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1 Laudo Técnico de avaliação das medidas mitigadoras ao atropelamento de fauna existentes na estrada CS-012, município de Cambará do Sul, RS Porto Alegre, 22 de novembro de 2013 Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Biociências Departamento de Ecologia Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias Av. Bento Gonçalves, 9500, setor IV [email protected]

Laudo Técnico de avaliação das medidas …. Na PFU3, a água acumulada na escavação possui uma altura de 67 cm, deixando as lajes e passarela submersas (Figura 10). Em seis passagens

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Laudo Técnico de avaliação das medidas mitigadoras ao

atropelamento de fauna existentes na estrada CS-012,

município de Cambará do Sul, RS

Porto Alegre, 22 de novembro de 2013

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Instituto de Biociências – Departamento de

Ecologia

Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias

Av. Bento Gonçalves, 9500, setor IV

[email protected]

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Introdução

Processo de Licenciamento

Através da intervenção do Ministério Público a equipe dos Parques pode sugerir algumas

inclusões e alterações nas medidas mitigadoras instaladas, principalmente nas passagens de

faunas aéreas e terrestres. Porém não houve estudos prévios consistentes que subsidiassem as

medidas propostas. O trâmite do processo de licenciamento está largamente exposto nos

Processos IBAMA 02023.001717/2007-11 e ICMBio 02070.002481/2209-36, os quais esta

informação técnica irá compor.

Medidas mitigadoras ao atropelamento de fauna e isolamento de populações

A colisão de veículos com animais silvestres em rodovias é considerada o maior fator antrópico

responsável diretamente pela mortalidade de vertebrados terrestres em escala mundial,

superando inclusive a caça (Forman & Alexander 1998). Esta mortalidade e o efeito de

evitamento que estradas exercem sobre muitas espécies são responsáveis por outro grande

impacto na fauna, o isolamento de populações (Forman et al., 2003). Nas últimas décadas,

diversos tipos de medidas mitigadoras têm sido implementadas em estradas e ferrovias com a

finalidade de reduzir o atropelamento de fauna e ampliar ou reestabelecer a conectividade

entre populações animais, além de aumentar a segurança dos motoristas (Figura 1). Embora

inúmeros estudos tenham demonstrado a sua funcionalidade, a efetividade dessas medidas

depende, no entanto, da definição adequada das espécies-alvo, dos períodos e locais

prioritários para sua implementação e do desenho mais apropriado para cada caso (Beckmann

et. al. 2010). A caracterização da magnitude da mortalidade antes e após a implementação

destas medidas é de extrema importância para a avaliação da efetividade das medidas.

Medidas mitigadoras implementadas na CS-012

Em Unidades de Conservação (UCs), os riscos associados aos impactos de rodovias são

especialmente preocupantes e exigem uma intervenção qualificada. Os Parques Nacionais de

Aparados da Serra e da Serra Geral são unidades de conservação federais com gestão

integrada, localizados no nordeste do Rio Grande do Sul e sudeste de Santa Catarina, em uma

região de extrema importância biológica composta por Campos Sulinos e Floresta Ombrófila

Mista. As principais estradas que margeiam ou cruzam estes parques são a CS-012, CS-007, SC-

290 (anterior SC-450) e RS-427, totalizando 66 km de estradas. A rodovia CS-012 liga o

município de Cambará do Sul ao cânion Fortaleza, possui uma extensão de 17 quilômetros até

a entrada do Parque e está em processo de pavimentação, tendo 13 quilômetros já

pavimentados. O fluxo de veículos nesta estrada é considerado baixo, porém com aumento

sazonal no período de férias de verão e nos feriados, principalmente natal, carnaval, páscoa e

semana farroupilha. Neste feriado de Proclamação da República tivemos no dia 15/11 831

visitantes, com fluxo de 215 veículos (181 carros, 4 ônibus e 30 motos); em 16/11 649

visitantes, com 187 veículos (125 carros, 4 ônibus e 54 motos) e por fim em 17/11 448

visitantes, com 121 veículos (105 carros, 2 ônibus e 14 motos). Total para o período de 1.928

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visitantes, com fluxo de 523 veículos (411 carros, 10 ônibus e 98 motos). O principal fluxo da

rodovia é de veículos em deslocamento ao Cânion do Fortaleza, interior do Parque Nacional da

Serra Geral, portanto após o horário de visitação, o fluxo torna-se muito baixo.

