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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 · 2013. 6. 14. · Letramento em três gêneros. Ed. Autêntica. Belo Horizonte ... alcançou unanimidade entre os estudiosos do tema e se dividiu

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

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LETRAMENTO: Fronteiras e culturas de leitura. Literatura: para quê não te

quero.

Autora: Lúcia M. Galeti1

Orientadora: Elsi do Rocio Cardoso Alano2 Resumo:

As reflexões presentes neste artigo são fruto dos resultados alcançados

quando da implementação do referido projeto de intervenção pedagógica ocorrida no

segundo semestre do ano de 2010, com turmas de alunos e alunas do terceiro ano

do curso de Formação de Docentes do Instituto de Educação do Paraná Professor

Erasmo Pilotto, na cidade de Curitiba – Pr.

Palavras-chave:

Letramento; Literatura; Leitura; Educação.

1Introdução

Nosso intuito ao desenvolvermos um projeto que discute a literatura como

prática social na formação de professores que atuarão na educação infantil é trazer

à reflexão a questão, já posta, do como vivenciar a literatura enquanto fruição

estética nos espaços tutelados das escolas. Contudo, entendemos que antes de

discutirmos especificamente os resultados de nosso processo, faz-se oportuna uma

1 Pós-graduação: Mestrado em Literatura Brasileira. Graduação em Letras. Professora Padrão do Estado

do Paraná desde 1996. 2 Professora mestre em Educação com atuação na Universidade Federal do Paraná – Campus Matinhos.

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visada histórica a respeito da literatura e a estreita vinculação dela com a instituição

escolar.

Estudos mostram que têm cabido à escola muitos papeis. No que concerne à

questão da literatura infantil, um olhar diacrônico nos permite descobrir que, muito

antes de ela assumir a função de formadora de leitores (que convenhamos, papel

que não tem desempenhado) e difusora da leitura e da experiência estética literária,

a literatura brasileira e, por conseguinte, a dita literatura infantil, aparecem muito

antes até de Monteiro Lobato( considerado o precursor da literatura escrita para

crianças), como literatura adulta que pelo seu teor despertou o interesse do público

mirim.

Um dos objetivos do projeto foi propiciar uma absorção mais significativa dos

possíveis sentidos que o aluno (sujeito) possa depreender do texto estético literário,

bem como discutir, de forma paralela e concomitante, a questão polêmica, porém já

canonizada nos ambientes escolares, da chamada pedagogização da literatura.

Entendemos que se vista e tratada desta forma a literatura assume um caráter

utilitarista que, no nosso entender, deve ser repensado e ter sua instrumentalização

melhor discutida no trabalho com alunos e professores que atuarão diretamente com

a educação infantil..

Apoiados na Estética da Recepção e nas Teorias do Efeito3 no que se

refere ao trato teórico com a literatura, adotamos o viés sociológico como parâmetro

para propor atividades e práticas que foram implementadas ao longo do

desenvolvimento do projeto. A partir disso, pensamos uma possível abordagem

para o trabalho com o texto literário em sua dimensão estética no que se refere ao

trabalho com a formação de profissionais de nível médio que atuarão com crianças

da Educação Infantil.

Para tentarmos responder à pergunta para quê queremos trabalhar com a

literatura na formação docente, optamos por subverter a ordem e tentar fazer uma

reflexão cujos encaminhamentos nos mostrassem o quê não quereremos com o

trabalho com a literatura na interação com os alunos e alunas deste curso e,

3 JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. Editora

Ática. São Paulo, 1994. (Tradução de Sérgio Telarolli). ISER, Wolfgang. “La ficcionalización: dimensión antropológica de las ficciones literarias”. En: VARIOS. Teorías de la ficción literaria. Madrid. Arco Libros, 1997 (capítulos traduzidos).

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consequentemente, com as crianças da Educação Infantil, futuro campo de atuação

de tais profissionais.

No intento de aproveitar esta indagação em toda sua plenitude, optamos por

definir e esclarecer os termos de algumas questões.

O que a teorias linguísticas definem como letramento (?) e estendendo à

literatura: o que poderíamos entender por Letramento literário?

Empreendemos então este percurso com o fim de responder para quê não

queremos e/ou, com esse projeto, o quê não queríamos fazer com a literatura.

Eis os termos da questão. Ou seriam as questões do termo?

1.1 Letramento literário: qual a sua origem?

“A denominação letramento é uma versão, em português, da palavra inglesa

“literacy”. Palavra essa que quer dizer pessoa educada, especialmente capaz de

ler e escrever (educated; especially able to read and write)” (Soares.2003, p.17).

Assim, na concepção acima delineada, entendemos que a referida autora

parte do pressuposto de que existe um “elo”, uma “conexão”, entre alfabetização e

letramento. Ainda mais adiante a autora concebe a alfabetização (aquisição do

código da leitura e da escrita pelo sujeito) como pré-requisito para o letramento

(apropriação e uso social da leitura e da escrita pelo sujeito).

