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121 * Professor Associado da Faculdade de Comunicação da UFBa. Pesquisador 1 do CNPq. Site: http://www.facom.ufba. br/ciberpesquisa/andrelemos Fotos Glass Earth e At the Edge of Light © Sue Salem Cidade e mobilidade. Telefones celulares, funções pós-massivas e territórios informacionais Resumo Este texto trata da mobilidade social e suas transformações no espaço urbano, provoca- do pelo desenvolvimento dos meios de comunicação decorrentes da própria dinâmica da industrialização e da urbanização da era moderna. As mídias reconfiguram os espaços urbanos, os subúrbios, os centros, dinamizam o transporte público e tornam mais complexo esse organismo-rede que são as cidades. Palavras chave: espaço urbano, mobilidade, tecnologias da comunicação. AbsTRACT is text discusses the social mobility and its changes in the urban space, promoted by the development of communication media resulting from the dynamics of in- dustrialization and from the new era’s urbanization. e media remodels the urban spaces, the suburbs, the centre, give dynamism to pubic transportation and makes these web-organisms, the cities, more complex. Key words: urban space, mobility, communication technology. andré lemos *

LEMOS - Cidade e Mobilidade

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    * Professor Associado da Faculdade de Comunicao da UFBa. Pesquisador 1 do CNPq. Site: http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos

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    Cidade e mobilidade. Telefones celulares, funes ps-massivas e territrios informacionais

    Resumo

    Este texto trata da mobilidade social e suas transformaes no espao urbano, provoca-do pelo desenvolvimento dos meios de comunicao decorrentes da prpria dinmica da industrializao e da urbanizao da era moderna. As mdias reconfiguram os espaos urbanos, os subrbios, os centros, dinamizam o transporte pblico e tornam mais complexo esse organismo-rede que so as cidades.Palavras chave: espao urbano, mobilidade, tecnologias da comunicao.

    AbsTRACT

    This text discusses the social mobility and its changes in the urban space, promoted by the development of communication media resulting from the dynamics of in-dustrialization and from the new eras urbanization. The media remodels the urban spaces, the suburbs, the centre, give dynamism to pubic transportation and makes these web-organisms, the cities, more complex.Key words: urban space, mobility, communication technology.

    a n d r l e m o s *

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    a mobilidade social, a relao com o espao urbano e as formas comu-nicacionais passam por transformaes importantes na atual fase da sociedade da informao. O desenvolvimento dos meios de comunicao se d na prpria dinmica da industrializao e da urbanizao da era moderna. As mdias reconfiguram os espaos urbanos, os subrbios, os centros, dinamizam o transporte pblico e tornam mais complexo esse organismo-rede que so as cidades. Mobilidade e cidade so indissociveis. Essa relao uma constante, mas novas dimenses emergem com as novas tecnologias digitais e as redes te-lemticas. O objetivo desse artigo discutir a relao entre processos miditicos e as cidades, dando nfase aos novos processos comunicacionais em jogo com a cibercultura que chamamos de funes ps-massivas. Mostraremos como as formas sociais emergentes dessas mdias de funo ps-massiva, aliadas s tec-nologias mveis (dispositivos e redes de comunicao como palms, laptops, GPS, celulares, etiquetas RFID, Wi-Fi, bluetooth), criam novos processos de controle informacional do espao, em novos territrios, os territrios informacionais.

    CIDADe e mobILIDADeA evoluo das cidades ocorreu pela constituio de diversas formas de mobili-dade por redes materiais e espirituais como definiu Saint Simon no sculo XIX (Musso, 1997; 2003). Trata-se de mobilidade por redes de transporte (de matria e corpos em movimento), por redes de comunicao (difundindo para l e para c informaes sobre os mais diversos formatos: cartas, telgrafo, telefone, te-leviso, rdio), mobilidade dos fluxos financeiros (vistos por Saint Simon como uma seiva que alimentaria o organismo-rede das cidades). As cidades e os processos miditicos que lhe so correlatos e estruturantes, como o jornalismo e depois as mdias audiovisuais, so desde sempre fluxo, troca, deslocamento, desenraizamento e desterritorializaes (das relaes sociais, das informaes e dos territrios). A cidade constitui-se, historicamente, como lugar de mobilidade e fixao, desde as primeiras organizaes sociais que se formaram como lugar de culto aos mortos, as necrpoles (Mumford, 1998). Como afirmam Urry e Sheller, cities are mobile and places of mobility (Urry & Sheller, 2006, p.1).

    As cidades se desenvolvem como sociedades em rede (fsica, simblica, cultural, poltica, imaginria, econmica). A particularidade contempornea a hegemonia de um conjunto de redes, as redes telemticas, que passam a integrar, e mesmo a comandar (ciberntica), as diversas redes que constituem o espao urbano e as diversas formas de vnculo social que da emergem. O processo de complexificao do organismo-rede, continua com as metrpoles cibernticas contemporneas, as cibercidades (Lemos, 2004; 2005; 2007). Estas podem ser definidas como cidades onde as infra-estruturas de comunicao e informao

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    j so uma realidade e as prticas da advindas formam uma nova urbanidade. Essa urbanidade chamamos em outro lugar de ciberurbe (Lemos, 2005).

