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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO RAFAEL LEME MACEDO LIMITES DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA TUTELA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR Trabalho de Conclusão de Curso Orientador: Benedito Cerezzo Pereira Filho RIBEIRÃO PRETO 2013

LIMITES DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA TUTELA … · ... a ação civil pública e o mandado de segurança ... Código de Defesa do Consumidor CF: ... trata do assunto, além

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO

RAFAEL LEME MACEDO

LIMITES DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA

TUTELA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

Trabalho de Conclusão de Curso

Orientador: Benedito Cerezzo Pereira Filho

RIBEIRÃO PRETO

2013

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO

RAFAEL LEME MACEDO

LIMITES DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA

TUTELA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

Monografia apresentada à Banca

Examinadora da Faculdade de

Direito de Ribeirão Preto da

Universidade de São Paulo, como

exigência para obtenção do título de

bacharel em Direito, sob a

orientação do Professor Benedito

Cerezzo Pereira Filho.

RIBEIRÃO PRETO

2013

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RESUMO

O presente trabalho busca delinear os limites de atuação do Ministério Público na

tutela dos direitos coletivos do consumidor. Para tanto, narra o perfil institucional do órgão

trazido pela Constituição, explica o surgimento da tutela dos direitos coletivos, buscando

delimitar as diversas espécies destes, além de explicar e questionar a delimitação do rol de

legitimados através do sistema ope legis, ao invés de ope judicis. Além disso, traça os

principais questionamentos da doutrina e da jurisprudência acerca dos instrumentos

processuais em espécie, quais sejam: a ação civil pública e o mandado de segurança coletivo.

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ABSTRACT

This study aims to delineate the limits of performance of the prosecution in the

protection of the collective rights of the consumer. Therefore, narrates the institutional profile

of the organ brought by the Constitution, explains the emergence of the protection of

collective rights, seeking to define the various types of these, as well as explain and question

the definition of the list of legitimized through the system by operation of law, rather than

operating judicis. Moreover, outlining key questions of doctrine and jurisprudence concerning

the procedural instruments in kind, which are: the public civil action and collective writ of

mandamus.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, aos meus avós, que estão presentes todos os dias no meu

coração: minha avó Maria Aparecida, que de tão especial precisaria de uma obra de volume

equivalente ao desta para poder descrever; meu avô Moacyr, que sempre que me vê pergunta

como anda a faculdade; e minha avó Teresinha, que muito embora a doença tenha limitado o

corpo, seu espírito ilumina a vida dos que a conhecem.

Aos meus pais, sem os quais nunca poderia ter chegado aonde cheguei.

E a todos que me incentivaram e me ensinaram, pois esta obra é parte do fruto

que semearam.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ACP: Ação Civil Pública

AgRg: Agravo Regimental

ADI: Ação Direta de Inconstitucionalidade

CDC: Código de Defesa do Consumidor

CF: Constituição Federal

CLT: Consolidação das Leis do Trabalho

CPC: Código de Processo Civil

DJe: Diário de Justiça Eletrônico

EDcl: Embargos de Declaração

HC: Habeas Corpus

MP: Ministério Público

MPF: Ministério Público Federal

MS: Mandado de Segurança

TJ-SP: Tribunal de Justiça de São Paulo

RE: Recurso Extraordinário

Resp: Recurso Especial

STF: Supremo Tribunal Federal

STJ: Superior Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO............................................................................................................15

2. O MINISTÉRIO PÚBLICO.........................................................................................17

2.1 HISTÓRICO...........................................................................................................17

2.2 PRINCÍPIOS FUNCIONAIS................................................................................21

2.2.1 PRINCÍPIO DA UNIDADE................................................................................22

2.2.2 PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE..............................................................22

2.2.3 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA FUNCIONAL.................................................22

2.2.4 PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL........................................................25

2.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO SERIA UM QUARTO PODER?.............................27

3. DA EVOLUÇÃO DA TEORIA DO PROCESSO ÀS CONDIÇÕES DA AÇÃO:

PROPOSTA DE DELIMITAÇÃO DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO

PÚBLICO......................................................................................................................29

3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TEORIA GERAL DO PROCESSO...................29

3.2 CONCEITO DE JURISDIÇÃO..............................................................................34

3.3 O DIREITO DE AÇÃO: DA CONCEPÇÃO LIBERAL À CONTEMPORÂNEA

BUSCA PELA SUA EFETIVA PRESTAÇÃO...........................................................40

3.4 PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E ELEMENTOS DA AÇÃO –

DIFERENCIAÇÃO ENTRE CAPACIDADE DE SER PARTE, CAPACIDADE

PROCESSUAL E LEGITIMIDADE............................................................................42

3.4.1 LEGITIMIDADE EM ÂMBITO COLETIVO: OPE LEGIS OU OPE

JUDICIS............................................................................................................45

3.4.2 LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO: ORDINÁRIA,

EXTRAORDINÁRIA OU AUTÔNOMA?..................................................................49

4 INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS..........................................................................53

4.1 CONCEITO DE INTERESSE.................................................................................53

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4.1.1 DIFERENCIAÇÃO – INTERESSE PÚBLICO E INTERESSE PRIVADO.....53

4.1 INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS....................................................................56

4.2 DIREITOS COLETIVOS (LATU SENSU)..............................................................58

4.3 DIREITOS COLETIVOS (STRICTU SENSU)......................................................59

4.4 DIREITOS DIFUSOS..............................................................................................59

4.5 DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.........................................................61

5 DAS AÇÕES EM ESPÉCIE...............................................................................................69

5.1 AÇÃO CIVIL PÚBLICA.........................................................................................69

5.2 MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO........................................................73

5.2.1 POSIÇÃO RESTRITIVA.....................................................................................74

5.2.2 POSIÇÃO AMPLIATIVA....................................................................................75

5.2.3 POSIÇÃO ADOTADA.........................................................................................76

6 CONCLUSÃO....................................................................................................................81

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................83

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CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO

O questionamento que originou a criação deste trabalho pode ser sintetizado na

seguinte oração: “O Ministério Público é o principal agente na defesa dos direitos difusos e

coletivos”. Com a sua desconstrução em “átomos”, ou elementos dos quais emanam suas

características básicas, poderia esta sentença ser posteriormente reconstruída, ligando os

elementos de forma a dar sua interpretação plena.

Inicialmente, buscou-se destacar quais seriam os elementos que procuram dar

sentido à referida afirmação. No Capítulo 2 será tratado o elemento Ministério Público,

tomando-se por base seu viés institucional, designado pela Constituição Federal, relacionado

ao seu desenvolvimento histórico, que o elevou ao patamar atual. Ainda assim, surgiram

dúvidas: quais seriam seus limites atuais? Seria o Ministério Público um verdadeiro Poder,

subvertendo a renomada tese de Montesquieu?

Em seguida, procurou-se entender o elemento implícito “processo”, proveniente

da palavra defesa. Como será observado, seus conceitos variam ao longo do tempo pela forma

que se entende o direito que se protege. Seria o direito de ação um direito à sentença? Mas e

se a sentença não produz o efeito esperado? Será que o objeto mediato não seria seu

verdadeiro alvo?

A mudança nestas concepções é que teria originado a tutela coletiva de direitos,

tendo em vista o princípio da efetividade do processo. Entretanto, não se tratando da tutela

própria dos direitos, mas sujeito que tutela interesses alheios, quem teria a legitimidade para

sua propositura?

Para tanto, procurou-se separar as espécies de direito coletivo, visto que muitas

vezes estes são utilizadas como sinônimos, porém, no que se refere ao Ministério Público, é

de suma importância o estabelecimento dos seus limites, dada a legitimidade deste órgão na

persecução das espécies tuteladas.

No capítulo 5, uma análise crítica da oração como um todo. Será que ela é

verdadeira? Em que pese ser o entendimento majoritário da doutrina neste sentido, geralmente

os livros de direito não possuem dados concretos no que diz respeito à atuação do Ministério

Público.

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E por fim, em sendo a frase verdadeira, qual seria a razão dela? O Ministério

Público é um órgão de tal superioridade técnica e de pessoal que suplanta a sociedade civil

como um todo? Poderia haver uma cooperação entre a sociedade civil e o Ministério Público?

Ou seriam estas classes dicotômicas?

Estas são apenas algumas das perguntas que foram levantadas através da referida

sentença e que procuram ser respondidas ao longo deste trabalho. Não se buscou produzir

uma obra que esgota o assunto, mas que procurou levantar as maiores discussões quando se

trata do assunto, além das respostas que inúmeros doutrinadores e a jurisprudência vêm

tomando para cada uma delas.

Por fim, diante do contínuo desenvolvimento do direito, espera-se que as

respostas trazidas possam contribuir com a atual busca pela efetividade do processo.

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CAPÍTULO 2 – MINISTÉRIO PÚBLICO

2.1 HISTÓRICO

O Ministério Público é uma instituição pública autônoma1, que a Constituição

Federal enquadrou no capítulo IV, denominado como “das funções essenciais à justiça”,

juntamente com a Defensoria Pública e a Advocacia Pública.

A este atribuiu a incumbência de defender a ordem jurídica, o regime democrático e

os interesses sociais e individuais indisponíveis. Sagrou-se, portanto, como o grande defensor

dos interesses do conjunto da sociedade brasileira. Tem a obrigação de defender o interesse

público, conduzindo-se, sempre, com o zelo inerente à Administração pública, com respaldo

nos princípios elencados no art. 37 caput da CF.

Como instituição, o Ministério Público do Brasil passou a ser reconhecido a partir

do Decreto nº 1.030, de 14 de novembro de 1890. Houve, entretanto, um progressivo

desenvolvimento das suas atribuições, notadamente na esfera criminal, como órgão acusador e

como órgão agente e interveniente (custos legis), no campo cível.

O ilustre promotor de justiça do Estado de Sergipe, o professor Carlos Augusto

Alcântara Machado, destaca que:

Os membros do Ministério Público migraram da histórica e subserviente condição de

procuradores do rei, passando por uma posição intermediária de procuradores do

Estado, para enfim atingirem o patamar de procuradores da sociedade, verdadeiros

promotores de justiça, almejados pela sociedade, órfã que se encontrava de agentes

públicos independentes do assédio dos poderosos. Hoje, a Lei Maior veda,

1 Na Constituição de 1934 o Ministério Público foi incluído no capítulo Dos órgãos de cooperação das atividades

governamentais (arts. 95 a 98); na Constituição de 1937, junto ao Supremo Tribunal Federal (art. 99); na

Constituição de 1946 (arts. 125 a 128), em título próprio, atribuindo ao MPF a representação judicial da União;

na Constituição de 1967, em seção integrante do capítulo reservado ao Poder Judiciário (arts. 137 a 139) e na

Emenda Constitucional nº 01/69, em seção de capítulo destinado à organização do Poder Executivo (arts. 94 a

96).

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expressamente, a representação judicial das entidades públicas pelo Ministério

Público (art. 129, IX)2.

Portanto, foi a Constituição de 1988 foi quem efetivamente o alçou ao seu patamar

atual. Sobre seu papel destacado, Fábio Konder Comparato é incisivo:

Ora, no Estado contemporâneo, o Ministério Público exerce, de certo modo, esse

poder impediente , pela atribuição constitucional que lhe foi dada de impugnar em

juízo os atos dos demais Poderes, contrários à ordem jurídica e ao regime

democrático. A isto se acresce, ainda, a nova atribuição de promover a realização dos

objetivos fundamentais do Estado, expressos no art. 3º da Constituição, pela defesa

dos interesses individuais e sociais indisponíveis, consubstanciados no conjunto dos

direitos humanos. A conjugação de ambas essas atribuições, a impediente e a

promocional, faz do Ministério Público um órgão eminentemente ativo, que não pode

nunca recolher-se a uma posição neutra ou indiferente, diante da violação de direitos

fundamentais, mormente quando esta é perpetrada pelos Poderes Públicos3.

Também o Ministro Sepúlveda Pertence está entre os que veem o Ministério

Público na condição de órgão agente, especialmente a partir da vigência da Carta de 1988:

“[...] desvinculado de seu compromisso original com a defesa judicial do Erário e a

defesa dos atos governamentais ao laços de confiança do Executivo, está agora

cercado de contrafortes de independência e autonomia que o credenciam ao efetivo

desempenho de uma magistratura ativa de defesa impessoal da ordem jurídica

democrática, dos direitos coletivos e dos direitos da cidadania”4. (Grifos nossos).

2 MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. O Ministério Público na Constituição de 1988: Avaliação sobre o seu

Papel no Controle da Legalidade Administrativa. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador,

Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 29, janeiro/fevereiro/março de 2012. Disponível na Internet:

<http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-29-JANEIRO-2012-CARLOS-AUGUSTO-MACHADO.pdf>.

Acesso em: 24 de julho de 2013. 3 COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais.

Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 40, pág. 63,

jul/dez 2001. 4 STF – Pleno. MS n. 21.239-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence. RTJ 147/129-30.

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Entretanto, em que pese a mudança paradigmática do papel do MP na atuação

social, algumas de suas atribuições já existiam através de diplomas infralegais anteriores à sua

promulgação conforme nos ensina Arantes:

“Soa lugar comum a ideia de que a Constituição de 1988 deu ao país um novo

Ministério Público. todavia, [...] essa afirmação não é verdadeira, uma vez que boa

parte dos avanços conquistados pela instituição ocorreu no período anterior. antes

mesmo da eleição para o Congresso Constituinte, em 1986, e com menos de um ano

de retorno ao governo civil, com José Sarney, os principais elementos desse novo

Ministério Público já estavam dados: fiscal da constitucionalidade das leis e atos

normativos dos poderes políticos desde o início do regime militar, guardião do

interesse público ampliado desde 1973, instituição definida como permanente e

essencial à prestação jurisdicional desde 1981 e, finalmente, agente principal da

defesa dos interesses difusos e coletivos pela Lei da ação civil pública de 1985”5.

Por ser uma instituição permanente, o Ministério Público, ao agir, manifesta a

soberania do Estado. Pelo seu grau de importância e definição constitucional, como registra

Hugo Nigro Mazzilli6, o Ministério Público tornou-se cláusula pétrea implícita:

“Ao afirmar seu caráter permanente, o poder constituinte originário vetou,

implicitamente, que o poder constituinte derivado suprimisse ou deformasse a

instituição ministerial, pois, caso contrário, haveria forma indireta de burlar o

princípio”.

Poderíamos, em verdade, afirmar que a figura do promotor de justiça, como

representante do Ministério Público no processo civil, é a alternativa moderna que viabiliza a

superação do princípio dispositivo, sem comprometimento da imparcialidade do juiz, condição

indispensável para o exercício da função jurisdicional.

Como se verá adiante, a ideia do direito como faculdade de seu titular, que

poderia valer-se deste da forma que lhe prouvesse, resta completamente superada na

5 ARANTES, Rogério Bastos. Direito e política: o Ministério Público e a defesa dos direitos coletivos. Revista

Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 39, pág. 83-102, 1999. 6 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. São Paulo: Editora Saraiva, 2001, p. 142.

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atualidade. Isto porque se tornou evidente que a ordem jurídica estatal não é mera

alternativa do indivíduo, como se o Estado Moderno fosse indiferente à realização efetiva da

ordem jurídica imposta pela lei.

Dessa maneira, os modernos conflitos sociais e as enormes desigualdades

econômicas entre as pessoas participantes obrigariam o Estado a organizar-se de tal modo

que a ordem jurídica se torne efetiva. Para tanto, o legislador utilizou-se da figura do

Ministério Público, tendo em vista a livre e adequada manifestação dos fracos contra os

poderosos7.

Assegura-se, assim, o efetivo equilíbrio interno dos litigantes pela preservação do

princípio da igualdade de partes, assegurando, também, a realização dos fins perseguidos pelo

ordenamento jurídico, através da mitigação do princípio de demanda pelas partes, de tal modo que

o Estado, que não poderia intervir por meio do juiz, sob pena de comprometer sua imparcialidade,

ingressa muitas vezes na causa em socorro dos indivíduos ou grupos considerados deficientes e até

em nome destes, propondo, como parte, a demanda originariamente a eles atribuída8.

De um modo geral, costumam os doutrinadores separar as funções desempenhadas

pelo Ministério Público, no processo civil, em dois grupos, conforme ele exerça uma função de

simples fiscal da lei (custos legis) ou desempenhe a posição de parte, seja como "substituto"

processual, seja como órgão de certos interesses estatais, às vezes desempenhando as funções de

advogado de certas pessoas jurídicas de direito público.

De acordo com o art. 82 do CPC, é obrigatória a intervenção do Ministério Público

nas seguintes hipóteses:

I - nas causas em que haja interesse de incapazes;

II - nas concernentes ao estado das pessoas, pátrio poder, tutela, curatela, interdição,

casamento, declaração de ausência e disposição de última vontade;

III - nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais

causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da

parte.

7 SILVA, Ovídio Batista da. Curso de Processo Civil – volume um. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008,

pág. 306. 8 Idem, pág. 307.

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As questões que surgem na interpretação do art. 82, III, do Código são principalmente

duas: a) o Ministério Público é soberano para avaliar a existência de interesse público numa dada

causa, de modo a legitimar sua intervenção, ou o juiz poderá indeferir seu pedido de ingresso, ou

o requerimento da parte formulado com tal objetivo, por considerar o magistrado inocorrente, na

espécie, o alegado interesse público, capaz de autorizar o ingresso do Ministério Público? b) a

existência do interesse público, nas hipóteses incluídas no inc. III do art. 82, torna obrigatória a

intervenção do Ministério Público, de tal forma que a não convocação do órgão para a causa

acarrete a nulidade do processo, ou a existência de tal interesse dará ensejo à intervenção

facultativa do Ministério Público, não importando nulidade a ausência de sua participação efetiva,

quando não convocado?