Subjacente a essa concepção de letramento está a ideia de que a escrita

pode trazer consequências de ordem social, cultural, política, econômica e

linguística, “quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo

que aprende a usá-la” (SOARES. 2004, p.17). 4

Sob este viés de letramento e retomando o referencial teórico que consta na

parte de intervenção pedagógica de nosso projeto intitulado A literatura como

prática social na formação docente de nível médio, constatamos a importância

da recepção na construção de sentido da vivência da linguagem literária, cujos

pressupostos teóricos, segundo Estética da Recepção, são balizados pelo papel

4 SOARES, MAGDA. Letramento em três gêneros. Ed. Autêntica. Belo Horizonte 2003.

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do leitor/receptor na construção de sentido para o texto e, mais do que isto,

segundo Jauss:

Resgata a função social da literatura que se manifesta em sua plenitude e possibilidades quando a experiência literária do leitor adentra o horizonte de expectativa de sua vida prática, pré-formando seu entendimento do mundo e, assim, retroagindo sobre seu comportamento social. (JAUSS,1993.p. 50).

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Dessa forma é de vital importância que pensemos na formação de um futuro

professor como um leitor cujos vínculos com sua realidade social e consciência de

sua presença nesta realidade sejam fortes para que também seu trabalho na

Educação Infantil apresente reflexos que colocarão as atividades com a linguagem

literária num contexto mais amplo de práticas sociais.

1.2 Algumas considerações teóricas sobre letramento.

Para os estudiosos desta questão, o conceito de letramento está relacionado

ao início da valorização da escrita ocorrida a partir do século XVI, contudo ele não

alcançou unanimidade entre os estudiosos do tema e se dividiu em duas vertentes a

partir da década de 1980: o chamado modelo autônomo e o modelo ideológico,

segundo Silva. (2002)

No modelo autônomo, a aquisição do letramento levaria à aquisição da lógica,

de raciocínio crítico e de perspectivas científicas, tanto no nível social como no

pessoal. O modelo ideológico tem como base o conceito de que a leitura e a escrita

são práticas sociais entendidas não como um fim em si mesmas, mas como

atividades que servem a um propósito.

Autônomo ou ideológico, parece-nos que o mais importante é que, a partir

desta duas vertentes sobre a questão do letramento, o eixo de discussão sobre os

métodos de ensino para a aprendizagem da criança se apresenta numa perspectiva

Construtivista cuja ênfase recai no sujeito cognoscente (a criança) e no processo por

ela desenvolvido. Por esta razão, o entendimento do que seja letramento foi e é

importante em nossos estudos e reflexões para situarmos o lugar da vivência

literária na Educação Infantil como forma privilegiada para o desenvolvimento da

linguagem e da escrita da criança.

5 JAUSS, HANS ROBERT. A história da Literatura como Provocação Literária. Trad. de

Teresa Cruz, Vega, Lisboa, 1993). p.50

[L 1] Comentário: REFLEXÕES ACERCA DO LETRAMENTO: ORIGEM, CONTEXTO HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS. Neste artigo o autor Élson M. Silva, mestre em educação pela UnB, faz reflexões sobre o conceito de letramento e cruza estudos de vários autores sobre as implicações da questão do letramento (inclusive o literário) para a aprendizagem da criança. Artigo disponível no site: http://www.docstoc.com/docs acessado no dia 18/04/2010.

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1.3 Letramento literário: para quê não te quero?

De acordo com o que expusemos acima e em consonância com o projeto de

intervenção pedagógica cujo eixo principal é A Literatura como prática social na

formação de professores para Educação Infantil, e tendo em vista que um dos

objetivos foi e é discutir o papel e a função social da literatura na formação de alunos

de nível médio que atuarão com crianças de pré-escola, passamos então a

apresentar, neste artigo, alguns resultados que obtivemos quando da

implementação deste projeto de intervenção na escola.

Preocupados em desenvolver a oralidade e a vivência da linguagem artística

(estética) com o fim de propiciar à criança o contato lúdico e prazeroso com o

universo de textos literários, propusemos atividades cujas ações de linguagem

privilegiassem a busca da construção e legitimação de um espaço em que as

crianças pudessem atuar com autonomia e não serem capturadas para serem

“integradas” em um mundo pronto e acabado, características estas essencialmente

do universo adulto.

Concebendo a infância não como um apêndice do mundo adulto, nossa

pergunta foi: como localizar e legitimar o lugar da criança nesse espaço em que tudo

já está escrito, pronto e pedagogicamente acabado?

Então, se entendemos que alfabetização e letramento são duas terminologias

que não se equivalem, mas que se complementam, e tendo compreendido que

letramento requer condições de mobilização das ferramentas que temos para

produzir nossas experiências e conhecimentos e, com os feedbacks que recebemos

quando do desenvolvimento/implementação do projeto na escola, ousamos então

apontar o quê não queremos com aquilo que nominamos de Letramento literário

na Educação Infantil.

