Lições de Cidadania

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    A n t ô n i o F a b r í c l o d e M a t o s G o n ç a l v e s^ . W

    L I Ç Õ E S D E C I D A D A N I A

    EDITORA

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    L I Ç Õ E S D E C I D A D A N I A

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    A N T Ô N I O F A B R Í C I O D E M A T O S G O N Ç A L V E S

    (Organizador)

    L I Ç Õ E S D E C I D A D A N I A

    EDITORA

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    Rubens A pprobate MachadoPresidente da OAB e Presidente Honorário da OAB EDITORA

    Jefferson Luis Kravchychyn pre sidente Executivo da OAB EDITORA

    Projeto Gráfico 

    F. J. Pereira

    Capa e Diagramação

    Rodrigo Pereira

     Revisão 

    D acio Luiz Osti

    Conselho Editorial 

    Jefferson Luis Kravchychyn (Presidente)Cesar Luiz PasoldHermann Assis Baeta

    Paulo BonavidesRa imundo César Britto Aragâo

    Sérgio Ferraz

    Ficha Catalográfica

    G6351 Gonçalves, Antônio Fabrício de MatosLicões de cidadania / Antônio Fabrício de Matos

    Gonçalves (organizador). - Brasília : OAB Editora, 2003.

    216 p.

    1. Direito I. Título,

    CDU 340

    ISBN - 85-87260-27-8

    EDITORA

    SAS Quadra 05 Lote 01 Bloco M - Edifício OABBrasília. DF - CEP 70070-050Tel. (61) 316-9600

    www.oab.org.br e-mail: [email protected]  

     je ff ers on@ kravchychyn.c om .b r

    http://www.oab.org.br/mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]://www.oab.org.br/

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    ‘Tor que se chamavam homens, também se chamavam sonhos, 

    e sonhos não envelhecem." ( Mi l t o n N a s c i me n t o , L ô B o r g e s  

    e M árcio Borges)

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     Agradecimentos

     Ao Rei tor Padre Geraldo Magela Teixe ira da PU C/M in as.

     A o Pró-Reitor de Extensão Bonifácio José Teixeira da PUC/M in as.

     À professora Josiane Andrade Mil itão.

     À professora Fides Angéli ca da E N A /O A B .

    Aos professores Cuilherijie Coelho Collen (PU C /M inas) e 

     Ale ssandro Moreira U m a (lES/FU NCEC).

     Aos jo rn alista s Luiz Carlos Bernardes e Rogér io Tavares.

     A o professor Marce lo Leonardo, Presidente da O AB /M G .

     Aos professores Fernando Gonçalves e Jairo Coelho, Jesus Lima,  

     Benilda Bri to , Saido Morais e L uciano Nunes.

     A A na Caroliim Gonçalves Vieira, colaboradora dedicada desta obra.

     À A M E P l - Associação dos M unicípios do M édio Piracicaba.

     Aos alunos: A n a Paula, Dinah. Elisa, Be th Prim o, Fátima Malta, 

    Fernanda Vieira, Geraldo Vagjier, Josiane, Leonardo, Luciano 

     Rinald i, M arcus, Carol, Renato Del Gaudio, Rodrigo Crespo, 

     Rodr igo Amaral, Rosângela, Ale ssandra, Urzedo, Sérgio, 

    Guilherm e Cabelo, Danu’l Bago, Bruno, Hu dso n, Dé e Águida.

    Por acreditarem no sonho de se fa ze r um a sociedade mais reflexiva 

    e melhor preprarada para enfren tar as agruras da vida.

     M u ito obrigado!

    Os autores

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    SUMÁRIO

    PREFÁCIO

    Marcelo L eonardo ................................................................................................ 11

    "LIÇÕES DE CIDADANIA": O CAM INHO DA DEMOCRACIABruno W anderley Jú n io r .....................................................................................13

    OS PROJETOS DE EXTENSÃO E OS CURSOS DE DIREITO

    Antônio Fabrício de Matos Gonç alves ............................................................ 33

    SONHOCÍDIO: ESTRAGOS NEOLIBERAIS NO ENSINO

    DO DIREITO OU "LA BUSQUEDA DEL BANQUETE PERDIDO ",

    COMO DIRIA ENRIQUE MARÍJacinto Nelson de Miranda C ou tinh o ............................................................. 43

    REFLEXÕES EM TORNO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS

    CRIATIVOS E DEMOCRÁTICOS

    Guilherm e W agner Ribeiro ............................................................................... 53

    ÉTICA E CIDADANIA

    Alexandre Travessoni G om es ........................................................................... 57A MEMÓRIA E A PRÁTICA DOS DIREITOS

    FUNDAMENTAIS: SUA RECUPERAÇÃO A PARTIR DE

    UMA EXPERIÊNCIA CONCRETA

    Rodolfo Viana Pereira.........................................................................................65

    SOCIEDADE CIVIL E A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA;

    A AUTON OMIA COM O PRESSUPOSTO

    Daniella Bernucci Paulino

    Rodolpho Barreto Sampaio Júnior...................................................................79

    ACESSO À JUSTIÇA: A QUAL JUSTIÇA?

    Allan Helber de O liveira .................................................................................... 91

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    A TUTELA JURISDICIONAL DOS DIREITOS SOCIAIS:

    CONSTRUINDO CIDADANIA

    Fernando Gonzaga ja y m e ............................................................................... 107

    O DIREITO DO CONSU MIDOR E A CIDADANIA

    Bruno Burgarelli Albergaria Kneipp ............................................................. 123

    PARA SE ENTENDER A CIDA DANIA AMBIENTAL

    COM O A DESCOBERTA DE "NOVAS PAISAGENS"

    Afrânio José Fonseca N a rd y ............................................................................ 135

    A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS

    HUMANOS E O SISTEMA INTERNACIONAL DE

    PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

    Carlos Aug us to Can êd o Gonçalves da S ilv a ...............................................145

    O SISTEMA PROCEDIMENTAL DO INQUÉRITO

    POLICIAL COMO OFENSA AOS PRESSUPOSTOS

    CONSTITUCIONAIS DA CIDADANIA

    Guilherme Augusto Marinho Gon çalves ................................................... 157

    DA JUSTA CAUSA PARA A PRISÃO

    Leonardo Augusto M arin ho............................................................................ 175

    ASPECTOS DA APLICABILIDADE JUDICIAL

    DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

    FRENTE AO NOVO CÓDIGO CIVIL

    Alice de Souza Birchal.......................................................................................185O TRABALHO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE:

    A CONSTITUIÇÃO DE 1988 COMO HORIZONTE DE CIDADANIA

    Gabriela Neves Delgado .................................................................................. 201

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    Prefácio

    "LIÇÕES DE CIDADANIA"

    A soc iedade brasileira confia na O rdem dos A dvo gad os d o Brasil, como

    entid ade da sociedade civil organizada, com prom etida historicamente com a

    defesa do estado democrático de direito, dos direitos hum ano s e da cidada

    nia. Ao longo de seus mais de setenta anos de existência, a OAB, através de

    seus dirigentes, conselheiros, colaboradores e advogados, marcou sua atua

    ção po r inú meras lições de cidadania.

    O com bate à ditad ura, na era Vargas e nos governos militares, a luta con

    tra a tortura, contra as violações de direitos da pessoa humana e contra as

    diversas e con denáv eis formas de discriminação, tu do isso identifica a OAB

    com os princípios fundamentais da democracia brasileira.

    A participação nas m emoráveis camp anhas pelo restabelecimento do es

    tado de direito, pela anistia, pelas eleições diretas e pelo impeachment do

    Presidente Collor constituem registros indeléveis da história da Ordem dos

    Advog ados, que se confund em com a p rópria história do Brasil.

    Por todas essas razões, a Ordem dos Advogad os do Brasil, Seção de Minas

    Gerais, sente-se engalan ada de ver vários de seus adv oga dos e professores de

    sua Escola Superior de Advocacia escrevendo estas "Lições de Cidadania".

    Ética, ensino jurídico, democracia, sociedade civil, acesso à justiça, tutela

    de direitos sociais, defesa do consumidor, meio ambiente, criança e adoles

    cente, processo justo e direitos fundamentais são alguns dos tem as expostos

    neste livro, cujo foco principal é o efetivo exercício da cidadania, em seus

    múltiplos aspectos.Por óbvio, está no centro dos debates a Constituição da R epública de 1988,

    cujo artigo 5° apesar de p leno em exp ressar direitos e garantias individuais e

    coletivos, ainda carece de efetividade, para aproximar o cotidiano do povo

    brasileiro das declarações nele contidas.

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    Sabidamente a proclamação de direitos do cidad ão não é bastante a sua

    concretude. A realidade reclama transformações contínuas para reduzir o

    grave quadro de exclusão social no Brasil. Em "Lições de Cidadania" busca-

    se contribuir para da r à vida brasileira novos horizontes na direção da alme jada inclu são social.

    Parabéns ao a d v o g a d o  e professor Antônio Fabrício de Matos Gonçalves,

    Conselheiro Secional da O AB /M G e Diretor da ESA da O AB/M G, pe la coor

    denação desta obra, mais um fruto do ideário democrático e hum anista da

    entidade.

    Belo Horizonte, julho de 2003.

    Marcelo Leonardo

    Presidente da OAB/MG

    Co orde nad or Nacional do Colégio de Presidentes de Secionais da OAB

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    "LIÇÕES DE CIDADANIA"; 

    O CAMINHO DA DEMOCRACIA B ru no W anderley Júnior*

    Cidadania.   Princípio constitucional de caráter fundamental. Consagrado

    pelo Poder C ons t i tuinte Originário  como corolário do nosso Estado D emocrático  

    de Direito.  Princípio que deve ser conjugado com a soberania,  a dignidade da 

     pessoa hum ana ,  os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa   e o  p lu ra lism o  

     polí tico. É assim que a Constituição da República Federativa do Brasil en un

    cia seus funda mentos, já em seu artigo primeiro. E, ainda neste dispositivo

    inicial, em seu parágrafo único, sentencia que todo poder emana do povo  e que

    este povo, que form a a Nação brasileira, irá exercer  este po de r total, soberano

    e inalienável,  por meio de seus representa nte s ele itos ou d ire tam en te, nos termosque a próp ria Constituição define.

