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Letramento - Um Tema Em Três Gêneros

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Copyright © 1998 by Magda Soares

P R OJ E TO G R AF IC O

Cristiane Línhares

CAPA

Mirella SpinelliRejane Dias(Sobre o quadro As Meninas de Renoir)

COORDENAÇAo

CEALE/FaE - UFMG

E D IT O RA Ç AO E LE T R6 N IC A

C/arice Maia Scotti

REVISAo

Luiz PrazeresRosa Maria Drumond CostaAna Carolina Uns Brandão

Sumário

EDITOR A RESPONSAvEL

Rejane Dias

To dos o s d ire it os r eser vados pel a Au tên ti ca Edi to ra .Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida,s ej a por m eios mecân icos, e le trô nicos , se ja v ia cópi axerográfica sem a autor ização prévia da edi tora .

APRESENTAÇÃO

AUTÊNTICA EDITORA lTDA.Rua Aimorés, 981, 8 andar. Funcionários30140-071. Belo Horizonte . MGTel: (55 31) 3222 68 19TELEVENDAS: 0800 283 13 22www.autenticaeditora.com.br Letramento em verbete

O QUE É LETRAMENTO?

3

Dad os In ter nac io nai s d e Cat al og aç ão n a Pu bl ic aç ão CIPCâm ar a B ras il ei ra d o l iv ro

CDU-372.4

Letramento em texto didáticoO QUE LETRAMENTO

EALFABETIZAÇÃO

27oares, Magda.Letram ento: um tema em três gêneros / Magda Soares. - 3. ed. -Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.128p.

ISBN 978-85-86583-16-2

1. Alfabetização. 2. Leitura. 3. Escrita. I . Título.

S6761 Letramento em ensaioLETRAMENTO: COMO DEFINIR,

COMO AVALIAR, COMO MEDIR

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Apres entando acoleção 1 7

present ndo coleção

LINGUAGEM EDUCAÇÃO

o CEALE, Centr o de Alfabetização , Leitura e Escritada Faculdade d e Edu caçã o da UFMG, cri ado em 1991,tem procurado pr oduzir e soc ializar o conhe cimento sob rea a lfabetização , a leitura , a es crita e o en sino da línguaportuguesa e d a literatura brasileira nas escolas. Para issotem realizado cur sos, se minários, confer ências, debates, as-sim como viabiliz ado diferentes tipos de pu blicações quepossibili tem ess a soc ialização.

A Cole ção Linguagem Educação que o CEALEinaugura - em p arceria co m a Editora Aut êntica - co m olivr o Letramento: um t ema em três gêner os, propõe-se asocializar estud os a respeito das relações entre os fenôme-nos da linguagem , a esco la e a sociedad e, realizados porpesquisadores t anto da UFM G como de outras institui çõesnacionais e do exterior. Coloca-se, assim, como um espa-ço a berto para int erlocuções nessa área d e es tudos.

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8 ILetramento Apres entação I 9

A dec isão pela e scolha do tema fetramento para inau-gurar o primeiro núm ero da co leçã o apoia- se na necessi-dade de se respond er a inqui etaçôes sobr e os usos daleitur a e da escrita , cada vez mais colocadas p elas soc ie-dades a tuais. O núm ero restrit o de trabalhos sobre o tema,e a exce lência do s textos da professora M agda Soares,respeitad a pesqui sadora na área de lingua gem e educa-ção, justifica plenam ente a nossa escolha.

E LE

Apresentação

UM TEMA, TRÊS GÊNEROS

Ler um te xto, co mo você es tá fazend o ago ra, é instau-rar uma situ ação d iscursiva. Aliá s, no caso deste texto q uevocê lê agora, essa situação discursiva j á se iniciou nomomento mesm o em que você tomou na s mãos este livr o,observou a cap a, uma ilustração , certa s co res, um títul o,um n ome pr ópri o, o da a utora, folheou as prim eiras pági-nas, viu um sumário, q ue anuncia três t extos . .. e, sob ainflu ência des ses e lementos, c hega a est a pág ina e come -ça a ler esta Apr esentação - que leitura estará você produ-zindo deste t exto?

É a relaç ão que agor a se es tá estabel ece ndo entre nós -entre mim, aut ora, e você, leitor ou leitor a - que construir áo se ntido dest e texto. Mas e u busco contr olar esse se ntidoque voc ê con struir á tomando as minha s preca uçôes: estouescrevendo e ste texto para um certo l eitor, não para umqualquer leitor genérico e abstrato, e é busca ndo interagir

com esse leitor, que imagino e pretendo, qu e esc revo es te

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10I LetramentoApre sentaç ão I I I

texto co mo o estou e screvendo - neste estil o, co m estaorganização, distribuind o ass im as ideias , dividind o-as e mperíodos e parágr afos ass im co mo es tou fazend o, lançandomão de certos pr otoco los de leitura . O gênero destaAprese ntação está sendo o resultado da fun ção que a tri-buo a e la e das condi ções es peci ficas em qu e a produzo;estou supondo: al guém tomou este livro n as mãos, e es-tará se perguntando: u m tema em três gên eros? que se n-tido terá gênero aqui? e por que um mesm o tema emtrês gêneros? para qu ê? Porque a tribuo a esta Apr esenta-ção a função de r esponder a essa s pergunt as e porqueestou supondo um certo leitor, com certos int eresses , comcertos co nheciment os prévios, com certa disp osição paraler esta Apresenta ção e fo lhear este livro, escrevo aq uicomo es tou escrevendo: neste gênero.

Os dois parágr afos a nteriores terão deix ado c laro quegêne ro aqui tem o s entid o que lhe dá Bakhtin: ca da esferade utiliz açã o da língu a e labora se us tipos relativam ente es-táve is de enunciad os, se ndo isso que denomin amos gê-neros d o discurso . E terão deixado claro t ambém qu e ogênero do discurso, no caso da interaçã o por meio d a esc rita, éresultado da função qu e o a utor atribui ao te xto, do leitorespecífico para qu em o a utor esc reve, das c ondi ções deprodução do texto. P or isso, um m esmo tem a pode se rdese nvolvido em dif erent es gê neros discursi vos. Ind o a lémdaquilo que é mais fr equente dizer-se quando se discute,numa perspectiva di scursiva, o texto escrito - qu e, de ummesmo texto, difer entes leitores co nstroem dif erentes leitu-ras - pretendeu-se aqui evidenciar outra coisa: qu e so bre ummesmo tema podem (devem?) ser produzid os, e m dife-rentes s ituações dis cursivas, diferentes texto s para dife-rentes leitores, em função dos se us objetivos , interesse s,características - um m esmo tema em diferent es gê neros.

Um m esmo tem a - letramento, este no vo conceito r e-cém-introduzido no campo da Educaç ão, das Ciências So-

ciais, da História, d as C iências Linguísticas.

Três gênero s - três diferentes textos pr oduzidos e m trêsdiferentes condi ções discursivas, com três dif erentes funçõese objetivos, par a três diferentes grupos d e leit ores, a nterior-mente publicad os e m tr ês dif erentes portad ores.

Em primeir o lugar, um t exto produ zido para o leitor-

professor com o o bjetivo de esclarecer o s ignificado deletramento; mais especificamente, um te xto informativo,desc ritivo e críti co, produzido para a s eção Dicionáriocríti co da Educ ação de uma revista ped agóg ica - o temaletramento no gênero verb ete.

Em segundo lu gar, um t exto produzido p ara o professo r-leitor-estudant e, envolvido em atividad es de aperfeiç oa-mento e atuali zação profissional; mais especificamente,um te xto qu e procura provoca r e orient ar a reflexão doprofessor , buscando s uscitar e acompanh ar os diversos enem sempre pr evisíve is ca minhos do pro cesso de a pren-dizagem, texto pr oduzid o para utilização em cursos , semi-nários, oficina s de formaçã o continu ada - o temaletramento no g ênero texto didático .

Finalmente, um t exto destinado a profi ssionais respon-sáveis por, em dif erentes inst âncias, avali ar e medir l etra-mento e alfabetiz ação, public ado originalm ente como umamonografia el aborada para um organi smo internacional(Unesco), port anto, para um técnico-leit or int ernacional

em busca de sup orte teórico para suas ativid ades de ava -liaçã o e medid a de letramento e alfabeti zação; mais es pe-cificamente, um t exto analítico, a rgumentativ o, questionador,em que ideias são submetidas a cuidado so escrutínio - otema letram ento no gê nero ensaio.

Informaçõ es mais detalhadas sobre os objetivos e co n-dições de produ ção d e ca da um desses t extos prece demcada um del es; mas ca be aqui ainda r esponder a um aúltim a quest ão qu e o leitor desta Apresent ação certamentegostaria de ver r espondid a: que objetivo t em este livro em

que se propõe um só tema em três gêner os? Ou , dizendo

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12I Letram ento

de outra forma: a que leitor se d estina este livr o? Há duasrespostas a essa perg unta.

A primeira resposta é q ue, embora os textos s ejam, decerta forma, recorrentes, não se repetem: a especifi cidadeda relação a utor-leitor em cada texto conduz a um a situa-ção discursiva diferente, que constrói um t exto tam-bém dif erente; assim, os textos antes se somam qu e serepetem, cada um ampli ando, na sequência em qu e sãoapresentados, o tema único letram ento.

A seg unda resposta é q ue o que neste livro se pr etende énão ape nas d iscutir u ma co nceituação de letram ento ealf a b e tização , em suas diferentes facetas e dim ensões , mastambém sugerir ao leitor a poss ibilidade de interações dis-cursivas diferenciadas sob re o mesmo tema, em t extos es -critos, e m fun ção de diferentes relações autor-l eitor e

diferentes co ndi ções de p rodução, gerando texto s de dife-rentes gê neros.

O leitor pretendido para es te livro é, assim , aquele quese interessa por letramento e a lfabetização , por h abilid a-des e práticas sociais de leitura e escrita, e qu e também seinteressa por uma a nálise discursiva das prática s de pro-dução de texto e de leitura, e busca compr eender asrelações a utor - texto - leitor, e suas consequ ências naprodução de diferentes práticas discursivas e dif erentesgêneros discursivos.

LETR MENTO EM

VERBETE

o QUE É LETRAMENTO?

Texto'p ub li ca do n o p er ió di co P re se nç a P ed ag óg ic a , v.-l,n. 10 ,jullâgo: /996, n a s eç ão'' 'Dicionário crít ico daeducação ,. .

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e rb e te 115

Letramento é palavra recém -chegada ao voca bulárioda Educação e d as C iências Linguísticas: é na seg undametade dos anos 80 , há cerca de a penas dez anos, por-tanto, que ela sur ge no discurso dos especia listas de ssasáreas . Uma das prim eiras oco rrências es tá em livro de

Mary Kato , de 1 986 (No mundo da escri ta : uma pers-pectiva psicolínguística, Editora Á tica) : a autora, logo noinício do li vro (p.7), diz acreditar que a língua faladaculta é consequ ência do letram ento (grifo meu).': Doisanos mais tarde , em livr o de 1988 (Adultos não alfabeti-zados: o avesso do av esso, Editora Po ntes), Leda VerdianiTfouni, no capítul o intr odutório, dis tingue a lfabetizaçãode letramento: talvez se ja esse o mome nto em que letra-mento ganha estatut o de t ermo técnico no léxico doscampos da Edu cação e das C iências Linguísticas . Desde

então, a pal avra torna-se ca da vez ma is frequente nodiscurso escrit o e falado de especialistas, de tal formaque, em 1995 , já fi gura em t ítul o de livro or ganizado porÂngela Kleim an: O s significados do etramento: umanova perspectiva s obre a p rática soc ia l da escr ita (grifomeu, ver referênci a na nota 1) .

I Ângela Kleiman levanta a hipótese de que Mary Kato fé que terá cunhado o termoletramento (ver nota ela p.17 em KLElMAN,A. (Org.). Os significa dos do letra rnento: umanova perspectiva sobre a pr á tica soc ia l da escrit a . Campinas: Mercado ele Letras, 1995).

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1 6 1Letramento Verbete 1 1 7

o que ex plica o surgim ento recente dess a pal avra? No-vas pala vras s ão c riadas (ou a ve lhas pal avras dá-se umnovo sentid o) quando em ergem novos fato s, novas i deias,novas m aneiras de compre ender os fenômen os. Que novofato, ou n ova ideia, ou n ova maneira de compr eender apresen ça da esc rita no mund o soc ial troux e a necess idadedesta nov a palavra, fetramento ?

Se a p alavra letramento ainda ca usa estr anheza a mui-tos, outra s palavras do m esmo campo sem ânti co se mprenos foram f amili ares: analf abetismo, analfab eto, alfabeti-zar, alfab etização, alfab etizad o e, mesmo , letra do e ile-trado. Analfabetismo define o Novo Dicio nár io Aurélioda Língua P ortu guesa, é o es tado o u condi ção de analfa-beto , e analfabeto é o qu e não sa be ler e esc rever , ouseja, é o qu e v ive no est ado ou condição d e quem nãosabe ler e escrever; a ação d e alfabetizar isto é, segundoo Auréli o, de e nsinar a l er (e também a escrever, que odicionári o curiosamente omit e) é designad a por alfabeti-zação e alfabetizado é aquele que sab e ler (e e scre-ver). Já fetrado segundo o mesmo dicion ário, é a quele versado em letras, e rudito , e iletrado é aquele que nãotem conh ecimentos literári os e também o a nalfabeto ouquase an alfabeto . O dicion ário Aurélio não registra a pa-lavra letr amento . Essa p alavra apar ece, por ém, num di-cionário d a língua portugu esa e ditado há m ais de umséc ulo, o Dicioná rio Contemp orâneo da Lín gua Po rt uguc-sa , de Cald as Aul ete: na su a 3ª e dição brasileira, o ve rbete

letramento caracteriza a palavr a co mo ant. , i sto é, a n-tiga, a ntiquad a , e lhe a tribui o s ignificado de esc rita ; overbete rem ete a inda para o verbo letrar a que , comotransitivo dir eto, atribui a acep ção de investiga r, soletran-do e, como pron ominal letrar- se , a acepção d e adqui-rir l etras ou conhecimentos lit erários - signifi cados bem

distantes daquel e que hoje se atribui a fetramento (que,como já dito , não a parece no Aurélio, como tamb ém nelenão a parece o ve rbo letrar ).

Certament e, pois, não fom os busca r no l etramento dicionarizado p or Caldas Aulet e, e já por ele con sideradovocá bulo anti go, ant iquado, o termo fetramento com osentido que h oje lhe damos. Ond e fomos buscá-I a? Tr ata-se,sem dúvida , da versão para o Português da p alavra dalíngua ingle sa literacy.

Etimologic amente, a palavr a litera cy vem d o latim lit-tera (letra) , com o s ufixo -cy, que denota qualid ade, co n-dição, estad o, fato de ser (como, por ex emplo, eminn ocency, a qu alidade ou condi ção de ser inoc ente). NoWebster s Diciion ary, literacy tem a ace pção de the co ndi-tion of being lit erate , a condi ção de se r literat e. e litera teé definido com o e ducated; especially able to rea d andwrite , educ ado, es pecialment e, capaz de ler e es crever.Ou seja: litera cy é o es tado ou condi ção que assum e aque-le que aprend e a ler e escrev er. Implí cita ness e co nceitoestá a ideia d e que a e scrita tr az co nsequênci as s ociais,culturais, p olíti cas, eco nômic as, cog nitivas , linguísticas,quer para o grupo social em qu e se ja introdu zida, querpara o indi víduo que aprenda a u sá-Ia. Em outr as pala-vras: do pont o de v ista individu al, o a prender a ler e es -crever - alfab etizar -se, deixar d e se r analfabet o, torn ar-se

2 o Dici oná rio Con temporâ neo da Língua Portuguesa de Caldas Aulete teve as slIastrês primeiras edições em Lisboa (1881, 1925 e 1948); a quarta edição, l I'rillll irabrasileira, é de 1958 (a segunda edição brasileira é de 1963 e a terceira, dl:lda 110texto, é ele 1974). C omo o dicionário sofreu numerosas modificações ao 1<lllgodlsuas sucessivas edições, só uma pesquisa nessas edições permitiria den-nnin.u Sl' I

palavra letram ento aparece desde a primeira edição, ou se foi introduzidn vm di< loposterior, ou se sofreu mudança em sua acepção ao longo do tempo. I'l'S'ILliS;ISdess a natureza em dicionários contribuem sobremaneira par a a d;J r:H,'~ 'I() dv f:It n , c . ; ,

idéias e fenômenos e para a identificaçào do processo de transform (11I dessesfatos, ideias e fenômenos ao longo do tempo.

3 Enquanto já incorporamos ao português a palavra letrame nto, correspondente aoinglês iiteracy, ainda não temos palavra correspondente ao inglês lüerat e, quedesigna aquele que vive em estado ou na condição de saber ler e escrever; a palavraletr ado ainda conserva, em Português, o sentido de versado em letras, erudito .

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18 1LetramentoVerbete 1 1 9

alfabeti zad o, adquirir a tecnologia do ler e escrever eenvolver-se nas práticas sociais de leitura e de escrita _tem consequências sobre o indivíduo, e altera seu esta-do ou condi ção em aspectos sociais, psíquicos, culturais,políticos, cognitivos, linguísticos e até mesmo econômi-cos; do ponto de vista social, a introdução da escrita emum grupo até então ágrafo tem sobre esse grupo efeitosde natureza social, cultural, política, econômica, linguístí-ca. O estado ou a condição que o indivíduo ou ogrupo social passam a ter, sob o impacto dessas mudan-ças, é que é designado por literacy.

É esse, pois, o sentido que tem fetramento palavra quecriamos traduzindo ao pé da letra o inglês litera cy. tetre-,do latim littera ,e o sufixo -mento , que denota o resultado deuma ação (como, por exemplo, em ferimento, resultado da

ação de feri r ). Letramento é, pois, o resultado da ação deensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condi-ção que adquire um grupo social ou um indivíduo comoconsequência de ter-se apropriado da escrita.

Dispúnhamos, talvez, de uma palavra mais verná-cula : alfabetismo que o Auré lio (que não dicionarizaletrament o, como já dito) registra, atribuindo a essa pala-vra, entre outras acepções, a de estado ou qualidade dealfabetizado . Entretanto, embora dicionarizada, alfabetis-mo não é palavra corrente, e, talvez por isso, ao buscar

uma palavra que designasse aquilo que em inglês já sedesignava por literacy , tenha-se optado por verter a pala-vra inglesa para o português, criando a nova palavra fetramento . Curiosamente, em Portugal tem-se preferido otermo literac ia , mais próximo ainda do termo inglês. Valea pena citar as palavras de António Nóvoa em prefácio

que faz à obra recente de ]ustino Pereira de Magalhães,'porque elas abonam o uso de literac ia e ainda afirmam adiferença entre esse termo e o termo ana lfab etismo , escla-recendo o sentido do primeiro: António Nóvoa lamentaque Portugal vá fechar o século XX com níveis intolerá-veis de ana lfab etismo (talvez da ordem dos 15%) e comníveis ainda mais baixos de litera cia , entendida aqui comoa utilização social da competência alfabética (grifos meus).

É significativo refletir sobre o fato de não ser de usocorrente a palavra alfabetismo estado ou qualidade dealfab etizado , enquanto seu contrário, analfabetismo es-tado ou condição de an alfab eto , é termo familiar e deuniversal compreensão. O que surpreende é que o subs-tantivo que nega - a na lfabetismo se forma com o prefixogrego a n - , que denota negação - seja de uso corrente

na língua, enquanto o substantivo que afirma - alfab etis-mo - não seja usado. Da mesma forma, analfabeto, quenega, é também palavra corrente, mas nem mesmo temosum substantivo que afirme o seu contrário (já que alfabetizado nomeia aquele que apenas aprendeu a ler e a escre-ver, não aquele que adquiriu o estado ou a condição dequem se apropriou da leitura e da escrita, incorporandoas práticas sociais que as demandam). A explicaçãonão é difícil e ajuda a clarear o sentido de alfabetismo ou fetramento .

