LARA, Eugenio - Os Celtas e o Espiritismo

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    OS CELTAS E O ESPIRITISMO EUGENIO LARA

    Edio Digital: PENSE Pensamento Social Esprita www.viasantos.com/pense Reviso: Jos Rodrigues Produo: Eugenio Lara Capa: Triskele, smbolo celta Setembro de 2010

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    1. PREFCIO - DRUIDA OU DE DEUS? 3

    2. PRLOGO 8

    3. OS CELTAS 13

    4. OS DRUIDAS 24

    5. AS TRADES 35

    6. O DRUIDA DE LORENA 46

    7. O DRUIDA DE LYON 54

    8. ALLAN KARDEC: CELTA OU NORMANDO? 68

    9. DIA DOS MORTOS: DOS CELTAS AO KARDECISMO 84

    10. O PROLEGMENOS E OS CELTAS 93

    11. APONTAMENTOS FINAIS 100

    BIBLIOGRAFIA 104

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    1. PREFCIO DRUIDA OU DE DEUS?

    Dalmo Duque dos Santos (*)

    e todas as perguntas que me fazem sobre espiritis-mo, a mais desafiadora aquela que quer saber se a

    nossa doutrina de Deus. Penso em todas as respostas possveis, incluindo a primeira pergunta de O Livro dos Espritos, mas nessas horas sempre me lembro dos drui-das: se Deus tudo, o comeo e o fim; a natureza de todas as coisas; somos ns e tudo que existe no Universo; sim: o espiri-tismo de Deus.

    Mas por que ns, os espritas, nos interessamos pe-los druidas?

    Dependendo do interesse na busca do conhecimen-to, o druidismo, como todas as demais temticas misterio-sas do tempo histrico, pode assumir diversos significados para o investigador esprita: o mdico pode se interessar pelas suas prticas curativas, o jurista pelas suas normas ticas, o socilogo pela sua rica variedade de manifesta-es culturais no campo das crenas, dos valores e dos costumes. Da mesma forma, o investigador das artes gos-taria de compreender melhor a esttica dos seus smbolos ou da tambm misteriosa arquitetura de pedras.

    Como historiador, me interessaria facilmente por qualquer uma dessas possibilidades, mas como educador

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    me chama particularmente ateno o carter inicitico da escola drudica. Ser druida implicava numa srie de aes e atitudes que estavam fora de cogitao para o homem celta comum. Era preciso ingressar num sistema espiritu-almente seletivo. Ser De Deus e cultivar os Carvalhos Sagrados ia muito alm de garantir a sobrevivncia do corpo e proteger-se contra os ataques dos inimigos vivos. Eles se interessavam pelos mortos que no estavam mor-tos. O druida tinha uma viso de mundo diferenciada, um olhar elitizado que s uma educao especial poderia dar conta e garantir sua continuidade. Da a escola, um ambi-ente especial, a necessidade de apropriar-se de conheci-mentos incomuns, essenciais para preservar uma cultura que j era milenar no apogeu de sua existncia social.

    Ento, como um druida se tornava druida? Que co-nhecimentos eles dominavam e que uso eles faziam dessa cincia que, para a maioria, era oculta e secreta?

    Tal escola, como os demais elementos antropolgi-cos desses grupos, nos revelaria no somente a concepo de mundo ou a cosmogonia dos celtas, mas principalmen-te as conexes histricas com outras culturas e que pode-riam explicar melhor as suas caractersticas e influncias no tempo presente.

    Essa a espinha dorsal deste curioso trabalho de pesquisa de Eugenio Lara. Ele quer saber como responder todas as perguntas que se fazem sobre esse tema, mas, sobretudo, quer explicar por que fazemos essas perguntas.

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    Fazendo isso, ele pretende sair do lugar comum da curio-sidade passiva e chegar ao ponto-chave da sua pesquisa.

    Existe alguma relao histrica entre espiritismo e celtismo?

    Essa a principal questo que este ensaio levanta. Tal questo foi tambm uma das muitas que intrigou Al-lan Kardec nas suas reflexes sobre as razes e mltiplas dimenses da Doutrina que ele sistematizou: o mundo dos espritos que se abria no sculo 19 era o mesmo que era cultivado com grande naturalidade pelos gauleses e que era da esfera de domnio dos druidas? A tcnica utilizada nas brincadeiras de mesas-girantes ou pelos mdiuns para consultar os espritos eram as mesmas utilizadas pelos sacerdotes druidas? A roc ou pedra falante dos gauleses era a mesma que apoiava a cesta de bico nas primeiras reunies espritas de Paris e em praticamente todas as grandes cidades do mundo naquela poca?

    O druidismo parte fundamental da histria euro-pia pr-crist, assim como o cristianismo foi no perodo subsequente ao domnio romano. Quando esse raciocnio aplicado na histria da Frana, o druidismo assume en-to um significado mais fundamental ainda; trata-se, pois, do elemento que, de certa forma, d identidade s mais remotas experincias sociais dos franceses. Os gauleses, povo que mais se identifica com o perfil francs, tinha no druidismo a sua base ideolgica e sua principal fonte de conhecimento. Queriam conhecer as coisas desse e do ou-tro mundo. No foi -toa que os criadores de Asterix atri-

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    buam ao seu sacerdote druida os poderes mais impres-sionantes para desafiar os invencveis romanos.

    Se o espiritismo tivesse aparecido originalmente no Brasil, a mesma dvida seria aplicada viso de mundo da cultura animista, africana e indgena. Tanto que, quando chega ao Brasil, o espiritismo foi imediatamente utilizado para dar nome aos fenmenos que aqui aconteci-am h sculos. Mais ainda: em muitos cultos afro-indgenas, a nomenclatura esprita foi institucionalizada, como forma de legitimar socialmente aquilo que na Frana era assunto da cincia e de filsofos. Quando se tornou uma ameaa ao clero, virou coisa socialmente baixa, de negros, ndios e mestios. Tambm na Frana, quando o espiritismo se estruturou como filosofia, deixando de ser brincadeira de mesa, passou ento a ser visto como amea-a ao conhecimento das religies dogmticas. Os inimigos logo trataram de associ-lo ao druidismo mtico do imagi-nrio popular: a religio pag que fazia sacrifcios huma-nos e disseminava a loucura coletiva.

    Todos os anos milhares de turistas que visitam o cemitrio de Pre-Lachaise, em Paris, ficam intrigados ao perceber que, das centenas de tmulos construdos de forma tradicional, um se destaca de todos os demais. uma construo de pedras, um tpico dlmen fnebre dos celtas. o tmulo de Allan Kardec, o mais visitado daque-le lugar e o que permanece constantemente ornamentado por flores. Alguns acham somente curioso. Outros tantos sabem que se trata de uma tradio celta. Poucos se do conta de que o fundador do espiritismo adotou um pseu-

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    dnimo que justifica aquela arquitetura to singular. E pouqussimos sabem as verdadeiras razes daquela estra-nha edificao e tambm o significado da frase que foi gravada na parte superior daquele dlmen. Estes ltimos so os leitores deste ensaio. Querem respostas. Mais do que isso, querem saber se esto fazendo as perguntas que deveriam ser feitas. Como os druidas, so curiosos natos. So de Deus.

    Boa leitura!

    (*) Dalmo Duque dos Santos, historiador, educador e escritor, autor dos livros: Inteligncia Espiritual, Voc em Busca de Voc Mesmo, Histria do Espiritismo e Transforme Seu Mundo Interior e Seja Feliz.

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    2. PRLOGO

    A coincidncia entre o que hoje nos dizem e as crenas das mais remotas eras um fato significativo do mais elevado alcance.

    (Allan Kardec)

    s relaes existentes entre o pensamento filosfico do povo celta e a filosofia esprita um dos temas muito

    pouco conhecidos e abordados pelos estudiosos do espiri-tismo. Desde Allan Kardec e Lon Denis, no h nenhuma obra que tenha se aprofundado neste assunto.

    No Brasil, o filsofo esprita Herculano Pires foi um dos poucos que analisou a questo, mas bem superfici-almente. Assim como Pedro Granja e Bezerra de Mene-zes. O historiador esprita Eduardo Carvalho Monteiro escreveu, em 1996, o livro Allan Kardec (O Druida Reen-carnado) sem, contudo, se aprofundar no tema. Estudio-sos do assunto como Mauro Quintella e Glucio Grij tm produzido artigos a respeito. No entanto, a produo cultural esprita ainda se ressente de uma maior aborda-gem sobre o tema. No prefcio explicativo do livro Lon Denis na Intimidade, de Claire Baumard, o escritor e tradu-tor Wallace Leal V. Rodrigues faz um breve estudo acerca da tradio cltica, a partir do texto de Allan Kardec, O Espiritismo Entre os Druidas, publicado na Revista Esprita (abril de 1858) e do livro pstumo O Gnio Cltico e o Mundo Invisvel, de Lon Denis, recheado ainda por al-gumas informaes histricas. Tanto a Revista Esprita como este ltimo livro de Denis, escrito em 1927, j verti-

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    do para o portugus (1995), eram na poca pouco acess-veis. Wallace escreveu o citado prefcio em 1981.

    O Gnio Cltico, numa primeira leitura, aparenta ser uma obra definitiva sobre o tema. Entretanto, Lon Denis d muito mais vazo ao seu patriotismo, ao seu esprito nacionalista e potico do que a uma abordagem mais filos-fica. Segundo ele, o resgate da alma celta seria um contra-ponto necessrio ao esprito latino que permeia o carter francs, desde que o imperador Jlio Csar subjugou a G-lia (52 a.C). Todas as grandes e nobres facetas do carter nacional, herdamos dos gauleses. A generosidade, a simpa-tia pelos fracos e oprimidos nos veem deles. 1

    Para quem considera essa questo irrelevante, opor-tuno lembrar que o professor Hippolyte Lon Denizard Ri-vail, fundador do espiritismo, assumiu o pseudnimo Allan Kardec na autoria de suas obras espritas, nome este supos-tamente retirado de uma de suas encarnaes como sacerdo-te druida. Segundo revelaes de seus guias, ele provavel-mente teria vivido entre os gauleses, povo de origem celta e natural da Glia antiga, ou na antiga Bretanha armoricana, antes de reencarnar como o reformador tcheco Jan Huss (1369-1415). Seu tmulo foi construdo no formato de um dlmen, monumento erroneamente atribudo aos druidas,

    J Allan Kardec, em seu estudo sobre os druidas, procura estabele-cer alguns paralelismos doutrinrios, tentando identificar no evolucionismo drudico, possveis correlaes com o evolucionismo esprita.

    1 Lon DENIS, O Gnio Cltico e o Mundo Invisvel, p.35.

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    modelado por uma grande pedra horizontal, como se fosse uma laje, assentada sobre pedras verticais.