    O povo, de tentor do po de r soberano, decide por organizar a sociedade com

    base em princípios fundamentais, estabelecendo as proteções jurídicas aos seus

    direitos e determ inando como seus representantes exercerão em seu nom e o

    po de r que a eles delega. Para isto exige que a norm a fundam ental, delineada

    no texto da Constituição, tenha superioridade e suprem acia sobre tud o aquilo

    que ela dispõe. A vontade soberana e a decisão política inicial da Nação devem se torna r efetivas na norm a fundam ental da sociedade. Esta deve ser pro

    tegida contra o autoritarismo e a usurpação de seu poder por aqueles que

    receberão, por delegação do povo, a prerroga tiva de exercê-lo em seu nome.

    A Constituição é assim a expressão máxima da vontade de um povo. É

    indubitavelmente o instrumento indispensável para que u m povo po ssa ga

    rantir a efetividade de seus objetivos fundam entais, o exercício soberano de

    * Mestre e doutor em Direito Constitucional pela UFMC- Coordenador da Pós-Graduação da Escola 

    Superior de Advocacia da OAB/MG. Professor de Direito Internacional e Direito Constitucional da Graduação, Mestrado e Doutorado da PUC/MG. Professor de Direito Internacional da ilFMG. Professor de Direito Municipal do Instituto Izabela Hendrix. Membro da Associação Americana de 

     juristas. E-mail: [email protected] 

    mailto:[email protected]:[email protected]

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    s e u  po de r soda] e o respeito aos direitos que, em sua concepção, são impre s

    cindíveis para d ar dig nidade e harm onia a cada um e a todos os mem bros de

    sua coletividade.

    Todavia, a Constituição é  apenas um texto, um a "folha de pa p e l" '. A suamera existência, en quan to texto legal, não é suficiente para realiza r tudo aquilo

    que nela está prescrito. Não podem as palavras escritas conduzirem os atos

    dos indivídu os e das a utoridades, como que p or magia. A Constituição preci

    sa do Ser H um ano. É o Hom em, como seu criador que, "a tuan do a Constitui

    ção" a faz real. Para que seus preceitos sejam efetivamente observados, a

    Constituição de ve ser realizada po r obra do Homem .

    Por este motivo , estabelece a Lei Maior os mecanism os e instrumentos paraque a sociedade efetive os direitos nela positivados, protegendo-a contra abu

    sos e exigindo, pelos meios ali ordenados, que os seus comandos atinjam a

    finalidade pela qual a Nação os positivou constitucionalmente. Para que isto

    aconteça cada indivíduo, cada membro da sociedade deve saber o que é uma

    Constituição, para qu e serve e qual a importância deste "texto" p ara a sua vida

    e a de seus semelhantes. Somente tendo consciência acerca dos princíp ios e dos

    direitos fundam entados na Constituição, o indiv íduo deixará de ser vítima das

    injustiças sociais que acometem p rincipalm ente os excluídos das conquistas da

    sociedade. A exclusão social ocorre primeiram ente p or meio da ignorância acerca

    da própria condição hum ana dentro da sociedade.

    A cidadania é sobretudo o conhecimento dos direitos fundamentais do

    Ser Hum ano com o tal. Para que todos ten ham acesso à democracia e ao cha

    mado "bem com um", devem ser-lhes proporcionados mais do que um a poé

    tica declaração de direitos, mas meios eficazes de seu pleno exercício.

    "A penosn caminhuda de uma sociedade, que ainda não resolveu problemas de 

    ordem v ital para a maioria de seus membros, desperta, nos estudiosos mais consci

    entes da dignidade reconhecida a cada ser humano pelo Direito, a indignação por  

    sabê-lo existente c por não obstante, negado. A dignidade hum ana é valor  

    que não se negocia, como realmente sempre o foi , por isso nasce a ânsia de promovê-  

    la já. Compreende-se, então, o apelo para que o Direito seja o elemento trans forma

    dor da sociedade. Mas não se pode esquecer que a sociedade contemporânea não  

    tem a pureza das primitivas, e já não aceita profetas com suas tábuas de leis. Q iu’r   fazer o seu dest ino e quer ser agente da sua história. Seus conflitos são trazidos à 

    luz do dia e resolvem-se no jogo das pressões e contradições''.^

    '   LASSALLE, Ferdinand. 0 que é uma Constituição'?  Ed. Líder. Tradução de Hiltomar Oliveira. Belo Horizonte: 2001, p. 53.

    ^ GONÇALVES, A. Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo.  AIDE, Rio de Janeiro, 1992.

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    A dignidade do indivíduo só existe quando ele é livre. A dignidade na

    sociedade só prevalece se todos forem iguais em direitos e obrigações. A dig

    nidade da hum anid ade é a paz, fruto do sentimento solidário da fraternidade.

    É nestes ideais democráticos que reside a idéia de cidadania. O pov o som ente governa q ua nd o vigem a legalidade e a legitimidade como impe rativos do

    Poder. O único meio pa ra concretizar tais ideais é a educ ação c idadã, na qual

    o povo é prep ara do p ara com preend er e interferir no exercício de seu poder.

    E este pod er só será soberano se o povo n ão perm itir que ele seja u surpa do

    por um grupo o u por um indivíduo que se apresente como "guia" o u como

    um "profeta" q ue deten ha o monopó lio sobre a lei - sobre sua criação e inter

    pretação - decidindo os destinos do povo por suas próprias conveniências.Te ndo o po vo consciência sobre a origem e função deste pod er, a democracia

    poderá ser mais que mera utopia, para ganhar vida na sociedade. O poder

    será semp re d o povo, se o povo souber protegê-lo.

    A democracia, como regime pelo qual o pov o é deten tor e destinatário do

    po der soberano, exige que haja a sua participação em todo s os mom entos da

    vida política de seu país, não somente p or meio do sufrágio - como se o direi

    to de vo tar esgotasse a participação democrática - m as so bretud o pelo aces

    so aos poderes públicos, pelo controle dos atos dos agentes estatais e pela

    prerrog ativa d e interferir nas decisões sobre seu próprio destino.

    A Constituição, que define a natureza soberana do p od er do p ov o (art.  \° ,  

    parágrafo ú nico e art. 14), estabelece, além do voto secreto, universal e per i

    ódico, outros instrumentos sociais de participação democrática, como o contro

    le sobre os atos de seus representantes e os mecanismos de defesa da Constitui

    ção e de exercício da cidadania. Assim temos o devid o processo legal, o plebisc ito,  o

    referendo  e a iniciativa de propor leis,  os remédios constitucionais  (art. 5") como o

     M andado de Seg urança, o  Habeas Corpus e a  Ação Popula r,  bem como a criação de

    entidades que recebem competência para defender a Constituição e suas nor

    mas, tais como o Ministério Público, os Tribunais de Contas e o Supremo Tribu

    nal Federal, ao qual compete precipuam ente a guarda da Consti tuição.

    Co ntudo , sem consciência dos direitos constitucionais o pov o não tem con

    dições de enten der sua condição de cidadania. Ignorante sobre a própria

    essência do poder soberano, o povo acredita ser ele um poder do Estado -pertencente a esta instituição ou àqueles que a repre sen tam - submetendo-se

    às suas ingerências e ao seu descaso sem o esboço de qualquer reação. Sem

    conhecer os instrumentos básicos de acesso aos poderes que em seu nome

    foram constituídos, o pov o perd e, a cada geração, o controle sobre o seu pró

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    prio p oder. As elites históricas de um país que foi forjado pela submissã o das

    pessoas comuns ao sistema "coronelista" e "fisiologista" da desigualdade

    social tentam imp edir qu e este povo oprim ido e m arginalizado tenha acesso

    às formas mais básicas do conhecimento, sucateando a educação e promovend o políticas que, longe de cu m prir os objetivos constitucionais do Estado

    brasileiro (art. 3° da Constituição da República), aum enta m as disp arida des e

    marginalizam ainda mais os menos favorecidos.

    As mesmas elites que pro mo vem a miséria do povo, dim inuin do os meios

    de acesso à democracia consciente e cidadã, apresentam -se a este mesm o povo

    como seus representantes, dizendo-se co mp rom issadas com o seu bem-estar.

    Mas a miséria e a ignorância são as m oeda s fortes deste sistema de dom inação. O desam paro em que vive o Cidadão, privado d e todos os direitos e de

    todas as garan t ia s , concorre  para a continuação do "C oronel", arvora do em

    protetor ou defensor natural de u m hom em sem direitos". ^

    É este o sistema utilizado em âmbito internacional, no qual instituições

    financeiras de grande porte, sediadas no chamad o "Primeiro Mu ndo ", man

    têm os países ainda não desenvolvidos - chamado s de "Terceiro M undo " -

    submissos à hegemonia de um pequeno grupo de países que formam um a

    elite internacional, cobrindo-os com as sombras de suas políticas globais, mas

    apresentando-se oficialmente como promotores de justiça e paz.'*

    Do mesmo modo como somos forçados a aceitar a hipocrisia internacio

    nal, assistindo impassivos aos poderosos países do Primeiro M un do decidi

    rem nossos destinos, endividando-nos e ameaçando-nos com seu poderio

    bélico, ao mesm o tem po que se apresentam como heróis da democracia, pro

    movendo reuniões circenses em organismos internacionais como a ONU -

    cujo fundam ento principal é a paz e a igualdade entre as Nações - para deci

    direm unilateralmente o destino do Terceiro Mundo.

    Somos, do po nto de v ista global, tão ignorantes sobre nossa condição como

    membros da sociedade internacional, como somos em nosso próprio país,

    acerca de nossa condição de cidadãos. O resu ltado é a marginalização, a do

    minação das elites e a miséria. Nossa única arma, em qualquer destas situa

    ções: a educação.

     ®Ver pr ef ác io de Barb os a U m a Sobrinho na ob ra de LE AL , Vic to r N. Coronelismo, Enchada e Voto.  5. ed. São Paulo:

    Ed. Alfa-Ômega, 1986. p. XVI.

    ‘ CH OSSUDOVSK Y. M iche l. A Global ização da Pobreza.  Tradução de Marylene Michael. São Paulo: Ed. Moderna,

    1999, p, 26-36.

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    Nestes tempo s difíceis, em que a economia globalizada - m oldada em ide

    ologias matemáticas e anti-sociais - interfere com suas novas políticas de

    mercado nas relações entre os Estados e seus respectivos cidadãos, impri

    m indo u m a "desum anizaçâo" destas relações, experimen tamos um a inaceitável condição de abandono, na qual os valores solidificados pela evolução

    da sociedade hum ana estão agora submetidos a novos valores mercadológicos,

    que retiram a ide ntidade das pessoas, vistas agora como mero s núm eros nas

    estatísticas de pro dução e consumo.