    Devemos ento reconhecer a instaurao de uma dinmica que faz com que o espao e as prticas sociais sejam reconfigurados com a emergncia das novas tecnologias de comunicaes e das redes telemticas. As cibercidades podem ser pensadas como formas emergentes do urbano na era da informao. O desafio criar maneiras efetivas de comunicao e de reapropriao do espao fsico, reaquecer o espao pblico, favorecer a apropriao social das novas tecnologias de comunicao e informao e fortalecer a democracia contempornea.

    Hoje, as tecnologias sem fio esto transformando as relaes entre pessoas, espaos urbanos, criando novas formas de mobilidade. As cibercidades passam a ser unwired cities (Towsend, 2003). Estas entram na era da computao ubqua, intrusiva (pervasive computing) a partir de dispositivos e redes como os celula-res 3G, GPS, palms, etiquetas RFID, e as redes Wi-Fi, Wi-Max, bluetooth1. Estas metrpoles esto se tornando cidades desplugadas, um ambiente generalizado de conexo, envolvendo o usurio em plena mobilidade, interligando mquinas, pessoas e objetos urbanos. Nas cidades contemporneas, os tradicionais espaos de lugar (Castells, 1996) esto, pouco a pouco, se transformando em ambiente generalizado de acesso e controle da informao por redes telemticas sem fio, criando zonas de conexo permanente, ubquas, os territrios informacionais.

    Na atual fase da mobilidade e das redes sem fio, estamos imersos no que alguns autores identificam como uma nova relao com o tempo, com o espao e com os diversos territrios. Trata-se de formas de compresso espao-temporal (Harvey, 1992), de desencaixe (Giddens, 1991), de desterritorializao (Deleuze, 1980), de espaos lquidos (Bauman, 2001), de novos nomadismos (Maffesoli, 1997). Aqui entram em jogo crises de fronteiras: do sujeito, da identidade, do espao geogrfico, da cultura, da poltica, da economia. A sensao, na globa-lizao atual, de perdas de fronteiras, de desterritorializao, mas tambm de novas territorializaes. Discutimos essa questo anteriormente (Lemos, 2006), mostrando como se desenvolvem processos de territorializao e de desterritorializao com tecnologias mveis.

    Como nos ensina Lefebvre (1970, 1986), o urbano a alma das cidades e uma nova cidade institui por sua vez uma nova urbanidade. Assim sendo, podemos dizer que a nova forma fsica das cidades, a cibercidade, institui uma nova alma dessa cidade, o novo urbano, a ciberurbe2. A cibercidade alimenta e cria a ciberurbe, que por sua vez alimenta e cria a cibercidade; como a di-nmica do virtual e do atual constitui a realidade (Lvy, 1995; Shields, 2003). Qual a caracterstica das novas formas miditicas emergentes com a mobilidade telemtica das cibercidades contemporneas?

    1. Ver os sites Carnet de Notes (http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/an-drelemos/), MuniWireless (http://www.muniwireless.com/, Wi-Fi Net News, WNN (http://wifinetnews.com/), Smart Mobs (http://www.smartmobs.com/), Observatrio das Cibercidades (http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/cibercida-des/disciplinas/), Mobile Communication (http://mobilesociety.ning.com/), Urban Tapestries (http://urbantapestries.net/we-blog/), entre outros, para informaes atualizadas sobre projetos envolvendo diversas cidades e redes sem fio ao redor do mundo.

    2. Lembramos, de passagem, que a urbe era o lugar ritualstico de onde surgia uma cidade (dos heris fundadores), lugar de culto que devia ser protegido a toda prova da tomada por invasores. Tomar a urbe era conquistar a alma da cidade; logo conquista-la definitivamente.

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    mobILIDADe e mDIAs De FuNes Ps-mAssIVAsA relao entre mdias de massa e cidades surge a partir do sculo XVI com a formao da opinio, do pblico, primeiro pela imprensa e, mais tarde, com os meios audiovisuais como o rdio e a televiso. Como diz Gabriel de Tarde em relao ao jornalismo e formao do pblico: O pblico s pde comear a nascer aps o primeiro grande desenvolvimento da inveno da imprensa, no sculo XVI. O transporte da fora a distncia no nada, comparado a esse transporte do pensamento a distncia (Tarde, 2005: 10). O transporte distncia do pensamento e da fora, que vo criar as redes das primeiras cidades modernas, vo ganhar novas dimenses nos sculos XIX com a re-voluo industrial e as mdias de funo massiva, e no final do sculo XX e incio desse sculo XXI, com a era ps-industrial e a emergncia de processos comunicativos com funes ps-massivas.

    Se na cidade industrial os meios de massa configuram o espao urbano (a impressa, o rdio, o telefone e a televiso foram e ainda so fundamentais para definir relaes de trabalho, de moradia, a constituio dos subrbios e enclaves urbanos), na cibercidade contempornea estamos vendo se desenvolver uma relao estreita entre mdias com funes massivas (as clssicas como o impresso, o rdio e a TV), e as mdias digitais com novas funes que cha-maremos aqui de ps-massivas (internet, e suas diversas ferramentas como blogs, wikis, podcasts, redes P2P, softwares sociais, e os telefones celulares com mltiplas funes). A evoluo do binmio cidade-comunicao acompanha o desenvolvimento das tecnologias de comunicao. Se as cidades da era industrial constituem sua urbanidade a partir do papel social e poltico das mdias de massa, as cibercidades contemporneas esto constituindo sua urbanidade a partir de uma interao intensa (e tensa) entre mdias de funo massiva e as novas mdias de funo ps-massiva.