Para Frederico Marques9, é obrigatória a intervenção do Ministério Público nos casos

abrangidos pelo inc. III do art. 82 do CPC, acarretando nulidade do processo a não convocação do

órgão para a causa. No mesmo sentido, J. J. Calmon de Passos10

entende obrigatória a intervenção

do Ministério Público nessa hipótese, cabendo ao juiz a decisão sobre a existência do interesse

público, evidentemente com recurso apropriado ao tribunal superior, mas a nulidade decorrente da

não convocação do órgão não será automática, ficando, ao contrário, sua decretação sujeita aos

princípios que regem as nulidades processuais.

O Ministério Público poderá provar a existência do interesse público capaz de

acarretar a nulidade do processo mesmo depois de encerrada a causa e transita em julgado a

respectiva sentença, promovendo a competente ação rescisória com fundamento no art. 485, III, do

CPC.

2.2 PRINCÍPIOS FUNCIONAIS

Dentre os que vale destacar, estão previstos os enumerados no art. 127§1º da CF:

unidade, indivisibilidade e autonomia funcional. Entretanto, diante das implicações lógicas,

9 MARQUES, Frederico. Manual de direito processual civil – volume um. 2. ed. atual. São Paulo: Editora Millennium,

2001, pág. 289. 10

Intervenção do Ministério Público nas causas a que se refere o art. 82, III, do Código de Processo Civil, separata da

Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, n. 12, p. 99. Apud: SILVA, Ovídio Batista da. Curso de

Processo Civil – volume um, pág. 20.

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acrescenta-se a discussão sobre a autonomia financeira do MP e se há na estrutura

constitucional, ao menos implicitamente, o princípio do promotor natural:

2.2.1 PRINCÍPIO DA UNIDADE

Os membros que integram a instituição estão sob a égide de um único chefe, de

forma que o Ministério Público deve ser visto como uma instituição única, sendo a divisão

meramente funcional. O princípio da unidade, como se vê, tem natureza administrativa.

Importante notar que a unidade é do órgão, não se podendo falar em unidade para

o Ministério Público da União (qualquer deles) e dos Estados, nem entre os ramos daquele.

2.2.2 PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE

Corolário do princípio da unidade, que se afere de maneira lógica, trata da

possibilidade de um membro do Ministério Público substituir outro, dentro da mesma função,

sem que, com isso, exista qualquer implicação prática. Isto porque quem exerce os atos, em

essência, é o Ministério Público, e não a pessoa do Promotor de Justiça ou Procurador.

2.2.3 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA FUNCIONAL

Com a Constituição de 1988, foi concedida ao Parquet autonomia funcional, uma

das principais garantias da instituição, que consiste da possibilidade de tomar decisões sem

injunções de outros órgãos ou Poderes do Estado. Essa garantia possibilitou uma mensurável

mudança no perfil institucional do Ministério Público.

Tome-se como exemplo a Ação Civil Pública. Embora esse tipo de ação tenha

sido prevista antes de 1988, com o advento da Constituição, esse instrumento deixou de ser

utilizado por uma organização ligada ao poder Executivo, o que fazia das ações do MP ações

do próprio governo.

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Ou seja, com a Constituição de 1988, além de se utilizarem da ação civil pública

para fiscalizar o correto cumprimento da lei, os promotores e procuradores de Justiça

passaram a fazer isso de forma independente em relação aos políticos, o que, para kerche

(2003), representa uma grande diferença. ademais, esse instrumento foi ampliado de forma

considerável para todos os interesses difusos e coletivos. tudo isso garante um alto grau de

autonomia ao Ministério Público brasileiro, sendo possível só após a Constituição de 1988.

Além da autonomia funcional, foi garantida também a autonomia administrativa,

que consiste da possibilidade de o Ministério Público, apenas subordinado à lei, praticar os

atos próprios de gestão administrativa da instituição. Embora não tenha sido assegurada de

forma expressa a autonomia financeira, o Ministério Público tem a capacidade de elaborar sua

proposta orçamentária, dentro dos limites definidos por lei específica, de gerir e aplicar os

recursos destinados à instituição e de administrar o emprego das dotações orçamentárias.

Sobre a autonomia financeira, o professor Carlos Augusto Alcântara Machado nos

ensina que:

“Poder-se-ia questionar a autonomia financeira do Ministério Público pelo fato de a

Carta Magna ter omitido a referência expressa. Sem embargo de não fazer menção,

literalmente, à ‘autonomia financeira’, como se observa no art. 99, caput, da Lei

Maior, relativamente ao Poder Judiciário, forneceu os meios operacionais para o seu

exercício, corolário lógico do autogoverno ministerial (elaboração da proposta

orçamentária, iniciativa de projeto de lei para a criação e extinção de seus cargos e

serviços auxiliares, política remuneratória e plano de carreira, v.g. – art. 127, §§ 2º e

3º - CF).

Acrescente-se, nesse passo, que os §§ 3º a 5º, do art. 99, têm idêntica redação dos §§

4º a 6º, do art. 127. Tal identidade revela similar desígnio do legislador constituinte

no trato das duas instituições, já que se refere à autônoma atribuição de elaboração

da proposta orçamentária sem interferência do Poder Executivo, tanto para o Poder

Judiciário (art. 99, § 1º) como para o Ministério Público (art. 127, § 3º)”.

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Poder Judiciário – art. 99 Ministério Público – art. 127

§ 3º. Se os órgãos referidos no § 2º não encaminharem

as respectivas propostas orçamentárias dentro do

prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o

Poder Executivo considerará, para fins de

consolidação da proposta orçamentária anual, os

valores aprovados na lei orçamentária vigente,

ajustados de acordo com os limites estipulados na

forma do § 1º deste artigo.

§ 4º. Se o Ministério Público não encaminhar a

respectiva proposta orçamentária dentro do prazo

estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o

Poder Executivo considerará, para fins de

consolidação da proposta orçamentária anual, os

valores aprovados na lei orçamentária vigente,

ajustados de acordo com os limites estipulados na

forma do § 3º

§ 4º. Se as propostas orçamentárias de que trata este

artigo forem encaminhadas em desacordo com os

limites estipulados na forma do § 1º, o Poder

Executivo procederá aos ajustes necessários para fins

de consolidação da proposta orçamentária anual.

§ 5º. Se a proposta orçamentária de que trata este

artigo for encaminhada em desacordo com os

limites estipulados na forma do § 3º, o Poder

Executivo procederá aos ajustes necessários para

fins de consolidação da proposta orçamentária

anual.

§ 5º. Durante a execução orçamentária do exercício,

não poderá haver a realização de despesas ou a

assunção de obrigações que extrapolem os limites

estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto

se previamente autorizadas, mediante a abertura de

créditos suplementares ou especiais.

§ 6º. Durante a execução orçamentária do exercício,

não poderá haver a realização de despesas ou a

assunção de obrigações que extrapolem os limites

estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias,

exceto se previamente autorizadas, mediante a

abertura de créditos suplementares ou especiais. 11

A existência de autonomia financeira do Ministério Público é tema consolidado,

com posicionamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de sua existência.

Enfrentada a matéria já algumas vezes, determinou a Colenda Corte que, de fato,

o Ministério Público dispõe de autonomia financeira e os atos normativos infraconstitucionais

que consagram tal prerrogativa apenas reafirmam o que já estava consignado na Carta Maior.

Assim se manifestou o STF12

:

11

Tabela retirada de: MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Anotações sobre o perfil jurídico-constitucional

do Ministério Público. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro

de Direito Público, nº. 28, dezembro, janeiro, fevereiro, 2012. Disponível na Internet:

<http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-28-FEVEREIRO-2012-CARLOS-AUGUSTO-

MACHADO.pdf>. Acesso em: 24 de julho de 2013. 12

ADI-MC 514/DF, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 01.09.91.

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25

“O reconhecimento da autonomia financeira em favor do Ministério Público,

estabelecido em sede de legislação infraconstitucional, não parece traduzir situação

configuradora de ilegitimidade constitucional, na medida em que se revela uma das

dimensões da própria autonomia institucional do Parquet”.

Em outro julgado13

, o Supremo, ao ser questionado sobre a autonomia do

Judiciário, abordou a questão relativa ao Ministério Público:

“O autogoverno da Magistratura tem, na autonomia do Poder Judiciário, o seu

fundamento essencial, que se revela verdadeira pedra angular, suporte

imprescindível a asseguração da independência político-institucional dos Juízos e

dos Tribunais. O legislador constituinte, dando consequência a sua clara opção

política - verdadeira decisão fundamental concernente a independência da

Magistratura - instituiu, no art. 168 de nossa Carta Política, uma típica garantia

instrumental, assecuratória da autonomia financeira do Poder Judiciário. A norma

inscrita no art. 168 da Constituição reveste-se de caráter tutelar, concebida que foi

para impedir o Executivo de causar, em desfavor do Judiciário, do Legislativo e

do Ministério Público, um estado de subordinação financeira que comprometesse,

pela gestão arbitrária do orçamento - ou, até mesmo, pela injusta recusa de liberar

os recursos nele consignados -, a própria independência político-jurídica daquelas

Instituições. Essa prerrogativa de ordem jurídico-institucional, criada, de modo

inovador, pela Constituição de 1988, pertence, exclusivamente, aos órgãos estatais

para os quais foi deferida” (g.n.)

2.2.4 PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL

A figura do promotor natural estaria assegurada, segundo alguns, diante do

disposto no art. 5º, inciso LIII da CF que dispõe que: “ninguém será processado nem

sentenciado senão pela autoridade competente”.

Existem duas correntes acerca do princípio do promotor natural: uma, mais ampla,

que o entende – à semelhança do princípio do juiz natural (esse, sim, expresso na CF, no art.

5º, XXXVII e LIII) – como uma garantia contra a substituição de um membro originalmente

13

MS-AgR-QO 21.291/DF, julgamento em 12.04.91.

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26

designado para um processo por outro membro; já numa visão mais estrita – e que é a

predominante na doutrina e na jurisprudência – o princípio do promotor natural significa que

o membro designado para atuar em um processo dele não pode ser retirado arbitrariamente,

nem pode haver manipulação na distribuição de processos aos membros do MP.

O presente trabalho procura mostrar que este princípio está sim implícito na

Constituição Federal. Isto porque, ao dispor sobre as garantias e vedações dos promotores, de

forma a manter sua imparcialidade, a Constituição equiparou-o à figura dos juízes. Desta

maneira, se a Constituição procurou garantir a imparcialidade ao polo ativo da demanda, esta

garantia deve ser estendida também ao acusado, em uma interpretação sistêmica do art. 5º,

incisos XXXVIII (do juiz natural) e LIII da CF.

Assim, deve ser adotado o conceito estrito, entendimento predominante na

doutrina e na jurisprudência, a fim de que sejam atendidos concomitantemente os princípios

da indivisibilidade e do promotor natural. Desta forma, estaria vedada somente a mudança

arbitrária do promotor ou a manipulação da distribuição dos processos, que muito se

aproximaria de um juízo de exceção.

O tema teve seu leading case no julgamento pelo STF do HC 67.759, sendo que

em síntese, o voto do relator, Ministro Celso de Mello, consignou que:

O postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao sistema constitucional

brasileiro, repele, a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela

Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra

uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do

Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e

independente do seu oficio, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se

reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja

intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e predeterminados,

estabelecidos em lei. A matriz constitucional desse princípio assenta-se nas

clausulas da independência funcional e da inamovibilidade dos membros da

Instituição. O postulado do Promotor Natural limita, por isso mesmo, o poder do

Procurador-Geral que, embora expressão visível da unidade institucional, não deve

exercer a Chefia do Ministério Público de modo hegemônico e incontrastável. (g.n.)

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27

Ocorre que houve uma mudança de entendimento na Suprema Corte, consignada

no HC 90.277-DF, entendendo que “a Corte Suprema, por maioria de votos, refutou a tese do

princípio do promotor natural no ordenamento jurídico brasileiro (HC 67.759/RJ, DJU de

1º.7.93), orientação essa confirmada, posteriormente, na apreciação do HC 84.468/ES (DJU

de 20.2.2006) e de outros acórdãos mais recentes”.

Houve, por fim, um retorno ao entendimento original, no sentido de que o

princípio do promotor natural é inerente ao ordenamento jurídico brasileiro (HC 103.038 PA).

2.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO SERIA UM QUARTO PODER?

Como já visto, o Ministério Público possui posição constitucional ímpar dentro da

estrutura estabelecida pela Constituição de 1988, visto que, no passado, integrava a estrutura

organizacional ora do Poder Judiciário ora do Poder Executivo. Assim, ainda há debate

acalorado sobre a possibilidade de o Ministério Público ser definitivamente um quarto poder.

Apesar da questão não ter viés pragmático, cabe tecer alguns comentários.

O Ministério Público, como condição necessária para assegurar o desembaraçado

exercício de suas funções, possui autonomia funcional, administrativa e financeira (§§ 2º e 3º do

art. 127 – CF).

Diante de sua estrutura destacada, todos os seus membros têm as mesmas garantias

asseguradas aos integrantes do Poder Judiciário, embora não tenham qualquer vinculação com

esse poder, nem com Poder Executivo nem com o Poder Legislativo.

Assim, os membros do Ministério Público gozam de vitaliciedade, inamovibilidade e

irredutibilidade de subsídios, e passam pelo estágio probatório, para aqueles que ingressam na

carreira, a semelhança do que ocorre com os membros da magistratura, pelo período de 02 (dois)

anos (art. 128, § 5º, I e art. 95 – CF).

No que toca às proibições, há alguns diferenças, nos termos dos arts. 128, § 5º, II e

95, Parágrafo único – CF. Aplica-se, ainda, ao Ministério Público o sistema de promoções

(carreira) idêntico ao da magistratura (art. 129, § 4º - CF).

Ao contrário dos que se filiam à ideia de que o Ministério Público seria um quarto

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poder justamente porque seus membros contam com as mesmas prerrogativas dadas aos juízes,

deve-se entender que estas prerrogativas foram estabelecidas justamente para que se mantenha a

imparcialidade que lhes é inerente (tanto dos juízes quanto dos promotores). Assim, não poderão

ser influenciados pela ideologia política ou qualquer forma de pressão que pudesse ser exercida

em torno dos seus cargos.

Isto porque, tratando geralmente de temas sensíveis, que muitas vezes afetam

diferentes porções da sociedade, os promotores já teriam uma tendência de se sentirem

pressionados pelas partes atingidas pela questão. Assim, de forma a perseguir a solução que

atenderá aos melhores interesses da sociedade, e não somente das partes atingidas, devem ter, na

medida do possível, condições que assegurem sua imparcialidade.

Ocorre que, diante do que dispõe o art. 2º da CF: “São Poderes da União,

independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, observa-se que

tal enumeração é taxativa (numerus clausus). Em outro dispositivo, referente aos crimes de

responsabilidade do Presidente da República (art. 85 da CF), o seu inciso II dispõe que o serão os

atos que atentem contra a Constituição da República e, especialmente, os contra: “o livre exercício

do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais

das unidades da Federação”.

Logo, em nenhum momento a Constituição o alça a tal patamar, sendo que o

considerou, junto à Defensoria e à Advocacia Geral da União, como “instituição essencial à

administração da justiça”, num claro sentido de não se tratar de verdadeiro poder.

Ainda, o Ministério Público não se submete ao sistema de freios e contrapesos

proposto por Montesquieu (checks and balances), visto que não possui uma atividade precípua tal

como os outros poderes (executivo – executar, legislativo – legislar, judiciário – julgar) e não

possui poder direto sobre os outros Poderes (o Judiciário pode realizar o controle da legalidade

dos atos administrativos tanto do Executivo quanto do Legislativo; o Executivo pode exercer seu

poder de veto sobre as leis; o Legislativo possui o poder de fiscalização, que pode ser realizado

externamente pelo Tribunal de Contas da União).

Portanto, em que pese sua função ímpar no Estado Democrático de Direito, ainda não

há como se falar do Ministério Público como Quarto Poder.

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29

CAPÍTULO 3 – DA EVOLUÇÃO DA TEORIA DO PROCESSO ÀS

CONDIÇÕES DA AÇÃO: PROPOSTA DE DELIMITAÇÃO DA

LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TEORIA GERAL PROCESSO

Processo (do latim processus, proveniente do verbo procedere) significa avançar,

caminhar em direção a um fim. Todo processo, portanto, envolve a ideia de temporalidade, de

um desenvolver-se temporalmente, a partir de um ponto inicial até atingir o fim desejado.

Com efeito, sempre que o direito não se efetivar naturalmente, pelo

espontâneo reconhecimento do obrigado, seu titular, impedido de agir por seus próprios meios

pelo monopólio jurisdicional pelo Estado, que excepcionalmente concede meios de autotutela,

terá de dirigir-se aos órgãos estatais em busca de proteção e auxílio, a fim de que o próprio

Estado, depois de constatar a efetiva existência do direito, promova sua realização14

.

Ocorre que nem sempre o processo foi visto desta maneira. Dinamarco separa a

teoria geral do processo civil em três fases distintas: o sincretismo, o período autônomo ou

conceitual e o teleológico ou instrumentalista15

.

Enquanto o processo civil somente foi tomado por ciência na segunda destas

fases, visto que no sincretismo os conhecimentos eram puramente empíricos, sem qualquer

método ou conceitos próprios, a fase autonomista teve origem em 1868, com a obra de Oskar

Von Bullow, quando os processualistas se aperceberam que o processo não é um “modo de

exercício de direitos, colocado no mesmo plano que os demais modos indicados pelo direito

privado, mas o caminho para obter uma especial proteção por obra do juiz – a tutela

jurisdicional”.