    Nesse cenário, a educação p assa a ser direcionada para as exigências des

    tes mercados, separando-se no s estamentos sociais aqueles que - po r sua con

    dição econômica - po dem ter acesso à educação de qu alidade daqueles quedeverão se submeter a uma mera instrução básica, sem conteúdo suficiente

    para q ue possam d esenvo lver uma consciência revolucionária, no sentido de

    terem capac idade de exigirem sua parcela do s d ireitos sociais.

    A saúde, a educação, a mo radia decente, o trabalho dign am ente rem une

    rado, a inclusão social dos marginalizados são valores funda m entais que não

    são contemp lados pela ideologia consumista d os m ercados que necessitam

    da desigualdade social e da ignorância popular para perpetuarem seus métodos d e dom inação. Seu objetivo de lucro e de pod er faz com qu e interfiram

    até mesm o nas instituições governam entais responsáveis po r traçar políticas

    e estratégias de ação social, impedindo que se possa atender às demandas

    sociais mais relevantes.

    O desconhecimento dos direitos fundam entais pelo hom em co mu m é fa

    tor imprescindível pa ra a manutenção d esse sistema de dominação.

    O investimento do Grande Capital é direcionado para formar técnicosqualificados pa ra sua linha de p rodu ção (retirados das classes mais favoreci

    das) e em imp edir que a grande massa das classes marginalizadas possam se

    educa r ou se prepa rar para ascender socialmente, mantend o-os como reser

    vas estratégicas de mão-de-obra barata e ignorante, como semoventes sem

    alma e sem dignidade. Como instrumento desta política de desagregação

    social, utilizam os meios de comunicação pa ra alienar o povo , en qua nto des-

    troem no sistema educacional qualquer forma de conscientização cidadã,

    optando por um ensino tecnicista e robotizador.

    CHOMSKY avalia o impacto desta forma de dom inação pe la exclusão:

    "Em geral o mun do está sendo levndo a umn espécie de modelo do Terceiro M u n

    do, por umn polüicn deliberada do Estado epelas corporações, com setores degrnn-

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    de riqueza, uma grande massa de miséria e uma grande população supérflua -  

    àesproviàa de todo e qualquer direito porque em nada contribui para a geração de 

    lucros, onde seu único valor e o humano".  ''

    A m udanç a que se desenha em nível global se faz pela interferência destaideologia na forma d e o rganização das políticas públicas nacionais, notada-

    men te na educação e na cultura, formatando u m p ad rão de massificação de

    valores consumistas e implodindo a manifestação de qu alque r outra forma

    de conscientização que possa ameaçar seus objetivos, des truindo, principal

    mente no Terceiro Mu ndo, valores como nacionalismo, patriotismo, solidari

    eda de e desenvolv imento social. Percebemos como a mídia é utilizada cada

    vez mais para a consolidação destes objetivos sombrios. Os meios d e com unicação de massa deixam de veicular programas educativos e formadores de

    consciência social e passam a priorizar os programas de variedades, verda

    deiros demolido res dos valores "conservadores" e, até mesm o o jornalismo,

    metralha as mentes despreparadas das pessoas comuns com informações e

    notícias que, sem um a discussão pormen orizada, ban alizam os fatos e im pe

    dem o raciocínio sobre suas reais dimensões. Alienar para dominar, destru

    indo a capacidade de raciocínio e de organização da sociedade civil.^Devem os então ter consciência desses fatos. Existe um a g uerra não decla

    rada entre um grupo sem-rosto, que representa uma elite sem-pátria e as

    pessoas comuns, desarmada s, empobrecidas, conden adas à escuridão da ig

    norância e à marginalização da pobreza. Nossa única arma, como dissemos,

    a educação - a restauração a estes indivíduos de sua cidadania.

    A reintegração dos indivíduos m arginalizados na sociedade, com u m mí

    nimo de condições de exercício da cidadania, depende de, em primeiro lu-

    ^ CHOM SKY, Noam . D emocracia e Mercados na Nova Ordem Mundial. In  GENT IL!, Pablo (o rg ). Globalização Excludente. 

    Ed. Vozes, Petrópolis; 2000, p. 30.

     ®P ara Cho msk y, est a pol ít ic a de m erc ado que tra ta o Ser Human o nã o com o desti na tá ri o dos be ns soc ia is , mas com o

    engrenagem de uma máquina empresarial de lucro é a responsável pelo empobrecimento generalizado, inclusive em

    países como os Estados Unidos. Aponta e le o impacto desta massi f icação na formação das n ovas gerações, no que

    denominou “guerra contra cr ianças e famíl ias” , com a desconstrução dos “va lores fami l iares" através de um a educação

    cada vez m ais recheada de in formação e cada vez m enos comprometida com a formaç ão e pela atuação da míd ia, pe la

    programação alienante, sobretudo dos programas de televisão. Para ele, "essas são a lgumas das fo rmas ma is v is de   

    contro le populacional . Na var iante ma is benigna, o pop ulacho tem de ser desviado para at iv idades não problemáticas, pelas g randes inst i tu ições de propaganda, organizadas e d i r ig idas pela com unidade em presar ia l , meio-nor íe-amer ica-   

    na. que investe imensa quant ia de cap i ta l e energ ia para conv er ter as pessoas em átom os de consu mo e fer ramentas  

    obedientes de produção (se t iverem a sor le de arrumar emprego) - iso ladas umas das outras, desprovidas até mesmo  

    daqu i lo que pode s e r chamado de v ida humana decen te . Isso é importante . Sen t imen tos hm a n o s norma is devem ser   

    esmagados. Eles são incompatíve is com uma ideologia a justada às necess idades de pr iv i lég io e poder , que   cetebra o

    lucro pr ivado como valor humano suprem o e nega os d i re i tos das pessoas, para a lém do que estas podem obter no  

    mercado de trabalho " Op cit p 43

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    19

    gar, restituir-lhes a dignidade. Fazê-los readquirir o respeito próprio, a

    autoconfiança e a fé / 

    Mas, o que fazer? Como viabilizar as conquistas teóricas que pregam a

    liberdade, a igualdade e a fraternidade como paradigmas do Estado de Direito se, mesmo com as declarações e proteções constitucionais e legais, a

    sociedade se vê privad a destas conquistas e não con segue efetivar na prática

    os seus objetivos fundam entais? Como identificar os problem as que nos afli

    gem se desconhecemos nossa própria identidade?

    Eis aí o desafio. Devemo s ter semp re em m ente que, u m a vez q ue o povo -

    visto aí como termo genérico, referindo-se à grande parcela de excluídos e

    ma rginalizad os - foi privad o dos meios necessários pa ra exercer a cidadania,notadamente a educação, temos um compromisso ético fundamental de re

    verter este quadro. A sociedade orga nizada e os Poderes Públicos são chama

    dos a contribuir efetivamente para a construção de um novo paradigm a.

    A cooperação entre os setores público e priv ado deve se r definitivamente

    instituída, não como fórmula de "diminuir o Estado" (como proposto pela

    política neoliberal), mas, ao contrário, como meio d e fazê-lo eficiente, agindo

    em perfeita sinergia para proporcionar à Nação brasileira uma real e democrática distribuiç ão do s bens e serviços sociais. Cabe aos setores m ais consci

    entes da sociedade iniciarem um processo de compartilhamento do saber,

    pro m ov end o açÕes sociais verda deiras e bem direcionadas no se ntido de p ro

    m over a inclusão educacional dos excluídos e marginalizados. A ignorância,

    repito, é a maio r expressão da injustiça social e o instrum en to cov arde e cruel

    de d om inação das elites.

    Educa r o povo não significa propo rcionar u m ensino técnico e criador demão-de-obra qualificada. Para esta finalidade temos excelentes centros de

    formação, projetos científicos e financiamento em grande escala.

    A educação à qual nos referimos deve ser fruto de um a reestruturação

    curricular. O qu e se exige é a reforma do ensino nacional, desde o nível fun

    damental e médio até o ensino universitário. O que se perdeu na educação

    em nosso país foi a formação ética de cidadãos responsáveis, ciosos de seus

    direitos e deveres para com o próximo e para com a sociedade como umtodo. Perdem os as noções básicas de civilidade e patriotism o. Disciplinas

    como "moral e cívica", "estudo dos problemas brasileiros" e "organização

    'A fé, não apenas no sent ido rel ig ioso, mas so bretudo a fé na própr ia humanidad e. É prec iso resgatar a fé nas pessoas

    e nas inst itu ições: nas le is e no Estado. É preciso entender e propaga r a sol idar iedade entre as pessoas qu e formam

    i d d id t id d i l N ã Fé i t t d f t id d

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    21/218

    0

    social e política do Brasil" foram extirpadas dos currículos escolares e acadê

    micos por serem identificadas com a Ditad ura m ilitar dos anos 70.

    Todos sabemos que durante esse período funesto de nossa História tais

    disciplinas continham um forte doutrinam ento p or pa rte da Ditadura. Mas,talvez, tenham os com etido o erro clássico dos revolucionários ao prom ove r o

    expurgo d e tud o aquilo que pudes se se identificar com o antigo regime. Ensi

    nar noções de moral, civilidade, patriotismo, respeito às instituições, com

    promisso com os problemas nacionais, consciência jurídica não pode nunca

    ser confundido com submissão a qualquer ditadura. Ao contrário, bastava-

    nos modificar o conteúdo programático destas disciplinas para torná-las ve

    ículos de cidadania. Todavia, ao retirá-las dos currículos escolares, negamosa toda uma geração o direito de obterem uma formação ética, socialmente

    consciente, pa ra fornecer-lhes exclusivamente conhecim ento técnico-científi-

    co, prepa rando -os não para a cidadania, mas para concorrerem a um merca

    do de trabalho cada vez mais desumanizador. Cumprimos assim a cartilha

    do Grande Capital, fornecendo a ele técnicos qualificados e trabalhadores

    autômatos.

    E quem po de então reverter este quadro?Temos aqui um a possibilidade real de d em onstrar qu e as discussões aca

    dêmicas sobre a realidade social do nosso país não irão abarro tar as gavetas e

    as prateleiras das bibliotecas universitárias. Se cons ideram os q ue é c hegada a

    hora de compartilhar o conhecimento sobre os direitos fundamentais com

    cada cidadão brasileiro, então é também chegada a hora de convocar a com u

    nidade acadêm ica, sob retudo os juristas, pa ra esta tarefa tão eng randeced ora

    e dignificante. Os professores de Direito, os acadêmicos em geral devem agora derru bar os mu ros que separa m a Universidade da sociedade. Universi tas 

    -  deve ser interp retada agora como a universalização do saber. Rom pam os o

    para digm a d o feudalism o intelectual, que mantém os cientistas encastelados

    em verdadeiros "feudos do conhecimento", para socializarmos o saber. Es

    pecificamente, devemos compartilhar o conhecimento jurídico com a socie

    dade , dentro de linguagens ad equ ada s à realidade social e regional de nosso

    país continental.

