lenio streck - o pós-positivismo e os propalados modelos de juiz

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    16 Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitria, n. 7, p. 15-45, jan./jun. 2010

    LeniO Luiz StReCK

    positivistas so hoje os juristas que apostam em ativismos e na discricio-nariedade judicial...!

    Palavras-chave: Positivismo. Modelos de Juiz. Juiz Hrcules. Juiz Jpiter.Juiz Hermes. Franois Ost. Ronald Dworkin. Hermenutica Filosca.

    ABSTRACTHas become commonplace to say that it is post-positivist. However,little is known about what really is legal positivism (in its various fa-cets), mistaking this movement with the mere literal application of thelaw. In this sense, we can not accept arguments that drive the content

    of a law, with democratic legitimacy, based on a supposed overco-ming the literalness of the text. Thus, to verify the role of interpreterof the law, it is necessary to deconstruct a thesis that has been servingas the basis for the characterization of the model law and a judge inmany contemporary legal systems, the well-known judges Hercules,

    Jupiter and Hermes (Ost), which has led to many misunderstandingsand different in legal theory. A critical reection on the applicationof law can not give up the hermeneutical presuppositions that link toovercome the models (solipsist) to judge created to confront the

    hardships of the indeterminacy of legal texts. Kelsen, Hart and Rosswere all positivists, as well as the jurists that are now betting on acti-vism and judicial discretion ...!

    Keyword: Legal Positivism. Models of Judges. Judge Hercules. JudgeJupiter. Judge Hermes. Franois Ost. Ronald Dworkin. PhilosophicalHermeneutics.

    DE ONDE EXSURGEM OS EQUVOCOS ACERCA

    DO QUE SEJA A INTERPRETAO DA LEI EDOS DILEMAS DO POSITIVISMO (OU DO PS-POSITIVISMO)

    O que ser isto, o positivismo jurdico? Trata-se de uma dasindagaes mais relevantes a se fazer na rea do direito. To importan-te que, fssemos mdicos, estaramos falando do funcionamento docorao. Pois o positivismo , por assim dizer, queiramos ou no, o

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    corao do direito (no mnimo no tocante ao estudo da complexida-de do fenmeno). O que quero dizer que h algo na teoria do direito

    (e na sua operacionalidade) que, historicamente, tem sido a sua condi-o de possibilidade. Em sntese, onde tudo comeou.

    Nesta quadra da histria, (quase) todos se consideram ps-posi-tivistas. Da a minha insistente pergunta, que venho procurando res-ponder em livros como O que isto decido conforme minha cons-cincia (Livraria do Advogado, 2010), Verdade e Consenso (Lumen

    Juris, 2009 e Saraiva, 2011) e Hermenutica Jurdica e(m) Crise (10.ed., Livraria do Advogado, 2011): que coisa essa o positivismo?

    Ouvem-se muito, em sala de aula, conferncias e seminrios, crticasao positivismo. E a vem a simplicao: basta algum defender a apli-cao de um determinado texto jurdico logo taxado de positivista.Isso absolutamente comum. Defender a aplicao da literalidadede uma lei, por exemplo, passou a ser um pecado mortal. O epteto depositivista ca brilhando como em um outdoor na testa do jurista queousa fazer tal defesa. Mas fazer a defesa da literalidade da lei seriauma atitude positivista?

    Quando falamos em positivismos e ps-positivismos, torna-se necessrio, j de incio, deixar claro o lugar da fala, isto , sobreo qu estamos falando. Passo por essa experincia cotidianamen-te. Permito-me explicar isso melhor: h muito as minhas crticas temtido como alvo o positivismo ps-exegtico, isto aquele positivismoque superou o positivismo das trs vertentes (exegese francesa, pan-dectstica alem e jurisprudncia analtica da commo law). Ou seja,sempre considerei muito simplista reduzir a crtica do direito a umasimples superao do deducionismo legalista (e os nomes que a isso

    se d). Portanto, tenho apontado minhas baterias contra a principalcaracterstica do positivismo ps-exegtico, qual seja, a dscrcoar-dad. Curiosamente, juristas das mais variadas faces diziam (e issoainda acontece): se voc contra a discricionariedade dos juzes, en-to defende o legalismo, o exegetismo, o juiz boca da lei... Que coisa,no? E complementa(va)m: aceitamos a discricionariedade, mas no aarbitrariedade...1 (como se os limites semnticos tivessem contornosto denidos como pretendem especialmente as teorias analticas dodireito). Um juslsofo muito conhecido chegou a me acusar, em um

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    Congresso realizado alm-mar, que eu estava defendendo a proibi-o de interpretar. Na verdade, confesso que, nos ltimos anos, co-

    meti o seguinte equvoco: no me dei conta que os juristas brasileiros(e nisso se incluem os neoconstitucionalistas da pennsula ibrica queno abrem mo da discricionariedade judicial), contenta(va)m-se como menos, isto , limita(va)m-se a superar as velhas formas de exegetis-mo, entregando, entretanto, todo o poder ao intrprete (em especial,aos juzes), a partir de uma srie de frmulas do tipo menos regras,mais princpios, menos subsuno, mais ponderao, etc.

    Ora, convenhamos, essa entrega (ou seria delegao?) dopoder aos juzes (e, portanto, em favor da discricionariedade inter-pretativa) no nem um pouco nova, eis que j estava presente novelho Movimento do Direito Livre, na jurisprudncia dos interessese se aprimorou na jurisprudncia dos valores (sem considerar os mo-vimentos realistas no interior da commo law). Qual o problema, en-to? Na verdade, o que aconteceu que os juristas se esqueceram queKelsen e Hart promoveram, em sistemas jurdicos distintos, uma vi-rada no positivismo. De todo modo, importa mais para ns a viragem

    kelseniana, que acabou impulsionando um voluntarismo judicial semprecedentes, a partir da maldio kelseniana constante no famosocaptulo oitavo da Teoria Pura do Direito.

    Derrotar o positivismo (exegtico) e pagar o preo do voluntaris-mo foi (e ainda ) uma vitria de pirro. Por isso, minha luta contra ossintomas dessa viragem positivista (normativista). No posso concor-dar com o fato de que a crtica contempornea no consiga fazer maisdo que j zera a jurisprudncia dos interesses ou a jurisprudncia dosvalores. Da condio de refm de um assujeitamento a uma estruturade carter objetivista (metafsica clssica presente na ideia exegtica epandectista), passou-se a fase do assujeitamento da estrutura a umsujeito solipsista. Enm, do aprisionamento do intrprete a um sis-tema racional-conceitual, passamos ao imprio da vontade (do poder),ltimo princpio epocal da modernidade. No por nada que, paraKelsen, a interpretao feita pelos juzes um ato de vontade.

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    Permito-me insistir neste ponto um pouco mais. Com efeito,h muito minhas crticas so dirigidas primordialmente ao positivis-

    mo normativista ps-kelseniano, isto , ao positivismo que admitediscricionariedades (ou decisionismos e protagonismos judiciais).Considero sprado o vlho posvsmo xgco. Ou seja, no (mais)necessrio dizer que o juiz no a boca da lei, etc., enm, pode-mos ser poupados, nesta quadra da histria, dessas descobertas daplvora. E isso por uma razo muito simples: essa descobertano pode implicar um imprio de decises solipsistas, das quais soexemplos as posturas caudatrias da jurisprudncia dos valores (quefoi importada por setores do neoconstitucionalismo de forma equi-vocada da Alemanha), os diversos axiologismos, o realismo jurdico(que no passa de um positivismo ftico), a ponderao de valores2

    (pela qual, especialmente no Brasil, a partir de uma leitura supercialda obra de Alexy, o juiz literalmente escolhe um dos princpios queele mesmo elegeprma fac), etc.

    Portanto, Kelsen superou o positivismo exegtico-primevo-le-galista. Mas, vejamos: Kelsen no pretendeu destruir a tradio po-sitivista que foi construda pela jurisprudncia dos conceitos. Pelo

    contrrio, possvel armar que seu principal objetivo era reforar omtodo analtico proposto pelos conceitualistas de modo a responderao crescente desfalecimento do rigor jurdico que estava sendo propa-gado pelo crescimento da Jurisprudncia dos Interesses e da Escolado Direito Livre que favoreciam, sobremedida, o aparecimento deargumentos psicolgicos, polticos e ideolgicos na interpretao dodireito. Isso feito por Kelsen a partir de uma radical constatao: oproblema da interpretao do direito muito mais semntico do quesinttico. Desse modo, temos aqui uma nfase na semntica.3

    Mas, em um ponto especco, Kelsen se rende aos seus ad-versrios: a interpretao do direito eivada de subjetivismos prove-nientes de uma razo prtica solipsista. Para o autor austraco, essedesvio impossvel de ser corrigido. No famoso captulo VIII de suatora Pra do Dro, Kelsen chega a falar que as normas jurdicas entendendo norma no sentido da TPD, que no equivale, srco ss, lei so aplicadas no mbito de sua moldura semntica. O nicomodo de corrigir essa inevitvel indeterminao do sentido do direito

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    somente poderia ser realizada a partir de uma terapia lgica da or-dem do a pror que garantisse que o Direito se movimentasse em um

    solo lgico rigoroso. Esse campo seria o lugar da Teoria do Direito ou,em termos kelsenianos, da Cincia do Direito. E isso possui uma rela-o direta com os resultados das pesquisas levadas a cabo pelo Crculode Viena.

