia foi o primeiro Estado da Federao que realizou a eleio dos representantesda sociedade civil para o Conselho Estadual de Comunicao Social. No dia 12 de dezembro, tomamposse as 20 entidades eleitas 10 do segmento empresarial e 10 do movimento social e, ainda, os seteindicados pelo governo do Estado. Embora com enorme atraso de nosso pas nesse sentido, a criao doprimeiro Conselho Estadual de Comunicao do pas representa medida que caminha na direo dagarantia do Direito Comunicao de variados setores da populao.5A 3. Conferncia Nacional de Polticas para as Mulheres ocorre nos dias 12 a 15 de dezembro de 2011.Trata-se de evento definido por decreto da presidenta Dilma Rousseff, em 15 de maro de 2011.6As mulheres reunidas na 3. Conferncia Estadual de Polticas para Mulheres da Bahia aprovaram uma

    moo de apoio ao Projeto de Lei n 19.237/2011, conhecido como Projeto Antibaixaria, da deputadaestadual Luiza Maia, que prev o fim da contratao, com dinheiro pblico, de artistas cujas msicasincentivam a violncia e o preconceito contra as mulheres.

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    assegurando participao ativa, constante e capilarizada dasociedade.

    Tais encaminhamentos das conferncias de Polticas para as Mulheres e de

    Comunicao vo ao encontro dos debates sobre o Marco Regulatrio das

    Comunicaes no pas, conjunto de regras para o setor, que deve ser enviado aoCongresso como projeto do Executivo. Segundo a deputada federal Luiza Erundina

    (PSB-SP), coordenadora da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expresso e o Direito

    Comunicao com Participao Popular, preciso atualizar as leis da rea,

    principalmente porque existem novas tecnologias. Alm disso, at hoje no foram

    regulamentados os artigos da Constituio sobre a regionalizao das comunicaes, a

    multiprogramao, a produo independente e o respeito diversidade cultural do Pas

    (Erundina em entrevista a Ginny Morais, 2011).

    Na mesma direo do que postulam as prioridades acima, o deputado Rui

    Falco, presidente do PT (Partido da Presidenta da Repblica), em entrevista para o

    Blog do Rovai, afirma que o novo Marco Regulatrio deve criar um ambiente

    econmico mais equilibrado, onde a diversidade cultural seja entendida como direito e

    onde o Estado intervenha no estrito sentido da preservao do interesse pblico.

    O tema respeito diversidade expresso tambm em artigo do professor

    Laurindo Lalo Leal Filho (2011), no qual se analisa o atual desrespeito da mdia

    diversidade, a partir da ao dos grandes grupos de comunicao, que a dominam e

    impem uma censura empresarial. Segundo o diagnstico do docente da Universidade

    de So Paulo, no h como mudar a situao sem a interferncia do Estado, colocando

    algumas regras para proteger o telespectador (Leal Filho, 2011).

    Vale mencionar que a Constituio estabelece o respeito a todas as pessoas e

    diversidade regional, assim como probe haver monoplio da Comunicao. A

    existncia de leis complementares, que estabeleam um Marco Regulatrio, certamente

    far com que sejam respeitados esses e outros itens j previstos na Constituio,

    reivindicados por grandes parcelas da populao brasileira, ainda minoritrias

    socialmente, como as mulheres, e as bandeiras de luta e compromissos que retiram das

    Conferncias. A seguir, apresenta-se a reflexo sobre Mulher na Comunicao, a partir

    de pesquisa que adota a categoria gnero de modo central e indica, diante de seus

    resultados, a urgncia da regulamentao das comunicaes em nosso pas, com a

    considerao da igual valorizao entre os femininos e os masculinos.

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    A mulher na mdia sob a tica da categoria gnero

    Nove mulheres ministras, ao final do primeiro semestre de 2011, do total de 37

    pastas, estavam frente de Ministrios do Governo Dilma Rousseff. Aps mais de 500

    anos de Histria do Pas, foi eleita, como a lder do poder executivo, a primeira mulher

    e, por ela, foram nomeadas essas lideranas femininas. Por mais precoce que possa

    parecer qualquer anlise sobre essa breve narrativa da Histria recentssima, no

    demais afirmar que tal situao, no que se refere temtica das Mulheres no Poder,

    concorre para que vejamos mais mulheres nos primeiros cadernos de jornais e em toda a

    imprensa, no Brasil. Apesar de, por vezes, ser retratada uma determinada representao

    de mulher quase que um modelo nico e idealmente coeso e coerente em torno de umconjunto de atributos tal visibilidade , ainda assim, potente como oferta de modelo e

    de incentivo para que as mulheres, uma vez representadas na mdia, possam perceber o

    feminino e a poltica, na esfera pblica e oficial, como algo que no lhes alheio ou

    algo do qual elas no esto apartadas. Essa conquista de espao simblico , no entanto,

    recente e numericamente pequena, se se pensar em termos de paridade e de igualdade

    em outros termos que no apenas no que se refere s questes quantitativas. Por um

    lado, uma presidenta e nove ministras correspondem inconteste conquista rumo igualdade; por outro lado, trata-se de nmero a ser colocado em meio conjuntura das

    desigualdades mais amplas, tanto nos cargos dos demais poderes (legislativo e

    judicirio) quanto no mercado de trabalho e nas variadas esferas do cotidiano nas quais

    recai forte desvalorizao sobre o feminino.