Rubem Alves nos diz que:

“O estudo da gramática não faz poetas. O estudo da harmonia não faz

compositores. O estudo da psicologia não faz pessoas equilibradas. O estudo das "ciências da educação" não faz educadores. Educadores não podem ser produzidos. Educadores nascem".(ALVES. 2010, p.1)

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6 ALVES, RUBEM. Conversa com Educadores. In__ A Casa de Rubem Alves. Site: http://www.rubemalves.com.br , acessado em 02/05/2010.

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João Carlos Martins comentando a teoria de Vygotsky argumenta que:

A psicologia sócio-histórica, que tem como base a teoria de Vygotsky, concebe o desenvolvimento humano a partir das relações sociais que a pessoa estabelece no decorrer da vida. Nesse referencial, o processo de ensino-aprendizagem também se constitui dentro de interações que vão se dando nos diversos contextos sociais. A sala de aula deve ser considerada um lugar privilegiado de sistematização do conhecimento e o professor um articulador na construção do saber. (MARTINS, 2010. p.5).

7

Assim sendo, e tendo como base tais pressupostos teóricos, o presente artigo

faz algumas considerações sobre o trabalho do professor junto a seus alunos numa

perspectiva de sócio-interacionista, sempre apoiado nos resultados obtidos quando

a implementação do projeto, cujo material didático foi produzido especialmente para

a efetivação projeto: Letramento literário para educação infantil.

Nosso objetivo neste artigo não é discutir tais teorias, antes, apresentar as

reflexões de um trabalho que resultou de uma práxis que se fez com e para os

alunos e que, ao longo do processo, por sua vez, fez-se do próprio movimento de

constituir-se a partir de si e para si mesmo. É por esta razão que, embora tenhamos

nos pautado por algumas teorias para conceber este trabalho, optamos por

apresentar nossas razões para a premissa: o que não queremos com a literatura,

subvertendo a lógica de sempre dizermos o que queremos e o que temos por

intenção. Entendemos que para falarmos do que queremos com a literatura é

necessário, antes, falarmos do que não queremos com ela.

Desta forma, discutimos abaixo quais não foram e quais são nossas

intenções com o trabalho literário ao propormos este projeto, e como respondemos

“ao encontrado” a partir do não proposto.

Trabalhamos com o aluno da formação de docentes sob a forma de oficinas.

Propusemos quatro módulos de intervenção a saber:

A) Contação de história e performances; B) Prosa: conversas e controvérsias:

depoimentos/memorial da constituição de histórias de leituras de convidados

especiais: professores de diferentes áreas, alunos e pessoas comuns das

comunidades. Interação das vivências; C) Trabalho com teorias de apoio ao pensar

7 MARTINS, JOÃO CARLOS. In__Vygostski e o papel das interações na sala de aula:

reconhecer e desvendar o mundo. Site: http://www.crmariocovas.sp.gov.br. Acessado em 02/05/2010.

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da literatura para a educação infantil; D) Atividades e ações de linguagem:

Letramento (literário) = ou # de alfabetização?! Ou será isto + aquilo?!

O mais interessante e significativo desta experiência foi que, apesar de

termos programado e planejado o encaminhamento pedagógico e didático para tais

encontros, tínhamos como proposta que nossas intenções fossem diferentes dos

resultados alcançados pois a predisposição era o „enfrentamento‟ com o

inesperado; com o inusitado, uma vez que o convite era para a interação e para o

trabalho com aquilo que não estava lá, justamente para confrontar as fronteiras e a

cultura vigentes com relação à aquisição e a práxis da leitura de textos estéticos

literários voltados à pré-escola.

Queríamos o trabalho com a falta. Com o elemento surpresa para que todos

os sentidos (que estão em cada um de nós) fossem suscitados na construção

particular, singular de cada um na vivência do momento de sua própria feitura

provocando e provando cada qual o seu próprio constituir-se e desfazer-se

contínuos na experimentação do próprio processo.

Jorge Larossa em sua obra Pedagogia Profana nos apresenta algumas

considerações sobre a educação, os educadores e suas práxis em relação à

produção de conhecimento diz:

Como educadores, movemo-nos constantemente nesta tensão entre a produção e a imposição de uma verdade única e o surgimento de múltiplas verdades. Nas escolas, às vezes, oferecemos como realidade as interpretações dominantes. Nós mesmos falamos em nome da verdade ou nome da realidade e de enunciados que ser tornam imperativos. (LAROSSA. 2004. p. 163).