    É chegada a hora de uma nova revolução, sem armas ou rebeliões, mas,

    ordenadamente, devemos romper com o sectarismo intelectual, promoven

    do um a nova luta pela reinserção social de nossos com patriotas menos favo

    recidos. Ensinar a cidadan ia, po r meio do ensino jurídico em todos os níveis.

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    ------ 21

    para todas as pessoas, prioriza ndo as crianças no ensino fun dam ental. Solidi

    ficando a consciência jurídica n o povo , conseguirem os juntos fazer valer na

    prática o que a Constituição ga rante em seu texto.

    Será possível então realizar o sonho d a dem ocracia com a seg uinte expressão: "tod o o po der eman a do povo, que o exerce por meio de representantes

    eleitos de forma consciente, ou, conscientemente, de forma direta, nos ter

    mos em que a C onstituição dispuser". Cidadania pressu põe consciência polí

    tica e jurídica, para que se possa exercer a democracia e, em nom e dela, pro

    m over a real aplicação da Constituição do povo.

    Nesse sentido, as palavras de MÜLLER®:

    "O que se afigura como risco a partir da exclusão herdada do passado, configura ocasião para a luta legal e não violenta, para n luta legitimadorn contra a exclusão: 

    a ocasião de levar essa Constituição a sério na prática. Afinal de contas, não se 

    estatuem impun emente textos de normas e textos constitucionais, que foram con

    cebidos com pré-compreensão insiucern. O s textos podem revidar Izurückschlagen].

    Os juris tas de um país da modernidade periférica, que se vêem expostos a tal situ

    ação, têm objetivamente o papel de vanguarda não apenas em termos de técnica 

     jurídica , de competências, mas ju sta mente também em termos sociais. Assumem o 

     papel de vanguarda do desenvolvimento global da soc iedade no sent ido de criar e 

     fortalecer uma consciência pública mais ampla com relação à CoJistituição, à lega

    lidade e ã vigência (levada a sério) dos textos oficiais de normas".

    Percebemos aí a importância dos operadores do Direito na conformação

    de uma sociedade cidadã, por meio da democratização do ensino jurídico,

    não como um a exclusividade do meio universitário, mas com o disciplina geral

    a ser ministrada a cada indivíduo em todos os níveis da ed ucação, principal

    men te nas escolas públicas de todas as un idad es d a federação, no âmbito dos

    Estados e do s M unicípios.

    "Q ue m conhece os seus d ire itos fund am enta is?"   Esta é  um a ind agação feita

    em u ma publicação do go verno alemão na década de 80 do século XX^. Dian-

    » MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo?    Tradução de Peter Naumann. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 105.

    s REPÚBLICA FED ERAL DA ALEMAN HA. Democracia como Tarefa. {Demokratie ais Auftrag). portugiesisch ed., Bonn:1982, p. 94 - Em 1979 o governo da Alemanha Ocidenta l promoveu uma pesquisa censi tària com a in tenção de saber

    se os cidadãos da Repúbl ica Federa l da Aleman ha t inham conhecimento acerca de s ua Lei Fundamenta l e qual o nível

    de consciência jur íd ica ac erca dos Dire itos Fundame nta is nela posi t ivados. Era a ocasião do 30o aniversár io da Co ns

    tituição alemã. Os resultados desta pesquisa foram publicados em 1981 pelo governo e traduzidos para vários idiomas.

    A edição em português é de 1982 e foi distr ibuída no Brasil pela Embaixada alemã. Este trabalho, que foi realizado em

    cooperação com a Berlinisctie Galerie, a Ha mftL/rgerKo nsff la / íeeo De par tamento de Imprensa e In formação òo Gover

    no da R epúbl ica Federa l da Alemanha contou com a colaboração do p rofessor Franz Radziwi l! As conclusões foram

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    te da constatação de que a maioria de sua população ignorava os próprios

    Direitos Fundam entais, o gove rno alemão inicia um a política de divulgação

    da Lei Fundamental e programas de educação voltados a ensinar ao povo

    alemão a consciência jurídica necessária ao exercício da cidadania. O Estado,neste caso, enten deu ser imprescindível para o desenvolvimento da Nação e

    para q ue o país pude sse se posicionar com destaque d iante do resto dos paí

    ses europeus (às portas da formação da Comunidade Européia) que cada

    cidadão fosse um ser consciente e um defensor do o rdenam ento jurídico na

    cional. Proteger a Lei Fundam ental era um a questão de sobrevivência do povo,

    que deveria então conhecer a Constituição e auxiliar o Estado na função de

    interpretar e aplicar seus preceitos, democratizando o Direito como instrumento da cidadania.

    É imbuído nesse ideal que HÀBERLE apresenta sua 'T eo ria Democrática",

    na qual não apen as os órgãos jurisdicionais específicos dete riam a legitimida

    de para a interpretação da norma, mas todas as potências públicas, instituições

    e cidadãos - como destinatários da norma - também seriam seus intérpretes

    legítimos. O povo aparece aí não apenas como referencial quan titativo que con

    fere, pelo sufrágio, legitimidade ao processo de decisão, mas, principalmente,

    como elemento pluralista pa ra a interpretação normativa em sentido amplo,

    cabendo ao ó rgão jurisdicional a interpretação em sentido estrito.

    Conhecer o direito e, sobretudo, os instrumentos de acesso a ele fazem

    parte da democracia. Democracia, vale a pena repetir, é acesso aos Direitos

    Fundam entais. Tais direitos, supremos que são, não po dem ser reduz idos a

    meras declarações, de spro vido s de efetividade.

    O art. 5" de nossa Lei Maior, em seu inciso XXXIV, assegura a cada cida

    dão o "direito de petição aos poderes públicos, em defesa d e direitos ou con

    tra ilegalidades e abuso de poder" . Isso significa que tod os devem ter garan

    tia de acesso à tutela estatal de seus direitos, po de nd o pe ticionar a qualqu er

    dos po deres do Estado para defendê-los.

    surpreendentes e revelaram que 54% dos entrevistados não sabiam nada sobre a C onst i tu ição e os demais t inham uma

    noção razoável, m as não um a consciência efet iva sobre os seus D ire itos Fundam enta is expressos na Lei Fundamenta l

    de 1949. Este foi o resultado da enquete: “A Le i Fundam enta l não é uma das le i turas prefer idas do s cidadãos. Quase  

    n inguém sabe exa tamente os d i re i tos que tem. e - o q u e também é impor tan te - que sen t ido tém esses d ire itos funda

    menta is. e de que modo de terminam a posição do cidadão no Estado e em re lação a e le"   (p. 94). Um passo importante

    para a democrat ização naquele país fo i a formaçã o de fóruns de debates sobre o Dire ito a lemão vo l tados para o povo

    em gera l e a formação de Assemblé ias de C idadãos para d iscut i rem previamente sobre a ap rovação de le is e regula

    mentos de interesse do povo e de polit icas públicas locais.

    ™HÃBERLE, Peter : Herm enêut ica Const i tucional .  Tradução de Gilma r Mendes. Porto Alegre: Fabris Ed., 1997, p. 15

    a 55.

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    Ap ren dem os assim que além de conhecer os nossos direitos devemos, co

    nhecer os meios de efetivá-los e de protegê-los. Devemos ter acesso ao devi

    do p rocesso legal, instrum ento de realização das garantias constitucionais e,

    logo, instrumento de cidadania.BARACHO defende a idéia de que o devido processo legal é garantia cons

    titucional e meio de efetivação da própria cidadania, asseverando a sua im

    portância para a defesa da democracia, uma vez que ela somente se efetiva

    quando o povo detém realmente a titularidade do poder soberano, nos ter

    mos traçados pela p róp ria Constituição:

    "A cidadania, para sua efetivação plena, demanda múlt iplas incursões sobre o conceito de garantia e dos princípios constitucionais do processo.

     A exigência de garantia cons titucional é necessária para assegurar a integridade 

    da Constitu ição, como regra suprema do poder."   ”

    Não basta declarar os direitos que o povo quer elevar em nível de normas

    fundam entais, quando do exercício do Poder Constituinte Originário, mas tor

    na-se imperativo definir na Constituição os seus instrume ntos de realização.’̂

    Esta idéia, já conhecida no meio acadêmico, deve ago ra ser div ulga da paraa sociedade. Muito embora haja um crescimento da consciência geral acerca

    da utilização do processo como meio de defesa dos direitos, notadamente

    após a publicação do Código de Defesa do Consumidor  e da criação dos  Juizados  

    Especiais,  o fato de o povo a pre nd er a busca r a tutela do P oder Judiciário para

    a defesa pontual de alguns direitos não reflete um crescimento no nível de

    consciência jurídica da pop ulação como u m todo. A nossa Lei Fun dam ental é

    ainda um a incógnita pa ra o senso comum.O direito de acesso democrático à jurisdição - função estatal de defesa da

    legalidade e proteção da cidadania - dem and a qu e o Estado tenha com pro

    misso com a realização dos direitos por m eio de um a pres tação jurisdicional

    adeq uad a e indep ende nte, comprom issada com a ve rdad e e pron ta a decidir

    " BARACHO, José Al fredo de Ol ive ira . Teoria Geral da Cidadania.  São Paulo: Ed. Sara iva, 1995, p. 9.

    Em ar t igo publ icado pela Faculdade de Dire ito da U niversidade Federa l de M inas Gera is pudemos desenvolver esta

    idéia ao disse rtar sobre “0 Devido Processo Legal e a Proteção Judicial dos Direitos Fund amentais". N esse trabalho,

    concluímos que “as considerações sobre a defesa da ordem const i tucional , dos d i re i tos fundamenta is e da própr ia   

    cidadania,  fomam Impulso com a const i tucionallzaçào, não s ó dos pr incíp ios e regras que def inem estes d i re i tos, m as  

    do processo que os mater ia l iza e efet iva por meio de mecanismos de defesa, que abrangem pr incíp ios e garant ias  

    processuais de um devido processo legal , tu te lado por uma jur isd ição cons t i tucional das l iberdades e da cldadanl^ ' . 

    ( re f .: WA ND ERLE Y JÚNIOR , Bruno. 0 Devido Processo Legal e a Proteção Judicia i dos Dire itos Fundamenta is. In:  

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    25/218

    ^

    pela justiça, mesmo que isso signifique decidir contra o próprio Estado. O

    com prom isso do Pod er Judiciário é com a Constituição e com as leis, e deve

    atuar pa ra efetivar e proteger a ord em pública e a supremacia da Lei Fund a

    mental.

