Lean x Saude

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO CARLOS CENTRO DE CINCIAS EXATAS E DE TECNOLOGIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA DE PRODUO

    PRODUO ENXUTA E SADE DO TRABALHADOR: UM ESTUDO DE

    CASO

    SABRINA K. PONTES

    DISSERTAO DE MESTRADO

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO CARLOS CENTRO DE CINCIAS EXATAS E DE TECNOLOGIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA DE PRODUO

    PRODUO ENXUTA E SADE DO TRABALHADOR: UM ESTUDO DE

    CASO

    Sabrina K. Pontes

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo da Universidade Federal de So Carlos, como parte de requisitos para a obteno do ttulo de Mestre em Engenharia de Produo.

    Orientador: Prof. Dr. Paulo Eduardo G. Bento

    SO CARLOS 2006

  • Ficha catalogrfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitria da UFSCar

    P814pe

    Pontes, Sabrina Kelly. Produo enxuta e sade do trabalhador: um estudo de caso / Sabrina Kelly Pontes. -- So Carlos : UFSCar, 2006. 136 p. Dissertao (Mestrado) -- Universidade Federal de So Carlos, 2006. 1. Organizao da produo. 2. Sade do trabalhador. 3. Produo enxuta. I. Ttulo. CDD: 658.51 (20a)

  • ~UNIVERSIDADEFEDERALDE SO CARLOS

    DEPARTAMENTO DE ENGENHARIADE PRODUOPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA DE PRODUO

    Rod.WashingtonLus, Km 235 -CEP 13565-905-So Carlos- SP -BrasilFone/Fax:(016) 3351-8236/3351-8237/3351-8238 - ramal232

    . Email: ppgej)ro/dep,ufscaLbr

    FOLHA DE APROVAO

    Aluno(a):SabrinaKellyPontes

    DISSERTAODE MESTRADODEFENDIDAE APROVADA EM18/02/2006PELA COMISSOJULGADORA:

    Prof. Dr. l\{aOrientadof(a.

    ~.-l ~ J-L---Prof.Dr.EdemilsonNogudlraPPGEPIUFSCar

    J1-tL~ ~ /-:-1Prof.Dr. JosLuz Riani CostaSGP/Min. Sade

    I

    I

    L

  • Agradeo queles que amo

  • AGRADECIMENTOS

    Este um momento muito especial, pois chegado o fim. O fim de um sonho

    que teve incio h muito tempo e que sempre pareceu to distante da minha realidade.

    Foram tantas as dificuldades, mas a dissertao a materializao desse desejo! A

    vontade de desistir diante das dificuldades encontradas, muitas vezes, acompanhou meu

    caminho. Mas, foi neste caminho que conheci o amor, Alexandre, a pessoa que mais me

    entendeu e me apoiou quando a vontade de abandonar tudo mais pesou.

    Aos meus pais, que mesmo na simplicidade do no conhecimento, me apoiaram

    o quanto puderam. Aos meus irmos pela ajuda nas correes. E a toda minha famlia,

    que meu esteio, minha paixo.

    famlia do Alexandre que sempre me recebeu, para que eu pudesse continuar

    meus estudos.

    Aos meus mestres Felipe Luis Gomes Silva e Jos Luiz Riani, por terem

    participado da minha formao acadmica e por terem despertado em mim o caminho

    da cincia, graas postura de respeito, tica e cidadania, transmitidos em suas aulas. E

    em especial ao professor Felipe, que mesmo longe, sempre esteve pronto a me ajudar e

    a me transmitir seus ensinamentos.

    Ao professor Edemilson, que tive o prazer de conhecer e que muito me ajudou

    com sua preciosa colaborao no exame de qualificao.

    Em especial ao meu orientador Paulo E. Gomes Bento, pela sbia, paciente e

    cuidadosa orientao, sem a qual a realizao deste sonho se tornaria impossvel.

    s minhas amigas que acreditaram que eu era capaz de conseguir e todos

    aquelas que direta e indiretamente contriburam para este acontecimento. minha

    terapeuta que ouviu minhas lamentaes e que a cada dia me ajuda no processo de

    superao. Raquel e ao Marcos, da secretaria de ps-graduao, por sempre me

    ajudarem quando precisei. A todos os trabalhadores e gerentes da empresa, que sem

    esperar receberem nada em troca, me forneceram valiosas informaes para a concluso

    deste trabalho.

    A mim, por no ter desistido de tentar. queles que vem o estudo como

    manifestao da cultura, do conhecimento e principalmente da paixo. E Deus que

    guia nossos caminhos a todo o momento.

    A todos minha eterna gratido.

  • RESUMO

    O processo de produo enxuta, pelo qual diversas organizaes vm passando nos ltimos anos, est se constituindo em objeto de interesse para investigao, medida que essas mudanas no universo do trabalho geram opinies diversas e, muitas vezes, opostas sobre as formas de gerir e organizar a produo e os trabalhadores. Diante deste cenrio, este estudo teve como objetivo analisar os possveis impactos da produo enxuta sobre a sade dos trabalhadores, atravs de uma reviso bibliogrfica e de uma pesquisa de campo com o intuito de problematizar aspectos de uma situao real de trabalho, em confronto com a literatura pesquisada. Para tanto, foram entrevistados gerentes e trabalhadores de uma fbrica que adotou recentemente esse modelo de produo, de modo a apreender a percepo, principalmente dos operrios, sobre as modificaes ocorridas. Conclumos que os resultados imediatos mostram que aps a introduo das modificaes houve uma melhora na participao dos trabalhadores, resultando em uma maior satisfao no trabalho, e que, apesar de constatado um aumento na intensificao do trabalho, a maioria dos trabalhadores entrevistados esto preferindo a forma atual de gesto. Por outro lado, a anlise mais subjetiva das declaraes aponta para um possvel sofrimento, em funo da intensificao do ritmo de trabalho e do medo do desemprego. Palavras-chave: produo enxuta, sade do trabalhador, ritmo de trabalho, gerenciamento por stress.

  • ABSTRACT

    The process of the lean production, for the which many organizations had passing last the twenty years, is being a object of researches since the changes in the universe of the work causes many and contradictories opinions about the forms of manage and organize the production and the workers. On this scene, this study had as objective to analyze the possible impacts of the lean production on the health of the workers, through the state of the art and a research with workers as the intention of characterize aspects of a real situation of work, in confrontation with literature. For this field, was interviewed managers and workers of a plant that recently adopted this model of production, in order to understand the perception, especially of the laborers, on the occurred modifications. We conclude that, the immediate results shows that after the introduction of the modifications had an improvement in the workers participation, resulting in a bigger satisfaction in the work, and that although evidenced an increase in the increase of the work, the greater part of the interviewed workers prefers the current management form. On the other hand, a more subjective analysis of the workers answerers reveals that a possible suffering, due to the intensification of the rhythm of work and the fear of the unemployment. Key words: Lean production, workers health, rhythm of work, management by stress.

  • LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 6.1 - Percepo dos trabalhadores quanto polivalncia................................81

    FIGURA 6.2 - Percepo dos trabalhadores sobre a atividade de trabalho aps as

    mudanas.................................................................................................................85

    FIGURA 6.3 - Perspectiva de carreira na empresa, sob o olhar dos trabalhadores

    analisados. ...............................................................................................................92

    FIGURA 6.4 - Possibilidade dos trabalhadores decidirem o momento de fazer pausa. .93

    FIGURA 6.5 - Percepo dos trabalhadores sobre as pausas serem ou no suficientes

    para a recuperao fsica e mental. .........................................................................94

    FIGURA 6.6 - Percepo dos trabalhadores sobre o kaisen quanto possibilidade de

    opinar sobre a maneira de realizar o trabalho. ......................................................103

    FIGURA 6.7 - Percepo dos trabalhadores sobre o aumento do ritmo de trabalho. ...106

    FIGURA 6.8 - Sensao de desconforto fsico e dor, sentida pelos trabalhadores aps as

    modificaes. ........................................................................................................109

  • LISTA DE TABELAS

    TABELA 6.1 - Evoluo do nmero de funcionrios.....................................................65

    TABELA 6.2 Nmero de mulheres contratadas. .........................................................66

    TABELA 6.3 - Rotatividade dos trabalhadores na empresa. ..........................................88

  • LISTA DE SIGLAS, SMBOLOS E ABREVIATURAS

    ABS Antilock Braking System

    CERES Centre DEstudis I Recerca Sindicales de La Comissio Obrera nacional

    de Catalunya

    CEST Centro de Estudos em Sade e Trabalho

    CNC Computer Numerical Control

    CCQ Crculo de Controle de Qualidade

    DIEESE Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Scio Econmicos

    DORT Doenas Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho

    EUA Estados Unidos da Amrica

    JIT Just in time

    LER Leses por Esforos Repetitivos

    Min. Minuto

    MITI Ministrio do Comrcio Exterior e da Indstria

    OMS Organizao Mundial de Sade

    OPEP Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo

    PA Nome fictcio dado a um projeto da empresa

    PI Nome fictcio dado a um projeto da empresa

    RH Recursos Humanos

    RNCD Relatrio de no conformidade e disposio

    SPMC Sistema de Produo em Massa Clssico

  • SUMRIO

    1. INTRODUO...........................................................................................................1

    1.1 Objetivo.....................................................................................................................2

    1.2 O Mtodo de Pesquisa...............................................................................................3

    1.3 Estrutura da Dissertao..............................................................................................4

    2. A RELAO EXISTENTE ENTRE SADE E TRABALHO ..........................6

    2.1 A Sade e a Doena como Resposta s Agresses do Cotidiano ...............................6

    2.2 O Conceito de Sade...................................................................................................7

    2.3 O Conceito de Trabalho ..............................................................................................9

    2.4 O Contexto do Trabalho Influenciando a Sade .......................................................11

    2.5 A Importncia da Organizao do Trabalho na Construo da Sade......................15

    2.6. O Papel do Estado no Fortalecimento da Sade nos Locais de Trabalho................21

    3.MUDANAS ATUAIS NA PRODUO E NO TRABALHO.............................25

    3.1 Um Novo Processo de Acumulao: A Acumulao do Tipo Flexvel....................25

    3.2 O Contexto de Mudana ...........................................................................................26

    3.3 Transformaes no Universo do Trabalho e um Novo Tipo de Empresa.................30

    4. A PRODUO ENXUTA........................................................................................33

    4.1 Algumas Consideraes Introdutrias Sobre o Sistema de Produo Enxuta ..........33

    4.2 A Dinmica do Processo Enxuto de Produo..........................................................35

    4.3 Elementos Bsicos da Produo Enxuta ...................................................................39

  • 4.4 Consideraes Finais Sobre a Produo Enxuta .......................................................48