    Esse ponto fundamental para podermos compreender o posi-tivismo que se desenvolveu no sculo XX e o modo como encaminhominhas crticas nessa rea da teoria do direito. Sendo mais claro: falodesse positivismo normativista, no de um exegetismo que, como pde

    ser demonstrado, j havia dado sinais de exausto no incio do sculopassado. Numa palavra: Kelsen j havia superado o positivismo exeg-tico, mas abandonou o principal problema do direito a interpretaoconcreta, no nvel da aplicao. E nisso reside a maldio de suatese. No foi bem entendido, quando ainda hoje se pensa que, para ele,o juiz deve fazer uma interpretao pura da lei...!

    Numa palavra: quando falo, por exemplo, em literalidade, noestou invocando nem o positivismo primitivo (exegtico) e nem o po-

    sitivismo normativista. Ora, desde o incio do sculo XX, a losoa dalinguagem e o neopositivismo lgico do crculo de Viena j haviamapontado para o problema da polissemia das palavras. Isso nos levaa outra questo: a literalidade algo que est disposio do intr-prete? Se as palavras so polissmicas; se no h a possibilidade decobrir completamente o sentido das armaes contidas em um texto,quando que se pode dizer que estamos diante de uma interpretaoliteral? A literalidade, portanto, muito mais uma questo da compre-enso e da insero do intrprete no mundo do que uma caracterstica,

    por assim dizer, natural dos textos jurdicos.Dizendo de outro modo, no podemos admitir que, ainda nes-

    sa quadra da histria, sejamos levados por argumentos que afastam ocontedo de uma lei democraticamente legitimada com base numasuposta superao da literalidade do texto legal. Insisto: literalidadee ambiguidade so conceitos intercambiveis que no so esclareci-dos numa dimenso simplesmente abstrata de anlise dos signos quecompem um enunciado. Tais questes sempre remetem a um plano

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    de profundidade que carrega consigo o contexto no qual a enuncia-o tem sua origem. Esse o problema hermenutico que devemos

    enfrentar! Problema esse que argumentos despistadores como tal sfazem esconder e, o que mais grave, com riscos de macular o pactodemocrtico.

    OS MODELOS DE JUIZ E A DETERMINAO DOPAPEL DO INTRPRETE NO DIREITO OU DECOMO NO SE PODE EXAMINAR OS MODELOSSEM LEVAR EM CONTA AS DIMENSES PARA-DIGMTICAS DECORRENTES DO ESQUEMA SU-

    JEITO-OBJETO

    Na linha do que foi dito acima, para uma melhor compreensoacerca do papel do intrprete do direito nesta quadra da histria, faz-se necessria a desconstruo de uma tese que vem servindo de base,h muito, para a caracterizao dos modelos de direito e de juiz nos di-versos sistemas jurdicos contemporneos, o que tem levado a diversos

    e diferentes equvocos na teoria do direito. Essa questo tem uma rela-o umbilical com a questo da democracia e da diviso de poderes, namedida em que a jurisdio constitucional afetar essa problemticade acordo com aquilo que se pode denominar de teoria da deciso e opapel a ser exercido pelo juiz.

    Uma discusso que atravessa os anos institucionalizou os mo-delos de juiz, como sendoJpr, Hrcls, Hrms, a partir de um co-nhecido texto de Franois Ost (1993, pp. 170-194), em que o professor

    belga prope uma espcie de juiz ps-moderno-sistmico (Hermes)que atuaria em rede e superaria, com grande vantagem, os modelosanteriores. Com efeito, para Ost, basicamente a teoria do direito tra-balha com dois modelos de juiz, que tambm simboliza(ria)m mode-los de direito (Jpiter e Hrcules). Consequentemente, simbolizaramtambm os modelos de jurisdio. O primeiro representaria o modeloliberal-legal, de feio piramidal-dedutivo, isto , sempre dito a partirdo alto, de algum Monte Sinai; esse direito adota a forma de lei ese expressa em forma de imperativo, vindo a ser representado pelas

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    tbuas da lei ou cdigos e as Constituies modernas, sendo que dessaparametricidade que so deduzidas as decises particulares.

    J o modelo herculeano est sustentado na gura do juiz, que seriaa nica fonte do direito vlido. Trata-se de uma pirmide invertida, nodizer de Ost. Dworkin quem, no dizer do autor, ao revalorizar at o ex-tremo a gura do juiz moderno, atribui-lhe as caractersticas de Hrcules.Embora diga que no pretende equiparar a tese de Dworkin aos realis-tas ou pragmatistas, Ost termina por colocar no Hrcules dworkiano osdefeitos que caracterizariam o juiz monopolizador da jurisdio nomodelo de direito do Estado Social, em que o direito se reduz ao fato,

    enm, indiscutvel materialidade da deciso. Esse juiz propiciaria umdeciosionismo, a partir da proliferao de decises particulares.

    Como contraponto, Ost apresenta um rs gs, o juiz Hermes,que adota a forma de rede; nem um polo, nem dois, isto , nem a pir-mide e nem um funil, e tampouco a superposio dos dois, seno umamultiplicidade de pontos de inter-relao; um campo jurdico que ana-lisa como uma combinao innita de poderes, tanto separados comoconfundidos, amide intercambiados; uma multiplicao dos atores,uma diversicao de regras, uma inverso de rplicas; tal circulaode signicados e informaes no se deixa aprisionar em um cdigo ouem uma deciso: expressa-se sob a forma de um banco de dados. As-sim, segundo Ost, o direito ps-moderno, o direito de Hermes, umaestrutura em rede que traduz em innitas informaes disponveis ins-tantaneamente e, ao mesmo tempo, dicilmente matizveis. Trata-se,em sntese, de uma teoria ldica do direito. O juiz Hermes no nemtranscendncia nem imanncia; encontra-se em uma e outra dialticaou paradoxalmente (uma e outra).

    Penso que, examinada luz da hermenutica losca e do neo-constitucionalismo, assim como a partir das diversas teorias do direitosurgidas no sculo XX, a tese de Ost merece uma srie de objees, notanto na parte em prope o Hermes como soluo (que, a toda evidn-cia, apresenta aspectos de grande relevncia), mas, fundamentalmen-te, em relao s crticas ao modelo herculeano.

    Assim, emprmro lugar, a objeo decorre do fato de haver umexcessivo esforo em enquadrar o modelo herculeano no modelo de

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    direito do Estado Social, colocando-o como uma anttese do juiz quecaracterizaria o modelo de Estado Liberal (o modelo jupteriano), como

    se o modelo do juiz do estado Liberal fosse o juiz do positivismoprimitivo (fase exegtica do positivismo) e o segundo fosse o do mode-lo que simplesmente supera esse modelo, ou seja, no primeiro o juizseria a boca da lei e seu superador seria o juiz que faz a lei...! Comoveremos, isso constitui um equvoco.

    A objeo seguinte decorre do fato de Ost no levar em conta queo juiz Hrcules uma metfora e que representa exatamente o contrriodo que sua tese pretende denunciar, isto , Hrcules denitivamente no

    a carao do j/sjo-solpssa, mas sim, a anttese do juiz dis-cricionrio, este sim refm da losoa da conscincia (essa discusso,lamentavelmente, no aparece no texto, talvez porque a atuao de Her-mes em rede supere, na tese de Ost, o sujeito da relao).4

    Como terceira objeo, a tese peca tambm porque tudo aqui-lo que Ost aponta como misses do Hrcules assistencialista (v.g.,conciliar as economias familiares em crises; dirigir as empresas emdiculdades evitando, se possvel, a quebra; julgar se corresponde aointeresse da criana ser reconhecido pelo seu pai natural, quando ame se ope art. 319.3 do Cdigo Civil da Blgica; apreciar se a in-terrupo voluntria da gravidez pode ser justicada pelo estado deangstia da mulher grvida art. 348 e seguintes do Cdigo Penalbelga; intervir efetivamente em conitos coletivos de trabalho e deci-dir, em procedimentos de urgncia, se a greve dos pilotos da compa-nhia de aviao nacional, prevista para o dia seguinte s seis horas, lcita ou no; julgar se o aumento de capital decidido com o objetivo deopor-se a uma oferta pblica de compra de uma holdg, cuja carteira

    de aes representa um tero da economia do pas, est em conformi-dade com a lei; ou, ainda, impor sanes a trabalhadores e empresasque ameaam o equilbrio ecolgico) ambm pod sr fo sm q o jo o rbal praq dcsosmos o arbrardads (ou assistencialis-mos), ou seja, Ost esquece que a coerncia e a integridade prpria domodelo dworkiano constituem-se em blindagem contra aquilo queOst acredita ser caracterstica do modelo herculeano. Na sequncia, emquarto lugar, Ost no comenta os efeitos colaterais e as consequnciaspara o prprio constitucionalismo de um no intervencionismo do