    O grande filsofo esprita Lon Denis se considerava um gauls reencarnado, como ele mesmo afirma: Quan-do, sob a inspirao de meu guia, eu exploro as camadas profundas de minha memria para reconstituir o encade-amento de minhas vidas passadas, se eu remonto s ori-gens, a reencontro, no sem emoo, os vestgios de mi-nhas trs primeiras existncias vividas na Terra, no oeste da Glia independente. 2 Sir Arthur Conan Doyle, o cle-bre escritor britnico, criador de Sherlock Holmes e espri-ta convicto, chamou Lon Denis de O Druida de Lorena, no prefcio da edio inglesa de Joana DArc (Mdium), por ele traduzida. Era realmente um antigo sacerdote e guer-reiro celta que enfrentara nas Glias os conquistadores romanos, 3

    Estudos recentes sobre esta civilizao, desenvolvi-dos por historiadores srios como Jean Markale, Robert Ambelain e Ward Rutherford, demonstram que, apesar da ausncia de documentos e fontes histricas mais precisas,

    afirma Herculano Pires, referindo-se a Denis.

    Trata-se de um tema apaixonante, notadamente quando penetramos no universo cltico, onde o mito e a histria se confundem. E tambm, quando percebemos que a grandiosidade da cultura celta e sua influncia sobre o Ocidente so to importantes quanto a cultura greco-romana.

    2 Ibid., p. 79. 3 Herculano PIRES, O Centro Esprita, p. 113.

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    a importncia da tradio cltica necessita ser revista. Desprezar a sua cultura, por ser de origem pag, assumir o mesmo preconceito dos cristos, entremeado ainda por uma concepo academicista, que descarta determinados temas histricos por falta de documentao. O celtismo , sobretudo, uma questo de ordem antropolgica e arqueo-lgica. Est bem longe de ser uma temtica de carter es-tritamente esotrico, espiritualista.

    Allan Kardec situou a tradio filosfica do espiritis-mo a partir de Scrates e Plato, a quem elegeu como pre-cursores da filosofia esprita. Se na poca o fundador do espiritismo possusse as informaes histricas que temos hoje sobre os celtas, possivelmente ele os colocaria lado a lado com os grandes filsofos gregos. Podemos afirmar, de forma categrica, e sem sombra de dvida, que a tradio filosfica esprita no exclusivamente crist. Ela tambm profundamente cltica e greco-romana. Parece ser uma afirmao antidoutrinria, pois o prprio Allan Kardec considerou o espiritismo como uma revelao (a terceira), no no sentido religioso, ltrico, claro, mas no sentido cientfico, informtico e pedaggico. Revelao esta direta-mente vinculada a Moiss e Jesus de Nazar, representan-tes, respectivamente, da primeira e segunda revelaes di-vinas. Tese altamente questionvel, pois ficam de fora desta elite de reveladores toda a tradio vdica, os ensinamentos de Confcio, Hermes Trismegisto, Krishna, Buda, enfim, toda a cultura oriental, e obviamente, a filosofia celta.

    O tema complexo e a bibliografia especializada no Brasil, muito escassa. Some-se a isto a ignorncia generaliza-da acerca da importncia desta questo. No tarefa fcil.

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    Lon Denis, cego e alquebrado, no fim da vida, e segundo ele, sob insistncia de seu guia, Jernimo de Praga e do esp-rito de Allan Kardec, assumiu a feitura de seu derradeiro livro O Gnio Cltico e o Mundo Invisvel, uma sntese histrica sobre os celtas, j iniciada de en passant em obras anteriores. Um trabalho hercleo, expresso manifesta da grande dedi-cao de Denis ao espiritismo, mas que no esgotou o assun-to. Ao contrrio, abriu novas sendas, j iniciadas por Kardec na Revista Esprita. o que pretendo neste modesto ensaio, dar continuidade a uma questo aparentemente marginal e sem tanta importncia, mas que encerra uma infinidade de abordagens que ainda esto por serem feitas.

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    3. Os CELTAS

    A filosofia nasceu com os celtas e antes de ser conhecida na Grcia, ela foi cultivada entre os gauleses,

    por aqueles que se chamavam de druidas e semnoteus. (Aristteles)

    origem das primeiras migraes clticas se perde ao longo da Pr-histria e da Antiguidade. Os vestgios

    mais remotos de sua presena na Europa ocorrem a partir do incio do segundo milnio a.C. O primeiro grande flu-xo migratrio dos celtas se deu na Idade do Bronze, por volta do sculo 14 a.C. Segundo os arquelogos, nesse perodo que surge na Europa Central uma civilizao que se caracteriza pela lngua, pelos ornamentos, vesturio, armas e utenslios: os celtas. O segundo fluxo migratrio ocorreu entre 500 e 50 a.C, na segunda Idade do Ferro, como atestam os achados arqueolgicos. No sculo 1 a.C. a Glia, a Pennsula Ibrica, Gr-Bretanha e a Irlanda es-tavam todas povoadas pelos celtas. De brbaros eles nada tinham que os diferenciasse de outros povos, inclusive dos gregos e romanos. Possuam uma cultura bem de-senvolvida e uma literatura singular, cantada e declama-da pelos bardos, druidas especializados nas artes da m-sica e da poesia.

    As referncias histricas mais antigas a este povo podem ser conferidas em Herdoto (480-425 a.C), histo-riador grego, considerado O Pai da Histria, que nos dei-xou uma obra histrica monumental sobre a Antiguida-de. Em meados do sculo 5 a.C. ele menciona os celtas

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    na descrio da nascente do rio Danbio, um dos mais importantes da Europa. O historiador grego Hecateu de Mileto (540-475 a.C.) faz meno a uma cidade celta cha-mada Nirax. Segundo ele, essa civilizao era bem conhe-cida pelos gregos, que a consideravam um grande povo brbaro que vivia a oeste e ao norte da regio mediterr-nea ocidental, indo para bem alm dos Alpes. No sculo 4 a.C., outro historiador grego, foro (390-334 a.C.), inclui os celtas ao lado dos citas, persas e tbios, a quem reputa-va como os quatro grandes povos brbaros de todo o mundo. Um sculo depois, o matemtico e astrnomo grego Eratstenes (284-192 a.C.) mostra-os disseminan-do-se por toda a Europa Ocidental e Transalpina (para alm dos Alpes).

    Provavelmente a palavra celta vem de Keltoi, termo criado pelos gregos, usado por Herdoto, que reprodu-ziu, foneticamente, a pronncia nativa. No sul da Espa-nha o nome Celtici, de origem celtibrica, sobreviveu at o Imprio Romano. Os celtas, apesar de terem sido um povo to espalhado e disperso, deixaram marcas profun-das na cultura europia. Tanto que, a partir de topni-mos, nome prprio de regies e localidades, pode-se, em um estudo lingustico e etimolgico, rastrear a influncia direta do cltico nas lnguas galica e galesa. Diversos topnimos clticos sobreviveram por muito tempo em variadas regies de toda a Europa.

    Os celtas dominavam plenamente a tcnica de mol-dar metais como o cobre e o bronze. Eram exmios arte-sos. Produziam, alm de ornamentos e jias, objetos e utenslios de uso cotidiano como o arado de ferro e vasos.

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    De estatura extremamente alta, possuam uma aparncia fora do comum. Lendas sobre a Escandinvia falam de gigantes, que vinham do norte para saquear o conti-nente europeu. Usavam espessos bigodes, bragas, uma espcie de cala comprida e untavam os cabelos, ruivos ou castanho claros, com leo de limo, a fim de ficarem esticados para trs. Vestiam-se com tnicas de linho at o joelho e capas por cima de toda roupa, geralmente tingi-das de roxo, verde, vermelho ou de cores variadas. Tal visual deve ter inspirado o vesturio e xales do Pas de Gales, dos escoceses e irlandeses, com suas tnicas e ves-tidos quadriculados em vrias cores.

    Os arquelogos encontraram em suas sepulturas uma srie de objetos e ornamentos de feitura complexa para a poca, demonstrando que no se tratava de um povo qualquer. J em 1858, com a descoberta de um ver-dadeiro tesouro arqueolgico, em La Tne, na Sua, os arquelogos e historiadores puderam concluir que os cel-tas no eram vndalos e ignorantes como se imaginava. Eles se tornaram lendrios pela suntuosidade de suas ornamentaes, de ouro, prata e pedras preciosas. No visual, tanto o homem como a mulher se vestiam de for-ma equivalente.

    A importncia que a mulher possua na sociedade celta era algo incomum para a poca. A lei cltica, aplica-da pelos druidas, oferecia garantias e direitos s mulhe-res, equivalentes aos do homem. Mesmo sendo casadas tinham acesso propriedade, podiam escolher seus ma-ridos e, caso fossem molestadas, tinham a prerrogativa de algum tipo de indenizao. Participavam da vida pol-

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    tica, ocupavam cargos de chefia e tomavam parte ativa em batalhas. Eram mulheres guerreiras.

    Entre os celtas a mulher era extremamente valori-zada. O que no implica na caracterizao de uma socie-dade matriarcal. A cultura celta no era matriarcal nem patriarcal. Havia um equilbrio entre os direitos dos ho-mens e das mulheres, favorecido pela posse coletiva da terra. Interessante observar que a noo romana de Esta-do, um ente abstrato com a funo de apaziguar os con-flitos, servir de juiz e provedor, era algo estranho aos cel-tas. Eles se organizavam de forma anrquica e se sujeita-vam apenas ao cl.

    A unidade social bsica desse povo era a tuath, que significa cl ou tribo. E dentro da tuath havia as fine, as famlias, consanguneas e monogmicas. A poligamia no era reprimida e o divrcio, aceito com naturalidade. Os celtas praticavam, em sua organizao social, o que poderamos chamar de um socialismo primitivo. Tantos os homens como as mulheres poderiam receber uma gleba para cultiv-la ou criar gado. Costume extrema-mente anormal para os romanos, imperialistas, prticos e chauvinistas por natureza, que se tornou num dos principais motivos da sua perseguio aos celtas, nota-damente aos druidas, que se constituam no centro de gravidade da cultura cltica. Muitos hbitos celtas eram considerados subversivos pelos romanos e se constitu-am numa ameaa a seu status quo.

    O esprito Emmanuel, em A Caminho da Luz (psico-grafia de Francisco Cndido Xavier), descreve os celtas

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    como descendentes dos primeiros rias, oriundos da raa admica, descrita por Allan Kardec em A Gnese (cap. XI). Os rias constituram, ao lado dos egpcios, hebreus e das castas da ndia, os quatro grandes conglomerados de es-pritos imigrantes da Capella, erroneamente taxados de exilados. Capella uma estrela localizada na Constelao de Auriga ou Cocheiro, distante 45 anos luz da Terra. 4

    Dos povos primevos de raa branca da famlia indo-europia, os rias foram os mais independentes e arredi-os. Afirma o esprito Emmanuel que eles eram os mais revoltados com sua condio existencial. Sentiam-se de-gredados e ansiosos por conquistar um novo paraso. Apenas, muito mais tarde, com a contribuio dos mil-nios, os celtas retornaram ao culto divino, venerando as foras da Natureza, junto dos carvalhos sagrados, e os germanos iniciaram a sua devoo ao fogo, que personi-ficava, a seus olhos, a potncia criadora dos seres e das coisas, enquanto outros povos comearam a sacrificar vtimas e objetos aos seus numerosos deuses.