Como foi dito inicialmente, novas palavras são criadas, oua velhas palavras dá-se um novo sentido, quando emergemnovos fatos, novas ideias, novas maneiras de compreenderos fenômenos. Conhecemos bem, e há muito, o estado oucondição de analfabeto , que não é apenas o estado oucondição de quem não dispõe da tecnologia do ler e do

Na l íngua f rancesa, a palavra corr espondente a iIliteracy é illettris me, que sedisting ue de a na lp b a b é tisme . anal p b a b ê te é o que não s abe ler e esc rever; illettré é

o que lê e escreve mal, e não s abe f azer uso ela leitura e da escrita.

S Ler e esc rever n o mundo r ur a l do Antigo Regime: um contrib uto par a a bi stôria daalfabetização e da e sco larizaçã o em Portu gal. Univers idade do Minho, Instituto deEducação, 1994.

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2 21Letram ento

A avaliação do nível d e fetramento e não a penas dapresença o u não da capac idade de escrever ou l er (o í ndi -ce de alfabetização é o que se faz em pa íses desen-volvidos, em qu e a es colaridade básica é realm enteobrigatória e real mente universal, e se presum e, pois, quetoda a população terá adquirido a capacidad e de ler eescreve r. Ass im, de um m odo geral , esses p aíses tomamcomo critério para ava liar o nível de letram ento da popu-lação o núm ero de anos de esc olaridade compl etados pe-los indi víduos (4, 5 ou m ais, dependendo d o país que seesteja co nsiderando e a inda do momento hist órico: o nú-mero de a nos de esco laridade tomado como crit ério cresceao longo do tempo, à medid a que crescem as d emandassociais de leitura e esc rita): o pressuposto é qu e a esco la,em 4, 5 ou mais anos, terá levado os indivíduos n ão só àaquisição da tecnologia do ler e do escrever , mas tam-bém aos usos e práticas soc iais da leitura e da esc rita, auma a dequada imersão no mundo da escrita . O qu e inte-ressa a esses países é a ava liação do nível de fetramentoda população, não o í ndi ce de alfabetização e frequen-temente buscam esse nível pela realização de censos poramostragem em que, por meio de numerosas e va riadasquestões, ava liam o uso que as pessoas fazem da leitur a eda esc rita, as práticas soc iais de leitura e de escrit a de quese a propriaram.

Sendo ass im, é importante co mpreender qu e é a tetre-mento que se es tão referind o os países des envolvidosquando denun ciam, como têm feito com frequ ência, Ín-dices a larmantes de illit eracy (Estados Unidos, Grã-Bre-tanha, A ustrália) o u de illettrisme (França) na popul ação ;na ve rdade, não es tão denun ciando, como se costum a cre rno Brasil, um alto núm ero de pessoas que não sab em lere escreue r (fenômeno a q ue nos referimos n ós, br asilei-ros, q uando denunciamos o nosso ainda alto índi ce deana lfabe tismo), mas es tão denunciando um alto núm ero

Verbete 12 3

de pessoas que evidenciam não v iver em estado o u con-dição de quem sab e ler e esc rever, isto é, pessoas quenão incorporaram os usos da esc rita, não se a propria-ram plenamente d as p ráticas soc iais de leitura e de es-crita: em síntes e, não es tão se refe rind o a índi ces dealfabetização mas a níveis de fetramento. Um exem-plo é a pesquisa d esenvolvida na seg unda metade dosano 80 nos Estado s U nidos, buscando identifi car o nívelde letramento (literacy) de jovens americanos ( faixa etá-ria de 21 a 25 ano s): em prim eiro lugar, os instrum entosutili zados avaliar am as habilid ades de ler, compr eendere usar textos em pro sa, como editoriais, reportagens, poe-mas, ete. e de locali zar e usar inf ormações ex traídas demapas, tabelas, qu adros de horários, e tc., o q ue ev iden-cia que o objetivo n ão foi verifi car se os jovens sabiam

ler e escrever - s e eram alfabetizados - mas se sa biamfazer uso de dif erentes tipos de material escrito, co m-preendê-Ias , interpretá-Ias e ex trair d eles informações -que nível de letram ento tinh am; em seg undo lugar, aconclusão da p esquisa foi que a illi tera cy (a incapaci-dade de ler e escr ever, isto é, o ana lfab etismo) não eraum problema entr e os jovens, a literacy (a ca pacidadede fazer uso da escrita, isto é, o letr ame nto) é queconstituía o probl ema.

A diferen ça entre alfabetização e fetramento fica

clara também n a área das pesquisas e m Educaçã o, emHist ória, em Soci ologia, em A ntropologia. As pesquisasque se voltam par a o es tudo do núm ero de a lfabetizadose analfabetos e su a distribui ção ( por região, por sexo,por idade, por époc a, por etnia, po r nível soc ioeco nômico,entre outras variáv eis), o u que se vo ltam p ara o númerode crianças que a esco la co nsegue levar à aprendizagemda leitura e da escrita, na sér ie inicial, são pesquisassobre alfabetização ; as pesquisas que buscam id entifi-car os usos e práticas soc iais de leitur a e esc rita e m

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2 4 1Letramento

determin ado grupo social (por e xempl o, e m comunidade sde nível socioeco nôrnico desfavorecido, ou en tre crian-ças, ou entre adolescentes), ou buscam r ecuperar, combase em docum entos e o utras fontes, as prá tica s de leitu-ra e escrita n o pas sado (e m dif erentes épocas, em dif e-rentes regiões, em dif erentes grupos sociais) sã o p esquis assobre fetramento.

Uma últim a inferêricia que se pod e tirar do conceit ode fetramento é que um indi víduo p ode não sabe r lere escrever, isto é, ser analfabeto mas s er, de certaforma, letrado (atribuind o a este adjetivo sent ido vin-culad o a le tram en to). Ass im, um adult o pode ser a nal-fabeto, porque margin alizado soc ial e economicamente,mas, se vive em um meio em qu e a leitura e a es crit atêm p rese nça forte, se se inter essa em o u vir a leitur a dejornai s fe ita por um alfabetizado, s e recebe ca rtas queoutro s leem p ara e le, se dita cartas para que um alfabe-tizado as e screva ( e é s ignific ativo que, e m geral, ditausando voc abul ário e es trutur as própri os da lín gua es-crita) , se ped e a a lguém q ue lh e leia avisos ou indica-ções afixados em algum luga r, es se analfabeto é, decerta f orma, fetrado porque f az uso da es crit a, envol-ve-se em pr áticas sociais de l eitura e de escrita. Damesma forma , a c rian ça q ue ainda não se alfabe tizou ,mas já folheia li vros , finge lê-Ios, brinca d e es crev er, ouvehistóri as q ue lh e sã o lid as, está rodeada de material es-crito e perc ebe se u uso e função, e ssa criança é ainda anal fabe ta , porque n ão a prendeu a l er e a escrever,mas já penetr ou no mund o do fetramento já é, decerta f orma, fetrada. Esses e xemplos evidenciam a ex is-tência des te fenômeno a que temos cham ado tetremen-to e sua diferença deste outro fenômeno a que chamamosa lfab etizaç ão , e apont am a importância e necess idadede se p artir, nos processo s educativos de ensino e

Ver bet e I 25

aprendi zagem da l eitur a e d a es crit a vo ltad os se ja p aracrianças , sej a para adult os, de uma clara concepção des-ses fenômen os e de suas diferenças e relações.

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t._,

~, o :.,

i; ; 'jJi1::;, i. ~ \t ~:t ~ji,· ·:t:l TRAMI ~NTóEMTEXTO DIDÁTICO

o QUE É LETRAMENTO

E ALFABETIZAÇÃO

.>. : : ; Y: 7 )-~~~:~ ' : :_- -~ ;: : ; :~ :< ': -- ~~ ; ~:~;;ic iE : : ; ; _:_:~_;; ;~:;:-i: _:; ~ • . - ;~ ;: : :'~ ~~ :i; ~ - -= ; :;_~;~~ :~~~ - . ,:~ : ;_ :_ ':'::(.'~2 ::.. .. re ~t~~;p~pâ ~ido :P;o€~1 cit 1çãô:do'i~~t~~;?d~;A~êr.ré r,~O'm:ent~:~:: i ·:;: '::d~;;P:;/b~sSiDVQi:;d~:jfO ,~~;~G , l W ç:~~:~;:aie:dé;,M'Ún ;é i .~(, é ;i n s if;J~;

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T ; J 2

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T _ , ; _ J 2

Neste texto, vamos discutir conceitos e, portanto, pala-vras, ou, se quiserem, vamos discutir palavras e, portanto,conceitos: os conceitos alfabetização e letramento, as pa-lavras alfabetização e letramen to.

Em um primeiro momento, gostaria de fazer um passeio

pelo campo semântico em que se inserem essas palavras,esses conceitos. São palavras de uso comum, conhecidas,exceto talvez letramento, palavra ainda desconhecida oumal entendida, ou ainda não plenamente compreendidapela maioria das pessoas, porque é palavra que entrou nanossa língua há muito pouco tempo.

ALFABETIZAÇÃOALFABETIZAR ALFABETIZADO

ANALFABETISMO ANALFABETO

LETRAMENTO

LETRAMENTO ILETRADO

ALFABETISMO

Não precisamos definir essas palavras, porque estamosfamiliarizados com elas, talvez com exceção apenas dapalavra letramento. Mas vou me deter nelas para conduzirnossa reflexão em direção ao sentido de letramento.

T ~ ~

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30ILetramento

Vej amos as definiçõe s que aparecem n o dici onário Au-rélio :

ANALFABETISMO: estado ou condição de analfabeto

a n + alfabet + ismo~ ~

a-; prefixo greg o(acrescenta-s e um -n-quando a pala vra a queé adicionado começacom vogal)indica:pri vação, falta deExemp los:acéfalo.sem cabeça, sem cérebroam o ra l.

privado de m oral

-ismo. sufixoindica:modo d e proce der,de pensarExemplos:heroismo:procedimento de her óiserv ilismo:procedimento servil

ANALFABETO: que não conhece o alfabeto,que não sabe ler e escrever

a n + alfabeto

Nas p alavras analfab e tis mo e analfabeto aparece o pre-fixo a (n)«

Analfabeto é aquele qu e é privado do alfabeto, a quefalta o alfabeto, ou seja, aquele que não c onhece o alfabe-to, qu e não sa be ler e escr ever.

(Ao p é da letra, signifi ca a quele que não sabe nem o alfa, nem obeta - a tfa e beta são as primeiras letras do al fabeto grego; emoutras palavras: aquel e que não sabe o bê-a-bâ.)

Em analfabetismo, apar ece ainda o sufixo -ismo. apalavra signifi ca um modo d e proceder c omo analfabeto,

ou seja : analfabetismo é um e stad o, uma condição , o modode proc eder d aquele que é a nalfabeto.

T _ ~ , , ~\1

ALFABETIZAR:ensinar a ler e a escrever

alfabet + izar~

-izer . sufixoindica:tornar, fazer com queExemplos:suavizar : torn ar suaveindustriali zar :tornar industri al

Alfabetizar é torn ar o indivíduo cap az de ler e es crever.

ALFABETIZAÇÃO: ação de alfabetizar

Alfabet + iza r + ção~-çêo: sufixo qu e forma

substantiv osindi ca: açã oExempl os:traição: ação de trairnomeaç ão :ação d e nomear

Alfabetização é a ação de alfab etizar, de tornar alfa-beto .

Causa estranheza o uso dessa palavra alfabeto , naexpressão tornar alfabeto . É que dispomos da palavraanalfabeto mas não temos o contrário dela: temos apalavra negativa, mas não temos a palavra positiva.

É no campo s emântico dessa s palavras que conhe cemosbem - analfab e tism o, analfabeto , alfab e tização , alfabeti -

z ar - que sur ge a palavra letram ento. Como sur giu essapal avra e o que ela quer dizer?

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3 2 1Letram ento

LETR MENTO

Conhecemos as palavras letrado e iletrado.

LETRADO: versado em letras, erudito

ILETRADO: que não tem conhecimentos literários

uma p essoa letrad a = uma pessoa erudita, versada em'letras (letras significando literatura, línguas);

uma pessoa iletrad a = uma pessoa que não tem conhe-cimentos literários, que não é erudita; analfabeta, ou qua-se analfabeta.

O sentido qu e temos atrib uído aos adjetivos letrado eiletrado não está relacionado com o sentido da palav raletramento.

A palavra letra mento ainda não está dicionarizada, por-que foi introduzida muito recentemente na língua portu-guesa, tanto que quase podemos datar com precisão suaentrada na nossa língua, identificar quando eonde essapalavra foi usada pela primeira vez.

Parece que a palavra letram ento apareceu pela primei-ra vez no livro de Mary Kato: No mundo da escr ita : uma

perspect iva psico linguís tica , de 1986. [Consulte o rodapé,se quiser a referência completa.]' Na página 7, a autoradiz o seguinte:

Acredito ainda que a chamada norma-padrão, ou língua falada culta,é conseqüência do letram ento, motivo por que, indiretamente, éfunção da escola desenvolver no aluno o domínio da linguagem faladainstitucionalmente aceita. (grifo meu)

1 KATO, Mary A. No mundo da escri ta: u ma per spec tiva psicou nguisuca. São Paulo:Ática, 1986. (Série Fundamentos)

Texto didático I 3 3

A palavra letram ento não é, como se vê, definida pelaautora e, depois dessa referência, é usada várias vezes nolivro; foi, provavelmente, essa a primeira vez que a pala-vra letramento apareceu na língua portuguesa - 1986.

LEIASEQUISER:

É interessante verificar que a substantivo do verbo letra r, quepalavra letramento aparece há significava o que hoje chamamosum século atrás, no dicionário de soletra r . Estarnos, pois, dianteCaldas Aulete, já ali indica da elo caso de uma palavra quecomo palavra ant iga ou anti- morreu e ressuscitou emquada , palavra fora de uso, e 1986 ... É este um belíssimocom um sentido que não é o exemplo de como a língua éque a palavra letram ento tem algo realmente vivo, de como ashoje; segundo o Dicionário Cal- palavras vão morrendo e nascendodas Aulete, letram ento significa- conforme fenômenos sociais eva o mesmo que escrita, culturais vão ocorrendo.

Depois da referência de Mary Kato, em 1986, a palavraletramento aparece em 1988, no livro que, pode-se dizer,lançou a palavra no mundo da educação, dedica páginas àdefinição de letr amento e busca distinguir letr ame nto dealfabetização: é o livro Adultos não a lfabe tizados: o avessodo avesso, de Leda Verdiani Tfouni, um estudo sobre omodo de falar e de pensar de adultos analfabetos. [Consulte orodapé, se quiser a referência completa.F

Mais recentemente, a palavra tornou-se bastante cor-rente, aparecendo até mesmo em título de livros, por exem-plo: Os significado s do letrame nto, coletânea de textos

organizada por Ângela Kleiman, livro de 1995; Alfabetiza-ção e letra men t o, da mesma Leda Verdiani Tfouni, ante-riormente mencionada, livro também de 1995. [Consulte orodapé, se quiser as referências cornpletas.P

2 TFOUNI, Leda Verdiani. Adult os não a lfab etizados: o avesso do avesso . São Paulo:Pontes, 1988. (Coleçào Linguagem/Perspectivas),3 KLEIMAN, Ânge1a 13.(org.). Os significados do letrarn ento: u ma nov a p erspectivasobre a prá tica soc ial da escr ita , Campinas, SI': Mercado de Letras, 1995.TFOUNI, Leda Verdiani. Alfab etizaçâ o e letram ento. S'lO Paulo: Cortez, 1.995.(ColeçãoQuestões de nossa época).

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34 ILetramento

Na busca de esclare cer o que seja letramento , talvezseja interessante refletirm os sobre o seguinte: viv emos s é-culos s em pr ecisar da palavra letramento; a parti r dosanos 80, começamos a precisar dessa palavra, invent amosessa palavra - por qu ê, para quê?

Por que aparecem palavras novas na língua?

Resposta

Na língua sempre aparecempalavras novas quando fenô-menos novos ocorrem, quan-do uma nova idéia, um novofato, um novo objeto surgem,são inventados, e então é ne-cessário ter um nome paraaquilo, porque o ser humanonão sabe viver sem nomear ascoisas: enquanto nós não asnomeamos, as coisas parecemnão existir.

Um exemplo

Hoje em diase usa com muitafrequência a palavra g lo ba liz a -çâo, abrimos o jornale lá está apalavra globalização; poucosanos atrás, ninguém usava essapalavra, não nosentido com quea estamos usando atualmente.Por que surgiua palavra.globa-liz a ç ão ? Porque surgiu umfenômeno novo na economiamundial e foi preciso dar umnome a esse fenômeno novo -surge assima palavra nova.

V E IA O U T R OS EXE M P L OS. SE QU I S E R:

Um exemplo mais familiar de sur-gimento de uma nova palavra é ocaso da palavra televisão, que foi

íntroduzída na língua nos anos 50,época em que apareceu esse novomeio de comunicação e foi preci-so dar um nome a ele.Outros exemplos são as palavrasligadas ao uso do computador: háuma série de palavras que estão

entrando na língua, por exemplo,m ic re iro; que designa a pessoa usu-ária do mícrocornputador, inter~

nauta, ou seja, a pessoa que na-vega na Internet, e ainda a intro-dução, no nosso vocabulário coti-diano, de palavras da área da infor-mática, como acessar; significandoestabelecer contato, e dele/ar, quevem subst ituindo a pa lavra apagar.

Portanto: o termo le tram e nto surgiu porque apareceuum f ato novo para o qual precisávamos de um nom e, umfenômeno que não ex istia antes, ou, se existi a, não nos

Textodidático I 35

dávamos conta dele e , como não nos dávamos conta dele,não tínhamos um nome para el e.

Três perguntas preci sam agora ser r espondid as:

Qual é osignificado dessapalavra letramento?

Por que surgiuessa nova palavra,letramento?

Onde fomosbuscar essa novapalavra, letramento?

Comecemos por respond er à últim a pergunt a.

ONDE FOMOS BUSCAR A PALAVRA LETRAMENTO?

Na verdade, a palavr a letram ento é uma tradu ção para

o português da palavra ingl esa literac y, os dicionários de-finem assim essa palavra:

LITERACY:the condition of being literate

littera + cyt t

palavra latina = letra -cy: sufixo

indica:qua lida de, condiçã o, esta doExemplo:in n oce n cy.condição de inocente.

Traduzindo a defini ção ac ima, literacy é a co ndiçãode ser letrado - dando à palavra letrado sentido dif eren-te daquele que vem tendo em portugu ês. [Rec orra à pági-na 32, se precisar re cordar qu al é esse sentido .] Em inglês ,o sentido de literat e é:

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40 I

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40 ILetramento

indiví duo que sabe ler e escrever; já o ind ivíduo letrado, oindi víduo que vive em estado de letr amento, é não sóaquel e que sabe ler e escrever, ma s aquele que usa social -ment e a leitur a e a es crita, pratica a leitur a e a escrita ,respon de adequadament e às demandas sociais de leitura ede es crita.

LETRAMENTO DEFINIDO NUM POEMA

Uma estudante norte- americana, de ori gem asiática, Kat eM. Ch ong, ao esc rever sua história pess oal de letramento ,defin e-o em um poem a; a tradução do p oema, com asneces sárias adaptaçõ es, é a seg uinte [p ara a referênciado li vro em q ue o po ema foi publicad o, na língua origi-nal, vej a o roda pé].

.\ Mcl.AUGHUN, M. & VOGT, M.E. P o rt fo lios i n Te acb e r E duc a tion . New a rk, De :Internatíonal Reading Association, 1996.

Texto didático I 41

o QUE LETRAMENTO?