Durante este processo de pavimentação, foram instalados dutos sob a estrada e pontes aéreas

para a travessia de fauna, além de cercas, placas de sinalização e lombadas. Contudo, o tipo de

estrutura instalada e sua localização foram definidos sem a realização de estudos apropriados

de médio ou longo prazo que indicassem, ao menos, a identificação dos grupos taxonômicos,

sazonalidade e agregações dos atropelamentos. Uma avaliação adequada para a

implementação de medidas mitigadoras (que tipo de medidas e onde ou quando serão

implementadas) deve ser realizada a partir de dados de atropelamento, dados de abundância

local e movimentação dos animais, e/ou com base em análises da paisagem em Sistemas de

Informação Geográfica (Beckmann et. al. 2010).

No dia 31 de agosto de 2013, uma equipe composta por quatro biólogos e um médico

veterinário (este, também Analista Ambiental do Parque Nacional de Aparados da

Serra/ICMBio) do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF/UFRGS) realizou uma

vistoria nas medidas mitigadoras implementadas na CS-012 para sua caracterização. A partir

desta caracterização, é apresentada uma avaliação com considerações sobre o potencial

destas estruturas em mitigar o atropelamento de fauna e o isolamento de populações, e são

feitas recomendações com esta finalidade. Entretanto, neste laudo não está sendo realizada

uma avaliação sobre a localização destas medidas ao longo da rodovia.

Figura 1. Medidas mitigadoras ao atropelamento de fauna e efeito de barreira em estradas e

ferrovias. Fonte: Forman et al., 2003; Seiler & Helldin, 2006; Glista et al., 2009.

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Caracterização das medidas mitigadoras implementadas na CS-012

Foram vistoriadas todas as passagens de fauna (passa-faunas), cercas, lombadas e placas de

advertência associadas existentes na CS-012, sendo oito passagens de fauna sob a rodovia

(PFU) e sete passagens do tipo ponte de dossel (PFO). As Figuras 2, 3 e 4 são esquemas gerais

representativos das estruturas vistoriadas. As Tabelas 1 e 2 apresentam as medições realizadas

nas PFUs e PFOs e estruturas associadas.

Figura2: Esquema representativo das cercas, lombadas e placas de advertência e da disposição central das passagens de fauna em relação à cerca. Neste esquema as dimensões de ambos os lados da cerca são iguais e as lombadas estão localizadas sobre a passagem, mas estas características variam entre cada PFU (ver Tabela 1).

Figura3: Esquema representativo das passagens de fauna sob a rodovia, com as respectivas

estruturas internas e o cercamento.

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Figura4: Esquema representativo das passagens de fauna do tipo ponte de dossel.

Passagens de Fauna Sob a Rodovia

As passagens de fauna sob a CS-012, em geral, possuem uma extensão de 8,1 m e foram

construídas com estruturas padrão de concreto, quadrados que medem aproximadamente 1,5

m de altura e de largura e formam um duto. Nas laterais das entradas de cada passagem foram

construídas paredes de concreto que contêm o avanço da vegetação (Figura 3 e Figura 5).