    Diante desse quadro, ao considerar o papel central ocupado pela mdia na

    sociedade atual e ao ponderar o direito comunicao na sociedade da informao, h

    de se refletir sobre a presena da mulher na comunicao, sobretudo no que tange maneira como esta representada nas matrias, reportagens, entrevistas, notcias e

    notas. Nessa perspectiva, o presente texto apresenta parte da pesquisa Comunicao,

    poltica e relaes de gnero: anlise da presena da mulher, em um veculo local da

    grande imprensa e em um alternativo, no perodo eleitoral. Doravante, ser

    apresentada uma anlise da presena de mulheres no jornal Tribuna de Minas, da

    cidade de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira. O jornal uma publicao que pode

    ser classificada como grande imprensa, ainda que tenha foco especialmente local.Cumpre destacar que a anlise foi feita do dia 10 de agosto (uma semana antes do incio

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    do horrio eleitoral gratuito no rdio e na TV) a 10 de novembro de 2010 (dez dias aps

    o trmino da eleio, no segundo turno, e completando-se trs meses de anlise).

    Verificamos o contedo do primeiro caderno, com foco especial para nmero de

    fotografias de mulheres e homens, nmeros de mulheres e homens entrevistados,

    meno a mulheres e a homens em ttulos e nas chamadas, matrias, reportagens,

    entrevistas e notas. A pesquisa teve os seguintes principais questionamentos: como se

    comportariam um jornal local identificado como grande imprensa e um boletim

    sindical, veculo potencialmente contra-hegemnico, em uma eleio presidencial em

    que uma candidata mulher aparecia, inicialmente, em segundo lugar nas pesquisas,

    sendo que ela representava a continuidade de um governo que tinha grande aceitao

    popular?7Como se comportariam tais veculos em uma eleio para deputado federal

    em que estaria uma candidata mulher de Juiz de Fora que foi a primeira candidata

    prefeitura, na eleio de 2008, tendo ficado em segundo lugar com uma expressiva

    votao? Sero apresentados a seguir os dados da anlise do jornal local, identificado

    como grande imprensa no que se refere especialmente candidatura Dilma Rousseff.

    H de se enfatizar que a categoria gnero fundamenta a pesquisa realizada e o

    presente texto, medida que so consideradas as representaes socialmente

    construdas sobre o masculino e o feminino para analisar o objeto de pesquisa. Como

    subsdio para a anlise e com foco voltado para a mulher na poltica, realizou-se

    levantamento bibliogrfico no qual as fontes fundamentais foram os anais e as revistas

    da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao) e da

    Comps (Associao Nacional dos Programas de Ps-graduao em Comunicao), no

    perodo de 2003 a 2010. Ao analisar a presena da mulher no noticirio poltico, em

    matrias jornalsticas, pretendeu-se contribuir para a construo de conhecimento

    interdisciplinar e de fronteira, no qual o acmulo terico se d a partir da interface de

    reas, conceitos e categorias tais como comunicao, poltica, igualdade, cidadania e

    relaes de gnero.

    Comunicao e Relaes de Gnero para a Cidadania

    7 Em pesquisa realizada pelo Datafolha, em 15 e 16 de abril de 2010, Jos Serra (PSDB) aparecia com 38% dasintenes de voto e Dilma Rousseff (PT) aparecia com 28% das intenes de voto. Em pesquisa do mesmo instituto e

    mesmo ms, 73% dos entrevistados classificaram o governo do presidente Luiz Incio Lula da Silva (PT) como timoou bom. Dessa forma, Lula continua sendo o presidente mais bem avaliado pela populao desde o incio dassondagens do Datafolha, em 1990 (http://datafolha.folha.uol.com.br acessado em 23 de abril de 2010).

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    Atualmente, a comunicao de massa regula a relao do indivduo com seus

    pares, com os diferentes grupos e instituies com os quais se relaciona e elemento

    determinante na relao do indivduo consigo, uma vez que constri sua identidade.

    Como aponta Raquel Paiva, a mdia responsabiliza-se por todas as mediaes sociais

    (2005). Na mesma direo da afirmao da centralidade da comunicao na sociedade

    atual, Alexandre Barbalho reflete sobre a necessidade de atualizao dos direitos e

    afirma que a cidadania, para as minorias, comea com o acesso democrtico aos meios

    de comunicao (2005).

    Mulheres, negros, negras, gays e lsbicas, por exemplo, poderiam ser

    visibilizados de modo a se reconhecerem nas imagens divulgadas a partir de uma

    perspectiva alternativa s imagens hegemnicas, comumente veiculadas e queusualmente empoderam homens brancos heterossexuais. Vale mencionar que as

    mulheres, apesar da maioria numrica na sociedade, so pensadas, na pesquisa expressa

    neste texto, como minoria. Chega-se a tal concluso quando so tomadas como parte da

    anlise as desigualdades de gnero e discriminao com relao ao feminino, ainda hoje

    vividas por essa parcela da populao. Para Joan Scott (2005), os eventos que

    determinam que as minorias sejam tomadas enquanto tais ocorrem pelo processo de

    atribuio de menos status e desvalorizao de algumas qualidades inerentes ao grupo

    minoritrio, como se essas qualidades fossem a razo e tambm a racionalizao do

    tratamento desigual, tais como caractersticas percebidas no corpo das mulheres ou pela

    raa.

