Upload
taismara-lopes
View
224
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
8/20/2019 Lições de Cidadania
1/218
A n t ô n i o F a b r í c l o d e M a t o s G o n ç a l v e s^ . W
L I Ç Õ E S D E C I D A D A N I A
EDITORA
8/20/2019 Lições de Cidadania
2/218
L I Ç Õ E S D E C I D A D A N I A
8/20/2019 Lições de Cidadania
3/218
8/20/2019 Lições de Cidadania
4/218
A N T Ô N I O F A B R Í C I O D E M A T O S G O N Ç A L V E S
(Organizador)
L I Ç Õ E S D E C I D A D A N I A
EDITORA
8/20/2019 Lições de Cidadania
5/218
Rubens A pprobate MachadoPresidente da OAB e Presidente Honorário da OAB EDITORA
Jefferson Luis Kravchychyn pre sidente Executivo da OAB EDITORA
Projeto Gráfico
F. J. Pereira
Capa e Diagramação
Rodrigo Pereira
Revisão
D acio Luiz Osti
Conselho Editorial
Jefferson Luis Kravchychyn (Presidente)Cesar Luiz PasoldHermann Assis Baeta
Paulo BonavidesRa imundo César Britto Aragâo
Sérgio Ferraz
Ficha Catalográfica
G6351 Gonçalves, Antônio Fabrício de MatosLicões de cidadania / Antônio Fabrício de Matos
Gonçalves (organizador). - Brasília : OAB Editora, 2003.
216 p.
1. Direito I. Título,
CDU 340
ISBN - 85-87260-27-8
EDITORA
SAS Quadra 05 Lote 01 Bloco M - Edifício OABBrasília. DF - CEP 70070-050Tel. (61) 316-9600
www.oab.org.br e-mail: [email protected]
je ff ers on@ kravchychyn.c om .b r
http://www.oab.org.br/mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]://www.oab.org.br/
8/20/2019 Lições de Cidadania
6/218
‘Tor que se chamavam homens, também se chamavam sonhos,
e sonhos não envelhecem." ( Mi l t o n N a s c i me n t o , L ô B o r g e s
e M árcio Borges)
8/20/2019 Lições de Cidadania
7/218
8/20/2019 Lições de Cidadania
8/218
Agradecimentos
Ao Rei tor Padre Geraldo Magela Teixe ira da PU C/M in as.
A o Pró-Reitor de Extensão Bonifácio José Teixeira da PUC/M in as.
À professora Josiane Andrade Mil itão.
À professora Fides Angéli ca da E N A /O A B .
Aos professores Cuilherijie Coelho Collen (PU C /M inas) e
Ale ssandro Moreira U m a (lES/FU NCEC).
Aos jo rn alista s Luiz Carlos Bernardes e Rogér io Tavares.
A o professor Marce lo Leonardo, Presidente da O AB /M G .
Aos professores Fernando Gonçalves e Jairo Coelho, Jesus Lima,
Benilda Bri to , Saido Morais e L uciano Nunes.
A A na Caroliim Gonçalves Vieira, colaboradora dedicada desta obra.
À A M E P l - Associação dos M unicípios do M édio Piracicaba.
Aos alunos: A n a Paula, Dinah. Elisa, Be th Prim o, Fátima Malta,
Fernanda Vieira, Geraldo Vagjier, Josiane, Leonardo, Luciano
Rinald i, M arcus, Carol, Renato Del Gaudio, Rodrigo Crespo,
Rodr igo Amaral, Rosângela, Ale ssandra, Urzedo, Sérgio,
Guilherm e Cabelo, Danu’l Bago, Bruno, Hu dso n, Dé e Águida.
Por acreditarem no sonho de se fa ze r um a sociedade mais reflexiva
e melhor preprarada para enfren tar as agruras da vida.
M u ito obrigado!
Os autores
8/20/2019 Lições de Cidadania
9/218
8/20/2019 Lições de Cidadania
10/218
SUMÁRIO
PREFÁCIO
Marcelo L eonardo ................................................................................................ 11
"LIÇÕES DE CIDADANIA": O CAM INHO DA DEMOCRACIABruno W anderley Jú n io r .....................................................................................13
OS PROJETOS DE EXTENSÃO E OS CURSOS DE DIREITO
Antônio Fabrício de Matos Gonç alves ............................................................ 33
SONHOCÍDIO: ESTRAGOS NEOLIBERAIS NO ENSINO
DO DIREITO OU "LA BUSQUEDA DEL BANQUETE PERDIDO ",
COMO DIRIA ENRIQUE MARÍJacinto Nelson de Miranda C ou tinh o ............................................................. 43
REFLEXÕES EM TORNO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS
CRIATIVOS E DEMOCRÁTICOS
Guilherm e W agner Ribeiro ............................................................................... 53
ÉTICA E CIDADANIA
Alexandre Travessoni G om es ........................................................................... 57A MEMÓRIA E A PRÁTICA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS: SUA RECUPERAÇÃO A PARTIR DE
UMA EXPERIÊNCIA CONCRETA
Rodolfo Viana Pereira.........................................................................................65
SOCIEDADE CIVIL E A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA;
A AUTON OMIA COM O PRESSUPOSTO
Daniella Bernucci Paulino
Rodolpho Barreto Sampaio Júnior...................................................................79
ACESSO À JUSTIÇA: A QUAL JUSTIÇA?
Allan Helber de O liveira .................................................................................... 91
8/20/2019 Lições de Cidadania
11/218
A TUTELA JURISDICIONAL DOS DIREITOS SOCIAIS:
CONSTRUINDO CIDADANIA
Fernando Gonzaga ja y m e ............................................................................... 107
O DIREITO DO CONSU MIDOR E A CIDADANIA
Bruno Burgarelli Albergaria Kneipp ............................................................. 123
PARA SE ENTENDER A CIDA DANIA AMBIENTAL
COM O A DESCOBERTA DE "NOVAS PAISAGENS"
Afrânio José Fonseca N a rd y ............................................................................ 135
A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS E O SISTEMA INTERNACIONAL DE
PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS
Carlos Aug us to Can êd o Gonçalves da S ilv a ...............................................145
O SISTEMA PROCEDIMENTAL DO INQUÉRITO
POLICIAL COMO OFENSA AOS PRESSUPOSTOS
CONSTITUCIONAIS DA CIDADANIA
Guilherme Augusto Marinho Gon çalves ................................................... 157
DA JUSTA CAUSA PARA A PRISÃO
Leonardo Augusto M arin ho............................................................................ 175
ASPECTOS DA APLICABILIDADE JUDICIAL
DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
FRENTE AO NOVO CÓDIGO CIVIL
Alice de Souza Birchal.......................................................................................185O TRABALHO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE:
A CONSTITUIÇÃO DE 1988 COMO HORIZONTE DE CIDADANIA
Gabriela Neves Delgado .................................................................................. 201
8/20/2019 Lições de Cidadania
12/218
11
Prefácio
"LIÇÕES DE CIDADANIA"
A soc iedade brasileira confia na O rdem dos A dvo gad os d o Brasil, como
entid ade da sociedade civil organizada, com prom etida historicamente com a
defesa do estado democrático de direito, dos direitos hum ano s e da cidada
nia. Ao longo de seus mais de setenta anos de existência, a OAB, através de
seus dirigentes, conselheiros, colaboradores e advogados, marcou sua atua
ção po r inú meras lições de cidadania.
O com bate à ditad ura, na era Vargas e nos governos militares, a luta con
tra a tortura, contra as violações de direitos da pessoa humana e contra as
diversas e con denáv eis formas de discriminação, tu do isso identifica a OAB
com os princípios fundamentais da democracia brasileira.
A participação nas m emoráveis camp anhas pelo restabelecimento do es
tado de direito, pela anistia, pelas eleições diretas e pelo impeachment do
Presidente Collor constituem registros indeléveis da história da Ordem dos
Advog ados, que se confund em com a p rópria história do Brasil.
Por todas essas razões, a Ordem dos Advogad os do Brasil, Seção de Minas
Gerais, sente-se engalan ada de ver vários de seus adv oga dos e professores de
sua Escola Superior de Advocacia escrevendo estas "Lições de Cidadania".
Ética, ensino jurídico, democracia, sociedade civil, acesso à justiça, tutela
de direitos sociais, defesa do consumidor, meio ambiente, criança e adoles
cente, processo justo e direitos fundamentais são alguns dos tem as expostos
neste livro, cujo foco principal é o efetivo exercício da cidadania, em seus
múltiplos aspectos.Por óbvio, está no centro dos debates a Constituição da R epública de 1988,
cujo artigo 5° apesar de p leno em exp ressar direitos e garantias individuais e
coletivos, ainda carece de efetividade, para aproximar o cotidiano do povo
brasileiro das declarações nele contidas.
8/20/2019 Lições de Cidadania
13/218
12
Sabidamente a proclamação de direitos do cidad ão não é bastante a sua
concretude. A realidade reclama transformações contínuas para reduzir o
grave quadro de exclusão social no Brasil. Em "Lições de Cidadania" busca-
se contribuir para da r à vida brasileira novos horizontes na direção da alme jada inclu são social.
Parabéns ao a d v o g a d o e professor Antônio Fabrício de Matos Gonçalves,
Conselheiro Secional da O AB /M G e Diretor da ESA da O AB/M G, pe la coor
denação desta obra, mais um fruto do ideário democrático e hum anista da
entidade.
Belo Horizonte, julho de 2003.
Marcelo Leonardo
Presidente da OAB/MG
Co orde nad or Nacional do Colégio de Presidentes de Secionais da OAB
8/20/2019 Lições de Cidadania
14/218
13
"LIÇÕES DE CIDADANIA";
O CAMINHO DA DEMOCRACIA B ru no W anderley Júnior*
Cidadania. Princípio constitucional de caráter fundamental. Consagrado
pelo Poder C ons t i tuinte Originário como corolário do nosso Estado D emocrático
de Direito. Princípio que deve ser conjugado com a soberania, a dignidade da
pessoa hum ana , os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o p lu ra lism o
polí tico. É assim que a Constituição da República Federativa do Brasil en un
cia seus funda mentos, já em seu artigo primeiro. E, ainda neste dispositivo
inicial, em seu parágrafo único, sentencia que todo poder emana do povo e que
este povo, que form a a Nação brasileira, irá exercer este po de r total, soberano
e inalienável, por meio de seus representa nte s ele itos ou d ire tam en te, nos termosque a próp ria Constituição define.