Neste momento, entretanto, o processo era visto como um direito adjetivo16

, visto

que os adjetivos não tem vida própria, somente existindo na presença de um substantivo.

14

SILVA, Ovídio A. Batista da. Curso de Processo Civil – volume um. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,

2008, pág. 13-14. 15

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, v. 1. 6. ed. São Paulo, Editora

Malheiros, 2009, pág. 259. 16

Idem, p. 262.

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30

Dessa maneira, inegável que este não contava com autonomia, mas era percebido como mero

instrumento do direito material, sem consciência dos seus escopos, como se verá adiante.

Dentro desta segunda fase, inegável a contribuição do grande mestre Giuseppe

Chiovenda. Ele se destacou ao atribuir a produção do direito como monopólio do próprio

Estado, através da confecção das leis, tendo como essencial a administração da justiça,

aplicando-se a lei ao caso concreto, denominando este poder de jurisdição. O fim do processo

seria, portanto, a mera atuação concreta da lei, pronunciando-se sobre o pedido das partes.17

A

tarefa dos juízes seria a de “afirmar e atuar aquela vontade da lei que eles próprios

considerem existente como vontade concreta, dados os fatos que eles considerem realmente

existentes” 18

.

Dessa maneira afere-se a “substitutividade” da função jurisdicional, visto que esta

substitui a atividade privada de outrem pela atividade pública do Estado.

Chiovenda separou ainda as funções do Estado da forma que ao legislativo caberia

a confecção das leis, sendo que o Executivo (administrador) e o juiz julgariam. Enquanto o

administrador formularia um juízo sobre a própria atividade, o juiz julgaria a atividade alheia.

Para o administrador a lei seria o limite, enquanto para o juiz a lei seria seu fim.

Em que pese seu marco histórico, a crítica de Galeno Lacerda é extremamente

pertinente, visto que para ele:

“Essa tese absolutamente insatisfatória não só não explica a natureza jurisdicional

dos processos mais relevantes, que tiverem por objetivo conflitos sobre valores

indisponíveis, cuja solução não se possa alcançar pela atividade direta das partes,

senão que deixa in albis também o porquê da natureza jurisdicional das decisões

sobre questões de processo, especialmente daquelas que dizem respeito à própria

atividade do juiz, como as relativas à competência e à suspeição, onde jamais se

vislumbrará qualquer traço de ‘substitutividade’ a uma atuação originária, direta e

própria das partes”.

17

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Trad. Paolo Capitanio. 4. ed. São Paulo,

Editora Quórum, 2009, págs. 91 e 98. 18

Chiovenda, Giuseppe. Principii di diritto procesualle civile. Apud: SILVA, Ovídio A. Batista da. Curso de

Processo Civil – volume um. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, pág. 14.

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Ovídio Batista, entretanto, toma como crítica mais séria à teoria a concepção de

Chiovenda sobre as funções de legislar e aplicar a lei, que para Chiovenda em certo sentido

chegam a ser antagônicas. Ao juiz não caberia, portanto, avaliar eventual injustiça da lei,

ficando adstrito à ela.19

Já para a doutrina de Carnelutti, a jurisdição consistiria na justa composição da

lide, visto que esta pressupõe um conflito de interesses entre as partes, no qual uma tem uma

pretensão e a outra uma resistência. Assim, sua finalidade seria pacificadora, abrangendo

tanto conflitos da ordem privada como no campo do direito público.

Bem aponta Ovídio Batista que para Carnelutti, bem como para a generalidade da

doutrina italiana, a pretensão é simplesmente o alegar, daquele que se diz detentor do direito

de buscar seu reconhecimento através da atividade jurisdicional20

.

Este excelentíssimo autor aponta como crítica a tal posicionamento, bem como ao

anterior, o fato de procurar definir o ato jurisdicional pela sua serventia, não pelo que

realmente seja. A composição dos conflitos de interesses pode ocorrer de inúmeras formas,

não sendo característica exclusiva desta, e tampouco poderemos considerar estas outras como

injustas ou desconformes com a lei.

Interessante, entretanto, que se passou, a partir desta, a observar a influência das

partes no interior da demanda, que de agente passivo, quando se analisava meramente a

atividade exercida pelo juiz, passam a construir o direito, pelo movimento na defesa de seus

interesses litigantes, já que a sentença cria uma regra ou norma individual, particular para o

caso concreto, que passa a integrar o ordenamento jurídico.

Como bem observado por Marinoni, foi a partir da teoria de Carnelutti do

processo que a lide “compreendida como conflito de interesses, ou, mais precisamente,

marcada pela ideia de litigiosidade, conflituosidade ou contencionalidade” definiu a

existência da jurisdição. “A lide, dentro do sistema carnelutiano, é característica essencial

para a presença de jurisdição”.21

Galeno Lacerda, entretanto, numa posição mais crítica, diz que “Carnelutti

esquece que há interesses relevantes pertencentes a outras esferas da ordem jurídica, e que,

19

SILVA, Ovídio A. Batista da. Obra citada, pág. 16. 20

Idem, pág. 20. 21

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo – v1, pág. 35.

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assim, a lide nem sempre se manifesta em conflitos apenas entre particulares”. Dessa

maneira, no atual estágio da sociedade e da ciência do Direito esta teoria se mostraria

insuficiente, visto que “considerando os valores antinômicos tutelados pelo direito, podem

perfeitamente ocorrer, num processo, conflitos quiçá mais relevantes, entre interesses

públicos ou de ordem pública, com inexistência de conflito privado, sem que a atividade do

juiz deixe de ser jurisdicional” 22

.

Marinoni23

, adiante, considera que houve uma transição na forma de se conceber o

direito. Para ele:

“A lei, que na época do Estado legislativo valia em razão da autoridade que a

proclamava, independentemente da sua correlação com os princípios da justiça,

não existe mais. A lei, como é sabido, perdeu seu posto de supremacia, e hoje é

subordinada à Constituição. Agora é amarrada substancialmente aos direitos

positivados na Constituição e, por isso, já constitui slogan dizer que as leis devem

estar em conformidade com os direitos fundamentais, contrariando o que antes

acontecia, quando os direitos fundamentais dependiam da lei. (...) A transformação

da concepção de direito fez surgir um positivismo crítico, que passou a desenvolver

teorias destinadas a dar ao juiz real possibilidade de afirmar o conteúdo da lei

comprometido com a Constituição”.

A esta fase atual do pensamento do processo, chamada de

neoconstitucionalismo24

, parte das teorias de Chiovenda (autonomia da ação em face do

22

LACERDA, Galeno. Teoria Geral do Processo. 1. ed. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2008, pág. 67-68. 23

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo – volume um. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2012, pág. 22. 24

Apesar da definição adotada, considera-se que há vários neoconstitucionalismos, devido às diversas linhas

adotadas dentro do conceito, conforme destacado por Daniel Sarmento: “Os adeptos do neoconstitucionalismo

buscam embasamento no pensamento de juristas que se filiam a linhas bastante heterogêneas, como Ronald

Dworkin, Robert Alexy, Peter Haberle, Gustavo Zagrebelsky, Luigi Ferrajoli e Carlos Santiago Nino, e nenhum

destes se define hoje, ou já se definiu, como neoconstitucionalista. Tanto entre os referidos autores como entre

aqueles que se apresentam como neoconstitucionalistas, constata-se uma ampla diversidade de posições

jusfilosóficas e de filosofia política: há positivistas e não positivistas, defensores da necessidade do uso do

método de aplicação do Direito e ferrenhos opositores do emprego de qualquer metodologia na hermenêutica

jurídica, adeptos do liberalismo político, comunitaristas, procedimentalistas. Neste quadro, não é tarefa singela

definir o neoconstitucionalismo, talvez porque, como já revela o bem escolhido título da obra organizada por

Carbonell, não exista um único neoconstitucionalismo, que corresponda a uma concepção teórica clara e coesa,

mas diversas visões sobre o fenômeno jurídico na contemporaneidade, que guardam entre si alguns

denominadores comuns relevantes, o que justifica que sejam agrupadas sob um mesmo rótulo, mas compromete

a possibilidade de uma conceituação mais precisa”. (SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil:

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direito subjetivo material – analisa a atividade do juiz) e de Carnelutti (justa composição da

lide – interesse das partes no processo), para analisar o processo sob a ótica constitucional, de

proteção dos direitos fundamentais. Dessa maneira, o direito atualmente não estaria mais

preocupado somente em dar uma solução ao conflito, um mero regramento ao caso concreto,

porém de trazer uma decisão pautada pelo ideal de justiça e de proteção conforme os mantras

da Carta Maior.

Luis Roberto Barroso, em primoroso artigo, resume esta nova fase como

decorrente de um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito

constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação

do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do

século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos

fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto

de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição

constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional.

Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de

constitucionalização do Direito25

.

Seguindo discorrendo sobre o tema, o doutrinador explica que:

“(...) a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si – com a sua ordem,

unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais

ramos do Direito. A constitucionalização identifica um efeito expansivo das normas

constitucionais, que se irradiam por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins

públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Lei Maior

passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito

infraconstitucional. À luz de tais premissas, toda interpretação jurídica é também

uma interpretação constitucional. Qualquer operação de realização do Direito

envolve a aplicação direta ou indireta da Constituição. Direta, quando uma

pretensão se fundar em uma norma constitucional; indireta quando se fundar em

uma norma infraconstitucional, por duas razões: a) antes de aplicar a norma, o

riscos e possibilidades. In: Leituras Complementares de Direito Constitucional – Teoria da Constituição.

Marcelo Novelino (org.) Salvador: Editora Jus Podivm, 2009. (Apud: DIDIER Jr., Fredie. Curso de Processo

Civil – Volume um. 13. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2011, pág. 30). 25

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito, pág. 15. [online]

Disponível na internet via <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/

neoconstitucionalismo _e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf> Acesso em 02 de abril de 2013.

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intérprete deverá verificar se ela é compatível com a Constituição, porque se não

for, não poderá fazê-la incidir; e b) ao aplicar a norma, deverá orientar seu sentido

e alcance à realização dos fins constitucionais”26

.

Entende-se aqui, como no todo restante da obra, direitos fundamentais como

direitos tais que seriam fundamentais porque repercutem sobre a estrutura básica do Estado e

da sociedade, quando se diz que possuem uma fundamentalidade material27

28

.

3.2 DO CONCEITO DE JURISDIÇÃO

O conceito de jurisdição está intimamente ligado à visão que se tem sobre a

teoria geral do processo. Partindo-se de uma conceituação tradicional de jurisdição, teríamos

que a jurisdição é “o poder, a função e a atividade exercidos e desenvolvidos,

respectivamente, por órgãos estatais previstos em lei, com a finalidade de tutelar direitos

individuais e coletivos”.

Donizeti completa o conceito dizendo que “uma vez provocada, atua no

sentido de, em caráter definitivo, compor litígios ou simplesmente realizar direitos materiais

previamente acertados, o que inclui a função de acautelar os direitos a serem definidos ou

realizados, substituindo, para tanto, a vontade das pessoas ou entes envolvidos no conflito”29

.

Arruda Alvim, aproximando-se um pouco mais da teoria de Chiovenda, afirma

que:

26

BARROSO, Luís Roberto. A Constituição Brasileira de 1988: uma Introdução. In: MARTINS, Ives Gandra da

Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO C. V. Do (coord.). Tratado de Direito Constitucional –

volume um. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, págs. 42-43. 27

SARLET, Ingo Wolfgang (coord.). A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2001, pág. 81. (Apud: MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo – v1, pág. 69). 28

Ver também: ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro fr Estudios Políticos y

Constitucionales, 2002. 29

DONIZETI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 15. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, pág.

4.

Page 35: LIMITES DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA TUTELA … · ... a ação civil pública e o mandado de segurança ... Código de Defesa do Consumidor CF: ... trata do assunto, além

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“A função jurisdicional é de índole substitutiva. Se ela se destina a solucionar um

conflito de interesses, tal como tenha sido trazido ao Estado-juiz, sob a forma e

medida da lide, deverá este afirmar, sentenciando, a existência de uma vontade

concreta da lei, favoravelmente àquela parte que seja merecedora da proteção

jurídica. Essa proteção jurisdicional, que soluciona a lide, para que seja realizada

com eficácia imutável, terá que ter validade absoluta, porquanto, sse não a tivesse,

ainda, e de certa forma, perduraria o conflito e não teria havido substitutividade.

Desta forma, em virtude da atividade jurisdicional, o que ocorre é a substituição de

uma atividade/vontade privada por uma atividade pública, que é a “vontade da lei a

imperar”.30

Athos Gusmão Carneiro, ao buscar o conceito de jurisdição, entende que

devemos, previamente, determinar o que não podemos utilizar para caracterizá-la. Assim, a

mera declaração da lei não constitui a atividade jurisdicional, já que esta não conta com

imperatividade. Tampouco pode ser a mera aplicação da lei, já que “esta é aplicada diuturna

e normalmente pelos indivíduos a ela sujeitos, a relização espontânea é a regra; a realização

forçada, por vias judiciárias, é a exceção” 31

.

A coatividade também não seria específica ou privativa da jurisdição, uma vez

que a função administrativa do Estado conta com a execução de ofício, quando no exercício

do poder de polícia. Tampouco a contenciosidade, que também ocorre nos processos

administrativos.

Nessa linha de raciocínio, finaliza o ilustre doutrinador referindo-se à obra de

Cintra, Grinover e Dinamarco, que define jurisdição como:

“poder, função e atividade. Como poder, é manifestação do poder estatal,

conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como

função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação

de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do

processo. E como atividade ela é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo

o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete. O poder, a função e a atividade

30

ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil – volume um. 12. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2008, págs. 182-183. 31

CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 16. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, pág. 8.

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36

somente transparecem legitimamente através do processo devidamente estruturado

(devido processo legal)”32

.

Galeno Lacerda, oferecendo um plus ao conceito, diz ser esta também um

poder de coerção com a finalidade de executar uma sentença, depois de transitada em julgado.

É poder de o juiz investigar a matéria de fato e de documentação33

.

Por fim, Marinoni se destaca ao estabelecer um escopo material à jurisdição,

pois esta, em se tratando de um poder do Estado, deve refletir o tipo de Estado e sua

finalidade essencial, aproximando-se, assim, de uma teoria mais constitucionalizada do

processo. Assim, a jurisdição terá fins sociais, políticos ou jurídicos de acordo com sua

essência. Dessa forma:

“Se o Estado brasileiro está obrigado, segundo a própria Constituição Federal, a

construir uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicar a pobreza e a

marginalização e a reduzir as desigualdades sociais e regionais, e, ainda, a

promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e

quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º da CF), os fins da jurisdição

devem refletir essas ideias.

Assim, a jurisdição, ao aplicar uma norma ou fazê-la produzir efeitos concretos,

afirma a vontade espelhada na norma de direito material, a qual deve traduzir –

pois deve estar de acordo com os fins do Estado – as normas constitucionais que

revelam suas preocupações básicas”34

.

Nas teorias apontadas, percebe-se que houve uma superação do modelo que

meramente assiste à atividade jurisdicional do juiz, substituto das partes na composição do

conflito, passando a uma construção essencialmente privada de composição da lide, para a

busca de uma justa e efetiva proteção dos preceitos e garantias constitucionais.

32

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria

Geral de Processo. 28. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, pág. 155. 33

LACERDA, Galeno. Notas de aulas ministradas. Apud: CARNEIRO, Athos Gusmão, obra citada, pág. 9. 34

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil – volume dois. 8. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010, pág. 34.

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37

Esta mudança de concepção se deu basicamente porque a simples edição de

uma sentença, declarando a existência de um direito, sem que esta seja suficiente para

satisfazê-lo, não seria capaz de oferecer uma prestação jurisdicional efetiva. Assim, o “dizer

direito”, como previam os antigos juristas como sinônimo de jurisdição, hoje se mostra

insuficiente se não houver o meio executivo adequado, ou seja, que o Estado forneça todos os

meios jurídicos e materiais necessários e adequados para dar cumprimento às sentenças do

juiz.35

Somente a partir desta última e mais recente posição é que poderemos conceber

o processo coletivo em sua mais completa acepção, acatando sua finalidade precípua, não

apenas como uma “justa composição da lide” entre partes plúrimas, como concebeu

Carnellutti, mas como também a atuação do Estado – utilizando-se de seu ramo de poder que

é o Ministério Público – na atuação ativa em busca de efetivar os interesses do povo e os

quais deve proteger, segundo a Constituição, através da atividade jurisdicional.

A esta conclusão chega também Marinoni, quando diz que:

“As ações coletivas – como podem ser chamados os modelos concebidos para a

tutela dos direitos transindividuais, têm importante relação com os direitos

fundamentais prestacionais. Tais ações permitem a tutela jurisdicional dos direitos

fundamentais que exigem prestações sociais (direito à saúde etc.) e adequada

proteção – inclusive contra particulares (direito ambiental etc.) –, mas, além disso

tudo, constituem condutos vocacionados a permitir ao povo reinvindicar os seus

direitos fundamentais materiais.

(...) A ação coletiva, ainda que compreendida apenas como instrumento para a

tutela dos direitos fundamentais – como o direito ambiental e o direito do

consumidor -, é, por si só, uma resposta aos direitos fundamentais, constituindo-se

ela mesma em uma prestação do legislador destinada a viabilizar a participação na

reinvindicação dos direitos fundamentais.”36

35

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina

2002, p. 496. (Apud: MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil – v. 1, pág. 118) 36

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo – v1, pág. 116.