    O que so funes massivas e ps-massivas? Por funo massiva compre-endemos um fluxo centralizado de informao, com o controle editorial do plo da emisso, por grandes empresas em processo de competio entre si, j que so financiadas pela publicidade. Busca-se, para manter as verbas publicitrias, sempre o hit, o sucesso de massa, que resultar em mais verbas publicitrias e maior lucro. As mdias de funo massiva so centradas, na maioria dos casos, em um territrio geogrfico nacional ou local. As mdias e as funes massivas tm o seu (importante) papel social e poltico na formao do pblico e da opinio pblica na modernidade. As funes massivas so aquelas dirigidas para a massa, ou seja, para pessoas que no se conhecem, que no esto juntas espacialmente e que assim tm pouca possibilidade de interagir. No h estrutura organizacional nas massas, tampouco tradio, regras. Segundo Ortega y Gasset (1962), a massa

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    composta pelo homem mdio, diferente do homem culto humanista. E para Simmel, as aes da massa apontam diretamente para o objetivo e procuram alcan-lo pelo caminho mais rpido: este faz com que elas sejam sempre domina-das por uma nica idia, a mais simples possvel (Simmel apud Wolf, 2005: 7).

    As mdias de funo ps-massiva, por sua vez, funcionam a partir de redes telemticas em que qualquer um pode produzir informao, liberando o plo da emisso, sem necessariamente haver empresas e conglomerados econmicos por trs. As funes ps-massivas no competem entre si por verbas publicit-rias e no esto centradas sobre um territrio especfico, mas virtualmente sobre o planeta. O produto personalizvel e, na maioria das vezes, insiste em fluxos comunicacionais bi-direcionais (todos-todos), diferente do fluxo unidirecional (um-todos) das mdias de funo massiva. As mdias de funo ps-massiva agem no por hits, mas por nichos, criando o que Chris Anderson (2006) chamou de longa cauda, ou seja, a possibilidade de oferta de inmeros pro-dutos que so para poucos, mas que pela estrutura mesma da rede, se mantm disponveis. Dessa forma, um autor no precisa necessariamente passar para uma grande produtora de hits para viver de sua obra. Com novas ferramentas de funes ps-massivas, ele pode dominar, em tese, todo o processo criativo, criando sua comunidade de usurios, estabelecendo vnculos abertos entre eles, neutralizando a intermediao e interagindo diretamente com um mercado de nichos. Experincias na internet com blogs, gravadoras e msicos, softwares livres, podcasting, wikis, entre outras, mostram o potencial das mdias de funo ps-massivas. Essas vo insistir em trs princpios fundamentais da cibercul-tura: a liberao da emisso, a conexo generalizada e a reconfigurao das instituies e da indstria cultural de massa (Lemos, 2004, 2005).

    Mais do que informativas, como as mdias de massa, as mdias ps-massivas vo criar processos mais comunicativos, por troca bidirecional de mensagens e informaes entre conscincias. Novas ferramentas comunicacionais com fun-es no massivas, como os blogs, os podcasts, os wikis, os fruns de discusso, os softwares sociais, no funcionam pela centralizao da informao, no esto necessariamente ligados a empresas de comunicao, no se limitam a apenas en-viar informao, no esto necessariamente ligados publicidade e ao marketing que pagam as emisses, no so concesses do Estado e no se limitam a uma cobertura geogrfica precisa. Diferentemente dos meios de massa, os meios de funo ps-massiva permitem a personalizao, a publicao e a disseminao de informao de forma no controlada por empresas ou por concesses de Estado. As ferramentas com funes ps-massivas insistem em processos de conversao, de interaes, de comunicao, em seu sentido mais nobre, tendo a uma importante dimenso poltica, como veremos mais adiante.

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    No entanto, devemos pensar em termos de funo e no de dispositivo, j que as funes massivas e ps-massivas esto presentes tanto nas mdias analgicas como nas digitais. Por exemplo, um grande portal na internet ou um grande site de busca ou jornalstico tenta desempenhar funes massivas, enquanto que mdias analgicas como fanzines, flyers e rdios comunitrias, buscam desempenhar funes ps-massivas, de nicho. Conseqentemente, temos hoje um enriquecimento da paisagem comunicacional pela oferta de mais opes de acesso, de emisso livre e de circulao em redes planetria.

    Hoje convivem, em permanente tenso, mdias desempenhando papis massivos e ps-massivos, reconfigurando a indstria cultural e as cidades contemporneas. Conseqentemente, blogs surgem com funes ps-massivas e tencionam publicaes massivas, como as empresas jornalsticas. Essas, por sua vez, contratam blogueiros e, enquanto publicaes mediadas por profissionais (jornalistas), podem aferir e criticar o jornalismo cidado ps-massivo, por exemplo. Funes massivas existem na internet e nas novas mdias digitais, como nos grandes portais jornalsticos, nos grandes hubs que concentram o acesso na rede (Barabsi, 2003), nos rdios, nos jornais e na TV que veiculam seus programas (massivos) pela grande rede. Da mesma forma, funes ps-massivas j aparecem nos rdios, na TV e nas publi-caes impressas com as aes para nichos, como as rdios por satlite, a TV paga, as publicaes impressas para pblicos especficos, embora a estrutura empresarial, nesses casos, continue a mesma das mdias de funes unicamente massivas.

