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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGUSTICA E ENSINO
Rubeny Ramalho Santos
Prticas de Letramento na EJA: possibilidades de desenvolvimento da escrita letrada numa
interface do oral com o escrito
Joo Pessoa-PB 2014
RUBENY RAMALHO SANTOS
Prticas de Letramento na EJA: possibilidades de desenvolvimento da escrita letrada numa
interface do oral com o escrito
Dissertao apresentada ao Mestrado Profissional em Lingustica e Ensino da Universidade Federal da Paraba como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Lingustica e Ensino.
Orientadora: Profa. Dra. Juliene Lopes Ribeiro Pedrosa
JOO PESSOA-PB 2014
S237p Santos, Rubeny Ramalho. Prticas de letramento na EJA: possibilidades de
desenvolvimento da escrita letrada numa interface do oral com o escrito / Rubeny Ramalho Santos.-- Joo Pessoa, 2014.
80f. Orientadora: Juliene Lopes Ribeiro Pedrosa Dissertao (Mestrado) UFPB/CCHL 1. Lingustica. 2. Lingustica e ensino. 3. Letramento.
4.Gneros textuais. 5. Sequncias didticas. 6. Textos oralizados.
UFPB/BC CDU: 801(043)
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela fora em todos os momentos.
minha orientadora, professora Dra. Juliene Lopes Ribeiro Pedrosa, pela capacidade de me direcionar nessa trajetria de forma to competente, efetiva, carinhosa e, principalmente, atenuadora dos medos e inseguranas decorridos pela vivncia com o inusitado.
s professoras, Dras. Alvanira Barros e Mnica Trindade, pelas valorosas observaes e contribuies repassadas, enquanto membros da banca examinadora para qualificao.
Ao meu companheiro de trabalho, professor doutorando Genes Duarte Ribeiro, pela confiana de poder contar com sua ajuda no uso do recurso tecnolgico.
minha famlia, pelo apoio, incentivo e carinho recebidos quando mais precisei.
s minhas irms, pelas palavras de incentivo e credibilidade que, me direcionaram nos momentos de incertezas e desestmulos.
Aos demais professores e colegas do mestrado.
A todos aqueles que direta ou indiretamente contriburam na efetivao deste mestrado.
Considero a produo de textos (orais e escritos) ponto de partida (e ponto de chegada) de todo processo de ensino-aprendizagem da lngua.
Joo Wanderley Geraldi
RESUMO
Embasado em uma perspectiva terico discursiva do Continuum fala-escrita, o presente trabalho resultante de uma pesquisa realizada com alunos da Educao de Jovens e Adultos, cuja anlise perceptiva da prtica docente, pontuou a necessidade de uma interveno metodolgica no tocante ao desenvolvimento da capacidade na produo de textos escritos, para alunos caracterizados com competncia, relativamente desenvolvida, na produo de textos oralizados. Nesse sentido, buscamos aporte nos trabalhos com as prticas do letramento, contemplando os gneros textuais e o uso das sequncias didticas, enquanto recurso metodolgico. Na abordagem do trabalho com os gneros textuais, optamos pelo gnero relatos de experincias vividas, por credenciar a existncia de uma maior e melhor similaridade, do gnero, com os conhecimentos dos alunos e suas histrias de vida. Na inteno de efetivar o nosso objetivo, desenvolvemos uma sequncia didtica, de modo a contemplar uma srie de atividades, sistematicamente organizadas, em torno do gnero que escolhemos para desenvolver o estudo. Dessa prtica, decorreu um grupo de textos, classificados como texto 01 (produo escrita inicial); texto 02 (produo oral inicial) e texto 03 (produo escrita final), utilizados como instrumentos base, da anlise e avaliao dos resultados da aprendizagem. Para anlise avaliativa, estabelecemos a estrutura composicional do gnero relatos de experincias vividas, como parmetro delimitador de uma produo adequada. Tendo sido verificada a ocorrncia de uma relativa evoluo nos conhecimentos dos alunos, quando da realizao de anlise entre o contexto de produo inicial e o contexto de produo final. Outra constatao, verificada em um segundo momento da anlise, est instaurada nos textos produzidos na verso oral, quando foi possvel confirmar a maior capacidade dos alunos em textos oralizados, e a preponderncia de uma aprendizagem mais significativa, quando consideramos as relaes de interface, que compe o espao entre a oralidade e a escrita, como ponto norteador na formao de alunos com perfil de maior eficincia e autonomia na produo de textos escritos.
Palavras-chave: Letramento, Gneros textuais, Sequncias didticas, Oral/escrito.
ABSTRACT
Based upon a theoretical-discursive perspective of the speech-writing continuum, the present paper results from a research accomplished with students of the Young and Adult Peoples Education programme, the perceptive teaching practice analysis of which pointed out to the need of a methodological intervention as regards the development of the capacity in the production of written texts by students characterized with relative developed competence, in the production of oral texts. To do so, we searched for contribution in papers with wording practices, contemplating the textual genders and the use of didactic sequences as methodological resource, as well. While approaching textual gender works, we opted for the experienced life report gender to accredit the existence of a larger and better gender similarity with the students knowledge and their life histories. To accomplish our target, we developed a didactic sequence to contemplate a series of systematically organised activities about the gender we chose to develop the study. Out of this practice, there resulted a group of texts classified as follows: text 01 (initial written production), text 02 (initial oral production), text 03 (final written production), used as basic instruments of the analysis and evaluation of the learning results. For the evaluating analysis, we established a compositional structure of the experienced life report gender as a delimiting parameter of an adequate production. We observed the occurrence of a relative evolution in the students knowledge during the accomplishment of the analysis between the initial production context and the final production one. Another point observed in the second moment of the analysis, i. e., the one regarding the texts produced in the oral version, was that we can confirm the students better performance in the oral texts. And, in a more comprehensive scope of the analysis, the results showed the development of a more significant learning when we consider the relationships of the interface composing the space between the oral practice and writing as a guiding point to the students formation, so confirming the growth of the autonomy and the consequent proficiency in the production of written texts.
Keywords: Wording, Textual Genders, Didactic Sequences, Oral/Written.
SUMRIO
INTRODUO ........................................................................................................ 07
1 UM PERCURSO TERICO SOBRE AS PRTICAS DO LETRAMENTO NA EJA E A INTERFACE DO ORAL COM O ESCRITO ...............................
12
1.1 A educao de Jovens e Adultos em um contexto de letramento ....................... 12
1.2 O letramento e suas prticas ................................................................................ 16
1.3 A linguagem oral e escrita nas suas relaes de interface ................................... 21
1.4 Gneros textuais como prticas do letramento ................................................... 28
1.4.1 O uso das sequncias didticas na abordagem de gneros textuais ................. 31
2 METODOLOGIA ................................................................................................. 35
2.1. Breve estudo terico ........................................................................................... 35
2.2. Caracterizao da populao do estudo .............................................................. 36
2.3. Caracterizao da escola ..................................................................................... 37
2.4. Procedimento para coleta e anlise dos dados ................................................... 37
2.5. Aplicao da sequencia didtica: um procedimento metodolgico ................... 38
3 DESCRIO, ANLISE E RESULTADOS DA PESQUISA ...................... 46
3.1 Descrio da aplicao da sequncia didtica ..................................................... 46
3.1.1 Ativao do conhecimento prvio .................................................................... 47
3.1.2 Caracterizao dos elementos constitutivos do gnero .................................... 49
3.1.3 Produo Final .................................................................................................. 51
3.2 Algumas consideraes sobre o gnero relatos de experincias vividas............ 53
3.3 Anlise dos textos sob a perspectiva do gnero............................................... 54
3.4 Anlise dos textos sob a perspectiva da interface do oral no escrito................ 65
4 CONSIDERAES FINAIS................................................................................ 70
REFERNCIAS....................................................................................................... 72
ANEXOS ................................................................................................................... 75
7
INTRODUO
As relaes que se estabelecem entre a linguagem oral e a linguagem escrita, tm sido
defendidas de forma mais efetiva e convincente nos dias atuais do que em dcadas passadas.
E, embora a sua efetivao ainda no se configure, satisfatoriamente, no contexto da prtica,
diversos estudos convergem-se ao defender que fala e escrita no podem ser tratadas nem
compreendidas numa concepo de dicotomia. Nessa concepo, a ideia que fala e escrita
possam ser reconhecidas como um processo contnuo, de extrema proximidade e de quase
uma fuso entre ambas.
Nessa correlao oral/escrita, podemos adentrar no campo dos estudos do letramento,
este que tem se constitudo, no decorrer das ltimas dcadas, em um paradigma de amplitude
e de no unificao, ao contemplar questes de ordens pedaggicas, sociais e das cincias
lingusticas. Configurando-se como uma forte vertente de efetivao e de proximidade nas
prticas de ensino-aprendizagem da leitura, da escrita e da participao dos sujeitos nas
prticas sociais, o letramento tem como foco maior, investigar os resultados que a escrita
desencadeia, enquanto uso, funo e efeitos, para o indivduo e, consequentemente, para a
sociedade na qual est inserido.
Em se tratando da Educao de Jovens e Adultos (EJA), sabemos que direcionada a
um determinado grupo de pessoas, oriundas de contextos, relativamente empobrecidos, com
breve, ou mesmo, sem nenhuma passagem pela escola e que, na maioria das vezes,
abandonam seus estudos para aderirem ao trabalho exaustivo e de pouca qualidade, visando
sua subsistncia. Ao retornar escola, podemos caracterizar esse retorno, como a inteno
reparadora de resgatar o tempo perdido.
Para muitos educadores, eles so caracterizados muito mais pelas limitaes que
apresentam com relao ao conhecimento e habilidades para leitura e escrita, as chamadas
prticas de linguagem de cunho escolarizado e formal, do que pelos conhecimentos que
acumulam. Esta postura no condiz com o proposto por Ribeiro (2001, p. 18), ao afirmar que:
O adulto est inserido no mundo do trabalho e das relaes interpessoais [...]. Traz consigo uma histria mais longa (e provavelmente mais complexa) de experincias, conhecimentos acumulados e reflexes sobre o mundo externo, sobre si mesmo e sobre as outras pessoas.