O povo, de tentor do po de r soberano, decide por organizar a sociedade com
base em princípios fundamentais, estabelecendo as proteções jurídicas aos seus
direitos e determ inando como seus representantes exercerão em seu nom e o
po de r que a eles delega. Para isto exige que a norm a fundam ental, delineada
no texto da Constituição, tenha superioridade e suprem acia sobre tud o aquilo
que ela dispõe. A vontade soberana e a decisão política inicial da Nação devem se torna r efetivas na norm a fundam ental da sociedade. Esta deve ser pro
tegida contra o autoritarismo e a usurpação de seu poder por aqueles que
receberão, por delegação do povo, a prerroga tiva de exercê-lo em seu nome.
A Constituição é assim a expressão máxima da vontade de um povo. É
indubitavelmente o instrumento indispensável para que u m povo po ssa ga
rantir a efetividade de seus objetivos fundam entais, o exercício soberano de
* Mestre e doutor em Direito Constitucional pela UFMC- Coordenador da Pós-Graduação da Escola
Superior de Advocacia da OAB/MG. Professor de Direito Internacional e Direito Constitucional da Graduação, Mestrado e Doutorado da PUC/MG. Professor de Direito Internacional da ilFMG. Professor de Direito Municipal do Instituto Izabela Hendrix. Membro da Associação Americana de
juristas. E-mail: [email protected]
8/20/2019 Lições de Cidadania
15/218
14
s e u po de r soda] e o respeito aos direitos que, em sua concepção, são impre s
cindíveis para d ar dig nidade e harm onia a cada um e a todos os mem bros de
sua coletividade.
Todavia, a Constituição é apenas um texto, um a "folha de pa p e l" '. A suamera existência, en quan to texto legal, não é suficiente para realiza r tudo aquilo
que nela está prescrito. Não podem as palavras escritas conduzirem os atos
dos indivídu os e das a utoridades, como que p or magia. A Constituição preci
sa do Ser H um ano. É o Hom em, como seu criador que, "a tuan do a Constitui
ção" a faz real. Para que seus preceitos sejam efetivamente observados, a
Constituição de ve ser realizada po r obra do Homem .
Por este motivo , estabelece a Lei Maior os mecanism os e instrumentos paraque a sociedade efetive os direitos nela positivados, protegendo-a contra abu
sos e exigindo, pelos meios ali ordenados, que os seus comandos atinjam a
finalidade pela qual a Nação os positivou constitucionalmente. Para que isto
aconteça cada indivíduo, cada membro da sociedade deve saber o que é uma
Constituição, para qu e serve e qual a importância deste "texto" p ara a sua vida
e a de seus semelhantes. Somente tendo consciência acerca dos princíp ios e dos
direitos fundam entados na Constituição, o indiv íduo deixará de ser vítima das
injustiças sociais que acometem p rincipalm ente os excluídos das conquistas da
sociedade. A exclusão social ocorre primeiram ente p or meio da ignorância acerca
da própria condição hum ana dentro da sociedade.
A cidadania é sobretudo o conhecimento dos direitos fundamentais do
Ser Hum ano com o tal. Para que todos ten ham acesso à democracia e ao cha
mado "bem com um", devem ser-lhes proporcionados mais do que um a poé
tica declaração de direitos, mas meios eficazes de seu pleno exercício.
"A penosn caminhuda de uma sociedade, que ainda não resolveu problemas de
ordem v ital para a maioria de seus membros, desperta, nos estudiosos mais consci
entes da dignidade reconhecida a cada ser humano pelo Direito, a indignação por
sabê-lo existente c por não obstante, negado. A dignidade hum ana é valor
que não se negocia, como realmente sempre o foi , por isso nasce a ânsia de promovê-
la já. Compreende-se, então, o apelo para que o Direito seja o elemento trans forma
dor da sociedade. Mas não se pode esquecer que a sociedade contemporânea não
tem a pureza das primitivas, e já não aceita profetas com suas tábuas de leis. Q iu’r fazer o seu dest ino e quer ser agente da sua história. Seus conflitos são trazidos à
luz do dia e resolvem-se no jogo das pressões e contradições''.^
' LASSALLE, Ferdinand. 0 que é uma Constituição'? Ed. Líder. Tradução de Hiltomar Oliveira. Belo Horizonte: 2001, p. 53.
^ GONÇALVES, A. Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. AIDE, Rio de Janeiro, 1992.
8/20/2019 Lições de Cidadania
16/218
15
A dignidade do indivíduo só existe quando ele é livre. A dignidade na
sociedade só prevalece se todos forem iguais em direitos e obrigações. A dig
nidade da hum anid ade é a paz, fruto do sentimento solidário da fraternidade.
É nestes ideais democráticos que reside a idéia de cidadania. O pov o som ente governa q ua nd o vigem a legalidade e a legitimidade como impe rativos do
Poder. O único meio pa ra concretizar tais ideais é a educ ação c idadã, na qual
o povo é prep ara do p ara com preend er e interferir no exercício de seu poder.
E este pod er só será soberano se o povo n ão perm itir que ele seja u surpa do
por um grupo o u por um indivíduo que se apresente como "guia" o u como
um "profeta" q ue deten ha o monopó lio sobre a lei - sobre sua criação e inter
pretação - decidindo os destinos do povo por suas próprias conveniências.Te ndo o po vo consciência sobre a origem e função deste pod er, a democracia
poderá ser mais que mera utopia, para ganhar vida na sociedade. O poder
será semp re d o povo, se o povo souber protegê-lo.
A democracia, como regime pelo qual o pov o é deten tor e destinatário do
po der soberano, exige que haja a sua participação em todo s os mom entos da
vida política de seu país, não somente p or meio do sufrágio - como se o direi
to de vo tar esgotasse a participação democrática - m as so bretud o pelo aces
so aos poderes públicos, pelo controle dos atos dos agentes estatais e pela
prerrog ativa d e interferir nas decisões sobre seu próprio destino.
A Constituição, que define a natureza soberana do p od er do p ov o (art. \° ,
parágrafo ú nico e art. 14), estabelece, além do voto secreto, universal e per i
ódico, outros instrumentos sociais de participação democrática, como o contro
le sobre os atos de seus representantes e os mecanismos de defesa da Constitui
ção e de exercício da cidadania. Assim temos o devid o processo legal, o plebisc ito, o
referendo e a iniciativa de propor leis, os remédios constitucionais (art. 5") como o
M andado de Seg urança, o Habeas Corpus e a Ação Popula r, bem como a criação de
entidades que recebem competência para defender a Constituição e suas nor
mas, tais como o Ministério Público, os Tribunais de Contas e o Supremo Tribu
nal Federal, ao qual compete precipuam ente a guarda da Consti tuição.
Co ntudo , sem consciência dos direitos constitucionais o pov o não tem con
dições de enten der sua condição de cidadania. Ignorante sobre a própria
essência do poder soberano, o povo acredita ser ele um poder do Estado -pertencente a esta instituição ou àqueles que a repre sen tam - submetendo-se
às suas ingerências e ao seu descaso sem o esboço de qualquer reação. Sem
conhecer os instrumentos básicos de acesso aos poderes que em seu nome
foram constituídos, o pov o perd e, a cada geração, o controle sobre o seu pró
8/20/2019 Lições de Cidadania
17/218
16
prio p oder. As elites históricas de um país que foi forjado pela submissã o das
pessoas comuns ao sistema "coronelista" e "fisiologista" da desigualdade
social tentam imp edir qu e este povo oprim ido e m arginalizado tenha acesso
às formas mais básicas do conhecimento, sucateando a educação e promovend o políticas que, longe de cu m prir os objetivos constitucionais do Estado
brasileiro (art. 3° da Constituição da República), aum enta m as disp arida des e
marginalizam ainda mais os menos favorecidos.
As mesmas elites que pro mo vem a miséria do povo, dim inuin do os meios
de acesso à democracia consciente e cidadã, apresentam -se a este mesm o povo
como seus representantes, dizendo-se co mp rom issadas com o seu bem-estar.
Mas a miséria e a ignorância são as m oeda s fortes deste sistema de dom inação. O desam paro em que vive o Cidadão, privado d e todos os direitos e de
todas as garan t ia s , concorre para a continuação do "C oronel", arvora do em
protetor ou defensor natural de u m hom em sem direitos". ^
É este o sistema utilizado em âmbito internacional, no qual instituições
financeiras de grande porte, sediadas no chamad o "Primeiro Mu ndo ", man
têm os países ainda não desenvolvidos - chamado s de "Terceiro M undo " -
submissos à hegemonia de um pequeno grupo de países que formam um a
elite internacional, cobrindo-os com as sombras de suas políticas globais, mas
apresentando-se oficialmente como promotores de justiça e paz.'*
Do mesmo modo como somos forçados a aceitar a hipocrisia internacio
nal, assistindo impassivos aos poderosos países do Primeiro M un do decidi
rem nossos destinos, endividando-nos e ameaçando-nos com seu poderio
bélico, ao mesm o tem po que se apresentam como heróis da democracia, pro
movendo reuniões circenses em organismos internacionais como a ONU -
cujo fundam ento principal é a paz e a igualdade entre as Nações - para deci
direm unilateralmente o destino do Terceiro Mundo.
Somos, do po nto de v ista global, tão ignorantes sobre nossa condição como
membros da sociedade internacional, como somos em nosso próprio país,
acerca de nossa condição de cidadãos. O resu ltado é a marginalização, a do
minação das elites e a miséria. Nossa única arma, em qualquer destas situa
ções: a educação.
®Ver pr ef ác io de Barb os a U m a Sobrinho na ob ra de LE AL , Vic to r N. Coronelismo, Enchada e Voto. 5. ed. São Paulo:
Ed. Alfa-Ômega, 1986. p. XVI.
‘ CH OSSUDOVSK Y. M iche l. A Global ização da Pobreza. Tradução de Marylene Michael. São Paulo: Ed. Moderna,
1999, p, 26-36.
8/20/2019 Lições de Cidadania
18/218
17
Nestes tempo s difíceis, em que a economia globalizada - m oldada em ide
ologias matemáticas e anti-sociais - interfere com suas novas políticas de
mercado nas relações entre os Estados e seus respectivos cidadãos, impri
m indo u m a "desum anizaçâo" destas relações, experimen tamos um a inaceitável condição de abandono, na qual os valores solidificados pela evolução
da sociedade hum ana estão agora submetidos a novos valores mercadológicos,
que retiram a ide ntidade das pessoas, vistas agora como mero s núm eros nas
estatísticas de pro dução e consumo.