    Devemos pensar no em dualismos simplrios, mas em reconfigurao de sistemas. Podemos dizer, por exemplo, que a internet uma ambiente miditico onde existem funes massivas (a TV pela Web, os grandes portais ou mquinas de busca) e ps-massivas (blogs, wikis, podcasts). A TV tem funes de massa (TV aberta) e ps-massiva, ou de nicho (como os canais pagos). Essa nova con-figurao comunicacional, mais rica, j que nos oferece cada vez mais funes massivas e ps-massivas, vai causar uma crise e alguns impactos importantes para a configurao das novas relaes sociais e comunicacionais (crise do copyright, jornalismo cidado, softwares livres, trocas de arquivos em redes P2P etc.). A cultura ps-massiva das redes, em expanso, mostra os impactos scio-culturais das tecnologias digitais em um territrio eletrnico mvel em crescimento planetrio. A cibercultura instaura assim uma estrutura miditica mpar (com funes massivas e ps-massivas) na histria da humanidade onde, pela primeira vez, qualquer indivduo pode produzir e publicar informao em tempo real, sob diversos formatos e modulaes, adicionar e colaborar em rede com outros, reconfigurando a indstria cultural (Lemos, 2003).

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    Vrios analistas mostram que h hoje uma crise no modelo produtivo e econmico da indstria cultural massiva, embora isso no signifique neces-sariamente a sua aniquilao. H, portanto, reconfigurao e remediao (Bolter & Grusin, 2000). Jornais fazendo uso de blogs (uma reconfigurao em relao aos blogs e aos jornais) e de podcasts. Podcasts emulam programas de rdio e rdios editam suas emisses em podcasts. A televiso faz referncia internet, a internet remete televiso. A televiso usa promoes via celulares e SMS e os celulares veiculam, em alguns pases, trechos de emisses da TV. Os autores americanos Bolter e Grusin (2000) vo chamar esta reconfigurao de remediao (remediation). Trata-se efetivamente de remediaes na esfera das mdias, mas tambm de reconfiguraes de prticas sociais e de instituies (or-ganizaes, leis). Temos hoje o modelo de funes massivas da indstria cultural dos sculos XVIII a XX e o modelo de funes ps-massivas, caracterizado pelas mdias digitais, as redes telemticas e os diversos processos recombinantes de contedo informacional emergentes a partir da dcada de 1970.

    O que interessa agora pensar as funes ps-massivas de emisso e re-cepo da informao em mobilidade para compreendermos o que est em jogo com os dispositivos mveis digitais nas cidades. Devemos ento compreender a cibercidade, a ciberurbe e a mobilidade informacional dentro desse novo quadro miditico. Se eram raras as formas de emisso e circulao de informao nas cidades da mdia de massa (era possvel circular fanzines, criar uma rdio pirata ou de bairro, mas com limitaes claras de acesso e de produo), eram ainda mais raras as possibilidade de emisso e circulao de informao pelo indiv-duo em movimento. O cidado da cidade industrial pode receber informaes massivas, mas no tem muita mobilidade para produzir e enviar informaes. Da mesma maneira, as formas de comunicao interpessoal estavam limitadas ao confinamento (casa, escritrio, fbrica), ou a aparelhos pblicos (orelhes) ou rdio amador (faixa cidado) que j refletiam esse desejo de uma comunicao instantnea, mvel e ubqua.

    Na comunicao massiva, o sujeito pode escolher como e que tipo de informao receber, mas no pode dialogar j que tem pouca possibilidade de emisso e de circulao de informao. Na maioria dos casos, o acesso infor-mao acontece por dispositivos (TV, rdio) em espaos privados (carro, casa, escritrio), com exceo do meio impresso, que permite a leitura em movimento, como os jornais e revistas, e do rdio, que permite a portabilidade e o acesso em movimento. No entanto, no h possibilidade de emisso da informao. A atual configurao comunicacional nos coloca em meio a novos processos ps-massivos que vo permitir emitir, circular e se mover ao mesmo tempo. A mobilidade informacional o diferencial atual.

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    O desenvolvimento da computao mvel e das novas tecnologias sem fio (laptops, palms, celulares) estabelece, no comeo do sculo XXI, a passagem do acesso por ponto de presena (internet fixa por cabos), ao ambiente generalizado de conexo (internet mvel sem fio, telefones celulares, redes bluetooth e etiquetas de radiofreqncia, RFID), que envolvem o usurio, em plena mobilidade. As cibercidades da cibercultura esto se constituindo hoje como ambientes generalizados de acesso pessoal e mvel informao, cons-tituindo um territrio informacional.

    Cria-se nas cidades contemporneas zonas de controle de emisso e re-cepo de informao digital do indivduo, em mobilidade e no espao pbli-co, potencializando novas prticas sociais: contato pelo tempo real e o acesso informacional (e no pelo espao compartilhado entre corpos, tempo fluido fora da agenda fechada), banalizao das conexes (relaes empticas, no solenes, laicas), formas novas de reforo identitrio e social, e novos tipos de auto-exposio (YouTube, blogs, Flickr, Orkut). As cibercidades contemporneas tornam-se mquinas de comunicar a partir de novas formas de apropriao do espao urbano escrever e ler o espao de forma eletrnica por funes locativas (mapping, geolocalizao, smart mobs, anotaes urbanas, wireless games), trazendo novas dimenses do uso e da criao de sentido nos espaos urbanos. Emergem, tambm, novas formas de controle e vigilncia nos terri-trios informacionais.