Consideramos, portanto, que a escola exerce um papel fundamental na condio
reversiva da realidade educacional e social destes educandos, e que, esta reverso pode ser
8
definida a partir da postura visionria e, sistematicamente planejada, que assumida pela
equipe escolar, no mbito pedaggico.
Diante disso, imprescindvel uma abordagem metodolgica, que corresponda ao
perfil dos alunos e atenda s suas necessidades e perspectivas de aprendizagem. E, para que se
justifique o seu retorno sala de aula, em um paradigma mais adequado e eficiente,
necessrio que os educadores constituam suas prticas, colocando-os como sujeitos da
construo e reconstruo do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do
processo. (FREIRE, 1996, p. 26), uma vez, que os jovens e adultos trazem consigo muitas
experincias e conhecimento de vida, que se constituram mesmo sem a interveno da escola.
Podemos afirmar que inmeros so os problemas que afetam o contexto da educao
do nosso pas. Muitos deles, podem ser atribudos falta de polticas pblicas, que
possibilitem garantir o que as leis nacionais estabelecem legalmente. Um exemplo que
respalda o que estamos afirmando, pode ser constatado no que estabelece o artigo 37 no
pargrafo 1 da Lei 9.394/9 de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN):
Os sistemas de ensino asseguraro gratuitamente aos jovens e aos adultos, que no puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, considerando as caractersticas do alunado, seus interesses, condies de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
Ao concentrar uma anlise no contedo, podemos fazer uma correlao com o Parecer
do Conselho Nacional de Educao/Cmara de Educao Bsica - CNE/CEB 11/2000, que
trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a educao de jovens e adultos, sobre o
compromisso de assegurar, gratuitamente, o ensino, na perspectiva de oferecer um tratamento
reparador, frente s injustias e s prticas de excluso, historicamente, praticadas.
Em se tratando de oportunidades educacionais apropriadas, proposto que sejam
oferecidas prticas e oportunidades diferenciadas, com o uso de estratgias pedaggicas, que
correspondam ao perfil e s necessidades de cada um, e, portanto, gerando um tratamento
equitativo. Por fim, preciso estabelecer um tratamento qualificador, referente qualidade
necessria a toda ao educativa, efetivadas atravs das atividades que envolvam todo o fazer
da sala de aula e da escola, em funo da aprendizagem. Compreendemos, assim, o papel que
a escola deve exercer junto aos jovens e adultos, mas que, na essncia do cumprimento efetivo
dos direitos, encontra-se, ainda, no patamar do idealizado, cuja realizao, quando vista sob a
tica dos interesses dominantes, fica mais distante e improvvel, se constituir no patamar do
efetivamente realizado.
9
Pelo exposto, estamos convictos de que a instaurao de novas prticas metodolgicas
pode contribuir para a reverso da injusta realidade que caracteriza o fazer educacional na
EJA. pertinente, portanto, que apresentemos nossas inquietaes, j que temos observado
que a maioria dos alunos das turmas do segundo segmento (ciclos III e IV) de uma Escola
Municipal de Ensino Fundamental, situada em Joo Pessoa, na Paraba, onde atuo como
professora de Lngua Portuguesa, apresenta competncia na linguagem oral, no entanto, o
mesmo no ocorre com a linguagem escrita. Ou seja, eles se expressam com propriedade e
autonomia, apresentam seus posicionamentos quando questionados oralmente, porm, quando
apresentamos situaes que requeiram uma melhor performance da escrita, eles se detm a
frases com unidades mnimas de palavras, ou mesmo, s com palavras.
Sabemos que a escrita envolve, no s a capacidade de transcrio do oral para o
escrito, mas envolve tambm, habilidades de ordem cognitiva, metacognitiva, motora,
ortogrfica. Nesse sentido, o foco da nossa pesquisa extrapola a mera apropriao do sistema
alfabtico da escrita, pois, os educandos j os possuem, e concentra-se na produo de textos
em que os alunos possam apresentar suas opinies, argumentando e apresentando diferentes
pontos de vista com a mesma propriedade que o fazem na oralidade.
Por isso, levantamos os seguintes questionamentos: como despertar esta capacidade,
tendo as prticas do letramento como instrumento para a habilidade da escrita? Que prticas
podemos utilizar, para desenvolver estas habilidades? Que estratgias podem ser pensadas,
planejadas e implementadas, para ressaltar a interface entre a capacidade oral e a capacidade
escrita?
Na inteno de interpretar esses questionamentos, apresentamos como objeto de
estudo, a anlise do modelo de letramento e a interface entre as prticas orais e escritas
desenvolvidas pelos alunos deste segmento.
Para tanto, objetivamos investigar como essas prticas de letramento podem contribuir
para o desenvolvimento da escrita dos educandos da Educao de Jovens e Adultos numa
possvel interface entre o oral e o escrito, tomando como base o uso das sequncias didticas
enquanto recurso metodolgico para a abordagem, compreenso e produo do gnero textual
relatos de experincias.
Com o propsito de alcanar o objetivo geral mencionado, apresentamos os seguintes
objetivos especficos:
Identificar como a sala de aula pode se tornar um ambiente de
letramento na construo do desenvolvimento da escrita;
10
Analisar quais so os fatores que pressupem pontos comuns para a
possvel interface entre a prtica oral e o desenvolvimento da escrita;
Identificar quais so as concepes e percepes dos alunos sobre a
correlao da oralidade com a escrita;
Verificar se as prticas do letramento so influenciadas pelo
desenvolvimento da produo de determinado gnero textual, por educandos que j
apresentam desempenho oral proficiente.
Embasamos o teor da pesquisa no reconhecimento de que, a educao de jovens e
adultos tem como pressuposto a aplicao das prticas do letramento, de modo a contemplar
os conhecimentos construdos na educao informal e socialmente valorizados como
mediadores da construo do conhecimento formal.
A efetivao desse modelo se pautar na instaurao do trabalho com gneros textuais,
mais especificamente, relatos de experincias vividas e, na abordagem de atividades de
escrita, atravs do processo ensino-aprendizagem por meio das sequncias didticas.
Visando atender as perspectivas do que estamos nos propondo a desenvolver e
mediante as explicaes que buscam justific-las, organizamos este trabalho da seguinte
forma:
Apresentamos no primeiro captulo, um delineamento terico em torno do qual se
desenvolver a pesquisa, abordando um breve retrospecto histrico sobre a educao de
jovens e adultos, linguagem oral e escrita, letramento e o uso das sequncias didticas,
enquanto recurso metodolgico. Nele, so descritas as concepes dos principais tericos
sobre a temtica e a natureza indissocivel que permeia o contexto da escrita e da oralidade,
quando compreendida em um contexto de letramento.
No captulo segundo, apresentamos as concepes metodolgicas a serem aplicadas no
decorrer da pesquisa, detalhando os mtodos e as tcnicas que faremos uso para a obteno
dos dados e as estratgias que nos possibilitaro a aquisio destes. Faremos tambm, a
apresentao da sequncia didtica a ser aplicada.
No terceiro captulo, apresentamos a descrio do processo de desenvolvimento da
sequncia didtica, em seguida, os dados coletados e a anlise dos resultados obtidos. Esse
captulo est dividido em duas partes. Na primeira, descrevemos como ocorreu o processo de
coleta e de anlise dos dados. Na segunda, descrevemos o relato e a anlise da interpretao
que desenvolvemos durante o processo de aplicao da pesquisa, acrescidos das
consideraes e dos conceitos que fomos capazes de construir durante o percurso da pesquisa.
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Por fim, apresentamos as consideraes finais e, na sequncia, as referncias utilizadas
para embasar o nosso trabalho.
12
1 UM PERCURSO TERICO SOBRE AS PRTICAS DO LETRAMENTO NA EJA E A INTERFACE DO ORAL COM O ESCRITO
Neste captulo apresentamos os pressupostos tericos que nortearo a nossa pesquisa,
garantindo-nos, dessa forma, uma base para levantamento das discusses em torno do tema
proposto.
Para tratarmos sobre letramento, enquanto prtica social, so observadas as
concepes de Street (1994 apud Kleiman 2002), Kleiman (2002), Soares (2002, 2009),
Tfouni (2001, 2006, 2010); para a relao entre letramento e oral/escrito, discutimos a
perspectiva de Signorini (2001), Marcushi (2001, 2008, 2010), Rojo (2001), Rojo e Cordeiro
(2004); j a relao entre o letramento e a Educao de Jovens e Adultos no Brasil, tomamos
por base a discusso de Freire (1996), Tfouni (2001, 2006, 2010), Ribeiro (2001), incluindo a
trajetria e as polticas pblicas, conforme abordado por Diniz, Scocuglia e Prestes (2010);
tendo suporte metodolgico nas orientaes de Rodrigues (2006), Bogdan e Biklen (1994
apud. Barros, 2011), acrescidos de outros estudiosos.
Justificamos a escolha desses estudiosos, por acreditarmos que suas contribuies nos
permitiro compreender e acrescentar algo ao fenmeno que permeia as prticas do
letramento, enquanto instrumento de aperfeioamento da produo escrita em um contexto de
jovens e adultos e numa interface do oral com o escrito.
1.1 A Educao de Jovens e Adultos e as prticas do letramento
A Educao de Jovens e Adultos (EJA) constitui uma modalidade de ensino da
educao bsica, a partir do que estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
- LDBEN-Lei 9.394/96. Nela, a EJA apontada como uma poltica pblica nacional, com a
funo de assegurar o acolhimento dos jovens e adultos que, por questes pessoais, polticas
ou sociais, no tiveram acesso ou condies de frequentar a escola em idade apropriada e,
tambm, aos que frequentaram, mas no tiveram condies de prosseguir e concluir seus
estudos.
Ter os direitos educao assegurados na legislao oficial do pas, significa um
avano, mas no sinnimo de garantia na efetivao, muito menos, na qualidade. Pois, se
sairmos do contexto da legislao e adentrarmos no contexto que representa a prtica, muito
h, ainda, a ser discutido, reivindicado, aperfeioado, tendo em vista, o tratamento inadequado
e incoerente que muitas instituies e muitos educadores tm desenvolvido nas salas de aulas
13
dos jovens e adultos, contribuindo, assim, para a no resoluo dos muitos problemas com a
alfabetizao e com a formao intelectual desses alunos.