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Pensando nas palavras do referido teórico, não buscamos com a literatura

algo anterior a ela mesma, e também não temos a crença de que a literatura não

serve para nada. Antes, entendemos que os efeitos pedagógicos estão na forma

como lemos/vivenciamos o texto literário que, em princípio, por ele mesmo, não

contém tal premissa. Então a questão posta é (ou era): Como dizer o que não

queremos com a literatura na formação do sujeito e do sujeito profissional que

8 LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana. Danças, Piruetas e Mascaradas. (Tradução:

Alfredo Veiga- Neto). Belo Horizonte. Ed. Autêntica, 2004.

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atuará na Educação Infantil, partindo da negativa para abrir a discussão do que

possivelmente possamos encontrar no trato com ela?

Um possível encaminhamento para a satisfação, pelo menos parcial deste

questionamento, encontramos quando aplicamos as atividades dos módulos aos

quais nos referimos anteriormente. Por esta razão passamos a uma narração

descritiva e analítica dos resultados que não alcançamos ou alcançamos com estas

atividades?

Primeiro módulo: Histórico e análise. Contação de história e performances:

Um grupo de alunos de uma escola pública da cidade de Balsa Nova preparou uma

série de histórias cujas temáticas foram voltadas para a criança de 0 a 06 anos. O

que pudemos observar nos alunos e alunas do curso formação de docentes

envolvidos no processo é que estiveram muito atentas às criações verbais e trejeitos

físicos da vivência deste tipo de texto. Também os elementos de adaptação dos

textos (alguns clássicos) que foram utilizados chamaram a atenção, pois ali estava

implícita uma prática comum ao trabalho pedagógico com texto que é considerar o

público a quem se destina tal comunicação. Fato é que a palavra representada

ganha força de vida e atrai mais do que a palavra simplesmente lida.

Pudemos constatar que a atenção da plateia foi de encantamento diante da

representação do grupo. A estética da sensibilidade nos permite pensar que esse

primeiro momento funcionou como um primeiro convencimento para que estes

alunos quisessem comparecer para os encontros seguintes. No que tange à

participação efetiva deles, neste primeiro encontro, foram convidados a, em grupos

pequenos, a partir de um texto específico previamente distribuído, produzir um

„como‟ fazer a vivência daquele texto em uma situação empírica de ação com os

pequenos.

O que se verificou, e que relatamos aqui como algo que não queremos com a

literatura é que, todos os grupos, oito no total, cada qual com seu texto específico,

encontraram uma maneira de pedagogizar o texto sob pretexto de ensinar algo para

as crianças. Isso nos autorizou a dizer que a questão da formação é determinante

de nossas posturas cartesianas e, em certo sentido, endurecidas no trato não

somente com o texto literário senão também com o aprender e ensinar.

Na ocasião, diante de tal resultado, discutimos os possíveis porquês de tal

postura e penso que as reflexões são importantes relatar. Muitos grupos se

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posicionaram argumentando que na educação infantil, embora deva predominar o

lúdico, não podemos esquecer que o professor deve (sic) ensinar algo para as

crianças antes que elas cheguem à fase de escolarização da educação básica.

Confesso que isto não nos surpreendeu posto que somos produtos de uma fazer, de

uma cultura que privilegia a repetição da teoria produzida por um fenômeno já

experimentado, do que propriamente a busca pelo problema, ou fato que possa

gerar o fenômeno. Isso deu margem para que pensássemos como concebemos e

trabalhamos com o conhecimento e as teorias que advém dos fenômenos

produzidos por ele.

Tradicionalmente a escola se tornou espaço privilegiado para repetição de

teorias de fenômenos já ocorridos e experimentados por outro. O que ensinamos? O

que outros experimentaram? A proposta é que experimentemos o já experimentado?

Seria isso produção de conhecimento com sentido para os sujeitos envolvidos nesse

processo?

Não temos respostas para estas indagações, mas temos as perguntas e junto

com elas passamos a pensar o segundo encontro da implementação do nosso

projeto.

A proposta para o segundo encontro/módulo foi uma roda de conversas

entre os alunos e alunas envolvidos e convidados especiais que vieram dar um

depoimento sobre o processo de aquisição do gosto pela leitura, bem como dizer de

como tal prática influenciou sua vida. Este módulo batizamos de: Leitura (literária):

conversas e controvérsias nos depoimentos e na interação com o público .

O que pretendemos com esse trabalho foi, justamente, agir a partir do vivo, do

inusitado, do “sem receita”, por isso convidamos pessoas de vários ramos de

atividades, inclusive alunos do setor de altas habilidades e superdotação do IEP

(Instituto de Educação) que vieram conversar sobre suas experiências com o mundo

das letras.

O resultado foi gratificante posto que, cada qual com suas peculiaridades,

deu o exemplo pulsante de como a experiência só é significativa porque singular,

intransferível e não copiável. Cada qual „deve penetrar surdamente no reino das

palavras...‟ e trazer a sua própria chave como nos ensina Carlos Drummond de

Andrade quando tratamos de literatura.