    5. A PRODUO ENXUTA E SEUS IMPACTOS SOBRE OS

    TRABALHADORES ....................................................................................................50

    5.1 a Produo Enxuta Humanamente Recompensadora Sade dos

    Trabalhadores?.................................................................................................................50

    6. OS ATORES SOCIAIS: UM ESTUDO DE CASO ...............................................57

    6.1.1 A escolha da empresa.........................................................................................60

    6.1.2 O critrio de seleo dos entrevistados ..............................................................61

    6.2 Sobre a Empresa........................................................................................................63

    6.2.1. A reestruturao na fbrica ...............................................................................64

    6.2.2 A reorganizao da produo: a produo enxuta .............................................67

    6.2.3 A implantao dos elementos e da produo enxuta .........................................69

    6.3 Percepo dos Trabalhadores Sobre o Processo de Produo Enxuta ......................77

    6.3.1 O processo de mudana na empresa pesquisada ................................................77

    6.4 O Olhar dos Trabalhadores Sobre as Mudanas no Trabalho...................................84

    6.4.1 .Carreira..............................................................................................................91

    6.4.2 Pausas no trabalho..............................................................................................93

    6.4.3 O kanban ............................................................................................................94

    6.4.4 Clulas de fabricao .........................................................................................99

    6.4.5 Kaisen...............................................................................................................102

    7.CONSIDERAES FINAIS...................................................................................112

    8.REFERNCIAS .......................................................................................................120

    APNDICE...................................................................................................................130

  • 1. INTRODUO

    As mudanas globais sentidas no final do sculo XX e incio do sculo

    XXI tm motivado pesquisadores e estudiosos a compreender as caractersticas das

    transformaes decorrentes da incorporao tecnolgica e das mudanas na produo de

    bens e servios, bem como suas repercusses sobre o trabalho e sobre a sade dos

    trabalhadores.

    Essas mudanas tiveram seu comeo no fim dos anos 60 e incio dos anos

    70, quando o mundo capitalista presenciou a crise de acumulao do padro

    taylorista/fordista, principalmente nos pases capitalistas avanados. Profundas

    transformaes econmicas e sociais em nvel mundial - como a crise do petrleo, que

    agravou a crise de 1973, diminuindo os lucros - no mais possibilitaram sustentar o

    formato produtivo anterior, que resultou na passagem do processo de acumulao em

    massa para a acumulao flexvel. Para que esta transio resultasse em aumento da

    competitividade e dos lucros, foi necessrio um cenrio onde as foras produtivas

    estivessem pautadas na reestruturao do capitalismo, com objetivo principal de

    recuperar as formas de acumulao do capital.

    Essas transformaes, oriundas da prpria concorrncia intercapitalista e

    da necessidade de controlar as lutas sociais provenientes do trabalho, acabaram por

    provocar uma resposta do capital sua crise estrutural (ANTUNES, s.d).

    Diante da crise, as empresas buscaram ser cada vez mais competitivas

    introduzindo novas tcnicas de gesto da produo e da fora de trabalho. A nova

    estrutura produtiva das empresas passou a ser mais flexvel o que possibilitou s

    empresas recorrerem freqentemente diminuio de seu tamanho em funo da

    terceirizao de diversas atividades.

    Novas tcnicas de gesto da fora de trabalho foram apresentadas como

    possibilidades reais de um trabalho mais qualificado, estimulante e que envolve

    continuamente o operrio na execuo de suas atividades. Essas tcnicas encontram-se no

    trabalho em equipe, nas clulas de produo, no trabalhador polivalente e no engajamento

    estimulado dos operrios, principalmente do cho de fbrica. Este processo recebeu o

    nome de toyotismo ou de produo enxuta, como conhecido atualmente.

    Para HIRATA et al. (1991), esses novos sistemas de trabalhos flexveis,

    originados na empresa japonesa, aparecem freqentemente nas discusses relacionadas

  • 2

    incidncia de um novo paradigma de organizao do trabalho e de desenvolvimento das

    indstrias como figura emblemtica de flexibilidade e de uma organizao que foge das

    idias tayloristas de produo.

    WOMACK et al. (1992) acreditam ser a produo enxuta a forma mais

    promissora e desafiadora para o modo de organizao do trabalho, defendendo que a

    acumulao flexvel possibilitou novos processos produtivos altamente diferenciados da

    produo fordista. Para esses autores, embora o sistema remova todos os tempos ociosos

    da produo, principalmente os dos trabalhadores, permite a eles as qualificaes

    necessrias para terem total controle sobre o ambiente de trabalho a ponto de torn-los

    aptos a enfrentarem o desafio contnuo e fazerem o trabalho funcionar mais

    tranqilamente. A produo enxuta, ao criar uma tenso criativa, uma vez que com a

    remoo de todas as folgas os operrios devem esforar-se ao mximo, possibilitaria aos

    trabalhadores diversas formas para o enfrentamento desse desafio, dando destaque a uma

    eficiente utilizao do trabalho mental.

    Contrariando essas idias dos autores acima, KLER (2001) afirma que a

    crtica mais importante e evidente provm de sindicatos que chegaram concluso de que

    a produo flexvel estaria baseada em um gerenciamento por stress, o que causaria uma

    grande presso fsica e psquica, ameaando efetivamente a sade dos trabalhadores. Para

    o autor, a produo enxuta aparece como uma estratgia do capital de forma a acentuar

    ainda mais a racionalizao permanente ao expropriar os tempos ociosos.

    Ainda nesta mesma perspectiva, diversos estudiosos (OCADA, 2002;

    ANTUNES, s.d; HIRATA et al., 1991) acreditam nos elementos de continuidade com o

    padro produtivo anterior, como tambm em seus elementos de descontinuidade.

    As vises aqui apresentadas apontam para o fato de que o processo de

    produo enxuta, como uma situao que atinge todo o globo, traz consigo profundas e,

    quase sempre, inesperadas mudanas no universo do trabalho, podendo afetar ainda de

    maneira significativa a sade dos trabalhadores. Com o intuito de estudar esse tema, a

    presente pesquisa est estruturada em 5 captulos, apresentados a seguir.

    1.1 Objetivo

    As transformaes ocorridas no universo do trabalho suscitaram diversas

    indagaes de diferentes autores, de diferentes reas. A hiptese levantada pelo estudo

  • 3

    em questo tentar responder a pergunta: At que ponto a produo enxuta

    humanamente (re)compensadora sade dos trabalhadores? um processo produtivo

    capaz de melhorar a satisfao dos trabalhadores em seu ambiente de trabalho? Discutir

    essas questes o objetivo central desse estudo.

    1.2 O Mtodo de Pesquisa

    Sendo a produo enxuta uma questo bastante contempornea e as

    questes levantadas pela literatura bastante complexas e controversas, em relao aos

    impactos desse sistema, optou-se por, alm da pesquisa bibliogrfica, ampliar a

    discusso de certos pontos atravs de um estudo de caso. A pesquisa de campo no teve

    como inteno interferir na realidade do ambiente estudado, mas melhor compreender

    as modificaes a partir da explicao e percepo dos comportamentos no ambiente

    laboral.

    Trata-se de um estudo exploratrio, onde foi utilizada uma abordagem

    qualitativa, baseando se em uma extensa reviso bibliogrfica, tendo como inteno

    ressaltar as diferentes vises de diversos estudiosos a respeito da produo enxuta. O

    objeto da pesquisa foi mais profundamente analisado utilizando-se o Estudo de Caso

    como parte do estudo e assim problematizar aspectos da vida real em confronto com a

    literatura pesquisada. Julgamos que a aplicao do questionrio em apenas uma empresa

    foi o suficiente para o objetivo proposto, visto que no havia a inteno de se

    generalizar os resultados, mas levantar questes e compar-las com o que diz a

    literatura.

    Para tanto, foi analisado uma situao real de trabalho, a partir dos

    depoimentos de dez trabalhadores. O princpio de investigao baseou-se tambm nos

    estudos da psicopatologia do trabalho para tentar dar conta de dilogos indiretos ou,

    aqueles que no so expressos verbalmente de modo a obter, se possvel, sentimentos

    camuflados em alguns indivduos. Da tica direta ou objetiva s conhecemos as

    desregulaes e as reequilibraes, porm essa perspectiva bastante vaga quando se

    pretende tratar da vivncia subjetiva qualitativa dos indivduos (DEJOURS, 1992, p.

    157).

    Segundo DEJOURS (1992), a psicopatologia trabalha sobre a palavra,

    que fale do sofrimento, do prazer, e que seja passvel de escuta e interpretao. Porm,

  • 4

    importante ressaltar que nesse estudo, a anlise no ser feita fundamentalmente atravs

    desse mecanismo, tendo em vista que a pesquisadora no possui conhecimento

    suficiente para tratar as questes mais subjetivas. Dessa forma, a pesquisa ser mais de

    citao sobre possveis riscos, do que propriamente uma anlise profunda do discurso.

    O Estudo de Caso e o mtodo utilizado esto mais amplamente descritos

    e explicados no captulo 6.

    1.3 Estrutura da Dissertao

    O captulo 1 da dissertao corresponde introduo que busca fazer um

    apanhado geral do tema e contextualiz-lo.

    O captulo 2 da dissertao apresenta a relao existente entre sade e

    trabalho, de modo a evidenciar de que forma o processo de trabalho influencia na sade

    dos trabalhadores, visto que o processo de adoecer no se encontra no homem apenas

    como natureza pura, mas tambm como produo social intermediado por diversos

    condicionantes sociais da sade.

    No captulo 3 so apresentadas algumas das modificaes pelas quais o

    mundo do trabalho vem passando atualmente. Este captulo procura mostrar o

    surgimento da produo enxuta como uma alternativa de algumas empresas no sentido

    de melhorar sua capacidade competitiva, e algumas transformaes ocasionadas na

    organizao do trabalho em decorrncia dessas mudanas.

    O captulo 4 tem como objetivo conceituar a produo enxuta e apresentar

    alguns de seus elementos, com o intuito de fazer uma anlise posterior atravs da

    pesquisa de campo.

    O Captulo 5 apresenta as opinies de diversos autores sobre a produo

    enxuta e de que forma esta pode influenciar o processo de trabalho dos trabalhadores.