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38

Assim, no processo coletivo em que atua o Ministério Público, teremos o

Estado atuando em duas posições destacadas: no exercício da jurisdição, ou seja, compondo o

litígio, e na representação dos interesses aos quais a Constituição designou caber-lhe tutelar.

É o que preceitua o art. 82, inc. III do CPC, quando diz que compete ao

Ministério Público intervir: “nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra

rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou

qualidade da parte” (g.n.).

Para tal, devemos entender a supremacia do interesse público sobre a qual atua

o Ministério Público tal qual ela é entendida sobre a ótica administrativista, não como um

mero poder, mas como um poder-dever:

“as prerrogativas que nessa via exprimem tal supremacia não são manejáveis ao

sabor da Administração, porquanto esta jamais dispõe de “poderes”, sic et

simpliciter. Na verdade, o que nela se encontram são “deveres-poderes”, como a

seguir se aclara. Isto porque a atividade administrativa é desempenho de função.

Tem-se função apenas quando alguém está assujeitado ao dever de buscar, no

interesse de outrem, o atendimento de certa finalidade. Para desincumbir-se de tal

dever, o sujeito de função necessita manejar poderes, sem os quais não teria como

atender à finalidade que deve perseguir para a satisfação do interesse alheio.

Assim, ditos poderes são irrogados, única e exclusivamente, para propiciar o

cumprimento do dever a que estão ungidos; ou seja: são conferidos como meios

impostergáveis ao preenchimento da finalidade que o exercente da função deverá

suprir”37

.

Separando os dois ramos de atuação do Estado, Ovídio Batista, quando conclui

em seu livro sobre o conceito de jurisdição:

“as notas essenciais, capazes de determinar a jurisdicionalidade de um ato ou de

uma atividade realizada pelo juiz, devem atender a dois pressupostos básicos: a) o

ato jurisdicional é praticado pela autoridade estatal, no caso o juiz, que o realiza

37

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Editora Medeiros,

2008, pág. 97.

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39

por dever de função; o juiz, ao aplicar a lei ao caso concreto, pratica esta atividade

como finalidade específica de seu agir, ao passo que o administrador deve

desenvolver a atividade específica de sua função tendo a lei por limite de sua ação,

cujo objetivo não é simplesmente a aplicação da lei ao caso concreto, mas a

realização do bem comum, segundo o direito objetivo; b) outro componente

essencial do ato jurisdicional é a condição de terceiro imparcial em que se encontra

o juiz em relação ao interesse sobre o qual recai sua atividade. Ao realizar o ato

jurisdicional, o juiz mantém-se numa posição de independência e estraneidade

relativamente ao interesse que tutela.” 38

Portanto, mesmo que provenientes do Estado, tais funções não podem se

confundir, visto que visam atender a interesses diferentes, conforme muito bem apontado pelo

renomado doutrinador e também diante das considerações tecidas no capítulo anterior. Dessa

maneira, a atividade do Ministério Público muito se aproxima da do administrador, visto que

deve atuar nos limites da lei, visando à realização do bem comum, da coletividade, razão pela

qual por muito tempo se confundiu com o ramo do Poder Executivo.

CINTRA-GRINOVER-DINAMARCO39

bem escrevem sobre o assunto,

dizendo que “O Ministério Público é, na sociedade moderna, uma instituição destinada à

preservação dos valores fundamentais do Estado enquanto comunidade”. Assim, esta seria a

alternativa moderna para se superar o princípio dispositivo sem comprometer a imparcialidade

do juiz, condição indispensável para o exercício da função jurisdicional.

Concorda Batista, pois “a posição do Ministério Público, no processo civil,

evidencia a tendência contemporânea de reduzir cada vez mais a esfera de disponibilidade

dos direitos subjetivos, não propriamente para torná-los equações legais de exercício

obrigatório e compulsivo, mas para assegurar-lhes a efetiva e adequada realização no plano

jurisdicional”. Esta, que deve ser realizada em função daqueles que “por uma razão

qualquer, se encontram numa razão de inferioridade econômica ou social e que, como

decorrência dessa circunstância, possam privar-se involuntariamente de seus direitos e

prerrogativa processuais” 40

.

38

SILVA, Ovídio A. Batista da. Curso de Processo Civil, v. 1, pág. 26. 39

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria

Geral de Processo. 27. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2011, pág. 230. 40

SILVA, Ovídio A. Batista da. Curso de Processo Civil v1, pág. 240.

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40

3.3 O DIREITO DE AÇÃO: DA CONCEPÇÃO LIBERAL À CONTEMPORÂNEA

BUSCA PELA SUA EFETIVA PRESTAÇÃO

É dever do Estado prestar a jurisdição, contudo não deve exercê-la de ofício,

devendo ser provocado através do exercício do direito de ação. Para tal, utiliza-se do processo

como seu instrumento, tornando, assim, pública sua decisão quanto ao conflito que lhe foi

levado a conhecimento e julgamento.

Nos Estados liberais o direito de ação era concebido apenas como o direito

como o direito formal de propô-la, sem que houvesse uma análise quanto à fruição efetiva do

direito deste direito ante a prestação jurisdicional.

Este, que somente reconhecia os direitos humanos de primeira dimensão (civis

e políticos), o processo era caracterizado pelo tecnicismo, legalismo, positivismo acrítico,

formalismo e “neutralismo” do Poder Judiciário.

Para Lucas, a jurisdição estatal nesta época “foi afastada da política e

conduzida a um isolamento das questões sociais importantes”. Domada pelo Legislativo,

detinha uma “operacionalidade dogmática alienante, incapaz de pensar o conteúdo do

direito, tornando-se fiel promotora da ordem jurídica e econômica liberal” 41

.

O Estado Social, como era chamado, teve como características o

constitucionalismo social (México, 1917, e Alemanha, 1919), a função social da propriedade,

a participação política dos trabalhadores na elaboração da ordem jurídica, o intervencionismo

(dirigismo) estatal na economia mediante prestações positivas por meio de leis que criavam

direitos sociais. O Estado Social visava ao estabelecimento da igualdade substancial (real)

entre as pessoas, por meio da positivação de direitos sociais mínimos (mínimo existencial) 42

.

Apenas com a consagração dos direitos de segunda (direitos sociais,

econômicos e culturais) e terceira dimensão (direitos ou interesses difusos, coletivos e

individuais homogêneos) é que se passou a evidenciar a necessidade de um efetivo acesso à

41

LUCAS, Douglas César. A crise functional e o cenário da jurisdição desafiada. In: MORAIS, Luis Bolzan de

(org.). O Estado e suas crises. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, pág. 178. 42

LEITE, Henrique Bezerra. O Acesso Coletivo à Justiça na Perspectiva dos Direitos Humanos. In: DIDIER JR.,

Fredie; MOUTA, José Henrique; MAZZEI, Rodrigo (coord.). Tutela Jurisdicional Coletiva. 1. ed. Salvador:

Editora Juspodivm, 2ª série, 2012, pág. 151.

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41

justiça43

. Dessa maneira, questões econômicas e sociais passaram a ser analisadas, na busca

de se garantir uma nova forma de sociedade.

Entre os maiores entraves encontraram-se, e encontram-se ainda, o custo do

processo e a demora processual. Sua importância mostra-se clara quando relegadas à condição

de garantia constitucional pela EC 45/2004 (art. 5º LXXVIII) e que já se encontravam em

alguns diplomas infraconstitucionais anteriores à referida emenda (art. 125, II do CPC, arts. 2º

e 765 da CLT, dentre outros).

Dessa maneira, o processo coletivo surge como um instrumento natural, seja

tendo em vista a efetivação dos direitos de terceira dimensão, seja como forma de celeridade

processual.

Barbosa Moreira44

, em estudo realizado em 1983, deixou transparecer a

aparente carga de estranheza que a doutrina revelou, em um momento inicial, em face desses

direitos. O eminente jurista afirmou que “em vista, com efeito, de maneira precípua, interesses

comuns a uma coletividade de pessoas não necessariamente ligadas por um vínculo jurídico bem

definido. Tal vínculo pode até inexistir, ou ser extremamente genérico, reduzindo-se

eventualmente à pura e simples pertinência à mesma comunidade política; e os interesses de cuja

proteção não se cogita não surgem em função dele, mas antes se prendem a dados de fato,

muitas vezes acidentais e mutáveis: existirão, por exemplo, para todos os habitantes de

determinada região, para todos os consumidores de certo produto, para todos os que vivam sob

tais ou quais condições socioeconômicas, ou se sujeitem às consequências deste ou daquele

empreendimento público ou privado, e assim por diante”.

Conforme nos ensina Flávia Hellmeister Clito Fornaciari, a própria Constituição

estabelece, em seu art. 5º, inciso XXXV, a proteção, pelo Judiciário, de qualquer lesão ou

ameaça a direito, não se referindo apenas aos direitos individuais. Por conta disso, fez-se

necessária a criação de mecanismos processuais para que os direitos coletivamente considerados

pudessem ser apreciados pelo sistema jurídico, para garantir, desse modo, o amparo que lhes foi

43

Ver: CAPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acess to Justice: A world survey: the Florence acess to justive

project. Milan: Giuffrè, 1978, e, também, a versão condensada, traduzida por Ellen Gracie Northfleet. Acesso à

Justiça. Porto Alegre: Editora Fabris, 1988.

44 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Tutela Constitucional dos Direitos Difusos e Coletivos. In: Temas de

Direito Processual, 3ª série. São Paulo, Editora Saraiva, 1984, pág. 194. Apud: FORNACIARI, Flávia Hellmeister

Clito. Representatividade Adequada nos Processos Coletivos. São Paulo: 2010, 188f., Tese (Doutorado) – Programa

de Pós Graduação da Faculdade de Direito de São Paulo – USP, pág. 10-11.

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42

assegurado pela Carta Magna, garantindo, inclusive, um maior acesso à justiça 45

.

A ideia é a solução de conflitos de modo globalizado, com um dispêndio de

tempo menor do que aquele que seria gasto se as demandas fossem tratadas individualmente,

e, além disso, com uma maior eficácia, visto a maior força da decisão coletiva em relação a

um agente causador do dano46

.

3.4 PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS – DIFERENCIAÇÃO ENTRE CAPACIDADE

PARA SER PARTE, CAPACIDADE PROCESSUAL E LEGITIMIDADE

Os pressupostos processuais são os elementos necessários à eficácia de

qualquer negócio jurídico, requisitos estes que a lei exige para que o ato tenha eficácia. Para

Fredie Didier Jr, correspondem aos fatos relacionados à existência, validade e eficácia do

procedimento47

.

O desenvolvimento do conceito teórico deve-se a Oskar Von Bolow, e tem

origem na identificação do processo como relação jurídica diversa da mantida pelo seu objeto.

Para Fredie Didier Jr., a relação jurídica processual surge da incidência da

hipótese normativa em determinado fato. Assim, há um fato jurídico que gera esta relação, e

este é o ato inicial do procedimento. Dessa maneira, os “pressupostos processuais” sempre

estarão relacionados a este ato jurídico e o exame de sua existência, validade ou eficácia

corresponde ao próprio exame destes quesitos sobre o ato inicial do procedimento.

Podemos separar os pressupostos em: pressupostos de existência, que podem

ser subjetivos (existência de órgão investido de jurisdição e partes) e objetivos (existência de

demanda, entendida aqui como ato de pedir, e não pelo seu conteúdo) e requisitos de validade:

subjetivos (juiz – competência e imparcialidade; partes – capacidade processual e capacidade

45

FORNACIARI, Flávia Hellmeister Clito. Obra citada, pág. 15. 46

Idem, pág. 31. 47

DIDIER JR., Fredie. Pressupostos Processuais e Condições da Ação. São Paulo, Editora Saraiva, 2005, pág.

103-104.

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43

postulatória) e objetivos (intrínsecos – formalidade; extrínsecos - ausência de fatos

impeditivos, como a litispendência, a coisa julgada, etc.) 48

.

Antes de analisar-se a legitimidade, devemos entender o que seria a parte no

processo, um dos elementos da tríade para a existência processual, quais sejam: as partes, o

pedido e a causa de pedir (art. 282 do CPC).

Como capacidade de ser parte, entendemos que elas devem ser dotadas de

faculdade para exercer por si mesmas os atos da vida civil, ou seja, possam ser sujeitos de

uma relação jurídica material, como as pessoas físicas e jurídicas, mas também a massa falida,

o condomínio, a sociedade de fato e a irregular, além de órgãos públicos despersonalizados

(Tribunal de Contas, Ministério Público).

Estes últimos, apesar de não personificados, podem assumir relações jurídicas.

A crítica de que um ente possa ser sujeito de direitos, deveres e ônus processuais e não seja

sujeito de direito não passa despercebida por Fredie Didier Jr., ao citar Marcos Bernardes de

Mello:

“Soa de um ilogismo incontornável a afirmativa de que alguém, ou um ente

qualquer, possa ter uma posição jurídica no mundo do direito, como titular de uma

situação jurídica, sem que possa ser juridicamente capaz, porque a própria

incapacidade jurídica impediria a titularidade da situação jurídica. A capacidade

jurídica e a condição de sujeito de direito não se restringem às situações de direito

material. Por serem genéricas, dizem respeito a qualquer situação jurídica,

inclusive no plano do direito formal (processual), de modo que ser sujeito de direito

em relação jurídica processual é, em essência, o mesmo que o ser em relação de

direito material. (...) na realidade jurídica, há mais entes capazes de direito que

pessoas” 49

.

48

Classificação proposta por: CARVALHO, José Orlando Rocha de. Teoria dos pressupostos e dos requisitos

processuais. Apud: DIDIER JR., Fredie. Obra citada, pág. 110. 49

MELLO, Marcos Bernardes de. Achegas para uma teoria das capacidades em direito. Revista de Direito

Privado. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2001, n. 03, pág. 19. Apud: DIDIER JR., Fredie. Obra citada,

pág. 118.

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44

Assim, além dos entes que tenham personalidade jurídica de direito material,

todos os agrupamentos humanos minimamente organizados, podendo se destacar seu

representante, poderiam ser partes em uma relação jurídica processual.

Essa é a justificativa para que o grupo de pessoas lesadas, quando se trata de

tutela em âmbito coletivo, não tenha capacidade para ser parte, visto não possuir um mínimo

de organização, tendo seus interesses defendidos em juízo por legitimados extraordinários50

.

Em caso emblemático, o então desembargador Athos Gusmão Carneiro,

julgou51

ter o nascituro capacidade para ser parte, sendo a mãe sua representante processual:

“INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. NASCITURO. CAPACIDADE PARA SER

PARTE. Ao nascituro assiste, no plano do direito processual, capacidade para ser

parte, como autor ou como réu. Representando o nascituro, pode a mãe propor a

ação investigatória, e o nascimento com vida investe o infante na titularidade da

pretensão de direito material, até então apenas uma expectativa resguardada. Ação

personalíssima, a investigatória somente pode ser proposta pelo próprio

investigante, representado ou assistido, se for o caso; mas, uma vez iniciada,

falecendo o autor, seus sucessores têm direito de, habilitando-se, prosseguir na

demanda. Inaplicabilidade da regra do art. 1621 do Código Civil”.

Consequentemente, difere-se a capacidade de ser parte da capacidade

processual, sendo que esta última é a aptidão para praticar atos processuais

independentemente de assistência ou representação, pessoalmente ou pelas pessoas indicadas

pela lei (art. 12 do CPC). Diz respeito à prática e à recepção eficazes de atos processuais.

Esta, portanto, pressupõe a capacidade de ser parte52

.

A ausência de capacidade processual é sempre sanável, conforme os ditames

do art. 13 do CPC, já que todo defeito de procedimento é sanável. A sua não correção,

entretanto, pode gerar efeitos diversos, como a extinção do processo (se autor),

prosseguimento à sua revelia (se for réu) e exclusão do processo (se terceiro).

50

DIDIER JR., Fredie. Obra citada, pág. 123. 51

TJRS, 1ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 583052204, rel. Des. Athos Gusmão Carneiro, j. 24.04.84. 52

Idem, pág. 136.

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45

Por fim, quanto ao pressuposto de eficácia do processo denominado

“legitimidade ad causam”, na lição de Donaldo Armelin53

, ser parte legítima é “(...) qualidade

do sujeito aferida em função de ato jurídico, realizado ou a ser realizado”.

Para Humberto Manes, legitimação é:

“o poder de celebração de negócios jurídico com certo conteúdo concreto, em

atenção às pessoas a quem pertencem os interesses que formam a matéria desses

atos. Assim, enquanto a capacidade depende de um modo de ser do sujeito em si, a

legitimação resulta de um modo de ser para com os outros, exprimindo uma

posição” 54

.

A regra, pelo CPC, é a defesa de seus próprios interesses em juízo,

pessoalmente (art. 6º). A opção do legislador, no caso, foi clara no sentido de que o titular do

direito é quem melhor sabe se lhe convém reclamá-lo e o momento em que deve fazê-lo,

avaliando os riscos e vantagens de sua opção.

3.4.1 LEGITIMIDADE EM ÂMBITO COLETIVO: OPE LEGIS OU OPE JUDICIS?

A defesa dos chamados direitos de terceira dimensão somente pode ocorrer se

os interesses da massa coletiva lesada forem perseguidos de maneira eficaz desde o primeiro

aspecto da tutela jurisdicional, qual seja o da fixação da legitimidade para propor a demanda.