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    4 Capella (ou Cabra) uma estrela binria de intensa magnitude, a quin-ta estrela mais brilhante do cu. Estrela binria um conjunto estelar composto por duas estrelas ligadas entre si pela gravidade, somente perceptveis mediante telescpios de altssima preciso. Essa estrela situa-se entre a constelao de Perseu e Ursa Maior. representada graficamente por um jovem com uma cabra aos ombros e duas crianas no brao esquerdo. A cabra representa a estrela Capella, conhecida desde a Antiguidade, gasosa e de matria sutil, cuja densidade poderia ser confundida com o ar que respiramos, segundo afirmou o grande astrnomo e fsico ingls Arthur Stanley Eddigton (1882-1944). 5 EMMANUEL, A Caminho da Luz, p. 59.

    A maior virtude deste povo, completa Emmanuel, foi o fato de terem assimilado, sem maiores conflitos, todos os povos

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    autctones que encontravam pela frente, em seus fluxos migratrios. Enquanto os semitas e hindus se perderam na cristalizao do orgulho religioso, as famlias arianas da Europa, embora revoltadas e endurecidas, confraterniza-ram com o selvagem e nisso reside a sua maior virtude. 6

    As descries histricas e estudos arqueolgicos e an-tropolgicos confirmam a afirmao de Kardec a respeito da raa admica, cujos descendentes so apresentados no Gne-se como homens sobremaneira inteligentes, pois que desde a segunda gerao, constroem cidades, cultivam a terra, tra-balham os metais. So rpidos e duradouros seus progressos nas artes e nas cincias.

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    6 Ibid. 7 Allan KARDEC, A Gnese, p. 227 e 228.

    De fato, todos os historiadores so unnimes em considerar a arte celta de uma originalidade fora do co-mum, em que pese a influncia das artes helnica e cita. No entanto, a Glia foi a regio que menos sofreu influ-ncia da cultura greco-romana, em funo de ter se tor-nado um plo de resistncia, uma verdadeira trincheira em meio s campanhas romanas. De l surgiram interes-santes exemplares da arte celta, com a predileo pelas decoraes geomtricas, abstratas e a estilizao da for-ma humana e animal, cuja evoluo s foi interrompida pela conquista romana (52 a.C.). A partir da, assim co-mo em outras regies, a arte celta se romanizou e sofreu influncia do cristianismo.

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    Somente na Bretanha, mas principalmente na Irlan-da que a cultura celta manteve sua integridade, apesar do imperialismo romano e, posteriormente, da virulncia do cristianismo.

    Os celtas eram, sobretudo, um povo guerreiro e dos mais temidos. Lutavam quase nus, munidos de lanas e espadas enormes. Sua coragem era notria. Atiravam-se contra o inimigo como se fossem uma horda invencvel e assustadora, indiferentes morte e a ferimentos, ainda que graves. Isto tem a ver com a viso de mundo dos cel-tas e com uma srie de rituais complexos a que se dedica-vam antes das batalhas. No eram guerreiros comuns. Re-encarnacionistas, acreditavam piamente na imortalidade. Quando em luta parecia que entravam em transe medi-nico, como se fossem os prprios deuses celtas em campo, os espritos de seus antepassados.

    De todos os guerreiros celtas, os gauleses eram os mais temidos. Csar demorou cerca de seis longos anos para subjug-los. 8

    8 O personagem de histria em quadrinhos Asterix, criado pelo franco-italiano Albert Uderzo, representa bem o esprito guerreiro e destemido dos gauleses. Em 1959 Uderzo se associou ao roteirista Ren Goscinny e iniciaram uma vasta pesquisa que resultou na srie Asterix, Le Gau-lois. Personagens como o druida Panoramix que preparava a poo mgica que lhes deixava invencveis contra os romanos, seu fiel com-panheiro Obelix, carregador de menires e seu cachorrinho Ideiafix ain-da permanecem presentes na memria dos amantes das HQs.

    Comenta Lon Denis que a ideia da imortalidade inspirava aos gauleses uma coragem in-domvel, uma intrepidez tal que eles caminhavam para a morte como para uma festa. Enquanto os romanos se

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    cobriam de bronze e ferro, os gauleses despiam as vestes e combatiam a peito nu. Orgulhavam-se das suas feridas e consideravam covardia usar-se de astcia na guerra. 9 Para os gauleses celtas, os despojos dos guerreiros mortos, diziam, no so mais que invlucros gastos. Como indignos de ateno, eles os abandonavam no campo da batalha, o que era uma grande surpresa para os seus inimigos. 10

    Ao contrrio do guerreiro romano, mercenrio por natureza, que s ia para a batalha se tivesse a certeza de que o soldo seria pago, o guerreiro celta se assemelhava mais ao grego, no romantismo, na luta pela defesa da plis, de seu cl. O que caracterizava o imaginrio desse singular guerreiro era a procura, a eterna busca por algo superior. O guerreiro celta tinha por misso ir sempre alm, no somente realizar-se, mas ultrapassar seus limi-tes. Dele no se exigia a medida, prpria ao heri grego, e sim a desmesura. Ele no devia unir e harmonizar sua existncia material e espiritual, mas abolir toda e qual-quer dualidade, despojando-se de todo peso material.

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    Essa eterna procura retratada nas lendas clticas das Brumas de Avalon, na busca do Santo Graal e na f-bula de Tristo e Isolda, um dos mais belos cantos de amor que a Idade Mdia nos legou. Tudo isso tem a ver com a cosmoviso celta acerca do destino, que deveria ser cumprido de modo independente da vontade. O des-

    9 Lon DENIS, Depois da Morte, p. 58. 10 Ibid. 11 Maria Nazareth Alvim de BARROS, Uma Luz Sobre Avalon - Celtas & Druidas, p. 73.

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    temido guerreiro ia ao encontro de seu prprio destino, como o fez o grande lder gauls Vercingetrix, na resis-tncia aos romanos. Segundo Maria Nazareth Alvim de Barros, toda procura era venturosa, porque os sofrimen-tos, as provas e as conquistas permitiam ao indivduo ultrapassar-se, ascender a nveis superiores de conscin-cia. Para que a busca fosse fecunda, era preciso no acei-tar passivamente os acontecimentos, era preciso precipi-tar-se, cumprir seu destino, ir ao seu encontro. 12

    Suas festas e ritos eram notveis. Muitos costumes, considerados pagos, se introduziram no cristianismo, como a homenagem aos mortos, que corresponde ao Dia de Todos os Santos e ao Dia de Finados.

    Era um povo corts, hospitaleiro, gentil e de boas maneiras, amante da liberdade. Recebiam o forasteiro ou visitante sem se preocupar com sua procedncia ou destino. Um comportamento que sobrevive at os dias de hoje nos pases de influncia celta. Muitos hbitos se preservaram, como o da adoo. Entre os celtas era co-mum a adoo de crianas, cuja responsabilidade pelo ensino e formao era assumida por outras pessoas. Como exemplo, temos o mito do Rei Arthur que, segun-do a lenda, foi adotado pelo mago Merlin, um sacerdote druida.

    13

    12 Ibid., p. 75. 13 O Dia de Finados era, no sculo 19, a nica data comemorativa dos espritas franceses. Hbito que se perdeu com o desenvolvimento do espiritismo na Amrica Latina, especialmente no Brasil. Ver item 9.

    A festa de Halloween foi incorporada inclusive nos Estados Unidos, pas colonizado por anglo-saxes. E tambm, na popular festa junina, deve

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    ser citado o Dia de So Joo, comemorado num perodo correspondente ao solstcio de vero.

    A lngua dos celtas era de origem indo-europia, enquanto a escrita se restringia ao uso em determinados ritos e rituais, contabilidade e na inscrio de moedas. Os druidas utilizavam uma escrita simblica vegetal, de-nominada de escritura ogham, mas que somente os inicia-dos dominavam. O ensino era todo oral. Por isso no h fontes histricas mais precisas. As poucas informaes vieram dos romanos e dos cristos, ambos nem um pou-co favorveis existncia desse povo, ora considerado como brbaro ou pago. Os celtas, portanto, no deixa-ram nada registrado j que toda sua cultura era de tradi-o oral, e girava em torno do druidismo.

    A cultura celta entrou em decadncia em funo do imperialismo romano e do crescimento do cristianismo. Assim que esse movimento religioso se apoderou do apa-relho de Estado, transformando-se numa Igreja Romana, todas as culturas no-crists, de origem pag foram re-primidas ou absorvidas pela sua mitologia. Os druidas foram perseguidos e exterminados. Muitos se exilaram na Irlanda, convertendo-se ao cristianismo, a fim de res-guardar a sua vida. Tornaram-se monges cristos.

    A invaso crist, de forma paradoxal, contribuiu pa-ra a preservao da cultura celta, at o sculo 5 d.C., j que os druidas monges, ao se desvencilharem da proibio da escrita em assuntos mticos e picos, passaram a preservar a sua literatura. Esses monges, oriundos da classe sacerdo-tal, possuam notvel cultura e dominavam plenamente a

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    escritura. Aprenderam com facilidade o latim litrgico e o profano. Foram os homens certos no momento certo, pois, a sua absoro pelo cristianismo no foi conflitante. No houve antagonismo, afirma a pesquisadora brasileira Maria Nazareth Alvim de Barros: A grande inovao do cristianismo, a principal, foi a liberao da escrita, a pas-sagem do verbo falado ao escrito, tendo a Bblia como re-ferncia. Os druidas-filid, que usavam uma escritura pr-pria e sagrada ogham para suas tcnicas mgicas, es-tavam preparados para a transio. 14

    14 Ibid., p. 12.

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    4. Os DRUIDAS

    E Deus quis que todo vivente e ser animado atravessasse toda forma e espcie dotada de vida, a fim de que todo vivente acabasse por

    possuir completamente a cincia, a vida e a alegria eternas. E tudo isto pelo amor perfeito que Deus leva a todo homem e a todo ser vivente.

    (Pensamento drudico)

    origem dos druidas se confunde com a do povo celta. So inseparveis. Impossvel conceber uma classe de

    druidas anterior aos celtas. Da mesma forma, a unidade celta no seria possvel sem a existncia desses sacerdotes, que concentravam uma srie de funes, que iam desde a magia, do profundo conhecimento das foras da natureza at a medicina e a jurisprudncia.

    Os druidas eram mdicos, sbios, poetas, magos, msicos, astrlogos, calendaristas, dentre muitas outras atribuies. Eram os responsveis pelo ensino, coordena-vam as festas e rituais de passagem. No possuam tem-plos nem imagens. Realizavam suas prticas esotricas bem longe das aldeias, sombra dos carvalhos, na flores-ta, a morada celta por excelncia.