    O olhar que o referencial de Joan Scott possibilita sobre as minorias ainda mais

    potente se se considerar o emblemtico texto Gnero: uma categoria til de anlise

    histrica (Scott, 1990). Trata-se de produo que contribuiu para que variados setores

    das Cincias Humanas reconhecessem a importncia das relaes sociais que se

    estabelecem com base nas diferenas percebidas entre o masculino e o feminino. No

    obstante, a abordagem sobre a categoria gnero proposta pela francesa Christine Delphy

    (1991) tambm maximizou a percepo da desigualdade entre o feminino e o masculino

    e entre mulheres e homens como uma construo social. A apropriao dos escritos

    de Scott e de Delphy permite notar tanto que as mulheres ainda so minorias quanto que

    as relaes de gnero, do modo como esto organizadas em nossa sociedade, produzem

    as desigualdades que tornam esses grupos minorias. Os escritos dessas autoras

    permitem elucidar como as vises naturalistas sobre mulheres, meninas, homens e

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    meninos representam obstculos para o acesso democrtico das minorias aos meios de

    comunicao, no que se refere ao direito de se verem representados e reconhecidos em

    produes realizados por elas, para elas e sobre elas.

    Gnero , portanto, assumido, no presente texto, como categoria de anlise e, apartir disso, prope-se a sua adoo como relevante na elaborao de toda e qualquer

    regulamentao das comunicaes. H, com isso, a intencionalidade de no perpetuar

    posturas neutras nos processos de construo do conhecimento e de produo miditica.

    Tais posturas ditas neutras tornariam invisveis grupos de mulheres para quem e por

    quem polticas igualitrias de comunicao devem ser formuladas e implantadas. Nesse

    sentido, diretrizes da Primeira Conferncia Nacional de Comunicao, realizada em

    dezembro de 2009, devem ser implantadas e a definio de poltica de Joan Scott, emseu texto O Enigma da Igualdade pode comear a ser praticada ao se trabalhar com a

    informao e ao se praticar jornalismo.

    Trata-se de cuidar da poltica e de considerar a igualdade nos meios de

    comunicao tendo como norte a negociao de identidades e dos termos das

    diferenas entre elas (Scott, 2005, p.29). Assim, gnero seria adotado como um potente

    marcador de diferenas, diante do qual no possvel silenciar. Perceber sujeitos a

    partir dessa categoria no permite que se elimine a diferena. Ao contrrio, considerar

    gnero na construo da percepo dos sujeitos conduz ao reconhecimento das

    diferenas e exige a deciso sobre se tais diferenas sero ignoradas ou levadas em

    considerao. Nesse sentido, gnero um constructo que inaugura a percepo de

    determinadas caractersticas em detrimento de outras, incluindo as consideradas

    biolgicas ou fsicas. O que considerado como natureza se mostra como mais um

    dado passvel de interpretao. Os processos de diferenciao revelam-se produtores de

    excluses. Desta maneira, as desigualdades so construdas a partir das diferenas

    percebidas segundo relaes entre o masculino e o feminino, nas quais so atribudos

    lugares e valores hierarquizados para homens e mulheres.

    Christine Delphy afirma o gnero como um produto social que constri o sexo.

    Da mesma maneira, as posies ocupadas idealmente pelas mulheres so construdas a

    partir das relaes de gnero que ditam o que aceito e o que rechaado, segundo

    padres masculinos e de femininos estimulados, incentivados ou no. O apelo

    maternidade e aos valores tradicionais de feminilidade algo percebido como positivo

    ao lado de uma candidata mulher Presidncia da Repblica, bem como rechaada

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    qualquer possibilidade de postura ou comportamento que afaste tal candidata do ideal

    feminino segundo os padres tradicionais vigentes, como, por exemplo, uma presidenta

    guerrilheira ou uma deputada federal lsbica.

    Por mais que explorar positiva ou negativamente essas identidades no sejadeterminante exclusivo do comportamento eleitoral, pode influenciar o empoderamento

    de um grupo minoritrio que se veja representado na informao difundida, via

    jornalismo, como fundamental exerccio de cidadania. A informao sobre direitos e a

    comunicao percebida como seara de exerccio da cidadania podem fazer com que ou

    contribuir para que mulheres e outras minorias se organizem para reverter sua condio

    ainda sub-representada. de suma importncia que mulheres lsbicas sejam noticiadas

    em reportagens que valorizam sua maternidade, por exemplo, em pautas tpicas do Diadas Mes. Por outro lado, desnecessrio a uma candidata Presidncia da Repblica

    que ela aparea fritando ovos em programas femininos, a fim de provar ao eleitorado

    que tem atributos tpicos ao seu sexo. Pode ser interessante para a igualdade de gnero

    que prefeitas e senadoras sejam retratadas em manchetes elogiosas, com adjetivos

    distantes do ideal feminino vigente. Afinal, uma boa candidata ao Senado no precisa

    ser a imagem pronta e acabada de cuidadora do seu eleitorado ou falar de mulher para

    mulher com as eleitoras. Por outro lado, ser feminina no deveria ser algo a ser

    noticiado a fim de fazer ganhar ou perder votos.