Letrament o não é u m g anch o

e m que se p e nd u ra c ad a som e nu nc iado,

não é tre in a m ent o re p e tit ivo

de u ma h a b ilid ad e ,

n em um m art e lo

q ue br and o b locos de g r amáti c a .

Letra rnento é diver são

é le itur a à lu z de v e la

o u lá fora , à lu z d o so l.

Sã o notíci as so b r e o pre sident e,

o te m po , os ar ti s ta s da TV

e me smo M ô ni ca e Ceb o linb a

n os jornai s de d o min g o.

É u m a r e ce ita de bi sco ito ,

um a lis ta d e c ompra s, r e ca dos c o lados na ge la d e ir a,

um bi lh e te de amor ,

te leg r a ma s de p a r a b éns e ca r ta s

d e ve lh os am ig os.

É vi a jar p ara país es d es c onh ecidos ,

se m de ixa r s u a c am a ,

é r ir e ch o r ar

co m p e rs ona ge n s , h e ró is e g r a n d es amigos .

É u m a tla s do mun d o ,

sin a is d e tr â n sito , ca ças ao teso u ro,

m an u a is , ins tr u ç ões , gui a s ,

e ori e ntações e m b ul a s de remédios,pa r a qu e voc ê não fiqu e p e r d id o .

Letramento é, so b r e tudo ,

um mapa d o co r a ção do hom em,

u m mapa d e quem você é,

e d e tu d o qu e voc ê p o d e s er.

42 T di dá i I 43

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42 I Letramento

Se você desej a uma explicação do poema, leia estapágina e a página seguinte; se julga desnecessária

essa explicação, passe logo à página 44.

o QUE LETRAMENTO?

Letramento não é um ganchoem que se pendura cada som enunciado,não é treinamento repetitivode uma habilidade,nem um marteloquebrando blocos de gramática.

Letramento é diversão,É leitura à luz de velaOu lá fora, à luz do sol.

São notícias sobre o presidente,o tempo, os arti stas da TV,e mesmo Mônica e Cebolinhanos jornais de domingo.

Letramento não é alfabe-tização: esta é que é um pro-cesso de pendurar sons emletras ( ganchos ); costumaser um processo de treino,para que se estabeleçam asrelações entre fonemas e gra-femas, um processo de des-monte de estruturas linguís-ticas ( um martelo quebran-do blocos de gramática ).

Letramento é prazer, é lazer,é ler em diferentes lugarese sob diferentes condições,não só na escola, em exer-cícios de aprendizagem.

Letramento é informar-seatravés da lei tura, é buscarnotícias e lazer nos jornais,é interagir com a imprensadiária, fazer uso dela, sele-cionando o que despertainteresse, divertindo-se comas tiras de quadrinhos.

É uma receita de biscoito,uma lista de compras, recados colados na

geladeira,um bilhete de amor,telegramas de parabéns e cartasde velhos amigos.

É viajar para países desconhecidos,sem deixar sua cama,é rir e chorarcom personagens, heróis e grandes amigos.

É um atlas do mundo,sinais de trânsito, caças ao tesouro,manuais, instruções, guias,e orientações em bulas de remédios,para que você não f ique perdido.

Letramento é, sobretudo,um mapa do coração do homem,um mapa de quem você é,e de tudo que você pode ser.

Tex to di dá tico I 43

Letramento é usar a lei turapara seguir instruções (a re-ceita de biscoito), para apoioà memória (a lista daqui loque devo comprar), para acomunicação com quem estádistante ou ausente (o reca-do, o bilhete, o telegrama).

Letramento é ler históriasque nos levam a lugares desco-nhecidos, sem que, para isso,seja necessário sair da camaonde estamos com o livro nasmãos, é emocionar-se com ashistórias lidas, e fazer, dospersonagens, amigos.

Letramento é usar a escri tapara se orientar no mundo(o atlas), nas ruas (os sinaisde trânsito), para receberinstruções (para encontrarum tesouro para montarum aparelho para tomar umremédio), enf im, é usar a es-crita para não ficar perdido.

Letramento é descobrir a simesmo pela leitura e pelaescrita, é entender-se, lendoou escrevendo (delinear omapa de quem você é), e édescobrir alternativas e possi-bilidades, descobrir o quevocê pode ser.

4 4 1Letram ento Texto didático 1 4 5

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4 4 1Letram ento

o poema most ra que letramento é muito m ais que alfa-betização. Ele expressa m uito bem como o l etramento é umestado, uma cond ição: o es tado ou condi ção de queminterage com d iferentes po rtadores de leitura e de esc rita,com diferentes gê neros e tipos de leitura e d e escr ita, comas d iferentes funções q ue a leitura e a es crita desempe-

nham n a nossa vida. E nfim: letramenro é o estado ou condi -ção de quem se envolve nas numerosa s e va riadas práticassoc iais de leitur a e de esc rita.

LE IA SEQUISER:

Há uma palavra que talvez seria palavra alfabetismo. Ao contrá-mais adequada para designar esse rio de letramento , é uma palavraestado ou condição que estarnos dicionarizada, com a seguinte defi-denominando let ram e nt o. a nição no Dicionário Aurélio:

Alfab etismo = estado ou qualidade de alfabetizado

De uma forma sintética, é o mes- Uma curiosidade: em Portugal,mo sentido de Ietrameruo. Alfabe- tem-se usado a palavra literac ia,US ln O teria a vantagem de apre- não se conhece a palavra letra -sentar-se como o antônimo ele an al- mento - lite ra cia é uma rranspo-fabetismo que, como vimos (página sição muito mais próxima da pala-30), é o estado ou condição eleanal- vra literacy,do inglês. [Se quiser[abeto . Mas é a palavra letramento um exemplo do uso da palavraque se ve m impondo, na área elos literacia na literatura educacionalestudos sobre a leitura e a escrita. portuguesa, leia o rodapé.P

Te ntamos respo nder, até ago ra, a duas da s três pergun-tas da pág ina 35 :

, Antônio Nóvoa, um conhecido autor português ele obras na área da Educação,afirma, ao prefaciar Lima obra recente (Ler e e s cr ever n o mu n do rural d o AntigoR eg im e: um con tribut o pa r a . a hi s tó r ia d a alfabetização e d a escolar izaç âo e mPortuga l, de justir. o Pereira de Magalhães, 1994) :

Portugal vai fechar O século XX com níveis intoleráveis ele analfabeti smo ( talvez ela ordemdos 15%) e C0111 níveis ainda mais baixos de literacia, entendida aqui como a utilizaçãosocial ela competência alfabética. (grífos meus). A citação faz mais que comprovar o usoela palavra lüeraaa em Portugal: se pensarmos na situação brasileira, concluiremos quetambém nós fecharemos o século XX na mesma situação - com níveis intoleráveis deanalfabetismo e níveis baíxíssimos de letrarnenro, ou lireracia, ou alfabetísrno.

1 4 5

RESPONDIDA? RESPONDIDA?

Qual é osignificado dessa

palavra letramento?

Por que surgiuessa nova palavra,

letramento?

Onde fomosbuscar essa nova

palavra, letramento?

Qual é a re sposta pa ra a ú ltim a perg unta?

POR QUE SURGIU A PALAVRA LETRAMENTO?

A palavra anal fabetismo nos é familiar, usamos e ssapalavra há sécul os, e la já está presente em textos do tem-po em que éram os Co lônia de Port ugal. É um fenômenointeressante: usam os, há séc ulos, o s ubstantivo que nega(recorde a anális e da pa lavra ana lfab etismo na página 30:a(n) + alfabetism o = privação de alfabetismo), e não se ntí-amos necessidad e do s ubstantivo que af irmasse: alfabetis-

mo ou letram ento. Por que só agora, no fim do séc uloXX, a palavr a letramento tornou-se necessária?

Como já foi dit o an teriormente [recorde o item Por queaparecem p alavr as novas na língua? Página 34 ], palavrasnovas aparecem qu ando novas ideias o u novos fe nômenossurgem, Conviv emos co m o fa to de ex istirem p essoas quenão sabem ler e esc rever, pessoas a nalfabetas, desde o BrasilCol ônia, e ao long o dos sécu los temo s enfrentado o p roble-ma de alfabetiz ar, de ensinar as pessoas a ler e esc rever;portanto: o fen ômeno do estado ou condi ção d e ana lfabe-

to nós o tínham os (e a inda temos ... ), e por isso se mpr etivemos um n ome para e le: analfab etismo.

À medida qu e o analfabetismo vai s endo s uperado, queum número cada v ez ma ior de pessoas apre nde a ler e aescrever, e à medida que, co ncom itantemente, a soc iedadevai se tornando cada vez ma is ce ntrada na escr ita (cadavez mais grafoc ê nt ric a , um novo fenômeno se ev idenci a:não basta apena s aprender a ler e a esc rever. As pessoas sealfabetizam , apr endem a ler e a escrever, mas não necess a-riamente incorpor am a prática da leitur a e da esc rita, não

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50ILetramentoTex to d idáti co \5 \

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Elei ções de 1996. O jorn al Fo lha d e São Paul o, em 19de julh o de 1996, pu blica a seguinte n otícia:

U R U

n d i d t u r s s ã o i n n p u g n d sapõstested e l f b e t i z ç ã o

d a A g~ nd a F ol ha . e m B aU IU

o juiz eleitoral de Itapetininga[airo Sampaio Incane Filho, 38,impugnou 20 dos 80 candidatosa prefeito e vereador das cidadesde ltapetininga, Sarapuí e Alam-bari, na região de Sorocaba(87km aoeste de São Paulo).

A impugnação foi motivadapelo fato de oscandidatos teremsido reprovados em um tes te dealfabetização realizado pelo juiz,no Fórum de Itapetininga.

Ineane Filho disse que fez otexto com base na exigência con-

tida na Lei Complementar nO64/90, de 1992,do TRE (TribunalRegional Eleitoral), que proíbeanalfabetos de serem candidatosa cargos eletivos.

O juiz afirmou que convocouos 80 candidatos que disseramter l- grau incompleto e mostra-ram dificuldades no preenchi-mento doa document os para oregistro de suas candidaturas.

O stestes com oscandidatos fo-ram fei tos ind ividua lmente .Seus nomes são mantidos em si-gi lo . Pedi a todos que lessem einterpretassem um texto de um

jornal infantil. Em seguida, pedique cada um redigisse um texto,expondo sua lógica , disse.

Segundo lncane Fi lho, e rrosgramaticais Dio foram levadosem conta. Apenas observei seocandidato tem condiçõesde en-t ender um texto, pois uma vezeleito, ele YlÚ ter de trabalharcom leis edocurnentos.

A assessoria de imprensa doTRE i nformou que o tri bunaltransmitiu uma recomendaçãoaos juízespara que em caso dedúvida , l açam um teste de al-fabetização nos candidatos.

Baseado num a lei que proíbe analfa betos de serc 111

candi datos a ca rgos eletivos , o juiz submeteu candid atosa pre feito e a ve read or a um t este de alfabetização .

Que ra zões l evaram o JUIZ asupor q ue 80 cand idatos eramanalfabetoS?

Duas razões:1ª) tinham 1Q grau incom pleto;2ª) mostraram dificuldades no

preenchimento dos do cu-mentos p ara o registro desuas candidat uras.

Portant o: pa ra o jui z, um alfab etizado seria a lguém quetivesse o 1º grau com pleto e preenchesse formulári os s emdifi culdad es.

No e ntan to, o juiz admitiu qu e, embor a não tend o o 1 ºgrau completo e revelando difi culdades para preencher

document os de registro de candi datura, o candidato a pre-feito ou vereador po deria se r conside rado alfabetizado :

Segundo o juiz, que compor-tamentos o c andidato deveriademonstrar , para n ão ser con-siderado analfabeto?

o candid ato deveria:• Ler e in terpretar um t exto;• redigir um te xto sobre o

texto lido.

O juiz definiu aind a o nível d o texto que o candidatodeveria ser capa z de interpret ar e o critério de correçãodas respostas do candidato:

Segundo o juiz, o candidatodeveria ser capaz de ler e in-terpretar que tipo de texto?

Segundo o j uiz, com que crité-rios os resultados do candid a-to deveriam ser avaliad os?

• texto d e um jornal infantiL.

• não le var em conta errosgramaticais;

• verificar se o candid ato tinhaentendi do o texto.

521Let ram entoTexto didático 1 5 3

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o juiz admi tiu, pois, que um candid ato a p refeit o oua vereador poderia n ão ter o 1º grau compl eto, poderiaenfren tar dificuldades pa ra preencher d ocumentos,mas deveria ser capaz de ler e interpretar u m te xto dejorna l infant il, e de redig ir um texto sobr e o que lera,mesmo co metendo erros gramaticais ; e ju stificou essescritérios:

Por que o juiz considerou queser capaz de entender um t ex-to e ra o critério adequado paraavaliar se o candidato a pre-feito ou vereador poderia serconsiderado alfabetizado?

• Porque, se eleito, ele teria detrabalh ar com leis e docu-mentos (que deveria saberler e interpr etar).

o juiz mostrou ter dois conceitos de alfab etização:

um conceito genéri co, aplicável a qualqu er pessoa - ter o1º grau completo e se r capaz de pre encher documen-tos, sem dif iculdades;

um conc eito especifico, aplicável a pessoas qu e exercem afunção de prefeito ou vereador - ser cap az d e ler einterpretar textos legais e documentos ofi ciais.

TALVEZ VOCÊ QU EIRAREFLE TIR UM PO UCO MAIS S OBRE ESS E E PISÓDIO:

• A alfabetização que o juizconsidera necessária a prefei-tos e vereadores estará sendoavaliada num teste que medea capacidade de ler e inter-pretar um texto ele jor na linf ant il ?

• Fica claro que, para o juiz, aspráticas sociais que envolvema língua escrita necessárias aprefeitos e vereadores são asde leitura ele textos legais e

documentos oficiais - é estauma concepção adequada?

• Será que se pode concordar queo nível de alfabetização de umindivíduo deve ser definido pelasexigências das práticas sociaisespecíficas que ele precisa ter coma escrita, segundo sua inserçãono mundo elo trabalho?

• Pense: o juizprocura avaliar o nívelde a lfab etizaçã o ou o nível deletr amento dos candidatos?

Mas continu emos, porque o episódio não termina aí.Cerca de vint e dias depois, em 7 d e ag osto, o mesmojornal Folha de S ão Pau lo publica a seguint e notícia:

L F E T l Z Ç O

TREaprovacandidaturad e r ep ro va do sem teste

da Reportagem Local

o plenário do Tribunal RegionalEleitoral aprovou ontem a candi-datura de 30 polí ticos que foramreprovados em um teste de alfabe-tização aplicado pelo juiz eleitoralde Itapetininga, [airo Sampaio In-cane Filho,38.

O juiz havia impugnado as can-didaturas de políticos das cidadesde Itapetininga, Sarapuí e Alamba-ri, todas na região de Sorocaba (87km a oeste de São Paulo). Elestive-ram que ler o texto de um suple-mento infantil de um jornal e es-crever algosobre o que leram.

Incane Filho convocou para esseteste 80candidatos que afirmaramnão ter o primeiro grau completo.Os testes sebasearam na lei com-plementar n 64/90, de 1992, queproíbe analfabetos de serem can-didatos a cargos eletivos.

O TRE reformou a sentença dojuiz, considerando que os candi-datos tinham rudimentos da al-fabetização e que, portanto, nãopoderiam ser considerados analfa-betos. Para chegar a essa conclu-são, os juizes utilizaram a defini-ção do dicionário Aurélio para apalavra analfabeto .

O TRE deverá julgar hoje outrosonze recursos apresentados peloscandidatos impugnados daquelascidades, Aaplicação de testes de al-fabetização é uma orientação dopróprio TRE a todos osjuizeselei-torais do Estado.

Entre os candidatos impugnadospelo juiz Incane Filho, havia umex-prefeito e seis vereadores. JoséLuiz Holtz (PSDB), ex-prefeito deSarapuí, considerou a decisão dojuiz de Itapetininga um absur-do . Seu candidato a vice tambémfoi impugnado.

Segundo o juiz Incane Filho, oteste que aplicou não levou emconsideração os erros gramaticais,mas apenas a capacidade dos can-didatos deentender um texto.

Depois de eleitos, eles terão detrabalhar com leis e documentos ,afumou ojuiz.

54I Letramento Tex to d idá ti co I 55

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o Tribun al Regional El eitoral - TRE - f oi contrário aoconceit o de a lfabetiz ação do juiz, con siderando que o scandid atos repro vados n ão eram analfabet os porque tinham rudim entos da alfabetiz ação :

Qual o critério do TRE paraconsiderar que os candidatosnão eram analfabetos?

A definição do didonário Auréliopara a palavra analfabeto .

Recorde a definição d e analfabeto do di cionário Aurélio(págin a 30):

ANALFABETO: que não conhece o a lfabeto,

que não sabe ler e escrever

Port anto: o TRE con siderou que os c andid atos s abiamler e e screver (já que tinh am alguma ou al gumas sé ries do1º grau e, embora com difi culdades, enfr entara m os docu-mento s de registro da candid atura) e, assim, não eramanalfab etos.

O juiz eleitoral e o TREm ostraram ter c onceitos diferentes

de alfab etizaçã o: o jui z eleitor al avaliava ant es o letramentoque a alfabetização dos c andid atos - embor a desconhecesseo con ceito de letrament o, preoc upava-s e co m as prática ssociais d e leitur a e escrita qu e eles deveriam t er; o TREavaliouapenas a alfab etização dos ca ndidatos, por que se s atisfezcom os rudim entos de leitur a e es crita que tinh am, desco-nhecend o se u nível de letram ento, pois n ão co nsiderou suashabilid ades de usar a leitur a e a esc rita.

Esse episódio eviden cia:

• a impr ecisão do co nceito d e alfab etização - pessoasou grupos t êm conceitos difer entes, o c onceit o va ria deaco rdo com a situação, com o contexto;

• o fenôm eno do letrament o ainda é pouco p ercebidoem nossa so ciedade.

Analfabeto-alfabetizado, letrado-iletrado:variações segundo as condições sociais e históricas

Um bom exemplo da varia ção do co nceito de alfabeti-zação ao lon go do tempo e da d ependência entr e o fe nô-meno do letram ento e as condi ções c ulturais e sociais é acomparação entre os c ritérios qu e foram no p assa do utili-zados e os qu e hoje são utiliz ados para definir quem éanalfabeto ou quem é a lfabetiza do nos recense amentos dapopulação br asileira.

Até a déc ada de 40, o formul ário do Cens o de fini a oindi víduo com o analfabeto ou alfabetizado pergunt ando-lhese sa bia a ssinar o nome: as c ondi ções c ulturai s, sociais epolíticas do p aís, a té e ntão, n ão ex igiam muito m ais queisso de grand e parte da popul ação. As pessoas apr endi ama dese nhar o nome, a penas p ara poder votar ou assinarum contrato d e trabalho.

A partir d os a nos 4 0, o formul ário do Ce nso pa ssou a usaruma outra p ergunta:

sabe ler e escr ever um bilh ete simpl es?Apesa r da impr opri edade da per gunta [se quiser saber porquê, leia o qu adro a seg uir] , ela j á expressa um crit ério paradefinir quem é a lfabetizado ou analfabeto que avança e mrelaçã o ao crit ério de apenas sab er escrever o nom e: definircomo analfab eto aquele que n ão sa be ler e escr ever um bi-lhe te simples indi ca já uma pre ocupação co m os u sos soc iaisda escrita, aproxim a-se , pois, d o co nceito de Ietram ento, erevela uma outr a expectativa c om relação ao alfab etizado-uma ex pectativ a de que seja tam bém letrado .

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A IM PR OP RIE DA DE D A P E RG U NTA D O C EN SO - L EIA S E Q U I SE R: :

Reflita sobre as seguintesquestões:

• Quais podem ser as atitudesdos indivíduos diante da per-gunta Você sabe ler e escre-ver um bilhete simples: Apessoa pode dizer que sim,

por envergonhar- se de dizerque não; ou pode dizer quenão, por temer que lheapresentem um bilhete sim-ples e lhe peçam para lê-Io . ..Pode-se confiar nas respostasa essa pergunta?