    TeRRITRIos INFoRmACIoNAIsPor territrios informacionais compreendemos reas de controle do fluxo in-formacional digital em uma zona de interseco entre o ciberespao e o espao urbano. O acesso e o controle informacional realizam-se a partir de dispositivos mveis e redes sem fio. O territrio informacional no o ciberespao, mas o espao movente, hbrido, formado pela relao entre o espao eletrnico e o espao fsico. Por exemplo, o lugar de acesso sem fio em um parque por redes Wi-Fi um territrio informacional, distinto do espao fsico parque e do espao eletrnico internet. Ao acessar a internet por essa rede Wi-Fi, o usurio est em um territrio informacional imbricado no territrio fsico (e poltico, cultura, imaginrio, etc.) do parque, e no espao das redes telemticas.

    O territrio informacional cria um lugar, dependente dos espaos fsi-co e eletrnico a que ele se vincula. O territrio informacional assim uma heterotopia (Foucault, 1984). O lugar se configura por atividades sociais que criam pertencimentos (simblico, econmico, afetivo, informacional). O lugar a fixao enquanto que o espao a abertura (Tuan, 2003), j que precisa de tempo e de experincia para se constituir. Alain Bourdin mostra que o vnculo

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    social se d na construo de um territrio de pertena, de um espao fundador. Todo grupo social , por princpio, associado a um territrio, fundando o lugar em relao generalidade do espao. O local

    fundador da relao com o mundo do indivduo, mas igualmente da relao com o outro, da construo comum do sentido que faz o vnculo social. Sua irredutibilidade se funda numa diferenciao radical entre a co-presena e a comunicao atravs dos dispositivos e artefatos... (Bourdin, 2001: 36).

    Muniz Sodr (1988) chama ateno para as idias de territrio e lugar mostrando que na filosofia antiga, em Aristteles (na Fsica), no h uma idia de espao, mas de topus, ou seja, do lugar marcado pelo corpo. Da mesma forma, para Martin Heidegger (1964), o lugar (habitado) construdo, como o modo de ser do homem no mundo. O espao um abstractum enquanto que o lugar um topos. O territrio funda um lugar. A idia de territrio informacional est vinculada a essa forma identitria, criando um lugar informacional que se diferencia do espao abstrato. Uma zona Wi-Fi em uma praa, por exem-plo, um lugar social onde se apresenta uma heterotopia de acesso/controle informacional.

    Todo territrio um lugar social de controle de fronteiras, j que la sobe-rana se ejerce en los limites de un territorio (Foucault, 2006: 27). Os territrios informacionais so lugares onde se exercem controles do fluxo de informao na ciberurbe marcada pela imbricao dos espaos eletrnico e fsico. Beslay e Hakala, por exemplo, usam a imagem da bolha para definir esse digital territory. Pensar em termos de territrio digital permite visualizar a fronteira do fluxo informacional e nos coloca questes polticas relativas privacidade, ao controle e vigilncia.

    A bubble is a temporary defined space that can be used to limit the infor-mation coming into and leaving the bubble in the digital domain. () The vision of the bubble is defined to gather together all the interfaces, formats and agreements etc. needed for the management of personal, group and public data and informational interactions (Beslay e Hakala, 2005).

    Assim, as redes telemticas planetrias de informao, em relao concreta com os espaos urbanos, constituem novos territrios informacionais. Esses se caracterizam como o interstcio, como a interface das redes telemticas e das redes fsicas das cidades e seus espaos de lugar (Castells, 1996) rua, cafs, restaurantes, pontos de nibus, metrs, hotis, praas, etc., criando um

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    ambiente generalizado de acesso onde qualquer pessoa pode, dentro do seu territrio informacional constitudo atravs de suas senhas de acesso, enviar e receber informaes multimodais, em mobilidade. Redes de internet sem fio Wi-Fi e Wi-Max, redes bluetooth e RFID de curto alcance, redes de telefonia celular (GSM, CDMA, EDGE) espalham-se pelo mundo e diversas cidades esto hoje implementando e ampliando os territrios informacionais. Esse desenvolvimento hoje a ponta de lana de implementao tanto de redes como de dispositivos para uso nas metrpoles e no meio rural.

    Trata-se ento de uma nova forma de mobilidade: a mobilidade por fluxos de informao, por territrios informacionais, que altera e modifica a mobili-dade pelos espaos fsicos da cidade, como a possibilidade de acesso, produo e circulao de informao em tempo real. Por exemplo, o uso de celulares e sistemas de localizao pode mudar a prtica do uso do transporte urbano. Com um telefone celular, o usurio pode se informar, em tempo real, sobre o horrio da passagem de um nibus, podendo alterar a forma de espera, e criar novas dinmicas de movimento no espao fsico ao redor dessa atividade social. Assim, mobilidades informacionais criam gestes fluidas do tempo e, conseqentemente, do espao. No h descolamento entre os espaos e as cor-relatas mobilidades, mas a interseco entre espao eletrnico e espao fsico, criando os territrios informacionais.