Nesse cenário, a educação p assa a ser direcionada para as exigências des
tes mercados, separando-se no s estamentos sociais aqueles que - po r sua con
dição econômica - po dem ter acesso à educação de qu alidade daqueles quedeverão se submeter a uma mera instrução básica, sem conteúdo suficiente
para q ue possam d esenvo lver uma consciência revolucionária, no sentido de
terem capac idade de exigirem sua parcela do s d ireitos sociais.
A saúde, a educação, a mo radia decente, o trabalho dign am ente rem une
rado, a inclusão social dos marginalizados são valores funda m entais que não
são contemp lados pela ideologia consumista d os m ercados que necessitam
da desigualdade social e da ignorância popular para perpetuarem seus métodos d e dom inação. Seu objetivo de lucro e de pod er faz com qu e interfiram
até mesm o nas instituições governam entais responsáveis po r traçar políticas
e estratégias de ação social, impedindo que se possa atender às demandas
sociais mais relevantes.
O desconhecimento dos direitos fundam entais pelo hom em co mu m é fa
tor imprescindível pa ra a manutenção d esse sistema de dominação.
O investimento do Grande Capital é direcionado para formar técnicosqualificados pa ra sua linha de p rodu ção (retirados das classes mais favoreci
das) e em imp edir que a grande massa das classes marginalizadas possam se
educa r ou se prepa rar para ascender socialmente, mantend o-os como reser
vas estratégicas de mão-de-obra barata e ignorante, como semoventes sem
alma e sem dignidade. Como instrumento desta política de desagregação
social, utilizam os meios de comunicação pa ra alienar o povo , en qua nto des-
troem no sistema educacional qualquer forma de conscientização cidadã,
optando por um ensino tecnicista e robotizador.
CHOMSKY avalia o impacto desta forma de dom inação pe la exclusão:
"Em geral o mun do está sendo levndo a umn espécie de modelo do Terceiro M u n
do, por umn polüicn deliberada do Estado epelas corporações, com setores degrnn-
8/20/2019 Lições de Cidadania
19/218
8
de riqueza, uma grande massa de miséria e uma grande população supérflua -
àesproviàa de todo e qualquer direito porque em nada contribui para a geração de
lucros, onde seu único valor e o humano". ''
A m udanç a que se desenha em nível global se faz pela interferência destaideologia na forma d e o rganização das políticas públicas nacionais, notada-
men te na educação e na cultura, formatando u m p ad rão de massificação de
valores consumistas e implodindo a manifestação de qu alque r outra forma
de conscientização que possa ameaçar seus objetivos, des truindo, principal
mente no Terceiro Mu ndo, valores como nacionalismo, patriotismo, solidari
eda de e desenvolv imento social. Percebemos como a mídia é utilizada cada
vez mais para a consolidação destes objetivos sombrios. Os meios d e com unicação de massa deixam de veicular programas educativos e formadores de
consciência social e passam a priorizar os programas de variedades, verda
deiros demolido res dos valores "conservadores" e, até mesm o o jornalismo,
metralha as mentes despreparadas das pessoas comuns com informações e
notícias que, sem um a discussão pormen orizada, ban alizam os fatos e im pe
dem o raciocínio sobre suas reais dimensões. Alienar para dominar, destru
indo a capacidade de raciocínio e de organização da sociedade civil.^Devem os então ter consciência desses fatos. Existe um a g uerra não decla
rada entre um grupo sem-rosto, que representa uma elite sem-pátria e as
pessoas comuns, desarmada s, empobrecidas, conden adas à escuridão da ig
norância e à marginalização da pobreza. Nossa única arma, como dissemos,
a educação - a restauração a estes indivíduos de sua cidadania.
A reintegração dos indivíduos m arginalizados na sociedade, com u m mí
nimo de condições de exercício da cidadania, depende de, em primeiro lu-
^ CHOM SKY, Noam . D emocracia e Mercados na Nova Ordem Mundial. In GENT IL!, Pablo (o rg ). Globalização Excludente.
Ed. Vozes, Petrópolis; 2000, p. 30.
®P ara Cho msk y, est a pol ít ic a de m erc ado que tra ta o Ser Human o nã o com o desti na tá ri o dos be ns soc ia is , mas com o
engrenagem de uma máquina empresarial de lucro é a responsável pelo empobrecimento generalizado, inclusive em
países como os Estados Unidos. Aponta e le o impacto desta massi f icação na formação das n ovas gerações, no que
denominou “guerra contra cr ianças e famíl ias” , com a desconstrução dos “va lores fami l iares" através de um a educação
cada vez m ais recheada de in formação e cada vez m enos comprometida com a formaç ão e pela atuação da míd ia, pe la
programação alienante, sobretudo dos programas de televisão. Para ele, "essas são a lgumas das fo rmas ma is v is de
contro le populacional . Na var iante ma is benigna, o pop ulacho tem de ser desviado para at iv idades não problemáticas, pelas g randes inst i tu ições de propaganda, organizadas e d i r ig idas pela com unidade em presar ia l , meio-nor íe-amer ica-
na. que investe imensa quant ia de cap i ta l e energ ia para conv er ter as pessoas em átom os de consu mo e fer ramentas
obedientes de produção (se t iverem a sor le de arrumar emprego) - iso ladas umas das outras, desprovidas até mesmo
daqu i lo que pode s e r chamado de v ida humana decen te . Isso é importante . Sen t imen tos hm a n o s norma is devem ser
esmagados. Eles são incompatíve is com uma ideologia a justada às necess idades de pr iv i lég io e poder , que cetebra o
lucro pr ivado como valor humano suprem o e nega os d i re i tos das pessoas, para a lém do que estas podem obter no
mercado de trabalho " Op cit p 43
8/20/2019 Lições de Cidadania
20/218
19
gar, restituir-lhes a dignidade. Fazê-los readquirir o respeito próprio, a
autoconfiança e a fé /
Mas, o que fazer? Como viabilizar as conquistas teóricas que pregam a
liberdade, a igualdade e a fraternidade como paradigmas do Estado de Direito se, mesmo com as declarações e proteções constitucionais e legais, a
sociedade se vê privad a destas conquistas e não con segue efetivar na prática
os seus objetivos fundam entais? Como identificar os problem as que nos afli
gem se desconhecemos nossa própria identidade?
Eis aí o desafio. Devemo s ter semp re em m ente que, u m a vez q ue o povo -
visto aí como termo genérico, referindo-se à grande parcela de excluídos e
ma rginalizad os - foi privad o dos meios necessários pa ra exercer a cidadania,notadamente a educação, temos um compromisso ético fundamental de re
verter este quadro. A sociedade orga nizada e os Poderes Públicos são chama
dos a contribuir efetivamente para a construção de um novo paradigm a.
A cooperação entre os setores público e priv ado deve se r definitivamente
instituída, não como fórmula de "diminuir o Estado" (como proposto pela
política neoliberal), mas, ao contrário, como meio d e fazê-lo eficiente, agindo
em perfeita sinergia para proporcionar à Nação brasileira uma real e democrática distribuiç ão do s bens e serviços sociais. Cabe aos setores m ais consci
entes da sociedade iniciarem um processo de compartilhamento do saber,
pro m ov end o açÕes sociais verda deiras e bem direcionadas no se ntido de p ro
m over a inclusão educacional dos excluídos e marginalizados. A ignorância,
repito, é a maio r expressão da injustiça social e o instrum en to cov arde e cruel
de d om inação das elites.
Educa r o povo não significa propo rcionar u m ensino técnico e criador demão-de-obra qualificada. Para esta finalidade temos excelentes centros de
formação, projetos científicos e financiamento em grande escala.
A educação à qual nos referimos deve ser fruto de um a reestruturação
curricular. O qu e se exige é a reforma do ensino nacional, desde o nível fun
damental e médio até o ensino universitário. O que se perdeu na educação
em nosso país foi a formação ética de cidadãos responsáveis, ciosos de seus
direitos e deveres para com o próximo e para com a sociedade como umtodo. Perdem os as noções básicas de civilidade e patriotism o. Disciplinas
como "moral e cívica", "estudo dos problemas brasileiros" e "organização
'A fé, não apenas no sent ido rel ig ioso, mas so bretudo a fé na própr ia humanidad e. É prec iso resgatar a fé nas pessoas
e nas inst itu ições: nas le is e no Estado. É preciso entender e propaga r a sol idar iedade entre as pessoas qu e formam
i d d id t id d i l N ã Fé i t t d f t id d
8/20/2019 Lições de Cidadania
21/218
0
social e política do Brasil" foram extirpadas dos currículos escolares e acadê
micos por serem identificadas com a Ditad ura m ilitar dos anos 70.
Todos sabemos que durante esse período funesto de nossa História tais
disciplinas continham um forte doutrinam ento p or pa rte da Ditadura. Mas,talvez, tenham os com etido o erro clássico dos revolucionários ao prom ove r o
expurgo d e tud o aquilo que pudes se se identificar com o antigo regime. Ensi
nar noções de moral, civilidade, patriotismo, respeito às instituições, com
promisso com os problemas nacionais, consciência jurídica não pode nunca
ser confundido com submissão a qualquer ditadura. Ao contrário, bastava-
nos modificar o conteúdo programático destas disciplinas para torná-las ve
ículos de cidadania. Todavia, ao retirá-las dos currículos escolares, negamosa toda uma geração o direito de obterem uma formação ética, socialmente
consciente, pa ra fornecer-lhes exclusivamente conhecim ento técnico-científi-
co, prepa rando -os não para a cidadania, mas para concorrerem a um merca
do de trabalho cada vez mais desumanizador. Cumprimos assim a cartilha
do Grande Capital, fornecendo a ele técnicos qualificados e trabalhadores
autômatos.
E quem po de então reverter este quadro?Temos aqui um a possibilidade real de d em onstrar qu e as discussões aca
dêmicas sobre a realidade social do nosso país não irão abarro tar as gavetas e
as prateleiras das bibliotecas universitárias. Se cons ideram os q ue é c hegada a
hora de compartilhar o conhecimento sobre os direitos fundamentais com
cada cidadão brasileiro, então é também chegada a hora de convocar a com u
nidade acadêm ica, sob retudo os juristas, pa ra esta tarefa tão eng randeced ora
e dignificante. Os professores de Direito, os acadêmicos em geral devem agora derru bar os mu ros que separa m a Universidade da sociedade. Universi tas
- deve ser interp retada agora como a universalização do saber. Rom pam os o
para digm a d o feudalism o intelectual, que mantém os cientistas encastelados
em verdadeiros "feudos do conhecimento", para socializarmos o saber. Es
pecificamente, devemos compartilhar o conhecimento jurídico com a socie
dade , dentro de linguagens ad equ ada s à realidade social e regional de nosso
país continental.