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    judicirio (ou justia constitucional) para atender os pleitos sobre di-reitos fundamentais (e os exemplos tratam das mais variadas formas

    de violao de direitos).Em quinto lugar, ao dizer que, na gesto do juiz Hrcules, a

    generalidade e a abstrao da lei do lugar singularidade e con-cretude do juzo, o professor belga passa a impresso de que, mesmonesta quadra do tempo, ainda vivemos sob a gide do velho modelode regras, como se no tivesse ocorrido a revoluo copernicana doneoconstitucionalismo (ou, se houve alguma ruptura, essa ca, na opi-nio de Ost, reduzida ao modelo de direito do estado Social). Ao que

    tudo indica, para ele, os princpios no so os princpios que insti-tucionalizaram srco ss a moral no direito (o ideal de vida boa, obom direito) a partir da produo democrtica (Constituies com-promissrias e dirigentes), no havendo sinais, na aludida tese, sobreo papel da moral no Estado Democrtico de Direito. Ao contrrio, asindicaes da tese de Ost, no particular, so de que os princpios soaqueles gerais do direito, que tm a funo de otimizar a interpreta-o, fechando e abrindo, autopoieticamente, o sistema jurdico.

    Isso leva sexta objeo, representada pelo reducionismo queo autor pretende fazer dos modelos de direito e de juiz. Com efeito, oque fazer com o juiz ponderador de Alexy, que, nos casos difceis- no solucionveis por subsuno - apela para um sopesamento (sic)entre os princpios que esto em coliso? E os juzes analticos, carac-tersticos de modelos metodolgicos apresentados por urnio e Mac-Cormick, para citar apenas estes? E qual o papel do juiz exsurgente dateoria do discurso desenvolvido por Habermas (1992)?

    O stimo ponto de discrdia diz com o fato de que a tese de Ost

    ignora (passa ao largo) (d)o paradigma do Estado Democrtico deDireito, entendido como um pls normativo e qualitativo superadordos modelos de direito liberal e social, circunstncia que faz com queo lv m coa o papl do coscoalsmo qao rompmo com

    o posvsmo o modlo d rgras; prova disso a observao que faz,baseado em texto de 1990, de Andr Jean Arnaud (1990) de que l-sofos, tericos e socilogos se esforam atualmente para substituir odireito rgido, fundado sobre a toda poderosa lei, por um direito e-

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    xvel que toma em conta o relativismo, o pluralismo e o pragmatismocaractersticos da poca ps-moderna, como se a teoria do direito no

    tivesse avanado para (muito) alm desse debate acerca da superaodo modelo do direito rgido fundado na toda poderosa lei e a dico-tomia monismo-pluralismo. Veja-se que o prprio Ost diz que aomonismo haveria-se de opor, no a disperso, mas sim, o pluralismo,o absolutismo binrio permisso-proibio, vlido-no vlido, haveriaque substituir pelo relativismo e o gradualismo, que no se transfor-ma, por isso, em ceticismo.

    A oitava divergncia se instaura porque a tese de Ost passa ao

    largo do enfrentamento entre positivismo e constitucionalismo e, con-sequentemente, da superao do modelo subsuntivo e da distino(no lgico-estrutural, claro) entre regra e princpio. E tal circuns-tncia no pode escapar de qualquer discusso acerca do direito nestaquadra da histria.

    Nono, porque, ao propor o modelo de Hermes como um avano emrelao ao convencionalismo de Jpiter e ao invencionismo de Hrcu-les, isto , ao armar que o seu juiz Hermes respeita o carter hermenu-tico ou reexivo do raciocnio jurdico, que, portanto, no se reduz nem imposio e nem simples determinao anterior, o Hermes de Ost acabasendo, paradoxalmente, o Hrcules de Dworkin (obviamente na leituraque Ost faz do Hrcules dworkiniano). Do mesmo modo, ao dizer que asfronteiras que separam o sistema e seu meio ambiente no deixam de sermveis e paradoxais, como se os limites do direito e do no direito fossemreversveis, Os fa cocsss ao Hrcls q l msmo crca (anal, comoele mesmo diz, um jogo, como o direito, sempre, ao mesmo tempo, algomais que ele mesmo, apesar dos esforos desenvolvidos para uniformizarseu funcionamento e pormenorizar seus dados).

    Por m, em dcimo lugar, em relao crtica de Ost de que, afo-ra o fato de que tanto o modelo jupiteriano como o modelo herculeanoesto em crise, eles apenas oferecem representaes empobrecidas dasituao que pretendiam descrever em sua poca, lembro que no sepode cair em idealizaes ou idealismos, como se fosse possvel ig-norar que o paradigma do Estado Democrtico de Direito e o tipo deconstitucionalismo institudo em grande parte dos pases aps o se-gundo ps-guerra aumentou sobremodo a demanda pela interveno

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    do poder judicirio (ou da justia constitucional, na forma de TribunaisConstitucionais). Ora, isso apenas implica reconhecer que inexorvel

    que algum decida, at para no transformar a Constituio em umamera folha de papel.

    Assim, em sntese, contrapor o modelo de Hermes5 aos modelosde Jpiter (Estado Liberal) e Hrcules (Estado Social) apenas comprovao grande dilema que atravessa a metodologia contempornea: como seinterpreta e como se aplica, isto , quais as condies que tem, o juiz outribunal (porque, permito-me insistir no bvio, algum tem que dizerpor ltimo o sentido da Constituio), para proferir as respostas aos

    casos em julgamento.No parece adequada, portanto, a tese da contraposio do mo-

    delo de direito do Estado Social ao modelo de direito do Estado Libe-ral. Isso seria ignorar os dois pilares sobre as quais est assentado umterceiro modelo, o do Estado Democrtico de Direito: a proteo dosdireitos sociais-fundamentais e o respeito democracia.

    Em outras palavras, se inexorvel que, a partir do segundops-guerra, diminui o espao de liberdade de conformao do legis-

    lador em favor do controle contramajoritrio feito a partir da jurisdi-o constitucional, exatamente por isso que devem ser construdasas condies de possibilidade para evitar discricionariedades, arbi-trariedades e decisionismos, ou seja, o coscoalsmo dss mposps-positivistas assenta seus pilares no novo paradigma lingustico-losco,superando quaisquer possibilidades de modelos interpretativos (sequiser, hermenuticos) sustentados no esquema sujeito-objeto.

    , portanto, desse modo que se busca a superao do velho po-sitivismo. E por isso mesmo que o Hrcules de Dworkin no podeser epitetado de invencionista ou solipsista (ou qualquer variaorealista ou pragmatista). Do mesmo modo embora essa questo noesteja abarcada pelo texto de Ost a busca de respostas corretas emdireito no pode sofrer crticas porque estaria assentado em um juizque carregaria o mundo nas costas. Ao contrrio, pela simples razode que a bsca d rsposas corras m rmdo cora o cr do modloq, dalcam, gdro-o: o positivismo e sua caracterstica maisforte, a discricionariedade.

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    O (ps-)positivismo e os propalados modelos de juiz (Hrcules, Jpiter e Hermes) doisdeclogos necessrios

    No h um Hrcules no modelo da hermenutica aqui trabalhado(no podemos esquecer que o Hrcules de Dworkin instala-se na teoria do

    direitopara dmosrar q a dscrcoardad admocrca e que, ao re-jeitar qualquer posio pessoal do juiz e colocar nfase na sua responsabi-lidade poltica, spro o sqma sjo-objo). Na hermenutica loscaaqui professada, o crculo hermenutico atravessa a compreenso antesque o sujeito pense que se assenhora da interpretao e dos sentidos. Porisso, a resposta correta que sempre pode e deve ser encontrada no resideno juiz/intrprete enquanto sujeito do esquema sujeito-objeto, mas sim,no juiz/intrprete da relao de compreenso baseada na intersubjetivi-dade (sujeito-sujeito). Assim, o ponto fulcral no quem d a respostacorreta, mas como sa s d.

    DA METFORA DO JUIZ (HRCULES) MET-FORA DA RESPOSTA (CORRETA) OU DE COMOA RESPOSTA CORRETA DEVE SER COMPREEN-DIDA COMO UMA METFORA

    Frente ao estado da arte representado pelo predomnio do positi-vismo, que sobrevive a partir das mais diversas posturas e teorias sus-tentadas, de um modo ou de outro, o prdomo do sqma sjo-objo problemtica que se agrava com uma espcie de protagonismo do su-

    jeito-intrprete (especialmente, juzes e tribunais) em pleno paradigmada intersubjetividade penso que, mais do que possibilidade, a busca derespostas corretas em direito uma necessidade.