Cinco das oito passagens sob a rodovia (PFU1, PFU2, PFU4, PFU6 e PFU7) foram construídas

em locais onde cursos d'água permanentes cruzam a estrada (Figura 3 e Figura 6), servindo

como dutos para estes cursos, e uma das passagens (PFU3) apresenta uma grande escavação

onde se acumula água (Figura 7). Assim, em seis passagens foram construídas lajes internas

que conferem um distanciamento do chão e do corpo d’água (Figura 3 e Figura 8), com o

intuito de propiciar a travessia seca de animais sobre os cursos d’água. Estas lajes são placas

de concreto unidas por cimento (rejuntamento), mas apenas na PFU1 os rejuntamentos estão

completos e nas outras cinco passagens ocorrem vãos entre as placas em alguns pontos

(Figura 9). Para a maioria das seis passagens que apresentam laje, a altura entre elas e o teto é

de aproximadamente 90 cm e a altura do vão entre o chão e a laje é de 50 cm. Nas entradas

das passagens, existem passarelas de concreto para o acesso de animais às lajes sobre a água

(Figura 3 e Figura 8).

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Figura5: Cada passagem de fauna possui paredes de concreto que detêm o avanço dos taludes

nas laterais da entrada (ex. PFU8).

Figura6: Passagem de fauna construída sobre curso d’água. A PFU2 é a única passagem

construída com dois dutos justapostos.

7

Figura7: Entrada da PFU3, onde a escavação feita para construção da passagem gerou um poço

com acúmulo de água.

Figura8: Lajes internas construídas em seis passagens de fauna para criar uma base seca para a

fauna e passarela de concreto no lado direito da passagem facilitando o acesso dos animais às

lajes internas (ex. PFU6).

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Figura9: Placas de concreto (lajes) com rejuntamento de cimento (foto da esquerda, PFU1) e

sem rejuntamento (foto da direita, PFU4).

Algumas particularidades observadas em determinadas passagens devem ser ressaltadas. A

passagem PFU2 é composta por dois dutos justapostos (Figura 6), com passarelas em um dos

dutos. Na PFU3, a água acumulada na escavação possui uma altura de 67 cm, deixando as lajes

e passarela submersas (Figura 10). Em seis passagens existem cercas de arame farpado

próximas ou bem em frente às entradas das passagens, provavelmente para que animais de

criação não tenham acesso à passagem, mas que podem impedir ou dificultar o uso das

passagens pela fauna nativa (Figura 11). Alguns indicativos de potencial uso das passagens pela

fauna nativa foram registrados. Na PFU2 foi visualizada a presença de um sapo-cururu

(Rhinella sp.) em uma passarela. Na entrada da PFU5, foram registradas fezes de um mamífero

carnívoro. Na entrada da PFU8, foram registradas pegadas de jaguatirica (Leopardus pardalis) e

dentro desta passagem foram observadas pegadas de mamífero não identificado.

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Figura10: Água acumulada na PFU3 em função de escavação, deixando submersas as lajes e a

passarela para passagem seca.

Figura11: Entradas das passagens de fauna bloqueadas por cercas de arame farpado. Exemplos

das PFU7 (foto da esquerda) e PFU6 (foto da direita).

Passagens de Fauna do Tipo Ponte de Dossel

As passagens de fauna do tipo ponte de dossel (Tabela 2) são estruturadas com postes de 5,5

m de altura em cada lado da rodovia, elevando uma tela de 45 cm de largura com malha de 10

cm (exceto pela PFO7, que possui uma malha de 2 cm) (Figura 4 e Figura 12). Apenas a ponte

de dossel PFO1 não apresenta contato da malha de arame com a vegetação de dossel ou sub-

bosque, uma característica importante para a travessia de animais arborícolas. Esta ponte se

localiza próxima à passagem PFU1, estando localizada após 50 metros do início da cerca.

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Figura12: Passagem de fauna do tipo ponte de dossel (PFO6).

Cercas

As cercas acompanham todas as passagens de fauna sob a rodovia (Figura 2 e Figura 13). As

cercas são rentes à estrada e não apresentam direcionadores nas extremidades (avanços da

cerca para fora da margem da estrada em um ângulo que conduza o movimento de um animal

para a passagem). A altura das cercas varia de 1,80 a 1,98m e elas possuem duas espessuras de

malha: uma malha fina (2 cm) com 50 cm de altura e uma malha grossa (com 10 cm de

espessura) que varia de 1,3 a 1,48 m de altura. Elas não são enterradas e, na maioria dos casos,

apresentam um espaçamento de aproximadamente 10 cm do solo. Algumas cercas

apresentam defeitos, como buracos e amassados. A extensão das cercas varia de acordo com

cada passagem, em alguns casos também varia em relação ao lado da rodovia (Tabela 1).