    O captulo 6 consiste em um estudo de caso realizado em uma empresa

    que introduziu recentemente elementos de gesto da produo enxuta. Pretendeu-se, com

    os dados obtidos pela pesquisa, compreender a produo enxuta e as possveis

    implicaes deste sistema sade dos trabalhadores, atravs da percepo dos

    trabalhadores. Foram entrevistadas pessoas ligadas gerncia e, principalmente,

    trabalhadores do setor da produo com o objetivo de apreender suas percepes diante

    das mudanas ocorridas na organizao do trabalho aps a introduo da produo

  • 5

    enxuta. O captulo inicia-se com uma explicao sobre o tipo de pesquisa utilizada e os

    critrios de seleo adotados para a escolha dos entrevistados. Em seguida, feita uma

    apresentao sobre as mudanas que ainda esto em processo na empresa. Na seqncia,

    apresenta-se a percepo dos trabalhadores sobre as mudanas em andamento com o

    intuito de conhecer os impactos deste modo de produo sobre a sade dos trabalhadores,

    apresentando o relato desses operrios da produo.

    Por fim, nas concluses, so apresentadas as questes trabalhadas ao

    longo deste estudo a respeito do impacto da produo enxuta sobre a sade dos

    trabalhadores, buscando tambm apresentar novas sugestes para estudos

    complementares a este trabalho.

  • 2. A RELAO EXISTENTE ENTRE SADE E TRABALHO

    Acreditamos que o estado de sade dos trabalhadores no independente

    de sua atividade de trabalho. Este captulo uma tentativa de sistematizar os diversos

    olhares sobre as possveis relaes entre sade e trabalho.

    Inicialmente, o texto faz uma breve apresentao de conceitos como

    sade, trabalho e, posteriormente, mostra a relao de alguns elementos (por exemplo, a

    organizao do trabalho) que esto relacionados a esse binmio e como isso afeta os

    trabalhadores em seu ambiente profissional.

    2.1 A Sade e a Doena como Resposta s Agresses do Cotidiano

    Segundo FRANA & RODRIGUES (1999), o ser humano, ao longo de

    seu desenvolvimento, constri e estrutura formas - tanto em relao ao corpo quanto em

    relao mente - de ser e reagir aos mais adversos estmulos aos quais ele pode estar

    submetido, sempre com o sentido de manter o equilbrio de seu organismo.

    Ainda de acordo com as autoras, aquilo que a pessoa no momento

    presente o resultado de vrias experincias que vivenciou no decorrer da sua histria.

    Quando algum reage aos diversos impactos a que est submetido no seu cotidiano,

    carrega neste processo uma volta ao equilbrio. Mas estes impactos fazem parte de sua

    vida e as tenses que eles provocam, podem deixar marcas e modificar o corpo da pessoa.

    Da a tendncia da psicossomtica em compreender os processos de

    adoecer, no como um evento casual na vida de uma pessoa, mas, sim, como resposta de

    um indivduo que vive em uma sociedade, em constante interao com outras pessoas,

    parte ativa de microestruturas a familiar, o grupo social e o trabalho inseridas em uma

    macroestrutura social e cultural, situada em determinado ambiente fsico e que procura

    resolver, da melhor maneira possvel, sua existncia no mundo (FRANA &

    RODRIGUES, 1999)

    Dentro desta perspectiva, o adoecer surge como a expresso de conflitos

    resultantes das dificuldades em lidar com to complexas interaes. Diversos estudos

    mdicos e psicolgicos revelam que o ser humano tem demonstrado dificuldade em lidar

    com estmulos estressores ambientais e scio-econmico-culturais da sociedade industrial

    e urbana, podendo-se compreender um grande nmero de doenas - principalmente

  • 7

    aquelas mais freqentes do homem urbano contemporneo - que denunciam, expressam e

    revelam a forma da pessoa viver, a sua qualidade de vida e sua maneira de interagir com

    o mundo. As estatsticas referentes s causas de afastamento do trabalho por doena e

    aposentadoria por invalidez mostram que a hipertenso arterial, doenas das articulaes

    e distrbios mentais so as mais freqentes, sendo estas ltimas as que causam mais

    afastamentos, enquanto a hipertenso a que provoca maior nmero de aposentadorias.

    Assim, as doenas infecciosas cedem o seu lugar de proeminncia s doenas que esto

    mais relacionadas s caractersticas do modo de produo industrial (FRANA &

    RODRIGUES, 1999).

    Pode-se ver, ento, a importncia da compreenso das formas de adoecer

    dentro de uma perspectiva histrica e relacional que leve em considerao a histria de

    vida da pessoa, sua forma de ser sentir e reagir, e de suas inter-relaes sociais

    (FRANA & RODRIGUES, 1999).

    FRANA & RODRIGUES (1999) relatam que certa vez um sindicalista,

    em uma mesa-redonda onde se discutia a sade no contexto da empresa, sintetizou o que

    a medicina no conseguiu realizar inteiramente, dizendo que o dia em que o profissional

    da sade perguntasse ao paciente como seu trabalho, onde e com quem mora, como est

    no trabalho, quanto tempo demora para ir de casa ao trabalho e vice-versa, teramos uma

    melhora no atendimento e na promoo de sade. Dessa forma, importante refletirmos

    sobre o que sade e discutirmos primeiramente seu conceito na viso de alguns autores.

    2.2 O Conceito de Sade

    De acordo com SIVIERI (1995), durante uma reunio da Organizao

    Mundial de Sade (OMS), em Alma-Ata, na ex-Unio Sovitica, ocorrida em 12 de

    setembro de 1978, a sade foi definida como:

    O estado de completo bem-estar fsico, mental e social e no somente a ausncia de afeces ou enfermidades, um direito humano fundamental. Alcanar o mais alto grau possvel de sade um objetivo social extremamente importante em todo o mundo, cuja realizao exige a interveno de muitos outros setores sociais e econmicos, alm daqueles da sade (OMS apud SIVIERI, 1995, p. 78).

  • 8

    DEJOURS (1986) critica o conceito de sade da OMS, apresentando duas

    razes. A primeira de que o estado de conforto e de bem-estar impossvel de se

    definir, enquanto a segunda que este completo e perfeito estado de bem-estar fsico,

    mental e social no existe. Para esse autor, a sade no algo concretamente atingido,

    mas alguma coisa que pretendemos alcanar. Em outras palavras, um objetivo sempre a

    ser perseguido, diferentemente da OMS, cuja definio internacional nos remete idia

    de um estado estvel que uma vez alcanado pudesse ser mantido. Assim, o autor prope

    um outro conceito, o da sade como um estado de variao, que muda constantemente.

    Para explicar este conceito de sade, DEJOURS (1986) baseou-se em trs

    elementos: o primeiro na fisiologia que ensina que o organismo no se encontra num

    estado estvel, graas s suas constantes mudanas; o segundo na psicossomtica ao

    explicar a relao entre o pensamento e o funcionamento dos corpos e o terceiro na

    psicopatologia do trabalho que parte do princpio de que o trabalho fundamental para a

    sade.

    Esses trs elementos tm em comum o fato de que todos os organismos

    caracterizam-se pelo constante movimento. Baseando-se na explicao acima, conclui-se

    que o conceito de sade de DEJOURS pauta-se no na idia de ausncia de sofrimento,

    mas em possuir condies de enfrentar as causas que levam s doenas, pois para ele a

    sade algo que est em mudana o tempo todo, sendo necessrio respeitar a liberdade

    do organismo de regular suas prprias variaes.

    SATO (1995) sintetiza e concorda com as idias do referido autor e

    conceitua sade como o respeito s necessidades, aos ritmos e desejos do organismo no

    o obrigando a normas e prescries. Faz ainda, um paralelo entre sade e trabalho ao

    dizer que a sade tambm proveniente do controle das condies e dos contextos de

    trabalho, respeitando as necessidades e ritmos dos trabalhadores.

    Tambm DIMITROV (1995) defende a idia de que sade no algo fixo,

    e complementa dizendo que o grau de sade de cada indivduo, est diretamente ligado

    posio social que esta pessoa ocupa em relao ao processo de produo e apropriao

    dos bens e servios na sociedade.

    Essa posio social est relacionada a alguns fatores, dentre eles o

    trabalho. Criao social, o trabalho humano transforma, estrutura, organiza a sociedade e

  • 9

    os indivduos que dela fazem parte, determinando a promoo ou a degradao das

    condies de sade.

    2.3 O Conceito de Trabalho

    Na lngua portuguesa, a palavra trabalho teria origem do latim tripalium

    que, segundo ALBORNOZ (1999), era um instrumento feito de trs paus aguados que

    em algumas vezes acompanhavam pontas de ferro no qual os agricultores batiam o trigo e

    espigas de milho para rasg-las. Para a autora, a maioria dos dicionrios registra esta

    palavra como instrumento de tortura, ligando a ela o verbo do latim vulgar tripaliarem

    que significa torturar.

    Na linguagem cotidiana a palavra trabalho tem muitos significados. s

    vezes lembra dor, tortura, suor e fadiga. Outras vezes, significa transformao da matria

    prima em objeto que, em outras palavras, significa o homem em ao para sobreviver e

    realizar-se (ALBORNOZ, 1999).

    Tal concepo identifica-se com a definio encontrada no dicionrio de

    filosofia NICOLA ABBAGNANO (1998), onde o trabalho uma atividade cujo fim

    transformar o ambiente e satisfazer as necessidades humanas, implicando dependncia do

    homem em relao natureza, reao ativa a essa dependncia com vistas utilizao

    dos elementos naturais e o grau nem to elevado de esforo, sofrimento ou fadiga, que

    constitui o custo humano no trabalho. Assim, na definio de ABBAGNANO, o trabalho

    no penoso em si, mas nas condies sociais em que ele realizado nas sociedades

    industriais (grifo nosso).

    Para MARX (1972), trabalho tambm a ao dos homens sobre a

    natureza, transformando-a intencionalmente. Nesse processo, o ser humano relaciona-se

    com os outros, numa cooperao mtua, e tambm se altera ao imprimir sua obra e um

    pouco de si prprio na natureza.

    SIVIERI (1995) caracteriza o trabalho como uma atividade que modifica o

    estado natural das coisas para melhorar sua utilidade. Para esse autor, os seres humanos

    partilham com as outras espcies a atividade de atuar sobre a natureza com o intuito de

    transform-la para melhor satisfazer suas necessidades. Dessa forma, segundo o autor,

    por mais que difiram o modo de se realizar as tarefas ou as atividades de trabalho, h uma

    dependncia direta da questo fisiolgica, que so funes do organismo humano, cada

  • 10

    uma dessas funes correspondendo ao uso do crebro, dos nervos, dos msculos, da

    ateno, etc, do homem, no importando a funo ou contedo do trabalho realizado.