• Um outro problema: em cadadomicílio, um indivíduo res-ponde por todos que ali habi-tam, ou seja, um indivíduo ava-lia a habilidade de todos osoutros de ler e escrever umbilhete simples ; pode-se con-fiar nessa avaliação?

•Ainda um terceiro problema:o que é um bilhete simples ?é um bilhete com poucas pa-lavras? com apenas duas ou trêslinhas? com apenas oraçõessimples, ou coordenadas, semsubordinadas? com apenas

palavras de uso comum?• Mais um problema: saber ler e

escrever um bilhete simples é serapenas alfabetizado? ou é já terum certo nível de letramento?

• Finalmente: nas atuais condi-ções da sociedade brasi leira,basta saber ler e escrever umbilhete simples para ser consi-derado alfabetizado? ou para serconsiderado letrado:

Conclua: que inrerpretacão pode-sedar aos índices de analfabetismoda população brasileira definidospelo Censo?

A mudança de critério para a avaliação dos índicesde analfabetismo no Brasil revela mudanças históricas,sociais, culturais. A comparação dos critérios utilizadosaqui com os utilizados em países do Primeiro Mundopode ser esclarecedora.

ANALFABETISMO NO PRIMEIRO MUNDO?

É surpreendente quando os jornais noticiam a preocu-pação com altos níveis de analfabetismo em países comoos Estados Unidos, a França, a Inglaterra; surpreendenteporque: como podem ter altos níveis de analfabetismopaíses em que a escolaridade básica é realmente obriga-tória e, portanto, praticamente toda a população concluio ensino fundamental (que, nos países citados, tem dura-ção maior que a do nosso ensino fundamental- 10 anos

nos Estados Unidos e na França, 11 anos na Inglaterra). Éque, quando a nossa mídia traduz para o português apreocupação desses países, traduz illiteracy (inglês) eilletrisme (francês) por analfabetismo. Na verdade, nãoexiste analfabetismo nesses países, isto é, o número depessoas que não sabem ler ou escrever aproxima-se dezero; a preocupação, pois, não é com os níveis de anal-

fabetismo, mas com os níveis de letramento, com a difi-culdade que adultos e jovens revelam para fazer usoadequado da leitura e da escrita: sabem ler e escrever,mas enfrentam dificuldades para escrever um ofício, pre-encher um formulário, registrar a candidatura a um em-prego - os níveis de letramento é que são baixos.

Q U ER S AB ER C OM OSE AVAUAO NíVEL DE LETRAMENTOD APOPULAÇÃO?

Na segunda metade dos anos 80, e usar informações de váriosrealizou-se, nos Estados Unidos, tipos de texto - editorial deuma pesquisa para definir a nível jornal , notícias, poemas - e ques-de literacyde jovens adultos ame- tões para avaliar a habilidaderícanos; o instrumento por meio de extrair corretamente infor-do qual esse nível foi avaliado mações de quadros de horá-evidencia o que se considera ser, rio, de mapas, de tabelas.nesse país, literate ou illiterate: Obviamente, não se avaliava oo teste incluiu questões para ava- nível de alfabetização dos jovensliar a capacidade de interpretar e adultos ..

No Brasil,há já algumas poucas pesquisas que procuramavaliar o nível de letramento de jovens e adultos; a ten-dência tem sido considerar como alfabetizado (o termo maisadequado seria letrado) o indivíduo que tenha pelo menoscompletado a 4ª série do ensino fundamental, com baseno pressuposto de que são necessários no mínimo quatroanos de escolaridade para a apropriação da leitura e daescrita e de seus usos sociais. Quando se calcula o analfa-betismo no Brasil com base nesse critério, o índice cresceassustadoramente ...

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CONDiÇÕES PARA O LETRAMENTO

Termos desperta do para o fenômeno do letramento-estarmos incorporando essa palavra ao noss o vocabu lárioeducac ional - significa q ue já compreendem os q ue nossoproblema não é a penas e nsinar a ler e a escr ever, mas é,também, e sobre tudo, levar os indivíduos - cr ianças e adu l-tos - a fazer uso da leitura e da escrita , envolver-se empráticas sociais de leitur a e de esc rita .

No entanto, i nfere -se, de tudo que foi dit o, q ue o nívelde letram ento de gr upos soc iais relacion a-se f undam en-talmente co m as s uas condições sociais, cultur ais e eco nô-micas . É preciso q ue haja, pois, condições para ofetramento.

Uma pr imeira co ndição é que haja escol arização rea l eefetiva da pop ulação - só nos demos cont a da necess ida-

de d e letram ento quando o aces so à es colaridade se am-pliou e t ivemos mais pessoas sa bend o ler e escr ever,passando a a spirar a um pouco mais do qu e si mplesmenteapre nder a ler e a e screver.

Uma seg unda co ndição é que haja disp onibili dade demateria l de leitura. O que oc orre nos paíse s do Te rceiroMundo é q ue se a lfabe tizam cri anças e adult os, mas nãolhes são dadas as condições para ler e e screver: não hámaterial impr esso pos to à d isposição, não há livrarias, opreço dos livros e até dos jornais e re vistas é inacessív el,

há um número muit o pequeno de bibli otecas . Como épossív el tornar-se letrado em tais condi ções? Isso ex plicao fracasso das campan has de a lfabetização em n osso país:contentam-se em ensinar a ler e escrever; de veriam, emsegu ida, c riar co ndições para que os alfabeti zados passas-sem a f icar imersos e m u m ambiente de letr amento, paraque pudessem ent rar no mund o letrado , ou seja, num m undoem q ue as p essoas t êm acesso à leitura e à esc rita, têmacesso aos livros , revistas e jornais, têm acesso às livrarias e

bibliotecas , vivem em tais condições soc iais que a leitur a ea escrita têm um a função para elas e tor nam-se uma ne-cessidade e uma form a de lazer.

E IS D OI S E X EM PL O S - L EI A-O S SE QUISER COMP ROVAÇÃODES SA S AFIRMAÇÕES;

LETRAMENTO E ESCOLA,

LETRAMENTO E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

• Quais as conseqüências de tudo isso para a esc ola?

• Para a educa ção de jovens e a dult os?

• O que signifi ca a lfabetizar?

• O que si gnifi ca letrar'?• Quais as dif erenças e ntre a lfabetizar e letrar ?• Como alf abetiz ar letrando ?• Quando se p ode dizer que uma c riança o u um adulto

estão alfabeti zados? Quando se pode dizer que estãoletrados?

• Quais são as c ondições para q ue o a prender a ler e aescre ver s eja a lgo q ue rea lmente tenha se ntid o, uso efunção par a as pessoas?

Lembre-se do Mobra l: pesquisas

mostraram qu e pes soas a lfabeti-zadas por esse movimento esta-vam, um ano depois, desalfa-betizadas : tinh am aprendido aler e a escreve r, mas, por im-possibilid ade de uso d a leitur a eda escrita, por ausênci a, em seumeio, de dem andas d e leitura eescrita, por falt a de a cesso amaterialimpre sso,t inham p erdid oa habilidade de ler e escrever.Tinham s ido alfabetizadas, masnão lhes f oi possibilitado torna-rem-se letradas.

o contrárioaco nteceu, por exem-

plo, em Cuba: quando h ouve alia revolução e indep endência, noinício dos anos 60, fez-se no paísuma campanha de altabetízaçãointensa, que realmente a lfabetizoutoda a populaçãoem pouco tempo;mas não se fez só isso, produzi-ram-se materiais de leitura queeram levadosaos mais longínquosríncões do país, qu alquer pequenapovoação recebia livrospa ra darcontinuidade à campan ha de alfa-betização. O povo cubano tornou-se alfabetizado e letrado.

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Ensaio 163

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INTRODUÇÃO

o permanente desafio, enfrentado mundialmente, paraa universalização do letramento - do acesso pleno às habi-lidades e práticas de leitura e de escrita - está intimamente

relacionado com um outro desafio: o de avaliar e medir oavanço em direção a essa meta. Dados tornam-se, assim,necessários, tanto para evidenciar se os objetivos estãosendo alcançados como para estabelecer políticas ou con-trolar programas de alfabetização e letramento. Por essarazão, desde escolas até instituições e organizações nacio-nais e internacionais estão continuamente buscando dadose produzindo índices e estatísticas sobre níveis de domíniode habilidades de leitura e de escrita e de uso de práticassociais que envolvem a escrita, por meio de avaliações emedições.

Os processos de obtenção desses dados apresentam,porém, sérios problemas de natureza técnica, conceitual,ideológica e política.

Problemas de natureza técnica são, sem dúvida, os maisevidentes e urgentes: relacionam-se com os processos detomada de decisão para a definição de procedimentos deavaliação, a construção de instrumentos de medida, a or-

ganização e processamento dos dados.

64 I LetramentoEnsaio I 65

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Entretanto, apesar da evidência e urgência desses pro-blemas de natureza técnica, há uma série de problemasconceituais que deveriam servir de base para buscar-lhesa solução; equivocadamente, esses problemas conceituaissão geralmente negligenciados, em virtude exatamenteda imperativa necessidade de solução imediata dos pro-

blemas técnicos.Um primeiro e essencial problema conceitual é a pró-

pria definição de letramento. Antes de coletar dados ouproduzir estatísticas sobre letramento, uma questão centralprecisa ser respondida: que letramento é esse que se bus-ca avaliar e medir? A avaliação e medição do letramentotem de fundamentar-se numa definição precisa do fenôme-no; contudo, essa definição será possível?

Um segundo problema conceitual, intimamente ligadoao primeiro, é a escolha dos critérios a serem usados paraa avaliação e medição adequadas do letramento. Tradicio-nalmente, o letramento é avaliado e medido em contextosescolares, em censos demográficos nacionais e em pesqui-sas por amostragem. Que critérios são utilizados para ava-liá-lo em cada uma dessas situações? E que conceito deletramento conduziu a esses critérios? Em outras palavras,de que modo aavaliação do letramento em contextos esco-lares e extra-escolares (censos da população nacional oupesquisas por amostragem) enfrenta o problema dadefinição de letramento para, a partir dela, determinar oscritérios para avaliá-lo?

Finalmente, como decorrência dessas questões, surge umterceiro problema. Por um lado, a importância e a neces-sidade da avaliação e medição do letramento não podemdeixar de ser reconhecidas; por outro lado, cumprir ospré-requisitos para fazê-lo - ou seja, definir letramento comprecisão e especificar critérios confiáveis para avaliá-lo e medi-10 - é uma questão bastante controversa. Como enfrentaresse paradoxo?

A finalidade deste estudo é levantar e discutir essas ques-tões conceituais. Na primeira parte, examina-se o conceitode letramento como um fenômeno multifacetado e extrema-mente complexo; argumenta-se que o consenso em tomode uma única definição é impossível. Em seguida, discutem-se a avaliação e a medição do letramento em contextos

escolares, censos dernográficos nacionais e pesquisas poramostragem, apontando-se deficiências e pressupostos equi-vocados na definição de critérios para o planejamento eexecução dessa avaliação e medição. Por fim, na últimaparte do estudo, a partír de argumentos a favor da avaliaçãoe da medição do letramento, sugerem-se formas de enfrentaro conflito entre, de um lado, a importância e necessidadede sua avaliação e, de outro lado, a dificuldade de atenderaos pré-requisitos para a realização dessa tarefa. Conclui-seenfatizando os aspectos ideológicos e políticos da definição

de letramento e de sua avaliação e medição; na verdade,o propósito deste texto é sugerir uma base conceitualpara a discussão dessas questões ideológicas e políticasque, sem dúvida, constituem o ceme do problema.

LETRAMENTO:

EM BUSCA DE UMA DEFINiÇÃO

Qualquer processo de avaliação ou medição exige umadefinição precisa do fenômeno a ser avaliado ou medido.Sem dúvida, a maior parte das dúvidas e controvérsias emtorno de levantamentos e pesquisas sobre níveis de letra-mento têm sua origem na dificuldade de formular uma defi-nição precisa e universal desse fenômeno e naimpossibilidade de delimitá-lo com precisão. Essa difi-culdade e impossibilidade devem-se ao fato de que o le-tramento cobre uma vasta gama de conhecimentos,habilidades, capacidades, valores, usos e funções sociais;

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68 I Le tr a m e nto Ensaio 169

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envolvidos na aprendizagem da leitura e os envolvidos na apren-dizagem da escrita. (Srnith, 1973, p.117)

Apesar dessas diferenças fundamentais , as definiçõesde letramento frequentemente tomam a leitura e a escritacomo uma mesma eúnica habilidade, desconsiderando aspeculiaridades de cada uma e as dessemelhanças entre

elas (uma pessoa pode ser capaz de ler, mas não ser ca-paz de escrever; ou alguém pode ler fluentemente, masescrever muito mal).

Por outro lado, as definições de letramento que conside-ram as diferenças entre leitura e escrita tendem a concentrar-se ou na leitura ou na escrita (mais frequentemente na leitura),ignorando que os dois processos são complementares: sãodiferentes, mas o letrame nto envolve ambos. Bormuth (1973),por exemplo, declara que letramento é a habilidade de colo-car em ação todos os comportamentos necessários para de-sempenhar adequadamente todas as possíveis demandas deleiturd (p.72, grifo nosso), e Kirsch e Guthrie 0977-1978)argumentam que seria prudente usar o termo letramentopara referir-se à leitura, e a expressão competência cogni tiuapara referir-se a habilidades gerais de ouvir, ler, escrever ecalcular (p.505, grífos do original).

Não levar em conta a coexistência, no conceito de le-tramento, desses dois constituintes heterogêneos - leiturae escrita - torna-se ainda mais sério, se se considera quecada um desses constituintes é um conjunto de habilidadesbastante diferentes, e não uma habilidade única.

A leitura, do ponto de vista da dimensão individual deletramento (a leitura como uma tecnologia ), é um con-junto de habilidades linguísticas e psicológicas, que seestendem desde a habilidade de decodificar palavras escri-tas até a capacidade de compreender textos escritos. Essascategorias não se opõem, complementam-se; a leitura éum processo de relacionar símbolos escritos a unidades desom e é também o processo de construir uma interpreta-ção de textos escritos.

Desse modo, a leitura estende-se da habilidade de tra-duzir em sons sílabas sem sentido a habilidades cognitivase metacognitivas; inclui, dentre outras: a habilidade dedecodificar símbolos escritos; a habilidade de captar signi-ficados; a capacidade de interpretar sequências de ideiasou eventos, analogias, comparações, linguagem figurada,

relações complexas, anáforas, e, ainda, a habilidade defazer previsões iniciais sobre o sentido do texto, de cons-truir significado combinando conhecimentos prévios e in-formação textual, de monitorar a compreensão e modificarprevisões iniciais quando necessário, de refletir sobre osignificado do que foi lido, tirando conclusões e fazendojulgamentos sobre o conteúdo.

Acrescente-se a essa grande variedade de habilidades deleitura o fato de que elas devem ser aplicadas diferenciada-mente a diversos tipos de materiais de leitura: literatura,

livros didáticos, obras técnicas, dicionários, listas, enciclo-pédias, quadros de horário, catálogos, jornais, revistas, anún-cios, cartas formais e informais, rótulos, cardápios, sinaisde trânsito, sinalização urbana, receitas ...Como declara Smith(973), a leitura pode ocorrer nas mais diversas situações, de um recital público de poesia ao exame privado de listasde preço e horários de ônibus (p.103).

Assim como a leitura, a escr ita, na perspectiva da di-mensão individual do letramento (a escrita como uma tec-nologia ), é também um conjunto de habilidades linguísticase psicológicas, mas habilidades fundamentalmente dife-rentes daquelas exigidas pela leitura. Enquanto as habili-dades de leitura estendem-se da habilidade de decodificarpalavras escritas à capacidade de integrar informaçõesprovenientes de diferentes textos, as habilidades de es-crita estendem-se da habilidade de registrar unidades desom até a capacidade de transmitir significado de formaadequada a um leitor potencial. E, assim como foi obser-vado em relação à leitura, essas categorias não se opõem,complementam-se: a escrita é um processo de relacionar

70I Letramento - 1 7 1

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unidades de so m a s ímbolo s escritos , e é tamb ém umprocesso de ex pressa r ideias e organizar o p ensamentoem l íngua esc rita.

Desse modo, a esc rita engloba desde a h abilid ade detranscrever a fala, via ditado, até habilidad es cognitiv as emetacog nitiv as; inclui a habilidade motora ( caligrafia), a

ortografia, o uso a dequado de pontuação , a habilid ade deselecionar inf ormações so bre um determin ado ass unto ede ca racterizar o públi co desejado como l eitor, a habili -dade de esta belecer m etas para a escrita e d ecidir qual amelhor forma de dese nvolvê-Ia, a habilidade d e organiz arideias em um t exto esc rito, estabelecer relaçõ es e ntre e las,expressá -Ias a dequadament e.

Al ém disso, as habilid ades de escrita, tal como as deleitur a, devem ser aplicadas diferenciadament e à produçãode uma va riedade de materi ais escritos : da simpl es ass inatu-

ra do nome ou elaboração de uma lista de c ompr as a té aredação de um ensaio o u de uma tese de dout orado.

À luz dessas co nsiderações sobre o gr ande núm ero dehabilid ades e ca pacidades cognitivas e met acogniti vas q ueconstitu em a leitura e a e scrita, a natureza h eterogêneadessas habilid ades e ap tidões, a grande vari edade de gê-neros de esc rita a q ue e las devem ser aplicad as, fica c laroque é ex tremamente dif ícil formular uma d efini ção co nsis-tente de letramento, a inda que nos limitássem os a formu-lá-Ia co nsiderando a penas as habilidades ind ividu ais de

leitur a e esc rita: quais habilid ades e aptid ões de leitur a eescrita qualifi cariam um indivíduo como letrado ? quetipos de material escrito um indivíduo dev e ser capaz deler e esc rever para ser co nsiderado letrado ?

Respos tas a tais questões são bastante probl emáticas.As co mpetências que co nstituem o letramento são distri-buídas de maneira co ntínua , cada ponto ao l ongo dessecontínu o indi cando d iversos tipos e níveis d e habilid ades,capacidades e co nhecimentos, que podem ser aplicados a

diferentes tipos de m aterial escr ito. Em o utras palavras, oletramento é um a variável contínua, e não discreta oudicotômica. Port anto, é d ifícil especificar, de uma manei-ra não arbitrári a, um a linh a divisória que se pararia o in-divíduo letrado do indiv íduo iletrado. Já em m eados dosanos 50 , a mon ografia da UNESCO Wor ld Illit eracy atm id-century (1957) reconhecia que o co nceito de letra-mento é muito fl exível e pode co brir t odos os níveis dehabilidades , de um míni mo abso luto a um m áximo inde-terminado (p.19), e co ncluía que é de fa to imp ossívelconsiderar pes soas letradas e iletradas co mo duas cate-gorias distintas.

Contudo, as d efini ções de letrad o e iletrado apresenta-das pela UNESCO em 1958, com o propósito de padroni-zação interna cional das es tatísticas e m educação, sã o umatentativa de fa zer tal di stinção:

É letra da a pessoa que consegue tanto ler quanto escrever comcompreensão uma frase simples e CUltasobre sua vida cotieliana.É iletra da a pessoa que não consegue ler nem escrever comcompreensão uma frase simples e curta sobre sua viela cotidia-na. (UNESCO, 1958, p.4)

Considerando ap enas a d imensão individual do letra-mento, essas d efini ções de terminam qu ais habilid ades deleitura e escrita caracte rizam uma pessoa letrada ( ler eescrever com compr eensão), e a que tipo de material es-crito essas habilid ades devem ser aplicadas ( uma fr ase

simples e curt a so bre sua vida co tidi ana). Entretanto, adefinição é arbitr ária: qual é o f undame nto para se lecionaruma certa habilid ade ( ler e esc rever com compreensão - eatente-se para a impr ecisão da exp ressão co m compr een-são ) e um tipo específ ico de ma terial escrito (uma frasesimples e curta sob re a v ida cotid iana de a lguém) comoo ponto do contínu o que def ine uma pessoa co mo letra-da? Essa pergunt a co nduz à discussão a presentada naseção seguinte .