    Por isso, a resposta correta que venho propondo (STRECK, 2009

    apud 2011), a partir de uma simbiose entre a teoria integrativa deDworkin (1977; 1986) e a fenomenologia hermenutica (que abarca ahermenutica losca), deve ser entendida como uma metfora.6 A-nal, metforas servem para explicar coisas. Isso, evidncia, implicapensar esse modelo dentro de suas possibilidades. Com efeito, met-foras so criadas porque se acredita que um determinado fenmenopoder ser melhor explicado a partir da explicao j consolidada deum outro fenmeno, ou seja, a operao com que transferimos signi-cados no-sensveis para imagens ou remetemos elementos sensveis a

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    28 Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitria, n. 7, p. 15-45, jan./jun. 2010

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    esferas no-sensveis (STEIN, 2002). Portanto, se considerarmos que essadistino fundamental entre sensvel e no-sensvel no existe, a colocao

    da metfora representa uma atitude tipicamente metafsica, induzindo oagente a compreend-la como um ponto de partida universal.

    Contudo e essa advertncia reveste-se de fundamental relevn-cia, para no gerar mal-entendidos , se a metfora for pensada dentrodas limitaes de uma linguagem apofntica, que ter sempre comopressuposto a dimenso hermenutica da linguagem, ela permitir, aexemplo do neologismo, uma aproximao entre o dito e o fenmeno

    j compreendido, uma vez que nela encerra, como j foi visto, um graude objetivao minimamente necessrio. A metfora entendida, as-

    sim, como a possibilidade, a partir da diferena ontolgica, de ligarsignicantes e signicados. A metfora signica a impossibilidade desinonmias perfeitas.

    A metfora da resposta correta ser, desse modo, a explicitao deque possvel atravessar o estado de natureza hermenutica instaladono direito. A metfora nos mostra que, ao nos situarmos no mundo, issono implica um gss a cada enunciao. Dito de outro modo, pelametfora da resposta correta compreendida nos moldes aqui delimita-dos estabelece-se a convico (hermenutica) de que h um desde-j-sempre (existencial) que conforma o meu compromisso minimamenteobjetivado(r), uma vez que, em todo processo compreensivo, o desao levar os fenmenos representao ou sua expresso na linguagem,chegando, assim, ao que chamamos de objetivao, como sempre noslembra Ernildo Stein.

    A construo da metfora da resposta correta deita razes emoutra metfora. Com efeito, Hobbes criou a metfora do contrato so-cial para explicar a necessidade de superar a barbrie representada

    pela fragmentao do medievo. Mas, mais do que isso, f-lo para de-monstrar que o Estado produto da razo humana. Para tanto, con-traps a soberania do um para superar a soberania fragmentada/dilacerada de todos, isto , contra a barbrie representada pelo Es-tado de Natureza, contraps a civilizao. E isso somente seria pos-svel atravs de um contrato. No um contrato srco ss, mas umcontrato metafrico.

    Penso que, de algum modo, necessrio enfrentar o estado denatureza hermenutica em que se transformou o sistema jurdico. A

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    29Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitria, n. 7, p. 15-45, jan./jun. 2010

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    liberdade na interpretao dos textos jurdicos proporcionada peloimprio das correntes (teses, teorias) ainda arraigadas/prisioneiras do

    esquema sujeito-objeto tem gerado esse estado de natureza interpre-tativo, representado por uma guerra de todos os intrpretes contratodos os intrpretes, como que repristinando a fragmentao detecta-da to bem por Hobbes. Cada intrprete parte de um grau zero desentido. Cada intrprete reina nos seus domnios de sentido, comseus prprios mtodos, metforas, metonmias, justicativas, etc. Ossentidos lhe pertencem, como se estes estivessem a sua disposio,em uma espcie de reedio da relao de propriedade (neo)feudal.Nessa guerra entre os intrpretes anal, cada um impera solipsis-

    ticamente nos seus domnios de sentido reside a morte do prpriosistema jurdico.

    Por tais razes que a tese da resposta correta em um sistemano avanado (lembremos a observao de Dworkin sobre a tem-tica, com a qual no possvel concordar) no uma possibilidade, esim, ma cssdad. Como j explicitado anteriormente, isso implicaa superao do esquema sujeito-objeto, a partir dos dois teoremasfundamentais da hermenutica: o crculo hermenutico e a diferena

    ontolgica. Com isso, ultrapassa-se qualquer possibilidade da exis-tncia de grau(s) zero(s) de sentido que se sustentam naquilo quevenho denominando de ideologia do caso concreto , resgatandoa tradio autntica (sentido da Constituio compreendido comoo resgate das promessas da modernidade) e reconstruindo, a partirdessas premissas, em cada caso, a integridade e a coerncia inter-pretativa do direito.

    A resposta correta uma metfora, como o juiz Hrcules deDworkin tambm o . Para tanto e aqui vai uma advertncia indis-pensvel , a ruptura com o estado de natureza hermenutica nose dar atravs de uma delegao em favor de uma instncia ltima,isto , um abrir mo do poder de atribuir sentidos em favor de umaespcie de Leviat hermenutico.

    Dito de outro modo, se a resposta para a fragmentao do estadode natureza medieval foi a delegao de todos os direitos em favordo Leviat representado pela soberania absoluta do Estado (o EstadoModerno absolutista superou, desse modo, a forma estatal medieval),

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    na hermenutica jurdica de cariz positivista, a resposta para o impriodos subjetivismos, axiologismos, realismos ou o nome que se d a tais

    posturas que colocam no intrprete (juiz, tribunal) o poder discricio-nrio de atribuir sentidos o pod sr, sob hps algma, a sara-o d ma spra-hrmcdad o a dlgao dssa fo para ma

    spr-orma que possa prever todas as hipteses de aplicao, que,mas, mads, a pretenso ltima das smulas vinculantes. As-sim, contra o caos representado pelos decisionismos e arbitrariedades,o sablshm prope um neo-absolutismo hermenutico.

    Sendo mais claro, as smulas vinculantes do modo como so

    compreendidas pela dogmtica jurdica (senso comum terico) en-carnam essa instncia controladora de sentidos metasicamente, isto, atravs delas, acredita-se que possvel lidar com conceitos sem ascoisas, sem as peculiaridades dos casos concretos (o inusitado nisso que, paradoxalmente, o imprio das mltiplas respostas se instau-rou, exatamente, a partir de uma analtica de textos em abstrato). Assmulas constituem uma espcie de adiantamento de sentido, umatutela antecipatria de palavras...!

    No esqueamos que as smulas so decises de carter aditivo/manipulativo. Anal, no existe smula que rera, por exemplo, quedeterminado dispositivo inconstitucional, pela simples razo de que,se tal dispositivo efetivamente fosse inconstitucional, teria sido assimdeclarado (ou isso ou teremos que aceitar uma certa esquizofrenia emnosso sistema jurdico). Vale lembrar que sempre houve no sistema umconsidervel nmero de smulas enquadrveis como cora lgm/in-constitucionais e xra lgm. Os tribunais, quotidianamente, constroemnormas jurdicas, atravs de novos textos (alm da construo srco s-s de novos textos legais, os tribunais efetuam forte atividade corretiva,o que se pode ver, v.g., no julgamento do HC n. 72862-6),7 que sequernecessitam ser transformadas em smulas, alterando o ordenamento

    jurdico, sem que isto cause perplexidade no imaginrio dos juristas.Na realidade, tais decises somente causam perplexidade e s entoa questo trazida para a discusso da dicotomia jurisdio-legislaoe suas consequncias qado drmadas dcss rpravas (sjaa classicao que se d) mostram-se em desconformidade com o teto herme-

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    nutico preestabelecido pela doutrina e pela jurisprudncia. Ou seja, o limitedo sentido e o sentido do limite cam adstritos quilo que o sentido

    comum aceita como possibilidade construtiva.Da maneira como so compreendidas as smulas vinculantes no

    interior do imaginrio metafsico-positivista, estas se colocam comosucedneos dos conceitos universais prprios da metafsica clssica-essencialista, justamente combatida por Hobbes (para no perder ovalor da metfora que fundamentou a superao da forma de domina-o medieval), com a agravante, aqui, de que elas so criadas a partirde uma institucionalizao de subjetivismos, axiologismos e realismos

    (todas variantes do esquema sujeito-objeto).Forma-se, desse modo, um crculo vicioso: primeiro, admite-se

    discricionarismos e arbitrariedades em nome da ideologia do casoconcreto, circunstncia que, pela multiplicidade de respostas, acar-reta um sistema desgovernado, fragmentado; na sequncia, para con-trolar esse caos, busca-se construir conceitos abstratos com pretensesde universalizao, como se fosse possvel uma norma jurdica abarcartodas as hipteses (futuras) de aplicao.