    Pela descrio dos historiadores clssicos e atravs da cultura cltica, preservada por monges druidas con-vertidos ao cristianismo, conclui-se que os druidas se equiparavam aos brmanes, aos sacerdotes egpcios e aos magos da Babilnia. As semelhanas so muitas, notadamente com os brmanes, que tambm aceitavam o princpio da reencarnao. Seu alto nvel intelecto-

    A

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    moral os distanciava da imagem de bruxos e feiticeiros, pintada pelo imaginrio medieval.

    Todavia, at hoje permanece o mistrio acerca de sua verdadeira origem. Historiadores, arquelogos e an-troplogos no concordam entre si. Para alguns historia-dores contemporneos, como Ward Rutheford, os xams da civilizao cita podem ter dado origem ao druidismo, que seria, no caso, uma forma arrojada de xamanismo, extremamente evoluda. Os citas, originrios da atual regio do Ir, influenciaram a cultura celta em muitos aspectos. Eles praticavam uma forma de xamanismo to-tmico, semelhante ao dos esquims e de algumas cultu-ras da Indonsia e da frica.

    H historiadores, de formao esotrica, que consi-deram os druidas como uma casta de sacerdotes intima-mente vinculados aos mistrios de Stonehenge,15

    15 O historiador Maurice Bell lembra que, na Idade Mdia, os vrios mo-numentos megalticos se tornaram conhecidos em toda a Europa como pedras das fadas, pedras vacilantes, pedras que viram. Diz a lenda que aqueles menires, os mdulos que compunham a arquitetura de Sto-nehenge, eram gigantes transformados em pedra pelo druida Merlin (do gals Myrddhinn), tendo sido batizados por um arcebispo como Dana dos Gigantes. Na Histria dos Reis da Inglaterra, de Geoffrey de Mon-mouth, o rei Aurlio decide construir um monumento em homenagem aos heris ingleses. O mago Merlin convence o rei a extrair as pedras da regio da Irlanda a fim de formar O Crculo dos Gigantes. Essas pedras, diz Merlin, teriam sido construdas, ou materializadas, por tits (gigantes) que as trouxeram da frica, no perodo em que dominavam a Irlanda. Helena Blavatsky, em sua obra mxima, A Doutrina Secreta, chamou esses monumentos de pedras falantes.

    aos monumentos megalticos. Apoiados nas descries de

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    Jlio Csar em Commentarii de Bello Gallico (Comentrios da Guerra com os Gauleses), certos historiadores asseve-ram que o druidismo seria originrio da Gr-Bretanha ou da Glia. Outros, mais prudentes, na falta de documentos histricos, preferem silenciar.

    Sobre essa questo o escritor e crtico Edouard Schur (1841-1929), citado por Lon Denis em O Gnio Cltico e o Mundo Invisvel, diz o seguinte: A origem dos druidas re-monta noite dos tempos, aurora da raa branca. As drui-disas 16 so talvez mais antigas ainda se nos basearmos em Aristteles, que atribui o culto de Apolo de Delfos s sacer-dotisas hiperboreanas. As druidisas foram inicialmente as inspiradas livres, as pitonisas da floresta. Os druidas servi-ram-se delas, inicialmente, como pacientes sensveis, aptas clarividncia, adivinhao. Com o tempo elas se eman-ciparam, formaram colgios femininos e, ainda que subme-tidas hierarquicamente autoridade dos druidas, agiam atravs do seu prprio movimento. 17

    Segundo a tradio esotrica, os hiperbreos existi-ram e eram oriundos da mtica Atlntida, sobreviventes de cataclismos que resultaram no afundamento desse con-tinente perdido. Ao lado de outros grupos que povoaram as Amricas (dando origem aos astecas, maias, incas, na-

    16 As druidisas possuem muita semelhana com as drades da mitologia grega, nome procedente da palavra grega drus (carvalho). Eram as ninfas ou elementais protetoras dos bosques e florestas. Costumavam danar em volta dos grandes carvalhos que lhes eram consagrados. Possivelmente os druidas se utilizavam tanto desses elementais como de mulheres celtas (druidisas), dotadas de aprimorada sensibilidade medinica. 17 Lon DENIS, O Gnio Cltico e o Mundo Invisvel, p. 107. (Grifo meu).

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    vajos etc.) e a costa norte-africana (aos egpcios), eles po-voaram o norte da Europa e ajudaram a constituir o que Edgard Armond denominou, em seu livro Os Exilados da Capela, de Quinta Raa, apoiado em informaes oriundas da teosofia e tambm em Schur, que afirma: Se o sol da frica incubou a raa negra, direi que os gelos do plo rtico viram a ecloso da raa branca. Estes so os Hiper-breos dos quais fala a mitologia grega. 18

    Foi essa raa de cabelos vermelhos e olhos azuis que criou o culto do sol e do fogo sagrado, conforme Armond, uma espcie de culto primitivo de todos os povos da A-tlntida, conservados pelos druidas e por outros, que vie-ram depois, inclusive persas e egpcios.

    19

    Sobre os hiperbreos, Rutheford sustenta a seguinte tese: Sabemos da existncia de grande interesse no Apo-

    Os historiadores e filsofos da Antiguidade falam da existncia de uma raa hiperbrea, oriunda do norte da Europa. Essa raa, mencionada pelo filsofo grego Arist-teles e o historiador grego Diodoro de Siclia, que cita ou-tro historiador patrcio, Hecateu de Mileto, teria dado ori-gem ao culto de Apolo, na Grcia antiga. Segundo o histo-riador Ward Rutheford, o deus Apolo, filho de Zeus e de Leto (Latona), era um intruso no Olimpo. A mitologia grega se adaptou existncia desse Deus que durante trs meses ao ano convivia com um povo do norte cujas terras encontravam-se alm do Vento do Norte.

    18 Edgard ARMOND, Os Exilados da Capela, p. 81. 19 Ibid.

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    lo grego por parte de povos do norte, porque existe uma descrio de uma cerimnia anual de oferenda mandada a seu templo em Delfos por um povo do norte, que no identificado. Na verdade, trata-se dos lendrios hiperb-reos, nome que, de forma mais ou menos literal, quer dizer Povo de Alm do Vento do Norte. Esse foi o povo de quem o grego Aristeas aprendeu a arte do vo do es-prito. 20 Para o historiador, a terra dos hiperbreos se-ria a Inglaterra, pela descrio de Diodoro de Siclia, a ilha dos hiperbreos era o lugar de nascimento de Leto aquela filha de gigantes e, nessa narrativa, seu filho, Apolo, era venerado ali acima de todos os deuses. Diz ainda que a ilha continha um vasto templo de formato circular, que s poderia ser Stonehenge, e a passagem continua descrevendo o sistema de calendrio usado ali, baseado em um ciclo de 19 anos. 21

    Rutheford explica que, ao final de cada ciclo, Apolo visitava a ilha e tocava harpa a fim de acompanhar as danas e festas realizadas em sua homenagem. Segundo a mitologia grega, foi esse Deus que recebeu das mos de Hermes (ou Mercrio, para os romanos) a harpa, instru-mento tipicamente celta. E o ciclo de 19 anos tem relao direta com a forma de contagem do tempo pelos druidas, a partir dos ciclos da Lua e do Sol. Dezenove anos o perodo entre eclipses, tempo necessrio para haver uma sincronicidade entre os anos lunar e solar. E era tambm de 19 anos o tempo necessrio para se transformar o ne-fito em um druida.

    20 Ward RUTHERFORD, Os Druidas, p. 156. 21 Ibid.

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    Quanto associao dos druidas com os monumen-tos megalticos, temos que considerar uma enorme defa-sagem entre a origem do povo celta e essas enigmticas estruturas de pedra bruta. Elas so datadas pelos arque-logos a partir de 4.000 a.C. enquanto os celtas, como etnia constituda e organizada, surgem muito tempo depois, somente a partir de 2.000 a.C. historicamente imposs-vel que os celtas tivessem construdo tais estruturas de pedra. Eles apenas utilizaram essas construes j pron-tas, para os seus rituais, como fizeram os primitivos cris-tos com a arquitetura romana. No entanto, a posterida-de assimilou a vinculao direta entre os cromlechs, dlmens e menires aos druidas, como se v pela romaria de esotricos que ainda hoje invade esses monumentos, em perodos sagrados como no solstcio de vero, o dia mais longo do ano.

    Em relao a Stonehenge, oportuno lembrar que em 1965, o astrofsico Gerald Hawkins, ento professor de astronomia da Universidade de Boston, munido de um computador, chega a uma concluso desnorteante: o famoso monumento megaltico foi construdo entre os anos de 1850 e 1700 a.C. e teria sido um autntico e verstil observatrio astronmico. 22

    22 Erich VON DNIKEN, Eram os Deuses Astronautas?, p. 8.

    Se os celtas no poderiam ter construdo aqueles enormes monumentos, muito menos o povo autctone que, nesta poca, habita-va a atual Gr-Bretanha. Eles no possuam tecnologia para erigir construes de tamanha envergadura. Ento,

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    como foram projetados e construdos? Trata-se de um enigma, um mistrio...

    A origem da palavra druida tambm motivo de muita polmica. Os historiadores gregos vinculam sua origem ao timo grego drus, que significa carvalho. Algo assim como o sbio do carvalho. O historiador T.G.E. Powel admite a tese de que ela seria derivada do cltico continental atravs dos textos gregos e latinos: Csar, por exemplo, refere-se a druides e Ccero a druidae. Ambas so, claro, formas latinizadas do plural. Nas lnguas clticas insulares que ainda sobrevivem, drui (singular) e druad (plural) so formas da mesma palavra tiradas de textos em irlands antigo. O equivalente gals no singu-lar dryw. Como palavra considera-se que druida derive de razes que significam sabedoria do carvalho, possi-velmente sabedoria grande ou sabedoria profunda. Plnio compara esta palavra com a grega que significa carvalho, e parece querer implicar que a sua ligao com o carvalho fosse intencional. 23

    Mesmo no havendo relao filolgica e semntica entre o idioma grego e latim com o cltico, tais combina-es se aproximam do significado que os celtas davam a esta palavra. Posto que, para eles, o druida era um ho-mem de grande autoridade espiritual, guardio das tra-dies, profundo conhecedor das foras da natureza e intermedirio entre os deuses e a tuath. Segundo o histo-riador britnico Jean Markale, citado por Rutherford, a palavra carvalho no figuraria no nome que lhes era

    23 T.G.E. POWEL, Os Celtas, p. 160.

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    dado, e ele sugere que se deve entender a pronncia como druwides, aqueles que enxergam longe, ou aqueles que sabem muito. 24

    Os druidas, ao contrrio dos brmanes, no se constituam numa casta de sacerdotes. Eles formavam uma classe dividida em trs subclasses: druidas; drui-das-filid (vates); druidas-faith (bardos). Druida era o nome dado a todos os integrantes da classe sacerdotal, sem referncia direta especializao de cada um deles. Os druidas, segundo a pesquisadora Maria Nazareth Alvim de Barros, tinham por funo todas as cincias humanas e divinas: teologia, astronomia, fisiologia, jus-tia, ensino, poesia, stira, predio, magia, guerra e tu-do que concernia aos cultos e sacrifcios. Os filid ou vates dedicavam-se stira, ao encantamento, predio, magia falada e escrita, justia, medicina, ensino, msica e guerra. O bardo era encarregado da poesia oficial no escrita e da msica.