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7 4 1Letramento Ensaio I 75

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Assim, letramento envolve mais do que meramente ler eescrever. Como Kirsch e Jungeblut (1990) afirmam, letra-mento não é simplesmente um conjunto de habilidades deleitura e escrita, mas, muito mais que isso, é o uso dessashabilidades para atender às exigências sociais. Acreditandono poder do letramento para conduzir ao progresso social eindividual, os autores definem-no como o uso de informa-ção impressa e manuscrita para funcionar na sociedade,para atingir seus próprios objetivos e desenvolver seus co-nhecimentos e potencialidades. (p.1-8)

Subjacente a esse conceito liberal, funcional de letramento,está a crença de que consequências altamente positivas ad-vêm, necessariamente, dele: sendo o uso das habilidades deleitura e escrita para o funcionamento e a participação ade-quados na sociedade, e para o sucesso pessoal, o letramentoé considerado como responsável por produzir resultados im-portantes: desenvolvimento cognitivo e econômico, mobili-dade social, progresso profissional, cidadania. 2

Uma perspectiva diferente sobre as relações entre letra-mento e sociedade é proposta por aqueles que se filiam àvertente anteriormente denominada de uma interpretaçãoradical, revolucionária dessas relações - sua versão for-te . Enquanto que, na interpretação liberal, progressista (aversão fraca ), letramento é definido como o conjunto dehabilidades necessárias para funcionar adequadamente empráticas sociais nas quais a leitura e a escrita são exigidas,

na interpretação radical, revolucionária , letramento não podeser considerado um instrumento neutro a ser usado naspráticas sociais quando exigido, mas é essencialmente umconjunto de práticas socialmente construídas que envolvem

a leitura e a escrita, geradas por processos sociais mais am-plos, e responsáveis por reforçar ou questionar valores,tradições e formas de distribuição de poder presentes noscontextos sociais.

Street (1984), um dos representantes desta interpretaçãoalternativa da dimensão social do letramento, caracteriza-acomo o modelo ideológico de letramento, em oposiçãoao modelo autônomo . De acordo com Street, letramento é um termo-síntese para resumir as práticas sociais e con-cepções de leitura e escrita (p.I), tem um significado polí-tico e ideológico de que não pode ser separado e não podeser tratado como se fosse um fenômeno autônomo (p.8).Street afirma que a verdadeira natureza do letramento são asformas que as práticas de leitura e escrita concretamenteassumem em determinados contextos sociais, e isso depen-de fundamentalmente das instituições sociais que propõeme exigem essas práticas.

Provavelmente, a postura mais radical no quadro do mo-delo ideológico de letramento é a de Lankshear (1987).Colocando-se contra a pressuposição de que o letramento éum instrumento de que as pessoas simplesmente lançammão para responder às exigências das práticas sociais, Lank-shear afirma que é impossível distinguir letramento do con-teúdo utilizado para adquiri-lo e transrnítí-Io, e de quaisquervantagens ou desvantagens advindas dos usos que são fei-tos dele, ou das formas que assume (p.40). O que oletramento é depende essencialmente de como a leitura e aescrita são concebidas e praticadas em determinado contex-to social; letramento é um conjunto de práticas de leitura eescrita que resultam de uma concepção de o quê, como,quando e por quê ler e escrever.

Do ponto de vista desse conceito, as qualidades ine-rentes ao letramento e suas consequências positivas, enfati-zadas por aqueles que afirmam sua funcionalidade comoum instrumento para responder a demandas sociais e pararealizar metas pessoais, são negadas. Nessa perspectiva, o

2 A afirmação frequente de que o letramento traz, como consequência, a elevaçãodos níveis cognitivo, econômico e social tem sido questionada por numerososestudos nas áreas da Psicologia, da Etnografia, da História: embora importante, adiscussão dessa questão ultrapassa os objetivos cio presente estudo. Para uma revi-são sobre este tema, ver Akinnaso, 1981.

7 6 1Letram ento é d ê d l

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pressuposto é de que as co nsequências do l etrament o es -tão intim amente relacionadas com processos sociais ma isampl os, d eterminadas por eles, e resultam d e uma formaparticular de def inir, de transmitir e de refor çar v alores,crenças, tradições e formas de distribuição d e poder. As-sim, os partid ários da versão forte das r elações entreletramento e sociedade argumentam que as con sequênciasdo letramento são co nsider adas desejá veis e benéficasapenas por aqueles que aceitam como ju sta e igualitáriaa natureza e estrutur a do co ntexto social específico noqual ele oco rre. Quando não é esse o caso , isto é, quan-do a natureza e a es trutur a das práticas e r elações soc iaissão questionadas, o letramento é visto como um in stru-mento da ideologia, utili zado com o objetiv o de m anteras práticas e relações socia is correntes, acom odando aspessoas às condições vigentes. Por exemplo: aqu eles quecriticam as soc iedades ca pitalistas afirmam qu e o letra-

mento funcional, tal como é concebido n essas soc ieda-des, apenas reforça e a profunda as rela ções e práticasque propo rcionam ou vantagens ou des vantagens eco-nômicas, relações e práticas estruturadas socialmente;como Lankshear afirma, o letramento funci onal desig -na um estado mínimo, esse ncialmente negativ o e passi-vo: ser funcionalmente letrado é ser capa z de es tar à

altura das pequenas rotinas c otidianas e d os comporta-mentos bás icos dos g rupos dominantes n a soc iedadecontemporânea . Cp.64)

Resultam dessa concepção alternativas revolucionárias ao conceito liberal, progressista de Ietram ento funcio-nal . Paulo Fr eire 0967, 1970a, 1970b, 1976 ) foi um dosprimeiros educadores a realçar esse poder re volucioná-rio do letramento, ao afirmar que ser alfabeti zado étornar-se ca paz de usar a leitura e a escrita como ummeio de tomar consciência da realidade e de transfor-má-Ia. Freire concebe o papel do letrament o co mo sen-do ou de libertação do homem ou de sua domestícação ,

dependendo d o contexto ideológico em que oco rre, ealerta para a su a natureza inerentemente políti ca, defen-dendo que seu prin cipal objetivo deveria se r o de promo-ver a mudança soci al.

Essa nova man eira de conceber o letramento foi pro-posta no Simpôsio Inter naciona l pa ra o Letramen to, acon-tecido em Pers épolis, em 1975, com o ap oio da U nesco.'Um conceito m ais ampl o de letramento funcional foi entãosugerido pelo s participantes, propo ndo

...uma di stinção entre as duas p rincipais ca tegorias de funciona-lidade: a primeira, de cará ter econômico, relacionada co m a pro-dução e as condições de trabalho; a outr a, de caráter cultural,relacionada com a transformação d a co nsciência primária emconsciên cia crítica ( o processo de conscientízação ) e com aativa parti cipa ção dos a dultos e m seu próprio desenvolvimento.(citado em St reet, 1984, p.187)

Seguindo essa distinção, a Declaração de Persépolisconsiderou o l etramento co mo sendo

...não ap enas o processo de aprendizage m de habilidades deleitura, es crita e cálculo, mas uma co ntribuição para a liberaçãodo homem e par a o seu pleno desenvolvimento. Assim concebi-do, o letram ento cr ia condições para a a quisição ele uma cons-ciência críti ca elas contradições da SOC iedade e m que os ho-mens vivem e dos seus objetivos; ele também estimula a iniciati-va e a part icipação do homem na criação de projetos c apazesde atuar sobre o mundo, de transformá-lo e de definir os objeti-vos d e um autêntico d esenvolvimento humano. (citado e m Bhola,1979, p.38)

Lankshear (9 87), c itado anteriormente, em uma posi-ção ainda mai s radical, e endossando a dis tinção de O'Neilentre adequadam ente letrado e inadequadamente letra-do (O'Neil, 1970 ), mas dotando-a de maior força política,afirma que o letr amento adequado a umenta o c ontrole

3 Um estudo exaustivo de como os conceitos de lerramento e os programas para suapromoção evoluíram na Unesco, de ]946 a 1987, é desenvolvido por jones (1988).

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80ILetram entoEnsaio 181

ou ler e escrever uma sentença simples vai se constituin SOCi iS tê i f i i i d l

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ou ler e escrever uma sentença simples, vai-se constituin-do à medida que novas demandas de comportamento le-trado vão surgindo no contexto social.

Pode-se concluir, então, que há diferentes conceitos deletramento, conceitos que variam segundo as necessidadese condições sociais específicas de determinado momentohistórico e de determinado estágio de desenvolvimento.

Além disso, do pomo de vista sociológico, em qualquersociedade, são várias e diversas as atividades de letramentoem contextos sociais diferenciados, atividades que assumemdeterminados papéis na vida de cada grupo e de cada indi-víduo. Assim, pessoas que ocupam lugares sociais diferentese têm atividades e estilos de vida associados a esses lugaresenfrentam demandas funcionais completamente diferentes:sexo, idade, residência rural ou urbana e etnia são, entreoutros, fatores que podem determinar a natureza do com-portamento letrado. Consequentemente, definir um conjun-to universal de competências que evidenciassem o domíniode um letramento funcional é problemático: que parârne-tros escolher para selecionar e definir essas competências?Da mesma forma, na perspectiva de um letramento paraa libertação , pessoas ou grupos que têm ideologias dife-rentes e, consequentemente, diferentes objetivos políticospropõem diferentes práticas de letramento, determinadaspor seus valores, afirmações, ideais. Por exemplo: o con-ceito de letramento em sociedades em processo de mu-dança revolucionária (como em Cuba, nos anos 60, emNicarágua, nos anos 80) não é o mesmo que nos paísespoliticamente estáveis.

SOCiaiS e competências funcionais e, ainda, a valoresideológicos e metas políticas.

Reconhecendo esses múltiplos significados e varieda-des de letramento, Scribner (1984) defende a conveniênciade desagregar seus diversos níveis e tipos em um pro-cesso de decomposição (p.I8). A sugestão que faz Har-man de uma definição de letramento que distinga trêsdiferentes estágios representa uma tentativa de realizar essa desagregação :

o primeiro (estágio) é a concepção de letrarnento como uminstru mento. O segundo é a aq uisi ção do letramento, a aprendi-zagem das habilidades de ler e escrever. O terceiro é a aplicaçãoprática dessas habilidades em atividades significativas para oapren diz. Cada estágio é dependente do anterior; cada um é umcomponente necessário do letramento. (Harman, 1970, p.228)

Um segundo exemplo de tentativas de desagregar o le-tramento é a tendência contemporânea, sobretudo em paísesdesenvolvidos, de qualificar o termo, fazendo distinções en-tre letramento bás ico e letramento críti co, letramento ad e-quad o e inadequad o, letramento funcional e inte gral ,letramento geral e especia lizado, letramento domesticad or elibert ador, letramento descr itivo e aoaliatiuo, etc.

Uma tentativa mais radical de desagregar o letra-mento nos seus componentes é aquela proposta por au-tores que, em vez de considerarem o letramento comoconstituído de estágios ou componentes, ou como ne-cessitando ser qualificado, argumentam que é mais ade-

quado referir-se a letra mentos, no plural, e não a umúnico le tram e n to , no singular:

POSSíVEL UMA DEFINiÇÃO?

. .. seria, provavelmente, mais apropriado r eferirmo-nos a letrarnentos d o que a um único letramento , (Street, 1984, p.S)

... d evemos falar de letram entos, e não de letramento, tanto nosentido d e diversas ling uagens e escritas, quanto no sentido demúltiplos nívei s de habi lidades, conh ecimentos e crenças, nocampo de cada língua e/ou escrita . CWagner, 1986, p.259)

... deveríamos id entificar e estudar dif erentes letramentos e nãosupor 01.1 presumi r um único letramento. (Lanksh ear, 1987, p.48)

A discussão anterior permite concluir que o conceitode letramento envolve um conjunto de fatores que variamde habilidades e conhecimentos individuais a práticas

8 2 1Letrameoto . - 183 1.11

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Pode-se c oncluir qu e definir l etram ento é uma tarefa al-tamente contr oversa; a formul ação de um a defini ção qu epossa se r aceita se m restrições parece imp ossível. Contud o,como observ a Ce rver o (1985), a firmar qu e uma defini çãogeral e comum a todos não é possível. .. não quer dizer qu enão h aja necess idad e de uma definiçã o ge ral e comum a

todos (p.53 ). Uma d efinição geral e ampl ament e ac eita énecessár ia, especialm ente quand o se pretende a valiar e m e-dir nív eis de l etrament o: sem ela, como determin ar critéri osque estabele çam a dif erença entre letra do e iletr ado, entr ediferentes níveis de letr ament o? Na seção se guint e, algun scritérios c omum ente utili zados para avaliar e medir o letr a-ment o se rão examinad os do p onto de vi sta dess a co ntrov ér-sia conceitual.

Kirsch & Jung eblut , 1990); d e ac ordo co m est atísticas edu-cacionais , tanto em p aíses d esenvolvid os qu anto em p aí-ses e m de senvolvim ento, um númer o a larmant e de crian çasnão a lcan ça o letr amento n os prim eiros an os do en sinofund ament al.? Entretanto, qu e letr amento ( ou não letra-mento) está por tr ás desses dados? S e o letr amento é umcontínuo qu e repr esenta dif erentes tip os e n íveis de h abi-lidades e conhecim entos, e é um conjunt o de pr áticassociais qu e envol vem uso s heterog êneos de leitura e es -crita com diferent es finalid ades, que ponto , nesse contí-nuo, dev e se parar adultos l etrados d e iletrad os, e m cen sospopulaci onais e p esquisas p or am ostragem, ou cri ançasbem suc edidas de crianç as mal su cedidas n a aquisiçãodo letram ento, em contextos e scol ares?

As prin cipais t entativa s de enfrentament o desse pro-blema sã o discutid as a baixo. Com o a a vali ação e m edi-ção do l etrament o dependem essencialm ente d e se upropósito, a discu ssão é apresentad a se gund o as se guin-tes c ateg orias: avaliação e medição do l etrament o emcontextos esc olar es, em cen sos demo gráfic os nacion ais eem pesqui sas por amostragem.

AVALIAÇÃO E MEDiÇÃO DO LETRAMENTO:EM BUSCA DE CRITÉRIOS

Sendo difí cil ou mesmo imp ossível d efinir l etrament o,enfrenta-se a falta d e uma c ondição esse ncial para su aavali ação e m edição: uma defini ção pr ecisa que permit adetermin ar os critério s a serem utilizad os para di stinguirpessoas letrad as de il etradas, ou para estabelecer difer en-tes n íveis de l etrament o.

Na ausência dessa condiçã o, as avali ações e mediçõ esde l etrament o realizad as, quer através d e ce nsos popula-cionais, quer d e pesqui sas por amostr agem, quer, ainda,em sentido m ais rest rito, reali zadas por sistemas es col a-res ou escol as, p rodu zem dad os impr ecisos. S egundo oscensos popul acionais, quase um bilh ão de m embros d apopul ação mundial adult a (de idade acima de 15 anos)são il etrados (U nesco 1990 ); conform e pesqui sas poramostragem, o letram ento é hoje um grande pr oblem aaté m esmo em p aíses d esenvolvidos (ver, por exempl o,

AVA LIA ÇÃ O E MEDi ÇÃ O DO L ETRA MENTO

EM CONTEXTOS ESCOLARES

Nas sociedade s contemp orâneas, a inst ância respon-

sável por pr omover o letr amento é o s istema es colar (em-bora não se ja impossível, como S cribner & Cole (1981)

6 Por exemplo: no Brasil, assim co mo em muitos países do Terceiro Mundo, umagrande porcentage m de crianças (em t orno de 50 %) repetem o primeiro ano deescolaridade, porque sã o co nsideradas não alfabetizadas; McGill-Franzen & Alling-ton (991) inf ormam que, na América do Norte, um número jamais alcançado decrianças estão repetind o os primeiros anos, basicamente porque es tão atrasadas no desenvolvimento da leitur a (p.87). Para lima revisão c ríti ca de dados referentes

à América Latina, ver Roca ( 1989).

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84 1Letramento

demonstraram ser letrado sem ter tido escolarização) se que deve ser aprendido planejando em quantos períodos

Ensaio 1 8 5II

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demonstraram, ser letrado sem ter tido escolarização), se-gundo Cook-Gumperz (1986), é consenso social, nos diasde hoje, que o letramento é tanto o objetivo quanto oproduto da escolarização (p.16)J Mas o que se entendepor esse letramento proposto como objetivo e produtoda escolarização, e como é ele avaliado e medido emcontextos escolares?

Para resolver o conflito entre a falta de uma definiçãoprecisa de letramento e a necessidade de sua avaliação emedição, o sistema escolar enfrenta condições simultanea-mente favoráveis e desfavoráveis.

Condições favoráveis advêrn do fato de que o letramen-to é, no contexto escolar, um proce sso , mais que um pro-duto; consequentemente, as escolas podem fazer uso deavaliações e medições em vários pontos do contínuo que éo letramento, avaliando de maneira progressiva a aquisi-ção de habilidades, de conhecimentos, de usos sociais eculturais da leitura e da escrita, evitando, assim, o proble-ma de ter de escolher um único ponto do contínuo paradistinguir um aluno letrado de um iletrado, uma criançaalfabetizada de uma não alfabetizada.

Por outro lado, da natureza teleológica do sistemaescolar advêm condições desfavoráveis para o enfrentamentodo conflito entre a falta de uma definição precisa de letra-mento e a necessidade de sua avaliação e medição. As esco-las são instituições às quais a sociedade delega aresponsabilidade de prover as novas gerações das habilida-

des, conhecimentos, crenças, valores e atitudes considera-dos essenciais à formação de todo e qualquer cidadão. Paraalcançar tal objetivo, o sistema escolar estratifica e codificao conhecimento, selecionando e dividindo em partes o

que deve ser aprendido, planejando em quantos períodos(bimestres, semestres, séries, graus) e em que sequênciadeve se dar esse aprendizado, e avaliando, periodicamente,em momentos pré-determinados, se cada parte foi suficien-temente aprendida. Desse modo, as escolas fragmentam ereduzem o múltiplo significado do letrarnento: al gumashabilidades e práticas de leitura e escrita são selecionadase, então, organizadas em grupos, ordenadas e avaliadasperiodicamente, através de um processo de testes e provastanto padronizados quanto informais. O conceito de letra-mento torna-se, assim, fundamentalmente determinado pelashabilidades e práticas adquiridas através de uma escolari-zação burocraticamente organizada e traduzidas nos itensde testes e provas de leitura e de escrita. A consequênciadisso é um conceito de letramento reduzido, determinadopela escola, muitas vezes distante das habilidades e práti-cas de letramento que realmente ocorrem fora do contexto

escolar - um letram ento e scol ar , nas palavras de Cook-Gumperz (986):

A in stituição escola redefiniu o letrament o, to rnando- o o queagora se pode chamar de letr amento escolar, ou seja, um siste-ma d e conhecimento descontextualizado, validado a través dodesemp enho em testes (p.14).

Essa estreita relação entre letramento e escolarizaçãocon tro la mais do que expand e o conceito de letramento, eseus efeitos sobre a avaliação e medição do letramento sãosignificativos, embora não sejam os mesmos em países de-

senvolvidos e em desenvolvimento.Nos países desenvolvidos, onde os sistemas escolares

são rigorosamente organizados, o letram ento escolar é,em geral, definido por meio do estabelecimento de deter-minados padrões de progresso desejado em leitura e es-crita, e os níveis alcançados pelos estudantes tendo comoparâmetro esses padrões são considerados uma represen-tação adequada de letramento. Devido ao caráter teleoló-gico do sistema escolar, esses padrões de progresso são

, A história da s relações entre letramento e escolarização esclarece basta nte os atuaisprocedimentos de avaliação e medição c io letramento em contextos escolares, masessa discussão ultrapassa o s objetivos deste texto; para uma revisão crítica, ver Cook-Gumperz (1986).