Ao analisar o percurso histrico transcorrido por essa modalidade de ensino, podemos
observar uma considervel ineficincia por parte do estado, em assegurar, atravs das
polticas pblicas, a entrada e a permanncia dos jovens e adultos nas escolas pblicas. Essa
ineficincia estabelece uma relao dialgica com a proposta metodolgica de muitos
educadores ao desconsiderar que o aluno traz consigo uma histria mais longa (e
provavelmente mais complexa) de experincias, conhecimentos acumulados e reflexes sobre
o mundo externo, sobre si mesmo e sobre as outras pessoas. (OLIVEIRA, 2001, p. 18),
enquanto ponto mediador na construo dos conhecimentos sistematizados, que a escola
oferece. Resultando, assim, na falta de interesse dos alunos pelos contedos propostos e em
uma consequente desistncia.
No mbito das discusses polticas e sociais, Scocuglia (2010) afirma que, embora
ainda tenhamos muito a melhorar, nas ltimas dcadas, a EJA vem recebendo uma melhor e
maior ateno por parte do poder pblico e das sociedades do mundo todo. Para ele, esse
olhar especfico e diferencial decorrente das mudanas sociais, da globalizao e das
exigncias do prprio mercado de trabalho.
Para o autor perceptvel uma maior intensificao nas discusses que tratam das
questes polticas e sociais em contextos discursivos e prticos da atualidade, verificadas
tanto nas Conferncias Internacionais de Educao de Adultos (CONFINTEA) maior evento
nessa modalidade como por parte de organizaes mundiais, a exemplo da UNESCO,
atravs do Programa da Ctedra da UNESCO de EJA fundado em 1992 que consiste em
contribuir poltico e intelectualmente, para o desenvolvimento de aes que estejam
relacionadas educao dos jovens e adultos, na condio de parceiros e colaboradores das
instituies de educao superior.
Nesse sentido, o autor afirma ainda que:
As questes que perpassam a juventude, as necessidades da sociedade letrada e da informao, a relevncia da diversidade cultural [...], ganharam novas leituras e novas nfases analticas. Da mesma forma, o desenvolvimento sustentvel e as dramticas questes ambientais fizeram com que a EJA ganhasse novos contornos e novos olhares. (SCOCUGLIA, 2010, p. 17)
Ao realizar a afirmativa, o autor focaliza a intensificao nos campos sociais e
polticos da histria da educao de jovens e adultos, em uma prerrogativa de possvel
14
unicidade, quando comparado com o vis discursivo, que era proposto em dcadas passadas
para mesma modalidade de ensino.
No entanto, pertinente compreender a decorrente necessidade de um olhar
diferenciado, desde o campo das discusses organizacionais, at o conceito que atribudo na
e pela sociedade aos jovens e adultos, haja vista o amplo e significativo conhecimento que
eles possuem em decorrncia da sua vivncia prtica e que devem ser mobilizados a servio
da aprendizagem escolarizada. Fato reforado por Galvo e Soares (2004, apud Barros, 2011,
p. 33-4) ao afirmarem que:
O adulto produtor de saber e cultura e que, mesmo no sabendo ler e escrever, est inserido principalmente quando mora nos ncleos urbanos em prticas efetivas de letramento [...]. O adulto no mero portador de conhecimentos prvios, que precisam ser resgatados pelo alfabetizador para ensinar aquilo que quer, mas um sujeito que j construiu uma histria de vida [...].
Dentro dessa abordagem, as autoras registram preocupao com uma possvel segunda
excluso. Qual seja: se na infncia ou na adolescncia, esses alunos no tiveram como
frequentar ou abandonaram, por alguma razo, a escola e, ao retornar, se deparam com uma
escola despreparada para atend-los. Somos excludentes.
Ao tratar do despreparo das instituies, importante registrar, no somente, as
questes de ordem metodolgica e fsica, mas, principalmente, a ideia deturpada com que
muitos educadores recebem e trabalham com esses alunos. No suficiente compreender que
eles tm consigo vrios tipos de conhecimentos, necessrio levar em considerao o tipo de
conhecimentos que possuem e os novos que desejam construir. Da a compreenso de que, o
mais importante no o trabalho que feito, nem o servio que oferecido, mas preciso
buscar contemplar o aluno a partir das suas especificidades, superando a ideia errnea de que
apenas levar em considerao o conhecimento prvio suficiente.
Como refora Ribeiro (2001, p. 60), uma adequada interveno pedaggica contribui
para que os jovens e adultos expressem sua subjetividade, engajem-se em atividades coletivas sobre as quais possam planejar e exercer controle, interessem-se por buscar novas informaes e aprendizagens que ampliem sua viso de mundo e possibilidades de ao.
Ainda segundo a autora (2001), apesar das mudanas realizadas na EJA, no que se
refere a uma ampliao dos sistemas de ensino fundamental, ocorridas no Brasil a partir dos
anos de 1970, com consequente diminuio nos ndices de analfabetismo da populao tida
como jovem e adulta, uma maior problematizao se instaurou no campo da teoria e da
15
prtica de ensino. Da o questionamento: Como alcanar nveis mais elevados de
habilidades de leitura e escrita, alm da relao de tais habilidades com diferentes prticas
sociais? (RIBEIRO, 2001, p. 45). A autora refere-se aos denominados analfabetos funcionais
decorrentes da poltica de ampliao, enquanto pessoas que apresentam conhecimentos
rudimentares na leitura e escrita e, insuficientes para corroborar com as demandas
socioculturais do seu cotidiano.
Nesse sentido, Soares (2009, p. 72) faz referncia alfabetizao funcional (ou
letramento funcional), termo disseminado pela UNESCO, desde 1956, que se define como
sendo os conhecimentos e habilidades de leitura e escrita que tornam uma pessoa capaz de
engajar-se em todas aquelas atividades nas quais o letramento exigido em sua cultura ou
grupo.
A partir de 1978, a UNESCO acrescentou o termo funcionalidade ao conceito de
letramento, acreditando influenciar de forma significativa na definio. O letramento
funcional na perspectiva progressista liberal uma verso fraca do letramento social - trata do
desenvolvimento de habilidades necessrias para que o indivduo funcione adequadamente
em um contexto social (SOARES, 2009, p. 72). O mesmo termo na perspectiva
revolucionria uma verso forte do letramento social interpretado pela autora como:
Instrumento neutro a ser usado nas prticas sociais quando exigido, mas essencialmente um conjunto de prticas socialmente construdas que envolvem a leitura e a escrita, geradas por processos sociais mais amplos, e responsveis por reforar ou questionar valores, tradies e formas de distribuio de poder presentes nos contexto sociais. (SOARES, 2009, p.74-5).
A dimenso social de letramento revolucionrio caracterizada por Street (1984 apud
Soares, 2009, p. 75), como o modelo ideolgico de letramento em oposio ao modelo
autnomo.
Ainda, segundo a autora, resultam dessas concepes, o pioneirismo e a efetiva
afirmao de Freire (1967, 1970a, 1970b, 1976), quando o reconhece como:
Um dos primeiros educadores a realar esse poder revolucionrio do letramento, ao afirmar que ser alfabetizado tornar-se capaz de usar a leitura e a escrita como um meio de tomar conscincia da realidade e de transform-la. Freire concebe o papel do letramento como sendo o da libertao do homem ou de sua domesticao, dependendo do contexto ideolgico em que ocorre, e alerta para a sua natureza inerentemente poltica, defendendo que seu principal objetivo deveria ser o de promover a mudana social. (SOARES, 2009, p. 76).
16
Soares (2009, p. 58) reconhece que as prticas do letramento j se configuram como
um referencial metodolgico nas salas de aula dos educadores, conforme citao a seguir:
Termos despertado para o fenmeno do letramento - estarmos incorporando essa palavra ao nosso vocabulrio educacional - significa que j compreendemos que nosso problema no apenas ensinar a ler e escrever, mas tambm, e sobretudo, levar os indivduos - crianas e adultos - a fazer uso da leitura da escrita, envolver-se em prticas sociais de leitura e de escrita.
Concepo que Tfouni (2010, p. 219) refora ao mencionar que os educadores no
devem pontuar suas prticas em uma teoria voltada apenas para a aquisio da leitura e
escrita, e tambm, que tenha preocupaes polticas e sociais de incluso e justia,
principalmente atravs dos mecanismos educacionais.
Nessa perspectiva, a autora reconhece a necessidade de uma abordagem pedaggica
mais significativa no contexto da EJA e, ainda, a conscincia de que a reverso do quadro
educacional da educao de pessoas jovens e adultas, que por muito tempo se pautou em um
paradigma de educao compensatria (espcie de segunda chance para aqueles que o prprio
sistema no oportunizou frequentar a escola), precisa estabelecer-se como uma modalidade de
ensino, que ultrapassa a condio de garantias legais, de prticas alheias ao contexto social e
com vises mecanizadas de aprendizagens, para efetivar-se nas prticas do letramento. E
assim, representar-se o coroamento de um processo histrico de transformao e
diferenciao no uso de instrumentos mediadores. (VIGOTSKY 1984 apud TFOUNI, 2006,
p. 21).
Nesse mesmo sentido, a abordagem do letramento na educao de pessoas jovens e
adultas, no caracteriza uma mera aceitao de uma prtica circunstancial, decorrente das
inmeras afirmaes dos estudiosos da linguagem sobre a natureza reversiva, heterognea e
fenomenal do letramento. Pois, abordar o letramento na educao de jovens e adultos significa
compreender, respeitar, valorizar e usufruir o conhecimento e a diversidade cultural que os
educandos possuem para mudar seu lugar social, seu modo de viver na sociedade, sua
insero na cultura sua relao com os outros, com o contexto, com seus bens culturais.
(SOARES, 2009, p. 37), ou seja, a possibilidade de ter o poder da deciso, da liberdade, da
ruptura e da opo, como prtica efetiva da cultura e da cidadania.
1.2 O letramento e suas prticas
17
A expresso letramento tem suscitado o desenvolvimento de inmeras pesquisas,
principalmente nas ltimas dcadas, visando definir o conceito e, prioritariamente,
compreender a dimenso e amplitude que o letramento tem alcanado, desde seu surgimento,1
no mbito educacional, aos dias atuais. Ao tratar sobre essas pesquisas, Kleiman (2002, p. 15)
registra que elas vm [...] configurando-se hoje como uma das vertentes de pesquisa que
melhor concretiza a unio do interesse terico, a busca de descries e explicaes sobre um
fenmeno, com o interesse social [...].