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Os depoimentos surtiram efeito não pelo que significaram, mas pela falta para

o qual apontaram. Para a necessidade de forjar a própria chave. Compor o próprio

caminho. O estado de carência. A não-resposta. Estas foram as duas claves que

pautaram o início de uma melodia cujo intérprete principal foi cada participante do

módulo.

Esta situação que descrevemos, fez-nos recordar uma fala de Jorge Larrosa

que postula o seguinte sobre a palavra do professor na sala de aula: “Talvez

tenhamos que pronunciar na sala de aula uma palavra insegura; __ balbuciante que

não se solidifique na verdade” (LARROSA, 2004 p.165).9

Pensando nesta premissa, após termos vivenciado o II módulo, passamos à

reflexão sobre os espaços tutelados das nossas escolas, bem como passamos a

pensar sobre a questão dos espaços da infância que se nos se apresentam sempre

respaldados e justificados por uma cultura que pensa a infância como espaço que

deve ser capturado por nossos saberes e não o espaço do enigmático, do novo, do

pleno, do latente, do desvio, da dobra, da possibilidade. Infelizmente não pensamos

a infância como um outro; senão como a nós mesmos.

Estas reflexões muito nos inquietaram e passamos a pensar o terceiro

encontro como uma possibilidade nova dentro do mesmo. Como abandonar a ideia

de que a infância é um apêndice do mundo adulto? Eis a pergunta que a partir

daquela tarde alimentou nossa busca..

Então pensávamos: Literatura: para quê não te queremos?

Pois bem, dada a nossa experiência nesse processo, ousamos argumentar

que não queremos uma literatura que reforce o que já fomos; que submeta a criança

à lógica (refinada?) de nossas práticas e a impeça da possibilidade do

questionamento. Não queremos uma literatura que explique a infância e que nos

conduza a explicar todos os nossos saberes e que, por isso mesmo, legitime nossa

vontade de saber e de poder, negando à criança sua própria alteridade.

Estas foram algumas possíveis respostas para o quê não queremos com a

vivência da literatura na formação do professor/leitor e o „ensino de literatura‟.

9 LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana. Danças, Piruetas e Mascaradas. (Tradução:

Alfredo Veiga- Neto). Belo Horizonte. Ed. Autêntica, 2004. p. 165.

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Diante de todas estas indagações, dúvidas e, considerando a atitude

responsiva dos alunos diante do que até então tinham experienciado, firmamos

propósito de trabalhar o terceiro encontro/módulo propondo um estudo

sistêmico/teórico sobre o tema: A formação do leitor e o ensino de literatura.

Dado o enfoque que vimos dando ao nosso trabalho, cuja tônica recai na

visão nada ortodoxa com o trato e a vivência do texto literário, soa talvez até um

tanto contraditório propormos um módulo pautado por um estudo teórico sobre a

questão. Porém, depois de tê-lo implementado, percebemos o quanto é necessário

conhecer o que já está posto para que possamos então nos decidir pela recusa ou

por algo diferente e/ou que se contraponha ao já instituído.

Ao longo de toda uma trajetória de estudos, percebemos que a pergunta

recorrente no meio dos estudiosos e entendidos no assunto é: para quê literatura?

Subvertemos esta indagação posto que ela nos soa despropositada dado o enfoque

que assumimos ao abordar a questão da literatura, e propusemos uma outra

indagação com um outro encaminhamento de resposta que nos parece mais

pertinente e instigante diante da problemática da leitura. Ei-la: Literatura: para quê

não te queremos?

Concebemos a literatura (leitura e vivência de textos literários) em seu viés

social, não como prática social de um fazer e/ou conhecimento pronto, acabado e

que deva ser atingido ao final do processo; antes a prática social à qual nos

referimos é proposta a partir das relações que o estudante consegue fazer frente às

possibilidades oferecidas por textos literários, uma vez que entendemos que a

literatura contribui significativamente na constituição do homem como ser social.

Sobre esta questão, Cláudia Mello tece os seguintes comentários:

“ (...) temos que fazer reflexões sobre o estatuto da literatura no âmbito da capacidade do homem de representação de mundo e de sua inserção na história (....) por isso considerações de cunho político-pedagógico acerca da responsabilidade da educação formal constituição do homem como sujeito histórico, a fim de contribuir com a criação de possibilidades de trabalho para a promoção da leitura literária, considerada um direito de todos.”(MELLO. 2011.p.9).

10

10 Mello, Cláudia: Literatura entre as artes na escola. Leitor como sujeito histórico. Leitura,

Literatura Infantil e Ilustração. Porto Alegre. Encontros li.files.wordpress.com/2010/07/acesso 29/03/2011.

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Por esta razão reiteramos que dado o nosso enfoque de trabalho com o texto

estético não atribuímos a ele um caráter utilitarista cujos fins pedagógicos seriam

inerentes, coloração que por excelência esse tipo de texto não tem, contudo

pretendemos com esse momento do projeto, discutir e proporcionar a reflexão sobre

o trabalho com a literatura considerando também o sujeito envolvido como produtor

de sentido, assim como valorizando o contexto histórico que pode exercer influência

sobre o resultado desse sentido.