É chegada a hora de uma nova revolução, sem armas ou rebeliões, mas,
ordenadamente, devemos romper com o sectarismo intelectual, promoven
do um a nova luta pela reinserção social de nossos com patriotas menos favo
recidos. Ensinar a cidadan ia, po r meio do ensino jurídico em todos os níveis.
8/20/2019 Lições de Cidadania
22/218
------ 21
para todas as pessoas, prioriza ndo as crianças no ensino fun dam ental. Solidi
ficando a consciência jurídica n o povo , conseguirem os juntos fazer valer na
prática o que a Constituição ga rante em seu texto.
Será possível então realizar o sonho d a dem ocracia com a seg uinte expressão: "tod o o po der eman a do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos de forma consciente, ou, conscientemente, de forma direta, nos ter
mos em que a C onstituição dispuser". Cidadania pressu põe consciência polí
tica e jurídica, para que se possa exercer a democracia e, em nom e dela, pro
m over a real aplicação da Constituição do povo.
Nesse sentido, as palavras de MÜLLER®:
"O que se afigura como risco a partir da exclusão herdada do passado, configura ocasião para a luta legal e não violenta, para n luta legitimadorn contra a exclusão:
a ocasião de levar essa Constituição a sério na prática. Afinal de contas, não se
estatuem impun emente textos de normas e textos constitucionais, que foram con
cebidos com pré-compreensão insiucern. O s textos podem revidar Izurückschlagen].
Os juris tas de um país da modernidade periférica, que se vêem expostos a tal situ
ação, têm objetivamente o papel de vanguarda não apenas em termos de técnica
jurídica , de competências, mas ju sta mente também em termos sociais. Assumem o
papel de vanguarda do desenvolvimento global da soc iedade no sent ido de criar e
fortalecer uma consciência pública mais ampla com relação à CoJistituição, à lega
lidade e ã vigência (levada a sério) dos textos oficiais de normas".
Percebemos aí a importância dos operadores do Direito na conformação
de uma sociedade cidadã, por meio da democratização do ensino jurídico,
não como um a exclusividade do meio universitário, mas com o disciplina geral
a ser ministrada a cada indivíduo em todos os níveis da ed ucação, principal
men te nas escolas públicas de todas as un idad es d a federação, no âmbito dos
Estados e do s M unicípios.
"Q ue m conhece os seus d ire itos fund am enta is?" Esta é um a ind agação feita
em u ma publicação do go verno alemão na década de 80 do século XX^. Dian-
» MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? Tradução de Peter Naumann. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 105.
s REPÚBLICA FED ERAL DA ALEMAN HA. Democracia como Tarefa. {Demokratie ais Auftrag). portugiesisch ed., Bonn:1982, p. 94 - Em 1979 o governo da Alemanha Ocidenta l promoveu uma pesquisa censi tària com a in tenção de saber
se os cidadãos da Repúbl ica Federa l da Aleman ha t inham conhecimento acerca de s ua Lei Fundamenta l e qual o nível
de consciência jur íd ica ac erca dos Dire itos Fundame nta is nela posi t ivados. Era a ocasião do 30o aniversár io da Co ns
tituição alemã. Os resultados desta pesquisa foram publicados em 1981 pelo governo e traduzidos para vários idiomas.
A edição em português é de 1982 e foi distr ibuída no Brasil pela Embaixada alemã. Este trabalho, que foi realizado em
cooperação com a Berlinisctie Galerie, a Ha mftL/rgerKo nsff la / íeeo De par tamento de Imprensa e In formação òo Gover
no da R epúbl ica Federa l da Alemanha contou com a colaboração do p rofessor Franz Radziwi l! As conclusões foram
8/20/2019 Lições de Cidadania
23/218
te da constatação de que a maioria de sua população ignorava os próprios
Direitos Fundam entais, o gove rno alemão inicia um a política de divulgação
da Lei Fundamental e programas de educação voltados a ensinar ao povo
alemão a consciência jurídica necessária ao exercício da cidadania. O Estado,neste caso, enten deu ser imprescindível para o desenvolvimento da Nação e
para q ue o país pude sse se posicionar com destaque d iante do resto dos paí
ses europeus (às portas da formação da Comunidade Européia) que cada
cidadão fosse um ser consciente e um defensor do o rdenam ento jurídico na
cional. Proteger a Lei Fundam ental era um a questão de sobrevivência do povo,
que deveria então conhecer a Constituição e auxiliar o Estado na função de
interpretar e aplicar seus preceitos, democratizando o Direito como instrumento da cidadania.
É imbuído nesse ideal que HÀBERLE apresenta sua 'T eo ria Democrática",
na qual não apen as os órgãos jurisdicionais específicos dete riam a legitimida
de para a interpretação da norma, mas todas as potências públicas, instituições
e cidadãos - como destinatários da norma - também seriam seus intérpretes
legítimos. O povo aparece aí não apenas como referencial quan titativo que con
fere, pelo sufrágio, legitimidade ao processo de decisão, mas, principalmente,
como elemento pluralista pa ra a interpretação normativa em sentido amplo,
cabendo ao ó rgão jurisdicional a interpretação em sentido estrito.
Conhecer o direito e, sobretudo, os instrumentos de acesso a ele fazem
parte da democracia. Democracia, vale a pena repetir, é acesso aos Direitos
Fundam entais. Tais direitos, supremos que são, não po dem ser reduz idos a
meras declarações, de spro vido s de efetividade.
O art. 5" de nossa Lei Maior, em seu inciso XXXIV, assegura a cada cida
dão o "direito de petição aos poderes públicos, em defesa d e direitos ou con
tra ilegalidades e abuso de poder" . Isso significa que tod os devem ter garan
tia de acesso à tutela estatal de seus direitos, po de nd o pe ticionar a qualqu er
dos po deres do Estado para defendê-los.
surpreendentes e revelaram que 54% dos entrevistados não sabiam nada sobre a C onst i tu ição e os demais t inham uma
noção razoável, m as não um a consciência efet iva sobre os seus D ire itos Fundam enta is expressos na Lei Fundamenta l
de 1949. Este foi o resultado da enquete: “A Le i Fundam enta l não é uma das le i turas prefer idas do s cidadãos. Quase
n inguém sabe exa tamente os d i re i tos que tem. e - o q u e também é impor tan te - que sen t ido tém esses d ire itos funda
menta is. e de que modo de terminam a posição do cidadão no Estado e em re lação a e le" (p. 94). Um passo importante
para a democrat ização naquele país fo i a formaçã o de fóruns de debates sobre o Dire ito a lemão vo l tados para o povo
em gera l e a formação de Assemblé ias de C idadãos para d iscut i rem previamente sobre a ap rovação de le is e regula
mentos de interesse do povo e de polit icas públicas locais.
™HÃBERLE, Peter : Herm enêut ica Const i tucional . Tradução de Gilma r Mendes. Porto Alegre: Fabris Ed., 1997, p. 15
a 55.
8/20/2019 Lições de Cidadania
24/218
Ap ren dem os assim que além de conhecer os nossos direitos devemos, co
nhecer os meios de efetivá-los e de protegê-los. Devemos ter acesso ao devi
do p rocesso legal, instrum ento de realização das garantias constitucionais e,
logo, instrumento de cidadania.BARACHO defende a idéia de que o devido processo legal é garantia cons
titucional e meio de efetivação da própria cidadania, asseverando a sua im
portância para a defesa da democracia, uma vez que ela somente se efetiva
quando o povo detém realmente a titularidade do poder soberano, nos ter
mos traçados pela p róp ria Constituição:
"A cidadania, para sua efetivação plena, demanda múlt iplas incursões sobre o conceito de garantia e dos princípios constitucionais do processo.
A exigência de garantia cons titucional é necessária para assegurar a integridade
da Constitu ição, como regra suprema do poder." ”
Não basta declarar os direitos que o povo quer elevar em nível de normas
fundam entais, quando do exercício do Poder Constituinte Originário, mas tor
na-se imperativo definir na Constituição os seus instrume ntos de realização.’̂
Esta idéia, já conhecida no meio acadêmico, deve ago ra ser div ulga da paraa sociedade. Muito embora haja um crescimento da consciência geral acerca
da utilização do processo como meio de defesa dos direitos, notadamente
após a publicação do Código de Defesa do Consumidor e da criação dos Juizados
Especiais, o fato de o povo a pre nd er a busca r a tutela do P oder Judiciário para
a defesa pontual de alguns direitos não reflete um crescimento no nível de
consciência jurídica da pop ulação como u m todo. A nossa Lei Fun dam ental é
ainda um a incógnita pa ra o senso comum.O direito de acesso democrático à jurisdição - função estatal de defesa da
legalidade e proteção da cidadania - dem and a qu e o Estado tenha com pro
misso com a realização dos direitos por m eio de um a pres tação jurisdicional
adeq uad a e indep ende nte, comprom issada com a ve rdad e e pron ta a decidir
" BARACHO, José Al fredo de Ol ive ira . Teoria Geral da Cidadania. São Paulo: Ed. Sara iva, 1995, p. 9.
Em ar t igo publ icado pela Faculdade de Dire ito da U niversidade Federa l de M inas Gera is pudemos desenvolver esta
idéia ao disse rtar sobre “0 Devido Processo Legal e a Proteção Judicial dos Direitos Fund amentais". N esse trabalho,
concluímos que “as considerações sobre a defesa da ordem const i tucional , dos d i re i tos fundamenta is e da própr ia
cidadania, fomam Impulso com a const i tucionallzaçào, não s ó dos pr incíp ios e regras que def inem estes d i re i tos, m as
do processo que os mater ia l iza e efet iva por meio de mecanismos de defesa, que abrangem pr incíp ios e garant ias
processuais de um devido processo legal , tu te lado por uma jur isd ição cons t i tucional das l iberdades e da cldadanl^ ' .