Ao registrar o estgio e o ritmo das pesquisas sobre o letramento nos dias atuais, a
autora faz tambm uma meno de que seus estudos buscam conhecer o processo de
desenvolvimento da escrita desde o sculo XVI, no que se refere s questes de ordens
polticas, socioeconmicas, tnicas, culturais, cognitivas..., mediante a incorporao do
trabalho industrializado, com as cincias em desenvolvimento, a expanso das escolas, bem
como a classificao de poder e de distino, que se atribua s categorias letradas, enquanto
decorrentes do uso da escrita nas sociedades tecnolgicas.
De maneira gradativa, os estudos foram se ampliando, na inteno de compreender
como e quais eram os impactos ocasionados pelo uso da escrita e das prticas do letramento,
frente aos que no estavam inclusos no contexto industrializado, mas que precisavam integrar-
se com a escrita, enquanto tecnologia comunicativa dos que detinham o poder. Nesse sentido,
os estudos deixam de conjecturar os efeitos universais do letramento e passam a conjecturar
numa correlao com as prticas socioculturais dos diferentes grupos que faziam uso da
escrita. Conforme exemplifica Kleiman (2002, p. 16):
[...] possvel estudar as prticas do letramento de grupos de analfabetos que funcionam em meio a um grupo altamente letrado e tecnologizado, como os funcionrios analfabetos de uma instituio do estado de So Paulo, com o objetivo de examinar, em relao a estes grupos, as consequncias sociais, afetivas, lingusticas que tal insero social significa.
Atendendo, assim, as possibilidades de apresentar respostas s inmeras indagaes
que permeiam o contexto excludente dos grupos de caracterstica grafa, associadas aos
questionamentos advindos das condies em que ocorrem o uso e os efeitos da escrita, em
correlao com as prticas sociais e culturais nos grupos de natureza etnogrfica.
Na perspectiva de apresentar um conceito para o termo letramento, a autora afirma que
podemos definir hoje o letramento como um conjunto de prticas sociais que usam a escrita,
1 Registra-se o ano de 1986 para um dos primeiros surgimentos do termo letramento, e atribui-se a sua
ocorrncia a Mary Kato, no livro O mundo da escrita: uma perspectiva psicolingustica.
18
enquanto sistema simblico e enquanto tecnologia, em contextos especficos, para objetivos
especficos. (KLEIMAN, 2002, p. 19).
Nesse sentido, temos a compreenso de que o termo letramento tem condies de atuar
e de fornecer respostas que o termo alfabetizao, at ento, no teria conseguido. Pois, como
visto, enquanto o primeiro admite que um indivduo, mesmo analfabeto, possa apresentar
caractersticas letradas ao realizar compras, escolher mercadorias pelos rtulos, passar troco,
realizar saques em terminais bancrios, embarcar em nibus, utilizar celular etc., valorizando
as diversas formas de conhecimento; o segundo limita-se condio de apenas nomear o
indivduo que aprendeu a ler e a escrever.
Esse mesmo compndio, Soares (2009, p. 18) define como uma perspectiva limitada
em compreender que o problema estava em classificar o estado ou qualidade de alfabetizado.
E ainda, faz referncia ao termo analfabetismo como uma forma correspondente de negao
ao termo alfabetizao, enquanto sinnimo designador da ao de mera codificao e
decodificao dos smbolos lingusticos.
A constatao do exposto que justifica a necessidade de criao do conceito de
letramento, enquanto um novo fenmeno que no existia antes, ou, se existia, no nos
dvamos conta dele, no tnhamos um nome para ele. (SOARES, 2009, p. 34).
Ainda segundo a autora, a maior dificuldade em se formular uma definio mais
precisa para o fenmeno do letramento, est no fato de que ele cobre uma vasta gama de
conhecimentos, habilidades, capacidades, valores, usos e funes sociais; o conceito de
letramento envolve, portanto, sutilezas e complexidades difceis de serem contempladas em
uma nica definio. (SOARES, 2009, p. 65).
Na inteno de melhor explicar a natureza diferenciada e antagonista das definies do
letramento, importante salientar as dimenses individual e social:
Quando o foco posto na dimenso individual, o letramento visto como um atributo pessoal, parecendo referir-se, como afirma Wagner (1983, p.5), a simples posse individual das tecnologias mentais complementares de ler e escrever. Quando o foco se desloca para a dimenso social, o letramento visto como fenmeno cultural, um conjunto de atividades sociais que envolvem a lngua escrita, e de exigncias sociais de uso da lngua escrita. (SOARES, 2009, p. 66).
Compreender o conceito de letramento, a partir das duas dimenses, entender que,
diante de suas abordagens, uma ou outra ser aplicada. Sendo que a dimenso individual,
estar voltada para a leitura e escrita, enquanto habilidades de ler e escrever e a dimenso
19
social, estar centrada nas funes e nos propsitos que a lngua escrita adquire no contexto
social.
No mbito da dimenso individual, a leitura e a escrita (vistas como tecnologia),
atuam como referencial, sendo que numa perspectiva de dessemelhanas. Essa constituio
heterognea pode ser observada tanto na leitura quanto na escrita, sendo que a leitura
priorizada, no se considerando as possibilidades de complementao entre ambas. O que
para Soares (2009, p. 68) torna-se ainda mais srio, se se considera que cada um desses
constituintes um conjunto de habilidades bastante diferentes, e no uma habilidade nica.
Em se tratando do letramento, enquanto prtica social, podemos reconhecer que a
leitura e a escrita esto diretamente ligadas s concepes de cunho ideolgico e poltico,
inerentes ao sujeito que age e interage com o meio em que convive numa postura dialgica e
consensual, quanto aos valores sociais, econmicos e culturais.
Essa concepo caracterizada como uma forma de reao aos estudos desenvolvidos
nas trs dcadas que antecedem os anos 80, em que escrita e oralidade eram defendidas como
opostas e, atribua-se uma caracterstica de supremacia escrita, numa viso de natureza e de
sentido prprio, alm do aspecto cognitivo.
Dessa forma, o modelo autnomo pressupe que h apenas uma maneira de o
letramento ser desenvolvido, sendo que essa forma est associada quase que casualmente com
o progresso, a civilizao, a mobilidade social. (KLEIMAN, 2002, p. 21) e, apresenta a
escola na condio de a mais importante das agncias de letramento. (Kleiman, 2002, p.
20). Seria, ento, um letramento voltado para a alfabetizao, por meio da aquisio de
cdigos e no desenvolvimento de competncia individual, que no abre espao para o
letramento social. Diferente do que observado nas prticas de letramento apresentadas em
outras agncias de letramentos, como a famlia, a igreja, a rua etc., que tem a inteno de
afirmar o modelo de prtica que se efetiva no contexto escolar.
Kleiman (2002, p. 21) faz ainda uma contraposio do modelo autnomo com o
modelo ideolgico, mostrando que este no apresenta nenhuma relao com promoo ou
excluso entre os grupos, a partir do conhecimento oral ou letrado que detm, ou deixam de
deter, mas buscam investigar e caracterizar a pressuposio da existncia e quais so as reas
em que a interface do oral com o escrito se efetiva.
Enquanto conjunto de prticas sociais na leitura e escrita, o letramento, no paradigma
ideolgico, pode ocorrer muito alm da funcionalidade. E por ser considerado de ordem social
e cultural, apresenta variaes distintas de significao para cada grupo.
20
Para Street (1995 apud MARCUSHI, 2001, p. 38, grifo do autor), no h um
letramento com L maisculo e o no singular, mas mltiplos letramentos tratveis em seus
contextos sociais e culturais nas sociedades em que surgem, considerando-se tambm as
relaes de poder ali existentes. Corroborando, Kleiman (2002, p. 21), assinala que as
prticas de letramento, no plural, so social e culturalmente determinadas, e como tal, os
significados especficos que a escrita assume para um grupo social dependem dos contextos e
instituies, em que ela foi adquirida.
Barton e Hamilton (2000 apud MARCUSHI, 2001, p. 40), reforam que H
diferentes letramentos associados a diferentes domnios da vida. Esses domnios so lidos
por Marcuschi (2001, p. 40) como famlia, escola, religio etc., que podem se acoplar e
interagir, como o caso da famlia e da escola, ou ainda, da sade e do trabalho.
A forma como esses autores compreendem e apresentam as prticas de letramento, no
plural, nos permite uma observao na existncia de vrios tipos de letramentos, bem como,
nas diversas maneiras de desenvolv-los. Sendo as ocorrncias de uso da escrita, em contextos
determinados, quem iro definir quais os tipos de prticas a serem desenvolvidas, por este ou
aquele indivduo, mediante as habilidades que ele possui e a situao de aprendizagem que se
estabelece, haja vista a diversidade que permeia o papel da escrita em determinados contextos
ou situaes.
Ao apresentar o modelo ideolgico, Street (1984, 1993 apud KLEIMAN, 1995), faz
uma abordagem numa perspectiva de alternncia e na inteno de destacar explicitamente o
fato de que todas as prticas de letramento so aspectos da cultura, mas tambm das estruturas
de poder numa sociedade. Ao que Kleiman (1995, p. 39), complementa, ao comentar que
este modelo no deve ser entendido como uma negao de resultados especficos dos estudos
realizados na concepo autnoma do letramento.
Assim, o modelo ideolgico corresponde ao idealizado pelas prticas do letramento,
no tocante ao tratamento de observao das relaes que se estabelecem entre a oralidade e
letramento, com perspectivas de semelhanas, e no mais, de disparidades. Isso o que sugere
Street (1993 apud MARCUSHI, 2001, p. 37), diante do uso no contexto do modelo
ideolgico associado s noes de eventos de letramentos, prticas de letramentos e prticas
comunicativas.