No processo coletivo a maior parte das pessoas atingidas pelo resultado da

contenda não figura como parte. Assim sendo, é de suma importância assegurar que, apesar de

os interessados não atuarem diretamente no feito, sejam eles efetivamente representados,

tendo, portanto, participação delegada a efetivos representantes de seus interesses.

53

ARMELIN, Donald. Legitimidade para Agir no Direito Processual Civil Brasileiro. São Paulo, Editora

Revista dos Tribunais, 1979, pág. 11. (Apud: GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de Direito Processual

Civil Coletivo. 2. ed. São Paulo: Editora SRS, 2008, pág. 72). 54

MANES, Humberto. A legitimação negocial. Rio de Janeiro, Editora Liber Juris, 1982, pág. 55-56. Apud:

DIDIER JR., Fredie. Obra citada, pág. 123.

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Em função disso, atribuir legitimidade a determinados entes deveria exigir a

fixação de parâmetros normativos que justifiquem a representação de interesses

transindividuais, sendo que o controle seria prévio, realizado pelo legislador (ope legis) ou

durante o procedimento, pelo juiz, analisando-se o caso concreto (ope judicis). Haveria ainda

a possibilidade de utilização de um controle misto, inexistente até então.

Clarissa Diniz Guedes define que, em âmbito coletivo:

“Parte-se da premissa de que a legitimidade coletiva é forma de representação de

interesses e, como tal, de atribuição de poder. Por isso, deve harmonizar-se com as

opções políticas fundamentais do constituinte, traduzida nos princípios

constitucionais da democracia participativa, do Estado de Direito, da forma

republicana de governo, do federalismo, da harmonia e da indepedência de

poderes. O poder de representar os interesses da coletividade deve obedecer, no

processo, aos ditames estabelecidos pelos princípios definidores do regime político,

da forma de Estado, da forma de governo e da organização política” 55

.

Para Eduardo Scarparo, deve-se destacar que o significado de exercício do

direito de participação vem redefinido na teoria geral do direito recente56

, mediante a

retomada da retórica como fundação para o desenvolvimento das argumentações e,

consequentemente, das decisões. Este, baseando-se em Perelman, define que essa reinserção

da retórica no direito pressupõe que os juízos de valor guiam o juiz em busca da justiça e que

esse caráter de justiça não é conseguido por um critério subjetivo ou arbitrário do juiz, mas

por diálogo. A tarefa do juiz, assim, na verdade é "a busca de uma síntese que leva em conta,

ao mesmo tempo, o valor da solução e sua conformidade ao direito" 57

.

O contraditório, dessa maneira, é instrumento indispensável do Estado

Democrático do Direito "na medida em que permite às partes a efetiva participação na

55

GUEDES, Clarissa Diniz. Legitimidade e Representatividade na Ação Civil Pública: Por um Controle Ope

Judicis Amparado em Parâmetros Constitucionais. In: DIDIER JR., Fredie; MOUTA, José Henrique; MAZZEI,

Rodrigo (coord.). Tutela Jurisdicional Coletiva. 1. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2ª série, 2012, pág. 160. 56

PERELMAN, Chaim. Lógica Jurídica. Trad. Vergínia Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 2004. In:

SCARPARO, Eduardo. Controle de Representatividade Adequada em Processos Coletivos no Brasil. pág. 125-

146. In: Revista de Processo, n. 208, junho-2012. 57

SCARPARO, Eduardo. Controle de Representatividade Adequada em Processos Coletivos no Brasil. pág.

125-146. In: Revista de Processo, n. 208, junho-2012.

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47

formação do provimento jurisdicional" 58

. Não se efetivando, portanto, com a simples citação,

mas com a faculdade real do litigante de participar para provar, argumentar, esclarecer e

convencer.

Questiona-se, portanto, qual a melhor forma de se atribuir a legitimidade ativa

em âmbito coletivo. Deve-se ter ciência, pois, que se trata de uma decisão política que deverá

ser adotada pelo Legislador no momento da elaboração da lei, sujeita, portanto, à influência,

tanto cultural, histórica e intelectual, que existe à época de sua elaboração.

Dessa maneira, à criação da lei da Ação Civil Pública, quando ainda restava

incipiente o desenvolvimento da teoria das Ações Coletivas no Brasil, entendeu-se que a

atribuição, que majoritariamente fora incumbida ao Ministério Público, entendeu-se que

haveria à época uma hipossuficiência da sociedade civil, cabendo ao Poder Público, sua

proteção.

Progressivamente, entretanto, impõe-se questionar de que maneira se pode

fortalecer a efetiva possibilidade de que aqueles atingidos pelo alcance de uma decisão

judicial tenham respeitado esse direito de participação, mediante a consideração de suas

percepções argumentativas quando do julgamento da causa que lhes afeta. Tal poderia ser

exercido mediante as associações civis, a título ilustrativo, que nos dias de hoje ainda detém

atuação bem singela na esfera coletiva.

Assim, o entendimento majoritário é o de se negar ao juiz a possibilidade de

este aferir a representatividade adequada, deixando essa apuração exclusivamente aos critérios

em lei (legitimação ope legis). Nesse sentido, exemplificadamente: Rodolfo de Camargo

Mancuso (Ação Civil Pública) e Nelson Nery Júnior (Código de Processo Civil Comentado).

Clarissa Diniz Guedes, entretanto, entende que deve poderá ocorrer uma

análise sobre a legitimidade no polo ativo após a propositura, e a mudança neste ocorrerá:

“Nos casos excepcionais em que a atuação concreta do legitimado, embora prevista

em lei, não esteja em consonância com os objetivos e princípios constitucionais,

está o juiz autorizado a obstar o prosseguimento da ação coletiva, por carecer o

autor de legitimidade no caso específico. (...) Deverão ser apontadas evidências da

58

LUMMERTZ, Henry Gonçalves. O princípio do contraditório no processo civil e a jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal. In: Oliveira, Carlos Alberto Alvaro (org.). Processo e Constituição. Rio de Janeiro: Editora

Forense, 2004, pág. 48.

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48

inaptidão do legitimado (como v.g., a própria formulação indevida do pedido em

decorrência do distanciamento entre o autor e a coletividade interessada).

Aconselhável, ainda, a intimação de todos ou de alguns dos colegitimados que

porventura possam atuar adequadamente na defesa daqueles direitos, a fim de

avaliarem a situação dos autos” 59

.

Em que pese tal posição adotada pela autora, tal procedimento ainda deve ser

visto com extrema cautela, como forma de se evitar um ativismo do Judiciário, que acaba por

ferir a inércia deste Poder, que acabaria tomando parte na demanda, inviabilizando sua

postura imparcial.

O juiz, neste caso, não deve decidir buscando a parte que conseguirá melhor

decisão de mérito, visto que isto atingiria sua neutralidade, mas sim a que representaria

melhor os interesses da classe atingida e que esta possa agir com paridade e aptidão na relação

processual, de forma a poder prestar a efetiva prestação dos direitos infligidos.

Em que pese tal discussão mostrar-se muito útil na análise crítica de quem

poderia ser legitimado a propor uma ação coletiva, ante a necessidade de se buscar um efetivo

acesso à justiça, discorremos no capítulo um sobre a importância do Ministério Público no

prisma jurisdicional, como órgão de função essencial à justiça. Assim, dada sua importância

na sociedade e as atribuições constitucionais, este é considerado, a princípio, capaz de propô-

la (crítica sobre seu poderio, em detrimento das entidades civis, será tratada adiante).

Isto se deve também em razão de sua estruturação e do grau de qualificação de

seus membros, sendo tido por alguns como o mais bem preparado dos legitimados à defesa

dos interesses coletivos. E os números também têm demonstrado essa importância, já que fato

notório terem sido a maioria das ações civis públicas ajuizadas até o momento por ação do

Ministério Público60

.

59

GUEDES, Clarissa Diniz. Idem, pág. 165. 60

Segundo dados de Violeta Sarti Caldeira, o MP é responsável por 89,5% das ações públicas ajuizadas em

defesa dos direitos coletivos, sendo que para formulação da base foram utilizados dados do TJ-SP. Em matéria

coletiva, é responsável por 82,5% das ações. In: CALDEIRA, Violeta Sarti. Política, direito e representação de

interesses coletivos pela via judicial: 20 anos de Ação Civil Pública. São Paulo, 2009, 124f., Dissertação

(Mestrado em Ciências Sociais). Programa de Pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica. Pág. 66.

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49

Sobre o tema, João Batista de Almeida teve oportunidade de se pronunciar na

forma que segue:

Em face de suas atribuições constitucionais de defesa da sociedade e dos interesses

sociais e individuais (CF, art. 127, c/c art. 129, II e III) e da qualificação

profissional de seus membros, o Ministério Público, dentre os demais legitimados,

é, certamente, o órgão mais bem aparelhado para promover a defesa dos direitos ou

interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, em nível judicial. Há,

verdadeiramente, uma vocação natural para o mister, o que explica o grande

volume de ações propostas pelo Parquet sobre a matéria.61

Porém, no caso das ações coletivas, o Ministério Público estaria atuando na

proteção de direitos alheios aos quais cabe tutelar extraordinariamente, de forma ordinária, ou

sem que haja um parâmetro nas ações individuais?

3.4.2 LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO: ORDINÁRIA,

EXTRAORDINÁRIA OU AUTÔNOMA?

A regra geral no processo civil clássico é a de legitimação ordinária, fazendo

coincidir a parte com o titular da relação jurídica de direito material, conforme dispõe o art. 6º

do CPC. Nesse caso, alguém pleiteará em Juízo, em nome próprio, um direito próprio, e será

diretamente atingido pela decisão.

No entanto, o próprio artigo 6º admite exceções à regra geral, de modo que

existem casos em que não haverá a identidade entre o titular da relação jurídica e o participante

do processo. Essa hipótese é a da chamada legitimidade extraordinária e pode se dar de duas

formas: representação ou substituição. No primeiro caso, o representante demanda (ou

defende) em nome alheio um direito alheio, valendo-se de poderes que lhe foram conferidos

pela lei ou pelo próprio representado, de modo voluntário.

61

ALMEIDA, João Batista de. Aspectos Controvertidos da Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2001, pág. 96.

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50

Rodolfo de Camargo Mancuso62

defende a adoção da teoria clássica de

legitimação também nas ações coletivas, entendendo que nestas, a legitimação ativa seria

ordinária, visto que:

“a) quando o indivíduo age per se, na tutela de interesses gerais, ele também defende

interesse próprio, configurando na “cota-parte” daqueles interesses, a qual lhe

pertence enquanto indivíduo, cidadão, eleitor ou contribuinte; é o que se passa,

grosso modo, nas ações populares e nas class actions do Direito Norte-americano.

Não importa que, eventualmente, alguns integrantes da categoria ou da coletividade

não se interessem pela ação ou discordem de seu objeto, porque aí não se trata de

litisconsórcio necessário; o que releva é que o cives exerce a liberdade pública

reconhecida uti singuli, de exigir uma administração proba e eficaz e o respeito à lei,

conforme o caso; b)quando a tutela dos interesses superindividuais é feita através de

grupos legalmente constituídos, a legitimação também é ordinária, na medida em que

sustentam, em nome próprio, certas massas de interesses (ex. os dos consumidores),

para o que a lei os considerou idôneos”.

Entretanto, conforme amplamente explanado, a tutela dos interesses

transindividuais detém características próprias, que também abrangem a legitimidade na sua

propositura, em virtude da natureza material dos direitos envolvidos, que se afasta do

individualismo tradicional, não podendo valer-se da mesma técnica do processo civil clássico.

Dessa maneira, não há como se filiar com parte da doutrina que defende a

hipótese de legitimidade ordinária ou extraordinária nas ações coletivas. A crítica à legitimação

extraordinária é relevante sobretudo quando concernente à defesa dos interesses difusos. Isto

porque não seria possível apontar quais os substituídos.

Entende-se, portanto, que os interesses difusos e coletivos são hipótese de

legitimação autônoma para a condução do processo.

Nessa linha de raciocínio, Nelson Nery Júnior e Rosa Nery63

afirmam que nas

“ações coletivas na tutela de direitos difusos e coletivos, trata-se de legitimação autônoma para

62

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição Coletiva e Coisa Julgada. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2001, pág. 129 e ss. 63

NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 5. ed. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 1530.

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51

a condução do processo”.

Diz-se concorrente, pois a norma quis dar maior proteção a tais direitos

conferindo poderes a certos entes de maneira igualitária, de forma que um não anula o outro.

Assim, segue-se a ideia de que os interesses difusos e coletivos sejam protegidos na medida

em que o leque de legitimados seja amplo suficiente para atender a demanda da sociedade64

.

Assim, o art. 5º da Lei n.º 7.347/85 arrola diversos legitimados, não havendo necessidade da

anuência de um para que outro proponha ação.

É disjuntiva, quando se diz que uma entidade legitimada não precisa da

anuência da outra para ingressar com a ação coletiva. Caso desejem ajuizar ação em conjunto,

o litisconsórcio será facultativo. Entende-se pela grande importância de tal característica haja

vista que tais pretensões serão prontamente ajuizadas por quem tem maior interesse ou

especialidade do assunto. Assim, poder-se-ia evitar que determinadas matérias fossem

demandadas por pessoa não capacitada, o que geraria inúmeros prejuízos sociais65

.

Há, porém, críticas à corrente autônoma. A principal delas é que a entidade do

polo ativo se responsabilizará pelo objeto pleiteado de forma autônoma e sem pedir

autorização aos reais titulares desse objeto. Assim, estes ficariam impedidos de atuar de forma

direta na ação que lhes interessa tanto, principalmente porque os institutos da coisa julgada e

da litispendência atuam sobre eles, como se extrai da obra de Fredie Didier Jr. E Hermes

Zaneti Jr., verbis:

“(...) o autor substituto processual, agindo sem necessidade de autorização, em

nome do direito subjetivo de outrem e os próprios titulares individuais não podem

fazer valer diretamente seus direitos subjetivos coletivos. Nenhum dos titulares do

direito individual vinculado à pretensão coletiva (difusa, coletiva stricto sensu ou

individual homogênea) pode atuar como parte no mandado de segurança coletivo, e

64

VASCONCELOS NETO, Francisco das Chagas de. A legitimação para agir nas ações coletivas e os novos

desafios a serem superados. Processos Coletivos, Porto Alegre, vol. 2, n. 4, 01 out. 2011.

Disponível em: <http://www.processoscoletivos.net/revista-eletronica/26-volume-2-numero-4-trimestre-01-10-

2011-a-31-12-2011/135-a-legitimacao-para-agir-nas-acoes-coletivas-e-os-novos-desafios-a-serem-superados> -

Acesso em: 26-Jul-2013. 65

Idem.

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52

assim, no processo coletivo em geral, que é exclusivo para os legitimados

extraordinariamente pela lei”66

.

Conforme se verá adiante, é necessário que sejam criados institutos jurídicos

que visem à integração e à cooperação entre os legitimados à propositura das ações coletivas.

Somente assim poder-se-á dizer que houve a verdadeira legitimidade que se espera dos atores

encarregados de promover as ações coletivas.

O que se espera é que, num Estado Democrático de Direito, haja o mínimo de

debate e investigação pelas entidades detentoras do poder de promovê-las, e de que estas

procurem a melhor maneira de chegar ao fim pleiteado, sendo que para tanto não haveria a

necessidade, sempre, da disputa judicial, podendo ser a solução alcançada extrajudicialmente,

assim como o Ministério Público realiza com os Termos de Ajustamento de Conduta.

66

DIDIER JR., Fredie, e ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 3. ed.

Salvador: Editora Jus Podivm, 2008, pág. 214.

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53

CAPÍTULO 4 – AS ESPÉCIES DE INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS

4.1 CONCEITO DE INTERESSE (JURÍDICO)

Nem sempre a existência de um interesse no plano econômico ou social autoriza o

ingresso em juízo. A maioria dos doutrinadores utiliza, indistintamente, os conceitos de

interesse e direito para tratá-los.

José dos Santos Carvalho Filho, entretanto, entende que “a figura do interesse

sempre foi distinta do direito, tendo aquela sentido mais amplo que o desta”67

.

Muito embora haja inúmeras distinções possíveis no tocante ao tema de interesses,

para o presente trabalho destacou-se a diferenciação entre interesse público e privado.

4.1.1 DIFERENCIAÇÃO – INTERESSE PÚBLICO E INTERESSE PRIVADO

Tal diferenciação tem razão de ser tendo em vista o conceito proposto por Cândido

Rangel Dinamarco, segundo o qual o Ministério Público é “a instituição estatal predestinada

ao zelo do interesse público no processo”. Destaca como principais características deste as

seguintes:

“O interesse público que o Ministério Público resguarda não é o puro e simples

interesse da sociedade no correto exercício da jurisdição como tal — que também é

uma função pública — porque dessa atenção estão encarregados os juízes, também

agentes estatais eles próprios. O Ministério Público tem o encargo de cuidar para

que, mediante o processo e o exercício da jurisdição, recebam o tratamento

adequado certos conflitos e certos valores a eles inerentes. Aceitando a premissa de

67

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública, comentários por artigo. Rio de Janeiro: Editora

Lumen Juris, 2005, pág. 27. Apud: COELHO, Sérgio Neves. Solidariedade e Tutela dos Direitos Difusos e

Coletivos. São Paulo, 2012, 168f, Dissertação (Mestrado) - Curso de Pós-graduação na Pontifícia Universidade

Católica (PUC-SP), pág. 90.

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54

que a Constituição e a lei são autênticos depositários desses valores, proclama

aquela que ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime

democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” 68

.