    BRAVERMAN (1981) faz uma distino do trabalho humano e do esforo

    dos animais. Para o autor, o homem, diferenciado dos animais irracionais, competente

    para transmitir seu pensamento conceptual s geraes futuras. Dessa forma, o trabalho

    que vai alm da simples atividade instintiva a fora criadora da espcie humana, que

    concebeu o mundo e suas relaes pessoais, sociais, culturais, etc.

    Para RIGOTTO (1995), essa relao de transformao da natureza pelo

    homem e a relao com os outros seres humanos tambm foi possvel graas aos milhares

    de anos de trabalho da espcie humana para a construo de uma sociedade, permitida

    graas evoluo da espcie que possibilitou o desenvolvimento da cincia, tecnologia e

    o domnio da natureza, e que sofreram alteraes ao longo dos anos, adquirindo aspectos

    cada vez mais profundos e sofisticados. Como exemplo desse fato, tem-se a evoluo

    histrica do processo de trabalho que evoluiu do artesanato automao.

    Todos esses recursos intelectuais nem sempre significam apenas

    benefcios. Os avanos tcnicos e intelectuais tambm resultam em determinados

    problemas que ainda precisamos enfrentar, alguns com impactos sobre a sade, a doena,

    a vida e a morte e muitos podendo colocar em dvida o prprio sentido do trabalho

    humano, que pode influenciar diretamente no equilbrio psquico e fsico dos seres

    humanos.

    Alguns desses problemas, relacionados diretamente ao sentido do trabalho,

    se do em funo da separao entre concepo e execuo. Vrios indivduos executam

    um trabalho concebido e determinado por terceiros e cujo controle e ritmo da produo

    so, geralmente, impostos. Essa possibilidade de diviso e dissoluo entre a unidade de

    concepo e execuo uma caracterstica especfica do trabalho do ser humano

    (BRAVERMAN, 1981, grifo nosso).

    O trabalho humano torna-se uma atividade coordenada, realizada e

    desenvolvida por homens e mulheres para resolverem aquilo que no pode ser

    amplamente alcanado atravs da execuo estrita da organizao prescrita do trabalho.

    A atividade recai diretamente sobre a dimenso humana e deve ser constantemente

    arranjada, inovada, imaginada por trabalhadores para darem conta do trabalho real, ou

    seja, uma estratgia de adaptao situao real de trabalho, objeto da prescrio

  • 11

    (GURIN et al. 2001, p. 15). Sem o engajamento da inteligncia humana por parte do

    homem/operrio, qualquer sistema de produo caminharia ao fracasso medida que a

    execuo mecnica estrita das prescries1 conduz ao que conhecido como greve do

    zelo e, nessas condies, nenhum processo de trabalho pode funcionar corretamente

    (DEJOURS, 1994b, p. 43).

    Para GURIN et al. (2001), a palavra trabalho abrange diversas

    realidades. utilizada para designar o resultado do trabalho (trabalho bem ou mal feito),

    as condies de trabalho (trabalho penoso) ou mesmo a prpria atividade de trabalho

    (trabalho meticuloso). Isso, segundo os autores, demonstra sua fundamental unidade. A

    atividade, as condies e o resultado da atividade no existem independentemente uns

    dos outros. O trabalho a unidade dessas trs realidades (GURIN et al., 2001, p.11).

    Nesse sentido, segundo a definio de trabalho por todos os autores acima,

    possvel dizer que o trabalho analisado num contexto especfico, colocado e

    experimentado pelas sociedades atuais, como um esforo traado e coletivo no ambiente

    do mundo industrial e da era da automao.

    Estando o trabalho inserido neste contexto industrial e automatizado,

    ento, sua estruturao encontra-se sob a gide das relaes capitalistas de produo,

    sendo pr-determinado por outros que no o operariado. Essa forma social estabelecida e

    as que podem vir a surgir, dependem da forma como o trabalho foi concebido e da

    importncia dada a este trabalho no processo de relaes sociais de produo. Assim, o

    trabalho como construo social e presente na vida dos homens pode determinar e

    influenciar a sade de homens e mulheres. E sobre isso que discutiremos no prximo

    item.

    2.4 O Contexto do Trabalho Influenciando a Sade

    Os processos humanos biopsquicos sofreram e continuam sofrendo

    mudanas em funo das transformaes sociais ocorridas. Assim, a sade

    transformada e mediada de acordo com a atividade social do trabalho e atravs do

    ambiente criado por esta atividade. Esse fato significa que as condies de sade tambm

    1 Trabalho prescrito ou tarefa, segundo GURIN et al. (2003), aquilo que prescrito pela empresa ao operador. Essa prescrio lhe imposta ela lhe , portanto exterior, determina e constrange sua atividade (GURIN et al. 2003, p. 15).

  • 12

    so processos socialmente produzidos e que as relaes sociais, tornam-se determinantes

    no processo de sade e doena, vida e morte dos indivduos (FACCHINI, 1995).

    Como resultado desse processo socialmente produzido, as doenas mais

    freqentes tm origem no ambiente social. Como o trabalho se encontra neste contexto, a

    compreenso do ambiente de trabalho e do modo como est organizado torna-se,

    evidentemente, muito importante principalmente porque o homem permanece em seu

    trabalho o equivalente a um tero de sua vida ativa, em um ambiente laboral que se

    transforma rapidamente pela aquisio de novas tecnologias (SIVIERI, 1995).

    Autores como MORIN (2001), SATO (1995), GURIN et al. (2001) e

    DEJOURS (1986) concordam entre si quando afirmam que a relao existente entre

    sade e trabalho pode ser tanto positiva quanto negativa, desde que esta relao esteja

    focada no no trabalho em si, mas nas condies e contextos onde ele se d.

    Os efeitos negativos sade, tanto fsica quanto mental, do-se tambm

    porque os contextos de trabalho geralmente desconsideram a variabilidade existente entre

    as pessoas.

    SATO (1995) afirma que a estruturao da sade, inclusive a da sade

    mental dos indivduos, advm da possibilidade dos trabalhadores controlarem os

    contextos de trabalho onde realizam suas tarefas. Isso somente ocorre se estiverem

    presentes no ambiente de trabalho, simultaneamente, o que ela identifica como trs

    requisitos essenciais: a familiaridade, o poder e o limite subjetivo. Para a autora, o poder

    refere-se possibilidade dos indivduos alterarem os contextos de trabalho geradores de

    incmodo que so definidos pela organizao atravs da interferncia no planejamento do

    trabalho; a familiaridade refere-se sua ligao com a tarefa ou seu grau de intimidade e,

    por ltimo, o limite subjetivo, que representa o limite individual e pessoal de cada

    indivduo.

    A ausncia desses trs requisitos faz com que o equilbrio que possibilita

    ao trabalhador exercer o controle sobre os contextos de trabalho no exista, ocasionando

    a chamada Ruptura, cuja expresso se d atravs da manifestao do sofrimento e de

    doenas como as mentais, as psicossomticas e as fsicas, tais como as doenas

    ocupacionais, por exemplo (SATO, 1995).

    O que nos importa saber, por enquanto, que a sade est profundamente

    relacionada com a forma como interagimos com a natureza e organizamos a vida social,

  • 13

    ou seja, o processo de adoecimento no est no homem somente como natureza pura,

    mas como algo tambm produzido socialmente. Hoje esta concepo amplamente aceita

    pelas diversas evidncias acumuladas desde pocas remotas e nos possibilitou

    compreender que entender melhor a causa das doenas ampliou as possibilidades de

    enfrent-las com sucesso, tendo melhores condies de escolher aes, recursos e

    instrumentos para combat-las e preservar melhor a sade (FACCHINI, 1995).

    Nem sempre a identificao das causas de problemas de sade basta para a

    diminuio da ocorrncia desses eventos. Muitas vezes, tais eventos se agravam pela

    intensificao do ritmo de trabalho, pela negligncia das normas de segurana, pelo

    aumento de substncias nocivas presentes no ambiente de trabalho e nas formas de

    organizar o trabalho. So exemplos: as doenas causadas devido exposio a produtos

    qumicos, ps, poeiras, as doenas profissionais e as relacionadas ao trabalho. Estes so

    problemas socialmente produzidos e no podem ser explicados apenas como condio

    individual.

    Para GURIN et al. (2001), as agresses sade no processo de trabalho

    nem sempre so antecedidas por sinais logo visveis aos operrios. Alguns danos no se

    manifestam de modo perceptvel; quando os operadores os percebem atravs de alguns

    sinais de alerta - como dores fsicas - modificada a maneira de exercer sua atividade, de

    modo a mudar seus modos operatrios2, desde que isto lhe seja possvel pela atividade

    exercida. Essas doenas relacionadas ao trabalho podem ser parcialmente causadas por

    ms condies de trabalho e pela falta de adaptao dos modos operatrios, o que pode

    diminuir a capacidade laboral do indivduo caso essas doenas sejam agravadas ou

    aceleradas por exposies no local de trabalho.

    J o trabalho executado por trabalhadores que possuem a liberdade de

    modificar seus prprios objetivos, para atingir as metas organizacionais ou modificar seus

    meios de trabalho, evita agresses diretas sua sade. Em contrapartida, quando os

    operadores no so capazes de agir sobre os meios de trabalho disponibilizados pela

    organizao, encontram-se em situaes sujeitas a constrangimentos no conseguindo, de

    forma alguma, quaisquer que sejam os modos operatrios adotados, atingir as metas

    exigidas, resultando na chamada sobrecarga de trabalho (GURIN et al., 2001).

    2 Por modos operatrios, se entende o modo particular como o operador realiza sua atividade e se relaciona com os objetivos propostos, com os meios que ele dispe para realiz-los, seus resultados e com a organizao do trabalho.