Por eventos de letramentos Heath (1982 apud MARCUSHI, 2001, p. 37) define como:
qualquer ocasio em que uma pea da escrita integra a natureza das interaes dos
participantes e seus processos interpretativos, ou seja, so os usos que se faz da leitura e da
21
escrita, em situaes comunitrias, reais e contextualizadas. Para Kleiman ( 2002, p. 40), eles
so compreendidos como situaes em que a escrita constitui parte essencial para fazer
sentido da situao, tanto em relao interao entre os participantes como em relao aos
processos e estratgias interpretativas. E exemplifica que esses eventos se efetivam nos
momentos em que os pais realizam leitura de estrias infantis para seus filhos antes de dormir,
na inteno de extrair significado da escrita, a partir do conceito valorativo que dado a essas
prticas.
Quanto s prticas de letramento, elas esto voltadas para os usos culturais que
envolvem a produo de significado, tendo como base a leitura e a escrita. Para Marcuschi
(2001, p. 37), Barton conceitua as prticas de letramento como os modos culturais gerais de
utilizar o letramento que as pessoas produzem num evento de letramento. Como podemos
constatar nas diversas situaes em que a abordagem de um texto (carta pessoal, texto bblico,
relatos...) caracterizam-se como um evento. O direcionamento que ocorre em decorrncia da
leitura e no entorno dela uma prtica de letramento.
J as prticas comunicativas, podem ser definidas, segundo Grillo (1989 apud
MARCUSHI, 2001, p. 38), como as que incluem as atividades sociais atravs das quais a
linguagem ou comunicao produzida, de forma associativa com as questes de instncias
superiores e dominantes que esto interligadas com os fatores sociais, econmicos, polticos e
culturais. Nesse sentido, entra em jogo no o papel da escrita, mas a maneira como lidamos
com o papel da escrita nas nossas praticas dirias de comunicao.
Diante de toda a discusso levantada, podemos ancorar o nosso entendimento que o
modelo mais
adequado para tratar dos problemas do letramento o que parte das relaes entre oralidade e o letramento na perspectiva de contnuo das prticas sociais e atividades comunicativas, envolvendo parcialmente o modelo ideolgico (em especial o aspecto da insero da fala e da escrita no contexto da cultura e da vida social) e observando a organizao das formas lingusticas no contnuo dos gneros textuais. (MARCUSHI, 2001, p. 28).
Nesse entendimento, reiteramos que esse ser o modelo norteador dos nossos estudos,
na inteno de atender relao de interface entre oralidade e escrita, a partir da tica do
contnuo na relao de gneros textuais e nas prticas comunicativas, que so realizadas
atravs dos eventos e das prticas sociais de letramento.
1.3 A linguagem oral e escrita nas suas relaes de interface
22
Na inteno de realizar um conhecimento, do ponto de vista terico, dentro de uma
performance mais consistente quanto aos conceitos que tm sido construdos no campo de
estudos de fala e escrita, pautamos nossos estudos sob a tica de Marcushi (2001, 2008, 2010)
e de outros estudiosos no assunto, que tratam da impossibilidade de se investigar as prticas
de oralidade e letramento, bem como da realizao de uma observao em torno das
diferenas e semelhanas entre fala e escrita, sem que as questes de usos cotidianos sejam
levadas em considerao.
Vrios estudos tm sido desenvolvidos na inteno de investigar a diferenciao
contida entre a linguagem oral e a linguagem escrita. Dentro de um contexto mais amplo,
podemos verificar que, a maioria deles est focada para o poder da escrita e para sua
relevncia na contemporaneidade. Os estudos ocorridos entre os anos 50 e 80, do sculo XX,
realizados por pesquisadores das reas de sociologia, antropologia e psicologia social (aceitos
pelos linguistas), apresentam a afirmativa que:
A inveno da escrita trazia uma grande diviso(grifo do autor) a ponto de ser introduzido uma nova forma de conhecimento e ampliao da capacidade cognitiva (em especial a escrita alfabtica). Era a supremacia da escrita e sua condio de tecnologia autnoma, percebida como diferente da oralidade do ponto de vista do sistema, da cognio e dos usos. (MARCUSHI, 2001, p. 26).
Kaplan (1986 apud BEATO CANATO, 2008, p.38) afirma que a escrita adquiriu
vida prpria, tendo efeito na fala e existncia independente, sendo em muitos aspectos
considerada mais importante e confivel que a fala, por ser mais precisa. Olson (1996 apud
BEATO CANATO, 2008, p. 39), argumenta que a escrita, no a fala, determina nossa
habilidade de refletir sobre ns mesmos. Segundo Bazerman (2007 apud BEATO
CANATO, 2008, p. 39), as ideias que se formam nos textos escritos so mais desenvolvidas e
amadurecidas do que as dos textos orais, sendo uma forma de garantia para fortalecer nossa
presena no mundo social de modo real e valorativo.
Para Marcushi (2010), no mais podemos atribuir relaes de preponderncia da
escrita em relao oralidade, conforme viso apresentada entre as dcadas de 1950 a 1980,
em que, segundo o autor (2010, p. 16), considerava-se a relao oralidade e letramento como
dicotmica, atribuindo-se escrita valores cognitivos intrnsecos no uso da lngua, no se
vendo nelas suas prticas sociais. E sim, numa concepo de que as lnguas se fundam em
23
uso e no o contrrio. Na inteno de referendar o objeto centralizador do estudo da lngua
em situaes de usos cotidianos, assim:
Seria possvel definir o homem como um ser que fala e no como um ser que escreve. Entretanto, isto no significa que a oralidade seja superior escrita, nem traduz a convico, hoje to generalizada quanto equivocada, de que a escrita derivada e a fala primria. (MARCUSHI, 2010, p. 17).
Nesse sentido, observamos a inteno do autor (2001, p. 35) em estabelecer a relao e
os valores significativos que permeiam as prticas da oralidade e escrita, enquanto usos da
lngua, dentro de um perfil de contnuo, que deve ser compreendido no como continuidade
ou linearidade de caractersticas, mas como uma relao escalar ou gradual em que uma srie
de elementos que se interpenetram, sejam em termos de funo social, potencial cognitivo,
prticas comunicativas numa correlao com os pontos comuns e com as especificidades de
cada modalidade de uso da lngua.
Marcuschi (2010, p.15), apresenta ainda uma nova concepo de lngua e texto
enquanto prticas sociais, sob a tica de que no podemos tratar as relaes entre fala e escrita
a partir da concentrao unificada no cdigo, haja vista, na contemporaneidade, estarmos
lidando com as prticas de letramento e oralidade enquanto papel de referncia. E estas
prticas se caracterizam pela interao de atividades de usos e distribuies da lngua nos seus
contextos socioculturais.
Centrando nossa ateno na criao e na presena da escrita, podemos perceber que,
embora tenha sido criada em perodo muito posterior oralidade, a escrita tenha se tornado
um smbolo de poder e de desenvolvimento muito superior oralidade, numa postura de
imposio e, inclusive, como forma de discriminao social. Neste contexto, o autor
consistente ao afirmar que considera como mito, a concepo de supremacia cognitiva da
escrita, defendida por muitos autores e admite:
[...] como postulado central que todo sentido situado e todo uso lingustico sempre contextualizado em universos socioculturais. Nisto, coincido com as posies de Bledsoe e Robey (1993), lembradas por Street (1995, p. 171), de que a escrita um meio de grande potencial social na interao, mas os diversos usos da escrita so culturalmente delimitados ou realados nas diferentes sociedades.... Assim, negando a tese da autonomia, tambm admito que em si mesma a escrita no produz mecanicamente resultados sociais. O contexto cultural exerce forte influncia sobre o papel da escrita, o que desenfatiza a diferena entre fala e escrita, sendo ambos os modos mais similares do que diferentes no seu impacto sociolgico. (MARCUSHI, 2001, p. 32).
24
Para esse autor, o texto, independentemente, se oral ou escrito, no pode ser analisado
fora do seu contexto sociocomunicativo, haja vista, a sua inerente caracterizao enquanto
prtica social de uso da lngua. Nenhum texto pode se sobrepor de maneira independente e
descontextualizada. controverso afirmar que a contextualizao uma caracterstica
inerente fala e que a escrita no apresenta nenhuma correlao com o meio social em que se
processa. Isso s ocorre em consequncia do tratamento valorativo, autnomo e
descontextualizado que a escrita recebeu. E refora, seu uso ocorre em contextos sociais do
nosso cotidiano, numa ao de paralelismo com a oralidade.
Tfouni (2001), afirma que j no se aplica mais nenhuma credibilidade na dicotomia
lngua oral/ lngua escrita, devido possibilidade da caracterstica de uma ser encontrada na
outra, ou vice versa, mas apresenta como foco, no o fato do sujeito ser ou no alfabetizado, e
sim, a possibilidade de assumir o papel de autor. A afirmativa construda a partir da linha de
estudos que visa investigar a autoria em textos orais e escritos e sua atribuio ao sujeito
letrado ou iletrado, ao associar que, a capacidade de autoria do sujeito, independente de ser
alfabetizado (tecnologia), o que ir permitir uma relao entre o letramento e o continuum.
Tais concepes, vm confrontar-se com a perspectiva dicotmica e tradicional entre
os linguistas que, por muito tempo, dedicaram-se a analisar as relaes de uso da fala e da
escrita numa perspectiva de diferenas (fala versus escrita), em que, a realizao da anlise
est pautada no cdigo, dentro de um paradigma que focaliza de forma restritiva, a viso
normativista dos gramticos, ao defender, valorizar e tentar perpetuar a chamada norma culta,
vinculada ideia de domnio pleno da escrita.
Na inteno de estabelecer uma viso consensual, diante do posicionamento do autor,
quanto valorizao/desvalorizao atribuda escrita/fala ao longo da trajetria histrica,
que circunda as duas prticas evidenciadas, podemos registrar o que Marcushi (2010, p. 24)
reconhece: A escrita um fato histrico e deve ser tratado como tal e no como bem natural.
Enquanto que a oralidade continua na moda. Parece que hoje redescobrimos que somos seres
eminentemente orais, mesmo em culturas tidas como amplamente alfabetizadas.
Mediante a perspectiva de respaldar o recorte postulado pelo autor, imprescindvel o
registro dos conceitos que ele apresenta na inteno de distinguir as relaes que se
estabelecem entre: oralidade e letramento; fala e escrita.