Figura13: Trecho com cerca dos dois lados da rodovia, lombada e placas de sinalização sobre

passagem de fauna sob a rodovia (PFU2).

Lombadas

Existem lombadas nos trechos da CS-012 onde se localizam as passagens de fauna sob a

rodovia (Figura 2 e Figura 13). Em quatro destas passagens as lombadas estão dispostas

exatamente acima das passagens. Nos outros casos, variam de acordo com cada passagem

(Tabela 1).

Placas de Sinalização

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As placas de sinalização de advertência de animais selvagens estão dispostas adjacentes a

todas as lombadas nos dois sentidos da estrada (Figura 2 e Figura 13), exceto na PFU1 e PFU8

que apresentam placas apenas do lado direito na estrada, no sentido Cambará do Sul-cânion

Fortaleza (Tabela 1).

Supressão da vegetação na margem da rodovia

A vegetação na margem da rodovia apresentava supressão rente ao solo, em geral em uma

faixa de 1,8 m a partir de cada margem da rodovia (Figura 14).

Figura 14: Supressão da vegetação na margem da rodovia.

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Tabela1: Dados e medidas das medidas mitigadoras cerca e passagens subterrâneas de fauna.

Informações Medidas mitigadoras – identificação e localização

PFU 1 (4+460) PFU 2 (5+320) PFU 3 (6+860) PFU 4 (7+050) PFU 5 (8+200) PFU 6 (9+620) PFU 7 (9+840) PFU 8 (10+500)

Cercas, lombadas e placas

Altura da cerca(m)

1,90 1,80 1,90 1,95 1,93 1,80 1,98 1,95

Extensão da cerca(m)

Lado direito: 56,8 Lado esquerdo: 102,80

104,75 102,80 103,0 105,5 101,15 102,5 Lado direito: 62,80 Lado esquerdo: 100,90

Quantidade de danos na cerca

8 8 3 4 - 5 2 3

Disposição do passa-fauna em relação à cerca¹

central central central central central central central central

Disposição da lombada em relação à cerca

central central central central 31,40m do início da cerca

No início da cerca

15,10m do início da cerca

18,2m antes da cerca

Placa de advertência

lado direito ambos lados ambos lados ambos lados ambos lados ambos lados ambos lados lado esquerdo

Passagens Extensão do passa-fauna (m)

8,5 8,17 8,16 8,1 8,16 8,10 8,10 8,36

Largura do passa-fauna (m)

1,5 Dois dutos de 1,45 cada

1,45 1,5 1,45 1,47 1,52 1,50

Altura entre laje (ou chão

0,91 0,90 0,91 0,94 1,46 0,91 0,91 1,50

13

quando laje ausente) e teto (m)

Altura entre laje e chão (m)

0,51 0,45 0,55 0,67 Não existe 0,58 0,50 Não existe

Substrato (laje ou chão quando laje ausente)

concreto concreto sem matajuntas

concreto sem matajuntas

concreto sem matajuntas

concreto concreto, sem matajunta

concreto, sem matajuntas

barro no fundo

Presença de passarelas nas entradas (nas mesmas laterais)

Sim, mas em laterais opostas

Apenas em um dos dutos, mas nas duas entradas (Figura 6), parcialmente submersa

Sim, mas em laterais opostas. Submersa no lado esquerdo

2

sim não sim não não

Passarela direita

2 (m)

(LxP)

2,62x0,33 3,90x0,38 2,80x0,36 3,20x0,37 - 2,80x0,40 - -

Passarela esquerda

2 (m)

(LxP)

3,20 x0,32 3,15x0,39 2,95x0,38 3,10x0,38 - 3,10x0,38 - -

Altura lâmina d’água (m)

0,14 0,31 0,67 0,03 Não existe 0,10 0,11 Não existe

Curso d’água permanente e filete

permanente não permanente; buraco da construção alaga. Lajes alagadas até a metade.

permanente seca permanente permanente, drenado para o açude de uma propriedade

seca

Cercas de arame farpado em

Nos dois lados dentro da vegetação.