Em seu esforço inicial de definir o conceito, Mello observa a habitualidade com

que o interesse público é pensado em termos de categoria “contraposta à de interesse privado,

individual, isto é, ao interesse pessoal de cada um”, bem como em sua conceituação como

“interesse do todo, ou seja, do próprio conjunto social”, ressalvando neste último caso não se

tratar da “somatória dos interesses individuais [grifo do autor]” 69

. Significa, por outro lado,

diz o autor, que o interesse público “é “função” qualificada dos interesses das partes, um

aspecto, uma forma específica, de sua manifestação” 70

. Continua o autor:

Poderá haver um interesse público que seja discordante do interesse de cada um

dos membros da sociedade? Evidentemente, não. Seria inconcebível um interesse do

todo que fosse, ao mesmo tempo, contrário ao interesse de cada uma das partes que

o compõem. Deveras, corresponderia ao mais cabal contra-senso que o bom para

todos fosse o mal de cada um, isto é, que o interesse de todos fosse um anti-interesse

de cada um.

Embora seja claro que pode haver um interesse público contraposto a um dado

interesse individual, sem embargo, a toda evidência, não pode existir um interesse

público que se choque com os interesses de cada um dos membros da sociedade.

Esta simples e intuitiva percepção basta para exibir a existência de uma relação

íntima, indissolúvel, entre o chamado interesse público e os interesses ditos

individuais.

É que, na verdade, o interesse público, o interesse do todo, do conjunto social, nada

mais é que a dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, dos interesses de

cada indivíduo enquanto partícipe da Sociedade (entificada juridicamente no

Estado), nisto se abrigando também o depósito intertemporal destes mesmos

68

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. I. 2. ed. São Paulo: Malheiros,

2002, pág. 683. 69

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007,

pág. 56. 70

Ibid. pág. 56-57.

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55

interesses, vale dizer, já agora, encarados eles em sua continuidade histórica, tendo

em vista a sucessividade das gerações de seus nacionais [grifo do autor]71

.

A partir das observações acima é que Mello distingue interesse individual, aquele

relativo à “pessoa ou grupo de pessoas singularmente consideradas”, de interesse “pessoal”,

este último entendido como o interesse da pessoa ou grupo na qualidade de “partícipes de

uma coletividade maior na qual estão inseridos [grifo do autor]”. E dessa noção de “interesse

pessoal” é que se vale o autor para definir o interesse público como “o interesse resultante do

conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua

qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem”.

Kiyoshi Harada, sobre o interesse público, tece as seguintes considerações:

“Cabe ao Estado satisfazer as aspirações coletivas, encampando-as como

necessidades de ordem pública e, consequentemente, inserindo-as no ordenamento

jurídico disciplinando-as em nível constitucional e legal. Assim, tudo aquilo que

incumbe ao Poder Público protestar em decorrência da norma jurídica, de natureza

constitucional ou legal, configura interesse público a ser satisfeito exclusivamente

pelo regime de direito público, vale dizer, pela observância das regras concernentes

à legalidade, à moralidade, à impessoalidade, à publicidade e à razoabilidade. Em

última análise, a finalidade do Estado consiste na defesa permanente do interesse

público, ou seja, na realização do bem comum, em função do qual desenvolve as

atividades financeiras” 72

.

Interesse público é, portanto, aquele que se impõe por uma necessidade coletiva,

devendo ser perseguido pelo Estado, em benefício dos administrados, relativo a toda a

sociedade por ele personificada. É o interesse geral da sociedade, ou seja, do Estado como

comunidade política e juridicamente organizada e finalidade de Administração Pública73

.

O interesse privado, por sua vez, contrapõe-se ao interesse público,

principalmente na concepção de Bandeira de Mello, sendo que aquele se refere à persecução

71

Ibid. pág. 57 72

HARADA, Kiyoshi. Dicionário de Direito Público. 2. ed. São Paulo: MP, 2005, pág. 231. 73

Cf. DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 2. ed. São Paulo; Editora Saraiva, 2005, pág. 1026.

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56

de interesses privados, sendo que a distinção in concreto se faz pela prevalência do interesse

preponderante74

.

4.2 INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS OU DIREITOS COLETIVOS (LATU

SENSU)

Os interesses transindividuais, conforme se observa principalmente da concepção

dada por Harada ao interesse público, se situam numa posição intermediária entre o interesse

público e o privado75

. Estes podem se referir a uma categoria determinável ou indeterminável

de indivíduos. Para Harada76

, os interesses transindividuais “são os interesses

supraindividuais ou metaindividuais, isto é pairam acima dos interesses individuais”.

Os interesses transindividuais excedem o âmbito estritamente individual, mas não

chegam a constituir interesse público. Com efeito, interesse público, em sentido estrito, é o

interesse do Estado (v.g., o ius puniendi) ou, em sentido lato, o interesse abstrato da sociedade

como um todo.

Direitos coletivos são direitos subjetivamente transindividuais, ou seja, sem titular

determinado, e materialmente indivisíveis. Os direitos coletivos comportam sua acepção no

singular, inclusive para fins de tutela jurisdicional. Ou seja: embora indivisível, é possível

conceber-se uma única unidade da espécie de direito coletivo. O que é múltipla (e

indeterminada) é a sua titularidade e daí a sua transindividualidade77

.

A nomenclatura transindividual justamente denota a ideia de direitos que

pertencem a um grupo, categoria ou classe de pessoas que tenham entre si um vínculo, seja de

fática ou jurídica78

. Sua natureza jurídica é extrapatrimonial, e assim, o pleito é, inicialmente,

74

MORAES, Maria Celina Bodin. A caminho de um Direito Civil constitucional. São Paulo: Revista de Direito

Civil, n. 65, 1997, pág. 26. 75

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012,

pág. 50. 76

HARADA, Kiyoshi. Dicionário de Direito Público, pág. 232. 77

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos.

Porto Alegre, 2005, 290 f. Tese (Doutorado em Direito) – Pós- Graduação em Direito da Universidade Federal

do Rio Grande do Sul, pág. 26-28. 78

Embora o CDC somente mencione a situação fática, por obvio que deve haver um elo jurídico.

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57

para o retorno ao estado anterior. Apenas quando este não for possível, admite-se o

ressarcimento, feito por via indireta.

Por fim, a sua tutela pode configurar a chamada “alta conflituosidade”, ou

seja, quando há conflito entre direitos difusos, a solução deve se dar pelo método da

ponderação de bens e valores concretamente colidentes 79

.

Para Zavascki, “direito coletivo” é designação genérica para as duas modalidades

de direitos transindividuais: o difuso e o coletivo stricto sensu. É denominação que se atribui

a uma especial categoria de direito material, nascida da superação, hoje indiscutível, da

tradicional dicotomia entre interesse público e interesse privado. É direito que não pertence à

administração pública e nem a indivíduos particularmente determinados. Pertence, sim, a um

grupo de pessoas, a uma classe, a uma categoria, ou à própria sociedade, considerada em seu

sentido amplo.

Na definição de Péricles Prade, “são os titularizados por uma cadeia abstrata de

pessoas, ligadas por vínculos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de

situação, passíveis de lesões disseminadas entre todos os titulares, de forma pouco

circunscrita e num quadro abrangente de conflituosidade” 80

.

Essa conceituação ganhou corpo com a edição do Código de Defesa do

Consumidor (Lei n. 8078, de 11-9-1990). O referido diploma legal adotou uma classificação

baseada em três categorias: direitos metaindividuais coletivos, difusos e individuais

homogêneos (art. 81, parágrafo único, I, II e III do CDC).

O art. 81 do Código do Consumidor classifica os direitos transindividuais da

seguinte forma:

“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá

ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

79

DEMARI, Lissandra. A Ação Civil Pública como meio para a tutela jurisdicional de direitos: liquidação e

cumprimento. Porto Alegre, 2008, 180f., Dissertação (Mestrado em Direito). Programa de Pós-graduação da

Universidade do Rio Grande do Sul, pág. 47. 80

PRADE, Péricles. Conceito de interesses difusos. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 61.

Apud: ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos.

Porto Alegre, 2005, 290 f. Tese (Doutorado em Direito) – Pós- Graduação em Direito da Universidade Federal

do Rio Grande do Sul, pág. 27.

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58

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste

código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam

titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os

transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou

classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação

jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de

origem comum”.

Dos dispositivos se nota que o legislador levou em conta três critérios para

determinar esta classificação. O critério subjetivo leva em conta a aferição da titularidade do

respectivo direito ou interesse material. O segundo critério, de índole objetiva, diz respeito à

divisibilidade ou não do direito material. Já o terceiro critério é a origem, por intermédio da

qual se busca a fonte do respectivo interesse ou direito material

Antonio Gidi entende que o critério científico para identificar se trata de direito

difuso, coletivo ou individual homogêneo não está atrelado à matéria, ao assunto

abstratamente considerado, como, por exemplo, consumidor ou meio ambiente, mas sim ao

direito subjetivo que foi violado 81

.

Hermes Zaneti Junior, ao refletir a respeito do critério de identificação do direito

coletivo objeto da demanda, conclui:

“Ora, o CDC conceituou os direitos coletivos lato sensu dentro da perspectiva

processual, com o objetivo de possibilitar a sua instrumentalização e efetiva

realização. Do ponto de vista do processo, a postura mais correta é a que permite a

fusão entre o direito subjetivo (afirmado) e a tutela requerida como forma de

identificar, na ‘ação’, de qual direito se trata e, assim, prover adequadamente a

jurisdição. Nesse particular a correta individuação, pelo advogado, (operador do

direito que propõe a demanda) do pedido imediato (tipo de tutela) e da causa de

81

GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Editora Saraiva, 1991, pág. 20-

21.

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59

pedir, incluindo os fatos e o direito coletivo aplicável na ação revela-se de

preponderante importância. (...)” 82

.

Diante do exposto, entendemos que o método mais acertado para classificar a

espécie de direito transindividual tutelado em uma ação coletiva é aquele que leva em

consideração a causa de pedir juntamente com o pedido apresentado no caso concreto,

inclusive porque, através dessa análise, será possível verificar também se existe apenas

conexão entre duas ou mais ações coletivas ou se é caso de litispendência ou coisa julgada, o

que impedirá o processamento das demandas coletivas ajuizadas posteriormente, evitando

decisões judiciais contraditórias sobre a mesma questão 83

.

Dessa forma, pode-se dizer que o interesse coletivo em sentido lato é um direito

social, já que toca a uma coletividade, mas não obrigatoriamente existirá relevância ou

indisponibilidade desse direito para a sociedade, pois poderá ele ser apenas um interesse de um

determinado grupo em face de seu violador comum.

4.3 DIREITOS COLETIVOS (STRICTU SENSU)

Os direitos coletivos são definidos pelo CDC como os “de natureza indivisível de

que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas entre si ou com a parte contrária por

uma relação jurídica base”, caracterizando-se por: terem titulares determináveis, que

estão vinculados por uma situação jurídica base; indivisíveis, que podem ou não ter caráter

patrimonial; e indisponíveis.

Benjamin84

, por sua vez, estabelece como características dos direitos coletivos: a

transindividualidade real ou restrita; a determinabilidade dos sujeitos; a divisibilidade externa e

a indivisibilidade interna (possibilidade de apartar aquilo que pertence aos membros do grupo,

82

ZANETI JUNIOR, Hermes. Mandado de segurança coletivo: aspectos processuais controversos. Porto

Alegre: Editora SAFE, 2001, pág. 68. 83

WATANABE, Kazuo. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto.

Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 6ª Edição, 1999, pág. 826-830. 84

BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico:

apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. In: MILARÉ, Edis

(Coord.) Ação civil pública: Lei 7.347/85 - Reminiscências e Reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1995.

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categoria ou classe e o que é domínio de sujeitos alheios; a disponibilidade coletiva e a

indisponibilidade individual (ou seja, a associação, pode, em princípio, dispor dos interesses e

direitos decorrentes do associativismo, enquanto que tal possibilidade é negada aos membros

do grupo; a relação jurídica-base a unir os sujeitos; a irrelevância da unanimidade social; a

organização-ótima viável e a reparabilidade indireta.

Watanabe destaca que a lei consumerista não adotou a posição de parte da

doutrina que entende ser a organização traço fundamental na configuração dos direitos

coletivos, visto que para a lei, mesmo sem organização os direitos coletivos, pelo fato de serem

de natureza indivisível, apresentam identidade tal que, independentemente “de sua

harmonização formal ou amalgamação pela reunião de seus titulares em torno de uma

entidade representativa, passam a formar uma só unidade” 85

.

4.4 DIREITOS DIFUSOS

O Código, neste aspecto, trás definição própria, segundo a qual estes são entendidos

como: “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas

indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery86

coaduanam com esta definição,

afirmando que os direitos difusos são aqueles cujo titular não se pode determinar. A ligação entre

os titulares se dá pelas circunstâncias de fato. O objeto destes direitos é indivisível, não podendo

ser cindido. Como exemplo, o direito do consumidor de não ser alvo de publicidade enganosa ou

abusiva.

Para Camargo Ferraz, a “investigação das hipóteses reveladas pela experiência

prática e pelos estudos doutrinários demonstra que os interesses difusos tendem a recair sobre

bens imateriais incorpóreos” 87

.

85

WATANABE, Kazuo, Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto,

pág. 628. 86

NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 11ª edição, 2010, pág. 341. 87

CARMARGO, Antonio Augusto Mello de Camargo. Interesse social e interesse difuso: considerações. In:

MILARÉ, Edis (Coord.). A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo, Revista dos

Tribunais, 2005, pág. 69.

Page 61: LIMITES DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA TUTELA … · ... a ação civil pública e o mandado de segurança ... Código de Defesa do Consumidor CF: ... trata do assunto, além

61

Não havia, entretanto, consenso sobre a diferenciação dos conceitos de direitos

difusos e coletivos. Kazuo Watanabe, à época da elaboração do Código, diz que se preferiu

adotar os conceitos que lhe pareciam mais adequados no plano de defesa do consumidor88

.

Isto acabou por beneficiar a efetivação da tutela dos direitos coletivos do

consumidor, visto que, se tal definição fosse deixada para a doutrina, certamente haveria

divergências que inviabilizariam o objetivo do aludido instrumento.

Sobre sua abrangência, cabe mencionar quadro comparativo elaborado por Hugro

Nigro Mazzilli, que define:

“Há interesses difusos: a) tão abrangentes que chegam a coincidir com o interesse

público (como o do meio ambiente como um todo); b) menos abrangentes que o

interesse público por corresponderem a um grupo disperso, mas que não chegam a

confundir-se com o interesse geral da coletividade (como os dos consumidores de um

produto); c) em conflito de interesses com a coletividade como um todo (como os

interesses dos trabalhadores da indústria do tabaco); d) em conflito com os interesses

do Estado, enquanto pessoa jurídica (como os interesses dos contribuintes); e)

atinentes a grupo que mantém conflitos entre si (interesses transindividuais

reciprocamente conflitantes, como os dos que desfrutam dos confortos dos aeroportos

urbanos, ou da animação dos chamados trios elétricos carnavalescos, em oposição aos

interesses dos que se sentem prejudicados pela correspondente poluição sonora)”89

.

Por fim, segundo Zavascki, os direitos difusos têm por características: a) sob o

aspecto subjetivo a indeterminação absoluta dos titulares; b) sob o aspecto objetivo a

indivisibilidade; c) em decorrência de sua natureza são insuscetíveis de apropriação individual

e de transmissão, seja por ato inter vivos ou mortis causa, insuscetíveis de renúncia ou

transação; d) sua defesa em juízo dá-se sempre por substituição processual, pois o sujeito

ativo da relação processual não é o mesmo da relação material, sendo indisponível; e) a

mutação dos titulares difusos da relação de direito material dá-se com absoluta informalidade

jurídica, pois basta a alteração das circunstâncias de fato90

.

88

WATANABE, Kazuo. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto,

pág. 723. 89

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo, pág. 53. 90

ZAVASCKI, Teori Albin. Obra citada, pág. 44-45.

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62

4.5 – DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Este grupo traduz, segundo o art. 81, parágrafo único, III, do Código de Defesa do

Consumidor, “aqueles direitos decorrentes de uma origem comum”, o que acaba por

possibilitar a tutela coletiva.

Caracteriza-se por os titulares serem pessoas perfeitamente individualizadas ou

determináveis. A título ilustrativo, imagine-se um veículo fabricado defeituosamente e posto

no mercado de consumo. Nesse caso, os potenciais adquirentes desse veículo são

indeterminados, mas os consumidores que efetivamente compraram o veículo com defeito

serão identificáveis.

Assim, nos interesses individuais homogêneos o que une o grupo é uma situação

fática em comum, apesar da divisibilidade do objeto, sendo esta última a característica que os

destaca.

Dessa maneira, a qualificação de homogêneos não altera e nem desvirtua sua

natureza. É qualificativo utilizado para identificar um conjunto de direitos subjetivos

individuais ligados entre si por uma relação de afinidade, de semelhança, de homogeneidade,

o que permite a defesa coletiva de todos eles.

Não se trata, pois, de uma nova espécie de direito material. Os direitos individuais

homogêneos são, em verdade, aqueles mesmos direitos comuns ou afins de que trata o art. 46

do CPC (nomeadamente em seus incisos II e IV), cuja coletivização tem um sentido

meramente instrumental, como estratégia para permitir sua mais efetiva tutela em juízo.

Em outras palavras, os direitos homogêneos “são, por esta via exclusivamente

pragmática, transformados em estruturas moleculares, não como fruto de uma

indivisibilidade inerente ou natural (interesses e direitos públicos e difusos) ou da

organização ou existência de uma relação jurídica-base (interesses coletivos stricto sensu),

mas por razões de facilitação de acesso à justiça, pela priorização da eficiência e da

economia processuais (...)”91

.