Para Marcushi (2010), a oralidade est voltada para a interao que se processa na
nossa prtica social, mediante a necessidade de comunicao oral, sendo o contexto de uso
quem ir definir o seu grau maior ou menor de formalidade/informalidade.
25
No tocante ao letramento, podemos dizer que, ele se efetiva a partir do uso social das
diversas prticas da escrita em contextos sociais, sejam eles alfabetizados ou no ( comum
pessoas sem nenhuma apropriao da escrita realizar prticas tidas como letradas). O autor
(2010, p. 25) esclarece que: Letrado o indivduo que participa de forma significativa de
eventos de letramento e no aquele que faz apenas um uso formal da escrita. Tfouni (2001,
p. 78), complementa que existe um conhecimento sobre a escrita que as pessoas dominam
mesmo sem saber ler nem escrever, que adquirido desde que estas estejam inseridas em uma
sociedade letrada. O letramento no unificado, existem letramentos diversos e que podem
ocorrer mesmo sem a alfabetizao.
A fala se caracteriza como instrumento de comunicao oral, do ponto de vista
lingustico e de produo textual discursiva. Por no apresentar caracterizao tecnolgica
que extrapole a criatividade humana, consolida-se por meio do som, da articulao e de
muitos outros recursos que representem a expressividade do texto.
Com relao escrita, Marcushi (2010, p. 26), diz que seria um modo de produo
textual-discursiva para fins comunicativos, que se constitui de forma grfica, pictrica,
iconogrfica, pelo uso da tecnologia, em se tratando da escrita alfabtica..., enquanto
modalidade de uso da lngua complementar fala.
Complementando a inteno de pontuar o percurso terico, construdo no entorno da
oralidade e da escrita, pertinente registrar a diversidade de tendncias que abordam o
assunto, numa propositura de conscientizar o quanto o tratamento que se tem atribudo
oralidade, tem sido preconceituoso e desvalorizador. E mesmo apresentando as tendncias que
tratam a escrita e a oralidade de forma descontnua, neste estudo tomaremos por base o
postulado de Street (1995 apud MARCUSHI, 2010, p. 27) de que a relao se funda num
continuum e no numa dicotomia polarizada.
Partindo das tendncias de perspectiva dicotmicas, encontramos a considerada de
maior tradio no contexto dos linguistas, por pontuar suas anlises, na concepo de que fala
e escrita so duas modalidades de uso da lngua sob o panorama das diferenas, defendida por
parte de alguns linguistas. So as chamadas dicotomias mais polarizadas e viso restrita,
acrescentando a existncia de outro grupo de linguistas, que j observam a existncia de uma
relao entre fala e escrita dentro de um contnuo, que pode ser de tipologia ou de cognio
social.
A dicotomia estrita, por sua vez, faz correlao com os modelos e usos apresentados
nos livros escolares. E, est representada nas denominadas gramticas pedaggicas, atravs da
26
apresentao separatista entre a lngua e o seu uso, bem como, na predominncia da lngua,
enquanto instrumento de ensino das regras gramaticais. Para Marcuschi (2010, p. 28), a
perspectiva da dicotomia estrita tem o inconveniente de considerar a fala como lugar de erro e
de caos gramatical, tomando a escrita como o lugar da norma e do bom uso da lngua.
A tendncia de carter culturalista faz referncia observao das mudanas
ocasionadas nas sociedades que utilizam a escrita, no tocante estrutura organizacional e ao
conhecimento. O foco da anlise se sobrepe nas reas cognitivas, antropolgicas e sociais,
no priorizando responder a questes lingusticas e, ao mesmo tempo, servindo para enaltecer,
ainda mais, a escrita. Diante da realizao de uma anlise crtica da tendncia culturalista,
Gnerre (1995 apud MARCUSCHI, 2001, p. 30) registra ter detectado a presena de
pensamentos voltados para engrandecimento da escrita, concentrados em trs pontos:
etnocentrismo, supervalorizao da escrita e tratamento globalizante, apresentados, por ele,
como problemas para essas correntes de pensamento.
O etnocentrismo apresenta um entendimento de que, a partir do surgimento da escrita
em dada sociedade, teramos a decorrncia de que toda a sociedade seria alfabetizada.
Entendimento no procedente, visto que, a escrita se restringe a grupos especficos e
limitados, no atingindo as camadas menos favorecidas.
J a supervalorizao da escrita, numa concepo alfabtica, abre espao para a
supervalorizao das culturas com a escrita, ou dos grupos com domnio da escrita, numa
ao de desigualdade, em detrimento da desvalorizao das culturas ou de grupos que no a
possuem, classificando as sociedades em culturas civilizadas ou primitivas.
O tratamento globalizante apresenta uma falta de ateno no que se refere a no
existncia de sociedades letradas, pois existem os denominados grupos letrados, que se
evidenciam nas elites, considerando uma viso globalizada e homognea da sociedade. O que
no se efetiva na prtica, pois, cada uma possui um letramento que se caracteriza com suas
prprias especificidades.
No processo de conceituao da tendncia variacionista, com vistas no papel da
escrita e da fala, em se tratando das estncias educacionais, focalizam-se as variaes
lingusticas em contextos formais, a partir da relao padro e no padro e do entendimento
de que todas as variedades so submetidas a algum tipo de norma, porm, nem todas so
padro. Da, a preocupao de que, qualquer uma delas seja reconhecida como norma padro.
27
Contudo, quando se concentram os estudos nas variaes e usos da lngua, no se
apresentam caractersticas de dicotomia, nem de estagnao entre a fala e a escrita, mas uma
observao de variedades linguistas distintas. Por conseguinte, as variaes podem ocorrer
tanto na fala, como na escrita. Esta possibilidade vista por Marcuschi (2001), como a
condio necessria para no se identificar a lngua escrita como a padronizao da lngua.
Embora apresente um olhar carismtico para a perspectiva variacionista, Marcushi
(2010, p. 32, grifo do autor), registra a preocupao de que ela possa no resolver a sua
posio de que fala e escrita no so propriamente dois dialetos, mas sim duas modalidades
de uso da lngua. Segundo o autor, so adeptos desta linha, aqui no Brasil: Bortoni (1992,
1995); Kleiman (1995); Soares (1986).
Adentrando no campo da perspectiva sociointeracionista, perceptvel certo
descrdito, justificado pela ausncia de teorias mais sistematizadas e procedentes frente a um
baixo potencial na explicao dos fenmenos lingusticos e dos procedimentos aplicveis na
produo e na interpretao textual. Em contrapartida, essa perspectiva apresenta de forma
mais clara a lngua enquanto fenmeno de interao e dinamismo, focalizando as questes
dialgicas que se sobrepem na fala, a exemplo das elaboradas no momento de uso.
importante ressaltar alguns conceitos relevantes, como o que trata da percepo das
formas textuais e suas diversidades, investigando as relaes de fala e escrita. Alm dos que
envolvem o fator interativo na produo face a face e na interao entre o leitor e texto
escrito, buscando perceber como se processa a atividade na construo de sentidos,
apresentando os usurios da lngua como construtores sociais, tendo o contexto de construo
do texto como instrumento de interao entre o texto e os sujeitos que o produzem.
Perspectiva bastante difundida pelos estudiosos do Brasil, tendo por representantes mais
efetivos: Preti (1991, 1993); Koch (1992); Marcushi (1986, 1992, 1995); Kleiman (1995a);
Urbano (2000). Alm de outros nomes que aparecem nas produes publicadas por Preti
(1993, 1994, 1998 e 2000).
Com base no entendimento de que tratar os processos de anlise sobre fala/escrita e
oralidade/letramento tratar de concepes difusas e pouco convencionais, chegamos ao
entendimento de que fala e escrita, no podem ser consideradas estanques, nem dicotmicas,
mas em processo de um dinamismo constante que se efetiva na relao de continuum,
enquanto modalidade de uso da lngua. Bem como, a conscincia de que as relaes entre a
linguagem oral e a linguagem escrita passaram por inmeras modificaes no decorrer dos
anos, a priori, com a supremacia da escrita e desvalorizao da oralidade, perpassando pela
28
anlise das mudanas ocasionadas nas sociedades usurias da escrita, ainda como forma de
engrandecimento da escrita, adentrando no contexto de anlise da escrita no contexto
educacional, que focaliza as variedades lingusticas, sem distinguir fala de escrita, e, por fim,
alcanando o nvel de percepo da interao que se efetiva na fala e na escrita, com base nos
gneros textuais e seus usos na sociedade.
Mediante o exposto e considerando a existncia dos vrios estudos que tratam da
relao linguagem oral e linguagem escrita, ou ainda, fala e escrita, atravs de diversas
tendncias, optamos por considerar a proposta de Marcuschi (2001, 2010), no que se refere
busca pela valorizao da oralidade, acrescida da crena de que fala e escrita no ocupam
posies dicotmicas, mas um continuum de natureza detectvel, que pode ser identificado
tanto na fala quanto na escrita.
1.4 Gneros textuais como prticas do letramento
Com base nas palavras de Swales (1990 apud Marcushi, 2008, p. 147), o termo
gnero facilmente usado para referir uma categoria distintiva de discurso de qualquer tipo,
falado ou escrito, com ou sem aspiraes literrias. A definio de gnero, na percepo de
Swales, usada nas reas de etnografia, sociologia, antropologia, retrica e na lingustica.
Sendo os estudos na rea da lingustica, o norteador dos nossos referenciais.
Segundo Marcushi (2008), nos ltimos anos, inmeros estudos tm sido desenvolvidos
em torno dos gneros textuais e seu ensino. No Brasil no diferente, estamos diante de uma
exploso de estudos na rea (MARCUSHI, 2008, p. 146), afirma o autor. Ao confirmar a
assertiva, acrescenta que, o estudo de gnero, apesar de antigo, perpassa por uma proposta e
conceituao muito equidistante da recebida pela tradio oriental, em que a expresso estava
associada aos chamados, gneros literrios e que foram introduzidos por Plato e firmados
com os conceitos de Aristteles, Horcio e Quintiliano, nos perodos que compreendem da
Idade Mdia ao sculo XX. Para o autor, estamos diante de um conceito que achou o seu
tempo (MARCUSHI, 2008, p. 148) e, com base em Swales (1990, p. 33), embasa o
entendimento de que hoje, gnero facilmente usado para referir uma categoria distintiva de
discurso de qualquer tipo, falado ou escrito, com ou sem aspiraes literrias.