    Isso permite armar que, na verdade, o combate ao estado denatureza hermenutica originrio da discricionariedade/arbitra-riedade positivista acaba no sendo um combate ao positivismo. Aocontrrio, destitudo de uma adequada compreenso hermenutica, apartir dos seus dois teoremas fundamentais, qualquer forma de vincu-lao jurisprudencial, por mais paradoxal que possa parecer, somen-te reforar o positivismo, com a conseqente continuidade do caosdecisionista. Ou seja, na medida em que smulas so textos e como opositivismo interpreta textos sem coisas, qualquer tentativa de vincu-

    lao jurisprudencial/conceitual receber uma adaptao darwinianado senso comum terico dos juristas.

    Neste ponto, cabe outra advertncia: a armao de que a smu-la (tambm) um texto deve ser compreendida a partir de um olharhermenutico. Destarte, quando armo que a smula um texto, que-ro dizer que esse texto, ao ser interpretado, dever ensejar uma norma(sentido) que respeite, de forma radical, a coerncia e integridade dodireito. Caso contrrio, ela ser aplicada de forma objeticada, enti-

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    cadamente, isto , ser uma categoria a partir da qual se far deduese subsunes.

    Ora, na medida em que a smula feita para resolver casosfuturos e nisso reside um equvoco hermenutico de fundamentalimportncia, em uma simples comparao com os precedentes norte-americanos , transformando hard cass em (futuros) asy cass (pareceser essa a sua razo maior), a tarefa do intrprete estar facilitada:de um lado, decidir-se- casos dedutivamente; de outro, ser possveldecidir milhares de processos de uma s vez. em ambas as hpss,soobra a sao cocra.

    Anal, como se diz na teoria da argumentao jurdica (para -car nessa importante postura que pretende dar respostas ao problemada indeterminabilidade do direito nesta quadra da histria), para ca-sos fceis, basa a sbso (sic). E tudo comea(r) de novo...! Porisso, a necessidade e no a mera possibilidade de alcanar respostascorretas em direito.

    APORTES FINAIS: UM DECLOGO HERMENUTICO

    Uma reexo crtica sobre a aplicao do direito no pode, pois,abrir mo dos pressupostos hermenuticos que apontam para a su-perao do esquema sujeito-objeto,8 dos modelos (solipsistas) de

    juiz criados para enfrentar as agruras da indeterminabilidadedos textos jurdicos na era dos princpios, assim como dos diversosdualismos prprios dos paradigmas metafsicos objeticantes (cls-sico e da losoa da conscincia). preciso insistir nisso: conscinciae mundo, linguagem e objeto, sentido e percepo, teoria e prtica,

    texto e norma, vigncia e validade, regra e princpio, casos simples ecasos difceis, discursos de justicao e discursos de aplicao, sodualismos que se instalaram no nosso imaginrio, sustentados peloesquema sujeito-objeto.

    No se quer dizer, entretanto, que as diversas teorias do direitono estejam preocupadas em buscar respostas ao problema da criseparadigmtica que atravessa o direito. Mas, nessa busca de soluespara os problemas da metodologia do direito, o que no se pode fa-

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    O (ps-)positivismo e os propalados modelos de juiz (Hrcules, Jpiter e Hermes) doisdeclogos necessrios

    zer mixar teorias, principalmente entre posturas procedimentais-argumentativas e perspectivas conteudsticas-ontolgicas, para citar

    apenas estas.Permito-me, nesse sentido, lanar dez pontos que deixam ntida

    essa impossibilidade de mixagens metodolgicas:

    Prmro, no se pode confundir hermenutica com teoria da ar-gumentao jurdica, isto , hermenutica (losca) no similar anenhuma teoria da argumentao9 (portanto, no possvel com elafundir por mais sosticadas e importantes que sejam as teses de Alexy[2001], Atienza [2003], e Gnther [2004]), para falar apenas destes. Por

    isso, ainda neste primeiro ponto do declogo, no posso esquecer derepetir a denncia que h muito venho fazendo: a de que o DireitoConstitucional (especialmente ele) foi tomado aqui em rra bras-ls por diversas teorias dos princpios, por vezes autodenominadasteorias da argumentao jurdica (que, entretanto, no guardam -delidade s TAJs mencionadas anteriormente), sendo raro, nestes dias,encontrar constitucionalistas que no se rendam distino estrutu-ral regra-princpio e ponderao de valores (alguns ainda falam emponderao de interesses). Claro que isso tambm acontece com osprocessualistas, bastando, para tanto, examinar os projetos dos novosCdigos de Processo Civil e Penal. A partir dessa mixagem terica,so desenvolvidas/seguidas diversas teorias/teses por vezes incom-patveis entre si. Alm da ponderao de princpios que, saliente-se,no plano das prticas cotidianas dos juristas, no tem qualquer relaocom a ponderao de princpios proposta por Alexy -, h quem de-fenda a ponderao de regras. Neste ltimo caso, o que chama maisateno o fato de a ponderao ser um dos fatores centrais que mar-

    cam a dso entre regras e princpios de Robert Alexy (princpios seaplicam por ponderao e regras por subsuno, uma das mximasalexyanas). Da a indagao: se apodrao o procedimento do qualo resultado ser uma regra posteriormente subsumida ao caso con-creto, o que temos como resultado da ponderao de regras? Umaregra da regra? Como ca, portanto, em termos prticos, a distinoentre regras e princpios, uma vez que deixa de ter razo de ser a dis-tino entre sbso e podrao? No Brasil, a ponderao aparececomo procedimento generalizado de aplicao do direito. Isso um

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    equvoco. Ou seja, em todo e qualquer processo aplicativo, haveria anecessidade de uma parada para que se efetuasse a ponderao.Tal

    empresa estender a ponderao para a aplicao de regras se mos-tra destituda de sentido prtico, visto que da regra ir resultar outraregra, essa, sim, aplicvel ao caso, alm de apontar para os equvocosna recepo da teoria alexyana entre os autores brasileiros. Na maiorparte das vezes, os adeptos da ponderao no levam em conta a rele-vante circunstncia de q mpossvl far ma podrao q rsolvadram o caso. A ponderao nos termos propalados por seu cria-dor, Robert Alexy o ma oprao m q s colocam os dos prcposm ma balaa s apoa para aql q psa mas (sc), algo do tipoentre dois princpios que colidem, o intrprete escolhe um (sc). Nes-se sentido preciso fazer justia a Alexy: sua tese sobre a ponderaono envolve essa escolha direta;

    sgdo, quando se diz que a Constituio e as leis so constitu-das de plurivocidades sgnicas (textos abertos, palavras vagas e am-bguas, etc.), tal armativa no pode dar azo a que se diga que sempreh vrias interpretaes e, portanto, que o direito permite mltiplasrespostas, circunstncia que, paradoxalmente, apenas denuncia e

    aqui chamo colao as crticas de Dworkin Hart as posturas posi-tivistas que esto por trs de tais armativas;

    rcro, quando, por exemplo, Gadamer confronta o mtodo,com o seu Vrdad Modo, no signica que a hermenutica seja rela-tivista e permita interpretaes discricionrias/arbitrrias;

    qaro, na mesma linha, quando se fala na invaso da losoapela linguagem, mais do que a morte do esquema sujeito-objeto, issoquer dizer que no h mais um sujeito que assujeita o objeto (subjeti-vismos/axiologismos que ainda vicejam no campo jurdico) e tampou-co objetivismos;10

    qo, quando se popularizou a mxima de que interpretar aplicar e que interpretar confrontar o texto com a realidade, nosignica que texto e realidade sejam coisas que subsistam por si sou que sejam apreensveis isoladamente, sendo equivocado pensar,portanto, que interpretar algo similar a fazer acoplamentos entreum texto jurdico e os fatos;