    Manuel Castells, em recente artigo publicado no Le Monde Diplomatique3 mostra que a dinmica dos trs princpios da cibercultura (emisso, conexo e reconfigurao), pode modificar a prtica poltica e as relaes sociais em meio s novas tecnologias da mobilidade. Para Castells, h uma falta de le-gitimidade da poltica comandada pelos meios de massa. Hoje, com novas as formas de publicizao da informao, que o autor espanhol chama de mass self communication, ou a comunicao de massa pessoal, novas formas polticas e sociais emergem. As novas funes ps-massivas constituem uma cultura da mobilidade indita, com implicaes sociais, estticas, comunicacionais e polticas planetrias. Para Castells (2006), essa nova forma de comunicao

    est presente na internet e tambm no desenvolvimento dos telefones celulares. Estima-se que haja atualmente mais de um bilho de usurios de internet e cerca de dois bilhes de linhas de telefone celular. Dois teros da populao do planeta podem se comunicar graas aos telefones celulares, inclusive em lugares onde no h energia eltrica nem linhas de telefone fixo.

    O que constitui essa nova prtica da comunicao de massa pessoal o controle individual e a partilha coletiva da informao em mobilidade com

    3. agosto 2006, in http://diplo.uol.com.

    br/2006-08,a1379

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    alcance planetrio e a difuso imediata. Esses novos formatos miditicos podem criar novas prticas da poltica j que os indivduos estariam aptos a realizar uma rebelio crtica. H possibilidades reais que eles comecem a agir sobre a grande mdia, a controlar as informaes, a desmenti-las e at mesmo a produzi-las (idem). O fenmeno das mobilizaes sociais para coordenar atividades corriqueiras e polticas via dispositivos mveis, que Rheingold (2004) chama de smart mobs visto por Castells como um fenmeno decisivo:

    essa onda mobilizadora, apoiada por redes de comunicao entre telefones celulares obteve efeitos impressionantes na Coria do Sul, nas Filipinas, na Ucrnia, na Tailndia, no Nepal, no Equador, na Frana... Pode obter um efeito imediato, como em abril passado na Tailndia, com a destituio do primeiro-ministro Thaksin Shinawatra pelo rei Bhumibol Adulyadej. Ou na Espanha, com a derrota, nas eleies legislativas em maro de 2004, do Partido Popular de Jos Maria Aznar.

    Castells compreende bem o que chamei mais acima de reconfigurao. No se trata de uma oposio simplria entre o poder das mdias massivas e a rebelio associada aos movimentos sociais por meio dos novos dispositivos de comunicao ps-massivos, mas de uma mudana nas prticas sociais e comunicacionais que oferecem sociedade maior capacidade de controle e interveno, alm de maior organizao poltica queles que no fazem parte do sistema tradicional (idem).

    Dentre as tecnologias mveis, o telefone celular tem sido o dispositivo maior da convergncia tecnolgica e da possibilidade de exerccio efetivo dessa rebelio poltica, mas tambm de constituio de relaes sociais por contato imediato, seja atravs de voz, SMS, fotos ou vdeos.

    TeLeFoNe CeLuLAR e esPAo uRbANoExperincias mostram a redefinio dos espaos urbanos pelas tecnologias informacionais em vrias cidades do mundo com aes as mais diversas atravs de telefones celulares, palms e laptops, desde pagamentos de estacionamento, contas, passando pelo acesso a informaes locativas para saber a progra-mao de um teatro, ou a histria de um monumento, at o acesso ao menu de um restaurante, ou as impresses de seus usurios apenas passando por esses lugares com os dispositivos ativados.

    A ciberurbe, a alma virtual das cibercidades, configura-se, cada vez mais, por prticas sociais que emergem dessa mobilidade informacional digital (trocas de SMS, comutadores e trabalhadores nmades, ocupaes de espaos urbanos conectados, jogos por dispositivos mveis em mobilidade no espao urbano,

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    anotaes eletrnicas digitais, mobile blogs, trocas de textos, vdeos e fotos por celulares). Um exemplo interessante desse novo nomadismo por redes sem fio e tecnologias portteis o fenmeno que vm sendo chamado, em So Francisco, de Bedunos high-tech. Sabemos que os Bedunos so povos nmades originrios da pennsula arbica e que vagam hoje pela frica do norte. So nmades, mas possuem um territrio, j que, como diz Deleuze, eles seguem trajetos costu-meiros, passando de ponto a ponto (por exemplo uma fonte de gua). Mas os pontos s existem para serem abandonados, e o que vale o que est entre os pontos. Por isso Deleuze mostra que a vida do nmade o intermezzo.

    Os novos nmades high-tech surgem, buscando passar de ponto de aces-so a ponto de acesso. Agora o ponto de parada no a fonte de gua, mas o coffee shop ou sua zona de conexo sem fio ao ciberespao no espao urbano pblico. O territrio do Beduno high-tech no o deserto, mas o territrio informacional criado pela interseco do espao fsico com o ciberespao nas metrpoles contemporneas. Eles trabalham e vivem de conexo wireless em conexo wireless. Os novos bedunos, munidos de tecnologias sem fio como laptops Wi-Fi e smart phones, aliam mobilidade fsica no espao pblico com a mobilidade informacional pelo ciberespao, redimensionando as prticas e a constituio do (no) espao fsico. O seu objetivo no o intermezzo, o que fica entre os pontos, no abandonar os lugares, mas buscar o seu territrio informacional de onde ele se conecta rede. Fisicamente ele se desloca entre pontos para, eletronicamente, poder passear pelo ciberespao4.