    "A efetividade dos direitos fun damen ta is ocorre pelos mecanismos de realização 

     juri sd icional dos mesmos. A efetividade ou eficácia dos direitos fundamentais ope

    ra-se pela sua aplicabilidade real e concreta. Com isso ocorrem as possibilidades  

    reais de concretização dos direitos fundamentais a todos os cidadãos, por meio da  

    realização e otimização dos mesmos. As normas constitucionais são dirigidas à 

    realidade, dai que a interpretação deve ser orientada para sua efetividade, vigência 

     prática e material. O objetivo da garantia é a realização efetiva dos direitos fu n da

    mentais. A liberdade jurídica fund am en ta l opera-se pelo exercício pleno da cidada

    nia, quando em todos os momentos encontramos mecanismos para exercitá-los de 

    maneira direta, por via jurisdicional".^^

    O Estado deve prom over sempre os meios de acesso do povo ao devido

    processo, nos limites e moldes traçados pelos princípios e garantias constitu

    cionais e pelas balisas igualitárias da lei.

    A educação cidadã, ensinando ao povo como utilizar esses mecanismos

     juríd icos de p roteção d os direitos fundamenta is , é d ireito social inderrogável,

    postulado da igualdade jurídica, não apenas formal "em face da lei ', mas

    materializada pela lei, pro m ovend o a igua ldade de acesso ao direito, "tratan

    do desigualmente os desiguais", mas apenas para garantir que estejam em

    igualdade de condições, impedindo que as diferenças sociais e econômicas

    sejam um obstáculo ao tratam ento igualitário. Justifica-se aí a ch am ada igual

    dade na lei, em subs tituição da idéia de ig ua ldade p era nte a lei.'"*

    Essa é a fundam entação dos direitos sociais, expressos no art. 6" da Cons

    tituição da República, que positiva o direito de igua ldad e e eleva os direitos

    relativos ao cidadão, enquanto ser social, em nível de norma fimdamental,

    inalienável, indisponíve l e intocável. Nesse sentido, nos reve la MORAES:

    BARACHO, José Al fredo de Ol ive ira . Processo Const i tucional en Brasi l . In : ‘ ‘La Jur isd icción Consí i tucional en  

    Iberoamérica".  Mad rid; Ed. Dykins on, 1997, p. 463.

    SILVA, Jos é Afon so da. Curso de Direito Constitucional Positivo.  20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002 - “A just iça  

    concreta ou material seria, para Perelman, a especificação da justiça formal, indicando a característica constitutiva da  

    categor ia essencial , c t iegando-se às formas: a cada um seg undo a sua necessidade; a cada um a me sma coisa. Porque  

    existem desigualdades, é que se as pira à igualdade real ou mater ia l que busque re al izar a igual ização das condições  

    desiguais..."   (p. 212-213). “A igualdade perante a just iça, assim, exige a busc a da igual ização de c ondições dos desi

    guais..."'   (p. 219).

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    25 

    "Direitos sociais sno direitos fundamentais do Homem, que se caracterizam como 

    verdadeiras liberdades positizras, de observância obrigatória em um Estado Social 

    de Direito tendo por finalidade n melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, 

    visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fun damen tos  

    do Estado democrático”.'^

    A consagração dos d ireitos sociais foi um gra nd e passo p ara a consolida

    ção do conceito de c idadania. Esta, transcend endo os antigos direitos políti

    cos (votar e ser votado), abarca agora os direitos fun dam enta is como um todo,

    incluindo-se os direitos individuais, os coletivos, os difusos e, sobretudo, os

    sociais, que caracterizam o ser hum ano como m em bro d e um a fraternidade

    universal baseada na igu aldade e na paz.O bem-estar como valor social somente se concretiza com o respeito aos

    direitos de cada um e da promoção d a igualdade de condições e opo rtunid a

    des entre todos. Esse pensam ento reflete o desejo de ver conc retizado na pr á

    tica aquilo que ensinamos na cátedra dos cursos universitários: " o  direito é

    uma realidade transformadora da sociedade".

    Contudo, fomos tão sistematicamente privad os de nossa id entidad e como

    pessoas detentoras de um a dignidade inata a qualquer Ser Hum ano, que passamos a não acreditar mais em nossa própria hum anidade. Vivemos cada vez

    mais isolados da realidade que nos cerca. Fingimos a cada d ia que as mazelas

    dos desvalidos não são um problema p ara nos ocuparmos, transferindo para

    o gov erno a exc lusividade da responsabilidade com a justiça social. No campo

    ou na cidade, nos tornam os indiferentes às dores de nossos semelhantes.

    Mas, como inda gou MÜLLER, ' ‘quem é o povo? ” Nós, po r termos a sorte de

    não se rmo s miseráveis e, pen san do de maneira seletiva, excluímos os pobresdeste conceito? Ou seriam apenas os pobres que formariam o povo, e, neste

    caso, o que seriamos nós?

    A resposta, embo ra possa d esagra dar a m uitos, é duram ente clara: o povo

    somos todos nós. Mais do que povo, deveríamos formar um a Nação. O pro

    blema é a negação de nossa identidade. Assim, agimos antropofagicamente,

    tentando eliminar - pelo menos de nossas m entes - a existência dos pobres

    (ou como observa BOFF, dos em pobrecidos'^) na identificação do que que re

    mos seja o povo.

    MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 2.   ed. São Paulo: Ed. Atlas,

    2003, p. 470.

    16 BOFF, Le onardo. Teologia do C ativeiro e da Libertação.  6. ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 1 998 - “Na verdade o pobre é  

    } b id i t é b lh d b d d f d d d f t d t b lh d di id d " ( 87)

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    2 6  -----------

    Co ntudo, nã o pod em os ignorar que a exclusão gera efeitos colaterais atin

    gindo-nos no âm ago d e nossas vidas e interferindo na esfera de nossas rela

    ções sociais. A violência na cidade e no campo, a favelização das Urbes, e

    todos os outros frutos da d ominação d o capitalismo internacional, nos revelam a realidade crua de países que, como o nosso, acredita-se em vias de

    desenvolvimento. O surgimento de poderes paralelos, ocupando os espaços

    deixados pela ausência do Estado, promov endo um pod erio exacerbado de

    grupos criminosos, mais organizados e bem armados do que o sistema de

    proteção à segurança pública. A opulência do lucro fácil destas atividades

    criminosas em contraposição à degradação das polícias e da remuneração

    indigna d os policiais, praticamente forçados a se corrom per pelo p róprio Estado indiferente à prec arieda de de suas condições.

    A miséria avança como um câncer social que contamina por metástase

    todo o sistema, ultrapassand o a linha da m arginalidade e entrando nos lares

    dos estamentos superiores da sociedade. Jovens de todas as classes sociais

    são arrebatad os ao vício e, não raro, lançados na v ida criminosa, a tacando o

    seu próprio meio e, desprovidos dos valores familiares, sociais e religiosos

    que compõem nossa identidade cultural, são capazes de matar até mesmoseus entes familiares, sucum bind o à mais rasa torpe za d e caráter. A exclusão,

    por fim, promove exatamente a descaracterização da sociedade.

    Várias são as vozes que se levantam em to do o m un do para alertar que o

    problema é causado por u ma força de dominação global, promo vend o a de

    sordem interna princ ipalm ente em países periféricos, cuja força de m anifes

    tação e resistência é que brad a pela opressão do pod er macroeconômico.'^

    MÜLLER denunc ia q ue a exclusão social é a causa da p erd a de legitimidade da sociedade, pois faz parecer que ape nas os incluídos configuram o povo

    detento r de direitos e merec edor d a proteção e statal’”. Nesse sentido, volta a

    " BOFF a le rta -nos que “para se cr iar, estru lurar-se e man ter-se no r itmo acelerad o que alcançou, o desenvolv imento  

    capi ta lis ta necessi ta de al ia taxa d e in iqüidade social , sofr ida pelo Tercei ro Mundo, dentro do qu al se s i tua a Am érica  

    Lat ina. O s s intomas do subdese nvolv imento, entre outros, sâo a pobreza gene ral izada, a marginal idade, o ba ixo índice  

    das rendas, as d oença s endêmicas, a m ortal /dade infanti l, a e scassez de escolas, de em pregos, de hospi ta is , etc . Uma  

    anál ise m ais atenta, com o a processa da pela teor ia da dependência, descobre os me canism os gerado res dessa s i tua

    ção. A causa mais determinante (não única, po r ex is t irem outras como a di ferença de ethos cul turais , fatores de ordem  

    biológica e sani tár ia) é a depe ndência de centros fora de noss o continente, m as internal izados den tro dele pelos repre

    sentantes do Império." . . . "Histor icamente a Am érica Lat ina v iveu a dependência de sucessivos centros hegemôn icos, 

    cada q ua l deixando n ela as suas ma ni festações própr ia^ ' . Op. c i t. ,  p. 42-43.

    MÜLLER, Fr iedr ich. Q uem é o pov o?    Op. ci t. - "A exclusão deslegi t ima. Na exclusão o povo at ivo, o povo como  

    instância de atr ibuição e o povo-desl inatár io degeneram em povo-ícone. A legi t imidade somente pode advi r da funda

    mentação no pov o rea l, que ê invocado pe lo tex to da Cons t itu ição - em d i fe ren tes perspec t i vas e com abrangênc ia   

    correspondentemente var iada, mas sempre de forma documentável , conforme se mostrou acima", (p. 105)

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    21

    afirmar a importânc ia dos juristas na missão de com partilhar o conhecimen

    to acerca do direito para dem ocratizar a sociedade, form and o um a consciên

    cia cidadã que pode rá vencer tais desafios: "O trabalho dos juris tas nessa dire

    ção prod uz passo a passo a qualidade do Estado de Direito, m as é em gr au igual um  trabalho em prol da democracia”

    Nossa missão começa em recuperar a dignidade d e nosso povo. Resgatar a

    cidadania e promover a democracia. Vencer as forças externas que nos opri

    mem e não têm ne nh um laço ético com nossos irmãos excluídos. A globaliza

    ção do capitalismo é a causa mais presente dos nossos problem as sociais, mas

    não pod em os apen as pô r a culpa num inimigo imaterial e julgarmo-nos der

    rotados, passand o a vida a lam entar e praguejar contra o ' 'inimigo estrangeiro". É a hora de prom overm os um movimento de mu danç a que, começando

    no Brasil, se irradie pela América Latina e singre os mares, alcançando os Conti

    nentes A fricano e Asiático, promo vendo a libertação pela educação cidadã.