    Muitas so as mulheres e tantas quantas so elas so os femininos em prtica no

    cotidiano. Na perspectiva da informao como direito e, por isso mesmo, garantido na

    Constituio Brasileira a Comunicao tambm entendida como uma prerrogativa

    pois, para alm da necessidade de ter informao, preciso ter a possibilidade de

    produzir e expor informaes e reflexes de e por variados grupos sociedade (Raboy,

    2005). Ter acesso informao e exercer o Direito Comunicao so, em um s

    tempo, processos, mecanismos, direitos e conquistas fundamentais para que as mulheres

    consigam sua emancipao e participem da poltica em suas variadas esferas: partidria,

    institucional, sindical, associativa e onde mais a cidadania ativa encontrar demandas.

    Reviso Bibliogrfica

    A partir da fundamentao terica adotada e expressa acima, foi realizado o

    estado da arte sobre Comunicao, Poltica e Relaes de Gnero, cujo objeto de

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    pesquisa foi o corpus composto por artigos publicados na Intercom e na Comps, em

    congressos nacionais e em suas Revistas, no perodo de 2003 a 2010. O objetivo, ao

    estudar tal corpus, era o de conhecer como outras produes lidaram com o tema as

    mulheres na poltica, a fim de aproveitar contribuies j realizadas por pesquisadoras

    e pesquisadores da rea de Comunicao e, nos limites das possibilidades do estudo,

    aprofundar tais contribuies com dados novos e ou novas abordagens sobre questes j

    formuladas. Conforme os critrios selecionados, dos artigos dos congressos nacionais

    da Intercom8, restaram dois: A Mulher nas Eleies 2002 (Lima, Ferreira e Vieito,

    2003) e Estratgias miditicas de construo de uma candidata Presidncia Uma

    proposta metodolgica (Bastian e Gomes, 2010).

    No artigo A Mulher nas Eleies 2002, a anlise levou em conta a representaoda mulher candidata a um cargo poltico na eleio carioca de 2002, no jornal O Globo,

    durante o ms de setembro. As relaes de gnero so abordadas, no referido trabalho,

    nos espaos pblicos e privados, entendendo o pblico como um espao culturalmente

    destinado aos homens e o privado, destinado s mulheres. Nessa perspectiva, o texto

    comenta as oposies binrias consagradas pelas relaes de gnero tradicionais.

    Apesar dessas diferenas hierarquizadas, que redundam em desigualdades tambm

    visveis na esfera poltica, h de se relembrar, a despeito do que considera o artigo, que,

    ao longo da histria, por outro lado, possvel notar a conquista das mulheres em busca

    de um posicionamento de destaque na poltica. J o artigo Estratgias miditicas de

    construo de uma candidata Presidncia busca analisar a figura da candidata

    Presidncia, Dilma Rousseff, representada nos jornais Folha de S. PauloeZero Hora,

    sob trs dimenses: o campo da comunicao, o campo poltico e a questo de gnero

    (este, no caso do texto, considerado apenas como sinnimo de mulheres e de

    feminilidade). O conceito de relaes de gnero aparece nos dois artigos, embora seja

    trabalhado de forma diferente. De todo modo, ambos suscitam pensar como a questo

    de gnero foi tratada na esfera das diferentes representaes da candidata pela mdia.

    Como suscitam as anlises sobre os artigos selecionados e como vimos

    amplamente nas matrias jornalsticas, a candidata, que tem o apoio do presidente Lula,

    em alguns momentos aparece como um elemento de afirmao da mulher e dos

    atributos tradicionalmente femininos, nesse lugar de disputa de poder, que antes era

    essencialmente masculino. A mdia, nessa abordagem, instaura uma realidade e

    8Foram encontrados um total de nove publicaes. Destas, sete no estavam relacionados ao tema depesquisa e foram descartadas.

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    reconhece Dilma Rousseff, como figura pblica, via nomeaes tais como me do