    Vrios projetos com tecnologias mveis tm colocado em jogo a relao de apropriao do espao pblico. Vou mostrar alguns exemplos. Trata-se, como venho insistindo, em formas de apropriao dos espaos das cidades por intermdio de dispositivos mveis, criando territrios informacionais onde os usurios podem reconhecer outros usurios, anotar eletronicamente um espao, deixando sua marca com um texto, uma foto, um som ou um vdeo, localizar ou mapear percursos ou objetos urbanos, ou mesmo jogar, tendo como pano de fundo ruas, praas e monumentos do espao urbano.

    O projeto mobotag. connecting your city with mobile tags5, por exemplo, permite que por envio de e-mail qualquer pessoa possa anexar informao a um espao urbano. Trata-se de apropriao do espao por "anotao eletrnica", criando um "lugar", no meio do "vazio" de sentido do espao urbano. Como diz o projeto: Tag any street address in NYC with your mobile phone!. Send a text message to [email protected] with your address. Add tag with picture, text, video, or sound". Aqui as prticas de anotao das mdias locativas so muito prximas daquilo que os surrealistas, dadastas e situacionistas buscavam pela deriva e pela ocupao de espaos das cidades nas dcadas de 1950 e 1960. Eles

    4. (Para mais sobre os Bedunos de So Francisco,

    vejam a matria do San Francisco Chronicle:

    Where neo-nomads ideas percolate / New bedouins

    transform a laptop, cell phone and coffeehouse into

    their office http://www.sfgate.com/cgi-bin/article.

    cgi?f=/c/a/2007/03/11/BEDOUINS.TMP. Vejam tambm sobre esse tema

    o projeto da mochila do Beduno, a Wi-Fi

    Bedouin http://www.techkwondo.com/projects/

    bedouin/index.html.

    5. http://turbulence.org/Works/mobotag/

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    realizavam pequenas performances (como leituras, por exemplo), transforman-do o andar no espao pblico em uma arte. Essas prticas, como as atuais com celulares, laptops, GPS ou etiquetas RFID, buscam criar formas de apropriao dos espaos das cidades, cada vez mais impessoal, frio e racionalizado. Talvez possamos pensar nessa nova forma de "publicao" e de "contato permanente" com o outro, como uma apropriao pela "superfcie", como formas de escrita e de leitura das relaes sociais e dos espaos: uma experincia ao mesmo tempo social e esttica. Como disse Simondon, a polaridade caracterstica da vida est no nvel da membrana.

    Da mesma forma, no projeto Flagr6, o usurio pode, por celular, enviar um e-mail com suas impresses sobre os lugares interessantes na cidade. Esses lugares aparecem em mapas e passam a formar uma leitura livre e coletiva do espao pblico. Trata-se, com efeito, de uma espcie de bookmark do mundo real. Mais uma vez, vemos aqui formas de criar e de dar sentido a lugares da cidade, como uma marca do ver, colocada em mapas para que outros vejam tambm. Simmel mostra como o estrangeiro a figura mesma do urbano. O habitante da cidade est para Simmel em um estado de indiferena flutu-ante. Nesse sentido, talvez possamos ver a superfcie das cidades como um lugar de sentido nessa experincia antropolgica do passante, do flneur, dos situacionistas, mas tambm dos novos conectados a dispositivos mveis e a redes sem fio que marcam os lugares pblicos. Cria-se mesmo um lugar, algo dotado de sentido, na indiferenciao dos espaos urbanos. por isso que o socilogo francs Isaac Joseph vai dizer que o territrio de um ator social ou de um grupo de autores , alm de toda a apropriao, uma regio de papis acessveis (Joseph, 1988).

    Outro projeto interessante nesse sentido Dodgeball7. O sistema permite que o usurio mande SMS para uma lista de amigos cadastrados dizendo onde ele est em um determinado momento. Assim, pessoas de sua lista de amigos que estiverem por perto podem ter a oportunidade de encontr-lo. Busca-se mais uma vez o contato permanente, fazendo a ligao do espao eletrnico e do espao fsico. O mesmo ocorre com o projeto Radar8, que mapeia e identifica os celulares cadastrados, criando zonas de acesso e de contato permanente, indicando onde esto os correspondentes. Por criar e potencializar redes de sociabilidade, esses projetos buscam significar o espao urbano a partir do contato permanente com as comunidades individuais.

    O projeto Imity9, similar aos dois anteriores, coloca pessoas em contato, identificando-as por redes bluetooth e telefones celulares. O interessante aqui que o projeto permite que pessoas que s se conhecem online possam, caso estejam no mesmo lugar por acaso, se identificarem por redes bluetooth. Assim,

    6. http://www.flagr.com/

    7. http://www.dodgeball.com/

    8. href=http://www.celldorado.com/AT/ADS/923303638/index.php?trackid=474153321&source=webgains&clickid=TFsF2jyyXWQ.

    9. http://www.imity.com/

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    se voc estiver em um bar e um amigo virtual (que voc no sabe quem fisi-camente) estiver por perto, os telefones celulares se reconhecero um ao outro e vocs podero se encontrar pessoalmente, em real life.