    Confiamos, assim, na profética análise do saud oso SANTOS:

    "Estamos convencidos dc que a mudança histórica em perspectiva provirá de um  

    movimento de bnixo para cima, tendo como atores principais os países subdesen

    volvidos e não os países ricos; os deserdados e os pobres e não os opulentos e outras 

    classes obesas; o indivíduo liberado, partícipe das novas massas e não o homem  

    acorrentado; o pensamento livre e 7mo o discurso único"?" 

    Acreditamos, desse modo , que para m ud ar é necessário coragem pa ra agir.

    Não devem os mais esperar por milagres ou por messias populistas, com suas

    soluções "bolhas de sabão". Devemos agir. Promover a cidadania já, pela

    educação compartilhada, pela cooperação entre a sociedade e o Estado, de

    que m exigiremos a participação. Tomaremos, com pu lso firme, as rédeas de

    nosso destino, lutando pela valorização do Ser Humano, pela afirmação dos

    direitos fundam entais e pela supremacia da C onstituição, arma d o pod er so

    berano do povo. Os direitos fundamentais, como proclamou BONAVIDES,

    "são 0   oxigênio das Constituições democráticas”^' . Nesse sentido, a própria so

    brevivência da Constituição depe nde da efetivação para o povo de seus di

    reitos fundamentais constitucionalmente consagrados.

    E a sociedade civil, está pronta para agir?

    Idem, ibidem.

    SANTO S, Mi l ton. Por um a Outra G lobal ização: do pensamen to único à consciência universal.  6. ed. Rio de Janeiro:

    Record, 2001, p. 14.

    BONAVIDES Paulo Curso de Direilo Constitucional 12 ed São Paulo: Malheiros 2002 p 340

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    8

    Vários são os movim entos da sociedade engajados no com bate à miséria e

    com prom etidos com a atenuação dos efeitos da exclusão, prom ovend o a soli

    daried ade e a fraternidade. Ações como a das ONGs, da s Entidades Filantró

    picas, dos Clubes Sociais, da Maçonaria, das Universidades e das Pastoraisreligiosas, de tod as as crenças. Mesm o os governos locais, regiona is ou o pró

    prio governo federal têm promo vido a implementação de políticas de com

    bate às desigualdades sociais e aos efeitos da pobreza, como o anunciado

    projeto "Fome Zero", do Presidente Lula da Silva.

    Então, por que não há uma diminuição dos efeitos da exclusão social, se

    há tantas entidades governamentais e não governam entais atuand o em favor

    dos m arginalizados, prom ovendo ações sociais?Ocorre que, na maioria dos casos, tais ações são isoladas e pontuais. As

    entidades que atuam na área social enfrentam ainda um desafio maior, ou

    seja, o núm ero alarm ante de p roblemas causados p or séculos de preconceito

    e marginalização. Há milhões de miseráveis e a exclusão atinge todo o terri

    tório deste país continental. Sem uma coordenação eficaz dos Poderes Públi

    cos, as políticas sociais redundam em poucos e insignificantes resultados,

    qua ndo o problem a é visto em âmbito nacional. M esmo assim, a participaçãoda sociedade civil é corajosa e digna de nossa admiração.

    Mas, como promover a otimização destas ações para que os resultados

    possam atingir, além dos efeitos, as causas da exclusão?

    A única resposta possível é a efetivação dos direitos fundamentais, pela

    divulgação, em âmbito nacional, do conhecimento e da consciência jurídica.

    O papel de agreg adore s das ações sociais, servindo se supo rte para todas as

    entidades públicas e privadas que as promovem, cabe agora aos juristas doBrasil. Devemos d emo cratizar o Direito. Não po dem os m ais perm itir que o

    Direito seja um monopó lio dos bacharéis. O Direito é um patrim ônio da soci

    edade, um bem comum , pertencente a cada pessoa que compõe o povo naci

    onal. O Direito é um a ciência hum ana , enten dida como ciência social aplica

    da, deve nd o pois, ser aplicado a toda a sociedade. Esta é a base da cidadania:

    consciência jurídica.

    Para exercer a soberania popu lar, efetivar a cidadania, prom over a digni

    dade da pessoa humana, proteger os valores sociais do trabalho e da livre

    iniciativa e garantir o pluralismo político, enfim, realizar os fundamentos

    constitucionais da República Federativa do Brasil, enq uan to princípios fun

    damentais de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, que tenha i\o

    pov o o titular de todo o po de r (ver art. 1" da C onstituição brasileira) é neces

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    sário que cada indivíduo saiba - realmente compreend a - seu papel na soci

    edade, pela consciência dos direitos da cidadania e que, por meio de uma

    formação cívica e que edu que para a cidadania, pod er m ud ar seu destino,

    reintegrando-se na sociedade.É certo que vários são os projetos de Universidades, cursos de Direito e

    mesm o de p rog ram as oficiais estatais nesse sentido. O qu e prega m os é a un i

    ficação desses esforços e um mo delo que possa ser eficaz para obter resu lta

    dos definitivos.

    A base desse movim ento, que dev e ser nacional e que d eve se desvincular

    de nomes ou patentes ou de discussões acerca da sua autoria, é o desloca

    men to do ensino jurídico das U niversidades para g anhar as ruas das cidadese o caminho do campo.

    A democracia, nos moldes traçados pela Constituição, é representativa e

    decorre do exercício do sufrágio, reconhecido como instrumento da sobera

    nia popu lar (art. 14 da Const ituição brasileira). A resp onsab ilidade do eleitor

    vai além de sua p róp ria convicção política, pois é preciso com prom etimento

    com a Nação para que a escolha parta de premissas verdadeiras. Preparan-

    do-se o povo para entender o papel dos governantes e as funções públicasque estes exercerão, bem como esclarecendo o seu próp rio p apel como fiscal

    da legalidade e da m oralidade pública, estaremos p repa rand o o nosso país

    para a democracia verdad eira e legítima, pois a legitimidade dos governantes 

    não reside no voto, mas no compromisso social que ele representa.

    A educação é a chave, e isto não é segredo para ninguém. Mas cabe aos

    operadores do Direito a tarefa de democratizá-la.

    Nesse sentido, um projeto despo nta d entre as milhares d e ações da socie

    dad e civil. Trata-se do projeto "Lições de C ida da nia "^ , q ue tem po r objetivo

    básico levar a Universidade para o povo, democratizando o conhecimento e

    agindo não como um a entidade de caridade que vem apa drinh ar e alimentar

    os pobres, mas como uma fraternidade que vem ju ntar forças, agir em con

     junto com a com unidade, inserir-se nela e, mais do que isso, inseri-la na soci

    edade cidadã.

    ^ Em 1999, graças aos esforços de dois jovens advogados e professores univers i tár ios, Antônio Fa br ic io Matos Gon

    çalves e Rodolto V iana Perei ra, nasce um mo vimento pelo resgate da dignidade da pessoa hum ana denominado ‘l i

    ções de Cidadania". Fruto do ideal ismo e do comprom isso com os reais interesses de nossa sociedade, esse m ovimen

    to deixou de ser uma mera idéia e, com o apoio da Pont i f íc ia Univers idade Catól ica de Minas Gerais e da Prefei tura

    Munic ipal de Bet im/MG, esse projeto fo i operacional izado naquele ano. Contan do com a part ic ipação de alunos e pro

    fessores, 0  “L ições de Cidada nia" levou a Univers idade às escolas públ icas da região, ensinando a os joven s carentes e

    futuros c idadãos desta Nação o seu verdadeiro papel na sociedade e incut indo- lhes o conhecimento e, mais do que

    isso, a consciência de seus di re itos como indiv íduos e como m embros de um a colet iv idade.

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    Atuando junto às crianças, estudantes e professores de Direito promove

    ram seminários sobre direitos humanos e direitos e garantias fundamentais.

    O indiv íduo d estas com unid ades carentes passo u a ter acesso às informações

    necessárias para exercer, por si mesmo, os direitos básicos de um cidadão; aintenção do projeto é de ensina r àquela populaç ão os cam inhos que a dem o

    cracia percorre no d ia-a-dia. Noções básicas de política, ensin and o o que é o

    Estado e seus deveres para com o povo. Mostrando p ara que servem as prin

    cipais instituições como PROCON, Ministério Público, Pode r Judiciário, Car

    tórios de Registro Civil, Juntas Com erciais, noções do s serviços bancários, as

    ONGs, como formar um a Associação Com unitária, os direitos sociais de saú

    de, educação, m oradia, trabalho e amp aro, a previdência social, como prov idenciar certidões e docum entos, além dos deveres que cada cidad ão deve ter

    com o Estado e com os outros cidadãos, enfim, os direitos, garantias e as

    instituições que os prom ov em e como acessá-las.

    O efeito foi surpree nden te. O projeto foi divu lgad o e hoje já foi imp lem en

    tado também na região de João Monlevade/MG. No Norte e Sul do Brasil,

    onde o projeto foi apresentado, surgem pedidos de várias Universidades in

    teressadas em criar um núcleo do "Lições de Cidadania".A democracia, que nu nca foi levada a efeito em sua plen itude , po de agora

    ser vislum brada nas "Lições de Cidada nia". Temos aí a opo rtun ida de d e con

    tribuir com a recuperação da auto-estima deste povo, como cidad ãos plenos,

    além de promover a reinserção no seio da sociedade dos indivíduos margi

    nalizados pelos equívocos de nossa política sectária.

    Mas ainda é só um projeto isolado. Devemos divulgá-lo, reverbera ndo

    por todo o país os núcleos de democratização do ensino jurídico. Contamoscom o apoio da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), mas precisamos

    transform ar a educação do país em todo s os níveis. Precisamos de u m a refor

    ma n o ensino público, inserindo no currículo das escolas a disciplina "direito

    e cidadania". Qu erem os o com promisso da Federação. As decisões políticas

    dos pode res constituídos devem refletir a vontad e política sup erior do povo

    (poder constituinte), positivada na Constituição.

    Realizem-se as "Lições de C idadania", para pavim entar com dignidade

    e respeito o caminho para a democracia.

    Só dep end e de nós...

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    -  31

    Referências bibliográficas

    BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral da C idadania. São Paulo: Ed.

    Saraiva, 1995.

    BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional en Brasil.  In:  

    "La jurisdicción Constitucional en Iberoamérica”. Madrid: Ed. Dykinson, 1997.

    BOFF, Leonardo . Teologia do Cativeiro e da Libertação. 6. ed. Petrópolis: Ed. Vo

    zes, 1998.

    BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros,

    2002 .

    CHOMSKY, Noam. Democracia e Mercados na Nova Ordem Mundial.  In: 

    GENTILl, Pablo (org.). Globalização Excludente. Petrópolis: Ed. Vozes, 2000.

    CHOSSUDOVSKY, Michel.  A Global ização da Pobreza.  Tradução de Marylene

    Michael. São Paulo: Ed. Moderna, 1999.

    GONÇALVES, A. Plínio. Técrnca Pro cessual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro:

    AIDE, 1992.

    HÀBERLE, Peter:  H erm enêutica Constit ucio nal.   Tradução de Gilmar Mendes.

    Porto Alegre; Fabris Ed., 1997.

    LASSALLE, Ferdinand. O que é um a Constituição? Tradução de Hiltomar Oli

    veira. Belo Horizonte: Ed. Líder, 2001.

    LEAL, Victor N. Coronelismo, En chada e Voto. 5. ed. São Paulo: Ed. Alfa-Ômega,

    1986.

    MORAES, Alexandre. Co nstituição do Brasil Interpretada e Legislação C on stitucio

    nal. 2. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2003.MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo?   Max Limonad, Tradução de Peter

    Naumann. São Paulo: Ed. Atlas, 2000.

    REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA.  Democracia como Tarefa. (Demokrati e  

    ais Auftrag) portugiesisch ed Bonn: 1982

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    33/218

     —

    SANTOS, Milton. Por um a O utr a Globalização: do pen sam ento único à consciência 

    universal.  6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.

    SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Consti tucional Posit ivo.  20. ed. São

    Paulo: Malheiros, 2002.

    WANDERLEY JÚNIOR, Bruno. O Devido Processo Legal e a Proteção Judici

    al dos Direitos Fundamentais. In;  R evista da D A J,  n° especial dos 40 anos.

    Faculdade de Direito da UFMG, 1999, p. 33 a 51.

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     33

    OS PROJETOS DE EXTENSÃO 

    E OS CURSOS DE DIREITO

    O desafio da Universidade de ultrapassar seus muros

    e contribuir para a sociedade a qual está inserida.Lições de Cidadania: uma proposta de quebra

    da política intramuros

     A n tô n io F abrído de M a to s Gonçalv es*

    Há muito se discute acerca do ensino jurídico no Brasil. Se ana lisarm os os

    temários da s Conferências Nacionais da OAB, apena s dois temas se repetemem todos os concláveis; ética e ensino jurídico.

    N a r Conferência Nacional, já discutia ensino jurídico e um a das preocu

    pações já naquele tempo era a proliferação dos cursos jurídicos e naquela

    época só existiam 50 (cinqüenta) escolas, contra as ma is de 420 (quatrocentas

    e vinte) existentes hoje.

    Muito se falou, muito se elaborou, muito se pr od uz iu, às vezes se avança

    va, às vezes regredia.

    A crise do ensino jurídico estava posta (não que esteja superad a), m uitas

    eram as propostas de reforma como, por exemplo, o que dizia o professor

    EDMUNDO A rr u d a no final dos anos 80: "a rtic ula se um a reflexão sobre uma neces

    sária reforma do ensino jurídico d efo rm a integrada (curricular, docência, pesquisa,

    * Advo gad o Trabalhista em Belo Horizonte. Professor de Direito do Trabalho da PU C /M IN A S, do 

    U N IC EN TR O IZA BE LA H EN D RI X e do lES /FUNCEC. M es trando em Dire ito do Trabalho pela 

    PU C /M IN AS e Especial is ta em Direi to do Trabalho pela PU C M IN A S. Conselheiro da O AB/M G.  Vice-diretor da Escola Superio r de Advocacia da OA B/M G . M em bro das bancas dos Concursos de 

    Jiífz Subs t itu to do TR T -  3“ Região. M em bro do Con se lh o Editorial da Editora M andam ento s e mem bro da Associação American a de juristas.

    E-mnil: [email protected] 

    mailto:[email protected]:[email protected]

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     34

    extensão e admin istrativa) sem essa integração, qualquer reforma pode tender ao fra

    casso”.^

    Um ensino jurídico e m i n e n t e m e n t e  dogmático, sem interação com a soci

    edade era a maior crítica do período acima citado como se vê no texto doprofessor J os é E d u a r d o F a r ia : "é preciso evitar que o ensino dogmático continue  

    desligado de seu caráter dogm ático no qu e se refere à inserção do D ireito na realidade 

    sócio-econômica brasileira"}

    O   debate acerca do Ensino Jurídico nos anos 80/90 foi capitaneado por

    professores como: A g o s t i n h o R a m a lh o , A u r é li o W a n d e r B a s to s , Jo sé E d u a r d o

    F a r i a , Jo sé G e r a l d o d e S o u z a J ü n io r , J a c i n t o N e l s o n d e M i r a n d a C o u t i n h o ,

    L u iz A l b e r to W a r a t , R o b e r t o R a m o s A g u i a r e tantos outros foram fundam entais para u ma m udan ça no Ensino Jurídico materializada na Portaria 1.886/

    94 do MEC^, e pela criação das Comissões de Fiscalização do Ministério da

    Educação.

    Das inúmera s prop ostas de reforma um ponto era pacífico à integração de

    pesquisa, ensino e extensão.

    Porém, não é a confecção de um a Portaria qu e transforma em passe de m á

    gica  uma realidade existente desde agosto de 1827, quando foram criados os

    cursos de Direito de São Paulo e Olinda. A maioria das escolas de Direito a

    partir d aí traziam e trazem no seu bojo um a escola superior "massificada d efo r

    mação, tecnic am ente defasada, for m alis ta e acrítica , isso tudo nã o se transfor

    ma apenas com leis, mas com vontade dos gestores dos cursos de Direito de

    implem entar o qu e está con tido nas Leis, Portarias, Pareceres e Resoluções.

    E é nesse ponto que reside a mudança ou não das diretrizes do curso de

    Direito após a Portaria 1.886/94; na seriedade não dos dirigentes dos cursos

     jurídicos.Em linhas gerais, a Portaria^ exige monogra fia de final de curso, ativida

    ' ARRUDA JÚNIOR, Edmundo L ima de. Ensino Jurídico e Sociedade.  São Paulo: Acadêmica, 1989.

    * FARIA, José Eduardo. A Reforma do Ensino Jur íd ico   Porto Alegre: Editora Sergio Antonio Fabris, 1987.

    ^ Portaria essa que es lá am eaçad a pelo P arecer n* 146/2001 do MEC .

    * ARRUDA JÚN IOR, Edmundo L ima de . Ensino Jurídico e Sociedade.   São Paulo: Acadêmica, 1989.

    ^ Portaria 1.886, de 30 de dezemb ro de 1994.

    Fixa as d i re t r izes cu rr icu lares e o c onteúdo m ín imo do curso jur íd ico.

    0 Ministro de Estado da Educação e do Desporto, no uso das atribuições do Conselho Nacional da Educação, n a forma do

    art. 4® da M edida Provisória n« 765, de de zemb ro de 1994, e considerando o que foi recom endado n os Se minários Regio

    nais e Nac ional dos Cursos Jurídicos, pela Comissã o de Especial istas de Ensino de Direito, da SES u-MEC, resolve:

    A rt. 1*. 0 curso jurídico será m inistrado com no m ínimo 3.300 horas de at ividades, cuja integral ização se fará em pelo

    me nos cinco e no máx imo o i to anos le tivos.

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    35 

    des complementares, 10.000 (dez mil) volumes de livros na Biblioteca, pro

    fessores titulados. Muitas escolas em época de verificação das condições de

    oferta dos cu rsos burla m a legislação^ de diversas m aneiras. Para citar ape

    nas um exemplo: trazem em prestad o para den tro de suas instituições bibliotecas inteiras de advogados locais.

    Entretanto, o que este texto propõ e e pretend e ab orda r são as faculdades

    comprometidas que pretendem implementar a Portaria na sua plenitude, e

    um dos pontos de maior angústia dos gestores dos cursos de Direito é a

    efetivação da extensão.

    Art . 2* . 0 curso noturno, que observará o mesm o padrão de desempenho e qual idade do curso no per íodo d iurno, terá

    um má ximo d iár io de quatro horas de at iv idades d iárias.

    Ar t . 3 - . 0 curso ju í iiJ ico de senvolverá at iv idades de ensino, pesquisa e extensão, in ter l igadas e obr igatór ias, segundo a

    programação e d ist r ibu ição aprova das pe la própr ia Inst i tu ição de Ensino Super ior, de forma a atende r às necessidades

    de formação fundamental, sociopolí t ica, técnico-juridica e prát ica do bacharel em direi to.

    Ar t . 4- . Independente do reg ime acadêmico que adotar o curso (ser iado, créd i tos ou outro) , serão dest inados cinco a

    dez po r cento da carga horár ia to ta l para at iv idades com plementares a justadas entre o a luno e a d i reção ou coordena

    ção do curso, inclu indo pesquisa, extensão, sem inários, s impósios, congressos, c onferências, moni tor ia , in ic iação cien

    tíf ica e discipl inas não previstas no currículo pleno.

    Art , 5- . Ca da curso ju t iú ico m anterá um acervo b ib l iográ lico a tua l izado de no m ín imo dez m i l vo lumes d e obras juríd icas

    e de referência ás matérias do curso, além de periódicos de jurisprudência, doutr ina e legislação.

    A r t 6®. 0 conteúdo m ín imo do curso jur íd ico, a lém do estág io compreenderá as seguintes matér ias, que podem estar

    cont idas em uma ou mais d iscip l inas do cu rr ícu lo p leno de cada curso:

    I. Fundam entais: Introdução ao Direito, Fi losofia (geral e jurídica; ét ica gerai e prof ission al). Soc iologia (geral e jurídica).

    Economia e Ciência Polí t ica (com Teoria do Estado).

    I I. P rof issional izantes: Direi to Cons ti tucional, D ireito Civi l , Direi to Administrat ivo. Direi to Tributário, Direi to Penal, Direi to

    Processual Civi l , Direi to Processual Penal, Direi to do Trabalho, Direi to Comercial e Direi to Internacional.

    Parágrafo Único. As dem ais m atér ias e nov os d i re itos serão inclu ídos nas d iscip l inas e m que se d esdobrar o curr ícu lo

    p leno de cada curso, de acordo com suas pec ul iar idades e com ob servância de in terd iscip l inar iedade.

    Art. 7®. A prát ica de educação física, com predominância desport iva, observará a legislação específ ica.