Rojo e Cordeiro (2004) registram os anos de 1997/1998, com a incorporao dos
Parmetros Curriculares Nacionais de Lngua Portuguesa, como o momento determinante
para uma mudana nas propostas curriculares brasileiras, j que:
29
[...] passam a ter importncia considervel tanto as situaes de produo e de circulao como a significao que nelas forjada, e naturalmente, convoca-se a noo de gneros (discursivos ou textuais) como um instrumento melhor que o conceito de tipo para favorecer o ensino de leitura e de produo de textos escritos e, tambm, orais. (ROJO e CORDEIRO, 2004, p. 10).
Os PCN de lngua portuguesa fazem referncia ao trabalho com gneros textuais na
sala de aula, quando afirma ser,
[...] necessrio contemplar, nas atividades de ensino, a diversidade de textos e de gneros, e no apenas em funo de sua relevncia social, mas tambm pelo fato de que textos pertencentes a diferentes gneros so organizados de diferentes formas. (PCN, 2001, p. 23).
Assim, para Marcushi (2008, p. 44), o gnero :
[...] uma frtil rea interdisciplinar, com ateno especial para o funcionamento da lngua e para as atividades culturais e sociais. Desde que no concebamos os gneros como modelos estanques nem como estruturas rgidas, mas como formas culturais e cognitivas de ao social corporificadas de modo particular na linguagem, temos de ver os gneros como entidades dinmicas.
Essas concepes podem ser reforadas por Schneuwly (1994 apud ROJO;
CORDEIRO, 2004, p. 44), ao mencionar gnero como um mega instrumento para agir em
situaes de linguagens, e por Bronckart (1999 apud MARCUSHI, 2008, p. 154), ao
afirmar que a apropriao dos gneros um mecanismo fundamental de socializao, de
insero prtica nas atividades comunicativas humanas.
Como visto, os gneros textuais demarcam seu contexto de atuao na lingustica de
uma forma bastante consistente e conceituada. Na medida em que se instauram na sociedade,
possibilitam-nos refletir e responder as indagaes at ento no respondidas pelas
abordagens de texto que se pautavam no normativo e priorizavam a anlise da lngua e da
gramtica. Parafraseando Rojo e Cordeiro (2004), podemos dizer que se trata da virada
necessria para que o enfoque no texto na sala de aula se firme a partir da funcionalidade, do
contexto de produo/leitura e nas significaes que o texto pode promover frente s
chamadas propriedades formais.
A aceitao do proposto vem oportunizar um olhar diferenciado para as atividades de
produo textual (oral ou escrito), a partir da percepo, das marcas de produo, dos
componentes envolvidos e da forma de articulao, numa correlao com o contexto
situacional de produo e de uso, enquanto suporte comunicativo no cotidiano da lngua.
30
Caracterizados mais pela funo do que pela forma, cada gnero apresenta uma funo
e forma prpria, a serem definidas pelo propsito e pela esfera de circulao, o que nos leva
observao de Marcushi (2008, p. 151) de ver os gneros como entidades dinmicas, cujos
limites e demarcao se tornam fludos.
Ao tratar do dinamismo dos gneros textuais, o autor faz associao s variaes
funcionais, s formas que ele assume e ao fator scio-histrico que o circunda. A inteno
registrar a impossibilidade de delimitar os tipos de gneros, como tambm sua classificao.
Por isso, hoje no mais uma preocupao dos estudiosos fazer tipologias. A tendncia hoje
explicar como eles se constituem e circulam socialmente. (MARCUSCHI, 2008, p.159).
importante salientar que, para atender aos nossos propsitos, os estudos em torno
das questes dos gneros textuais sero correlacionados relao de contnuo que se
estabelece entre a fala e a escrita. E nesse sentido, reforamos o que Marcushi (2008, p. 190)
defende, fascinado pela possvel correlao dos gneros textuais com a fala e escrita: Parece
que o contnuo verificado entre fala e a escrita tambm tem seu correlato no contnuo dos
gneros textuais, enquanto forma de representao de aes sociais.
Visando situar a relao fala e escrita com os gneros textuais, o mesmo autor (2008,
p. 191) sugere uma observao antidicotmica, a partir dos seguintes pontos: 1) so histricos
e tm origem em prticas sociais; 2) so sociocomunicativos e revelam prticas; 3)
estabilizam determinadas rotinas de realizao; 4) tendem a ter uma forma caracterstica; 5)
nem tudo neles pode ser definido sob o aspecto formal; 6) sua funcionalidade lhe d
maleabilidade e definio; 7) so eventos com contrapartes tanto orais como escritas.
Na inteno de confirmar a hiptese, o autor faz uso da relao que se constitui entre
os gneros textuais, enquanto instrumentos de comunicao socialmente utilizados e enquanto
modelo de comunicao global, que se representa no conhecimento e na cultura localizada.
Alguns gneros so a realidade local de sociedades tidas como orais e, outros, a realidade,
tambm local, de sociedades tidas como tecnologicamente escritas, exemplificados pelo canto
das benzedeiras e do editorial, respectivamente.
Ainda do ponto de vista hipottico, Marcushi (2010, p. 37), defende que as
diferenas entre fala e escrita se do dentro do continuum tipolgico das prticas sociais de
produo textual e no na relao dicotmica de dois polos opostos. O que caracterizado
pela representao de gneros que se entrecruzam em eventos situacionais, com o
imbricamento dos dois domnios lingusticos (fala e escrita) de comunicao. Este
entrecruzamento pode ser identificado nos chamados gneros de natureza mista, como o
31
caso da realizao de um noticirio de televiso que, segundo o autor, trata-se de textos
escritos, recebidos pelo telespectador na forma oralizada (Gnero Textual Escrito de natureza
Oral) ou as entrevistas de pginas amarelas da Revista Veja, que so produzidos na oralidade
e chegam ao leitor na forma escrita (Gnero Textual Oral de natureza Escrita).
Em suma, vemos que o ponto focalizador do contnuo dos gneros textuais pontuar a
relao que se estabelece entre oralidade e escrita, como integrantes de um mesmo sistema da
lngua que, diante da modalidade (fala e escrita) de uso, tanto se distinguem, como se
correlacionam, em decorrncia da realidade comunicativa, que atua como caracterizador da
estrutura textual, frente s diferenas e semelhanas que se fundem no continuum dos
gneros textuais para evitar as dicotomias estritas. (MARCUSHI, 2010, p.42, grifo do autor).
1.4.1 O uso das sequncias didticas na abordagem de gneros textuais
Os estudiosos Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004 apud ROJO; CORDEIRO, 2004, p.
81), credenciam terem contribudo para responder um questionamento, por eles mesmos
apresentado: Como ensinar a expresso oral e escrita? Quando sugerem a proposta do uso
procedimental das sequncias didticas a serem realizadas com base em gneros textuais
diversificados, mais especificamente, os gneros orais, e que requerem um conhecimento
mais sistematizado na elaborao.
Credenciar a aplicao de sequncias didticas, enquanto prtica metodolgica, como
uma possibilidade de fornecer elementos para o ensino de gneros orais e escritos na sala de
aula, possibilita dimensionar a sua importncia, enquanto um conjunto de atividades
escolares organizadas, de maneira sistemtica, em torno de um gnero textual oral ou escrito
(DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004 apud ROJO; CORDEIRO, 2004, p. 82). Trata-
se de um procedimento capaz de possibilitar ao professor, a oportunidade de desenvolver com
os alunos novas prticas de linguagem, a partir de um planejamento sistemtico e de uma
prtica modularizada, princpio geral do uso das sequncias didticas, evitando
[...]uma abordagem impressionista de visitao. Ao contrrio, este se inscreve numa perspectiva construtivista, interacionista e social que supe a realizao de atividades intencionais, estruturadas e intensivas que devem adaptar-se s necessidades particulares dos diferentes grupos de aprendizes. (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004 apud ROJO; CORDEIRO, 2004, p. 93).
Esses autores (1998, apud MARCUSHI, 2008, p. 212), denominam gneros textuais
de megainstrumentos, na inteno de
32
dizer que se trata de um conjunto articulado de instrumentos, um pouco como uma fbrica. Mas, fundamentalmente se trata de um instrumento que permite realizar numa situao particular. E aprender a falar apropriar-se de instrumentos para falar em situaes de linguagem diversas, isto , apropriar-se de gneros.
Marcuschi (2008, p. 211), refora que, ao denominar os gneros textuais de
megainstrumentos, Schneuwly (1994) o fez mediante a noo heurstica que ele atribui sua
aplicabilidade no ensino. Em outras palavras, ele diz compreender que o autor faz relao ao
gnero, como uma forma de validar a presena constante dos gneros em aes concretas de
comunicao, mais especificamente, os orais. E, sendo o texto um evento que se situa em um
determinado contexto de produo, oral ou escrito, pertinente pontuar a atual situao e
identificar quais atividades possibilitariam uma efetiva situao de comunicabilidade.
Esse mesmo autor, observa que o maior interesse dos idealizadores do ensino com
sequncias didticas no trabalho com gneros, est na utilidade do trabalho com a oralidade,
mais precisamente, o trabalho com os gneros formais pblicos (sermo, debates televisivos,
conferncias), que so provenientes de apresentaes pblicas, ritualizadas, com modelos
definidos, associados ao trabalho com outros gneros da mesma natureza, por meio das
sequncias didticas. Por meio de hipteses, eles acreditam que, como os alunos j dominam
os gneros informais do dia a dia, se faz desnecessrio um trabalho mais especializado com
esses tipos de gneros.
O modelo de abordagem metodolgica com as sequncias tem respaldo no proposto
pelos PCN de Lngua Portuguesa, quanto ao trabalho com projetos ou com sequncia didtica,
numa perspectiva de possibilitar a retomada dos contedos, nos quais, foi detectado
insuficincia na aprendizagem pelos educandos, conforme citao a seguir:
Mdulos didticos so sequncias de atividades e exerccios, organizados de maneira gradual para permitir que os alunos possam, progressivamente, apropriar-se das caractersticas discursivas e lingusticas dos gneros estudados, ao produzir seus prprios textos. (PCN, 2001, p. 88).