    25

    u Druida Juiz (Brithem) - Era o responsvel pelo cum-primento da lei, pela resoluo de conflitos e querelas entre os habitantes da tuath, o cl. Para os celtas no havia muita distino entre jurisprudncia e profecia, legislao e sacri-fcios. A separao entre o sagrado e o profano era algo desconhecido. Tanto quanto a noo de pecado. A distino

    Segundo a classificao da pes-quisadora citada, temos os seguintes tipos de druidas e suas respectivas especialidades:

    24 Ward RUTHEFORD, Os Druidas, p. 79. 25 Maria Nazareth Alvim de BARROS, Uma Luz sobre Avallon - Celtas & Druidas, p. 46.

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    entre direito pblico e privado, inveno dos romanos e que influenciou toda a legislao ocidental, era algo ainda mais estranho para os celtas. O que importava para eles era a existncia do direito privado, j que o direito pblico no existia. Atravs de contratos informais se estabeleciam de-terminados acordos que, caso fossem quebrados, teriam de ser decididos em duelos ou ordlias, chegando ao nvel da guerra entre cls, se o desentendimento surgisse entre che-fes, entre reis. O druida juiz sempre intervia, a fim de man-ter o equilbrio entre as foras internas do cl. Era ele o res-ponsvel pela sentena. E no podia errar j que, como con-selheiro do povo e do rei, o druida era o prprio represen-tante dos deuses. Porquanto, para os celtas, os deuses so os verdadeiros depositrios da verdade e da justia.

    u Druida Mdico (Liaig) - Assim como a jurisprudn-cia, o exerccio mdico era um fato religioso, no sentido ltrico do termo. Os druidas praticavam uma medicina curativa atravs do magnetismo, da fitoterapia e de inter-venes cirrgicas. Preparavam poes e chs, colhiam o visco, planta parasita que nascia nos carvalhos, rvore sa-grada para os celtas, por meio de uma foice de ouro. Eles acreditavam que essa planta possua extraordinrios po-deres de cura. A slvia e a verbena eram outras das ervas mais utilizadas. No temos registros de suas prticas tera-puticas e cirrgicas, mas sabemos que para os druidas todos os males fsicos tm sua origem na alma. Toda do-ena fsica tem uma causa espiritual. Pode-se dizer que eles anteciparam em sculos os modernos conceitos da medicina psicossomtica e da homeopatia.

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    u Druida Narrador (Scelaige) - Cabia a este druida a transmisso das lendas e estrias encantadas. Era versa-do na poesia, na msica e no canto. Tocava harpa e transmitia a epopia do povo celta, apaixonado por len-das e histrias fantsticas. Os druidas-scelaige eram os literatos, os declamadores, os contadores de histrias, elementos fundamentais da tuath, j que por meio deles toda a tradio cultural era preservada. Eles no conheci-am o romance, mas a saga, a narrativa pica, o mito que se confundia com a histria. Para os celtas a histria e o mito eram uma coisa s. No faziam distino entre as duas categorias. O significado mais prximo da palavra scl narrativa. O druida-scelaige era o narrador por pri-mazia e desempenhava uma funo musical e literria bem prxima dos menestris da Idade Mdia ou dos repentistas e violeiros de nosso serto.

    Os druidas eram homens bem altos, vestiam-se com peles e usavam vestimentas variadas, adornos, brincos e adereos, aproximando-se do visual dos xams asiticos. So representados, amide, com roupas total-mente brancas, indumentria que usavam em muitos rituais, principalmente no da colheita do visco. Utiliza-vam um bigode espesso, com muito mais frequncia do que a barba cheia e longa. Raspavam toda a coroa da ca-bea, numa faixa horizontal, de orelha a orelha, e deixa-vam os cabelos longos. Certamente, esse costume da ton-sura da cabea deve ter influenciado o visual dos prime-vos monges cristos, dos capuchinhos.

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    O druidismo, termo criado pelos irlandeses medie-vais para designar um conjunto de preceitos relacionados s tradies clticas, se extinguiu com o advento do cris-tianismo. Na Idade Mdia, druida tornou-se sinnimo de bruxo e feiticeiro. Muitos foram queimados nas fogueiras como hereges. Ainda no sculo 6 d.C. o druidismo man-teve-se vivo na Irlanda, que se tornou um dos redutos da cultura celta. Mas a instituio j havia perecido. Ficaram os ensinamentos, as lendas e os mitos, salvaguardados pela Irlanda cltica.

    O interesse pelos druidas foi retomado no sculo 17, com o antiqurio John Aubrey. Ele presumiu, erroneamen-te, que os monumentos megalticos teriam sido templos construdos e utilizados pelos druidas. A partir desta po-ca, consolidou-se uma imagem extremamente romntica, explicitamente mstica acerca do cerimonial drudico. Em 1781, vrios entusiastas fundaram a Antiga Ordem dos Druidas, em Londres, que acabou transformando-se numa instituio de carter assistencialista. Desde ento, essas e outras associaes foram criadas com o objetivo de manter viva a chama do druidismo. No entanto, apesar de todas as procisses esotricas a Stonehenge e, digamos assim, do maneirismo drudico, praticado notadamente no solstcio de vero, o que permanece so os seus ensinamentos e uma tradio que se perdeu, mas pde ser preservada, ainda que de modo precrio. Essa tradio se acha con-substanciada nas trades ou bardas, aforismos que encer-ram uma grande profundidade filosfica e que sintetizam o pensamento e a cosmoviso dos celtas, tema que vere-mos a seguir.

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    5. As TRADES

    Antes, eu estava em ANWN, o abismo, a menor partcula de vida que se pode conceber e o mais perto possvel da morte absoluta.

    Depois eu passei dentro de cada forma de existncia e atravs de cada forma onde era possvel que estivessem o corpo e a vida.

    Eu cheguei at o estado de homem, ao longo do Crculo de ABRED, onde penosa e vazia foi minha condio atravs das Idades,

    desde meu desprendimento da morte dentro do abismo. E isto, pela graa de Deus, sua grande bondade e seu infinito amor.

    Atravs de cada forma suscetvel de encerrar a vida, dentro das guas, nos ares, no cu, eu suportei rigores e tormentos, mal e sofrimento, e pequenas

    e ntimas foram minhas alegrias, at que eu me tornasse homem. (Pensamento Cltico)

    s semelhanas entre a filosofia celta e a esprita so impressionantes. O que mais surpreende a origina-

    lidade. Esse povo filsofo no aprendeu com os brmanes da ndia, nem com os sacerdotes egpcios ou com os ma-gos da Babilnia. De onde tiraram to profundo conheci-mento? Eis a um enigma ainda a ser decifrado.

    Possivelmente, das entranhas da Terra, da observa-o das foras da natureza, da inspirao de espritos, ou seja, da mediunidade. Os druidas eram mdiuns, magos brancos, muito mais do que simples sensitivos. Eram ini-ciados, os depositrios do conhecimento esotrico.

    Os celtas eram evolucionistas e reencarnacionistas. No aceitavam, como os brmanes e egpcios, a teoria da metempsicose. Eles a aplicavam somente aos seus deuses. Para os celtas, h ntidos estgios diferenciados de evolu-o. O Ser tem que superar os trs crculos evolutivos, ABRED, GWENVED e KEUGANT, atravs do princpio

    A

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    dos renascimentos sucessivos, a fim de alcanar a plenitu-de da sabedoria e do amor.

    O primeiro, ABRED, o crculo das diversas existn-cias materiais, corpreas, onde o Ser ainda se acha sujeito fatalidade, ao determinismo que ele prprio cria atravs de seus atos. Corresponde, na escala esprita, Terceira Ordem, a dos espritos Imperfeitos e Segunda Ordem, a dos espritos Bons.

    No GWENVED, o segundo crculo, bem mais eleva-do, j no h mais necessidade da reencarnao. A morte deixa de existir, h a ausncia de todo e qualquer mal. A felicidade permanente. O que no implica na perda da individualidade, como no budismo e em algumas filosofi-as orientais. Ao contrrio, a que a individualidade, a singularidade do Ser se reafirma. Na escala esprita este crculo se equivaleria Primeira Ordem, a dos espritos Puros, que no necessitam mais reencarnar.

    O terceiro crculo, KEUGANT, inacessvel s cria-turas. Somente o Criador possui trnsito nele. , portanto, um crculo vazio, pois no habitado por ningum. No h tempo nem espao. O conceito de Eternidade, do Eter-no Ser Criador, de imutvel transcendncia o que mais se aproxima desta categoria cltica.

    Alm desses trs crculos h ainda um outro deno-minado ANWN, o abismo, de onde tudo se origina. nesta regio abissal, protoplsmica, profunda que ocorre o ponto de partida dos espritos. Conceito bem prximo da evoluo anmica, desenvolvido pelo pensador espri-

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    ta Gabriel Delanne, que consiste na tese de que o esprito no surge da simplicidade e ignorncia, mas sim, dos reinos inferiores da criao, a partir do tomo primiti-vo. A epgrafe deste captulo demonstra tal parecena filosfica, bem como este belo e profundo canto brdico, atribudo ao poeta bardo Talisin:

    Existindo desde remota antiguidade no seio de vastos oceanos, no sou nascido de um pai e de uma me, mas de for-mas elementares da natureza, dos ramos da btula, do fruto dos frutos, das flores da montanha.

    Toquei a noite, adormeci na aurora; fui peixe no lago, guia nos cumes, lince na floresta. Depois, escolhido pelo Gwyon (esprito divino), pelo sbio dos sbios, adquiri a i-mortalidade.

    Passou-se muito tempo desde que fui pastor. Por muito tempo andei na Terra antes de ser hbil na cincia.

    Enfim, brilhei entre os chefes superiores; vestido de hbi-tos sagrados, segurei a taa dos sacrifcios. Vivi em cem mun-dos, agitei-me em cem crculos. 26

    Os celtas tambm aceitavam a ideia da pluralidade dos mundos. Os druidas, grandes calendaristas, calcula-vam os ciclos conforme as observaes astronmicas que faziam. Sabiam que nosso planeta no o nico do siste-

    26 Lon DENIS, O Gnio Cltico e o Mundo Invisvel (p. 133). O bardo Taliesin (534-599) considerado como um dos mais antigos poetas galeses. Segundo o mito celta-gals, ele escreveu um livro de cantos brdicos intitulado O Livro de Taliesin e cantou na corte dos reis celtas britnicos. Na poesia galesa da Idade Mdia, era conhecido como Taliesin Ben Beirdd (Taliesin, Chefe dos Bardos). Esse canto foi escrito, provavel-mente, no sculo 6 e no no sculo 4, conforme algumas tradues, como essa de Cad. Goddeu, citada por Lon Denis neste seu ltimo livro.