Lado esquerdo dentro da vegetação.

Cerca de 9 arames no lado direito na

Estrutura complexa de cerca que

No decorrer de toda a cerca do lado esquerdo.

Lado direito, junto com

14

frente à entrada do passa-fauna

Lado direito mais baixa.

beira da passagem.

dificulta acesso dos animais.

Com tela defronte à entrada da passagem.

arame liso, sendo vazada. Lado esquerdo dentro da vegetação.

¹ medido pela maior extensão da cerca. 2

direita e esquerda da CS-012 de acordo com o sentido Cambará do Sul - cânion Fortaleza

Tabela2: Dados e medidas das passagens de fauna do tipo ponte de dossel.

Informações Medidas Mitigadoras

PFO 1 (4+410)

PFO 2 (5+700) PFO 3 (6+160) PFO 4 (6+580)

PFO 5 (6+940) PFO 6 (10+300) PFO 7 (11+200)

Largura da ponte(cm) 45 45 45 45 45 45 45

Distância entre postes(m) 11,65 14,20 13,70 13,30 11,70 12,80 11,60

Distância base da ponte – poste (m) 5,50 5,35 4,60 5,60 2,10 5,50 4,20

Distância base da ponte – estrada (m) 7,55 9,85 8,30 8,40 6,70 8,80 5,80

Distância poste – estrada ESQUERDA1

(m) 2,15 4.50 4,10 4,20 3,20 3,90 3,10

Distância poste – estrada DIREITA1 (m) 2,45 3,60 3,70 2,80 4,60 3,30 2,35

Largura da estrada (m) 7,05 7,05 7,05 7,05 7,05 7,05 7,05

Altura do poste (m) 5,50 5,50 5,50 5,50 5,50 5,50 5,50

Largura malha da ponte (cm) 10 10 10 10 10 10 2

Conexão com a vegetação Não encosta (ambos lados)

Encosta dois lados

Esq. sub-bosque encosta; Dir. sub-bosque e araucárias encostam.

Sub-bosque encosta dos dois lados.

Esq. sub-bosque encosta. Dir. araucária próxima.

Esq. Sub-bosque encosta; Dir. sub-bosque próximo.

Esq. Sub-bosque próximo; Dir. araucária próxima.

1 Direita e esquerda da CS-012 de acordo com o sentido Cambará do Sul - cânion Fortaleza

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Avaliação das Medidas Mitigadoras

Passagens de Fauna Sob a Rodovia

Passagens de fauna são medidas mitigadoras implementadas com o objetivo de diminuir o

atropelamento de fauna e/ou diminuir o isolamento de populações por estradas. Para uma

passagem de fauna ser efetiva, ou seja, diminuir a mortalidade por atropelamento e/ou

possibilitar conectividade entre populações, ela deve (1) ser utilizada pelas espécies-alvo de

mitigação e (2) incrementar a taxa de travessias com sucesso de uma população entre os dois

lados da estrada. Assim, as passagens devem ser um ambiente passível e o mais favorável

possível à utilização pelas espécies-alvo. O uso ocasional de uma passagem pelas espécies-alvo

não garante sua efetividade na mitigação dos impactos a que se destina, estas estruturas

somente serão efetivas se proporcionarem uma alta taxa de travessias com sucesso,

comparada com a taxa de travessias de sucesso sobre a estrada. Dessa forma, é fundamental

avaliar a efetividade das passagens de fauna, identificando quais espécies as utilizam e suas

taxas de uso, e monitorando o número de atropelamentos neste trecho e o número de