    PAC, madrinha do PAC, afilhada de Lula, ou ainda, em alguns casos, denominada

    como ex-guerrilheira e comunista. O primeiro trio de adjetivos, por um lado e

    geralmente apontado como algo positivo , relaciona-se com a conhecida percepo da

    mulher civilizadora, maternal e abenoada por uma entidade masculina de poder

    superior ao seu. Esse processo remonta a noo de empoderamento feminino a partir da

    beno de uma figura masculina de poder pleno e superior. Dilma, a exemplo de Maria,

    me de Jesus, corresponderia ao ideal de mulher que, ao aceitar rdua misso, faz-se

    protagonista de planos elaborados por uma entidade masculina superior a ela. Para o

    bem da Humanidade e em razo de relao parental (ou quase parental) com esse

    homem ou entidade masculina de especial destaque, carisma e liderana, a mulher gesta

    planos que foram elaborados para ela por outrem. Em nome da continuidade e a

    despeito das limitaes fsicas impostas ao sexo feminino, ela diz Fiat (Faa-se a

    vontade divina, anunciada pelo anjo), gesta a salvao e d prosseguimento aos planos

    divinos. Por outro lado, os adjetivos guerrilheira e comunista, que eram exatamente

    aqueles que no se relacionavam com o que tradicionalmente atribudo s mulheres,

    estavam geralmente relacionados a uma representao no positiva da candidata. Vale

    notar como parcela significativa da militncia do Partido dos Trabalhadores apropriou-

    se de fotografia de Dilma Rousseff, poca de suas atividades como militante de

    esquerda no perodo da ditadura, veiculada pela revistaVeja. O peridico semanal pode

    ter desejado associar candidata seu passado de guerrilheira como um demrito, uma

    ficha suja. O mesmo atributo foi ressignificado pelas/os militantes e camisetas,

    adesivos, bandeiras e variadas peas de artes grficas pela internet foram utilizadas na

    campanha da candidata Presidncia da Repblica.

    O artigo Gnero e poltica no jornalismo brasileiro (Miguel e Biroli, 2008),

    selecionado nos Anais da Comps9, analisa a representao da mulher na poltica

    9 Dos artigos pesquisados nos congressos da Comps, foram encontrados nove no total e oito foramdescartados pela no correspondncia em relao ao tema mulher e poltica. Cumpre registrar que nasrevistas da Intercom dos anos 2003 a 2010, apenas trs artigos foram encontrados e estes no seenquadram especificamente no tema central da pesquisa. J nas revistas da Comps, oito artigosresultaram da busca, sendo que um deles uma resenha do livro Poltica, Palavra Feminina, de RaquelPaiva, de 2008. Desses oito artigos somente essa resenha, de autoria de Alexandre Barbalho, abordaespecificamente o tema principal mulheres e poltica. Contudo, por ser uma resenha, tambm no secoadunou com os critrios de seleo da presente busca. Os outros sete textos tambm no foramselecionados por abordarem outras temticas que no a eleita para nosso estudo. Durante a busca por

    textos, foi percebida forte tendncia, em muitos artigos no selecionados, de analisar e retratar a mulherna indstria do entretenimento em estudos de mdia. Em contrapartida, h uma escassez lacunar no que serefere a estudos sobre a mulher na poltica, conforme pde ser comprovado a partir da busca de textos

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    brasileira a partir do acompanhamento do noticirio poltico em diferentes veculos de

    comunicao os telejornais Jornal Nacional, Jornal da Band e SBT Brasil e as

    revistas semanais Veja, poca e Carta Capital em trs diferentes perodos de trs

    meses cada, entre 2006 e 2007. O conceito de relaes de gnero no artigo tambm

    remonta a oposio binria entre as esferas pblicas e privadas da sociedade. A

    categoria gnero poderia, numa perspectiva construcionista, ser um instrumento para

    borrar as esferas entre pblico e privado, mas comumente foi (e ainda ) utilizada para

    reforar, ao invs de desconstruir, oposies construdas tanto quanto o que percebido

    como masculino e como feminino. Apesar disso, o artigo procura avanar na discusso

    sobre de que forma a sobrevivncia das relaes de gnero e a hierarquizao entre o

    masculino e o feminino com especial valorizao do masculino constrangem a ao

    poltica das mulheres e a visibilidade desta ao no noticirio jornalstico, num processo

    que se realimenta. A publicao aponta como as questes sociais e familiares, a

    assistncia social e o meio-ambiente so usualmente destinadas s mulheres em suas

    vidas pblicas. Tais searas, consideradas tipicamente femininas, so tambm aquelas

    que menos impulsionam as carreiras polticas e que possuem menor visibilidade na

    cobertura jornalstica da poltica nacional. Os guetos encontrados no mercado de

    trabalho so tambm encontrados nas bandeiras abraadas pelas mulheres na poltica.

    Defender o meio ambiente ou distribuir cestas bsicas seriam posturas esperadas

    especialmente das mulheres deputadas, por exemplo, tanto quanto se espera que uma

    moa, ao final do ensino mdio, escolha carreiras como enfermagem ou magistrio, ao

    invs de engenharia de produo ou neurocirurgia. Assim, as mulheres na poltica esto

    como as demais mulheres trabalhadoras, diante de um dilema: enfrentar as relaes de

    gnero tradicionais, arcando com o nus simblico de assumir uma postura desviante,

    ou adequar-se aos modelos consagrados pela tradio, entendendo que seu caminho para

    as posies centrais do campo poltico ser mais longo, incerto e atribulado.Ao considerar, por um lado, a centralidade e importncia da comunicao e, por

    outro lado, o contexto de desigualdade de gnero que ainda afasta as mulheres dos

    cargos na poltica, apesar da eleio da Presidenta e das nomeaes das nove ministras,

    com as palavras-chaves relaes de gnero, sindicalismo, poltica, imprensa sindical, comunicaosindical, eleies. Com o desejo de construir um estado da arte de pesquisas com o tema mulher napoltica, foi possvel perceber que, embora haja tradio de trabalhos acadmicos de temas como gnero epoltica, poltica e mdia, gnero e mdia, a interseco das trs temticas ainda um campo pouco

    estudado na comunidade acadmica, na rea de comunicao.Cabe questionar se o silenciamento dessesreferenciais remonta eventual lacuna na formao ofertada nos programas de ps-graduao emcomunicao, em andamento, hoje, em nosso pas.