91

BENJAMIN. Antônio Herman H. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico.

Apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. In: MILARÉ, Edis

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Para Teori Zavascki, quando se fala, pois, em “defesa coletiva” ou em “tutela

coletiva” de direitos homogêneos, o que se está qualificando como coletivo não é o direito

material tutelado, mas sim o modo de tutelá-lo, o instrumento de sua defesa92

.

Dessa maneira, a possibilidade do Ministério Público em tutelá-lo, tendo em vista

seus mandamentos constitucionais, seria através da presença na demanda de relevante

interesse público, tendo em vista o que preceituam os arts. 127 e 129, inc. II da Constituição,

sendo que compete ao MP “zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de

relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas

necessárias a sua garantia”.

O interesse social, tal qual referido pela Constituição e adotado como critério

definidor da legitimidade do Ministério Público, possui significado substancialmente

equivalente ao interesse público previsto no art.82, inciso III, do CPC. Assim, Camargo Ferraz o

define como:

“o interesse à preservação permanente de valores transcendentais dessa

sociedade, não é, assim, o interesse de um, de alguns, de um grupo ou de

uma parcela da comunidade, nem mesmo é o interesse só do Estado,

enquanto pessoa jurídica empenhada na consecução de seus fins. É o

interesse de todos, abrangente e abstrato. E por ser de todos não é de

ninguém” 93

.

Assim, compre citar jurisprudência exemplificativa, que considerou que o

aumento abusivo no preço dos serviços de água e esgoto, por se tratarem de serviços

essenciais, apesar de atingir sujeitos determináveis, tem relevante interferência na sociedade,

e assim, o Ministério Público seria capaz de ajuizar ACP. Neste sentido94

:

(coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/85 – Reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 96. 92

ZAVASCKI, Teori Albino. Obra citada, pág. 27. 93

CAMARGO FERRAZ, Antônio Augusto Mello de. Considerações sobre interesse social e interesse difuso. In:

MILARÉ, Édis (Coord). Ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2005, p.63. Apud: DEMARI, Lissandra. Obra citada, pág. 100. 94

AgRg no REsp 856378 MG 2006/0117171-3, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, j. 17/03/2009, DJe

16/04/2009.

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CONSUMIDOR E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. SERVIÇO DE

ÁGUA E ESGOTO. AUMENTO ABUSIVO DO VALOR COBRADO. NATUREZA

JURÍDICA DA CONTRAPRESTAÇÃO. PREÇO PÚBLICO (OU TARIFA).

INTERESSE INDIVIDUAL HOMOGÊNEO CONSUMERISTA. RELEVÂNCIA

SOCIAL PRESUMIDA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MP. ARTS. 81, P. ÚN., INC.

III, E 82, INC. I, DO CDC.

1. Após intenso debate no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de

Justiça, esta Corte está se adequando à jurisprudência daquele Tribunal, passando

a tratar a quantia recolhida a título de prestação do serviço de esgoto como preço

público (ou tarifa), e não como taxa. Precedentes.

2. Tratando-se de tarifa, é plenamente aplicável a disciplina do Código de Defesa

do Consumidor - CDC em casos de aumento abusivo. Note-se que os interesses

defendidos pelo recorrente, na hipótese, tem caráter divisível, derivando de origem

comum, motivo pelo qual são enquadrados pela legislação consumerista como

individuais homogêneos (CDC, art. 81, p. ún., inc. III), mas têm relevante espectro

social, o que autoriza a legitimidade ativa do Parquet (art. 82 do CDC).

3. Mesmo que não se admitisse comprovado, na hipótese, o relevante interesse

social, doutrina e jurisprudência são unânimes em admitir que o Ministério Público

tem legitimidade ativa de interesses individuais homogêneos na seara do direito do

consumidor, pois presume-se a importância da discussão para a coletividade.

4. Agravo regimental não-provido.

Da mesma maneira foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal, quando

analisou a pertinência da atuação do Ministério Público em demanda sobre contratos de

financiamento, quando tal demanda se tratar de objeto de “alto interesse social95

”:

1. LEGITIMIDADE PARA A CAUSA. Ativa. Caracterização. Ministério Público.

Ação civil pública. Demanda sobre contratos de financiamento firmados no âmbito

do Sistema Financeiro da Habitação - SFH. Tutela de diretos ou interesses

individuais homogêneos. Matéria de alto relevo social. Pertinência ao perfil

institucional do MP. Inteligência dos arts.127 e 129, incs. III e IX, da CF.

Precedentes. O Ministério público tem legitimação para ação civil pública em tutela

de interesses individuais homogêneos dotados de alto relevo social, como os de

mutuários em contratos de financiamento pelo Sistema Financeiro da Habitação.

95

STF 2ª Turma, RE 470135 MT, Rel. Ministro Cezar Peluso, j. 22/05/2007, DJe 29/06/2007.

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2. RECURSO. Embargos de declaração. Acórdão. Correção de erro material na

ementa. Revogação de condenação ao pagamento de multa por litigância de má-fé.

Embargos acolhidos, em parte, para esses fins. Embargos de declaração servem

para corrigir erro material na redação da ementa do acórdão embargado, bem

como para excluir condenação ao pagamento de multa, quando descaracterizada

litigância de má-fé.

Outro exemplo típico em Direito do Consumidor é a análise da abusividade de

cláusulas nos contratos de leasing. Assim se posiciona96

o STJ sobre o tema:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL.

RECURSO ESPECIAL. CLÁUSULAS DE CONTRATO DE LEASING.

QUESTIONAMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO.

LEGITIMIDADE ATIVA.

1. Devem ser recebidos como agravo regimental os embargos de declaração que

contenham exclusivo intuito infringente.

2. A jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de que "o Ministério Público

possui legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública questionando a legalidade

das cláusulas de contratos de leasing" (AgRg no REsp 625.251/DF, Rel. Ministro

ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, DJ de 24.4.2006).

3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega

provimento.

Portanto, apenas através da análise in concreto é que poderá se estabelecer se o

objeto da demanda tem pertinência relevante à sociedade e, assim, se cabe ao Ministério

Público a titularidade para o ajuizamento da ação. Teori Zavascki bem sintetiza a

possibilidade de legitimação do Ministério Público:

“Não cabe ao Ministério Público, portanto, bater-se em defesa de todos e

quaisquer direitos ou interesses individuais, ainda que, por terem origem comum,

possam ser classificados como homogêneos. Interesses individuais homogêneos não

96

EDcl no AgRg no REsp 754.373/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA,

julgado em 06/09/2012, DJe 24/09/2012

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são, necessariamente, interesses sociais. Todavia, quando tais interesses

individuais homogêneos, mais que a soma de situações particulares, possam ser

qualificados como de interesse comunitário, nos termos acima enunciados, não

há dúvida de que o Ministério Público estará legitimado a atuar, porque nessas

circunstâncias estará atuando em defesa de interesses sociais. A identificação dessa

espécie de interesse social compete tanto ao legislador (como ocorreu, v.g., nas

Leis nº 8.078/90, 7913/89 e 6024/74), como ao próprio Ministério Público, caso a

caso, mediante o preenchimento valorativo da cláusula constitucional à vista de

situações concretas e à luz dos valores e princípios consagrados no sistema

jurídico, tudo sujeito ao crivo do Poder Judiciário, a quem caberá a palavra final

sobre a adequada legitimação” 97

.

Em que pese tal ser a posição majoritária, ainda encontramos entendimento no

sentido de que, em se tratando de direitos disponíveis, não seria o Ministério Público

legitimado para propor a Ação Civil Pública:

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL

PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. MENORES SOB GUARDA.

INSCRIÇÃO. PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.

MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE. PRECEDENTES. RESSALVA DO

ENTENDIMENTO DA RELATORA.

1. De acordo com tese adotada pela Terceira Seção deste Superior Tribunal de

Justiça, o Ministério Público não tem legitimidade ativa ad causam para propor

ação civil pública em defesa de direitos à percepção de benefícios previdenciários,

por cuidarem de direitos individuais disponíveis.

2. Ressalva do entendimento da Relatora, para quem, diante da existência de

relevante interesse social, o Ministério Público tem legitimidade para propor ação

civil pública que versa sobre interesses individuais homogêneos, no caso

consubstanciados em interesses de crianças e adolescentes sob guarda judicial de

serem inscritas como dependentes no Regime Geral da Previdência Social. 2.

Recurso especial provido. Extinção do processo sem julgamento de mérito.

97

ZAVASCKI, Teori Albino. Obra citada, pág. 55.

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Concluímos pela adoção do entendimento majoritário. Isto porque a categoria dos

direitos individuais homogêneos somente foi estabelecida pelo Código de Defesa do

Consumidor, ou seja, posteriormente à promulgação da Constituição Federal, razão pela qual

esta não faz qualquer ressalva à proteção desta categoria de direitos pelo Parquet.

Ainda, devemos entender pela interpretação teleológica do art. 129 da CF, tendo

em vista o escopo dado a tal instituição, não havendo razão pela mitigação de sua atuação

quando na presença de relevante interesse social.

O Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do Recurso Extraordinário nº

195.056-1/PR, afirmou que o conceito de interesse social é uma ideia carregada de ideologia e

valor, mas que não pode ser preenchida pela livre apreciação subjetiva, quer do agente do

Ministério Público, quer do órgão jurisdicional, devendo partir da identificação do seu

assentamento nos pilares da ordem social projetada pela Constituição e na sua

correspondência à persecução dos objetivos fundamentais da República, sugerindo que o

interesse social esteja ligado às metas da República: “construir uma sociedade livre, justa e

solidária” e “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

regionais” 98

.

Entretanto, por não haver texto legal expresso neste sentido, ficamos submetidos à

existência de posicionamentos jurisprudenciais diversos, o que acaba por prejudicar a

proteção efetiva de tais direitos in concreto.

Por fim, convém frisar que os direitos sujeitos à irrestrita tutela pelo Ministério

Público, são apenas os direitos difusos e coletivos, que não se confundem, portanto, com os

direitos individuais homogêneos.

98

Idem, pág. 101.

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CAPÍTULO 5 – OS PROCEDIMENTOS ESPECÍFICOS: A AÇÃO CIVIL

PÚBLICA E O MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

5.1 – A AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A Lei n. 7.347/85 e o Cód. de Defesa do Consumidor integram-se na matéria de

legitimação ativa para as ações civis públicas ou coletivas. Podem propô-las, de forma

concorrente e disjuntiva: a) Ministério Público; b) União, Estados, Municípios e Distrito

Federal; c) autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista; d)

associações civis constituídas há pelo menos um ano, com finalidades institucionais

compatíveis com a defesa do interesse pretendido; e) entidades e órgãos da administração

pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à

defesa de interesses transindividuais; f) sindicatos; g) as comunidades indígenas.

Por identidade de razões, entende-se que se aplica analogicamente aos sindicatos e

às fundações privadas o requisito imposto para as associações civis: devem estar pré-

constituídos há mais de um ano e ter finalidade institucional compatível com a defesa judicial

que queiram empreender na ação civil pública ou coletiva.

Para ajuizar a ação civil pública ou coletiva, a associação civil deverá estar

expressamente autorizada, seja pelos estatutos, o que dispensará autorização pontual em

assembleia, seja por deliberação da assembleia, nos demais casos.

Diversos autores afirmam que o fato de os demais legitimados à propositura da

ação civil pública não serem tão ativos empiricamente como o Ministério Público pode ser

explicado pela recente experiência democrática e a sua falta de aparelhamento.

Dentre eles, podemos citar Rodolfo de Camargo Mancuso, para quem: “Tais

críticas podem, quiçá, ser válidas para outros países, mas não se aplicam, a toda a evidência,

ao Ministério Público em nosso País, instituição una e indivisível, permanente e essencial à

função jurisdicional do Estado, vocacionada à defesa da ordem jurídica, do regime

democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

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Entretanto, houve também uma escolha política por trás do legislador, que

favoreceu o exercício de tal defesa pelo Ministério Público. Há, inclusive, crítica de Arantes

quanto à exclusão do processo de defesa de direitos difusos e coletivos no Brasil de

movimentos sociais não institucionalizados99

.

Segundo o autor, a Lei “só reconheceu os setores previamente organizados e,

quanto aos não organizados, ela sinalizou que o caminho mais racional seria bater às portas

do Ministério Público”.

Tal poderia ser afirmado em um estágio inicial: não existindo esta via de

participação, coube inicialmente ao Poder Público (Ministério Público), a defesa dos direitos

coletivos. Haveria, portanto, uma concepção estratégica de que a sociedade civil brasileira

sofria de suposta hipossuficiência, sendo incapaz de buscar seus direitos, de forma autônoma, no

âmbito da Justiça.

Werneck e Burgos100

, por outro lado, defendem que há uma complementaridade

entre a sociedade civil e o Ministério Público, entendendo que na ausência da atuação do

Ministério Público haveria uma conscientização social do problema na defesa dos direitos

pela via judicial, não existindo, de fato, uma tensão entre a sociedade e o Ministério Público.

Tal afirmativa estaria corroborada, inclusive, pelo fato de que a maior parte das

ações movidas pela sociedade civil estaria na área do direito dos consumidores, na qual o

Ministério Público não tem tido muito sucesso, pois inúmeras sentenças consideram os pleitos

nesta área como individuais homogêneos, o que, muitas vezes, afasta-o da tutela jurisdicional

pelo MP.

Concluindo, ainda sofre o país da necessidade de integração entre o Ministério

Público e a sociedade civil, com a busca de instrumentos que visem a estimulá-la, com o

escopo de maior eficiência. Tal, inclusive, é essencial nas áreas em que é vedada sua

99

ARANTES, Rogério B. Ministério Público e Política no Brasil. São Paulo: Editora Sumaré, Fapesp, 2002,

pág. 71.. Apud: CALDEIRA, Violeta Sarti. Política, direito e representação de interesses coletivos pela via

judicial: 20 anos de Ação Civil Pública. São Paulo, 2009, 124f., Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais).

Programa de Pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica. Pág. 48. 100

WERNECK, Luiz e BURGOS, Marcelo. Revolução processual do direito e democracia progressiva. In:

WERNECK VIANNA, Luiz (org). A democracia e os três poderes no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG,

Rio de Janeiro: IUPERJ/FAPERJ, 2002. Apud: CALDEIRA, Violeta Sarti. Política, direito e representação de

interesses coletivos pela via judicial: 20 anos de Ação Civil Pública. São Paulo, 2009, 124f., Dissertação

(Mestrado em Ciências Sociais). Programa de Pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica. Pág. 50-51.

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participação jurisdicional como parte, mas em que pode promover o inquérito civil, para sua

investigação.

Segue abaixo tabela elaborada por Violeta Sarti Caldeira, constatando os autores e

a matéria debatida em âmbito da Ação Civil Pública, com dados pesquisados no Tribunal de

Justiça de São Paulo101

:

A seguir, tratou da eficácia das decisões quanto à entidade autora. Constatou que

o desempenho do Ministério Público é realmente melhor que o dos demais autores em 1ª

instância. Sua atuação, em relação aos demais legitimados, é melhor inclusive quando o

Ministério Público age sozinho do que em litisconsórcio:

101

CALDEIRA, Violeta Sarti. Política, direito e representação de interesses coletivos pela via judicial: 20 anos

de Ação Civil Pública. São Paulo, 2009, 124f., Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Programa de Pós-

graduação da Pontifícia Universidade Católica, pág. 66.

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102

Entre as mais proeminentes funções institucionais atribuídas pela Constituição

Federal ao Ministério Público está a de ‘promover o inquérito civil e a ação civil pública para

a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e

coletivos’ (art. 129, III), função reafirmada na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público

(Lei 8.625, de 12/02/93, art. 25, IV) e no Estatuto do Ministério Público da União (Lei

Complementar 75, de 20/05/93, art. 6º, VII).

A legitimação específica para o exercício, em juízo, dessa função institucional

consta também nas leis especiais que estabelecem normas processuais para as várias ‘ações

civis públicas’, como é o caso da Lei 7.347, de 24/07/85 (disciplina a ação civil pública de

responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de

valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico), da Lei 7.853, de 24/10/89 (dispõe

sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiências, sua integração social, sobre a

Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE),

institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos e difusos dessas pessoas, disciplina a

atuação do Ministério Público, define crimes), da Lei 7.913, de 07/12/89 (dispõe sobre a ação

civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores

mobiliários), da Lei 8.078, de 11/09/90, o chamado “Código de Proteção e Defesa do

Consumidor” (dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências) e da Lei

8.429, de 02/06/92 (dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos em caso de

enriquecimento ilícito no exercício da função).

Quando a ação civil pública tem por objeto a tutela de direitos e interesses

transindividuais (difusos e coletivos), a legitimação atribuída ao Ministério Público, pela

102

Idem, pág. 71.

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Constituição (art. 129, III), deve ser entendida no sentido irrestrito e mais amplo possível, em

limites suficientes e necessários para a obtenção da tutela jurisdicional completa e compatível

com a natureza e a magnitude da lesão ou da ameaça aos bens e valores tutelados.

Inclui, portanto, legitimação para buscar tutela cognitiva, preventiva e reparatória,

declaratória, constitutiva ou condenatória. Inclui também poderes para pleitear medidas de

tutela provisória, de antecipação de tutela e cautelar. Estende-se a legitimação para as medidas

de cumprimento das liminares e das sentenças, inclusive, quando for o caso, para a

propositura da ação autônoma de execução.