travessias de sucesso sobre a estrada. Estes resultados gerarão informações sobre o fluxo de

indivíduos entre as populações, assim como identificarão espécies que não utilizam as

passagens de fauna, mas apenas a rodovia para se deslocar. Para este tipo de avaliação, é

necessária a observação de registros de uso e da quantidade de registros de uso ao longo do

tempo, o que pode ser feito com a utilização de armadilhas fotográficas. A avaliação que

realizamos a partir desta vistoria, descrevendo a estrutura e composição das passagens de

fauna, nos permite apenas inferir sobre a adequabilidade destas ao uso por diferentes

espécies-alvo.

As passagens de fauna sob a CS-012, em geral, possuem difícil acesso para a travessia de

fauna. A estrutura de lajes é importante para que animais de pequeno a médio porte utilizem

a passagem evitando o curso d'água. Contudo, a presença das lajes em toda a largura da

passagem, pode inibir e dificultar o uso por animais de maior porte, como cervídeos e

carnívoros, que teriam que subir até a laje para a travessia. Desta forma, nas passagens com

presença de água (PFU1, PFU2, PFU3, PFU4, PFU6 e PFU7), o ideal seria manter a estrutura da

laje somente no canto da passagem para permitir o uso por animais de diferentes tamanhos.

Não deve haver espaço entre as lajes a fim de evitar acidentes com animais nestes buracos e

as passarelas de acesso às lajes sobre a água devem ser instaladas nas duas entradas das

passagens (na PFU7, por exemplo, não existem passarelas, Figura 15). Nas passagens sem a

presença de água a estrutura de lajes não é necessária e já está ausente (PFU5 e PFU8). Além

da estrutura interna das passagens, outro aspecto que dificulta o uso das passagens é a

presença de cercas de arame farpado nas entradas, que devem ser removidas. Na PFU3, o

desnível entre a entrada da passagem e o terreno criado pela escavação (Figura 7) dificulta o

acesso de animais e gera o acúmulo de água dentro da passagem.

16

Figura 15: Passagem de fauna sob a rodovia (PFU7) sem a presença de passarela de acesso às

lajes secas, dificultando o acesso dos animais à parte seca da passagem de fauna.

Passagens de Fauna do Tipo Ponte de Dossel

As passagens de fauna do tipo ponte de dossel apresentam estrutura adequada para travessia

de animais arborícolas. O único aspecto a ser ressaltado é o contato da ponte com a vegetação

do dossel ou sub-bosque para acesso dos animais, que é ausente na PFO1, mas que com o

crescimento da vegetação pode ficar adequado.

Cercas

A utilização de cercas como medida mitigadora ao atropelamento de fauna pode se justificar

por uma ou pelas duas das seguintes funções: (1) evitar que os animais cheguem à estrada; e

(2) conduzir os animais para uma passagem de fauna. As cercas instaladas na CS012 não

cumprem nenhuma destas duas funções. (1) Como são trechos curtos cercados de ambos os

lados da estrada (no máximo 105 m de estrada cercada em ambos os lados) os animais

conseguem acessar o trecho da estrada entrando por uma das suas extremidades, o que

impede que a cerca atue como uma barreira do acesso do animal à estrada. Além disso, os

vãos entre a cerca e o chão presentes em vários trechos podem permitir o acesso de animais

pequenos à estrada, como cobras e roedores. (2) As cercas não possuem direcionadores nas

extremidades (avanços da cerca para fora da margem da estrada em um ângulo que conduza o

movimento de um animal em direção à passagem, Figura 16). Mesmo que as cercas

possuíssem estes direcionadores, estariam conduzindo os animais para passagens de fauna

17

não atrativas e que dificilmente seriam utilizadas (como colocado na avaliação das passagens

de fauna, item acima).

Figura16: Entrada de passagem de fauna (seta) na BR 101/RS, com cerca direcionadora. Fonte:

Lauxen M. 2012. A mitigação dos impactos de rodovia sobre a fauna: um guia de

procedimentos para tomada de decisão.