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    h de se defender mais estudos sobre a mulher em sua relao com a poltica e a mdia,

    em prol de uma de uma sociedade mais igualitria, tecida a partir da Comunicao para

    a Cidadania. Da mesma forma, possvel defender a necessidade de estudos que

    conheam como o feminino e o masculino, a despeito do sexo de quem se fala, so

    representados na mdia, quando relacionados com a poltica. urgente, portanto, pensar,

    como um desafio de formao e como uma agenda de pesquisa, na rea de

    Comunicao, em incentivos especficos para a produo de conhecimento sobre

    relaes de gnero e poltica. Os incentivos representados pelo Prmio Construindo a

    Igualdade de Gnero e pelo Seminrio Nacional Mulher e Mdia na sexta e na stima

    edio, respectivamente , alm dos oito anos da Secretaria de Polticas para as

    Mulheres, parecem no ter sido suficientes para sculos de Comunicao e Poltica

    produzidas por uma maioria composta por homens e debatidas e discursadas no

    masculino. O pequeno resultado numrico dos artigos encontrados e o contedo

    estudado nesse breve corpusbibliogrfico informam que muito h ainda a ser feito para

    que as minorias se reconheam na mdia e a percebem como um espao para chamar de

    seu. Em razo desse caminho a ser percorrido para a conquista da igualdade, h de se

    questionar a grande imprensa e a mdia local. Foi o que se buscou ao tornar a Tribuna

    de Minasobjeto de estudo.

    Mulheres na Tribuna de Minas nas eleies

    Mrio Erbolato (1985, p. 164) define grande imprensa como jornais editados

    por empresas de tradio e de grande solidez financeira. Ainda que determinados

    jornais editados fora das capitais, que no tm abrangncia nacional mas local ou

    regional , no possuam algo que seja definido como solidez financeira, esses

    veculos so identificados como grande imprensa. Beatriz Dornelles (2006, p.99), em

    Imprensa local, escreve que a mdia local difere-se [da comunitria], essencialmente,

    por estar inserida no contexto da cultura capitalista, ou seja, por visar lucro e pretender

    aumentar seu tamanho sempre que possvel, abrangendo reas maiores. Diante dessas

    consideraes, a Tribuna de Minas , em um s tempo, um jornal identificado como

    grande imprensa e tambm como mdia local10. Tendo em vista os objetivos e

    10Lanado em 1 de setembro de 1981, pelo empresrio e mdico, proprietrio da grfica Esdeva, Juracy

    Azevedo Neves, esse, que o principal peridico de Juiz de Fora municpio de cerca de 600 milhabitantes na Zona da Mata de Minas Gerais foi campo de coleta do objeto de estudo. Chamadas,fotografias, matrias, reportagens, entrevistas e notas publicadas foram objeto de acompanhamento,

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    procedimentos adotados para a pesquisa aqui retratada, a Tribuna de Minas foi

    analisada, no perodo de 10 de agosto a 10 de novembro de 2010, com ateno especial

    ao 1. Caderno, primeiras pginas e pginas de polticas. Ao todo foram avaliadas 76

    edies. Ficaram de fora, alm das segundas-feiras quando o jornal no publicado,

    quatro edies duas aps feriados, quando o peridico no foi publicado, e os dias 6 e

    10 de novembro. No total, a investigao foi feita em 136 pginas de poltica, que

    reuniram 399 matrias. Na anlise quantitativa, buscou-se identificar fontes e pessoas

    mencionadas nas notcias, notas e reportagens. Na anlise foi verificado um total de 416

    mulheres entrevistadas ou citadas e 1386 homens entrevistados ou citados nas matrias.

    Foi verificado o nmero de homens e o de mulheres em fotografias. No total,

    encontramos 70 fotos com mulheres e 202 fotos com homens. Buscou-se tambm o

    nmero de homens e o de mulheres em ttulos nas matrias includas dentro da

    delimitao da pesquisa. Constatou-se um total de 81 ttulos citando mulheres e 154

    ttulos com homens. Isso, numa eleio em que duas mulheres estavam entre os

    principais candidatos Presidncia da Repblica Dilma Rousseff e Marina da Silva.

    Na anlise, foi examinado o nmero de chamadas de capa sobre poltica com mulheres e

    o com homens. Note-se que as capas tm importncia no apenas por apresentarem o

    resumo daquilo que o jornal considera o principal do dia, mas tambm por serem lidas

    por boa parte de pessoas nas bancas e em programas de rdio. Do total de chamadas de

    poltica encontramos 36 citando mulheres e 62 com homens.