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    ma solar. Tinham plena conscincia de que a Terra no o centro do universo, redonda e gira ao redor do Sol.

    O conceito de um espao esttico, imutvel, desti-nado ao suplcio eterno, (inferno) e de outro reservado aos eleitos, os puros (cu) no fazia parte da cosmoviso drudica. Tanto que os celtas irlandeses da Alta Idade Mdia, convertidos ao cristianismo, desenvolveram a tese de um espao intermedirio entre o cu e o inferno (purgatrio), aceito sem mais delongas pelos cristos. A noo de pecado, de violao, o juzo final e todo o corte-jo teolgico do cristianismo eram desconhecidos. O tem-po/espao para os druidas estava associado a um vir a ser, a um processo, mutvel e perfectvel, equivalente ao eterno agora do existencialismo.

    A viso do alm, de um mundo habitado pelo Ser em busca da pureza e da sabedoria, quase atemporal e infinito, se assemelha ao mundo dos espritos, ao estado de erratici-dade, na terminologia kardequiana, como se v nesta expli-cao da pesquisadora Maria Nazareth Alvim de Barros:

    O Outro Mundo um lugar atemporal onde se realiza o mundo imaginado pela esfera divina. Quando os humanos atingem o Outro Mundo toda a noo de tempo se apaga. So capazes de pensar que l estiveram por muito tempo, quando na realidade permaneceram poucas horas ou, ao contrrio, pensam que permanece-ram algumas horas e ausentaram-se por vrios anos ou sculos. 27

    27 Ibid., p. 98.

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    A sntese do pensamento celta se encontra nas Tr-ades ou Barddas. l que vamos encontrar toda a pro-fundidade filosfica deste povo pensador. Elas foram escritas muito tempo depois do desaparecimento do druidismo, que sobreviveu apenas como instituio. E-las se constituem de versculos bem sintticos, formados sempre por trs pensamentos. So aforismos, mximas morais e filosficas. As 46 primeiras foram traduzidas em 1853, por Adolpho Pictet, em um opsculo intitula-do O Mistrio dos Bardos da Ilha da Bretanha. As outras trades provm de manuscritos colecionados pelo bardo de Clamorgan, Llywelyn Sion, por volta de 1560. Elas vieram at ns graas resistncia cltica no Pas de Ga-les. L os bardos formaram corporaes, uma espcie de franco-maonaria, responsveis pela conservao do que sobrou da tradio cltica e resistiram, por muitos anos, s invases romanas, inglesas e ao terrorismo cristo.

    A adoo do nmero trs como construo formal tem um lado prtico, um sentido mnemnico, j que a transmisso dos conhecimentos drudicos, como se viu, era feita por via oral. O nefito tinha de memorizar todos esses ensinamentos, o que era facilitado com o emprego de pensamentos ternrios. Outro aspecto a ser considerado a importncia que os druidas davam ao nmero 3 (trs), considerado por eles como um nmero sagrado, celestial. As trades tratam de questes filosficas, existenciais, jur-dicas, morais, teolgicas, poticas etc. Selecionamos algu-mas para anlise e confrontao com os princpios espri-tas. Serviremos-nos das trades contidas no livro As Tradi-es Clticas, de Robert Ambelain (parte II).

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    1. Existem trs unidades primitivas. E no pode haver mais. Estes pontos so:

    Um Deus; Uma Verdade; Uma Liberdade, ponto onde se pem em equilbrio todas

    as oposies. 5. Deus nos d trs provas daquilo que ele fez e daquilo

    que ele far, enquanto natureza; estas trs provas so: Seu Poder infinito; Sua Sabedoria infinita; Seu Amor infinito. 7. Existem trs coisas que Deus, infinitamente perfeito,

    no pode evitar: Em toda coisa, fazer o melhor possvel; Em toda coisa, fazer o mais necessrio possvel; Em toda coisa, fazer o mais belo possvel 65. Os trs principais atributos de Deus: Essncia; Conhecimento; E Poder. No h nada de obscuro nessas estrofes. Trata-se de

    uma concepo extremamente avanada para a poca, uns bons sculos antes de nossa era. A ideia de Deus no tem, como se l, nada de antropomrfica. Ao contrrio, trata-se de uma teologizao de ordem abstrata, seme-lhante ao conceito esprita de Deus. Os atributos divinos expostos nestas e em outras trades possuem uma proxi-

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    midade muito ntima com a concepo kardequiana con-tida em O Livro dos Espritos.

    Os crculos evolutivos, de aperfeioamento, so ex-postos em vrias trades. Vejamos algumas:

    12. Existem trs Crculos dentro da vida Universal ou Universo. Estes trs Crculos so:

    O Crculo de KEUGANT, crculo vazio, onde nenhum ser pode subsistir, exceto Deus. Nem os vivos nem os mortos tm acesso a ele e apenas Deus pode atravess-lo, por meio de suas diversas manifestaes;

    O Crculo de ABRED, crculo da Fatalidade, do Desti-no irresistvel, onde cada novo estado, cada nova existncia, nas-ce da morte. E este o Homem o atravessa;

    O Crculo de GWENVED, Crculo da Beatitude, o mundo branco, onde cada estado deriva e nasce da vida. E este o Homem o atravessar finalmente.

    13. Existem trs gneros de existncia e de vida para os vi-vos. Eles so:

    O estado de submisso Fatalidade, dentro do Abismo (ANWN);

    O estado de liberdade moral, dentro da Humanidade (ABRED);

    O estado de felicidade e de amor perfeito, no Cu (GWENVED).

    14. Existem trs coisas inevitveis dentro da Vida, trs ne-cessidades s quais nenhuma existncia escapa. Elas so:

    A inevitvel gnese dentro do Crculo de ANWN; O inevitvel priplo dentro do Crculo de ABRED;

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    O inevitvel acesso final para dentro do Crculo de GWENVED.

    E sem atravessar estes trs estados nenhum ser poderia e-xistir, salvo apenas Deus.

    O conceito de determinismo e fatalidade, do destino dos seres e das coisas tambm muito semelhante viso esprita.

    13. Existem trs gneros de existncia e de vida para os vi-vos. Eles so:

    O estado de submisso Fatalidade, dentro do Abismo (ANWN);

    O estado de liberdade moral, dentro da Humanidade (BRED);

    O estado de felicidade e de amor perfeito, no Cu (GWENVED).

    17. H trs razes de estar merc da Fatalidade e do Des-tino que reinam dentro do Crculo de ABRED. So:

    A necessidade de colher o fruto de cada existncia e de cada estado de Vida;

    A necessidade de conhecer todas as coisas; A necessidade de colher a fora moral necessria para

    triunfar sobre todo o dio, toda repugnncia e para se despojar do Mal dominando os maus princpios.

    Durante a encarnao, na condio humana, o Ser goza de relativa liberdade, possui o livre-arbtrio, antag-nico fatalidade, determinada por ele prprio no curso de sua existncia.

    29. Dentro da Humanidade, o Ser possui trs privilgios. So:

    O discernimento entre o Bem e o Mal. Da a possibili-dade de comparao;

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    A liberdade de escolha. Da o livre-arbtrio, o julgamen-to e a preferncia por um ou por outro;

    O comeo do poder realizador, tendendo a realizar o que se escolheu livremente.

    Estes trs privilgios, estes trs poderes, so indispen-sveis para realizar o que quer que seja (e, portanto, escapar Fatalidade pura).

    Pode-se notar que o fundamento da tica celta o li-vre-arbtrio. A liberdade o sustentculo comportamental de seu pensamento tico. O que, necessariamente, ir de-terminar uma prxis, uma moralidade de caractersticas semelhantes kardecista. Em determinados trechos, a a-xiologia celta, sua teoria de valores, com efeito, se apro-xima tanto do kardecismo que a sensao a de estarmos relendo as leis morais no formato de uma trade.

    59. Os trs sustentculos de um homem virtuoso: Deus; Sua conscincia pessoal; E o louvor de todos os sbios. 74. Trs coisas esto em desacordo com Deus: A infelicidade; A mentira; E o desespero. 75. Trs lugares onde residir Deus em sua plenitude: L onde ele for mais amado; L onde ele for o mais procurado; L onde o egosmo for mnimo. 76. H trs coisas onde Deus reside quando elas so pro-

    curadas: A misericrdia; A verdade; E a Paz. 118. Os trs momentos de bno para o Homem:

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    Receber a vida tendo uma alma em seu nascimento ou dentro do renascimento aps um desfalecimento;

    Dar a vida ou engendr-la; E trocar a vida, ou morrer, o que ir do pior ao melhor. 149. Os trs cuidados dirios que deveriam ocupar o esp-

    rito de cada homem: Adorar a Deus; Evitar fazer mal a qualquer um; E agir justamente com relao a todo vivente. 150. Os trs temores de um prudente: O temor de ofender a Deus; O temor de agir com um homem contrariamente

    caridade; E o temor das riquezas e da prosperidade excessivas. Di-

    zendo de outra maneira: o temor a Deus, o temor do pecado e o temor de uma prosperidade grande demais.

    Como vimos, cada uma das trades se constitui numa prola do conhecimento tico, filosfico, teolgico, teleo-lgico, existencial etc. De todas as doutrinas espiritualistas do Ocidente, a celta a que mais se aproxima da doutrina esprita.

    Se Allan Kardec tivesse desempenhado sua misso na ndia, provavelmente teria escrito O Bhagavad-Gita Segundo o Espiritismo ou Os Vedas Segundo o Espiritismo. Mas ele re-encarnou no Ocidente cristo, num pas catlico. Podemos observar na linguagem, notadamente em O Evangelho Se-gundo o Espiritismo, a influncia tenaz do cristianismo. To-davia, o cerne filosfico do espiritismo tambm possui sua tradio, sua raiz histrica, no pensamento celta. A partir da os troncos e ramos se multiplicam.

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    As Trades Segundo o Espiritismo: uma obra essencial, que ainda est por ser feita. Ela recolocaria o pensamento cltico em sua verdadeira dimenso histrica e filosfica.

    O pensamento cltico, helnico e latino so o trip da raiz filosfica kardecista. A pilastra central, o pensamento cltico.

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    6. O DRUIDA DE LORENA A alma cltica mais viril.

    (Lon Denis)

    on Denis (1846-1927) se considerava um druida re-encarnado. Em vrios de seus livros ele se refere aos

    celtas e gauleses, mas foi em sua ltima obra, O Gnio Cltico e o Mundo Invisvel (1927), que pde aprofundar melhor o assunto.