( re f .: WA ND ERLE Y JÚNIOR , Bruno. 0 Devido Processo Legal e a Proteção Judicia i dos Dire itos Fundamenta is. In:
8/20/2019 Lições de Cidadania
25/218
^
pela justiça, mesmo que isso signifique decidir contra o próprio Estado. O
com prom isso do Pod er Judiciário é com a Constituição e com as leis, e deve
atuar pa ra efetivar e proteger a ord em pública e a supremacia da Lei Fund a
mental.
"A efetividade dos direitos fun damen ta is ocorre pelos mecanismos de realização
juri sd icional dos mesmos. A efetividade ou eficácia dos direitos fundamentais ope
ra-se pela sua aplicabilidade real e concreta. Com isso ocorrem as possibilidades
reais de concretização dos direitos fundamentais a todos os cidadãos, por meio da
realização e otimização dos mesmos. As normas constitucionais são dirigidas à
realidade, dai que a interpretação deve ser orientada para sua efetividade, vigência
prática e material. O objetivo da garantia é a realização efetiva dos direitos fu n da
mentais. A liberdade jurídica fund am en ta l opera-se pelo exercício pleno da cidada
nia, quando em todos os momentos encontramos mecanismos para exercitá-los de
maneira direta, por via jurisdicional".^^
O Estado deve prom over sempre os meios de acesso do povo ao devido
processo, nos limites e moldes traçados pelos princípios e garantias constitu
cionais e pelas balisas igualitárias da lei.
A educação cidadã, ensinando ao povo como utilizar esses mecanismos
juríd icos de p roteção d os direitos fundamenta is , é d ireito social inderrogável,
postulado da igualdade jurídica, não apenas formal "em face da lei ', mas
materializada pela lei, pro m ovend o a igua ldade de acesso ao direito, "tratan
do desigualmente os desiguais", mas apenas para garantir que estejam em
igualdade de condições, impedindo que as diferenças sociais e econômicas
sejam um obstáculo ao tratam ento igualitário. Justifica-se aí a ch am ada igual
dade na lei, em subs tituição da idéia de ig ua ldade p era nte a lei.'"*
Essa é a fundam entação dos direitos sociais, expressos no art. 6" da Cons
tituição da República, que positiva o direito de igua ldad e e eleva os direitos
relativos ao cidadão, enquanto ser social, em nível de norma fimdamental,
inalienável, indisponíve l e intocável. Nesse sentido, nos reve la MORAES:
BARACHO, José Al fredo de Ol ive ira . Processo Const i tucional en Brasi l . In : ‘ ‘La Jur isd icción Consí i tucional en
Iberoamérica". Mad rid; Ed. Dykins on, 1997, p. 463.
SILVA, Jos é Afon so da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002 - “A just iça
concreta ou material seria, para Perelman, a especificação da justiça formal, indicando a característica constitutiva da
categor ia essencial , c t iegando-se às formas: a cada um seg undo a sua necessidade; a cada um a me sma coisa. Porque
existem desigualdades, é que se as pira à igualdade real ou mater ia l que busque re al izar a igual ização das condições
desiguais..." (p. 212-213). “A igualdade perante a just iça, assim, exige a busc a da igual ização de c ondições dos desi
guais..."' (p. 219).
8/20/2019 Lições de Cidadania
26/218
25
"Direitos sociais sno direitos fundamentais do Homem, que se caracterizam como
verdadeiras liberdades positizras, de observância obrigatória em um Estado Social
de Direito tendo por finalidade n melhoria das condições de vida aos hipossuficientes,
visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fun damen tos
do Estado democrático”.'^
A consagração dos d ireitos sociais foi um gra nd e passo p ara a consolida
ção do conceito de c idadania. Esta, transcend endo os antigos direitos políti
cos (votar e ser votado), abarca agora os direitos fun dam enta is como um todo,
incluindo-se os direitos individuais, os coletivos, os difusos e, sobretudo, os
sociais, que caracterizam o ser hum ano como m em bro d e um a fraternidade
universal baseada na igu aldade e na paz.O bem-estar como valor social somente se concretiza com o respeito aos
direitos de cada um e da promoção d a igualdade de condições e opo rtunid a
des entre todos. Esse pensam ento reflete o desejo de ver conc retizado na pr á
tica aquilo que ensinamos na cátedra dos cursos universitários: " o direito é
uma realidade transformadora da sociedade".
Contudo, fomos tão sistematicamente privad os de nossa id entidad e como
pessoas detentoras de um a dignidade inata a qualquer Ser Hum ano, que passamos a não acreditar mais em nossa própria hum anidade. Vivemos cada vez
mais isolados da realidade que nos cerca. Fingimos a cada d ia que as mazelas
dos desvalidos não são um problema p ara nos ocuparmos, transferindo para
o gov erno a exc lusividade da responsabilidade com a justiça social. No campo
ou na cidade, nos tornam os indiferentes às dores de nossos semelhantes.
Mas, como inda gou MÜLLER, ' ‘quem é o povo? ” Nós, po r termos a sorte de
não se rmo s miseráveis e, pen san do de maneira seletiva, excluímos os pobresdeste conceito? Ou seriam apenas os pobres que formariam o povo, e, neste
caso, o que seriamos nós?
A resposta, embo ra possa d esagra dar a m uitos, é duram ente clara: o povo
somos todos nós. Mais do que povo, deveríamos formar um a Nação. O pro
blema é a negação de nossa identidade. Assim, agimos antropofagicamente,
tentando eliminar - pelo menos de nossas m entes - a existência dos pobres
(ou como observa BOFF, dos em pobrecidos'^) na identificação do que que re
mos seja o povo.
MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 2. ed. São Paulo: Ed. Atlas,
2003, p. 470.
16 BOFF, Le onardo. Teologia do C ativeiro e da Libertação. 6. ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 1 998 - “Na verdade o pobre é
} b id i t é b lh d b d d f d d d f t d t b lh d di id d " ( 87)
8/20/2019 Lições de Cidadania
27/218
2 6 -----------
Co ntudo, nã o pod em os ignorar que a exclusão gera efeitos colaterais atin
gindo-nos no âm ago d e nossas vidas e interferindo na esfera de nossas rela
ções sociais. A violência na cidade e no campo, a favelização das Urbes, e
todos os outros frutos da d ominação d o capitalismo internacional, nos revelam a realidade crua de países que, como o nosso, acredita-se em vias de
desenvolvimento. O surgimento de poderes paralelos, ocupando os espaços
deixados pela ausência do Estado, promov endo um pod erio exacerbado de
grupos criminosos, mais organizados e bem armados do que o sistema de
proteção à segurança pública. A opulência do lucro fácil destas atividades
criminosas em contraposição à degradação das polícias e da remuneração
indigna d os policiais, praticamente forçados a se corrom per pelo p róprio Estado indiferente à prec arieda de de suas condições.
A miséria avança como um câncer social que contamina por metástase
todo o sistema, ultrapassand o a linha da m arginalidade e entrando nos lares
dos estamentos superiores da sociedade. Jovens de todas as classes sociais
são arrebatad os ao vício e, não raro, lançados na v ida criminosa, a tacando o
seu próprio meio e, desprovidos dos valores familiares, sociais e religiosos
que compõem nossa identidade cultural, são capazes de matar até mesmoseus entes familiares, sucum bind o à mais rasa torpe za d e caráter. A exclusão,
por fim, promove exatamente a descaracterização da sociedade.
Várias são as vozes que se levantam em to do o m un do para alertar que o
problema é causado por u ma força de dominação global, promo vend o a de
sordem interna princ ipalm ente em países periféricos, cuja força de m anifes
tação e resistência é que brad a pela opressão do pod er macroeconômico.'^
MÜLLER denunc ia q ue a exclusão social é a causa da p erd a de legitimidade da sociedade, pois faz parecer que ape nas os incluídos configuram o povo
detento r de direitos e merec edor d a proteção e statal’”. Nesse sentido, volta a
" BOFF a le rta -nos que “para se cr iar, estru lurar-se e man ter-se no r itmo acelerad o que alcançou, o desenvolv imento
capi ta lis ta necessi ta de al ia taxa d e in iqüidade social , sofr ida pelo Tercei ro Mundo, dentro do qu al se s i tua a Am érica
Lat ina. O s s intomas do subdese nvolv imento, entre outros, sâo a pobreza gene ral izada, a marginal idade, o ba ixo índice
das rendas, as d oença s endêmicas, a m ortal /dade infanti l, a e scassez de escolas, de em pregos, de hospi ta is , etc . Uma
anál ise m ais atenta, com o a processa da pela teor ia da dependência, descobre os me canism os gerado res dessa s i tua
ção. A causa mais determinante (não única, po r ex is t irem outras como a di ferença de ethos cul turais , fatores de ordem
biológica e sani tár ia) é a depe ndência de centros fora de noss o continente, m as internal izados den tro dele pelos repre
sentantes do Império." . . . "Histor icamente a Am érica Lat ina v iveu a dependência de sucessivos centros hegemôn icos,
cada q ua l deixando n ela as suas ma ni festações própr ia^ ' . Op. c i t. , p. 42-43.
MÜLLER, Fr iedr ich. Q uem é o pov o? Op. ci t. - "A exclusão deslegi t ima. Na exclusão o povo at ivo, o povo como
instância de atr ibuição e o povo-desl inatár io degeneram em povo-ícone. A legi t imidade somente pode advi r da funda
mentação no pov o rea l, que ê invocado pe lo tex to da Cons t itu ição - em d i fe ren tes perspec t i vas e com abrangênc ia
correspondentemente var iada, mas sempre de forma documentável , conforme se mostrou acima", (p. 105)
8/20/2019 Lições de Cidadania
28/218
21
afirmar a importânc ia dos juristas na missão de com partilhar o conhecimen
to acerca do direito para dem ocratizar a sociedade, form and o um a consciên
cia cidadã que pode rá vencer tais desafios: "O trabalho dos juris tas nessa dire
ção prod uz passo a passo a qualidade do Estado de Direito, m as é em gr au igual um trabalho em prol da democracia”
Nossa missão começa em recuperar a dignidade d e nosso povo. Resgatar a
cidadania e promover a democracia. Vencer as forças externas que nos opri
mem e não têm ne nh um laço ético com nossos irmãos excluídos. A globaliza
ção do capitalismo é a causa mais presente dos nossos problem as sociais, mas
não pod em os apen as pô r a culpa num inimigo imaterial e julgarmo-nos der
rotados, passand o a vida a lam entar e praguejar contra o ' 'inimigo estrangeiro". É a hora de prom overm os um movimento de mu danç a que, começando
no Brasil, se irradie pela América Latina e singre os mares, alcançando os Conti
nentes A fricano e Asiático, promo vendo a libertação pela educação cidadã.