Consideramos ainda as condições de recepção a que este sujeito está e/ou

encontra-se submetido. Desta maneira pudemos trabalhar com certa perspectiva

sociológica depreendida do próprio texto literário e cujo fim único foi suscitar em que

medida esse tipo de trabalho estético pode possibilitar provocações/indagações que

venham a contribuir para uma certa reflexão sobre uma dada realidade social. É o

que argumenta Juass, um dos teóricos que usamos em nossas discussões. Nos

seus Pressupostos da Estética da Recepção e das Teorias do efeito, este teórico

diz que a literatura é balizada pelo papel do leitor/receptor na construção de sentido

para o texto e, mais do que isto, que a recepção:

Resgata a função social da literatura que se manifesta em sua plenitude e possibilidades quando a experiência literária do leitor adentra o horizonte de expectativa de sua vida prática, pré-formando seu entendimento do mundo e, assim, retroagindo sobre seu comportamento social.( JUASS. 1993. p.50).

11

Dadas todas estas reflexões, entendemos que não podemos tratar de

literatura/leitura e vivência de textos estético-literários em ambiente escolar se não

proporcionarmos aos alunos o encontro com a palavra e sua intimidade reveladora e

libertária.

Começamos o módulo com uma dinâmica cujo objetivo foi sensibilizar e

mobilizar os alunos para discussões teóricas mais consistentes. A turma foi divida

em oito grupos sendo que cada um recebeu uma breve texto de autores diversos

que tratavam das questões da leitura e da literatura, como transcrevemos abaixo:

11 JAUSS, HANS ROBERT. A Literatura como Provocação Literária. Trad. de Teresa

Cruz, Vega, Lisboa, 1993). p.50

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Texto A:

A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos. Nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam. Nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver. Ela pode, em seu percurso nos transformar a cada um de nós a partir de dentro. Tzevetan Todorov . In__ A literatura em perigo. Difel 2009.

Texto B:

A literatura não é uma questão de inteligência e sim de entrar em contato. Ela pode ser reflexo, mas também é um elemento produtor de identidades. Clarice Lispector. In__ Entrevista TV Cultura, 1977.

Texto C:

A arte ( a literatura) não é propriamente um compromisso social, muito menos moral ou ideológico. A literatura existe não para modificar o real ou a sociedade, mas apenas mostrar esse real com ângulos e sentido diversos. Oscar Wilde. In__ Aforismos. Editora Integral, v2, Rio de Janeiro, 1997.

Texto D:

O livro, a leitura são amigos da solidão. Eles alimentam o individualismo liberador. Na leitura o homem que procura a si mesmo tem alguma oportunidade de se encontrar. Georges Duhamel In__www.pensador.info/frases_de_incentivo_a_leitura/04/acesso em 28/06/2010.

Texto E:

O primeiro passo para o desenvolvimento saudável de um leitor, é descartar a vergonha. Na verdade, todos os tipos de leitura e não-leitura servem para nos ajudar a entender o mundo, a nos relacionarmos com fragmentos de informação. (...) a não-leitura não é ausência de leitura. Ela é uma ação verdadeira, que consiste em se organizar em relação à imensidão de livros, a fim de não se deixar submergir por eles. Por isso, ela merece ser defendida e até ensinada. Pierre Bayard. In__ Como falar dos livros que não lemos?. Ed. Objetiva, Rio de Janeiro , 2007.

Com estes excertos pretendemos provocar as discussões sobre as questões

da leitura e vivência de textos estéticos literários sob o viés, antes de tudo, do

artista, para depois aproximar, confrontar com o viés teórico sobre estas questões. O

que observamos e tivemos como feedback, as contribuições que recebemos do

trabalho em grupo desenvolvido pelos alunos e alunas foram sistematizadas em

forma de textos escritos e as conclusões socializadas num painel no final do

encontro.

Abaixo alguns relatos das interpretações dos excertos, bem como as

reflexões sobre o estudo teórico do capítulo: metodologia do ensino da literatura

infantil da professora Marta Morais.

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Contribuições:

Grupo A

A literatura geralmente promove na criança a sensação de imaginar, porque quando ela é incentiva a isso o resultado é alcançado. O texto literário promove uma expectativa em relação ao ato de ler que deveria trabalhar com a autodescoberta, processo no qual ela poderá associar o que já sabe com aquilo que lhe é novo e cujo sentido deve ser atribuído, antes de tudo por ela mesma.

Grupo B É papel incessante do professor mediar a formação do leitor e isso pode ser

feito com indicações de leituras de textos literários de qualidade. Deve promover o encontro afetivo do leitor com o livro. E possibilitar que essa leitura seja significativa para aquele que a empreende.