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    sxo, de igual maneira, quando se popularizou a assertiva deque texto no igual norma e que a norma o produto da interpreta-

    o do texto, nem de longe quer dizer que o texto no vale nada ou quenorma e texto sejam coisas disposio do intrprete, ou, ainda, queo intrprete possui arbitrariedade para a xao da norma (sentidodo texto);

    smo, se texto e sentido do texto no so a mesma coisa, tal cir-cunstncia no implica a armao de que estejam separados (cindi-dos) ou que o texto contenha a prpria norma, mas sim, que apenas huma diferena (ontolgica) entre os mesmos; preciso compreender

    que a norma o texto em forma de enunciados, em que o contedoveritativo no nada mais do que a dimenso predicativa, isto , aqloq s d sobr l;

    oavo, um equvoco pregar que o texto jurdico apenas aponta do cbrg, e que a tarefa do intrprete a de revelar o que estsubmerso (por exemplo, os valores da sociedade sc), porquepensar assim dar azo discricionariedade e ao decisionismo, caracte-rsticas do positivismo;

    oo, no pode restar dvida de que tanto a separao como a de-pendncia/vinculao entre direito e moral esto ultrapassadas, em facedaquilo que se convencionou chamar de institucionalizao da moral nodireito (esta uma fundamental contribuio de Habermas para o direi-to: a co-originariedade entre direito e moral), circunstncia que refora,sobremodo, a autonomia do direito. Isto porque a moral regula o com-portamento interno das pessoas, s que esta regulao no tem fora

    jurdico-normativa. O que tem fora vinculativa, cogente, o direito, querecebe contedos morais (apenas) quando de sua elaborao legislativa(veja-se, a seguir, essa discusso no subttulo que trata do criptogramada discricionariedade). Observemos: por isso que o Estado Democr-tico de Direito no admite discricionariedade (nem) para o legislador,porque ele est vinculado a Constituio (lembremos sempre a rupturaparadigmtica que representou o constitucionalismo compromissrio esocial). O constituir da Constituio a obrigao suprema do direito., pois, a virtude soberana (parafraseando Dworkin). A partir da feiturada lei, a deciso judicial passa a ser racionalizada na lei, que quer dizer,

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    sob o comando da Constituio e no sob o comando das injunespessoais-morais-polticas do juiz ou dos tribunais. Essa questo de

    suma importncia, na medida em que, ao no mais se admitir a tese daseparao (e tampouco da vinculao), no mais se corre o risco de colo-car a moral como corretiva do direito. E isso ter consequncias enormesda discusso regra-princpio.

    Dcmo, como consequncia, nos casos assim denominados dedifceis, no mais possvel delegar para o juiz a sua resoluo.Isto porque no podemos mais aceitar que, em pleno Estado Democr-tico de Direito, ainda se postule que a luz para determinao do direito

    cocro provenha do protagonista da sentena. Do mesmo modo, aideia de imparcialidade pura do juiz ou o uso de estratgias argumen-tativas para isentar a responsabilidade do julgador no momento deci-srio podem levar introduo de argumentos de poltica na deciso

    jurdica. Nesse sentido so precisas as armaes de Dworkin:

    A poltica constitucional tem sido atrapalhada e corrompida pelaideia falsa de que os juzes (se no fossem to sedentos de poder) po-deriam usar estratgias de interpretao constitucional politicamente

    neutras. Os juzes que fazem eco a essa ideia falsa procuram ocultarat de si prprios a inevitvel inuncia de suas prprias convices,e o que resulta da uma suntuosa mendacidade. Os motivos reaisdas decises cam ocultos tanto de uma legtima inspeo pblicaquanto de um utilssimo debate pblico. J a leitura moral prega umacoisa diferente. Ela explica porque a delidade Constituio e aodireito xg que os juzes faam juzos atuais de moralidade polticae encoraja assim a franca demonstrao das verdadeiras bases destes

    juzos, na esperana de que os juzes elaborem argumentos mais sin-ceros, fundados em princpios, que permitam ao pblico participar dadiscusso(DWORKIN, 2006).

    Isso signica que, para alm da ciso estrutural entre casossimples e casos difceis, no pode haver deciso judicial que no sejafdamada ejusticada em um todo coerente de princpios que reper-cutam a histria institucional do direito. Desse modo, tem-se por su-perada a discricionariedade a partir do dever fundamental de respostacorreta que recai sobre o juiz no contexto do paradigma do Estado De-mocrtico de Direito.

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    O (ps-)positivismo e os propalados modelos de juiz (Hrcules, Jpiter e Hermes) doisdeclogos necessrios

    No posso esquecer, aqui, de repetir a denncia que h mui-to venho fazendo: a de que o Direito Constitucional (especialmente

    ele) foi tomado aqui em rra brasls por diversas teorias dosprincpios por vezes autodenominadas teorias da argumentao

    jurdica , sendo raro, nestes dias, encontrar constitucionalistas queno se rendam distino estrutural regra-princpio e ponderao devalores (alguns ainda falam em ponderao de interesses).A partirdessa mixagem terica, so desenvolvidas/seguidas diversas teorias/teses por vezes incompatveis entre si. Alm da ponderao de prin-cpios, h quem defenda a ponderao de regras. Neste ltimo caso, oque chama mais ateno o fato de a ponderao ser um dos fatorescentrais que marcam a distino entre regras e princpios de RobertAlexy (princpios se aplicam por ponderao e regras por subsuno, uma das mximas alexyanas). E mais: se apodrao o procedimentodo qual o resultado ser uma regra posteriormente subsumida ao casoconcreto, o que temos como resultado da ponderao de regras?Uma regra da regra? Como ca, portanto, em termos prticos, a dis-tino entre regras e princpios, uma vez que deixa de ter razo de ser adistino entre sbso epodrao? No Brasil, a ponderao apare-

    ce como procedimento generalizado de aplicao do direito. Isso umequvoco. Ou seja, em todo e qualquer processo aplicativo, haveria anecessidade de uma parada para que se efetuasse a ponderao.Talempresa estender a ponderao para a aplicao de regras se mos-tra destituda de sentido prtico, visto que da regra ir resultar outraregra, essa, sim, aplicvel ao caso, alm de apontar para os equvocosna recepo da teoria alexyana entre os autores brasileiros.

    Na maior parte das vezes, os adeptos da ponderao no levamem conta a relevante circunstncia de q mpossvl far ma pod-rao q rsolva dram o caso. A ponderao nos termos propala-dos por seu criador, Robert Alexy o ma oprao m q s colocamos dos prcpos m ma balaa s apoa para aql q psa mas

    (sc), algo do tipo entre dois princpios que colidem, o intrprete es-colhe um (sc). Nesse sentido preciso fazer justia a Alexy: sua tesesobre a ponderao no envolve essa escolha direta.

    Em outras palavras, no possvel servir a vrios senhores dacincia ao mesmo tempo. Trata-se de uma opo paradigmtica, o que

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    acarreta uma impossibilidade de misturar, por exemplo, posturas ain-da assentadas no esquema sujeito-objeto (em menor ou maior grau)

    e posturas antiepistemolgicas. Denitivamente, hermenutica no teoria da argumentao, do mesmo modo que verdade no consenso.No possvel lanar mo to-somente das partes nobres de cadateoria (ou paradigma), descartando as insucincias.

    Mas, ateno: a hermenutica no afasta a epistemologia. En-tretanto, o que no possvel fazer confundir os nveis nos quaisnos movemos. Ou seja deixo isso claro em meu Vrdad Cosso, quando explcito o (j) compreendido, esse processo se d no nvel

    lgico-argumentativo, e no losco. E, insista-se: losoa no lgi-ca. Esse proceder epistemolgico antecipado; o s cofd com oprpro cohcmo. Pela hermenutica, fazemos uma fenomenologiado conhecimento. No uma coisa concreta. , sim, a descrio da au-tocompreenso que opera na compreenso concreta. Na explicitao que haver o espao de uma teoria do conhecimento.

    Na era das Constituies compromissrias e sociais (e dirigen-tes), enm, em pleno ps-positivismo, uma hermenutica jurdica ca-

    paz de intermediar a tenso inexorvel entre o texto e o sentido dotexto no pode continuar a ser entendida como uma teoria ornamentaldo direito, que sirva to somente para colocar capas de sentido aostextos jurdicos. No interior da virtuosidade do crculo hermenutico,o compreender no ocorre por deduo. Consequentemente, o mtodo(o procedimento discursivo) sempre chega tarde, porque pressupesaberes tericos separados da realidade. Antes de argumentar, o in-trprete j compreendeu.

    De todo modo, devemos reconhecer que, visando realizaodas promessas incumpridas da modernidade, as diversas teorias cr-ticas (teoria do discurso habermasiana, as diversas teorias da argu-mentao, a hermenutica losca, a metdica estruturante, etc.),todas perfeitamente inseridas no paradigma do Estado Democrticode Direito, tm, inequivocamente, um objetivo comum: a superao dopositivismo jurdico e do dogmatismo que se enraizou na doutrina ena jurisprudncia, responsveis em grande medida pela inefetividadeda Constituio (circunstncia que assume foros de dramaticidade em

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    pases de modernidade tardia como o Brasil). Cada uma das correntesloscas ou teorias, ao seu modo, apontam as possveis sadas para

    a superao da crise do direito brasileiro, cada vez mais aguda. Nessaintensa procura, h algo que inacessvel e isto parece incontornvel.Ou algo que incontornvel e que, por isso, inacessvel...

    Nesse contexto do cotejo das diversas teorias, preciso trazer lume uma questo de extrema relevncia, quem vem confundindo acomunidade jurdica, fruto de diferentes equvocos acerca da relaopositivismo/ps-positivismo, alm da necessria questo relaciona-da ao papel desempenhado pelo juiz diante da relao entre os Pode-

    res do Estado. A dogmtica jurdica compreendida lao ss (doscrticos aos tradicionais conservadores) no conseguiu ainda cons-truir os alicerces para a compreenso do que seja um paradigma e opapel do positivismo jurdico (e o que seja, efetivamente, uma postu-ra positivista). No difcil constatar a confuso entre os vrios tiposde positivismos. A maioria dos juristas ainda combate o positivismoprimitivo (exegtico).