5.2 O MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

O mandado de segurança coletivo é remédio constitucional previsto no art. 5º, em

seu inciso LXX da CF, para a proteção de direito líquido e certo, não amparado por habeas

corpus ou habeas data, pertencente não a um indivíduo isolado, mas a um grupo de pessoas

(interesse transindividual). Trata-se de criação eminentemente brasileira, ocorrida através da

Carta Constitucional de 1988.

Em que pese sua inovação, a norma constitucional preocupou-se apenas em

explicitar como legitimados à sua propositura o partido político com representação no

Congresso Nacional e organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente

constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus

membros ou associados.

Por não haver legislação infraconstitucional sobre o assunto, era utilizada a norma

que tratava sobre o mandado de segurança individual (Lei n. 1.533/51). Somente com a Nova

Lei do Mandado de Segurança (Lei n. 12.016/2009), houve disposições acerca do mandado de

segurança coletivo.

De acordo com o disposto no artigo 21, parágrafo único, da Lei n. 12.016/09 os

direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser: a) coletivos, assim

entendidos, para efeito da Lei 12.016/09, os transindividuais, de natureza indivisível, de que

seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com parte contrária por uma

relação jurídica básica; b) individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito da Lei

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12.016/09, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da

totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.

As definições de direitos coletivos e individuais homogêneos estabelecidas na Lei

12.016/09 são bastante assemelhadas às que constam no art. 81, incisos II e III, do Código de

Defesa do Consumidor.

Por fim, caberia então a pergunta: o legislador originário buscou com a norma

constitucional a restrição dos legitimados à propositura d o mandado de segurança coletivo

(tratando-se, portanto, de hipóteses numeros clausus) ou meramente exemplificativa (numerus

apertus)?

Atualmente há duas correntes doutrinárias acerca da legitimidade ativa do

Ministério Público na interpretação do mandado de segurança coletivo.

5.2.1 POSIÇÃO RESTRITIVA

A posição restritiva nega legitimidade ativa do MP no mandado de segurança

coletiva e embasa-se nos seguintes argumentos:

i) o texto constitucional (art. 5º, inc. LXX, alíneas “a” e “b”) ao cuidar da

legitimidade ativa no mandado de segurança coletivo trouxe rol taxativo. Assim, diante da

ausência do MP no rol previsto, inexiste possibilidade de manejar referida ação. Somente

partido político com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de

classe e associação têm esta possibilidade;

ii) o regime de legitimidade do mandado de segurança coletivo é distinto dos

sistemas adotados pela ACP e ação popular. Esta admite legitimidade ativa do cidadão,

enquanto aquela pode ser aforada por pessoas jurídicas de direito público, instituições e

órgãos públicos e associações. A ação mandamental, por sua vez, inadmitiu autoria pelo

indivíduo, bem como de entes públicos em geral;

iii) o MP tem legitimidade ativa para ACP. Esta demanda admite qualquer espécie

de pedido (CDC, art. 83). Por corolário, é inócuo reconhecer legitimidade ativa do Parquet no

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mandado de segurança coletivo, porquanto qualquer pretensão poderá ser consignada pela

ACP;

iv) outro óbice apontado é a disposição contida no art. 6º do CPC, que somente

admite propositura de ação em nome próprio para defesa de direito alheio nos casos

expressamente autorizados por lei. Dessa maneira, o Ministério Público somente poderia

intentar mandado de segurança coletivo caso tivesse autorização para tanto.

A posição restritiva é defendida, dentre outros, por: Evandro Takeshi Kato103

,

Sebastião de Oliveira Lima104

e Hermes Zaneti Junior105

. De maneira geral, o ponto mais

marcante para estes seria a taxatividade do rol elencado.

5.2.2 POSIÇÃO AMPLIATIVA

A posição ampliativa sustenta que o Ministério Público tem legitimidade para

impetrar mandado de segurança coletivo. Dentre os fundamentos utilizados para justificá-la,

tal qual é o objeto do presente trabalho, seria o fato de o Ministério Público ser o agente

propositor das ações coletivas por excelência, diante da destinação constitucional oferecida e

sua atuação real; assim, a norma constitucional traria apenas hipóteses exemplificativas. Além

disso, as garantias constitucionais não podem ser restringidas, mas podem ser ampliadas, o

que fundamentaria a impossibilidade de taxatividade.

A defesa da legitimidade ativa do MP no mandado de segurança coletivo é a tese

majoritária defendida pelos doutrinadores, dentre os quais: Hugo Nigro Mazzilli106

, José

Antonio Remédio107

, Gregório Assagra Almeida108

, Lucia Valle Figueiredo109

.

103

KATO, Evandro Takeshi. Diferenças entre o mandado de segurança individual e o mandado de segurança

coletivo. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 84, pág. 255-270, 1994. 104

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O art. 6º, inc. I c/c o art. 23 do anteprojeto de Código Brasileiro de Processos

Coletivos do Instituto Brasileiro de Direito Processual, por fim, segue mesma linha, ao

conferir legitimidade ativa ao MP no mandado de segurança coletivo.

5.2.2 POSIÇÃO ADOTADA

Entende-se que para concluir pela legitimidade ativa do MP no mandado de

segurança coletivo não é necessária a criação de novos dispositivos legais ou a alteração da

Constituição vigente. Basta a interpretação teleológica e axiológica dos institutos jurídicos

existentes para se chegar à solução mais adequada.

Para justificar a distorção narrada, Hermes Zaneti Junior110

explica que há

justificativa histórica para as alíneas do inciso LXX do art. 5º da CF/1988 terem omitido o

MP do rol de legitimados ativos no mandado de segurança coletivo. A Constituição foi

redigida em “partes”. Os membros do Parquet tiverem forte influência na confecção da Seção

I do Capítulo IV do Título IV; no entanto, sem a mesma participação na redação dos incisos

do art. 5º, oportunizaram a aparente contradição.

Ademais, e conforme explanado anteriormente, faz parte da função inerente à

instituição do Ministério Público a defesa dos direitos coletivos. Assim, seria um equívoco

interpretativo analisar isoladamente o art. 5º, LXX, “a” e “b” da CF, pois tal ação seria

desconsiderar o Parquet como defensor por excelência dos interesses coletivos.

Dessa maneira, não se pode esquecer da aplicação dos princípios da unidade da

constituição e do efeito integrador à esfera constitucional, de maneira que a CF deve ser

analisada em sua globalidade, com afastamento de contradições e favorecimento à integração

política e social.

Não haveria sentido em se dizer que o Ministério Público é legítimo autor para

propositura de ação em determinada matéria e limitar-se sua atuação quanto à utilização de

instrumentos específicos.

110

ZANETI JUNIOR, Hermes. Mandado de segurança coletivo. In: DIDIER JR, Fredie (Org.). Ações

constitucionais. 4. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2009, pág. 195.

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Isto porque não há como conceber que as ações civis públicas englobariam todas

as hipóteses representativas de conflitos transindividuais. Até porque desta afirmação correria

por terra o sentido da existência do mandado de segurança coletivo. Se as matérias coletivas

pudessem, em sua totalidade, ser dirimidas via ação civil pública, qual seria o sentido da

existência de outro instrumento processual equivalente? Em inúmeros casos, o mandado de

segurança é o instrumento mais adequado para a persecução de objetivos específicos, de

maneira que não deve ser vedada sua utilização pelo Ministério Público.

Neste sentido consigna o art. 83 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº

8.078/90), segundo o qual “para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código

são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva

tutela".

Assim, de forma a integrar o sentido da garantia de acesso ao judiciário, bem

como da legitimidade do MP na tutela dos direitos coletivos, este último deverá contar com a

faculdade de se utilizar de todos os instrumentos possíveis a esta persecução. Assim, tratando-

se de um conceito aberto, dos legitimados à propositura, este pode ser ampliado, mas jamais

restringido.

Sérgio Ferraz, pela análise do viés institucional do Ministério Público, acaba por

adotar este entendimento, afirmando que a sua legitimidade ativa não pode ser reprimida

quando se tratar de assunto ao qual a Constituição atribuiu-lhe a defesa:

“É inequívoco que pode o Ministério Público impetrar mandado de segurança

naqueles casos em que a Constituição da República lhe atribui, como função

institucional (art. 129), a defesa judicial de determinados direitos e interesses (STJ,

RMS 1.722-9, Rel. Min. Costa Lima , DJU 7.5.94, pp. 3.667-8; STJ, RMS 1.456-0,

Rel. Min. Costa Lima, DJU 30.5.94, p. 13.490). Assim se dá por exemplo e

notadamente com relação às populações indígenas (arts. 129, V, e 232, além da Lei

Orgânica do Ministério Público). Mas não é só. Se bem é verdade que disponha o

Ministério Público da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e

social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, III)

a tutela de tais bens e interesses é tão prezada pelo ordenamento constitucional que,

se se revelar mais expedido para tanto, em caso concreto, o mandado de segurança,

inevitável será a possibilidade de sua utilização pelo Parquet. Descabido, a nosso

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ver, portanto, limitar a legitimação ativa do Ministério Público, no caso específico

de writ contra ato judicial, às questões de âmbito criminal” 111

Desta maneira, se o Ministério Público tem legitimidade para defesa de direitos

em determinado assunto, não faz sentido a vedação de se utilizar de uma das espécies de ação

possível para tal tutela. Entender de modo diverso seria clara infração do disposto no art. 5º,

inc. XXXV (princípio da inafastabilidade da jurisdição).

Impedir impetração de mandado de segurança coletivo pelo MP, quando

necessário para se desincumbir da sua função constitucional, é criar obstáculos ao

cumprimento dos objetivos traçados pelo poder constituinte. É, em outro dizer, ignorar a

Constituição.

Este também é o entendimento de Sarlet, Marinoni e Mitidiero, para quem:

“a previsão constitucional que trata do mandado de segurança coletivo limita-se a

estabelecer os legitimados para esta ação. Em contraste com a legitimidade para

outras ações coletivas (qualquer cidadão para a ação popular e vários entes para

as ações civis públicas) é de se questionar se a legitimação aqui prevista é

exclusiva, ou seja, se o rol trazido no dispositivo em questão é exaustivo. Nada há

que autorize esta conclusão. A garantia fundamental, como cediço, não pode ser

restringida, mas nada impede (aliás será muito salutar) que seja ampliada. Daí ser

possível questionar-se da possibilidade de autorizar os legitimados para as ações

civis públicas a proporem mandado de segurança coletivo. Partindo-se do

pressuposto de que o mandado de segurança é apenas uma forma de procedimento,

mostra-se impossível fugir da conclusão de que a tutela dos interesses coletivos já

foi outorgada, pelo texto constitucional e por diplomas infraconstitucionais, a

outras entidades além daquelas enumeradas no dispositivo em exame.Ora, se essas

outras entidades já estão habilitadas à proteção desses interesses, qual seria a

racionalidade em negar-lhes autorização para utilizar uma via processual de

proteção? Absolutamente, nenhuma. Diante disso, parece bastante razoável

sustentar a ampliação – pelo direito infraconstitucional e também pelas normas

constitucionais (v.g., art. 129,III) – do rol de legitimados para a impetração deste

remédio constitucional, de sorte que todos os autorizados para as ações coletivas

111

FERRAZ, Sérgio. Mandado de segurança e acesso à justiça. In: QUEIROZ, Rafael Augusto Sofiati de

(coord.). Acesso à justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2002. p. 299-300.

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também tenham à sua disposição o mandado de segurança coletivo como técnica

processual para a proteção dos interesses de massa112

”.

O entendimento jurisprudencial, contudo, não é unânime. O Supremo Tribunal

Federal, ao julgar o mandado de segurança coletivo nº 21.059-1/RJ entendeu que o rol de

legitimados previstos no inciso LXX, do art. 5º é taxativo, não admitindo ampliação. Tal

julgado, muito embora não trate especificamente sobre a legitimação do Ministério Público,

corrobora o principal ponto defendido pelos adotantes da tese restritiva:

"ao Estado-membro não se outorgou legitimação extraordinária para a defesa,

contra ato de autoridade federal no exercício de competência privativa da União,

seja para a tutela de interesses difusos de sua população – que é restrita aos

enumerados na Lei da Ação Civil Pública (Lei n.º 7.347/85) –, seja para a

impetração de mandado de segurança coletivo, que é objeto da enumeração

taxativa do art. 5.º, LXX, da CF" 113

.

O STJ, por outro lado, aventou a possibilidade de o MP manejar quaisquer ações

coletivas admitidas pelo microssistema processual de tutela coletiva, incluindo o mandado de

segurança coletivo114

. O então Ministro do STJ, Luiz Fux, entendeu que a “nova ordem

constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos

interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos

mesmos”.

A Corte Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo115

, por sua vez, acatou a

posição do STJ, decidindo pela aceitação do Ministério Público como legitimado para a

impetração de mandado de segurança coletivo.

Conclui-se, portanto, que, apesar do posicionamento adotado pelo STF no

julgamento do referido mandado de segurança, o entendimento majoritário da doutrina e da

112

SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Curso de direito

constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, pág. 693. 113

MS 21.059-1/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento 05.09.1990. 114

STJ. Recurso especial n. 427140/RO (j. 19/05/2003), 1ª Turma, Rel. Ministro José Salgado, DJ 25.8.2003; e

Resp n. 736524/SP, 1ª Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, (j. 21;/03/2006), DJ 3.4.2006. 115

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Mandado de Segurança. MS 12.600-0, Corte Especial, julgado

dia 6.6.1991, relator: Des. Marino Falcão.

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jurisprudência é no sentido da possibilidade de utilização do mandado de segurança coletivo

pelo Ministério Público.

Não há sentido na exclusão deste órgão dos legitimados à propositura do

mandado de segurança coletivo, como entende certa parcela doutrinária. O entendimento aqui

defendido leva em consideração não somente o viés constitucional do Parquet, mas também o

conceito de legitimados, sendo que estes poderão ser ampliados por norma infralegal, mas

nunca restringidos.

Dessa maneira, entende-se que o STF deveria rever seu entendimento, de forma a

aplicar o entendimento mais acertado e sanar as atuais divergências.

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CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO

Buscou-se através do presente trabalho responder às questões elaboradas na nota

introdutória, assim como às que foram surgindo no regular transcurso do processo de criação

da presente obra.

Tal busca iniciou-se diante de o Ministério Público ter papel destacado na autoria

das demandas coletivas desde a criação da lei de Ação Civil Pública no Brasil, tendo a

legitimidade para sua propositura sido mantida e estendida com a promulgação da

Constituição Federal de 1988. Sendo este o alvo dessa análise.

Assim, em apertada síntese, podemos destacar que, no Capítulo 1, discorreu-se

sobre o papel institucional do Ministério Público e sua importância na sociedade atual,

sobretudo após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Em que pese o alargamento

de suas atribuições, este ainda não é considerado um verdadeiro Poder.

Em seguida, no Capítulo 2, procurou-se mostrar o desenvolvimento da

processualística civil ao longo do tempo, com o desenvolvimento dos direitos fundamentais,

que culminou com o surgimento do procedimento coletivo, através dos conceitos de acesso à

justiça, de Garth e Capelletti, e de efetividade no direito de ação.

Dessa forma, procuramos introduzir as características que são inerentes ao

processo coletivo, que não devem ser explicadas sobre os mesmos fundamentos do processo

civil clássico. Do das condições da ação seria o elemento da legitimidade o que teria o maior

poder de restrição na atuação do Ministério Público na defesa dos direito coletivos do

consumidor. Dessa maneira, procurou-se distinguir tal quesito da capacidade de ser parte e da

capacidade postulatória.

Embora haja autores que defendam a manutenção do Ministério Público entre os

legitimados, procurou-se demonstrar que há parte da doutrina que crítica sua atuação, diante

da sua alegada falta de representatividade.

Diferenciamos também os direitos difusos dos coletivos stritu sensu. Tal distinção

era necessária tendo em vista que a defesa dos direitos difusos pelo Ministério Público é

mitiga, somente podendo ser exercida na presença do interesse público na resolução da causa.

Para tanto, somente a análise dos casos concretos seria possível, sendo que exemplos atuais

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foram utilizados na demonstração. Nas demais espécies, entretanto, tal defesa não seria

restringida.

Em que pese tal afirmativa, entende-se que diante das características observadas -

disjuntividade e autonomia – haveria espaço não para a exclusão do MP, mas sim pela análise

crítica quanto ao real legitimado in concreto para a propositura da ação, tendo em vista os

reais ou possíveis titulares (no caso dos direitos difusos) do direito material em litígio.

Te tal maneira, propõe-se uma análise crítica quanto ao critério ope legis de

determinação da legitimidade, tendo em vista que esta muitas vezes não reflete à realidade dos

casos.

Numa análise política, entende-se que devem ser criados mecanismos que

favoreçam a integração e coordenação dos legitimados, tendo em vista os institutos da

litispendência e da coisa julgada coletiva, que afetarão as partes sobre as quais estes direitos

recaem, para que o procedimento seja democrático (em sua participação) e eficaz.

Por fim, houve uma análise das peculiaridades atinentes aos dois procedimentos

relevantes ao Ministério Público na defesa dos direitos coletivos do consumidor, quais sejam:

a ação civil pública e o mandado de segurança coletivo.

O mandado de segurança coletivo, inclusive, não consta com dispositivo expresso

autorizando sua propositura pelo Ministério Público. Entretanto, através da análise

institucional do MP e buscando-se o fim efetivo buscado pelo processo coletivo, deve-se

entender pela possibilidade de sua atuação. Trata-se, portanto, da ampliação dos possíveis

legitimados, de forma a dar-se efetividade ao direito tutelado.

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CAPÍTULO 7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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