Confiamos, assim, na profética análise do saud oso SANTOS:
"Estamos convencidos dc que a mudança histórica em perspectiva provirá de um
movimento de bnixo para cima, tendo como atores principais os países subdesen
volvidos e não os países ricos; os deserdados e os pobres e não os opulentos e outras
classes obesas; o indivíduo liberado, partícipe das novas massas e não o homem
acorrentado; o pensamento livre e 7mo o discurso único"?"
Acreditamos, desse modo , que para m ud ar é necessário coragem pa ra agir.
Não devem os mais esperar por milagres ou por messias populistas, com suas
soluções "bolhas de sabão". Devemos agir. Promover a cidadania já, pela
educação compartilhada, pela cooperação entre a sociedade e o Estado, de
que m exigiremos a participação. Tomaremos, com pu lso firme, as rédeas de
nosso destino, lutando pela valorização do Ser Humano, pela afirmação dos
direitos fundam entais e pela supremacia da C onstituição, arma d o pod er so
berano do povo. Os direitos fundamentais, como proclamou BONAVIDES,
"são 0 oxigênio das Constituições democráticas”^' . Nesse sentido, a própria so
brevivência da Constituição depe nde da efetivação para o povo de seus di
reitos fundamentais constitucionalmente consagrados.
E a sociedade civil, está pronta para agir?
Idem, ibidem.
SANTO S, Mi l ton. Por um a Outra G lobal ização: do pensamen to único à consciência universal. 6. ed. Rio de Janeiro:
Record, 2001, p. 14.
BONAVIDES Paulo Curso de Direilo Constitucional 12 ed São Paulo: Malheiros 2002 p 340
8/20/2019 Lições de Cidadania
29/218
8
Vários são os movim entos da sociedade engajados no com bate à miséria e
com prom etidos com a atenuação dos efeitos da exclusão, prom ovend o a soli
daried ade e a fraternidade. Ações como a das ONGs, da s Entidades Filantró
picas, dos Clubes Sociais, da Maçonaria, das Universidades e das Pastoraisreligiosas, de tod as as crenças. Mesm o os governos locais, regiona is ou o pró
prio governo federal têm promo vido a implementação de políticas de com
bate às desigualdades sociais e aos efeitos da pobreza, como o anunciado
projeto "Fome Zero", do Presidente Lula da Silva.
Então, por que não há uma diminuição dos efeitos da exclusão social, se
há tantas entidades governamentais e não governam entais atuand o em favor
dos m arginalizados, prom ovendo ações sociais?Ocorre que, na maioria dos casos, tais ações são isoladas e pontuais. As
entidades que atuam na área social enfrentam ainda um desafio maior, ou
seja, o núm ero alarm ante de p roblemas causados p or séculos de preconceito
e marginalização. Há milhões de miseráveis e a exclusão atinge todo o terri
tório deste país continental. Sem uma coordenação eficaz dos Poderes Públi
cos, as políticas sociais redundam em poucos e insignificantes resultados,
qua ndo o problem a é visto em âmbito nacional. M esmo assim, a participaçãoda sociedade civil é corajosa e digna de nossa admiração.
Mas, como promover a otimização destas ações para que os resultados
possam atingir, além dos efeitos, as causas da exclusão?
A única resposta possível é a efetivação dos direitos fundamentais, pela
divulgação, em âmbito nacional, do conhecimento e da consciência jurídica.
O papel de agreg adore s das ações sociais, servindo se supo rte para todas as
entidades públicas e privadas que as promovem, cabe agora aos juristas doBrasil. Devemos d emo cratizar o Direito. Não po dem os m ais perm itir que o
Direito seja um monopó lio dos bacharéis. O Direito é um patrim ônio da soci
edade, um bem comum , pertencente a cada pessoa que compõe o povo naci
onal. O Direito é um a ciência hum ana , enten dida como ciência social aplica
da, deve nd o pois, ser aplicado a toda a sociedade. Esta é a base da cidadania:
consciência jurídica.
Para exercer a soberania popu lar, efetivar a cidadania, prom over a digni
dade da pessoa humana, proteger os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa e garantir o pluralismo político, enfim, realizar os fundamentos
constitucionais da República Federativa do Brasil, enq uan to princípios fun
damentais de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, que tenha i\o
pov o o titular de todo o po de r (ver art. 1" da C onstituição brasileira) é neces
8/20/2019 Lições de Cidadania
30/218
29
sário que cada indivíduo saiba - realmente compreend a - seu papel na soci
edade, pela consciência dos direitos da cidadania e que, por meio de uma
formação cívica e que edu que para a cidadania, pod er m ud ar seu destino,
reintegrando-se na sociedade.É certo que vários são os projetos de Universidades, cursos de Direito e
mesm o de p rog ram as oficiais estatais nesse sentido. O qu e prega m os é a un i
ficação desses esforços e um mo delo que possa ser eficaz para obter resu lta
dos definitivos.
A base desse movim ento, que dev e ser nacional e que d eve se desvincular
de nomes ou patentes ou de discussões acerca da sua autoria, é o desloca
men to do ensino jurídico das U niversidades para g anhar as ruas das cidadese o caminho do campo.
A democracia, nos moldes traçados pela Constituição, é representativa e
decorre do exercício do sufrágio, reconhecido como instrumento da sobera
nia popu lar (art. 14 da Const ituição brasileira). A resp onsab ilidade do eleitor
vai além de sua p róp ria convicção política, pois é preciso com prom etimento
com a Nação para que a escolha parta de premissas verdadeiras. Preparan-
do-se o povo para entender o papel dos governantes e as funções públicasque estes exercerão, bem como esclarecendo o seu próp rio p apel como fiscal
da legalidade e da m oralidade pública, estaremos p repa rand o o nosso país
para a democracia verdad eira e legítima, pois a legitimidade dos governantes
não reside no voto, mas no compromisso social que ele representa.
A educação é a chave, e isto não é segredo para ninguém. Mas cabe aos
operadores do Direito a tarefa de democratizá-la.
Nesse sentido, um projeto despo nta d entre as milhares d e ações da socie
dad e civil. Trata-se do projeto "Lições de C ida da nia "^ , q ue tem po r objetivo
básico levar a Universidade para o povo, democratizando o conhecimento e
agindo não como um a entidade de caridade que vem apa drinh ar e alimentar
os pobres, mas como uma fraternidade que vem ju ntar forças, agir em con
junto com a com unidade, inserir-se nela e, mais do que isso, inseri-la na soci
edade cidadã.
^ Em 1999, graças aos esforços de dois jovens advogados e professores univers i tár ios, Antônio Fa br ic io Matos Gon
çalves e Rodolto V iana Perei ra, nasce um mo vimento pelo resgate da dignidade da pessoa hum ana denominado ‘l i
ções de Cidadania". Fruto do ideal ismo e do comprom isso com os reais interesses de nossa sociedade, esse m ovimen
to deixou de ser uma mera idéia e, com o apoio da Pont i f íc ia Univers idade Catól ica de Minas Gerais e da Prefei tura
Munic ipal de Bet im/MG, esse projeto fo i operacional izado naquele ano. Contan do com a part ic ipação de alunos e pro
fessores, 0 “L ições de Cidada nia" levou a Univers idade às escolas públ icas da região, ensinando a os joven s carentes e
futuros c idadãos desta Nação o seu verdadeiro papel na sociedade e incut indo- lhes o conhecimento e, mais do que
isso, a consciência de seus di re itos como indiv íduos e como m embros de um a colet iv idade.
8/20/2019 Lições de Cidadania
31/218
0
Atuando junto às crianças, estudantes e professores de Direito promove
ram seminários sobre direitos humanos e direitos e garantias fundamentais.
O indiv íduo d estas com unid ades carentes passo u a ter acesso às informações
necessárias para exercer, por si mesmo, os direitos básicos de um cidadão; aintenção do projeto é de ensina r àquela populaç ão os cam inhos que a dem o
cracia percorre no d ia-a-dia. Noções básicas de política, ensin and o o que é o
Estado e seus deveres para com o povo. Mostrando p ara que servem as prin
cipais instituições como PROCON, Ministério Público, Pode r Judiciário, Car
tórios de Registro Civil, Juntas Com erciais, noções do s serviços bancários, as
ONGs, como formar um a Associação Com unitária, os direitos sociais de saú
de, educação, m oradia, trabalho e amp aro, a previdência social, como prov idenciar certidões e docum entos, além dos deveres que cada cidad ão deve ter
com o Estado e com os outros cidadãos, enfim, os direitos, garantias e as
instituições que os prom ov em e como acessá-las.
O efeito foi surpree nden te. O projeto foi divu lgad o e hoje já foi imp lem en
tado também na região de João Monlevade/MG. No Norte e Sul do Brasil,
onde o projeto foi apresentado, surgem pedidos de várias Universidades in
teressadas em criar um núcleo do "Lições de Cidadania".A democracia, que nu nca foi levada a efeito em sua plen itude , po de agora
ser vislum brada nas "Lições de Cidada nia". Temos aí a opo rtun ida de d e con
tribuir com a recuperação da auto-estima deste povo, como cidad ãos plenos,
além de promover a reinserção no seio da sociedade dos indivíduos margi
nalizados pelos equívocos de nossa política sectária.
Mas ainda é só um projeto isolado. Devemos divulgá-lo, reverbera ndo
por todo o país os núcleos de democratização do ensino jurídico. Contamoscom o apoio da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), mas precisamos
transform ar a educação do país em todo s os níveis. Precisamos de u m a refor
ma n o ensino público, inserindo no currículo das escolas a disciplina "direito
e cidadania". Qu erem os o com promisso da Federação. As decisões políticas
dos pode res constituídos devem refletir a vontad e política sup erior do povo
(poder constituinte), positivada na Constituição.
Realizem-se as "Lições de C idadania", para pavim entar com dignidade
e respeito o caminho para a democracia.
Só dep end e de nós...
8/20/2019 Lições de Cidadania
32/218
- 31
Referências bibliográficas
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral da C idadania. São Paulo: Ed.
Saraiva, 1995.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional en Brasil. In:
"La jurisdicción Constitucional en Iberoamérica”. Madrid: Ed. Dykinson, 1997.