Considerando a estrutura modular que caracterizam as sequncias didticas e
permitem definir tanto as caractersticas dos gneros textuais como o carter espiralado que
circunda a aprendizagem, podemos dizer que as sequncias se diferenciam do plano de aula,
por no apresentarem uma forma estanque, mas situaes que avanam ou recuam, na
inteno de corresponder ao ritmo e as necessidades de aprendizagem dos educandos, de
33
acordo com as especificidades de cada grupo. Assim, chegamos ao entendimento do seu perfil
personalizado e intransfervel.
Marcuschi (2008, p. 215) refora a unicidade dos mdulos e a capacidade de
construo do domnio dos gneros textuais, quando diz que a construo dos mdulos deve
ser de tal modo que d conta dos problemas [...]. Eles no so fixos, mas seguem uma
sequncia que vai do mais complexo ao mais simples para, no final, voltar ao complexo que
a produo textual.
na proposta elaborada por Dolz e Schneuwly (2004) que observamos a necessidade
de um tempo mais extenso, para a aplicabilidade, bem como, para a apresentao de uma
composio estrutural a partir de trs etapas. A primeira etapa direcionada a socializao da
proposta comunicativa que o professor planejou desenvolver. Em decorrncia dela, ocorre a
familiarizao dos alunos com o gnero que ser estudado e a oportunidade de uma
preparao para a produo inicial, estruturada em torno da ativao dos conhecimentos
prvios e da pr-leitura.
Na etapa seguinte, os alunos so orientados para realizar uma produo inicial (oral ou
escrita), evidenciando o conhecimento que detm sobre determinado gnero. a partir dessa
produo, que o professor ir definir o que e como ir trabalhar para promover as capacidades
de linguagem referentes ao gnero que ser trabalhado, dentro de uma abordagem
diversificada, ampla e sistematizada de atividades e exerccios, que possam resultar em uma
aprendizagem scio discursiva do gnero.
A terceira e ltima etapa, consiste na produo final, em que ocorre a decomposio
do gnero e a consequente transformao, deste em objeto de estudo. Em seguida a produo
ser reagrupada, enquanto gnero e suas caractersticas, na inteno de possibilitar a anlise
do processo de aprendizagem, numa perspectiva de avaliar com os alunos os avanos
alcanados.
Com base no breve exposto, podemos observar que, o elemento focalizador das
sequncias didticas est em buscar garantir uma melhoria nas prticas de produo de
gneros textuais orais e escritos, no entanto, no podemos atribuir somente a elas que a
proposta se efetive, haja vista a necessidade de uma estruturao qualitativa, uma
aplicabilidade eficiente e uma cumplicidade consciente por parte de todos os envolvidos.
Sendo pertinente registrar que a sequncia didtica que estruturamos, est baseada na
proposta elaborada por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), pelo entendimento de v-la como
34
um correspondente subsdio para a proposta de uma sequncia didtica elaborada para o
gnero relatos de experincias.
35
2 METODOLOGIA
2.1 Breve estudo terico
Para a realizao deste estudo, apresentamos como fundamentao metodolgica, uma
abordagem de cunho qualitativo com caractersticas etnogrficas. Qualitativa, por permitir
descrever a complexidade de uma determinada hiptese, analisar a interao entre as
variveis e ainda, interpretar os dados, fatos e teorias. (RODRIGUES, 2006, p.152),
enfatizando o processo de construo e no se focalizando nas respostas.
Para que uma pesquisa se configure como qualitativa, Bogdan e Biklen (1994 apud
Barros, 2011, p. 38) afirmam que deve apresentar algumas caractersticas tidas como bsicas
do tipo: ser realizada em ambiente natural aos dados e ter como principal instrumento o
pesquisador; detalhamento dos dados descritivos; preocupao com o processo; possibilidade
de captao das perspectivas dos participantes e aplicao do processo indutivo na anlise dos
dados. Decorrendo, portanto, a possibilidade de identificar essas caractersticas na realizao
desse estudo.
Para respaldar, afirmamos que o registro da nossa pesquisa acontece em uma sala de
aula da EJA, tendo como pesquisador o prprio professor da turma que, aplicando as prticas
do letramento com o uso de sequncias didticas, atua como mediador da construo de
capacidade em produo oral e escrita, pelos alunos, tomando-se como varivel a interface
entre o oral e o escrito, a partir da abordagem do gnero textual relatos de experincias
vividas.
Visando, ainda, atender ao proposto, podemos classific-la como de predominncia
descritiva, tendo o processo de induo como anlise. Por ser de natureza etnogrfica, ir se
pautar na observao de aes humanas, realizada pelo pesquisador que pde participar e
conversar com os pesquisados, realizando paralelamente as possveis interpretaes.
Para Rodrigues (2006, p. 92), a observao consiste em uma tcnica de coleta de
dados a partir da observao e do registro, de forma direta, do fenmeno ou fato a ser
estudado, levando-nos a identificar a aplicabilidade dessa tcnica na nossa pesquisa. Dessa
forma, o professor-pesquisador, na condio de observador/ participante, registrar em fichas
de anotaes, a realizao dos eventos e das prticas do letramento2.
2 importante salientar que apenas o processo ser registrado e que a identidade dos sujeitos ser preservada durante todas as etapas dessa pesquisa.
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As observaes sero definidas no entorno das possibilidades atitudinais e
procedimentais, desenvolvidas ou no, a partir do estudo proposto, focalizando a produo
oral e escrita, tais como: envolvimento, autonomia, reflexo, cooperativismo,
questionamentos, inferncias, argumentatividade etc. A observao se dar ainda, a partir da
gravao, em verso oral, dos relatos de experincias dos educandos, a serem transcritos na
verso original e confrontados com a respectiva verso escrita dos relatos.
Pretendemos, assim, detectar quais so as marcas de oralidade que aparecem na escrita
ou vice versa e as diferentes formas de falar ou de escrever, bem como, a autonomia e a
capacidade qualitativa de produo textual em cada modalidade. Para alcanar o que estamos
propondo, tomaremos como pontos norteadores da pesquisa: confirmar a interface do oral no
escrito e verificar a efetivao da construo composicional do gnero relatos de experincias
vividas.
2.2 Caracterizao da populao do estudo
Cabe-nos ressaltar que os sujeitos desta pesquisa sero os educandos da turma do
Ciclo IV B (7 e 8 srie/EJA ou 8 e 9 anos do Ensino Fundamental), composta por 07 (sete)
adultos, de uma escola municipal de ensino fundamental, situada no municpio de Joo
Pessoa, na Paraba. Desse total de alunos, 05 (cinco) so do sexo feminino e (02) dois so do
sexo masculino, com faixa etria variando entre 35 (trinta e cinco) e 60 (sessenta) anos de
idade. Todos deixaram de frequentar a escola na idade apropriada por questo de trabalho,
sendo o mesmo motivo que os fez retomar os estudos, j que apenas uma aluna aposentada,
enquanto os demais (seis alunos), precisam conciliar trabalho e estudo.
A inteno de situar e de justificar a escolha da turma, recai no discurso diretivo da
maioria dos educandos, quanto s dificuldades que possuem no que se refere produo de
textos, bem como, na avaliao dos textos que produzem. Neles possvel observar a
ausncia de elementos que caracterizam a atribuio de sentidos e de competncia produtiva,
em se tratando do sistema da escrita. Em contrapartida, enquanto professora da turma,
podemos observar essas competncias no discurso oral proferido na sala de aula, como
tambm no campo profissional, j que desempenham funo de comercirio, vendedor
ambulante, professora de reforo, professora de msica, administrador de igreja evanglica,
dentre outros, que supem a competncia da oralidade no uso da lngua.
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2.3 Caracterizao da escola
A escola localiza-se em um bairro perifrico de Joo Pessoa e faz parte da rede
municipal de ensino. Oferece o ensino fundamental regular com turmas de 5 ao 9 ano, com o
Programa Federal Escola em Tempo Integral e no perodo noturno funciona na modalidade
da EJA, com turmas dos ciclos I e II (1 a 4 srie) e ciclos III e IV (6 a 8 srie). Atende,
tambm, aos alunos do programa Projovem Urbano.
A equipe escolar composta de 03 diretores e 01 administrador escolar eleitos pelo
voto direto da comunidade escolar e o quadro funcional consta, com 82 funcionrios, assim
especificados: 31 professores; 02 supervisores; 01 assistente social; 12 professores tutores; 31
funcionrios de apoio e 05 intrpretes.
A caracterizao da clientela atendida pela escola pode ser classificada como de classe
menos favorecida auxiliares de servios; domsticas; ambulantes; pedreiros; dentre outros.
Por isso, com base na vivncia profissional no contexto da pesquisa, na participao e na
anlise ao documento Projeto Poltico Pedaggico (PPP), foi possvel compreender que a
escola desenvolve um trabalho voltado para a incluso social dos alunos com deficincias e
que busca garantir sua clientela o acesso ao conhecimento sistematizado, e a partir dele, a
promoo de novos conhecimentos. Ao reconhecer a sua funo social, a escola preocupa-se
de maneira consciente e participativa, com a formao cidad dos sujeitos na sociedade em
que esto inseridos.
2.4 Procedimentos para coleta e anlise dos dados
A anlise dos dados ter aporte nos referenciais tericos que constituem o contexto
terico desse trabalho. E, em se tratando de uma pesquisa de natureza qualitativa etnogrfica,
realizaremos a anlise do material coletado dentro de um paradigma interpretativo das
relaes entre as variveis, percebidas no processo de aplicao, observao e registro. O que
podemos dividir da seguinte forma:
Anlise das produes iniciais (orais e escritas);
Anlise do processo de abordagem das prticas do letramento, por meio da sequncia
didtica;
Anlise das produes escritas, posterior s vivncias com as prticas do letramento.
Nesse sentido, procederemos de forma a buscar compreender o processo do
conhecimento adquirido, bem como, dos fatores que favoreceram uma correlao entre as
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prticas do letramento e a forma como elas se configuram no processo de desenvolvimento do
saber sistematizado e competente da lngua.
Conscientes de que toda pesquisa se instaura nos pressupostos tericos, enquanto base
de fundamento, a nossa correlao terica se dar a partir do que pressupe Soares (2002,
2009