    Um de seus objetivos principais, ao escrever sua obra derradeira, foi o de resgatar a alma viril do povo celta. O gnio da Glia vigia sempre nosso pas, afirmava Denis. Ele defendia de modo apaixonado o renascimento do esp-rito celta, que viria reerguer, imaginava, a alma francesa, carente da vitalidade moral daquele povo. Para Denis, a Frana no era nem latina, como a Itlia e a Espanha, nem germnica como a Alemanha, nem anglo-saxnica como a Inglaterra e os Estados Unidos; ela cltica e, por sua situao e suas origens, pode servir de intermediria, de trao de unio entre seus vizinhos. 28

    Essa viso romntica acerca das virtudes do povo celta esteve sempre presente em suas obras. O ltimo arti-go que escreveu para a Revista Esprita, intitulado Renova-o,

    29

    28 Gaston LUCE, Lon Denis, o Apstolo do Espiritismo, p. 305. 29 Esse belssimo e derradeiro artigo de Denis pode ser conferido na edio do Centro Esprita Lon Denis, Rio de Janeiro-RJ, da biografia de Gaston Luce, Lon Denis, o Apstolo do Espiritismo, com traduo de Jos Jorge. O arquivo foi editado como um anexo, no final do livro.

    publicado em maro de 1927, aborda justamente o

    L

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    carter e a influncia da filosofia cltica e da filosofia esp-rita na alma francesa.

    Em um de seus mais belos livros, O Grande Enigma (1911), o Apstolo do Espiritismo compara o esprito cltico com o cristianismo:

    O esprito cltico vido de claridade e de espa-o, apaixonado da liberdade; possui intuio profunda das coisas da alma que reclamam revelao direta, co-munho pessoal com a Natureza visvel e invisvel. Eis por que ele estar sempre em oposio Igreja Romana, desconfiada dessa Natureza e cuja doutrina toda cheia de compresso e de autoridade. Os druidas e os bardos lhes foram rebeldes. Apesar das conquistas romanas e das invases brbaras, que facilitaram a expanso do cristianismo, a alma cltica, por uma espcie de instinto, sempre se sentiu herdeira de uma f mais larga e mais livre que a de Roma. 30

    30 Lon DENIS, O Grande Enigma, p. 136.

    Ao contrrio de Kardec, Denis era autodidata, um in-telectual de origem simples e com um esprito nacionalista bem manifesto. Na juventude foi militar e chegou a lutar na guerra de 1870. Mesmo com a viso razoavelmente abalada, alistou-se na 1 Legio da Guarda. Em pouco tempo chegou a tenente. Assim como Pierre-Gatan Leymarie, tornou-se um republicano radical, muito pro-vavelmente em funo da derrota francesa e consequente ocupao alem.

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    Desde cedo o espiritismo e a cultura celta desperta-ram o interesse de Denis. J em suas primeiras experimen-taes medinicas, iniciadas nos tempos do exrcito, os espritos lhe revelavam experincias por ele vividas em outras existncias. Em uma delas, junto com o mdico es-prita dr. Aguzoly, seus companheiros do mundo extraf-sico descrevem cenas surpreendentes: Ora se viam a pe-lejar nas fileiras de uma tribo franca entregando-se a um massacre de Gauleses, ora, combatentes Vikings, partici-pavam em terrveis batalhas. 31

    Pelo que me disse Allan Kardec

    Nos ltimos anos de sua vida, com a serenidade e a sensibilidade que s a velhice proporciona, Lon Denis adquiriu a certeza de que fora realmente um celta em existncias anteriores. Ele mesmo registra isso em O G-nio Cltico:

    32, vivi no oeste da Glia minhas trs primeiras existncias humanas e sem-pre conservei as impresses dos primeiros tempos. Na vi-da atual, com 18 anos, li O Livro dos Espritos de Allan Kardec, e tive a intuio irresistvel da verdade. Parecia ouvir vozes longnquas ou anteriores que me falavam mil coisas esquecidas. Um passado ressuscitava com uma in-tensidade quase dolorosa. E tudo o que vi, observei, a-prendi, desde ento, foi somente para confirmar esta im-presso primeira. 33

    31 Jacques LANTIER, O Espiritismo, p. 71. 32 Leon Denis faz referncia ao esprito de Allan Kardec que o estimu-lou, segundo ele, a escrever O Gnio Cltico e o Mundo Invisvel. 33 Lon DENIS, O Gnio Cltico e o Mundo Invisvel, p. 22.

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    Em outra passagem do livro, Denis revela que fora um aprendiz, um discpulo candidato a druida:

    Eu gostava de penetrar nos crculos de pedra (cromlechs) onde se evocavam os espritos dos mortos. Escutava, com ansiedade, as lies dos druidas que nos entretinham com as lutas da alma no Abred, para conquis-tar a cincia e a sabedoria, e sua plenitude de vida no Gwynfyd, para posse da virtude, do gnio e do amor. Sob a indicao do Mestre, eu me aplicava em aprender a recitar os inmeros versos que constituam o ensino sagrado. 34

    Revejo a floresta profunda toda cheia de murmrios de uma vida invisvel, a floresta assombrada pelos espritos dos antepassados que encantam os santurios onde se rea-lizam os sacrifcios e os ritos sagrados. Essa floresta cltica era to vasta que seria preciso meses inteiros para atraves-s-la; to espessa, to cerrada, que no vero o tempo era es-curo em pleno meio-dia, sob suas abbodas verdejantes, imponentes como naves de catedral.

    Belas so as descries do Druida de Lorena, ao mos-trar todo o seu estilo fluente, romntico, numa autntica potica existencial, filosfica, como esta da floresta cltica:

    35

    Em O Gnio Cltico, Lon Denis inclui uma srie de mensagens medinicas atribudas a Allan Kardec, a res-peito dos celtas, dentre outros temas. Os poucos que co-nhecem esta obra torcem o nariz e colocam em dvida a sua autenticidade. Realmente um dos pontos mais po-lmicos e discutveis do livro. Quanto legitimidade da autoria das mensagens, pode-se afirmar, sem ironia, que

    34 lbid, p. 81. 35 lbid, p. 80.

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    elas aparentam ser at mais verdadeiras do que algumas tambm atribudas ao fundador do espiritismo e recebi-das em determinados grupos espritas brasileiros. Veja-mos alguns trechos:

    Acrescento que me particularmente agradvel descer nesta regio da Frana, que amei, habitei materialmente, desde a Armorique at Mauriene.

    Cada torro formou para mim imagens que jamais se apa-garo. Como celta, me impregnei dessa mstica que tinha trazido de modo palpitante do espao. Depois, em minha penltima exis-tncia, na Savoie (Sabia), adquiri uma resistncia moral que foi necessria para ensinar a doutrina que vs conheceis.

    Mas, inicialmente, falemos da existncia pela qual me fixei na Bretagne 36 (Bretanha), que foi como a vida inicial, projetan-do, no meu ser, a centelha da vida universal. Esta centelha brilhou mais ou menos atravs de minhas diferentes vidas, conforme eu procurava adquiriu uma tal qualidade, aproximando-se, mais ou menos, da matria ou do esprito. 37

    Eu vivi nessa poca e posso vos afirmar que nos tempos drudicos o ser humano sentia essa fora radiante que, no curso dos sculos, foi preciso adaptar cientificamente este o nico

    Vs podeis dizer que a palavra Celtismo representa, para o homem moderno, a forma concreta de uma doutrina tendo por base a assimilao, a concentrao, o desenvolvimento e o surgi-mento de foras, formando parte integral do movimento csmico.

    36 Antiga provncia da Frana. 37 Ibid., p. 223.

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    termo que encontro ao seu envoltrio carnal. Ele podia assim aprender a ler, a analisar e a dissociar as partes impalpveis e vibratrias suscetveis de lhe dar alguns esclarecimentos sobre o mistrio da criao. 38

    Os druidas eram tanto mais iniciados quanto mais acentuado era o seu grau pessoal de mediunidade. Entre eles, o sacerdote e a sacerdotisa vivendo no seio da natureza, recebiam a iniciao por intuio de um modo mais direto do que no culto cristo.

    Os druidas, estabelecidos no litoral, se inspiraram em e-lementos diretos exteriores para a percepo de trs crculos, sintetizando as foras naturais e morais. Existia uma iniciao de muitos graus e pode-se reencontr-la na forma de culto; no Cristianismo que a iniciao foi menos investigada. Julgo que a doutrina do Cristo tenha sido mais pura que as outras, por ser mais simples.

    39

    38 Ibid., p. 259. 39 Ibid., p. 229.

    Pergunta - H, como alguns pretendem, uma diferena entre os celtas e os gauleses?

    Resposta - H entre os celtas, sob o ponto de vista huma-no, duas origens: a origem normanda e a anglo-normanda.

    Existem na Bretanha pessoas de raa mais bronzeada, de pigmento mais vermelho; talvez viessem da Atlntida, mas so casos isolados e raros.

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    Parece que teria havido, entre a Atlntida e a Bretanha francesa, uma ilha sobre a qual teriam vivido esses povos. Do pas da Gasconha 40 uma colnia teria imigrado na Ilha de Oleron 41

    Lembrai-vos que a centelha cltica o elemento primordi-al que deve manter o atual nacionalismo francs, porque a cen-telha vital da conscincia do francs originou-se do celta.

    .

    42

    Se o druida adorava a floresta, o Cristo amava a colina. Ento, podeis evidenciar o fenmeno cientfico real de que a onda se presta mais captao sobre um local elevado do que em bai-xadas, e que a vizinhana do mar auxilia poderosamente para a sensao das camadas vibratrias. A gua capta o pensamento depois o transmite; ela necessria para a fecundao da terra,

    O druida, quando observava o mar, banhava-se ao mes-mo tempo, em ondas provindas da floresta que se refletiam como um espelho sobre o lenol lquido. assim que lhe veio a intuio da existncia dos ciclos que vs conheceis. Em resu-mo, vs sabeis que a onda uma sucesso de crculos, do pon-to de vista vibratrio.

    Um dia ser-lhes- dito por que o druida tinha essa intuio e porque, na obra divina, ela no concretizada seno muitos mi-lhares de anos mais tarde. Vs podeis notar que o movimento cl-tico de um lado, os movimentos cristo e budista-hindu de outro, so formados nos pases ao mesmo tempo montanhosos, cobertos de bosques e vizinhos do mar.

    40 Antiga regio no sudoeste da Frana, terra dos celtas aquitanos. 41 Ilha francesa localizada no Oceano Atlntico. 42 lbid., p. 231 e 232.