    Com efeito, em julgamentos nos tribunais e em conferncias em-

    polgadas, lemos e ouvimos que os juzes no devem cumprir a letrafria (sic) da lei e que h(veria) dois tipos de juzes: o positivista, quese apega lei e o crtico ps-positivista, que se utiliza dos princpios(sic). Segundo se diz por a, o primeiro tipo de juiz deve desaparecer;o segundo, o dos princpios, o modelo ideal. S que, nesse ltimocaso, ao incentivarem a busca dos valores, seus autores mal sabemque, o que esto fazendo, uma vulgata do velho positivismo ftico...!E, com isso, fragilizando a autonomia do direito. Mas, mais do queisso, fragilizam a diviso entre as funes e poderes do Estado nesta

    fase da histria.Ora, desde quando obedecer uma lei democrtica nos seus mni-

    mos detalhes ser um positivista? Na verdade, confundem-se concei-tos. Vejamos: positivismo exegtico (que era a forma do positivismo pri-mitivo) uma coisa distinta, porque separava direito e moral, alm deconfundir texto e norma, lei e direito, ou seja, tratava-se da velha crena ainda presente no imaginrio dos juristas em torno da probo drprar, corolrio da vetusta separao entre fato e direito, algo que

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    nos remete ao perodo ps-revoluo francesa e todas as consequn-cias polticas que dali se seguiram. Depois veio o positivismo normati-

    vista, seguido das mais variadas formas e frmulas que identicando(arbitrariamente) a impossibilidade de um fechamento semntico dodireito relegou o problema da interpretao jurdica a uma questomenor (lembremos, aqui, de Kelsen): o problma do dro o s omodo como os js dcdm, mas, smplsm, as cods lgco-d-

    cas d valdad das ormas jrdcas.

    Mas, uma coisa todos esses positivismos tm at hoje em comum:a discricionariedade (que leva arbitrariedade, aos decisionismos, ati-

    vismos, etc). E isso se deve a um motivo muito simples: a tradio con-tinental, pelo menos at o segundo ps-guerra, no havia conhecidouma Constituio normativa, invasora da legalidade e fundadora doespao pblico democrtico. Isso tem consequncias drsticas para a con-cpo do dro como m odo! Quero dizer: saltamos de um legalismorasteiro que reduzia o elemento central do direito, ora a um concei-to estrito de lei (como no caso dos cdigos oitocentistas, base para opositivismo primitivo), ora a um conceito abstrato-universalizante de

    norma (que se encontra plasmado na ideia de direito presente no posi-tivismo normativista),para ma cocpo da lgaldad q s s cossob o mao da coscoaldad. Anal e me lembro aqui de EliasDias , no seramos capazes, nesta quadra da histria, de admitir umalegalidade inconstitucional.

    Eis o ovo da serpente. Obedecer risca o texto da lei democra-ticamente construda (j superada a toda evidncia - a questo da dis-tino entre direito e moral) no tem nada a ver com a exegese moda

    antiga (positivismo primitivo). No primeiro caso, a moral cava de fora;agora, no Estado Democrtico de Direito, ela co-originria. Falamoshoje, pois, de uma outra ou de uma nova legalidade. Como exemplo,cito a literalidade do art. 212 do CPP (na nova redao trazida pela Lein. 11.690/08, que inverte a ordem das perguntas s testemunhas). Ora,aplicar o dispositivo em tela no s obedecer (tambm) literalmen-te a Constituio, como institucionalizando o sistema acusatrio, toreclamado pelos processualistas penais. A legalidade reclamada, neste

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    caso, ma lgaldad cosda a parr dos prcpos q so o marco dahsra scoal do dro; uma legalidade, enm, que se forma no

    horizonte daquilo que foi, prospectivamente, estabelecido pelo textoconstitucional.

    Por tudo isso, cumprir a letra da lei signica sim, nos marcosde um regime democrtico como o nosso, um avano considervel. Aisso, deve-se agregar a seguinte consequncia: tanto aquele que dizque texto e norma (ou vigncia e validade) so a mesma coisa comoaquele que diz que esto descolados (no caso, as posturas axiolo-gistas, realistas, etc.), so positivistas. Para ser mais simples: Kelsen,

    Hart e Ross foram todos positivistas. Como positivistas so hoje osjuristas que apostam na discricionariedade judicial...! Ou em ativismosjudiciais irresponsveis (o que d no mesmo). Seja isso para o bem oupara o mal.

    REFERNCIAS

    ALEXY, Robert. Teoria da argumentao jurdica. So Paulo: Landy,

    2001.

    ARNAUD, Andr-Jean. Le courrier du CNRS. Les sciences du droit,abril de 1990.

    ATIENZA, Manuel. As razes do Direito. 3. ed. So Paulo: Landy,2003.

    DWORKIN, Ronald. Laws empire. London: Fontana Press, 1986.

    _______. Taking Rights Seriously. Cambridge, Massachussets: Har-vard University Press, 1977.

    _______. Direito de liberdade. Leitura moral da constituio america-na. So Paulo: Martins Fontes, 2006.

    GADAMER, Hans-Georg. Wahrheit und methode, Ergnzungen Reg-ister. Tbingen, J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), 1993.

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    TOMAZ DE OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Deciso judicial e o conceitode princpio. A hermenutica e a (in)determinao do direto. Porto

    Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

    NOTAS

    1 Permito-me remeter o leitor para o meu Verdade e Consenso, 3. ed (Lumen Juris, 2009) e 4.Ed (Saraiva, 2011, onde essa problemtica esmiuada cm gra sals.

    2 De que modo se pode falar em valores em sociedades complexas (ps-tradicionais, comose refere Habermas) como as nossas? No h como defender um mtodo de ponderao,porque ele supe valores intersubjetivamente compartilhados; alm disso, nega o carter deon-tolgico do direito, colocando este sob a lgica gradual dos valores (ver HABERMAS, Jrgen.A clso do oro. So Paulo: Loyola, 2002, p. 355 sq.). Isso s possvel porque fundadono primeiro ponto, isto , se a sociedade compartilha valores comuns, pode-se escalon-losde forma gradual. O problema que, se no h tal compartilhamento, o que resta, ao m e aocabo, alm da violao ao cdigo (Luhmann) prprio do Direito, o decisionismo judicial.Ademais, se o juiz se coloca como crtico das opes do legislador, para lhe denir sentidos(. g., interpretao conforme a Constituio), a partir da valorao dos valores constitucionais,perdem-se os parmetros de controle de sua atividade (Ingeborg Maus). O que interessantesobre esta adoo acrtica (ao contrrio, entusiasta!) da jurisprudncia dos valores germni-cos que, na Alemanha, a mesma sofre duras crticas. Ingeborg Maus fala do mal que se abateusobre o Judicirio de seu pas desde o nal da Segunda Guerra, dizendo que o mesmo assumiuo superego de uma sociedade rf (MAUS, Ingeborg. Judicirio como Superego da Socieda-de: o papel da atividade jurisprudencial na sociedade rf. novos esdos CeBRAP, So Pau-lo, n. 58, pp. 183-202, 2000). Em suas palavras: A eliminao de discusses e procedimentosno processo de construo poltica do consenso [...], alcanada por meio da centralizao daconscincia social na Justia. [...] Quando a Justia ascende ela prpria condio de mais altainstncia moral da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social (pp.186-187, grifos nossos). Na mesma linha, Habermas tambm tece crticas a partir, inclusive,de outros constitucionalistas, como Denninger, Dieter Grimm e Bckenfrde (cf. HABERMAS,Jrgen. Faccdad y vald: sobr l drcho y l sado dmocrco d drcho rmos d ora dldscrso. Madrid: Trotta, 1998, p. 317 e 322).