BOFF, Leonardo . Teologia do Cativeiro e da Libertação. 6. ed. Petrópolis: Ed. Vo
zes, 1998.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros,
2002 .
CHOMSKY, Noam. Democracia e Mercados na Nova Ordem Mundial. In:
GENTILl, Pablo (org.). Globalização Excludente. Petrópolis: Ed. Vozes, 2000.
CHOSSUDOVSKY, Michel. A Global ização da Pobreza. Tradução de Marylene
Michael. São Paulo: Ed. Moderna, 1999.
GONÇALVES, A. Plínio. Técrnca Pro cessual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro:
AIDE, 1992.
HÀBERLE, Peter: H erm enêutica Constit ucio nal. Tradução de Gilmar Mendes.
Porto Alegre; Fabris Ed., 1997.
LASSALLE, Ferdinand. O que é um a Constituição? Tradução de Hiltomar Oli
veira. Belo Horizonte: Ed. Líder, 2001.
LEAL, Victor N. Coronelismo, En chada e Voto. 5. ed. São Paulo: Ed. Alfa-Ômega,
1986.
MORAES, Alexandre. Co nstituição do Brasil Interpretada e Legislação C on stitucio
nal. 2. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2003.MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? Max Limonad, Tradução de Peter
Naumann. São Paulo: Ed. Atlas, 2000.
REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA. Democracia como Tarefa. (Demokrati e
ais Auftrag) portugiesisch ed Bonn: 1982
8/20/2019 Lições de Cidadania
33/218
—
SANTOS, Milton. Por um a O utr a Globalização: do pen sam ento único à consciência
universal. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Consti tucional Posit ivo. 20. ed. São
Paulo: Malheiros, 2002.
WANDERLEY JÚNIOR, Bruno. O Devido Processo Legal e a Proteção Judici
al dos Direitos Fundamentais. In; R evista da D A J, n° especial dos 40 anos.
Faculdade de Direito da UFMG, 1999, p. 33 a 51.
8/20/2019 Lições de Cidadania
34/218
33
OS PROJETOS DE EXTENSÃO
E OS CURSOS DE DIREITO
O desafio da Universidade de ultrapassar seus muros
e contribuir para a sociedade a qual está inserida.Lições de Cidadania: uma proposta de quebra
da política intramuros
A n tô n io F abrído de M a to s Gonçalv es*
Há muito se discute acerca do ensino jurídico no Brasil. Se ana lisarm os os
temários da s Conferências Nacionais da OAB, apena s dois temas se repetemem todos os concláveis; ética e ensino jurídico.
N a r Conferência Nacional, já discutia ensino jurídico e um a das preocu
pações já naquele tempo era a proliferação dos cursos jurídicos e naquela
época só existiam 50 (cinqüenta) escolas, contra as ma is de 420 (quatrocentas
e vinte) existentes hoje.
Muito se falou, muito se elaborou, muito se pr od uz iu, às vezes se avança
va, às vezes regredia.
A crise do ensino jurídico estava posta (não que esteja superad a), m uitas
eram as propostas de reforma como, por exemplo, o que dizia o professor
EDMUNDO A rr u d a no final dos anos 80: "a rtic ula se um a reflexão sobre uma neces
sária reforma do ensino jurídico d efo rm a integrada (curricular, docência, pesquisa,
* Advo gad o Trabalhista em Belo Horizonte. Professor de Direito do Trabalho da PU C /M IN A S, do
U N IC EN TR O IZA BE LA H EN D RI X e do lES /FUNCEC. M es trando em Dire ito do Trabalho pela
PU C /M IN AS e Especial is ta em Direi to do Trabalho pela PU C M IN A S. Conselheiro da O AB/M G. Vice-diretor da Escola Superio r de Advocacia da OA B/M G . M em bro das bancas dos Concursos de
Jiífz Subs t itu to do TR T - 3“ Região. M em bro do Con se lh o Editorial da Editora M andam ento s e mem bro da Associação American a de juristas.
E-mnil: [email protected]
8/20/2019 Lições de Cidadania
35/218
34
extensão e admin istrativa) sem essa integração, qualquer reforma pode tender ao fra
casso”.^
Um ensino jurídico e m i n e n t e m e n t e dogmático, sem interação com a soci
edade era a maior crítica do período acima citado como se vê no texto doprofessor J os é E d u a r d o F a r ia : "é preciso evitar que o ensino dogmático continue
desligado de seu caráter dogm ático no qu e se refere à inserção do D ireito na realidade
sócio-econômica brasileira"}
O debate acerca do Ensino Jurídico nos anos 80/90 foi capitaneado por
professores como: A g o s t i n h o R a m a lh o , A u r é li o W a n d e r B a s to s , Jo sé E d u a r d o
F a r i a , Jo sé G e r a l d o d e S o u z a J ü n io r , J a c i n t o N e l s o n d e M i r a n d a C o u t i n h o ,
L u iz A l b e r to W a r a t , R o b e r t o R a m o s A g u i a r e tantos outros foram fundam entais para u ma m udan ça no Ensino Jurídico materializada na Portaria 1.886/
94 do MEC^, e pela criação das Comissões de Fiscalização do Ministério da
Educação.
Das inúmera s prop ostas de reforma um ponto era pacífico à integração de
pesquisa, ensino e extensão.
Porém, não é a confecção de um a Portaria qu e transforma em passe de m á
gica uma realidade existente desde agosto de 1827, quando foram criados os
cursos de Direito de São Paulo e Olinda. A maioria das escolas de Direito a
partir d aí traziam e trazem no seu bojo um a escola superior "massificada d efo r
mação, tecnic am ente defasada, for m alis ta e acrítica , isso tudo nã o se transfor
ma apenas com leis, mas com vontade dos gestores dos cursos de Direito de
implem entar o qu e está con tido nas Leis, Portarias, Pareceres e Resoluções.
E é nesse ponto que reside a mudança ou não das diretrizes do curso de
Direito após a Portaria 1.886/94; na seriedade não dos dirigentes dos cursos
jurídicos.Em linhas gerais, a Portaria^ exige monogra fia de final de curso, ativida
' ARRUDA JÚNIOR, Edmundo L ima de. Ensino Jurídico e Sociedade. São Paulo: Acadêmica, 1989.
* FARIA, José Eduardo. A Reforma do Ensino Jur íd ico Porto Alegre: Editora Sergio Antonio Fabris, 1987.
^ Portaria essa que es lá am eaçad a pelo P arecer n* 146/2001 do MEC .
* ARRUDA JÚN IOR, Edmundo L ima de . Ensino Jurídico e Sociedade. São Paulo: Acadêmica, 1989.
^ Portaria 1.886, de 30 de dezemb ro de 1994.
Fixa as d i re t r izes cu rr icu lares e o c onteúdo m ín imo do curso jur íd ico.
0 Ministro de Estado da Educação e do Desporto, no uso das atribuições do Conselho Nacional da Educação, n a forma do
art. 4® da M edida Provisória n« 765, de de zemb ro de 1994, e considerando o que foi recom endado n os Se minários Regio
nais e Nac ional dos Cursos Jurídicos, pela Comissã o de Especial istas de Ensino de Direito, da SES u-MEC, resolve:
A rt. 1*. 0 curso jurídico será m inistrado com no m ínimo 3.300 horas de at ividades, cuja integral ização se fará em pelo
me nos cinco e no máx imo o i to anos le tivos.
8/20/2019 Lições de Cidadania
36/218
35
des complementares, 10.000 (dez mil) volumes de livros na Biblioteca, pro
fessores titulados. Muitas escolas em época de verificação das condições de
oferta dos cu rsos burla m a legislação^ de diversas m aneiras. Para citar ape
nas um exemplo: trazem em prestad o para den tro de suas instituições bibliotecas inteiras de advogados locais.
Entretanto, o que este texto propõ e e pretend e ab orda r são as faculdades
comprometidas que pretendem implementar a Portaria na sua plenitude, e
um dos pontos de maior angústia dos gestores dos cursos de Direito é a
efetivação da extensão.
Art . 2* . 0 curso noturno, que observará o mesm o padrão de desempenho e qual idade do curso no per íodo d iurno, terá
um má ximo d iár io de quatro horas de at iv idades d iárias.
Ar t . 3 - . 0 curso ju í iiJ ico de senvolverá at iv idades de ensino, pesquisa e extensão, in ter l igadas e obr igatór ias, segundo a
programação e d ist r ibu ição aprova das pe la própr ia Inst i tu ição de Ensino Super ior, de forma a atende r às necessidades
de formação fundamental, sociopolí t ica, técnico-juridica e prát ica do bacharel em direi to.
Ar t . 4- . Independente do reg ime acadêmico que adotar o curso (ser iado, créd i tos ou outro) , serão dest inados cinco a
dez po r cento da carga horár ia to ta l para at iv idades com plementares a justadas entre o a luno e a d i reção ou coordena
ção do curso, inclu indo pesquisa, extensão, sem inários, s impósios, congressos, c onferências, moni tor ia , in ic iação cien
tíf ica e discipl inas não previstas no currículo pleno.
Art , 5- . Ca da curso ju t iú ico m anterá um acervo b ib l iográ lico a tua l izado de no m ín imo dez m i l vo lumes d e obras juríd icas
e de referência ás matérias do curso, além de periódicos de jurisprudência, doutr ina e legislação.
A r t 6®. 0 conteúdo m ín imo do curso jur íd ico, a lém do estág io compreenderá as seguintes matér ias, que podem estar
cont idas em uma ou mais d iscip l inas do cu rr ícu lo p leno de cada curso:
I. Fundam entais: Introdução ao Direito, Fi losofia (geral e jurídica; ét ica gerai e prof ission al). Soc iologia (geral e jurídica).
Economia e Ciência Polí t ica (com Teoria do Estado).
I I. P rof issional izantes: Direi to Cons ti tucional, D ireito Civi l , Direi to Administrat ivo. Direi to Tributário, Direi to Penal, Direi to
Processual Civi l , Direi to Processual Penal, Direi to do Trabalho, Direi to Comercial e Direi to Internacional.
Parágrafo Único. As dem ais m atér ias e nov os d i re itos serão inclu ídos nas d iscip l inas e m que se d esdobrar o curr ícu lo
p leno de cada curso, de acordo com suas pec ul iar idades e com ob servância de in terd iscip l inar iedade.
Art. 7®. A prát ica de educação física, com predominância desport iva, observará a legislação específ ica.