Grupo C O professor é um mediador entre os textos literários e os futuros leitores,

sendo que a leitura de textos literários será significativa se levar em conta os interesses do leitor. Trabalhando com textos literários com crianças, constatamos que elas por não terem preconceitos e ideias pré-concebidas interpretam com maior leveza e criatividade da literatura, chegando àquilo que está sendo proposto pelo projeto: a vivência do texto estético-literário cujos conteúdos se tornam significativos justamente porque preservam o espaço potencial da leitura, o campo da possibilidade fica muito mais amplo.

Grupo D Não acreditamos que seja correto afirmar que a criança, por ser justamente

criança, está mais sujeita a demonstração de falta de interesse pelos textos literários em geral. Talvez seja interessante que o professor além de propiciar o desenvolvimento do gosto pela vivência de textos estético-literários também faça algum tipo de acompanhamento, pois nem tudo que ela escolhe pode ser bom para ela. Contudo, esta prática deve ser relativizada e bem conduzida ao longo do processo de alfabetização/letramento. A espontaneidade e criatividade próprias da infância devem ser priorizadas e estimuladas sempre.

Grupo E A literatura deve ser trabalhada desde a infância na pré-escola. O papel do

professor é incentivar a criança a navegar por esse mundo. O cartão de apresentação do texto literário deve ser muito bem planejado e os espaços de construção e vivência subjetiva da criança em relação à literatura precisam ser respeitados.

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Uma análise detida dos relatos das interpretações dos excertos, bem como do

estudo do capítulo: Metodologia do ensino da literatura infantil de Marta Morais,

nos permite fazer algumas afirmações em relação à nossa proposta de trabalho;

sobre a recepção de tal proposta, bem como nos permite apontar alguns resultados

em relação a como os grupos se apresentaram no início dos módulos e como

concluíram o próprio processo ao longo da aplicação do projeto.

O que mais significativo queremos listar e comentar se refere ao

questionamento que balizou todo a nossa trajetória: Literatura: para quê não te

queremos?

Então talvez, a partir destes comentários (feedbacks) respondemos

analisando a própria trajetória dos alunos por intermédio de suas falas.

Se no princípio tínhamos um retorno de alunos e alunas se posicionando

responsivamente diante do trabalho com o texto literário de forma completamente

pedagogizada, no terceiro momento da implementação do projeto observamos

alunos preocupados em discutir práticas e posturas canonizadas. Nestas discussões

alguns questionamentos foram determinantes para a busca/caminho empreendido.

São eles: Por que o professor precisa ensinar alguma coisa? Por que temos que

fazer algo com os textos? (Sejam eles estéticos ou não). Por que temos que

responder perguntas prontas que não nascem da curiosidade e necessidade de

quem leu o texto?

Estas questões mobilizaram as discussões teóricas cujos resultados

consensuais foram que, no trabalho com a literatura, devemos antes de tudo

trabalhar com o inusitado. Com aquilo que não está lá, mas que com a experiência

poderá vi a estar.

Estas indagações nos levaram a uma produtiva reflexão sobre nossa cultura

e sobre o que seja leitura/letramento/ensino/aprendizagem, além de ter nos

conduzido a problematizar as fronteiras que emergem destas práticas.

Desta forma tornamos ao nosso questionamento primeiro, base de nossas

reflexões: qual a aproximação que podemos fazer de Letramento literário e o

processo de alfabetização? E Literatura (na pré-escola) para quê não te queremos?

Indagações sobre as quais passaremos a tecer alguns comentários, porém longe de

arbitrar e/ou apontar respostas (supostamente) cabais para tal problemática. Isso

seria um contrassenso.

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Sem o prazer estético não pode haver leitura genuína, Claudia de Mello

comenta que quem se dedica espontaneamente à leitura certamente não tem

necessidade de justificar o hábito para si próprio. O indivíduo lê porque gosta, tem

prazer, tem curiosidade ou porque tem uma necessidade interna, e não devido à

premência de melhorar a sua compreensão do mundo, da linguagem, sua cultura,

como a escola muitas vezes procura justificar.

Se, portanto, queremos promover a leitura literária, “precisamos desenvolver

mecanismos de sedução que despertem o interesse dos alunos, seja por deleite,

seja por necessidade intelectual, ou por ambos”. (MELLO, 2001, p.10)12. Imbuídos

destes resultados de nossa reflexão conjunta, propusemos o quarto e último módulo

que foi uma Oficina de textos literários para o trabalho com educação infantil, que

abaixo passamos a relatar.

Intitulamos o encontro de: Letramento literário =ou# de alfabetização? Ou

será isso+aquilo?