  • 14

    Essa noo de sobrecarga o excesso de carga de trabalho3 da qual dispe

    o operador num dado momento. O aumento da carga de trabalho significa uma

    diminuio do nmero de modos operatrios sendo cada vez menor a quantidade de

    maneiras possveis de se organizar (GURIN et al., 2001). A diminuio da margem de

    manobra adotada pelos trabalhadores acarreta diversos malefcios sade, muitas vezes

    devido negligncia de formatos organizacionais dispensados aos indivduos,

    conseqncia da lgica do lucro, pois o capital tem como finalidade o aumento da

    produtividade e da competitividade.

    durante esta atividade de trabalho que os trabalhadores no apenas

    transformam o objeto, mas transformam a si prprios mediante o modo e a maneira como

    realizam sua atividade. Para FACCHINI (1995), essa subordinao orgnica dos

    indivduos ao trabalho no um ato isolado, isto porque alm de significar uma exigncia

    biolgica importante, exige dos trabalhadores, durante a jornada de trabalho, sua vontade

    orientada a um objetivo que se manifesta como ateno ou estresse. Em vista disso,

    quanto mais desinteressante for o trabalho para o indivduo que o est realizando, muito

    mais elevado ser o grau de ateno dispensado atividade na qual est inserido e,

    conseqentemente, sua tendncia ao cansao fsico e mental ser maior, podendo

    acarretar doenas.

    Para se ter sade, segundo DEJOURS (1986), necessrio que os

    movimentos do corpo fiquem livres, no sendo fixados de modo rgido ou determinado,

    pois, como j dito, o estado de sade est em constante variao. Uma tarefa regular, fixa

    e determinada um exemplo de uma situao imutvel durante todo o tempo, podendo

    causar, a partir disso, impacto negativo aos trabalhadores. Para ele, as variaes e as

    mudanas so as alternativas mais favorveis a um trabalho considerado saudvel.

    Ainda de acordo com o autor, se o trabalho mal organizado pode ser causa

    de sofrimento, sua ausncia tambm pode ser extremamente perigosa. Um exemplo o

    desemprego, quando o fato de no trabalhar e/ou de no possuir ocupao, pode acarretar

    certas doenas e o afastamento social ocasionado pela vergonha de no possuir alguma

    atividade.

    Se o trabalho, da forma como o conhecemos hoje, uma necessidade

    advinda da construo das sociedades, podemos afirmar que as sociedades atuais no

    3 Carga de trabalho neste texto definida como a quantidade de tarefas e objetivos que cada operador deve cumprir.

  • 15

    sobrevivem com a ausncia da sua dinmica. Isso porque a atividade proporciona aos

    homens os meios indispensveis sua sobrevivncia. Assim, para que o trabalho no se

    torne nocivo sade dos trabalhadores necessrio que haja o respeito aos limites da

    condio humana.

    Dessa forma, alguns fatores presentes no trabalho, como carga de trabalho,

    sobrecarga, modos operatrios etc, s se tornam possveis quando este trabalho est

    situado em um determinado contexto. E para que o trabalho esteja organizado nestes

    termos, necessria uma estrutura que possua todos esses elementos e caractersticas.

    Esta estrutura chama-se organizao do trabalho.

    2.5 A Importncia da Organizao do Trabalho na Construo da Sade

    importante ressaltar que, alm da manuteno e agravos ocupacionais

    tradicionais, como as seqelas de acidentes de trabalho, asbestose, intoxicaes,

    dermatoses, surdez ocupacional, entre outros, as mudanas ocorridas na economia

    mundial na ltima dcada, caracterizadas pelo aumento da produo com menor nmero

    de trabalhadores empregados, com automao, terceirizao, precarizao e aumento da

    informalidade, tm causado novos prejuzos sade dos trabalhadores. Vivenciamos

    assim, um aumento de novas doenas relacionadas ao trabalho, como as LER/DORT

    e sofrimento mental e diversos tipos de cncer. Tambm os trabalhadores dos servios

    pblicos, como profissionais da educao, da sade e da segurana pblica tm sido

    alvo de adoecimento pelo trabalho nas ltimas dcadas (3 CNST, 2005).

    Na anlise realizada por DEJOURS (1986), com objetivo de avanar sobre

    as questes da relao entre sade e trabalho, o autor pde constatar que o que importa no

    trabalho em relao ao equilbrio mental e fsico a organizao do trabalho.

    A organizao do trabalho basicamente a diviso das tarefas e dos

    homens. A diviso das tarefas tudo o que prescrito por quem organiza o trabalho e vai

    desde o seu contedo at seu modo operatrio. J a diviso dos homens a colocao de

    cada operrio em uma tarefa determinada pela organizao.

    Para SATO (1995), a crtica organizao do trabalho em relao sade

    e qualidade de vida est presente h muitos anos por meio de estudiosos da rea de sade

    fsica e mental e por socilogos do trabalho. Essa crtica pode ser demonstrada atravs de

    seus efeitos sobre a desqualificao do trabalho, a restrio da criatividade dos

  • 16

    trabalhadores, o aparecimento de doenas mentais e psicossomticas e, enfim, pela

    limitao do controle dos trabalhadores sobre as tarefas.

    Isso se d porque a gerncia das empresas que determina como deve

    acontecer o uso dos instrumentos de trabalho, do mobilirio e do tempo de realizao das

    atividades. As tarefas foram simplificadas para tornar possvel uma maior produo em

    menor tempo e com um ritmo de trabalho que essa gerncia julgou adequado. Gerou-se,

    por conseguinte, um contedo montono e repetitivo que exigia um grupo restrito de

    msculos. Essa restrio muscular, modulada pela freqncia, durao e intensidade pode

    possibilitar o aparecimento das doenas ocupacionais como as Leses por Esforos

    Repetitivos ou Doenas Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho, as LER/DORT, e

    tambm das doenas mentais (CEST, 2000).

    Para o Centro de Estudos em Sade e Trabalho (CEST, 2000), questes

    como a organizao do trabalho, fatores biomecnicos e ambientais destacam-se como

    fatores decisivos para o adoecimento de grande parcela de indivduos, que desenvolvem

    diferentes atividades nas mais diversas categorias.

    A psicopatologia do trabalho tem mostrado que algumas organizaes tm

    gerado efeitos positivos sobre a sade dos funcionrios, graas a certas manobras que

    estas propem. Por outro lado, certas formas de organizao do trabalho levam os

    trabalhadores a construrem defesas psquicas contra o sofrimento no trabalho para que

    possam manter a sua atividade.

    Essas defesas psquicas, conhecidas como sistema defensivo,

    constituem em um mecanismo psicolgico em que o trabalhador desenvolve uma

    proteo, geralmente coletiva, por isso tambm chamado de ideologia defensiva,

    para fazer de conta que o problema no existe, em funo de ter o operrio,

    possivelmente, que conviver com este problema sem, efetivamente, ter condies de

    super-lo. A ideologia defensiva tem por objetivo mascarar, conter e ocultar uma

    ansiedade particularmente grave (DEJOURS, 1992, p. 35).

    DEJOURS (1992), afirma ainda que, aquele que no participa dessa

    estratgia defensiva , cedo ou tarde, excludo do grupo. A ideologia defensiva torna-se

    particularmente obrigatria a um determinado e particular grupo social ou quele grupo

    que constantemente est submetido a riscos reais, sejam de ordem fsica ou psquica, ou

  • 17

    ainda, constrangimentos tidos como vergonhosos. Desta forma, a ideologia defensiva,

    para ser operatria, deve obter a participao de todos os trabalhadores.

    O autor toma como exemplo o caso dos trabalhadores da construo civil

    que trabalham em condies precrias, submetidos constantemente a riscos, incluindo

    os de morte. Se o medo no pudesse ser neutralizado, se aparecesse a qualquer

    momento, durante o trabalho, os trabalhadores no poderiam manter suas atividades por

    muito tempo. Esse mecanismo uma maneira de anular o medo, de modo a no

    provocar o sofrimento no trabalho. importante ressaltar que no caso do trabalho

    parcelado e repetitivo, onde h pouca comunicao entre os operrios, existe uma certa

    dificuldade para que os trabalhadores possam elaborar as estratgias defensivas.

    O sofrimento no trabalho tambm pode ser causado pelas limitaes que

    a atividade de trabalho impe ao desejo do trabalhador (DEJOURS, 1994b). Quando o

    desejo alterado, alm das perturbaes provocadas, h a manifestao do sofrimento e,

    eventualmente, das doenas mentais e fsicas relacionadas ao trabalho. O sofrimento,

    por sua vez, proveniente do bloqueio entre trabalhador e organizao do trabalho, ou

    seja, quando no h possibilidade de rearranjo entre as partes, a energia se acumula no

    aparelho psquico e, sem chances de descarga no exerccio da atividade, gera o

    sentimento de desprazer (DEJOURS, 1986).

    Outro exemplo negativo da organizao do trabalho sobre a sade do

    trabalhador a cultura autoritria, que no oferece sada ao sofrimento mental, podendo

    conduzir a um aumento da carga psquica negativa4 (DEJOURS, 1994b). Tais fatos

    tornam evidente haver organizaes do trabalho que so perigosas para o funcionamento

    mental, enquanto outras no o so.

    Assim como DEJOURS (1994b), SATO (1995) afirma que essa

    conseqncia negativa ou positiva do trabalho deve-se ao contexto em que ele est

    inserido. Se o contexto desconsidera as variabilidades e diversidades, caractersticas

    inerentes aos seres humanos, ento os efeitos sade sero negativos. A autora faz o

    4 DEJOURS (1994b) prope reservar aos elementos afetivos e relacionais da carga mental um referencial especfico denominado carga psquica do trabalho. Para o autor, o rebaixamento de tenso, a descarga da energia pulsional, segundo o modelo freudiano, a origem e a fonte mesma do prazer, isto , do alvio da carga psquica de trabalho. Se o trabalho permite essa descarga ele passa a ser um instrumento de equilbrio para o trabalhador.

  • 18

    agrupamento de algumas das causas no trabalho, que explicam os efeitos sade dos

    indivduos. A primeira causa seria a forma de organizao do trabalho; a segunda seria a

    exposio a produtos qumicos; a terceira estaria vinculada convivncia diria com

    fatores que ameaam a integridade fsica; a quarta seria a repercusso dos acidentes e

    doenas de trabalho na sade mental e a quinta estaria relacionada ao desemprego.

    Quando consideramos apenas a organizao do trabalho e sua relao com

    a sade dos trabalhadores temos necessariamente de nos referir a certos fatores presentes

    na composio das tarefas desses indivduos. Tais fatores seriam o trabalho esttico,

    grande intensidade do ritmo de trabalho, utilizao de movimentos repetitivos, exigncia

    de produtividade, ausncia de controle sobre modo e ritmo de trabalho, ausncia de

    pausas ou mesmo pausas insuficientes, alm de mobilirios e equipamentos

    desconfortveis e incorretos para a execuo das tarefas (CEST, 2000).