    3 Importante registrar um esclarecimento: quando falo aqui em uma nfase semntica, estoume referindo explicitamente ao problema da rprao do dro tal qual descrito porKelsen no fatdico captulo VIII de sua R Rchslhr. Para compreendermos bem essaquesto, preciso insistir em um ponto: h uma ciso em Kelsen entre direito e cincia dodireito que ir determinar, de maneira crucial, seu conceito de interpretao. De fato, tambma interpretao, em Kelsen, ser fruto de uma ciso: rprao como ao d voad e rpr-ao como ao d cohcmo. A interpretao como ato de vontade produz, no momento desua aplicao, ormas. A descrio dessas normas de forma objetiva e neutral interpreta-o como ato de conhecimento produzproposs. Dado caracterstica relativista da moralkelseniana, as normas que exsurgem de um ao d voad tero sempre um espao de mo-bilidade sob o qual se movimentar o intrprete. Esse espao de movimentao derivado,exatamente, do problema semntico que existe na aplicao de um signo lingustico atravsdo qual a norma superior se manifesta aos objetos do mundo concreto que sero afetadospela criao de uma nova norma. Por outra banda, a interpretao como ato de conhecimento que descreve no plano de uma metalinguagem as normas produzidas pelas autoridades ju-rdicas produz proposies que se relacionam entre si de uma maneira estritamente lgico-formal. Vale dizer, a relao entre as proposies so, essas sim, meramente scas. Minhapreocupao, contudo, no dar conta dos problemas sistemticos que envolvem o projeto

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    kelseniano de cincia jurdica. Minha questo explorar e enfrentar o problema lanado porKelsen e que perdura de um modo difuso e, por vezes, inconsciente no imaginrio dos juris-tas: a ideia de discricionariedade do intrprete ou do decisionismo presente na metfora da

    moldura da norma. nesse sentido que se pode armar que, no que tange interpretaodo direito, Kelsen amplia os problemas semnticos da interpretao, acabando por ser picadofatalmente pelo aguilho semntico de que fala Ronald Dworkin.

    4 Essa questo extremamente relevante, porque a perspectiva sistmica, ao decretar a mor-te do sujeito, aproxima-a dos modelos desconstrutivistas, isto , a superao do esquemasujeito-objeto acaba anulando o prprio sujeito. Por isso, necessrio insistir, a partir, eviden-temente, de um olhar heideggero-gadameriano, que a invaso da losoa pela linguagem eo resgate do mundo prtico no representou a morte do sujeito, e, sim, apenas a morte dasubjetividade assujeitadora (certeza de si do pensamento pensante).

    5 No Brasil, Wlber Araujo Carneiro, no obstante veja no Hrcules de Dworkin a gura deum juiz no-arbitrrio, prope a alegoria de um juiz adaptado s condies sistmico-ins-titucionais do civil law e, em contraposio leitura ps-moderna de Ost, concebe o seujuiz Hermes em uma morada mais familiar, isto , no contexto hermenutico-losco.

    O juiz Hermes, proposto por Wlber, responsvel por traduzir juridicamente aquilo quecompreende a partir do mundo da vida. Embora Hermes tenha sido preparado para semovimentar no mundo institucionalizado do direito, isso no fez dele um estrangeiro, poisseu cotidiano vivido no seu mundo originrio. A releitura da alegoria de Hermes trazidapor Wlber enfrenta ainda a formao acadmica de Hermes, em uma cida crtica ao modelode ensino jurdico no Brasil, bem como o mtodo heterorreexivo por ele proposto em suaobra. CARNEIRO, Wlber Araujo. Hermenutica jurdica heterorreexiva, 2011, p. 273-280.

    6 Parece despiciendo referir que a resposta correta no , jamais, uma resposta denitiva. Domesmo modo, a pretenso de se buscar a resposta correta no possui condies de garanti-la.Corre-se o risco de se produzir uma resposta incorreta. Mas o fato de se obedecer coernciae a integridade do direito, a partir de uma adequada suspenso de pr-juzos advindos datradio, j representa o primeiro passo no cumprimento do direito fundamental que cadacidado tem de obter uma resposta adequada a Constituio.

    7 Cf. Jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal do Brasil, DJ 25.10.96.8 De se consignar que h muitos trabalhos produzidos sob minha orientao que procuram

    aproximar as conquistas da losoa hermenutica e da hermenutica losca do direito.Nesse sentido, importante citar o ncleo de estudos hermenuticos Das que, no mbi-to do PPG em direito da Unisinos-RS, desenvolve atualmente um profcuo trabalho que pro-cura enquadrar, hermenutica e criticamente, fenmenos como o Ativismo Judicial, a Judicia-lizao da Poltica e o problema da interpretao da Constituio, nesses mais de vinte anosde constitucionalismo democrtico no Brasil. Esse grupo conta com a participao da mes-tranda Clarissa Tassinari, dos mestrandos Danilo Pereira Lima e Santiago Artur Berger Sito,alm dos bolsistas de Iniciao Cientca Rafael Kche e Fabiano Mller. O Das tambmfoi o espao que fomentou os trabalhos de Andr Karam Trindade, Fausto Santos de Moraes eRafael Tomaz de Oliveira. H ainda, tambm, publicaes importantes que foram forjadas natrilha daquilo que venho denominando nova crtica do Direito. Nesse sentido, Cf. TOMAZDE OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Deciso Judicial e o Conceito de Princpio. A hermenutica e a (in)drmao do dro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, em que este procura iden-ticar o sincretismo conceitual que existe em torno do conceito de princpio procurando, apartir do paradigma da fenomenologia hermenutica, um modo adequado de abordagem doconceito de princpio em tempos de constitucionalismo compromissrio. Trata-se de obra im-portante para enfrentar o problema daquilo que venho chamando depa-prcpologsmo. Nocampo do direito processual, tambm h importantes contribuies desenvolvidas a partir dahermenutica losca e da losoa hermenutica. Nesse sentido, Cf. MOTTA, Francisco J.Borges. Levando o direito a srio: uma crtica hermenutica ao protagonismo judicial. Florianpolis:Conceito Editorial, 2010, que procurada enquadrar o problema do protagonismo judicial nombito da teoria processual a partir da teoria integrativa de Ronald Dworkin, agregada pelainterseco com a obra de Hans-Georg Gadamer, na linha daquilo que, em Vrdad Cosso

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    venho trabalhando em termos de uma imbricao entre Gadamer e Dworkin. Tambm a obrade HOMMERDING, Adalberto Narciso. Fundamentos para uma compreenso hermenutica doprocsso cvl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, que procura situar o campo da teoria

    processual em um ambiente hermeneuticamente adequado. Nesse sentido, Hommerding re-aliza uma desconstruo dos modelos liberais-individualista de teoria processual, propondo,a partir dos aportes da losoa hermenutica, uma compreenso hermenutica do processocivil. Destaco, ainda, o trabalho de RAMIRES, Maurcio. Crca aplcao d prcds odro braslro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, que procura, a partir de umacrtica ao sincretismo praticado no Brasil entre as tradies da cvl Law e da commo Law,efetuar uma crtica ao modo como os precedentes judiciais so aplicados em rra brasls. sempre importante lembrar que a jurisprudncia brasileira tende a tratar os casos julgadospelos tribunais como frmulas prontas verdadeiras capas de sentido passveis de seremaplicadas aos casos futuros a partir de um modeloprt--porter.A hermenutica mostra, aqui,toda singularidade que brota a partir da anlise do caso e a complexidade que toma conta doprocesso de interpretao do direito, que deve estar pautado pelos deveres de integridade ecoerncia. Importante tambm lembrar o trabalho de MOREIRA, Nelson Camatta. Fdam-os d ma ora da coso drg. Florianpolis: Conceito Editorial, 2010, no interior doqual o autor procura, no campo da Teoria Constitucional, encontrar um fundamento para aexperincia do dirigismo constitucional, a partir da losoa de Charles Taylor autor quepossui profundo vnculo com a hermenutica no modo como ela se desdobrou no sculo XX.Enm, h ainda uma centena de teses e dissertaes que ventilam as propostas e os estudosdesenvolvidos no mbito do PPG em Direito da Unisinos, particularmente ligados ao Das Ncleo de Estudos Hermenuticos, que funciona sob a minha coordenao. O o condutorque une todos estes trabalhos pode ser traado a partir da descoberta do carter projetivo dainterpretao; a defesa do carter constitutivo da linguagem; e, em consequncia disso tudo,a superao da relao sujeito-objeto pela intersubjetividade que instaura os sentidos do pro-cesso compreensivo.

    9 Tenho sustentado que as teorias da argumentao no superaram o paradigma representa-cional (sujeito-objeto) e que a ponderao de que fala Alexy (em especial, ele) um modo

    de repristinao da (velha) discricionariedade positivista, tese que, alis, as teorias da ar-gumentao armam combater. Os sintomas desses problemas podem ser percebidos, v.g.,a partir da para mim, indevida ciso entre casos fceis e casos difceis, quando Alexy (eseus seguidores, especialmente no Brasil) dizem que os asy cass so resolvidos por sub-suno (ou deduo) e os hard cass atravs da ponderao, momento em que os princpiosso chamados colao.

    10 Despiciendo lembrar que a expresso objetivismos ou objetivista provm do paradigmaaristotlico-tomista e no da dicotomia subjetivistas (vontade do legislador) - objetivis-tas (vontade da lei). Embora se possa fazer uma relao entre os termos relao essa quenecessitaria de uma ampla explicitao no plano da teoria do direito , na verdade estou atratar de um paradigma losco (que teima em no desaparecer) e no propriamente dacontraposio das referidas posturas surgidas no sculo XIX.

    Artigo recebido em: 10/02/2011

    Aprovado para publicao em: 17/02/2011