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._ _divisões sociai s marcantes, os padrões de l etramento defini-

11 Ensaio I 89

Essas q e stões t êm m a influência signifi cativa na defi

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divisões sociai s marcantes, os padrões de l etramento definidos pelas escol as va riam d e ac ordo com o sta tus social e/ou econômico d o aluno: os padrões s ão, quase sempre,consideravelm ente mais altos para os alun os das classesaltas. Assim, t ornar-se letrado ou mesmo apenas a lfabeti-zado numa es cola de c lasse a lta tem um signifi cado bas-tante diferent e de tornar -se letrado ou alf abetizado num aesco la de classe t rabalhadora; de fato, os alunos das c las-ses trabalhador as são s ub-escolarízados e sub-l etrados emcomparação com os a lunos das classes alt as. Desse modo,como afirma Lank shear ( 1987) , a transmi ssão e a prática doletramento n a esco la co ntribu em para a manutenção depadrões desiguai s de distribui ção de pod er e de vantagensdentro da estrutur a soc ial Cp.131).8

Em síntes e, dois pontos principais d evem ser enfati-zados em rel ação à ava liação e medição d o letramento emcontextos escol ares. O prim eiro deles di z res peito ao co n-

ceito de letram ento esco lar, que decorre do s critérios defi-nidos pela es cola para ava liar e medir a s habilid ades deleitur a e escrit a: um conceito limitado , em geral insuficien-te para respond er às ex igências das pr áticas soc iais queenvolvem a língu a esc rita, fora da escola. O segundo pon-to diz respeito a os diferentes e feitos educ acionais e soc iaisdesse letram e nt o esco lar em países d ese nvolvid os e emdese nvolvim ento: nos países desenvol vidos, sistemas e du-cac ionais fortem ente organizados prescr evem p adrões es-trit os e univers ais para a a quisição progr essiva de níveis

de letramento , enquanto que, nos paíse s em desenvolvi-mento, um funci onamento inconsistent e e discrimin atórioda esc ola ger a padrões múltipl os e difer enciados de a qui-sição de letram ento.

K Na verdade, Lankshear não se refere, nessa citação, exatamente aos países emdesenvolvimento, mas sim às SOCiedades capitalistas modernas; entretanto, apesarele O problema que ele aponta não se limitar, certamente, apenas aos países emdesenvol vimento, el eé, sem dúvida alguma, mais acentuado nesses países.

Essas que stões t êm um a influência signifi cativa na defi-nição de crit érios para a ava liação e m edição do Ietrarnen-to em censos p opulacionais, como s e discute a seg uir.

AVALIAÇÃO E MEDiÇÃO DO LETRAMENTO

EM CENSOS POPULACIONAIS

Afirmar qu e um conceito único d e letramento não épossível , tant o para a soc iedade como um t odo quantoem conte xtos esco lares, não implica qu e esse co nceitoúnico não s eja necessá rio; de fato, um a defini ção p recisaé indispensáv el para fundamentar pro gramas de coletade dados sobr e o letramento, como n o caso de ce nsosdemográfic os nacionais.

Nesses c asos, o problema a enfrent ar é que, apesar de oletramento, como fo i dis cutido, não ser algo q ue as pesso-

as ou têm ou n ão têm - ele é um contínu o, variando donível mais elementar ao mais complexo d e habilid ades deleitura e es crita e de usos s ociais - em l evantam entos ce nsi-tários, quest ões práticas ex igem que o l etramento se ja trata-do como um a variável discreta e não c ontínu a. Como umdos propósit os dos ce nsos demográfic os é forn ecer infor-mação estatísti ca so bre letram ento e analf abetismo, os ins-trumentos d e avaliação não podem dei xar de determin ar umponto de cis ão no contínu o do letrament o que distinga pes-soas alfabetiz adas ou l etradas de analfab etas ou il etradas, e

não podem d eixar de usar a enganosa di cotomia a lfabeti-zado , letrad o , vers us analfabeto , iletrado ,

Tradicion alment e, os levantamentos censitários co letamdados sobr e o letram ento basicament e a través de um dedois process os: o prim eiro é a autoavaliação, ou seja, opróprio inform ante responde se é alfabeti zado, letrad o, ouse é analfab eto, iletrado; o se gundo é a obtenção de infor-mação sobr e a co nclusão, ou não, p elo i nformante, deuma determin ada sé rie esco lar, ou seja, a obtenção de dado

~ I Letram entoEnsaio 1 9 1

sobre a escolari zação forma l. A de finiçã o de letramento e nível ou nív eis de letramento; e m segund o lugar, porque a

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sobre a escolari zação forma l. A de finiçã o de letramento eos critérios par a ava liá-Io va riam, assim, enormemente, poisdependem do p onto específico esc olhido , seja pelo rece n-seado seja pelo r ece nseado r, como linha divi sória entre in-divíduos alfabeti zados e a nalfabetos, letrad os e iletrados, aolongo do contínu o que é o letramento.

Na verdad e, a decisão so bre q ue pont o esco lher comolinha divisória é determina da pelo estágio hi stórico da so -ciedade em an álise, ou seja, por suas con dições cultu rais,sociais e ec onômicas específicas num d eterminado mo-mento, e depend e das práticas reais de u sos da leitur a e daescrita e dos pr ocessos a través dos quais esses usos sãotransmitidos n aquelas condições específi cas e naquelemomento. Assim , a linha divisória escolhida p ara distinguiro alfabetizado , o letrado do analf abeto , do iletrado varia de socied ade p ara so ciedade: pessoas class ificadascomo a lfabeti zadas ou letradas e m um d etermin ado país

não o s eriam em outro. Mais a inda: em u m mesmo país,os co nceitos d e a lfabetizado e a nalfab eto, de letrado eiletrado va riam ao longo do tempo: à medida q ue as con-dições sociais e eco nômicas m udam, tam bém as expec ta-tivas e m rela ção ao letrame nto mud am, e aquelesclass ificados com o alfabetizados ou letrad os em de tenni-nado moment o podem não sê-lo em outr o.

A própria e sco lha entre coletar dados sobre o letramen-to at ravés de aut oavaliaçã o ou de identifi cação de nível deescolarização depende do es tágio de des envolvimento so -

cial e ec onômi co da sociedade e , consequ entemente, deseu sistema es colar.

Os países em d esenvolvimento optam , em geral, pelacoleta de dados através do proces so de aut oava liação 3 Aaavaliação feita p elo própr io informante sobr e suas habilida-des de leitura e esc rita é c onsiderada a m ais adequada, porvárias razões: prim eiramente, porque as p ráticas soc iais deleitura e escrita n ão es tão suf icientemente di fundidas entre apop ulação, não sendo pertinente, por isso, pr etender avaliar

; g g , p qeducaçã o fund amental universal e obrigató ria ai nda nãofoi inteiram ente a lcançada, de modo qu e o c ritério de ní-vel de escolarid ade seria improcedente; além di sso, e e mterceiro lugar , porque os s istemas escol ares es tão organi-zados de m odo inconsistente e não sã o homogêneos , fun-cionando em ní veis de qualidade muit o diferentes, de modo

que haveria p ouca co ncordância sobre o que pode s ignifi-car a conclus ão de de terminada série es colar em difere ntesregiões, em dif erentes esco las.

Os país es desenvolvidos, ao c ontr ário, ge ralmente utili -zam-se de d ados sobre nível de escol arização para afe rir ograu de letram ento da po pulaçã o: consid era-se necessária aconclusão d e um certo número de an os de esco larizaçã oformal para caracterizar a po pulação letr ada, porque a v idasocial exige h abili dades e práticas de l etramento em inúm e-ras e diferent es o casiões, a educação fund amental básica para

todos já foi pr aticamente atingida, e os sistemas esco laressão rigorosam ente o rganizados.Entret anto, tanto a a utoava liação qu anto informações

sobre con clusão de série esco lar são pr ocessos problemá-ticos para a coleta d e dados a respei to do letramento,como se discut e a s eguir.

Autoava iação

Informaç ões so bre o letramento atr avés de auto ava lia-ção, coleta da s em c ensos de mográficos n acio nais, são o b-

tidas por m eio de uma o u mais p erguntas feitas a oindi víduo , perguntas que traduzem um a defini ção préviadaquilo qu e se co nvencionou ser letr amento. Entre tanto,apesar da tent ativa de garantir confiabili dade aos da dosderivando a s perguntas de uma defini ção de letramentodecidida pr eviamente, as informaçõe s através de autoava -liaçã o sofr em d e a lgumas de ficiência s sérias.

A primeir a deficiência é resultado d a aplicação errôneada definição d e letramento mais ampl amente utiliz ada e m

92 I Letramento

censos demo gráficos, definição que g era as p erguntas eJ~

simples na sua própria língua (IBGE, 1991). Na prática,

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g , ç q g p ga aferição da s respos tas. A pesa r de p aíses d iferentes uti-lizarem defini ções d iferentes, a fonte prim ária é i nvaria-velmente a re comendação da Unesco: é letrada a p essoaque consegu e tanto ler quanto escrev er com compreen-são uma fras e s impl es e c urta sobre sua vida co tidi ana (Unesc o, 1978a). Co ntud o, o uso dess a de fini ção básicapara fins de autoavaliação não deixa d e ser problemáti-co: como se p ode traduzi-Ia em uma ou m ais perguntasbreves a serem in cluídas no questionári o ce nsitário?

A fim de e vitar esse problema, na m aioria dos p aíses apergunta do c enso so bre o letramento é simpl esm ente se apesso a sabe l er e esc rever ( Você sabe l er e escrever? ),sem qualquer r eferência a o quê a pessoa é ca paz de ler eesc rever ou à comp reensão do que é lid o ou escrito; oresultado é qu e o s ignifi cado da resposta sim ou não doinformante é, na melhor das hipóteses, d úbio. Como o b-serva o estudo t écnico das Nações Unida s de 1989 so bre aavaliaçã o do l etramento:

Como d eterminar se a resp osta inc lui o r equisito de c om com-preensão , a plicado a uma frase simpl es e curta sobre suavida cotidi ana , é uma questão diferent e e c omplexa. Fre-qüentem ente, presume-se s impl esment e que este é o caso; àsvezes , a questão ou as questões especificam um contexto am-bíguo t al como em: Vo cê sabe ler um a mensagem simples? (United Nations, 1989, p.85)

No Brasil, p or exemplo, o manual de in strução que

orienta o recen seador inclui uma defini ção de alfabeti-zado a ser u sada no preenchimento d o questionário,defini ção que é, na verdade, uma vers ão simplifi cada dadefini ção da Un esco . uma pessoa deve ser co nsideradaalfabetizada s e for capaz de ler e escrever u ma mensage m

? Sociedades multil íngues e mult iletraclas enfrentam aind a um outro problema: emque língua o indivídu o deve saber ler e escrever? Para uma discussão dessa questão,ver Wagner (1990) , Unit ed Natíons (1989), Unesco (1978b ).

p p p g ( , ) p ,contudo , os rece nseadores g eralm ente não s eguem es-tritamente as instruções e confiam exclusivamente naresposta afirm ativa o u negativa do inf ormante à questãoconcisa qu e aparece no questionári o: Você sabe ler eescrever? Uma das razões que pod e explicar a desco n-sideração da defini ção proposta no m anual de instrução

é provavelm ente a d ificuldade de s aber exatamente oque ela signifi ca: qual deveria ser a e xtensão de umamensagem simpl es ? quantas unidad es de informaçãoela deveria in cluir ? em qu e nível d e proficiência e ladeveria ser li da o u escrita? o que qu er dizer com com-preensão ? etc.

Um segund o obs táculo à confiabilid ade das informa-ções obtid as através de autoavaliação é a impossibilid adede, com b ase a penas na resposta afirm ativa C'sim ) ounegativa ( não ) à pergunta sobre a h abili dade do infor-

mante de l er e esc rever, captar distin ções importantes e mtermos de h abilid ades e proce ssos (p or exemplo, leituraversus escrita ; diferença entre decodíficação e co mpre-ensão ou int erpretação; diferença entr e apenas s er capazde transcrev er unid ades so noras e ser capaz de co muni-car-se por escrito com um leitor poten cial). Na verdade, asrespostas sim ou não a pergunta s a res peito das pró-prias habilidad es de leitur a e e scrita d ependem, funda-mentalment e, da avaliação que o inf ormante faz de s uashabilidades, competências e práticas pe ssoa is de letramento.Deve-se sali entar aq ui u m ponto impo rtante: essa ava lia-

ção que o inf ormante faz de s i mesm o é frequentementeinflu enciad a por um conceito de letr amento definid o pelaescola, isto p orque, nas so ciedades cont emporâneas , comofoi dito ant es, as esco las são árbitr os dos pad rões deletramento (Cook-G umperz, 1986, p.3 4), de mo do que oinformante t ende a descrever-se como alfabetizado/analfa-beto, letrad o/iletrado, tendo como par âmetros a s habilida-des e prática s de letrame nto que são tip icame nte ensinadase medidas no s contextos es colares, ou seja, de aco rdo com

__ Ensaio 195

um conceito d e letrament o esco lar e não e m funç ão das Como na maioria das investigações a tuais sobre o letr amento, os

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çhabilid ades e práticas aprendid as e usad as de fato n a vidacotidiana fora d a escola.

Uma outra consideraçã o a ser feita é q ue as pergun tasde autoavaliação nos levantamentos censitários não sãorespondidas p or cada indi víduo se paradamente, ma s porum m orador d o domicílio qu e respond e por todos os o u-tros moradore s. Ass im, a classificação d e um indivídu ocomo a lfabeti zado ou an alfabeto , letrado ou il etra-do base ia-se n ão a penas n a ava liação qu e o inform antefaz de suas pr óprias habilid ades de letr amento, mas t am-bém n a estim ativa que faz d as habilidad es dos o utro s mo-radores: com qu e c ritérios o inf ormante cl assifica a si me smoe aos o utros como dominando ou não as habilidad es ne-cessárias para qu e o indiv íduo seja considerado alfab etiza-do ou letrado?

Finalmente , as respost as do inform ante às pergunt as

do censo sobr e letrament o podem não correspond er àssuas co ndiçõe s reais, devid o a inibiçõ es soc iais e p sico-lógicas e atitude s de censur a. Como o s informantes d es-confiam frequent emente d as motivaçõ es do recensead or,podem dar r espostas desej áve is em ve z de resposta s sin-cera s; por ex empl o, pessoas analfab etas muitas v ezespreferem escond er que n ão sa bem ler e esc rever , porvergonha de admitir , diant e de um estr anho, sobr etudoalguém que veem como exercendo um p apel de aut ori-dade, o que consideram ser um a defi ciência; ou, p elocontrário, pessoas a lfabetiz adas o u letr adas podem d e-clarar não saber ler e escrever pelo temor de vir a s eremsubm etidas a um t este ou alguma outra f orma de m edi-ção direta. Com o afirma S chofield (1968 ):

dado s desses relatóri os ( relatórios est atísticos) são m edidas dasopini ões das pessoas sobre suas competências de letr amento, talcomo foram d eclarad as a estranhos, e não co nstituem u ma evi-dênci a d ireta da exist ência dessas c ompetências. O p erigo d eresultados pouco confiáveís nesses casos, sobretudo qu ando seestab elece uma relação entre sta tus e posse de competências deletram ento, sequer precisa se r enfatiza do. (p.319)

À luz de ssas co nsid erações, pode- se co ncluir qu e, ape-sar das tent ativas de garantir a confiabili dade dos d ados, a sinformaçõ es sobre índic es de letram ento baseadas em au-tovaliação são muito impr ecisas. A prin cipal causa di sso éque o mar co divisório qu e distinguiri a pessoas alf abetiza-das, letradas, d e pessoas analfabetas, il etradas, ao l ongo docontínuo d o letramento , var ia enorm emente nas pe squisasfeitas para censos demo gráficos, porqu e sua caract erizaçãodepende d e fatores diver sos e frequentem ente discr epantes:a aplicação (ou m á apli cação) pelo r ece nseador d a defini-

ção de letr amento pré-est abelecida e d a qual dev eria deri-var-se e sse m arco divisório; a decisão d o próprio inf ormantesobre esse m arco divisór io, ao descr eve r a s i me smo e aoutros membr os da famíli a como alfab etizados ou an alfabe-tos; os aspe ctos psicoló gicos e s ociai s relacionados co m ostatu s do letr amento na s ociedade.

Essas r estrições às inf ormações s obre letrament o obti-das por aut oavaliação t êm conduzid o ao procedim entoalternativo de medir comp etências e práticas de l etramen-to co m ba se na escolari zação e na conclusão d e deter-

min ada séri e escolar.Conclusão de série escolar

Definir, avaliar e medir o letrament o em termos d e anosde esc olari zação apresent a algumas vantagens c onceituaisem relação a fazê-lo com base em aut oava liação.

A princip al vantagem é que, enqu anto a a utoavaliaçãofundament a-se e ssencialmente na sup osição de qu e ex isteum ponto específico, num contínu o de habilid ades e

10 Até mesmo em p aíses do Terceiro Mundo, embora o ensino fundament al paratodos ainda não t enha sido alcançad o, uma grande m aioria da popula ção te malgum tipo de contato com a esc olarização elementar, de m odo que os parâmetrosda escola para avaliação do letramento são em geral bastante conhecidos e amp la-mente ínternalízad os.

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98 I Le tramento

Finalmente, e obviamente, pode-se obter qu alquer número de

Ensaio I <f )

desenvolvimento, justamente por cau sa do índi ce de repro-

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analfabetos ou il etrados, a penas tomando-se co mo c ritérioa co nclusão d esta ou daquela sé rie.

Além da arbitr ariedade inerente ao crit ério de esco lheruma determin ada sé rie esco lar e decidir que, co ncluídaela, foi atingid o um n ível ade quado de l etramento e, a bai-xo dela, perm anece-se no não letrament o (Hill erich, 1978,p.33) , o critério de conc lusão de determin ada sé rie esco lar,para avaliar o letramento, bas eia-se em algumas s upos i-ções e quivocad as.

Primeiram ente, o uso do critério d e co nclusão de sé -rie esc olar par a ava liar o letramento em levantamentoscensitários pr essupõe que a e ducação uni versa l e ob ri-gatória é adequ adamente ofe recida, de modo que todoindi víduo tenh a a o portuni dade de entr ar e permanecerno s istema esco lar. Mais ainda, esse sistema deve serfortemente or ganizado, para pe rmitir sup or que a natu-reza e qualidad e da escolarização seja suficientementeunif orme entr e as esco las, e q ue o m esmo nível de le-trarnento seja alcançado no mesmo nú mero de anos e mescolas diferent es.

Isto certam ente não oco rre nos país es em dese nvolvi-mento, e m qu e a co nclusão de determin ada sé rie esco lartem pouca v alidade co mo critério para a ava liação do le-tramento, porqu e ai nda não é o ferecido o ensino funda-mental para tod os, e a o rganiza ção e cont role esco lares

são, e m geral, t ão precários q ue uma grande parte dascrianças que conseguem ter acess o à escola ou a aba ndo-nam, depois d e co mpletar dois ou três an os de esco lariza-ção fundament al, ou re petem a mesma s érie diversas vez es(em geral a prim eira série). Mais aind a, nos países e m

12 o Brasil é um exempl o característico: cerca de apenas 5 0 por cento das c rianças desete anos bra sileiras m atriculadas na p rimei ra sé rie passam para a sé rie seguinte; osoutros 50po r cento ou deixam a esco la o u repete m o an o.