    Esses fatores de risco encontrados em algumas tarefas (repetitividade,

    esforo, fora, presso, vibrao, choques, frio etc), vistos independentemente, no so

    responsveis pelas doenas ocupacionais como as LER/DORT, mas a associao de tais

    fatores com as caractersticas moduladoras do trabalho, como freqncia, durao e

    intensidade, que favorece o aparecimento dessas doenas. Ou seja, os elementos

    moduladores, determinados pela organizao do trabalho e relacionados aos fatores de

    risco, elevam as possibilidades de desenvolvimento das doenas ocupacionais.

    O aparecimento dessas doenas pode tambm estar relacionado ao tempo

    insuficiente de recuperao de cada indivduo. Exemplos podem ser vistos em casos cuja

    organizao do trabalho exige alta produo, num determinado perodo de tempo. Os

    funcionrios trabalhariam na capacidade mxima para atingir as metas, descansando de

    forma insuficiente e at mesmo de forma irregular, rejeitando as pausas para continuar

    dentro do padro exigido. Esse tempo de recuperao, to necessrio e, muitas vezes,

    negligenciado, fundamental para o restabelecimento da sade.

    O restabelecimento, porm, individual em vista da peculiaridade de

    cada ser humano. Cada trabalhador utiliza as margens de manobra deixadas pela

    organizao, os meios que lhe foram oferecidos e suas caractersticas pessoais para tentar

    amenizar o sofrimento causado sade, em vista de sua determinao por terceiros.

    Quando a vontade de outros no considera as possibilidades e singularidades de cada

  • 19

    operrio, tem-se o confronto entre o que a organizao permite e as caractersticas

    pessoais de cada indivduo, resultando em efeitos malficos sade.

    Em algumas atividades, um certo grau de liberdade oferecido pelo projeto

    de trabalho permite s pessoas construrem suas aes da maneira que lhes mais

    adequada. Mesmo que o trabalhador sofra constrangimentos em seu trabalho e sob sua

    personalidade, o que acontece com certa freqncia, ele tem a liberdade de construir

    sadas para essas restries e assim poder trabalhar mais tranqilamente. Essa

    possibilidade de encontrar na atividade de trabalho elementos que favoream a

    construo da personalidade de cada um, no est presente em todas as situaes de

    trabalho. Um exemplo o trabalho em linhas de montagem clssica, onde se realiza a

    mesma tarefa, do mesmo modo, o tempo todo. Esse tipo de atividade impossibilita o

    trabalhador manter o ritmo e ao mesmo tempo suas aptides psquicas, limitando-o em

    sua capacidade natural de criar.

    Para DEJOURS (1994a), a impossibilidade dos indivduos inventarem,

    criarem e imaginarem torna o trabalho perigoso ao aparelho psquico, pois no permite

    descarregarem suas tenses na hora de realizar sua atividade. Essa modificao do

    aparelho psquico, causada pela falta de auto-regulao em sua atividade, deve ser

    intensamente compensada, ou ento, tanto sua sade quanto seu convvio social e familiar

    podem ser afetados. Essa compensao pode ser algo que d prazer ao trabalhador como

    uma atividade artstica, o descanso com a famlia ou qualquer atividade que a pessoa

    sinta vontade de realizar.

    De acordo com ROBERTO et al. (2002), h relatos de trabalhadores que

    para suportar as dificuldades encontradas no trabalho entregaram-se ao consumo

    excessivo de drogas, entre elas o lcool. A dureza do trabalho, seus riscos, as

    dificuldades encontradas na execuo, as ms condies de trabalho, a baixa valorizao

    da atividade desenvolvida e at a questo do engajamento com o companheiro, podem

    justificar o uso de drogas.

    Para MORIN (2001), a organizao do trabalho deve oferecer a

    oportunidade e possibilidade de realizar algo que, na concepo dos trabalhadores, tenha

    sentido de praticar e que possibilite desenvolver suas competncias e, sobretudo, de estar

    em consonncia com o progresso de seus desempenhos. A capacidade de uma tarefa de

    trabalho deixar uma boa margem de autonomia e de independncia pessoa, a tal ponto

  • 20

    do trabalhador determinar a maneira de realiz-lo, traz consigo o sentimento de

    responsabilidade pela realizao e pela obteno dos objetivos fixados.

    Uma organizao do trabalho que permite ao indivduo ser o

    administrador de sua atividade oferece ao trabalhador meios para desenvolver sua

    autonomia e seu senso de responsabilidade, o que pode reforar sua competncia e

    eficcia pessoal. Assim, a maneira como o trabalho organizado possui uma parcela de

    responsabilidade na formao da estrutura psquica do trabalhador, sendo, portanto,

    tambm responsvel pela sade ou doena (MORIN, 2001).

    Um exemplo das novas doenas relacionadas ao trabalho a sndrome

    de burnout. Segundo ROBERTO et al. (2002), a sndrome de burnout uma forma de

    adaptao que pode resultar em efeitos negativos tanto para a prpria pessoa quanto

    para seu local de trabalho. conseqncia, de uma tentativa de adaptao prpria das

    pessoas que no dispem de recursos para lidar com o estresse no trabalho. Essa falta de

    habilidade para enfrentar o estresse determinada tanto por fatores pessoais como por

    variveis relativas ao trabalho em si e organizao.

    Caracteriza-se por exausto emocional, despersonalizao e

    autodepreciao. Inicialmente relacionada a profisses ligadas prestao de cuidados e

    assistncia a pessoas, especialmente em situaes economicamente crticas e de

    carncia, a denominao vem sendo estendida a outras profisses, mantendo-se a

    relao com trabalhos que envolvem alto investimento afetivo e pessoal e em que as

    aes de trabalho tm como objeto problemas humanos de alta complexidade e

    determinao fora do alcance do trabalhador como dor, sofrimento, injustia, misria

    (SELIGMANN-SILVA, 1995).

    Outro exemplo so as sndromes ps-traumticas que se referem a

    vivncias de situaes traumticas no ambiente de trabalho, nos ltimos tempos cada

    vez mais freqentes, como por exemplo, o grande nmero de assaltos a agncias

    bancrias com refns.

    Para se obter um trabalho que no seja nocivo sade necessrio, que

    os atores sociais estruturem a organizao do trabalho de forma a permitir uma

    atividade saudvel. O Estado pode contribuir para a sade dos trabalhadores, ao

    promover polticas sociais voltadas sade, emprego, educao, previdncia social,

    entre outras. Mais diretamente, o Estado pode fortalecer as entidades voltadas sade e

  • 21

    incorporar a participao da sociedade neste processo de alterao e preveno de

    agravos sade.

    2.6. O Papel do Estado no Fortalecimento da Sade nos Locais de Trabalho

    Como j dito, alm das doenas ocupacionais tradicionais e dos acidentes

    de trabalho, a adoo de novas tecnologias e mtodos gerenciais nos processos de

    trabalho atuais, tambm esto contribuindo para modificar o perfil da sade,

    adoecimento e sofrimento dos trabalhadores. Assim, as LER/DORT, devido ausncia

    inicial de sintomas, permitem, contrariamente aos acidentes de trabalho, que o indivduo

    continue trabalhando at se tornar totalmente dispensvel para a produo podendo, ser

    substitudo por outro (BRASIL, 2000).

    O Ministrio da Sade tem reconhecido que as doenas geradas por esse

    novo contexto, no so apenas desencadeadas pelos esforos repetitivos, mas por

    presso psicolgica, stress, ausncia de pausas, equipamento e mobilirio inadequados,

    posturas incorretas e solicitaes cumulativas, excessivas e repetitivas ocasionadas por

    ritmo intenso/intensificao do trabalho.

    Com a preocupao de alterar essa situao, o Governo Federal est

    aglutinando a experincia j acumulada em sade e segurana do trabalhador pelos

    Ministrios do Trabalho e Emprego, da Previdncia Social e da Sade, para elaborar a

    proposio de uma Poltica nacional de Segurana e Sade do Trabalhador, para que se

    desenvolvam aes integradas nessa rea, de forma mais racional e universal, com o

    objetivo de propor diretrizes para efetivar a ao articulada dos rgos setoriais do

    Estado, na execuo da poltica definida e para a ampliao e efetivao do controle

    social5. O tema central da Conferncia, que permeou as discusses nas diferentes fases

    da sua realizao, foi: TRABALHAR SIM, ADOECER NO realizada em 24 a 27 de 5 Os Conselhos de Sade e as Comisses Intersetoriais de Sade do Trabalhador so instncias reconhecidas, legalmente constitudas, como modelo de participao e controle social. Garantidas pelo SUS, so canais regulares de acesso da populao geral e da classe trabalhadora, garantindo a consulta pblica sobre questes relevantes, sua discusso, deliberao e encaminhamento para soluo. Seu papel bastante claro e objetivo, transparente na sua atuao, como convm s instncias democrticas. A comear pela anlise e diagnstico da prpria situao do controle social, dos conselhos existentes nos trs nveis de governo, dos modelos adotados pelos diferentes rgos pblicos, das suas interfaces manifestas e das suas decises, da representatividade e vnculo dos conselheiros com as suas bases; e do desenho de planos municipais de sade, atentos realidade local. Este um requisito fundamental sua aprovao pelos Conselhos e conseqente habilitao do Municpio (3 CONFERNCIA NACIONAL DE SADE DO TRABALHADOR - 3 CNST, 2005, p.5).

  • 22

    novembro de 2005 (3 CNST, 2005). O evento teve como inteno pautar uma

    discusso nacional por melhores condies de vida no trabalho e aprofundar com a

    sociedade as questes de sade do trabalhador. Para estimular o debate, foram propostos

    trs eixos temticos: Como garantir a integralidade e a transversalidade da ao do

    Estado em Sade do Trabalhador; Como incorporar a sade dos trabalhadores nas

    polticas de desenvolvimento sustentvel no pas; e Como efetivar e ampliar o controle

    social em sade dos trabalhadores.

    De acordo com POSSAS (1981), em pases onde a ao reivindicatria

    dos trabalhadores e de seus sindicatos forte e efetiva, costuma haver revises das

    normas de tolerncia em relao s condies adversas sade, esperando que os nveis

    no sejam muito altos, competindo aos prprios trabalhadores, atravs de seus

    sindicatos a constatao das conseqncias sobre sua sade com base nas seqelas j

    constatadas

    Um avano importante em sade do trabalhador no Brasil, foi a

    elaborao, pelo Ministrio da Sade, da Lista de Doenas Relacionadas ao Trabalho

    (Portaria MS N. 1.339, de 18 de setembro de 1999) que representou um grande salto para o diagnstico, tratamento e estabelecimento da doenas relacionadas ao trabalho e

    outras providncias decorrentes. Com a finalidade de possibilitar a identificao da

    freqncia e da distribuio desses agravos, a partir de sua real utilizao pela rede de

    servios de sade e tambm por outras entidades, a lista, destinada ao uso clnico e

    epidemiolgico, est dividida em 2 blocos. No primeiro, a publicao apresenta a

    relao de agentes ou fatores de risco de natureza ocupacional, com as respectivas

    doenas que podem estar a elas relacionadas. No segundo bloco, apresenta a relao de

    doenas e de agentes causais relacionados com o trabalho (BRASIL, 2001a).