    Os projetos da HP, MScapers10 e da Nokia11 com realidade aumentada, mostram sistemas que permitem a navegao por informaes das cidades apenas apontando o telefone celular para lugares ou objetos. Apontando o dispositivo, informaes eletrnicas colam ao local. Projetos similares usam tambm esses dispositivos para auxiliar as pessoas (como guias tursticos) a encontrar e se localizar no espao urbano12. Trata-se no apenas de escrita dos espaos por anotaes e ou de reforar laos sociais, mas de ampliar a leitura do espao urbano atravs da superposio de camadas informacionais aos lugares do espao pblico.

    The user simply points a cell-phone camera at a restaurant or office building, and, using GPS coordinates, software associates a hyperlink with the image. In the commercial world, some museums and tour companies--including one that takes people around San Francisco--use location-detecting gadgets to guide sightseers.

    Outros projetos so apontados no site we make money not art13 a partir de trabalhos apresentados no workshop som e tecnologias mveis14. Como exemplos temos os trabalhos de Atau Tanaka, Guillaume Valadon e Christophe Berger sobre localizao e navegao com celulares Wi-Fi onde

    () an interface that seeks to fuse elements of proximal interaction, geographic localization and social navigation to allow groups of wifi-equipped phone users to intuitively find friends, network connectivity or new music. (...) Once this spon-taneous private network is established, the two users compare playlists based on various musical criteria. A song of interest to the first user is then copied using the phone Wifi connectivity.

    Os projetos citados acima permitem criar sentido por anotaes do espao pblico, por leituras de realidades aumentadas e colocar pessoas em contato permanente, no meio do ambiente annimo das grandes cidades, tentando criar, na superfcie, uma membrana, uma zona de contato e acesso e criar, recriar e fortalecer as redes de sociabilidade e a apropriao do urbano. Os estrangeiros do espao urbano podem vivenciar novas experincias de viver o espao das metrpoles, reforando a existncia dos territrios informacionais, insistindo em formas de navegao por informaes no interstcio do espao eletrnico e do espao pblico das cidades contemporneas.

    10. http://www. mobilemusicworkshop.org/

    11. http://www.

    technologyreview.com/Biztech/17807/

    12. Para mais detalhes ver Technology Review,

    Your Phone as a Virtual Tour Guide., in http://www.techreview.com/

    Infotech/18746/

    13. http://www. we-make-money-not-art.

    com/archives/009528.php

    14. http://www. mobilemusicworkshop.org/

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    Definitivamente medida que vamos desplugando nossas mquinas de fios e cabos, medida que redes de telefonia celular, bluetooth, RFID ou Wi-Fi fazem das nossas cidades mquinas comunicantes desplugadas e sem fio, paradoxal-mente, vamos criando projetos que buscam exatamente o contrrio, territoria-lizao, ancoragem no espao fsico, acoplagem a coisas, lugares, objetos...

    CoNCLusoA anlise do urbano ganha fora com a idia de laboratrio urbano desen-volvida pela Escola de Chicago nos anos 1930. Os socilogos do comeo do sculo XX e do fim do sculo XIX (Simmel, Tarde, Park) falam, grosso modo, de trs formas de mobilidade. A primeira mobilidade aquela que compreende o homem como um ser da locomoo, sendo que a cidade o transforma na-quele que experimenta tudo pelo olhar, da a figura do estrangeiro em Simmel, que v tudo de fora. Transforma-se, com a cidade moderna, a experincia do ouvir (aqueles que contam algo, nas pequenas cidades e no meio rural), na-quela do ver, do que est agora desabrochando em uma floresta de signos (Baudelaire) diante dos olhos.

    A segunda mobilidade urbana aquela da mobilidade social e do lugar de habitao. O habitante da cidade moderna se desloca constantemente e pode trocar de status e de papel social pela educao, pela profissionalizao, pelo enriquecimento... A terceira a que Simmel chama de mobilidade sem deslocamento, a mobilidade que cria uma massa, a mobilidade social pela moda que nos faz aderir ao comum e ao mesmo tempo nos diferenciar.

    Talvez possamos, como hiptese, pensar hoje em uma quarta mobilidade, que a mobilidade informacional, como uma capacidade cognitiva de desli-zamento por bens simblicos, por mensagens, por informaes. No comeo do sculo XX essa desterritorializao comunicacional ocorria pelos meios de massa: jornais, rdio, TV, revistas, e pelos meios interpessoais: correio, telefone. Aqui, o deslocamento pelos bens simblicos era imvel, na maioria das vezes, em espaos privados, sem possibilidade de emisso massiva. Hoje, no come-o do sculo XXI, os territrios informacionais (agora telemticos e digitais) esto em expanso planetria, utilizando ferramentas ubquas e permitindo uma mobilidade informacional (emisso e recepo de informao) acoplada a uma mobilidade pelo espao urbano. Os exemplos acima mostram formas de criar sentido, apropriar e estabelecer contatos atravs das superfcies dos espaos urbanos pelas tecnologias da mobilidade digital. Essa nova mobilidade informacional, a mobilidade tecnolgica (a dos dispositivos), pode permitir uma nova maneira de compreender, dar sentido e criar vivncias no espao das cidades contemporneas.

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