    Os dados apresentados indicam uma superioridade numrica masculina em

    detrimento da feminina. A seguir, so comentados ttulos que indicam a mesma

    situao, a partir da utilizao de determinada redao. Em 25 de agosto de 2010,

    quando uma pesquisa avaliou a propaganda da candidata Dilma como melhor que a de

    seu principal opositor, Jos Serra, a Tribuna de Minas apresentou o ttulo Dilma

    festeja; para Serra ela est se achando. Cumpre destacar que aqui h uma avaliao

    avaliao e anlise. O formato da Tribuna de Minas standard, com 10 pginas no 1 Caderno (cadernoprincipal). O caderno Dois, voltado para cultura, tem seis pginas durante a semana. No domingo aspginas aumentam respectivamente para 12 e oito. A capa e contracapa do 1 Caderno so coloridas,assim como o caderno Dois. Na pgina 2, o jornal apresenta a Opinio, que o seu editorial. Nessa pginatambm est o Painel, formado por notas, em sua maioria de polticos da cidade. H ainda uma enquete,um artigo, cartas de leitores e charge. Alm da de opinio, as editorias da Tribuna de Minasso Geral,que apresenta notcias do cotidiano da cidade, incluindo as policiais, Economia, Poltica, Brasil, Mundo eEsporte. O jornalismo da Tribuna de Minas feito por 10 editores e 25 reprteres. Para o noticirionacional e internacional, o peridico conta com o material da Agncia Estado, Agncia Folha, Associeted

    Press e Graffo. O peridico publicado de tera a domingo (segunda-feira no h edio), em papeljornal, e disponibilizado em verso digital (www.tribunademinas.com.br). A publicao vende durante asemana em torno de 15 mil exemplares e no domingo, 20 mil, quando custa R$ 2,00.

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    dele sobre ela, colocando-o em vantagem, posto que no houve espao para a candidata

    avaliar seu opositor igualmente. Em 2 de setembro, o ttulo de capa IR violado faz

    Serra pedir cassao de Dilma coloca a candidata novamente sendo alvo de seu

    opositor. Em 18 de setembro, foi publicado o ttulo Dilma no fala sobre ex-ministra,

    que indica uma no ao. Alm de tal inao ir contra o que o movimento de ataque que

    o principal candidato homem vinha expressando, h de se destacar que o no em geral

    no usado em ttulo no jornalismo. Em 24 de setembro, na pgina 6, temos os ttulos

    Vox Populi aponta Dilma com 51%, Petista fala sobre queda em pesquisa, Marina

    comemora seu crescimento e Serra acredita que estar no 2. Turno. Aqui, ainda que

    a candidata Dilma seja apresentada com mais de 50% nas intenes de voto, seu nome

    no aparece quando ela fala e ela despersonalizada, na direo oposta de um dos

    principais mecanismos da poltica nacional: o do apagamento dos partidos e super

    valorizao dos polticos, como personagens que atuam a despeito de sua legenda. Por

    sua vez, Marina comemora e Serra (...) estar no 2. Turno (conforme ele mesmo

    avalia) so frases que colocam os opositores de Dilma com seus nomes junto s suas

    aes, indo ao encontro da referida personalizao dos candidatos e reforando o usual

    esquecimento dos partidos aos quais pertencem. Em 31 de agosto, um pouco antes, na

    pgina 4, temos os ttulos Serra visita MG e adota mudanas na campanha; Dilma

    reduzir visitas ao Norte e Nordeste; e Marina defende duas mulheres no 2. Turno.

    Visita Minas Gerais e adota mudanas, assim como defende duas mulheres,

    parecem mais positivos do que reduz visitas.

    Alm dessa situao de verbos por vezes com aes mais fracas dedicados

    candidata com mais chances de vitria, tambm encontramos, no dia 17 de setembro de

    2010, na capa da Tribuna de Minas11, o ttulo de chamada Marina e Dilma debatem

    infncia, junto a Lula faz comcio hoje na cidade e Anastasia no Aeroporto

    Regional. Nessas chamadas os homens so descritos na poltica e no aeroporto, temas

    historicamente ligados ao espao pblico, com mais status e assegurados esfera

    11 sabido que a Tribuna de Minas, como um jornal de cobertura predominantemente local, trabalha as notciasnacionais e internacionais a partir de materiais de agncias de notcias. Sobre essas, Bernardo Kucinski aponta opapel de definio da agenda nacional (e de serem tambm constituintes da mdia massiva que atua pelo consenso)desempenhado pelos grandes jornais O Globo,Jornal do Brasil, Folha de S.Pauloe O Estado de S.Paulo ento econtinuado por suas agncias. Para Kucinski (1998, p.24), com frequncia, por meio de suas agncias de notcias, osquatro grandes disseminam material de cunho mais acentuadamente ideolgico, com finalidades de persuaso emanipulao, mais explcitas do que ousam fazer em suas prprias pginas. No obstante tal situao, a decisosobre o que e como publicar do jornal. Nesse sentido, existe a dedicao reduzida de espao para as questes do

    legislativo, em benefcio do executivo, o que pode ser compreendido nacionalmente (via agncia de notcias) mas nono jornal local uma vez que afasta o noticirio sobre a poltica local e sua influncia, por exemplo, com disputas evitrias no Congresso Nacional e na Assemblia Legislativa.