    No que concerne ao nosso estudo, apresentaremos algumas das Doenas

    Relacionadas ao Trabalho que podem aparecer ou ser identificadas, em anlises

    posteriores como, por exemplo, no estudo de caso. Nos limitaremos, portanto, apenas a

    evidenciar alguns desses transtornos relacionados ao trabalho.

    Lista de Transtornos Mentais e do Comportamento Relacionados com o Trabalho, segundo a Portaria MS N 1339/GM, de 18 de novembro de 1999.

    Demncia e Outras Doenas Especficas Classificadas em Outros Locais Relacionada com o Trabalho .

  • 23

    Delirium, no Sobreposto a Demncia, Relacionado com o Trabalho . Transtorno Cognitivo Leve Relacionado com o Trabalho. Transtorno Orgnico de Personalidade Relacionado com o Trabalho . Transtorno Mental Orgnico ou Sintomtico no Especificado Relacionado com

    o Trabalho. Alcoolismo Crnico Relacionado com o Trabalho. Episdios Depressivos Relacionados com o Trabalho. Transtorno de Estresse Ps-Traumtico Relacionado com o Trabalho. Sndrome de Fadiga Relacionada com o Trabalho. Neurose Profissional. Transtorno do Ciclo Sono-Viglia Relacionado com o Trabalho. Sndrome do Esgotamento Profissional ou Sensao de Estar Acabado

    (Sndrome de Burnout).

    Doenas do Sistema Nervoso Relacionadas com o Trabalho Distrbios do Ciclo Viglia-Sono. Mononeuropatias dos membros superiores. Mononeuropatia do membro inferior.

    Doenas do Sistema Circulatrio Relacionadas com o Trabalho Infarto Agudo do Miocrdio. Arritmias Cardacas.

    Doenas do Sistema Osteomuscular e do Tecido Conjuntivo, Relacionadas com o Trabalho

    Outras artroses. Dor Articular. Sndrome Cervicobraquial. Dorsalgia. Sinovites e Tenossinovites. Transtornos dos Tecidos Moles relacionados com o uso, o uso excessivo e a

    presso, de origem ocupacional. Contratura ou Molstia de Dupuytren. Leses do Ombro. Cotovelo de Tenista; Mialgia.

    Sendo a sade cada vez mais vista como resultado de um processo

    sensvel s condies de vida e de trabalho, compreender quais so as possveis relaes

    entre trabalho e sade em um contexto organizacional torna-se bastante importante.

    Entender as transformaes pelas quais o processo de trabalho vem passando nas ltimas

    dcadas pode nos revelar que tipo de estrutura as organizaes tm adotado para gerir a

    mo-de-obra e como este modo de organizar o trabalho, adaptado a um contexto mais

  • 24

    competitivo, pode contribuir para gerar doenas nos trabalhadores. Assim, o captulo

    seguinte tem como inteno mostrar as transformaes que esto ocorrendo no mundo do

    trabalho atual e que possveis impactos estariam causando sade dos trabalhadores.

  • 3. MUDANAS ATUAIS NA PRODUO E NO TRABALHO

    Os anos do ps-guerra significaram, no contexto mundial, um perodo de

    profundas transformaes sociais, econmicas, polticas e culturais. O mundo do

    trabalho, frente a este cenrio, tambm sofreu intensas mutaes.

    Essas mudanas tambm fizeram com que o capital implementasse um

    processo de reestruturao, visando a recuperao do seu ciclo reprodutivo, adotando

    tambm um modelo6 conhecido como produo enxuta. Este modelo surge como

    uma resposta de algumas empresas no sentido de melhorar sua capacidade competitiva,

    definindo uma nova forma de gerenciar a produo e os trabalhadores.

    3.1 Um Novo Processo de Acumulao: A Acumulao do Tipo Flexvel

    A crise do padro de acumulao taylorista/fordista, que emergiu em fins

    da dcada de 60 e incio de 70, fez com que o capital colocasse em prtica um amplo

    processo de reestruturao, visando a recuperao do seu ciclo reprodutivo. Abandonar

    esse modo de acumulao significou adotar um formato mais flexvel que atendesse

    prontamente as necessidades dos consumidores, sem sobrecarregar as empresas com

    despesas e contrataes. Mas para que fosse possvel a vigncia de um novo regime de

    acumulao, foi necessrio estabelecer mudanas no processo de produo e nas formas

    de organizar o trabalho que possibilitassem atender as necessidades dos mercados

    consumidores.

    Nas palavras de HARVEY (1994) o processo de acumulao flexvel:

    marcado por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padres de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produo inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de servios financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovao comercial, tecnolgica e organizacional (HARVEY, 1994, p.140).

    6 Nesse texto, a palavra modelo est sendo usada como sinnimo de caso ou experincia. Desta forma segundo HIRATA et al. (1991, p.158), no existe um modelo italiano, japons ou sueco, nem um fordismo universal e nico no sentido de uma estrutura industrial nica ou mesmo hegemnica em todos os ramos e regies.

  • 26

    ANTUNES (s.d) define esta forma de acumulao como um padro

    produtivo, organizacional e tecnologicamente avanado, resultado da introduo de

    tcnicas de gesto da fora de trabalho prprias da informtica e tambm da introduo

    dos computadores no processo produtivo e de servios. Ainda segundo o autor, esta fase

    progrediu para uma estrutura produtiva mais flexvel, recorrendo desconcentrao

    produtiva, s empresas terceirizadas, a novas tcnicas de gesto da fora de trabalho, s

    clulas de produo, ao trabalho em equipe, alm de exigir, ao menos no plano

    discursivo, um envolvimento participativo dos trabalhadores.

    ABRAMIDES & CABRAL (2003) tambm definem a reestruturao

    produtiva como um processo baseado no aumento de produtividade, eficincia,

    qualidade, novas formas de tecnologia e de gesto, validando-se por intermdio das

    inovaes tecnolgicas. Desta forma, tem-se que o processo de acumulao flexvel

    acontece de uma reestruturao da produo que impe uma nova forma de gerir a

    produo e conseqentemente a fora de trabalho, atravs de tcnicas de gesto mais

    flexveis e participativas.

    Diante da crise que estava em curso e dos processos para a recuperao do

    capitalismo, o modelo de produo industrial que se desenvolveu no Japo se mostrou

    impactante ao mundo ocidental quando se apresentou como uma alternativa possvel

    superao da crise capitalista (ANTUNES, s.d). Esse sistema, porm, carrega diversas

    contradies em sua gnese, principalmente no que tange sade dos trabalhadores, ao se

    expressar nas novas formas de gesto e controle do trabalho atravs do aumento do

    ritmo de trabalho e da inovao tecnolgica (ABRAMIDES & CABRAL, 2003),

    assuntos que sero analisados em outros captulos.

    Nos prximos itens deste captulo procuramos aprofundar nossa

    compreenso sobre as transformaes desse novo processo de acumulao do capital,

    pautado no modelo da produo enxuta. Isso pressupe compreender a crise estrutural do

    capitalismo no plano mundial, iniciada em meados de 1970 e suas conseqncias para a

    produo e o trabalho.

    3.2 O Contexto de Mudana

    Segundo SMITH (1997), aps a 2 Guerra Mundial, as indstrias

    americanas que estavam baseadas na produo em massa passaram a dominar o mercado

  • 27

    global. Nas principais firmas do setor, operariado e empregadores forjaram acordos que

    davam gerncia a maioria das decises sobre os processos de produo, enquanto aos

    operrios era garantido salrio e emprego.

    A organizao dessa maneira de se produzir, que se baseava na

    hierarquizao, padronizao e rotineirizao, foi essencial para este acordo que exclua

    os trabalhadores da tomada de deciso e autoridade, alm de elevar a produtividade e os

    lucros.

    Ainda segundo essa autora, esse sistema de produo em massa ou

    fordismo, causava nos trabalhadores diversos problemas de ordem psicolgica e

    emocional, resultado da insatisfao, alienao e aborrecimento devido ao tipo de

    trabalho executado.

    Essa forma de organizao em massa se desenvolveu e tomou forma

    primeiramente nos pases capitalistas ocidentais, apresentando diferentes momentos em

    seu desenvolvimento, atingiu sua maturidade no perodo imediato ao ps-guerra,

    persistindo at 1973 (ABRAMIDES & CABRAL, 2003).

    Para ANTUNES (1997), a produo em massa ou fordismo, como forma

    de organizao da produo e do trabalho, surge no incio do sculo XX e se baseava

    fundamentalmente na fabricao de produtos homogneos produzidos na linha de

    montagem, com o controle de tempos e movimentos (desenvolvido por Taylor) e pela

    produo em srie.

    Outra importante caracterstica a separao entre execuo e

    planejamento. A execuo baseia-se, principalmente, na fragmentao das funes

    (trabalho parcelar) e pela construo e consolidao do operrio-massa, enquanto o

    planejamento do trabalho ficava por conta da gerncia. Nesta maneira de se organizar o

    trabalho, estabeleceu-se:

    Um novo sistema de reproduo da fora do trabalho, um novo sistema de controle, de gerncia, uma nova psicologia, um novo tipo de sociedade democrtica, racionalista e capitalista. O consumo em massa, necessrio aos padres de acumulao fordista subsumiu o tempo e o lazer do trabalhador a certo tipo de controle necessrio s expectativas e racionalidade da produo (ABRAMIDES & CABRAL, 2003, p 4).

  • 28

    O modo de produo em massa transcendeu a fbrica e se espalhou por

    todos os outros setores da economia. Contudo, nos anos 70, a lucratividade dessas

    corporaes encontrava-se diante de srios desafios. HARVEY (1994) afirma que o

    perodo de 65 a 73 tornou cada vez mais evidente a falta de capacidade do modelo

    fordista de conter as inerentes contradies do capitalismo. A rigidez do sistema

    dificultava as tentativas de superar a crise e encontrava a oposio da classe trabalhadora,

    dando ao mundo da produo sinais de esgotamento. Primeiro porque os trabalhadores

    no queriam mais se submeter s condies extenuantes de trabalho, segundo porque a

    produo era pouco flexvel. Em outras palavras, se houvesse uma retrao do mercado,

    dificilmente haveria como escoar a produo, o que poderia levar o sistema ao colapso.