Ii

vações e d as repetências decorrent es delas, a co nclusão daquarta séri e, po r exemplo (em ger al selecionada comolinha divis ória entre analfabetismo e l etramento) re presen-ta com frequ ência, na ver dade, seis , oito ou dez a nos deescolarízação,

Até mesm o nos países desenvolvid os, o nde os sis temaseducacionai s são e m geral submetido s a padrões bem de-finidos d e progressão de sé rie para série, não deixa de serdiscutível supor qu e o proces so de esco larização é unifor-me entre as esco las, igualando-se o qu e é ce rtamente desi-gual: proc essos de esco larização , com petência dosprofessores , potencialidades dos alun os, va lores a tribuí-dos pela comuni dade ao letramento . Como observa Oxe-nham (1980 ):

i

... enqu anto q uatro anos de escolari zação, em certas esc olasde al guns pa íses, podem habilitar a maioria dos a lunos a tor-nar- se adequada e perma nentemen te letrada, o mesmo nú-mero de sé ries em o utro lugar pode resultar simplesme nte empermanência no analfabetismo. Cp.90)

Uma se gunda suposição subjacent e ao c ritério de con-clusão de s érie esco lar para avalia ção e medição do letra-mento é a presumida relação entr e co mportamentosadquiridos n a esco la e habilidades e práticas de letramen-to ou, em outras palavras, uma sup osição de que o letra-mento é aquilo que as e scolas en sinam e medem e,

portanto , é basica mente a dquirido por m eio da escolaríza-ção. Além d o fato de que ess a suposi ção ignora a a prendi-zagem por m eios informais ao longo da v ida, e m situaçõesexternas à esco la, há o utras important es e vidências de quese trata de um a suposição discutível.

Em prim eiro lugar, a pesar de ter r ecebido a inda poucaatenção a hip ótese de q ue um determin ado nível/série con-cluído equi vale a letramento, alguns estudos e mpíricos su-gerem que ela não p roce de: Harm an (1970 ), Kirsch &

10 0I Letramento EnsaioI 10 1

Guthrie (1977-1978), Hillerich (1978), Wagner (1991) rela- foi criado justamente para ampliar o conceito de letra-

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tam resultados de pesquisa que indicam haver uma rela-ção muito tênue entre o critério de série escolar concluídae as competências de letramento do adulto.

Em segundo lugar, a suposta ligação de causa-e-efei-to entre escolarização e letramento é refutada pelo fatode que o não letramento (o analfabetismo funcional)continua a ser um grave problema nos países onde oensino fundamental obrigatório para todos foi pratica-mente alcançado, como no caso dos países desenvolvi-dos. Se a conclusão de uma determinada série equivalea letramento, por que baixos níveis de letramento ocor-rem em sociedades em que o direito à escolaridade bá-sica é garantido a todos?

Esse aparente paradoxo pode ser compreendido sese considera o fato de que as escolas, como discutido

acima, avaliam e medem o letramento segundo as exi-gências de desempenho determinadas por instrumentosde avaliação definidos por elas mesmas, internamente,não levando em conta, em geral, as competências deletramento requeridas em situações exteriores a elas. Naverdade, as habilidades e práticas de letramento, emoutros contextos sociais, parecem ir muito além das ha-bilidades de leitura e escrita ensinadas e medidas emcontextos escolares, ou seja, muito além de um letra-mento escolarizado. A consequência, como afirmamCastell et al. (1986), é uma discrepância significativaentre o que conta como letramento na escola e os tiposde competências de letramento realmente necessáriasnas atividades profissionais e comunitárias (p. ). Emoutras palavras, por meio da escolarização, as pessoaspodem se tornar capazes de realizar tarefas escolaresde letramento, mas podem permanecer incapazes delidar com usos cotidianos de leitura e escrita em con-textos não escolares - em casa, no trabalho e no seucontexto social. De fato, o termo letramento funcional

mento definido pela escola, acrescentando a ele comporta-mentos letrados cotidianos que a aprendizagem formalem contextos escolares não parece promover.

Inúmeros estudos têm dado suporte a essas afirmações.Por exemplo: os estudos etnográficos de Heath (1983)indicam que as atividades de leitura e escrita em contex-tos escolares revelam-se altamente irrelevantes em situa-ções externas ao mundo escolar; nesse mesmo sentido, apesquisa de Wagner sobre o letramento funcional entrecrianças marroquinas em idade escolar (1991) levou àseguinte conclusão:

o presente estudo confirma um crescente número de evidên-cias indicando que muitas das habilidades necessárias na vidacotidiana podem não ser adquiridas mesmo após os 4 anosde escolarização formal convencionalmente (ou convenien-temente) uti lizados como a linha divisória entre letramento e

não letramento. (p.193)

Portanto, a suposição de que se pode avaliar e medirletramento pelo critério de conclusão de determinada sérieescolar é, certamente, uma suposição equivocada.

Igualmente equivocada é uma terceira suposição emque se fundamenta o critério de série escolar concluídapara a avaliação e medição do letramento: a suposiçãode que a conclusão de uma dada série garante um letra-mento permanente e de que o que foi adquirido nãoserá perdido.

Essa suposição deixa de levar em consideração umaquestão importante: a validade de arbitrariamente escolheruma determinada série escolar como o limiar de um apren-dizado de tal natureza que, mesmo no caso de pouco ounenhum uso das competências adquiridas, não ocorreriauma reversão ao analfabetismo ou a perda de habilidadesde letramento. O esclarecimento dessa questão dependede dados empíricos ainda não disponíveis, como observaWagner (1990)

10 2I Letramento Ensaio I 10 3

Embora haja numerosas hipóteses sobre ° rrururno deescolarização primária necessário (ou de educação não formal

evidências de que o 'retrocesso do letramento' podeit

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escolarização primária necessário (ou de educação não formalou de experiências vivenciadas em campanhas de alfabetiza-ção) para que o letramento seja fixado na criança ou noadulto, há ainda muito pouca informação para sustentar essashipóteses. (p.131)

ser um mito (p.Ll ).

Conclui-se que estudos empíricos sobre a retenção decompetências de leitura e escrita têm chegado a resultadosconflitantes; assim, presumir que a conclusão de uma de-terminada série escolar seja evidência de letramento é, porenquanto, questionável.

Em síntese, embora o critério de conclusão de sérieescolar para a avaliação e medição do letramento ofe-reça algumas vantagens conceituais em relação ao crité-rio de autoavaliação, traz alguns sérios problemas ebaseia-se em suposições ou equivocadas ou controversas.Além disso, é uma questão ainda aberta a investigaçõesfuturas determinar se indivíduos que concluem uma de-terminada série tornam-se letrados de forma adequada epermanente.

Podemos concluir que as informações por autoavalia-ção e por conclusão de série escolar, coletadas em levan-tamentos censitários, permitem apenas uma medida bastanteprecária de letramento. Um procedimento para a avaliaçãoe a medição, com mais profundidade, do letramento, per-mitindo investigar tanto as habilidades quanto as práticassociais de leitura e de escrita, é o estudo por amostragem,discutido a seguir.

Na verdade, a retenção de competências de leitura e deescrita é um fenômeno ainda pouco estudado, sendo sur-preendentemente pequeno o número de pesquisas nessecampo. Além disso, os resultados a que chegam essespoucos estudos empíricos não são conclusivos, sendo ain-da restrita a possibilidade de generalização.

Simmons, ao revisar, na segunda metade dos anos 70,seis estudos sobre a retenção de competências de letra-mento que, segundo ele, constituíam, então, toda a litera-tura sobre o tema, resume os resultados concluindo que:primeiro, os estudos indicam de modo consistente um

declínio das habilidades de leitura e escrita ao longo dotempo ; segundo, altos níveis alcançados em educaçãoanterior não garantem que as pessoas não regridam aoanalfabetismo ; e, finalmente, mesmo aquilo que é reti-do parece ter pouco valor prático para o indivíduo ou asociedade (Simmons, 1976, p.84). O estudo realizado pelopróprio Simmons sugere que a suposição de que a educa-ção fundamental tem efeitos permanentes deve ser questi-onada, e que o motivo pelo qual alguns indivíduos retêmmais do que outros parece estar mais em fatores ligados

ao ambiente familiar e uso pós-escolar das habilidadescognitivas do que em fatores ligados às experiências esco-lares (Simmons, 1976, p.92).

Ao contrário, um estudo longitudinal realizado porWagner, Spratt, Klein & Ezzaki (1989) não confirma ahipótese do 'retrocesso' em competências de letramen-to ou perda de habilidades acadêmico-cognitivas de-pois de cinco séries de escolarização fundamental(p.Z); segundo os autores, o estudo oferece as primeiras

AVALIAÇÃO E MEDiÇÃO DO LETRAMENTOEM ESTUDOS POR AMOSTRAGEM

Avaliar o letramento por meio de levantamento dascompetências reais de uma amostra representativa dapopulação, isto é, levantamento realizado por amos-tragem, é uma alternativa para assegurar uma aferiçãomais precisa da extensão e qualidade do letramento napopulação.

1 04 1Letramento Ensaio 11 05

A co leta de dados so bre o letra mento em levantamentoscensitários tem p or objetivo fo rnecer , dentr e muit as o u-

a implem entação de programas de a lfabetizaçã o e deletrarnento

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censitários tem p or objetivo fo rnecer , dentr e muit as o utras informações so bre carac terísticas d emográficas, so-ciais e socioeco nômicas, um indicador genérico daextensão do letramento na população c omo um todo; oslevantamentos por amostragem, ao contrário, visam à co-leta de uma g rande va riedade de informações es pecíficas

sobre habilidades e práticas sociais reais de leitura e deescrita. Consequentemente, e nquanto o levantamento ce n-sitário ava lia e mede o letrame nto de maneira superficial,porque não pode utilizar ma is qu e um a o u duas pergun-tas curtas de autoavaliação ou o simples critério d e co n-clusão de determ inada série escolar, o lev antam ento poramostragem p ode ava liar e medir em profun didade tantoas habilidades de leitur a e de escrita, a través de provas etestes, quanto os usos co tidianos dessas habilidades, atra-vés de questionários es truturados . Os levantame ntos por

amostragem sobre o letramento podem, pois, fornecerdados so bre ambas as dimensões do letram ento discuti-das a nteriormente: a dim ensão individual , ou seja, a pos-se pessoa l de habilidades de leitura e escrit a, e a dim ensãosoc ial, ou seja, o exe rcício das práticas sociais qu e en-volvem a leitur a e a esc rita.

Além disso , como pesquisas por amos tragem sobreo letram ento quase se mpr e levantam dados tambémsobre a formação e ducacional em geral e sobre as ca -racterísticas soc ioeco nômicas e c ultur ais do grupo fa-miliar, elas permitem qu e se analisem as re lações e ntreas habilidades e práticas sociais de leitur a e de esc ritae o utros fatores, tais co mo idade, sexo, r aça, renda,residência rural/urbana, meio cultural e r egiã o (U nitedNations, 1989 , p.10). Desse modo, pesqu isas d e letra-mento por amostragem fornece m d ados n ão a penaspara a estimativa dos níveis de letramento, mas também, esobretudo, para a formulação de políti cas edu cacionais e

letrarnento . Na verd ade, o q ue o s levantamentos por amos tragem

buscam ident ificar é o le tram e nto fun c ional; em lugarde consider ar o letramento como uma ca racterística queas pessoas o u têm ou não têm, como fazem os levanta-mentos ce nsitários, os levantamentos por amo stragembuscam id entificar a prática real das habilidades de lei-tura e esc rita e a natureza e frequência d e usos sociaisdessas h abili dades. Assim, os levantamentos por a mos-tragem têm com o objetivo ava liar e medir nív eis de le-tramento, e n ão ap enas o nível básico de ser capaz deler e escrev er .

Como c onsequência, a necess idade de ava liar e med ir oletramen to por mei o de pesquisas por amostragem é reco -nhecida principa lmente em p aíses o nde esse nível básicode letramento já f oi alcançado praticamente por t odos, demodo que é p ertinente buscar identificar habilidades deleitur a e escr ita m ais co mplexas , como também o uso d aleitura e d a escrit a em contextos soc iais os mais diversos .O World Edu cat ion R eport d e 1991 (Unesco, 1991) ratificaesse ponto d e v ista:

Não ob stante a diversidade de níveis de Ietrarnento, a maio riados países do mundo a inda tem proporções significativas desua pop ulação abaixo at é mesmo elo nível mínimo de se r ca-paz d e, com compreensão, ler e esc rever um a frase simplessobre a v ida cotidiana. O fato d e que es te prim eiro nível conti-

nua a ser a p rincipal preocupação na maioria dos países fico uevidenciad o nas r espostas ao questionário do Internationa lBure au of Ed ucation (IBE) sobre as tendências atua is da edu-cação fundam enta l e de prog ramas d e alfabe tização de adultos

Uma discussão a respeito da s possibilidades de utilização de pesquisas de letr a-mento por amostragem domiciliar ultrapassa os o bjetivos deste es tudo; uma discus-são deta lhada pode ser encontrada no es tudo técnico das N ações U nidas de 1989sobre a avaliação do letramento através de levantamentos domiciliares (UnitedNations, 1989) ; ver também Wagner (1990).

1 < X5 ILetramento Ensaio I 10 7

que foi di stribuído aos Es tados Membr os da UN ESC O, por oc a-sião da 42 sessão da C onferência Internacional de Educação

consiste d e um grande número de difer entes habilida-des competên cias cog niti vas e meta cog niti vas aplica-

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ç(Geneb ra, s etembro de 1990). As resp ostas, em sua ma ioria,afirmaram que a definição prime ira de an alfabeto de 1958 ain-da era rel evante em seus país es; um núm ero m enor concordouque a n oção d e analfabeto funcional era percebida e defini-da como uma categoria específica . (p.47-48)

des, competên cias cog niti vas e meta cog niti vas, aplicadas a um v asto co njun to de materiais d e leitur a e gê nerosde escrita, e refere-se a uma variedad e de usos da lei-tura e da e scrita, praticadas em cont extos s ociais dife-rentes. O s instrum entos de avali ação utili zados empesquisas p or amostragem de letram ento ( testes e ques-tionários) n ão podem, assim, deixar d e selecionar umaamostra de co mportamentos consid erados representa-tivos de um a grande va riedade d e habilid ades e práti-cas. Com o co nsequência, as estimati vas de letramento,através de p esquisas por amostra gem, variam tantoquanto as m edidas e mpregadas (Kirsch & Guthrie,1977-1978, p.50 4). Newman & Beverstock (990) refe-rem-se a estudos que tentaram av aliar e medir o letra-mento fun cional nos Es tados Unid os nos a nos se tentae oitenta n os seg uint es termos:

Por essa raz ão é que as pesquisas por amostrage m so-bre o letrament o fo ram im plementadas prin cipalmente nospaíses onde a n oção de a nalfabeto funcion al é pe rcebidae definida com o uma ca tegoria es pecífi ca , ou seja, nospaíses desenv olvidos. Nos Es tados Unid os, por exemplo,um número sign ificativo de pesquisas por am ostragem so breo letramento foi r ealizado nas últimas du as d écadas (pa rauma revisão críti ca, ver Kirsch & Guthrie, 1 977- 1978; New-man & Beverstock, 1990). Já nos paíse s em desenvolvi-mento, onde um a grande parte da popul ação a inda não

atingiu sequer o nível básico de letrament o - ser capa z deler e esc rever - estudos do letramento atr avés de pesquisaspor amostragem são raros, provave lment e porque são co n-sidera dos sup érflu os.

Uma outra consideração a se r feita é q ue, e mbora le-vantamentos p or amostrage m domicili ar sobre o letra-mento forne çam inf ormações sobre uma ampla var iedadede habilidade s e prá ticas, não se deve supor que nelesseja inteirament e e liminada a s eleção arbitr ária de linh asdivisórias no c ontínuo do letramento pa ra distinguir di-

ferentes níveis . Como discutid o a nteriormente, o letramento

Os es tudos variavam, e seus resultados também. As estimati-vas indi cavam de 13 até mais de 50 por cento da populaçãoadult a am ericana co m d ificuldad es em hab ilidades e práti-cas b ásicas d e letrame nto. Depend endo de quem estiver fa-lando e de q ual estudo é citado, o s Estados Unidos têm umíndi ce de letra mento baixo, alto ou um índ ice que seposiciona em algum lu gar entre b aixo e a lto. (p .49)

A falta d e co ncordância em rela ção ao que deve sermedido em pr ocessos de avaliação d e letramento podeser evidenci ada co mparando-se os qu adros referenciaispar a a medição do letramento adotad os por dois es tudosrelativam ente recentes: o National A sses sment of Educati-onal Progr ess (NAEP), um estudo sobr e o letramento dosjovens nort e-americanos ( Kirsch & Jungeblut, 1990), e oestudo té cnico das Nações Unidas sobre a ava liação deletramento através de pesquisas d omiciliares ( NHSCP:National H ousebold Suru ey Capabilit y Pr ogramm e, Uni-ted Nations , 1989).

o relativamente recente estudo técnico das Nações Unidas sobre a avaliação doletramento através de pesquisas domiciliares (United Nations, 1989) pretendeu auxiliaros países em desenvolvimento com uma minuciosa orientação sobre como planejar,conduzir e executar uma pesquisa de letramento por amostragem domiciliar, tacitamentereconhecendo a inexperíência e pouca fantiliaridade desses países com esse tipo delevantamento. Na verdade, o maior desafio dos países em desenvolvimento ainda estáem planejar, conduzir e executar programas e campanhas nacionais de alfabetizaçãoclirecionaclos à eliminação de altos e persistentes índices de analfabetismo.

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110I LetramentoEnsaio 1 m

Entretanto, como esse mesmo estudo das Nações Unidasobserva, essa dicotomia básica pode revelar detalhes in-

Um exemplo mais sofisticado é encontrado no estu-do de Kirsch & Guthrie (990) sobre níveis de letramen-

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, psuficientes sobre os níveis e habilidades de letramento ,e a medição direta de habilidades de leitura e escritaatravés da utilização de instrumentos de avaliação forne-ce informações para a construção de categorias mais pre-cisas do que as que a simples auto-avaliação permite

construir (United Nations, 1989, p.156, 159). Um exem-plo disso é o apresentado nesse estudo mesmo das Na-ções Unidas, que sugere as seguintes categorias comouma possível classificação de níveis de letramento a se-rem avaliados através de pesquisas por amostragem: nãoletrado, pouco letrado, letrado mediano e altamente le-trado (United Nations, 1989, p.159-160; ver também Wag-ner, 1990, p.122)

As duas classificações seguintes, ambas incluídas emestudos relativos à medição direta de habilidades e práti-cas de letramento, são outros exemplos de categoriasmais precisas , superando a dicotomia letrado-iletrado,difícil de ser mantida: a primeira estabelece níveis deletramento pelo critério da sobrevivência social per-mitida por cada nível, e classifica o letramento de so-brevivência como provável, marginal, questionável,baixo (Barris, 1970);15a segunda usa o critério da fun-cionalidade e classifica o indivíduo nas categorias fun-cionalmente incompetente, marginalmente funcional e

funcionalmente proficiente (Adult Performance LevelStudy, 1977).16

to de jovens adultos norte-americanos. As questões deavaliação das habilidades de leitura e de escrita incluí-das no instrumento de medida utilizado foram distribuí-das em três escalas de letramento e organizadas, emcada escala, segundo níveis de dificuldade, de modo atornar possível a avaliação de vários tipos e níveis deproficiência. O objetivo foi construir um perfil dosindivíduos e não apenas classificá-los , segundo os re-sultados em cada escala e entre as três escalas. Kirsch &Guthrie indicam o pressuposto subjacente ao tratamen-to que dão à avaliação e medição do letramento nosseguintes termos:

o que é preciso é um tratamento que realmente permita com-preender os vários t ipos e níveis de proficiência em lei tura eescrita atingidos em nossa sociedade. Tal tratamento forneceriauma representação mais precisa não apenas da natureza com-plexa das exigências de letramento em uma sociedadepluralística, mas também do status das pessoas que atuam emnossa sociedade. Cp.III-36)

Naverdade, esse pressuposto está presente, de um modogeral, nas pesquisas por amostragem sobre o letramento.Propiciando uma abordagem multidimensional do letra-mento e avaliando habilidades e práticas de leitura e deescritaatravés de uma medição direta, essas pesquisas podemfornecer dados mais refinados e confiáveis sobre a exten-são e natureza do letramento na população do que outros

procedimentos de coleta de dados.