A instalação de cercas como medida mitigadora ao atropelamento de animais possui pelo

menos três efeitos indesejáveis: (1) no caso de cercas que permitem o acesso de um animal a

estrada, esta estrutura pode aumentar a chance de atropelamento, pois o animal fica

"embretado/encurralado" na estrada cercada; (2) muitos animais podem se ferir no contato

com a cerca (como já registrado na CS-012 pela equipe do ICMBio, Figura 17) ou ficar presos

nestas estruturas; (3) a cerca não possibilita a travessia de animais de um lado para outro da

estrada, isolando grupos de animais e funcionando como um barreira ao fluxo gênico de

populações (Jaeger & Fahrig 2004).

Figura 17: Veado-catingueiro (Mazama gouazoubira) morto em decorrência de ferimentos na

cerca da PFU2 (foto da esquerda, cedida pelo ICMBio) e pelos presos na cerca (foto da direita).

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A instalação de cercas somente deve ser uma alternativa quando uma ampla gama de espécies

utiliza as passagens de fauna e a proporção de atropelamentos (proporção do número total de

tentativas de travessia da rodovia que resulta em atropelamento) for muito alta (Jaeger &

Fahrig 2004). A CS-012 é uma estrada de 17 km (atualmente 13 asfaltados e 4 de estrada de

terra com pedras) que liga Cambará do Sul ao Parque Nacional da Serra Geral e dá acesso a

poucas propriedades ao longo do caminho. O fluxo de veículos nessa estrada é baixo, embora

seja previsto um aumento deste fluxo com a pavimentação completa do trecho até o PARNA

da Serra Geral. O fluxo noturno nesta estrada é extremamente baixo, pois a visitação ao

PARNA da Serra Geral só é permitida até às 17 h. Além disso, a taxa de atropelamentos

observada atualmente para esta estrada é baixa. Entre maio de 2012 e maio de 2013, o NERF

realizou o monitoramento da CS-012 e registrou 63 animais atropelados (47 anfíbios, 5 aves, 9

répteis e 2 mamíferos).

Concluindo, a instalação de cercas para mitigação de atropelamentos de fauna não se justifica

de maneira alguma na CS-012. Da forma como estão instaladas, essas estruturas não cumprem

com os objetivos propostos para a mitigação deste impacto. Mesmo que as cercas já instaladas

fossem readequadas para o cumprimento destes objetivos (maior comprimento ou

cercamento total da estrada, e condução às passagens de fauna), no caso específico da CS-012,

os efeitos negativos à fauna gerados por estas estruturas (que já estão sendo observados,

como exemplificado na Figura 16) podem representar um impacto adicional ou ainda maior do

que o atropelamento para as populações de espécies na região.

Lombadas

A diminuição da velocidade tem um efeito na diminuição da mortalidade por atropelamento.

Hobday & Minstrell (2008), em um trabalho desenvolvido na Austrália, mostram que uma

diminuição de 20% no limite de velocidade em um trecho de 10% da rodovia (nos locais de

agregação de atropelamentos) resultaria numa diminuição de 50% nos atropelamentos. Neste

sentido, as lombadas instaladas na CS-012 podem ser uma medida adequada para mitigar o

atropelamento de animais. Além disso, no caso da CS-012 que apresenta um baixo fluxo de

veículos, as lombadas não representam problemas ao tráfego.

Placas de sinalização

As placas de sinalização junto às lombadas não possuem um efeito adicional de mitigação, já

que o motorista deve reduzir a velocidade devido à lombada, havendo ou não placa. As placas

seriam mais úteis se localizadas em outros locais e se fossem mais informativas. O uso de

placas de sinalização no mesmo padrão de outras estradas (por exemplo a placa oficial de

advertência a animais selvagens) e dispostas aleatoriamente ao longo da estrada (ao invés de

colocadas em locais onde realmente se espera maior frequência de travessia de animais)

diminui a sua efetividade. Por exemplo, um estudo nos Estados Unidos mostrou que os

motoristas se habituam às placas de sinalização permanentes que alertam sobre o risco de

atropelamentos de veados, o que diminuiu a sua efetividade (Sullivan et al., 2004). Além da

preocupação na elaboração de placas que chamem a atenção dos motoristas, é preciso ter

sempre o cuidado de utilizar mensagens relacionadas a situação local e envolvendo a fauna

nativa impactada pela rodovia. A Figura 18 mostra um exemplo de placa de sinalização de risco

de atropelamento de fauna na rodovia Transpantaneira. Uma sugestão seria uma placa grande