Desenvolvemos este módulo com a intenção de, por intermédio das

atividades de linguagem literária propiciar a desenvoltura de ações de linguagem

literária que vivenciamos ao nos depararmos com textos literários em nosso

cotidiano. Entendemos que a vivência deste módulo trouxe um ganho significativo

para os alunos do curso de Formação de Docentes, uma vez que, a partir de leituras

prévias preparadas pelo professor eles foram convidados a interagir com a leitura e

a vivência dos textos sendo convidados a escrever e experienciar o trabalho com a

escrita criativa sob o viés estético.

Estas atividades foram determinantes para não só discutirmos conceitos,

como para alcançarmos o entendimento daquilo que nominamos de Letramento

Literário.

O resultado mais significativo alcançado nas experiências que esses alunos

tiveram com tais atividades e ações de linguagem literária foi a premissa de que

ninguém lê textos e sim situações que possam significar substancialmente algo para

cada um dos envolvidos.

12 Mello, Cláudia: Literatura entre as artes na escola. Leitor como sujeito histórico.

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Vivenciando diferentes práticas de leitura e produção lúdica de textos de

criação literária, pudemos consolidar, ainda que pelo seu avesso, uma prática

didático-pedagógica de letramento literário, na qual o mais substancial foi o

reconhecimento de que para trabalharmos com literatura seja com as crianças com

os adultos, temos que reorganizar e reformular nossos modos de nos portamos e

reportarmos à recepção dos textos estéticos-literários, cuja função social possa ser

depreendida e apropriada pelas práticas concretas da vivência com textos literários,

práticas estas que devem estar comprometidas com ações articuladas à

produtividade e que sejam simultâneas às suas próprias experiências. Nesse sentido

o trabalho com a literatura infantil contribui significativamente para o letramento, isso

porque estudos apontam que os textos normalmente usados nas cartilhas são textos

pobres, não só de sentido, mas também das relações complexas que envolvem a

linguagem como um todo. A literatura infantil, suprindo esta lacuna, é a ponte que

liga as palavras ao sentido, à análise, à interpretação, à realidade, ao sonho.

A esse respeito Eliane Yunes, doutora em teoria da leitura, citada por Iduína,

ensina-nos como abordar a leitura na escola, diz:

Na escola, o que valorizo e preconizo é que a leitura tem que ser um objeto de provocação do desejo, provocação do imaginário, provocação da expressão simbólica. Ou seja, as crianças têm que encontrar uma imagem simbólica para dar conta do que elas sentem, do que elas percebem, do que elas sofrem diante de um texto, ou mesmo diante de um teatro, diante de uma música, diante de um palhaço, diante enfim, de um contexto. Por isso, falo no esforço de “desescolarizar” a leitura, porque o modelo de leitura escolarizada é esterilizante, ele tem respostas prontas, ele tem interpretações fechadas, ele tem respostas que já estão definidas, antes das perguntas serem feitas. Considero que a interação entre leitor e texto é a mesma que se dá entre literatura e vida. Se a literatura não traz para sua vida perguntas que você responde com a sua experiência e com as outras múltiplas leituras que você tem, a função da literatura é ser medalha de intelectual, e isso é muito pobre para uma herança extremamente rica que é a literatura.(CHAVES. 2007. P.3)

13.

Desse modo, entendemos que o texto literário deve ser visto como uma

“viagem”, para que a relação entre ele e os leitores possa promover um diálogo

prazeroso, um encontro entre o leitor e as personagens; para que possibilitem

13 CHAVES, Iduina Mont’Alverne Braun e COZZI, Tânia de Reze de. Acolhendo o

diálogo entre Letramento e Literatura Infantil. Revista ACOALF Aplp: Acolhendo a

Alfabetização nos Países de Língua portuguesa, São Paulo, ano 2, n. 3, 2007. Disponível

em:<http://www.mocambras.org> e ou <http://www.acoalfaplp.org>. publicado em: setembro

2007.

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interpretações e desdobramentos de ideias e sentimentos; para que todos partilhem

o bem cultural e ultrapassem as fronteiras canônicas das concepções de vivência de

leitura na fase da pre-escolarização e muito mais ainda na fase de sua desenvoltura

e sedimentação nos anos subsequentes a esta fase. Isso é um direito de todos..

Quanto ao papel dos professores, é necessário que se diga com TODAS

as letras que a tarefa de letrar alunos e professores é constante e que ainda é de

responsabilidade da escola programar uma forma de trazer a leitura para a prática

diária em seu cotidiano, não só assinando jornais e revistas, mas exigindo, no

planejamento de TODOS os professores, o trabalho com textos variados, atuais e de

interesse da criança.

Sob o viés de pensarmos e praticarmos o Letramento Literário, o trabalho

com a contação e leitura de histórias para todos os alunos (da Educação Infantil ao

nono ano) assume papel primordial, e também pode suscitar reflexões em

professores, pais e alunos sobre a importância desse bem cultural que representa a

Literatura e suas infinitas possibilidades de nos exercermos como sujeito de nossos

próprios conhecimentos. Acreditamos que isso pode nos tornar pessoas melhores

para um mundo também melhor.

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