Art. 8*. A part i r do quarto ano ou do período let ivo correspondente, e observado o conteúdo mínimo previsto no art. 6®,
poderá o curso concentrar-se em um a ou m ais áreas de especia l ização, segund o suas voca ções e dem andas socia is e
de m ercado de t rabalho.
Art . 9® Para conclusão do curso, s erá obr igatória apresentação e defesa de m onograf ia f ina l, perante banca exam ina
dora, com tema e or ientador escolh idos pe lo a luno.
A rt. 1 0 .0 estágio de prát ica jurídica, s upervisionado pela inst i tuição de ensino superior, será obrigatório e integrante do
curr ícu lo p leno, em um to ta l mín imo de 300 horas de at iv idades práticas simuladas e rea is desenvolvidas pe lo a luno sob
contro le e or ientação do núcleo correspondente.
§ 1 - 0 núcleo de prát ica jur íd ica, coordenado por professores do curso, d isporá de insta lações adequadas para o
t re inam ento da s at iv idades prof issionais de advocacia , magist ra tura, M in istér io Públ ico, dem ais prof issões jur íd icas e
para atendimento ao públ ico.
§ 2- As at iv idades de prát ica jur íd ica poderão ser complementadas mediante convênios com a Defensor ia Públ ica e
outras entidades públ icas, judiciárias, empresariais, comunitárias e sindicais que possibi l i tem a part icipação dos alunos
na prestação de serviços e em assistência jur íd ica, ou em ju izados espe cia is que venham a ser insta lados em depen
dência da própria inst i tuição de ensino superior.
8/20/2019 Lições de Cidadania
37/218
36
Muito se fala na teoria, mas muito pouco ou quase na da se efetiva na p rá
tica com relação à extensão e essa dissociação já foi descrita po r R o b e r t o A g u i a r :
"Se a prática não c orresp onde à teoria ou vice-versa, a razão está no fato de
a teoria não ser boa, isto é , não d ar conta do fenômeno. Uma teoria que nãocom preende o fenômeno e continua a ser repro duzid a tem ou tra utilidade
pa ra além d a carência. Ela deve ter um p apel ideológico de justificar certaprática ou sustentar algum fundam ento para a manuten ção de uma ordem
vigente. As teorias inadequadas só se mantêm se interesses dos poderes
hegem ônicos são po r elas garantido s e sustentados".^
E acredito que, com receio de expor suas con tradições, mu itas escolas evi
tam realizar Projetos de Extensão com o caráter social, principalmente no
curso d e Direito.
Equívocos e dificuldades na implem entação do s Projetos de Extensão
1. Equ ívocos nos conceitos: muitos cursos organ izam palestras e seminá
rios e trazem (ou convidam) a comunidade jurídica acreditando estar reali
zan do projetos de extensão de caráter social.
Art. 11.As at iv idades do estágio superv is ionado serão exclus ivamente prát icas, inc lu indo redação de peças processu
ais e profissionais, roíinas processuais, assistência e a luâção em audiências e sessões, visi tas a órgãos judiciários,
prestação de serv iços jur íd icos e técnicas de negociações colet ivas, arbi t ragens e conci l iação, sob o controle, or ienta
ção e aval iação do núcleo de prática jurídica.
Art. 1 2 .0 estágio prof iss ional da advocacia, prev is to na L ei n® 8.906, de 4 de ju lho de 1994. de caráter extracurr icular.
inc lus ive para graduados, po derá ser oferecido pela Inst itu ição de E nsino Super ior, em con vênio com a OAB, com ple
tando-se a carga horár ia efetivamente cump rida no estágio superv isionado, com a t iv idades prát icas t íp icas de advoga
do e do Estatuto da Advocacia e da O AB e do Código de Ét ica e Disc ip l ina.
Parágrafo Único. A complementação da carga horár ia, no total estabelec ido no convênio, será efet ivada mediante
at iv idades no própr io núcleo de prát ica jur íd ica, na Defensor ia Públ ica, em escr i tór ios de advocacia ou em setores
ju rí d ic os, púb lico s ou pri va dos, c re denci ados e aco m panhados pe lo núcl eo e pela O AB.
Art . 13 .0 tempo do estágio real izado em Defensor ia Públ ica da União, do Distri to Federal ou dos Estados, na forma do
art. 145. da Lei Complem entar n* 80, de 12 de janei ro de 1994, será considerado para f ins de carga horár ia do estágio
curricular previsto no art. 10 desta Portaria.
Art. 14. As inst i tu ições pod erão estabelecer convênios de intercâmbio dos a lunos e docentes, com aprovei tamento das
respectivas atividades de ensino, pesquisa, extensão e prática jurídica.
Art. 15. Dentro do prazo de dois anos, a contar desta data, os cursos jur íd icos proverão os meios necessár ios ao
integral cumprimento desta Portaria.
Art. 16. As diretrizes curriculares desta Portaria são obrigatórias aos novos alunos m atriculados a part ir de 1996 nos
cursos jur íd icos que, no exercíc io de sua autonomia, poderão apl icá- las imediatamente.
Art. 17. Esta Portar ia en trará em v igor na data de sua publ icação, revogadas as disposições em contrár io, especialmente as R esoluções 3/72 e 15/73 do ext into Conselho Federal de Educação.
Muri l lo de Avellar Híngel
^ Conforme relatos de vár ios alunos de diversas faculdades de Direi to, quand o somos convidados a palestrar sobre o
tema Diretrizes Curr iculares do Curso d e Direito.
' AG UIAR, Roberto A. R. A Crise da Advocacia. Editora Alfa-Ômega.
8/20/2019 Lições de Cidadania
38/218
37
Equivoca-se quem acredita nessa fórmula, pois apesar de se r louvável tra
zer juizes, prom otores , advogado s, serventuários da Justiça, ex-alunos para o
auditório da escola, não há caráter extensionisía-social, há uma integração,
mas nã o existe ali a saída do saber pro duz ido na quela escola p ara a sociedade d e forma geral.
2. Escritório-Escola: outras instituições de ensino traba lham na perspecti
va de d ivulgar seu trabalho de atendim ento à população carente como forma
de extensão, não precisando atua r em m ais nen hum campo, nem beneficiar
de ou tra forma a co m unidad e a qual está inserida.
Ledo engano, pois a té t ecnicamente es ta forma de enxergar es tá
distorcida, pois o SAJ, DAJ, NAJ são classificados pela portaria como forma de estágio, que a pesar de atende r à pop ulação carente, tem como fim o
aprendizado dos alunos e o aperfeiçoamento prático dos mesmos, tanto é
assim que q ua nd o os alunos já estão com seu n úm ero d e casos suficientes
para o seu desenvolvimento pedagógico, não se aceita mais nenhum ca
rente por m ais urgen te que seja seu problema. "P ois os escritórios-escola não
são defensorias públ icas" , "não têm o pape! subsid iário de subst i tu ir o Estado" ,
frases como essas são ditas rei teradas vezes aos populares que procuram
as assistências jurídicas de diversas escolas.
3. A lingu age m hermética e as contradições da U niversidad e: o aluno de
Direito está inserido em um tipo de formação na qual a lingu age m que lhes é
aprese ntada e por eles repro duz ida não é a linguagem coloquial da comuni
dade* em que estão inseridos. Além dos termos técnicos e das exp ressões em
latim que alguns professores repetem insistentemente, os alunos ainda se
defrontam com uma linguagem acadêmica adotada por alguns "doutores"
que é "vaga, demagógica, pedante e fro ux a é n vida acadêmica que gira em torno da
produção do conhecimento sem retorno social '"^, distanciando este aluno de pro
jetos sociais e caso este alu no com essa deformação procure um a forma de se
inserir na c om unida de terá dificuldade de ser entendido, e xpon do assim as
contradições da universidade, não conseguindo seu objetivo.
®C f. SANTOS, Boaventu ra de Souza . 0 Discurso e o Poder - Ensaio sobre a Sociologia de Retórica Jurídica. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris. 1988.
®AR RU DA JÚN IO R, Edm undo Lima. Advogado e Mercado de Trabalho. São Paulo: Jule x Livros Ltda.. 1988.
8/20/2019 Lições de Cidadania
39/218
Uma Proposta de Projeto da Extensão
de Resgate da Cidadania
Escrevendo o Projeto
Depois de tecida a crítica às ações ditas de extensão, e relacionar motivos
para não se fazer a mesma, tentaremos propor um projeto extensionista de
cun ho social e com espírito cidadão.
Foi desenvolvido um projeto de nome " L i ç õ e s d e C i d a d a n i a " na PUC/
M inas/B etim e lES/FU NC EC de João Monlevade, que será descrito.
Faz-se uso da s palav ras de J os é E d u a r d o F a r i a , para dem onstrar o que se
pre tend e alcançar com o Projeto 'Xições de Cidadania":
"Criar um a consciência participativa que p erm ita aos diferentes juristas de
ofício engajarem competentemente nos múltiplos processos decisórios,
como fatores de intermediação dos desmandos d a sociedade e nã o como
agentes d o Estado, ou seja, tentar refletir sobre as condições para um a rela
ção entr e a técnica jurídica e a prática política".’"
Lições de Cidadania
Origem
Nos anos de 1993/94, um grup o de advogados desenvolveu um a ativida
de que consistia em levar noções de Direito às comunidades carentes do
mu nicípio de Betim. Esses advogad os eram ligados ao Núcleo de Estudos da
Violência e Proteção aos Direitos Hum ano s - NEVPD H (fun dad o pelos Freis
Franciscanos da Paróquia de São Francisco de Assis na cidade de Betim) e
alguns com experiência anterior por terem pertencid o ao NE P’’ . Esses ad vo
gado s faziam seus encon tros em igrejas de periferias, salões paro quiais e casas de orações, divulgando direitos e deveres, onde buscá-los e sobretudo
FARIA, José Eduardo- A R elorma do E nsino Jur ió ico. Porto Alegre. Ed. Sergio Antonio Fabris, 1987,
" NEP - Núcleo Estág io Per i fer ia dos Estudantes de Di re ito da UFMG (1991) coordenado à época pe lo tio je Professor
da PUC/M G Gui l t ie rme W agner Ribe iro .
8/20/2019 Lições de Cidadania
40/218
como resistir, como se organizar, como reivindicar, como exercer sua cida da
nia. Este projeto'^ du ro u a té o ano de 1994.
No ano 2000, os professores A n t ô n