    Em vista desses acontecimentos, o esgotamento do padro de produo taylorista/fordista

    se manifesta de vrios modos, como ptios lotados de automveis, retrao do mercado

    consumidor em funo do desemprego estrutural e alta queda nas taxas de lucro

    (ANTUNES, 2005). Em diversos pases os trabalhadores passaram a questionar esta

    indstria concentrada, verticalizada e hierarquizada.

    Apesar da crise, a manifestao de expanso do ps-guerra ainda

    perpetuou por parte dos EUA e da Inglaterra. A deciso da OPEP (Organizao dos

    Pases Exportadores de Petrleo) de aumentar o preo do petrleo e o embargo de sua

    exportao para o Ocidente pelos rabes, durante a guerra rabe-israelense de 1973, teve

    uma importncia fundamental no aprofundamento da crise, medida que os derivados do

    petrleo so partes complementares do automvel e seu preo afeta seu uso.

    De acordo com Centro D`estudis I Recerca Sindicales De La Comissio

    Obrera Nacional De Catalunya (CERES, 1991), o desenvolvimento do setor

    automobilstico foi propiciado por uma fase em que os baixos preos do petrleo

    transformavam o automvel em um meio de transporte barato. Seu aumento poderia ter

    numerosos efeitos, uma vez que o aumento do custo do combustvel poderia afetar e

    reduzir o consumo, no incentivando o uso do automvel. Alm dos efeitos da demanda,

    a alta dos preos tambm teria efeito a longo prazo sobre o nvel de produo. O aumento

    do preo da gasolina e seus derivados acabavam com a confiana em poder contar com

    um meio de transporte barato. No futuro, o custo dos combustveis iria se elevar e isto

    obrigaria a considerar o consumo dos diferentes modelos como um fator importante no

  • 29

    momento de adquirir um veculo, o que aumentava a vantagem dos produtores de

    pequenos veculos, constituindo um elemento central de competitividade.

    Esse fato fez com que todos os segmentos da economia buscassem

    maneiras de economizar energia atravs de mudanas tecnolgicas e organizacionais. Ao

    mesmo tempo, as corporaes se viram diante de um aumento da concorrncia, fazendo

    com que empresas entrassem em uma onda de racionalizao, reestruturao e

    intensificao do controle de trabalho:

    A mudana tecnolgica, a automao, a busca de novas linhas de produto e nichos de mercado, a disperso geogrfica para zonas de controle do trabalho mais fcil, as fuses e medidas para acelerar o tempo de giro do capital passaram ao primeiro plano das estratgias corporativas de sobrevivncia em condies gerais de deflao. [...]. No espao social criado por todas essas oscilaes e incertezas, uma srie de novas experincias nos domnios da organizao industrial e da vida social e poltica comeou a tomar forma. Essas experincias podem representar os primeiros mpetos da passagem para um regime de acumulao inteiramente novo, associado com um sistema de regulamentao poltica e social bem distinta (HARVEY, 1994, p.137-140).

    A economia americana comea a perder o lugar de destaque na economia

    internacional. O Japo, a Europa e os pases em desenvolvimento ampliam a capacidade

    de produzir bens de forma mais competitiva. Isso fez com que tambm as empresas

    americanas buscassem novas alternativas para inovar a linha de seus produtos e de

    produo.

    a partir deste momento, portanto, que as grandes empresas iniciam seu

    processo de reestruturao produtiva, determinando algumas caractersticas que as

    caracterizam como empresas dos nossos dias. Com isso, o processo de trabalho tambm

    sofreu intensas mutaes nos pases considerados de capitalismo avanado com

    repercusses e inflexes diferenciadas a partir da dcada de 90 nos pases industrializados

    e subdesenvolvidos ou chamados de Terceiro Mundo.

    Segundo ANTUNES (s.d), entre as experincias do capital que se

    diferenciavam do taylorismo/fordismo, para superar a crise, estava a experincia do

    toyotismo ou modelo japons que encontrou maior repercusso quando comparado ao

    exemplo sueco, e experincia do norte da Itlia, entre outros.

  • 30

    O xito que alcanaram as empresas japonesas e seus resultados frente

    recesso que afetou a indstria automobilstica mundial despertou um grande interesse

    das principais empresas norte-americanas e europias. A partir de ento, nos anos 80,

    ento, os elementos da produo enxuta tm sido adotados de forma diversa,

    primeiramente nos EUA e Reino Unido (CERES,1991), depois em outros pases.

    3.3 Transformaes no Universo do Trabalho e um Novo Tipo de Empresa

    A principal caracterstica das novas empresas surgidas com a crise de 73

    baseia-se em um novo invento tecnolgico do ps 2a Guerra que revolucionou o mundo

    da produo. Este invento foi a microeletrnica apta a estruturar, atravs do computador,

    empresas em rede e capaz de descentralizar grandes fbricas com milhares de

    trabalhadores e esparram-los em diversas unidades menores interconectadas

    (ANTUNES, 2005).

    O novo invento tecnolgico possibilitou que a ao gerencial mudasse de

    foco, substituindo a idia de tamanho e crescimento pela idia da lucratividade. Com isso,

    houve uma diminuio dos custos organizacionais, proporcionando s empresas uma

    diminuio muito grande no quadro de funcionrios, mantendo a mesma produtividade de

    antes. Esse fato elevou a mo-de-obra excedente (desempregados ou subempregados),

    permitindo a imposio de regimes e contratos de trabalho mais flexveis. Dessa forma,

    todos os trabalhadores, incluindo gerentes e profissionais, experimentaram menor

    segurana no emprego. A reduo do tamanho das empresas permitiu que os gerentes e

    os trabalhadores fossem chamados a trabalhar mais horas em um ritmo bem mais intenso

    (FLIGSTEIN & SHIN, 2003).

    Grandes empresas foram fechadas nos anos 80, trabalhadores

    administrativos foram remanejados e colocados disposio de outras plantas. Este

    processo de desindustrializao, acoplado recesso e falta de uma poltica de

    recuperao do salrio mnimo, comprimiu os salrios para as pessoas de menor nvel de

    qualificao. Isto fez com que o aumento da desigualdade de renda aparecesse e os

    salrios para este grupo no mais melhorassem.

    A nova tendncia do mercado possibilitou reduzir cada vez mais o grupo

    central estratgico ou aquele composto de empregados com funes de gerentes e ainda

    alguns trabalhadores qualificados em tempo integral e com uma posio essencial para o

  • 31

    futuro da organizao (HARVEY, 1994; FLIGSTEIN & SHIN, 2003; MATTOS et al.,

    1995).

    O segundo grupo de trabalhadores foi subdividido entre: a) trabalhadores

    de tempo integral, com funes facilmente disponveis no mercado, como as secretrias,

    pessoal do setor financeiro, trabalhadores manuais menos especializados, entre outros; b)

    empregados em tempo parcial, trabalhadores com contratos de trabalho temporrio,

    terceirizados etc, apresentando uma alta flexibilidade numrica e uma menor segurana

    no emprego.

    Para MATTOS et al. (1995), a tendncia do mercado atual foi aumentar a

    contratao de trabalhadores de grupos perifricos, devido facilidade de demisso e

    diminuio de custos econmicos, e diminuir o grupo central, que requer maiores salrios

    e encargos para as empresas.

    De fato, trata-se de um processo de organizao do trabalho cuja finalidade essencial, real, a da intensificao das condies de explorao da fora de trabalho diminuindo ou mesmo exterminando o trabalho que no cria valor, no produtivo ou suas formas semelhantes, especialmente nas atividades de manuteno, inspeo de qualidade, limpeza, funes que passaram a ser incorporadas ao trabalhador produtivo (ANTUNES, s.d, p.7, grifo do autor).

    ANTUNES (2005) afirma que esta empresa tida como enxuta tem que ser

    flexvel e produzir uma alta gama de produtos que se diferenciem pela variedade de

    acessrios. Essa empresa de novo tipo passou a exigir um novo grupo de trabalhadores.

    Trabalhadores operando em clulas e em grupos, substituindo, a idia de um trabalhador,

    uma mquina. A lgica da produo enxuta produzir o que vendeu e no produzir em

    massa para vender, evitando, assim, caso no haja demanda, que os estoques fiquem

    cheios. Esta lgica transcendeu o mbito da fbrica e se espalhou, assim como na

    produo em massa, por todos os setores da economia.

    Desta maneira, a empresa que nasce na era da reestruturao produtiva

    flexibilizada, desconcentrada, se esparrama pelo mundo, conectada em rede e procura

    trabalhadores mais geis ou multifuncionais e polivalentes, com maior grau de

    escolaridade.

  • 32

    Essas mudanas no mundo do trabalho ocorreram porque a forma como se

    produziam as mercadorias foram alteradas. Muitas empresas preservaram em seu ncleo

    produtivo um nmero muito pequeno de trabalhadores que conhecem bem a vida da

    empresa, fazendo-a funcionar. Quando preciso ampliar a produo, a organizao

    terceiriza a partir de um conhecimento tcnico que este pequeno grupo possui. Mas,

    quando h uma retrao do mercado, a demisso do terceirizado fcil, uma vez que

    possui menos ou at nenhum direito (ANTUNES, 2005). Diante desta perspectiva, as

    empresas passaram a terceirizar, reduzir seus nveis hierrquicos, restringir seus

    oramentos (e, portanto custos), tendo como objetivo o aumento da produtividade e do

    lucro.

    A produo enxuta teve grande impacto nos pases ocidentais quando se

    mostrou uma alternativa recuperao do capital diante da crise do taylorismo/fordismo.

    O sistema industrial japons, a partir dos anos 70, teve grande impacto no mundo ocidental, quando mostrou-se para os pases avanados como uma opo possvel para a superao capitalista da crise. Naturalmente, a "transferibilidade" do toyotismo carecia, para sua implantao no Ocidente, das inevitveis adaptaes s singularidades e particularidades de cada pas. Seu desenho organizacional, seu avano tecnolgico, sua capacidade de extrao intensificada do trabalho, bem como a combinao de trabalho em equipe, os mecanismos de envolvimento, o controle sindical, eram vistos pelos capitais do Ocidente como uma via possvel de superao de sua crise de acumulao. E foi nesta contextualidade que se presenciou a expanso para o Ocidente, da v