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    este um fato que vs considerais sob o ponto de vista material e ns, sob o ponto de vista espiritual. 43

    43 Ibid., p. 258.

    A maioria destas mensagens foi recebida em uma reunio familiar, da qual tomava parte um nmero bem reduzido de pessoas, entre elas Lon Denis e sua secre-tria particular, nos ltimos anos de sua vida, Claire Baumard. Foram todas reunidas no ltimo captulo de O Gnio Cltico. Como se v, o contedo bem profundo e excedia, segundo Denis, os conhecimentos do mdium que as transmitiu. Ademais, o Druida de Lorena, apesar de todos os males fsicos, notadamente a cegueira e a pneumonia que o matou, estava em plena posse de suas faculdades mentais. Era a prpria lucidez em pessoa. No iria inserir essas comunicaes se tivesse alguma suspeita da sua autenticidade. Nelas, inclusive, o fun-dador do espiritismo confirma que esteve reencarnado como celta.

    As geraes vindouras de espritas devem a esse grande pensador esprita o resgate do pensamento celta. Ele e Allan Kardec, mas principalmente o Druida de Lore-na, pelas circunstncias em que viveu, foi o que mais se aprofundou, de modo bem apaixonado, nessa temtica, que tem sido injustamente relegada ao ostracismo, no somente por ignorncia, mas em funo tambm da carn-cia de literatura e de fontes histricas mais precisas.

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    7. O DRUIDA DE LYON

    A doutrina drudica eleva-se, sob certos aspectos, s mais sublimes verdades

    (Allan Kardec)

    ma grande dvida deve ter surgido na mente de Riva-il quando estava prestes a lanar a obra sntese da fi-

    losofia esprita, O Livro dos Espritos, em 1857. Se assinasse com seu nome civil haveria muitas implicaes, em funo de seu status nos meios acadmicos e culturais de Paris. Seus trabalhos cientficos e pedaggicos, que lhe propor-cionavam um vasto currculo como intelectual, poderiam causar uma certa confuso entre os futuros leitores. Henri Sausse, primeiro bigrafo do fundador do espiritismo, a-firma que ele preferiu a sugesto, provavelmente da equipe de espritos que lhe auxiliava, de assinar suas obras com o pseudnimo de Allan Kardec, que conforme seu guia lhe revelara, ele trouxera nos tempos dos druidas. 44

    Interessante lembrar que Rivail teve uma grande resis-tncia na aceitao da reencarnao: Sobre este ponto, a doutrina dos espritos nos surpreendeu; diremos mais: ela nos contrariou, porque derrubou as nossas prprias ideias.

    Em toda a kardequiana no h referncias explcitas

    a essa informao, seja na biografia pstuma publicada na Revista Esprita (maio de 1869) ou mesmo em Obras Pstu-mas. Na ausncia de documentos que provassem, ao me-nos, a origem deste dado, passou-se a confiar na tradio oral e nas afirmaes transmitidas de gerao a gerao.

    44 Henri SAUSSE, Biografia de Allan Kardec, p. 19.

    U

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    (...) E no tudo; ns no cedemos ao primeiro choque. Combatemos, defendemos a nossa opinio, levantamos ob-jees e s nos rendemos ante a evidncia quando notamos a insuficincia de nossos sistemas para resolver todas as ques-tes levantadas por esta matria. 45 Somente aps muito debate com os espritos que ele se convenceu da veracida-de deste princpio. No dilogo simulado com o Crtico, em O Que o Espiritismo, Rivail admite que levou um razovel tempo para admitir os fenmenos medinicos: Foi-me pre-ciso mais de um ano de trabalho para convencer a mim mesmo; o que lhe prova que aquilo que consegui no foi apenas superficialmente. 46

    A mdium inglesa Anna Blackwell (1816-1900)

    Sua reao deve ter sido bem ctica e prudente, ao ser informado que fora um sacerdote druida em uma existncia anterior. Atitude objetiva que sempre adotou desde jovem nos estudos de magnetismo.

    Contudo, h divergncias acerca da encarnao de Ri-vail como druida. As fontes histricas no so unnimes. Algumas situam a existncia do druida Allan Kardec especi-ficamente na Bretanha, outras na Glia. H quem afirme que ele teria sido, na verdade, um descendente dos viquingues, dos normandos. Ou que os nomes Allan e Kardec correspon-deriam a duas existncias distintas entre os gauleses.

    47

    45 Allan KARDEC, Revista Esprita (1858), p. 307 e 308. 46 Allan KARDEC, O Que o Espiritismo, p. 39. 47 Anna Blackwell frequentava as reunies da Sociedade Parisiense de Es-tudos Espritas e foi correspondente de Allan Kardec em Londres. Tornou-se amiga do casal Kardec e foi a primeira tradutora inglesa de O Livro dos Espritos. Sua traduo, de 1875, dedicada a Amelie Boudet, a devotada esposa de Allan Kardec, segundo suas prprias palavras.

    co-nheceu Denizard Rivail pessoalmente. Chegou a receber

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    uma comunicao sua em 4 de outubro de 1869, aproxi-madamente sete meses aps a sua desencarnao. Verteu O Livro dos Espritos para o ingls e, na apresentao, traa um perfil biogrfico do fundador do espiritismo. Em rela-o ao seu pseudnimo, sustenta Anna que ele teve sua origem em uma existncia na antiga Bretanha: Um antigo nome Breto da famlia de sua me. 48

    O parapsiclogo italiano Massimo Inardi, que foi pre-sidente do Centro de Estudos Parapsicolgicos de Bolonha, em seu livro A Histria da Parapsicologia, afirma que foi a-travs da mdium Japhet

    49

    48 No original: An old Briton name in his mother's family. Jeanne Louise Duhamel, a me de Rivail, nasceu em Bourg-en-Bresse, sede do Departamento de Ain. Extraordinariamente bela, talentosa, elegante e amvel, foi sempre objeto de profunda admirao, conforme a descri-o de Anna Blackwell. Segundo dicionrios etimolgicos, o sobreno-me Duhamel de origem anglo-normanda. Isto confirma a informao de que ela teria tido antepassados na antiga Bretanha. 49 Essa revelao ocorreu no incio de 1856, conforme afirma Rivail em Obras Pstumas: frequentei ao mesmo tempo as reunies espritas que se faziam Rua Tiquetone, em casa do Sr. Roustan e da Srta. Japhet, que era sonmbula. Eram reunies srias e com muita ordem. As comunica-es eram feitas por intermdio da mdium Srta. Japhet, com o auxlio da cesta de bico. (Minha Primeira Iniciao no Espiritismo, p. 222).

    que Rivail soube de uma de suas existncias anteriores: apresentou-se a Rivail uma entidade que declarou chamar-se Z e que, dirigindo-se a ele lhe revelou t-lo conhecido numa outra vida anterior. Isso acontecera numa floresta bret da antiga Glia e Rivail era ento um druida, um bardo, um sacerdote inspirado e muito poderoso que, no entanto, tinha um outro nome:

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    chamava-se Allan Kardec e era muito amigo da entidade em presena, cuja identidade, porm, jamais foi transmitida. 50

    Realmente, nunca se soube nada acerca da identida-de desse esprito. Em mensagens posteriores apresentava-se apenas como Zfiro. Rivail refere-se a ele como um es-prito no muito elevado, benvolo. No era um esprito muito adiantado, porm, mais tarde, assistido por espri-tos superiores, ajudou-me nas minhas primeiras obras.

    51

    No Prolegmenos h uma referncia discreta a esse esprito: Estaremos contigo sempre que o pedires, para te ajudarmos nos teus trabalhos, porquanto esta apenas uma parte da misso que te est confiada e que j um de ns te revelou.

    52

    Zfiro (ou Zephyr) foi o apelido dado por Clementine Baudin, me das meninas-mdium Julie e Caroline Baudin. Ele deixou de se apresentar apenas como Z e passou a a-dotar este nome, uma referncia ao deus do vento, na mito-logia grega, o vento vindo do Oeste: Chamam-me pelo que sou: O Zfiro da VERDADE. Anuncio a prxima descida dos eflvios celestes que a VERDADE irradiar pelo Mundo.

    Este um de ns era o Zfiro, que se tornou esprito protetor de Rivail.

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    A revelao de que Rivail teria tido uma encarnao nas Glias corroborada por vrios espritas estudiosos e eruditos. O historiador esprita Zeus Wantuil, na volumosa

    50 Massimo INARDI, A Histria da Parapsicologia, p. 99. 51 Allan KARDEC, Obras Pstumas, p. 220. 52 Allan KARDEC, O Livro dos Espritos Prolegmenos. (grifo meu). 53 Canuto ABREU, O Livro dos Espritos e sua Tradio Histrica e Lendria - cap. X.

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    biografia do fundador do espiritismo, admite que o seu pseudnimo era o ex-nome dele prprio em pretrita exis-tncia, ao tempo de Jlio Csar, nas Glias, como druida. 54

    Revelaram os espritos que Denizard Rivail, em en-carnaes anteriores, vivera na Glia, onde se chamara Allan Kardec. Da a provenincia do pseudnimo que adotou. Em nova encarnao fora o infortunado Joo Huss.

    O escritor Carlos Imbassahy confirma esse dado:

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    A notcia de que Allan Kardec tivera uma existn-cia ao tempo de Jlio Csar data de 1856; a de ter sido Joo Huss veio em 1857.

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    Imbassahy tambm cita uma enciclopdia inglesa: His pseudonym originated in mediunistic comunications. Both Allan and Kardec were said to have been his names in previous incarna-tions (Seu pseudnimo originado de comunicaes me-

    Esclarece Imbassahy que as fontes preciosssimas so os manuscritos do escritor esprita e erudito Silvino Canuto Abreu (1892-1980), hoje em poder de sua famlia. Em 1921 ele esteve em Paris, na livraria de Paul G. Leyma-rie. L, Canuto Abreu copiou a quase totalidade dos do-cumentos e cartas, arquivos at ento desconhecidos. Em 1925 foram transferidos para a Manso dos Espritas e posteriormente destrudos, em 1940, pelos nazistas na II Guerra Mundial, quando invadiram a Frana.

    54 Zeus WANTUIL & Francisco THIESEN, Allan Kardec, vol. III, p. 83. 55 Carlos IMBASSAHY, A Misso de Allan Kardec, p.43. 56 Ibid.

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    dianmicas. Diz-se que Allan e Kardec foram os seus nomes em encarnaes anteriores).

    Ora, certa noite, o seu Esprito protetor Z lhe d uma comunicao toda pessoal: informa-lhe que o conhe-ceu numa existncia anterior, quando, na poca dos Drui-das, viviam juntos nas Glias. O Esprito protetor lhe diz que o seu nome era, ento, Allan Kardec. 57

    A mdium Ruth Celina Japhet, citada por Inardi, jun-tou-se s duas irms Baudin

    Essa afirma-o do bigrafo Andr Moreil, provavelmente retirada de Henri Sausse. Para ele foi em 1857 que Rivail obteve tal informao de Zfiro, por via medinica, e no em 1856, como afirma Imbassahy. No entanto, conforme as declara-es de Denizard Rivail acerca de sua iniciao no espiri-tismo, conclui-se que a reunio onde se sucedeu o dilogo entre Rivail e Zfiro foi realizada na casa do sr. mile-Charles Baudin, amigo de Rivail, em dezembro de 1855. A