15 HARRIS,L. & Associares (1970). Survival Literacy Study. Washington, DC: NationalReading Counei . Citado por: Newman & Beverstock, 1990, p.65; ver também Kirsch& Guthrie, 1977-1978, p.496.

16 USOFFICE OF EDUCATION(1977). Final Report: The American Performance LevelStudy. Washington, DC: US Office of Education, Department of Health, Educationand Welfare. Citado por: Newman & Beverstock, 1990, p.69-70; ver também Kirsch &Guthrie, 1977-1978, p.499.

AVALIAÇÃO E MEDiÇÃO DO LETRAMENTO:

EM BUSCA DE SOLUÇÕES

Este estudo, embora pretendendo esclarecer a questãoda avaliação e medição do letramento em suas relações

1121Letramento •• 113

com a conceitu ação e defini ção desse f enômeno, traz, naverdade, mais problemas q ue so luções.

não tem qu alquer suporte empíri co, co mo já demons-traram várias pesquisas histórica s e e tnográficas. Co mo

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A discuss ão fe ita evide ncia que avaliar e medir oletramento é um a tarefa a ltamente compl exa e difícil:ela ex ige uma d efini ção precisa de l etramento, indi s-pensáve l com o parârnetro para a avali ação e a medida,mas qualquer t entativa de resposta a essa exigência

traz sé rios probl emas e pistemológicos. Concluiu -se q ueo letramento é uma va riáve l contínua e n ão d iscreta o udicotômica ; refere-se a uma multiplicid ade de habili-dades de leitur a e de esc rita, que de vem ser aplicadasa uma ampla variedade de materiais d e leitur a e escr i-ta; co mpreend e diferentes práticas que d ependem danatureza, estrutur a e asp irações de det ermin ada soc ie-dade. Em sínt ese, o letramento é um f enômeno demuitos s ignifi cados (SCRIBNER, 1984, p.9); uma únicadefini ção con sensual de letramento é, ass im, totalmenteimposs ível.

Entretanto , a falta de co ncordância sobre o que életramento - e, portanto, a falta de con cor dância so breo que deve ser ava liado e medido - n ão e limin a a ne-cessidade ou a i mpo rtância da avaliaç ão e me dição doletramento, úni ca forma de obter dados s obre esse fenô-meno, dados qu e são necessários par a fins teóricos epráticos. Pelo m enos três a rgumentos ju stifi cam a ne-cess idade de d efinir índices de letram ento através deavaliação e m edição.

Primeiram ente, o índi ce de letrament o de uma soc ie-dade ou de um grupo soc ial é um dos indi cadores bási-cos do progre sso de um país o u de um a co muni dade.Obvia mente, c omo af irmado a nteriorment e, não se tratade propor qu e o índi ce de letramento, ele só, represen-te o nível econ ômico, soc ial e cultural d e um p aís o u deuma comunid ade; na v erdade , o pressup osto subjacentea essa p roposi ção - o pressupos to de qu e o letramentoleva ao crescim ento econôm ico e ao pr ogresso soc ial -

afirma W agner 0990, p.Ll ó), defend er um a re lação decausalidad e entre letramento e in dicadores econômi-cos, o qu e a inda é feito com frequ ência, é extrema-mente di scutível:

Seri a igualmen te co rreto afirmar qu e, ao contrário, os índicesele l etramento, ass im como os de mort alidade infantil , são con-sequ ência do g rau d e desenvolvim ento eco nômico na ma ioriados países. Quando há progresso social e eco nômico, desc o-bre-se geralmente que os índi ces e le Ietrarnento sobem e os demortalidade infantil caem. Blaug, q ue foi um dos defenso resda t eoria do capital huma no, con cluiu, posteriormente, quenem a nos d e esco lar ização nem índi ces de letram ento têm qual-quer efeito dir eto no crescimeruo econômi co dos pa íses e m dese n-volvimento. (grifo nosso)

Entret anto, embo ra se deva reconh ecer que o letramen-to é antes um a va riáve l dependente qu e independente (Graff,1987a), el e se assoc ia, se m dúvida al guma, a mui tos dosindicador es de desenvolvimento s ocial e eco nômico. Cor-relacion ar índ ices de letramento com indi cadores soc ioe-conômico s tais co mo produto intern o bruto, í ndices demortalidad e infantil , de natalidade, d e nutri ção, dentremuitos outros, permite identificar e compr eender o statuseconômi co, soc ial e cultur al de um p aís ou de uma co mu-nidade, e videnciando, por exemplo , que o a nalfabetismoe a pobrez a andam d e mãos dadas, como ocorre nos paí-ses do Ter ceiro Mund o.

Uma s egunda justifi cativa para a n ecess idade de de-terminar índi ces de letramento atr avés de ava liação emedição está intim amente ligada à prim eira. Os índi-ces de letr amento são ex tremament e úteis para fins decompara ção e ntre países o u entr e co munid ades, res-pondend o, ass im, a uma important e preoc upação na-cional e int ernacional com o cotejo d e dados eco nômicose sociais.

1 1 4 1Letrarn entoEmaio 1 1 1 5

Por um l ado, os índi ces de letrament o podem ser utili-zados para av aliar e interp retar mudan ças nos níveis del / lf b i é d b

a formul açã o de políti cas quanto p ara o planej amento, aimplementação e o controle de pr ogramas, não a penas

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letramento/analfabetismo através dos t empos, com b asenos da dos d e uma série cronológica d e levantam entos.A possibilidad e de tais comparações hi stóricas é fund a-mental, não apenas para a pesquisa hi stórica, mas tam-bém p ara estud ar e compreender o letram ento no pr esente

e avaliar sua difu são ao l ongo do temp o. Como ob servaGraff C1987a, p. 32):

programas de letrament o, mas tamb ém pr ogram as de bem-estar social, em geral. S egundo o estudo técni co s obre aavaliação d o letrament o feito pelas N ações U nidas (U NITEDNATIONS,989, p.8):

. o estu do adequado d a experiência hi stórica de letr amentonão resp onde apenas a um interesse pelo passado; ele trazmuito s dados relevantes para a análise e a definição de políti-cas no mun do em que vivemos hoje.

Medir o nível de l etramento na p opulação do país é um p assopara a avaliação d a eficác ia dos pr ogramas e m de senvolvime n-to e para a obten ção d e dados pr ecisos necessári os à formula-ção d e programas futuros nos ca mpos e ducacional e soc ial.Por exemplo, proj etos de assistênci a médica básic a não podemdeixar de c onsider ar o grau de l etramento da população-alvo.

É claro qu e medidas d a ex tensão e distribui ção daleitur a e da escri ta, de qu e resultam dados q uantit ativossobre a difu são do letram ento a travé s dos tempos, nãosão a única n em a princip al fonte para o estudo ad equa-do da ex peri ência históri ca de letram ento , mas certa-mente co ntribu em com algum as e vidên cias sig nific ativase s istemática s.

Por outro l ado, índice s de Ietram ento são utiliz adospara co mpar açõ es em um d eterminado m omento d o tem-po histórico , fornece ndo d ados para qu e se identifiqu e adistribui ção das habilidad es e prática s de leitura e deescrita por regiões geográfi cas o u econ ômicas do mund oou de um cert o país. Os índi ces de let ramento sã o, as-sim, úteis para revelar tend ências e per spectivas em n ívelnacional e int ernacional, p ara co nfront ar a magnitud e doanalfabetismo em dif erente s países ou r egiões, para com-parar popula ções ou grup os, evidenci ando disparid adesna aquisição d o letrament o determinad as po r fatores ta iscomo idade, sexo, e tnia, r esidência urbana ou rural , ete.

Finalmente, um a terceir a justificativ a para a necess i-dade de avalia ção e medi ção do letram ento é o fat o deque índices d e letramento s ão imprescin díveis tanto p ara

As con siderações a cima condu zem a um par adoxo: deum lado , a importân cia e necessid ade da avalia ção e me-dição do l etramento, p ara fins teóri cos e p ráticos; d e outrolado, a imp ossibilidad e de atender ao pré-requisito para asua avali ação e medi ção, ou seja, a formulaç ão de uma

definição pr ecisa que p ossa s er u sada co mo p arâmetro.Como enfrent ar esse p aradoxo?

De iní cio, é preci so reaf irmar e enfatizar que o letra-mento n ão pode ser avaliado e m edido de form a abso-luta. Como não é p oss ível des cobrir uma d efini çãoindiscut ível e inequí voca de letr amento, ou a melhorforma de d efini-lo, qu alquer avali ação o u medi ção des-se fenôm eno se rá relati va, depend endo de o quê (quaishabilidad es de leitur a e/ou escrit a e/ou práti cas soc iaisde letram ento) e stiv er sendo avali ado e medid o, por quê(para qu ais fins ou pr opósitos), quando (em qu e mo-mento) e onde (em qu e co ntexto socioeconômi co e c ul-tural) se está avaliand o ou medind o, e como (de aco rdocom quai s critérios) é feita a avali ação o u a m edição.

Assim , o que é possíve l e necess ár io para re alizar qual-quer avali ação o u medi ção do letram ento é formul ar umadefinição ad h oc dess e fenômeno a ser avaliado ou medidoe, a partir d aí, construir um quadro pr eciso de int erpretaçã o

1 1 6 \Letram ento Ensaio 1 1 1 7

dos dados em fun ção do s fins específi cos e m um d eter-minad o conte xto. Uma defini ção comum e universal n ãoé í l d fi i ã d lib d

da educa ção formal bá sica é que d etermina fund amental-mente a qu antid ade e a natureza d as habilidad es e práti-

d l t t d d i id d i

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é possível, m as uma defini ção delib eradamente opera -ci o nal, aind a que arbitrári a, tanto é p ossível quant o éextremament e necess ária p ara a tender aos requisitos pr á-ticos de proc edimentos d e avaliação e medição. D essemodo, haver á tantas e strat égias o pera cionais para a me-

dição do letram ento quant os programa s para sua ava lia-ção e medi ção . Em outra s palavras, o reconhecim entodos múltiplo s signifi cados d e letram ento co nduz a umadiversidade d e definições operacionai s, cada uma r es-pondendo ao s requisitos d e um determin ado progr amade avaliação ou medição.

Assim, a qu estão c ruci al, em proc essos de avaliaçãoou m edição d o letramento , é determin ar de modo cl aro adefini ção op eracional em qu e ess es pr ocess os d everãobasea r-se e con struir instrum entos para a co leta de inf or-

mações e m fun ção dessa d efini ção.Em conte xtos esco lares, esse procedim ento é facilit ado

pelo fato de qu e, como obs ervado anteri ormente, as esco -las podem avali ar e medir h abilid ades e co mpetênci as empontos diferent es do contínu o que é o l etramento, e e mdiversos mom entos durant e o processo d e esc olari zação.Desse modo , as e scolas p odem trabalh ar com vári as ediferentes defini ções oper acionais d e letramento, cadauma se ndo utiliz ada para a avaliação ou a mediç ão dedeterminadas h abilid ades e práticas em estágios esp ecífi-cos do proces so de escol arizaçã o. O probl ema, aqui , éou o de evitar qu e o letr amento seja d efinid o de m odovago e medid o co m critério s diferente s em cada e scola,sistema de en sino ou regi ão, como em geral ocorr e nospaíses e m de senvolviment o, o u o de redu zir o letram entoa um conceit o esco larizad o, distanciad o das exigên ciasde letramento externas à e scola, como ocorre frequ ente-mente nos paí ses des envolvid os. Na verd ade, a estrutura

cas de letr amento que p odem ser ad quirid as; send o ass im,a discuss ão de definiç ões o peracion ais de letrament o parafins de su a ava liação e medição, em contextos esco lares,pressupõ e a discussão d a natureza e qualidad e da esco -larização fund amental p ara todos .

Enquanto qu e em c ontextos esc olares é pos sível ava-liar o letr amento repetid as vez es e progressivam ente e ,portanto, é possível atribuir-lhe v árias e diferent es defi-nições op eracionais , um l evantam ento ce nsitári o nacio-nal, reali zando-se atr avés de uma única situ ação deavaliação e de um úni co instrument o de avali ação, temde necessariamente b asea r-se em um a única d efini çãode letram ento.

Quand o o c ritério é a co nclusão de determin ada sé -rie, a defini ção de letr amento bem como sua av aliação e

medição são transferid os, de cert a forma, para o s iste-ma escol ar e, ass im, dep endem do uso o u mau u so, e mcontextos esco lares, de definiçõ es o peraciona is de le-tramento e dos instrum entos de avaliação e mediçãodecorren tes delas. Desse modo, é indi spensáv el que, aoutili zar-s e o c ritério d e co nclusão de sé rie, esse se jarelacionad o co m a estrutur a e qu alidade da educaçã ofundam ental formal.

Quand o da dos par a um censo são co letado s atravésde autoavalia ção, uma defini ção op eracional e sua tradu-ção em um a ou duas p erguntas torn am-se questões cru-ciais. Com o discutido anteriorment e, um s ério obstáculoà confiabilid ade de inf ormaçõ es so bre o letrament o, quan-do obtid as a través d e autoav alia ção do própri o infor-mante, é a aplicação in adequada d a definição segundo aqual as p erguntas de veriam ser pr opostas. C omo es sadefiniçã o não é, em geral, operaci onalmente formul ada,as pergunt as são vagas e imprecis as, gerando r espostas

1 1 8 1Letramento Ensaio 1 1 1 9

dúbias e p ouco confiáv eis. Assim, os cuid ados básicoscom o uso de autoa valiação para fins d e avalia ção e

d á

important e; na ver dade, a qu estão fundament al é a inter-pre tação desses da dos.

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medi ção do letramento, em levantament os ce nsitários na-cionai s, devem ser, em prim eiro lugar , e so bretudo, aformul ação de uma de finição operacion al adequada qu eexpr esse o que se con sidere um nível d e habilidades epráticas d e leitura e es crita desejável, em um d etermina-

do p aís; e m segundo lu gar, a tradu ção dessa definiçãoem p ergunta s precisas e inequívocas; e, em terceiro lu-gar, a compreensão e apli cação correta s dessas pergun-tas pelos recenseadore s.

A vant agem, em rel ação aos levantam entos por censosnacion ais, de levantament os so bre o letram ento por amos-tragem d omiciliar é qu e podem ser utiliz adas vá rias defini-ções d e letramento, em vez de uma úni ca, podendo-seabrang er, dessa forma , diferentes c onjunt os de habilidadese de pr áticas de leitur a e de esc rita. S endo ass im, tipo sdiferent es de instrument os de ava liação e medição podemser con struíd os, permitind o distinções m ais claras e dife-rencia ções mais refinad as de níveis de l etramento. A ques-tão prin cipal, aqui, é a formul ação de um conjunt o adequadode d efini ções o peracion ais, co nsiderand o-se o q ue real-ment e deve se r levado em conta como letr amento e m dadoconte xto, a se leção, a p artir d aí, de uma amostra adequad ade habili dades e prática s soc iais desejada s, e a construçãode in strum entos para av aliar corretament e essas habilida -des e p ráticas.

Essa s consideraçõe s enfatizam a p ossibilid ade e aneces sidade de formul ação de defini ções opera ciona isde letr amento, construíd as deliberadam ente para respon-der às exigências de um d etermin ado pr ocesso de avalia-ção e m edição co nfiá veis de letramento, e indi cam tantoos maior es problemas in erentes a essa tar efa quanto algu-mas pr ecauções para a sua realização. M as a o btençãode dad os co nfiáveis sobr e o letramento n ão é a única questão

Conform e foi discutido n as seções anteriore s, os c rité-rios comum ente utilizados p ara avaliar e m edir o letra-mento apr esentam defici ências e /ou estão muit as veze sbaseados em suposições equivo cadas; como essas defi-ciências e suposições são, d e cer ta forma, in evitáveis, a

interpreta ção de dados sobr e o letramento de ve se mprelevá-Ias em conta.

Além di sso, co mo o con ceito de letrament o varia deacordo com o co ntexto soci al, cultur al e políti co, a interpr e-taçã o adequ ada de da dos so bre letramento requ er o co nhe-cimento d as defini ções com b ase nas quais f oi avaliado emedido, e das técnicas de c oleta de dados utili zadas.

Uma outr a co nsideração é que dados sobr e letramentodevem ser r elacionados com as ca racterístic as do co ntex-to, para qu e se jam adequad amente interpr etados: ao av a-liar, comp arar ou confront ar dados e m nív el nacional ouinternacion al, é fund ament al analisá-los associando-os aindicador es demográficos , soc ioeco nômicos , cultur ais epolíticos. Fazendo uso de um a ex pressão cri ada por Wag-ner (1990 , p.132), dados s obre letramento d evem ser in-terpretad os no quadro de um a análise da ecologia doletrament o .

Finalm ente, como a est rutur a da educaç ão formal e anatureza e qualidade da escolarização primári a influ enciamenormem ente o co nceito d e letramento, seu v alor social,seus usos e funções, bem c omo sua ava liação e medição, ainterpreta ção de dados sobr e letramento dev e sempre levarem conta as ca racterísticas d o s istema escolar .

Em sínt ese, o co njunto d e problemas en volvidos nadefiniçã o, ava liação e medi ção do letrament o, discutidosneste estu do, e quip ara-se a um conjunto corr espondentede probl emas assoc iados à int erpr etação do s dados co le-tados. O p onto prin cipal, aqui, é que enfr entar ambos

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esses conjunt os de problemas não é ap enas uma questãoconceitual , mas também um a quest ão ideológica e políti-ca Este estud o enfatizou até aqui a f aceta conceitual da

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Pode- se c oncluir afirmando que a análise co nceitual deletrament o e d e sua av aliaçã o e medi ção, desenvolvida nes-t t d etend er ir co q adro referencial

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ca. Este estud o enfatizou, até aqui, a f aceta conceitual daavaliação e m edição do letramento, nos s eus aspectos teó-ricos e prátic os - foi esse o se u objetiv o central. Entretan-to, é preciso co ncluir , acrescentando e enfatizando a suapolêmica faceta ideológico-políti ca.

O letrament o é, s em dúvi da alguma, pelo menos nasmodernas soci edades industrializadas , um direito humanoabsoluto, independentemente das condi ções econômicas esociais em qu e um dado grupo human o es teja inserido;dados sobre l etramento representam, assi m, o grau emque esse direit o está distribuído entre a população e foiefetivamente a lcançado por ela.

Entretanto, o que o letramento é, e, consequentemente,o s ignificado de dados so bre o letram ento, isto é , dadossobre a distribui ção e a conquista efeti va d o direito aoletramento, são questões rela tivas, como este es tudo pre-tendeu demonstrar.

Algumas indagaçõe s devem, pois, ser pr opostas à re-flexão. Se letr amento não pode ter uma definição a bsolu-ta e universal , será que o direito human o ao letramentodeve ter signifi cados diferentes em soci edades diferentes?Será que a avaliação e medição do letr amento e a inter-pretação dos d ados co letados deveriam ser condi ciona-das à s condiç ões de uma determinada sociedade? Se aresposta a essas p erguntas for s im , será que um con-ceito empobrecido de letramento, pro cesso s pouco so-fisticado s para sua avaliação e medição, e umainterpretação benevolente dos dados c oleta dos não se-riam ma is um fator de manutenção da s desigualdadesentre país es d esenvolvidos, subdesenvolvidos e em de-senvolvimento ?

Não há resp ostas técnicas para essas in dagações; elasse inserem no camp o das normas e dos valores.

te estudo, pr etende servir como um qu adro referencial paraas tarefas essencialmente ideológicas e políti cas de formu-lação de p olíti cas de a lfabetização e letramento e de pro-gramas d e desenvolvimento do letr amento.

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