    Art. 8*. A part i r do quarto ano ou do período let ivo correspondente, e observado o conteúdo mínimo previsto no art. 6®,

    poderá o curso concentrar-se em um a ou m ais áreas de especia l ização, segund o suas voca ções e dem andas socia is e

    de m ercado de t rabalho.

    Art . 9® Para conclusão do curso, s erá obr igatória apresentação e defesa de m onograf ia f ina l, perante banca exam ina

    dora, com tema e or ientador escolh idos pe lo a luno.

    A rt. 1 0 .0 estágio de prát ica jurídica, s upervisionado pela inst i tuição de ensino superior, será obrigatório e integrante do

    curr ícu lo p leno, em um to ta l mín imo de 300 horas de at iv idades práticas simuladas e rea is desenvolvidas pe lo a luno sob

    contro le e or ientação do núcleo correspondente.

    § 1 - 0 núcleo de prát ica jur íd ica, coordenado por professores do curso, d isporá de insta lações adequadas para o

    t re inam ento da s at iv idades prof issionais de advocacia , magist ra tura, M in istér io Públ ico, dem ais prof issões jur íd icas e

    para atendimento ao públ ico.

    § 2-   As at iv idades de prát ica jur íd ica poderão ser complementadas mediante convênios com a Defensor ia Públ ica e

    outras entidades públ icas, judiciárias, empresariais, comunitárias e sindicais que possibi l i tem a part icipação dos alunos

    na prestação de serviços e em assistência jur íd ica, ou em ju izados espe cia is que venham a ser insta lados em depen

    dência da própria inst i tuição de ensino superior.

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    36 

    Muito se fala na teoria, mas muito pouco ou quase na da se efetiva na p rá

    tica com relação à extensão e essa dissociação já foi descrita po r R o b e r t o A g u i a r :

    "Se a prática não c orresp onde à teoria ou vice-versa, a razão está no fato de

    a teoria não ser boa, isto é ,  não d ar conta do fenômeno. Uma teoria que nãocom preende o fenômeno e continua a ser repro duzid a tem ou tra utilidade

    pa ra além d a carência. Ela deve ter um p apel ideológico de justificar certaprática ou sustentar algum fundam ento para a manuten ção de uma ordem

    vigente. As teorias inadequadas só se mantêm se interesses dos poderes

    hegem ônicos são po r elas garantido s e sustentados".^

    E acredito que, com receio de expor suas con tradições, mu itas escolas evi

    tam realizar Projetos de Extensão com o caráter social, principalmente no

    curso d e Direito.

    Equívocos e dificuldades na implem entação do s Projetos de Extensão

    1. Equ ívocos nos conceitos: muitos cursos organ izam palestras e seminá

    rios e trazem (ou convidam) a comunidade jurídica acreditando estar reali

    zan do projetos de extensão de caráter social.

    Art. 11.As at iv idades do estágio superv is ionado serão exclus ivamente prát icas, inc lu indo redação de peças processu

    ais e profissionais, roíinas processuais, assistência e a luâção em   audiências e sessões, visi tas a órgãos judiciários,

    prestação de serv iços jur íd icos e técnicas de negociações colet ivas, arbi t ragens e conci l iação, sob o controle, or ienta

    ção e aval iação do núcleo de prática jurídica.

    Art. 1 2 .0 estágio prof iss ional da advocacia, prev is to na L ei n® 8.906, de 4 de ju lho   de 1994. de caráter extracurr icular. 

    inc lus ive para graduados, po derá ser oferecido pela Inst itu ição de E nsino Super ior, em con vênio com a OAB, com ple

    tando-se a carga horár ia efetivamente cump rida no estágio superv isionado, com a t iv idades prát icas t íp icas de advoga

    do e do Estatuto da Advocacia e da O AB e  do Código de Ét ica e Disc ip l ina.

    Parágrafo Único. A complementação da carga horár ia, no total estabelec ido no convênio, será efet ivada mediante

    at iv idades no própr io núcleo de prát ica jur íd ica, na Defensor ia Públ ica, em escr i tór ios de advocacia ou em setores

     ju rí d ic os, púb lico s ou pri va dos, c re denci ados e aco m panhados pe lo núcl eo e pela O AB.

    Art . 13 .0 tempo do estágio real izado em Defensor ia Públ ica da União, do Distri to Federal ou dos Estados, na forma do

    art. 145. da Lei Complem entar n* 80, de 12 de janei ro de 1994, será considerado para f ins de carga horár ia do estágio

    curricular previsto no art. 10 desta Portaria.

    Art. 14. As inst i tu ições pod erão estabelecer convênios de intercâmbio dos a lunos e docentes, com aprovei tamento das

    respectivas atividades de ensino, pesquisa, extensão e prática jurídica.

    Art. 15. Dentro do prazo de dois anos, a contar desta data, os cursos jur íd icos proverão os meios necessár ios ao

    integral cumprimento desta Portaria.

    Art. 16. As diretrizes curriculares desta Portaria são obrigatórias aos novos alunos m atriculados a part ir de 1996 nos

    cursos jur íd icos que, no exercíc io de sua autonomia, poderão apl icá- las imediatamente.

    Art. 17. Esta Portar ia en trará em v igor na data de sua publ icação, revogadas as disposições em contrár io, especialmente as R esoluções 3/72 e 15/73 do ext into Conselho Federal de Educação.

    Muri l lo de Avellar Híngel

    ^ Conforme relatos de vár ios alunos de diversas faculdades de Direi to, quand o somos convidados a palestrar sobre o

    tema Diretrizes Curr iculares do Curso d e Direito.

    ' AG UIAR, Roberto A. R. A Crise da Advocacia.  Editora Alfa-Ômega.

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    37 

    Equivoca-se quem acredita nessa fórmula, pois apesar de se r louvável tra

    zer juizes, prom otores , advogado s, serventuários da Justiça, ex-alunos para o

    auditório da escola, não há caráter extensionisía-social, há uma integração,

    mas nã o existe ali a saída do saber pro duz ido na quela escola p ara a sociedade d e forma geral.

    2. Escritório-Escola: outras instituições de ensino traba lham na perspecti

    va de d ivulgar seu trabalho de atendim ento à população carente como forma

    de extensão, não precisando atua r em m ais nen hum campo, nem beneficiar

    de ou tra forma a co m unidad e a qual está inserida.

    Ledo engano, pois a té t ecnicamente es ta forma de enxergar es tá

    distorcida, pois o SAJ, DAJ, NAJ são classificados pela portaria como forma de estágio, que a pesar de atende r à pop ulação carente, tem como fim o

    aprendizado dos alunos e o aperfeiçoamento prático dos mesmos, tanto é  

    assim que q ua nd o os alunos já estão com seu n úm ero d e casos suficientes

    para o seu desenvolvimento pedagógico, não se aceita mais nenhum ca

    rente por m ais urgen te que seja seu problema. "P ois os escritórios-escola não 

    são defensorias públ icas" , "não têm o pape! subsid iário de subst i tu ir o Estado" ,  

    frases como essas são ditas rei teradas vezes aos populares que procuram

    as assistências jurídicas de diversas escolas.

    3. A lingu age m hermética e as contradições da U niversidad e: o aluno de

    Direito está inserido em um tipo de formação na qual a lingu age m que lhes é

    aprese ntada e por eles repro duz ida não é  a linguagem coloquial da comuni

    dade* em que estão inseridos. Além dos termos técnicos e das exp ressões em

    latim que alguns professores repetem insistentemente, os alunos ainda se

    defrontam com uma linguagem acadêmica adotada por alguns "doutores"

    que é "vaga, demagógica, pedante e fro ux a é n vida acadêmica que gira em torno da 

     produção do conhecimento sem retorno social '"^, distanciando este aluno de pro

     jetos sociais e caso este alu no com essa deformação procure um a forma de se

    inserir na c om unida de terá dificuldade de ser entendido, e xpon do assim as

    contradições da universidade, não conseguindo seu objetivo.

     ®C f. SANTOS, Boaventu ra de Souza . 0 Discurso e o Poder  - Ensaio sobre a Sociologia de Retórica Jurídica.   Porto

    Alegre: Sergio Antonio Fabris. 1988.

     ®AR RU DA JÚN IO R, Edm undo Lima. Advogado e Mercado de Trabalho.  São Paulo: Jule x Livros Ltda.. 1988.

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    Uma Proposta de Projeto da Extensão 

    de Resgate da Cidadania

    Escrevendo o Projeto

    Depois de tecida a crítica às ações ditas de extensão, e relacionar motivos

    para não se fazer a mesma, tentaremos propor um projeto extensionista de

    cun ho social e com espírito cidadão.

    Foi desenvolvido um projeto de nome " L i ç õ e s d e C i d a d a n i a " na PUC/

    M inas/B etim e lES/FU NC EC de João Monlevade, que será descrito.

    Faz-se uso da s palav ras de J os é E d u a r d o F a r i a , para dem onstrar o que se

    pre tend e alcançar com o Projeto 'Xições de Cidadania":

    "Criar um a consciência participativa que p erm ita aos diferentes juristas de

    ofício engajarem competentemente nos múltiplos processos decisórios,

    como fatores de intermediação dos desmandos d a  sociedade e nã o como

    agentes d o Estado, ou seja, tentar refletir sobre as condições para um a rela

    ção entr e a técnica jurídica e a prática política".’"

    Lições de Cidadania

    Origem

    Nos anos de 1993/94, um grup o de advogados desenvolveu um a ativida

    de que consistia em levar noções de Direito às comunidades carentes do

    mu nicípio de Betim. Esses advogad os eram ligados ao Núcleo de Estudos da

    Violência e Proteção aos Direitos Hum ano s - NEVPD H (fun dad o pelos Freis

    Franciscanos da Paróquia de São Francisco de Assis na cidade de Betim) e

    alguns com experiência anterior por terem pertencid o ao NE P’’ . Esses ad vo

    gado s faziam seus encon tros em igrejas de periferias, salões paro quiais e casas de orações, divulgando direitos e deveres, onde buscá-los e sobretudo

    FARIA, José Eduardo- A R elorma do E nsino Jur ió ico.   Porto Alegre. Ed. Sergio Antonio Fabris, 1987,

    " NEP - Núcleo Estág io Per i fer ia dos Estudantes de Di re ito da UFMG (1991) coordenado à época pe lo tio je Professor

    da PUC/M G Gui l t ie rme W agner Ribe iro .

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    como resistir, como se organizar, como reivindicar, como exercer sua cida da

    nia. Este projeto'^ du ro u a té o ano de 1994.

    No ano 2000, os professores A n t ô n