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    masculina. Colocar as candidatas mulheres discutindo infncia, tema ligado

    maternidade e o que, culturalmente, se espera da mulher, remete ambas a situaes de

    menos status em relao aos objetivos eleitorais que almejam e com destaque para

    temas reconhecidos como do espao privado.

    importante lembrar que, como um jornal de cobertura predominantemente

    local, a Tribuna de Minas trabalha as notcias nacionais e internacionais a partir de

    materiais de agncias de notcias. Assim, possvel inferir que as concluses da

    pesquisa que tomam o jornal local como objeto podem ser revertidas para muitos jornais

    em todo o Brasil, os quais multiplicam o que as agncias nacionais de notcias veiculam

    como consensos, assim como o jornal juizforano, sem considerar as especificidades

    locais e diversidades regionais. Como concluso do estudo sobre o que transmitidopelas agncias nacionais e veiculado pela Tribuna de Minas, possvel, portanto,

    afirmar que, numericamente, os homens aparecem mais, mesmo com duas candidatas

    mulheres e uma delas sendo ampla liderana nas pesquisas e, de fato, tendo vencido as

    eleies. Esse fenmeno agravado pelos ttulos que colocam as candidatas em

    condio de desigualdade em relao aos homens candidatos, sobretudo no que se refere

    ao modo como se retratava Dilma Rousseff.

    Tal conjuntura demonstra como a mdia pode constranger a ao poltica das

    mulheres e como essas podem ser tanto invisibilizadas no noticirio jornalstico, quanto

    retratadas em posturas tradicionais de passividade ou inrcia, pouco apreciadas para o

    comando do pas e para a representao dos interesses dos eleitores e eleitoras nas

    instncias decisrias da nao. As searas consideradas tipicamente femininas, como

    educao infantil e aleitamento materno, so aquelas nas quais se espera que as

    candidatas sejam mais versadas, pelo fato de serem mulheres. Essas, no por acaso,

    correspondem a setores que menos impulsionam as carreiras polticas e que possuem

    menor visibilidade na cobertura jornalstica da poltica nacional. H, portanto, de se

    enfatizar que os guetos encontrados no mercado de trabalho so tambm encontrados no

    interior das carreiras das mulheres na poltica. H de se questionar se, mesmo quando no

    poder, as mulheres so detentoras de menos poder do que os seus pares, os homens no

    poder. J temos mulheres no poder, mas, como conta o Dicionrio Crtico do

    Feminismo(Hirata et al, 2009), o histrico de excluso das mulheres, em funo de seu

    sexo, do corpo poltico na origem da democracia ainda forte presena. Tal excluso

    uma cicatriz na construo da democracia, que nos lembra a todas e todos

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    cotidianamente que, nesse contexto, a cidadania uma prtica de conflito ligada ao

    poder e s lutas para o reconhecimento dos atores considerados protagonistas de

    reivindicaes legtimas. Trata-se de uma cidadania ligada s prticas consensuais de

    participao e representao, bem como de formao de polticas pblicas. Cabe rea

    de Comunicao questionar-se como ir colaborar para essa prtica de cidadania, ao

    praticar jornalismo, ao formar jornalistas e ao debater em variados fruns.

    Apesar de consideraes conclusivas j terem sido tecidas ao longo do texto, no

    demais lembrar a importncia da considerao do debate das questes de gnero,

    sobretudo no que concernem s desigualdades que ainda vivem as mulheres lsbicas,

    negras, bissexuais e pobres, assim como, ainda que de maneiras diferenciadas, tambm

    as brancas, heterossexuais e abastadas. A importncia da elaborao de um Marco

    Regulatrio que considere temas, nos quais centramos nossa produo acadmica e

    nossa militncia, reside no fato de ver contempladas bandeiras de luta e resultados de

    pesquisa referentes s tradicionais e j conhecidas mas ainda no alcanadas

    reivindicaes e mximas tericas de igual valorizao das mulheres lsbicas,

    bissexuais, heterossexuais de todas as raas e condies sociais. Trata-se de aplicar, no

    mbito da Comunicao, a prtica do Controle Social, a partir do qual possvel

    concluir que no basta ter mulheres numericamente representadas nas produes

    miditicas ou nas manchetes dos jornais. preciso e urgente que elas estejam

    representadas de maneira igualitria e distante dos papis tradicionalmente esperados

    para elas e que no so mais ou nunca foram praticados com exclusividade.

    preciso que a regulamentao da mdia promova a representao no estereotipada das

    mulheres em suas variadas formas de vida, com diversidade racial, sexual e regional.

    Alm de no serem numericamente representadas de forma igualitria nas produes

    miditicas, poucas mulheres so retratadas a partir de valores democrticos e que

    valorizam o feminino para alm do uso das vaginas pelos homens, para alm daexposio das ancas e das coxas para deleite pblico da massa. Nesse sentido, h de se

    cuidar para que variadas condies de vida das mulheres sejam retratadas e, por

    conseguinte, que existncias mais igualitrias e dignas sejam fomentadas.

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