19

no início da CS-012 em Cambará do Sul informando ao motorista de que ele está é uma área

de Parque Nacional, com travessia de animais silvestres e solicitando a redução da velocidade.

Figura 18: Exemplo de placa de sinalização com a fauna local na estrada Transpantaneira (MT-

060).

Supressão da vegetação na margem da rodovia

A supressão da vegetação na margem da rodovia é uma medida adequada, no caso da CS-012,

já que favorece a visualização da travessia de um animal pelos motoristas e faz com que o

animal tenha um espaço antes de perceber o asfalto. Com a ausência da supressão, a mudança

de vegetação para asfalto é bastante abrupta e, como a CS-012 não possui acostamento, essa

medida também se torna importante para a segurança dos motoristas e outros usuários da

estrada (como ciclistas e pedestres).

Recomendações de adequação das medidas mitigadoras Retirar as lajes de parte das passagens da fauna sob a rodovia com a presença de água

(PFU1, PFU2, PFU3, PFU4, PFU6 e PFU7), mantendo a laje para travessia seca somente

numa das laterais da passagem (Figura 19)

Executar rejuntamento entre as lajes mantidas nas laterais das passagens de fauna sob

a rodovia (PFU2, PFU3, PFU4, PFU6 e PFU7)

Instalar passarelas de acesso às lajes sobre a água nas duas entradas das passagens

quando ausentes (PFU7) ou adequar sua localização para a nova disposição das lajes

(PFU1, PFU2, PFU3 e PFU7)

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Retirar todas as cercas de tela presentes na estrada nos locais com passagens de fauna

sob a rodovia

Remover as cercas de arame farpado das entradas das passagens de fauna sob a

rodovia (PFU1, PFU3, PFU5, PFU6, PFU7 e PFU8)

Manter uma supressão/manutenção periódica rente ao solo, da vegetação existente

na faixa de 1,8 m a partir das margens do asfalto preservando-se as árvores nativas

existentes.

Monitorar a efetividade das passagens de fauna em longo prazo

Figura 19: Passagem de fauna com a presença de laje somente numa das laterais e passarela

conectando as duas entradas, conforme recomendação apresentada acima.

21

Referências bibliográficas Beckmann, J.P.; Clevenger, A.P.; Huijser, M.; Hilty, J. (eds.). 2010. Safe Passages: Highways,

Wildlife, and Habitat Connectivity. Island Press, Washington DC.

Forman, R.T.T. & Alexander, L.E. 1998. Roads and their major ecological effects. Annu. Rev.

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Forman RT, Sperling D, Bissonette JA, Clevenger AP, Cutshall CD, Dale VH, Fahrig L, France R,

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Science and Solutions. Island Press: Washington, DC. 481p.

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deer migrations. Wildlife Society Bulletin 32: 907–915.

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Equipe Técnica

Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias – NERF

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Fernanda Zimmermann Teixeira

Bióloga – CRBio 69019-3

Igor Pfeifer Coelho

Biólogo - CRBio 53516-03D

Larissa Oliveira Gonçalves

Bióloga – CRBio 95019-03D

Paula Fabiana Pinheiro

Bióloga - CRBio 88952-3

Brenda Rafaela Schmidt

Graduanda em Ciências Biológicas

Magnus Machado Severo

Médico Veterinário – CRMV/RS 12007

Andreas Kindel

Biólogo – CRBio 9865-3