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edição nº 2 – Especial Geração Beat O pdf, que a revista virtual Língua Pop disponibiliza, serve para o leitor arquivar e poder acompanhar com maior facilidade as matérias e entrevistas da edição. Sendo que os textos são maiores que os demais conteúdos, principalmente as entrevistas. Nesta segunda edição trazemos, no pdf, mais cinco números das tirinhas Chumbo Grosso, de Bernhard Schlee. Exclusivas aqui. No site disponibilizamos a segunda da série, Maracatuia. Pelo endereço http://linguapop.wordpress.com você pode consultar os demais conteúdos da edição com textos e imagens inéditas.

Lingua Pop 2

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segunda edição da revista virtual língua pop

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edição nº 2 – Especial Geração Beat

O pdf, que a revista virtual Língua Pop disponibiliza, serve para o leitor arquivar e poder acompanhar com maior facilidade as matérias e entrevistas da edição. Sendo que os textos são

maiores que os demais conteúdos, principalmente as entrevistas.

Nesta segunda edição trazemos, no pdf, mais cinco números das tirinhas Chumbo Grosso, de Bernhard Schlee. Exclusivas aqui.

No site disponibilizamos a segunda da série, Maracatuia.

Pelo endereço http://linguapop.wordpress.com você pode consultar os demais conteúdos da edição com textos e imagens inéditas.

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- Escritores brasileiros comentando

sobre seus livros beats preferidos

- Matéria sobre Charles Mingus e

Jack Kerouac, por Maestro

Gentilesa

---- Entrevista com Pablo Beato, por

bruno bandido e ricardo ara

Mais conteúdos exclusivos no http://linguapop.wordpress.com

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Viva al México

Somente suas historias já serviriam para ligá-los, loucos, geniais, responsáveis por obras primas estadunidenses. Mas sendo um pouco mais específico, uma obra em particular une dois grandes nomes da cultura norte americana: Tijuana Moods de Charles Mingus e On the Road de Jack Kerouac. A primeira vista, pouco em comum, um livro e um disco de jazz. Pra quem não conhece, melhor apresentar primeiro.

Charles Mingus foi um baixista e compositor de jazz, nascido em 22 de abril de 1922, criador de inúmeras obras-primas do gênero. Louco por natureza, biriteiro e alucinado por todo tipo de droga (algo em comum até aí?). Gravou sua obra prima “tijuana moods” em 1957 (E agora? Quer uma dica? Talvez esse seja o mesmo ano de lançamento do supracitado livro de Kerouac). Tá, mas e ai? É só isso? Uma data em comum?

Na verdade isso é o de menos, a parte boa começa agora. Quem leu On The Road deve se lembrar que lá pelo final do livro, nossos queridos personagens fazem uma alucinada viagem para o México e, em meio a muita loucura e prostitutas, é escrita uma obra prima da literatura beat. Pois bem, Charles Mingus também esteve no México, mais precisamente na cidade de Tijuana, e também em meio a muitas mulheres, bebidas e drogas juntou inspiração para sua criação. Tijuana Moods é uma mistura de jazz alucinado e solto calcado no improviso e em seu método particular de criação onde a música é criada e recriada a todo o momento.

Ecoam pelo álbum temas mexicanos, gritos malucos, bordeis bagaceiros, entorpecentes e muita loucura. Assim, quando escutei Tijuana Moods pela primeira vez, de cara pensei que era a trilha sonora perfeita para a última parte de On the Road, já que o livro é todo baseado em jazz, nada melhor que um jazz chicano e alucinado para sua parte, igualmente chicana e alucinada. Fica aí a dica desse disco e também do compositor que possui vários outros álbuns clássicos da historia do jazz, todos com uma forte cara beat. Também exista a autobiografia de Mingus chamada “Beneath the Under Dog” a qual nunca consegui encontrar e acho que nunca foi traduzido para o português.

Maestro Gentilesa é guitarrista, poeta minimalista e produtor musical.

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Let it BeatLet it BeatLet it BeatLet it Beat

Os beats influenciaram cabeças e corações pelo mundo inteiro. Aqui no Brasil eles também chegaram e mostraram um novo ideal, aceito e admirado por alguns. Sabendo disso o Língua Pop pediu para diversos escritores brasileiroes citarem e comentarem sobre o seu livro preferido da Geração Beat. Um pessoal bacana respondeu e tá tudo aí, na matéria abaixo.

Maurício Arruda Mendonça –

Meu livro Beat preferido é "Os Subterrâneos" (1958) de Jack Kerouac. Nesse livro, Kerouac é uma história de amor que não dá certo, na realidade uma história pessoal que Kerouac ficcionalizou sobre o romance de um branco com um negra, algo completamente tabu pra sociedade americana dos anos 50, além de colocar sua idéia de que "Beat" quer dizer "beatitude”. O título e o pique também é explicitamente inspirado em Dostoievski. Gosto do livro sobretudo porque Kerouac está no auge de seu poder de escrita e "Os Subterrâneos" contém altas doses de poesia, aqueles jatos de imagens poéticas velozes em frases/versos longos com ritmos da fala americana. Relendo esse livro muitos anos depois é que fui me tocar do quanto essa poesia de Kerouac fez minha cabeça.

Maurício Arruda Mendonça é poeta, tradutor e dramaturgo. Escreveu a peça "Kerouac - Monólogo para Mário Bortolotto", dirigida por Fauzi Arap (2002).

Ricardo Carlaccio –

O Big Sur, do Kerouac. É a tempestade silenciosa no pique nique dos hippies. A pinta de the end daquele filme de segunda feira no cine vazio. Aliás, comecei ler esse livro numa segunda feira chumbada de inverno, um dia depois de assistir a peça Kerouac. Foi ela que me mandou pra esse livro, me mandou pra poesia de quem senta-se diante da própria solidão no meio de uma natureza sinistra e inúmeras garrafas de Tokay.

Ricardo Carlaccio é escritor. Publicou - Postal Mambembe, Balada Perdida, Blues Escarlate , Um Drink No Bunker, A Última Ficha na Jukebox.

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Celso Borges –

Nos anos 80 caiu nas minhas mãos um livro chamado Gasolina & Lady Vestal, do Gregory Corso, editado pela L&PM, que me apaixonou. É claro que o Uivo, do Ginsberg é uma bíblia, mas isso todo mundo já sabe e vai dizer. Fico então com o Corso. Pena que ele seja tão pouco traduzido para o português.

O “Gasolina...” tem poemas curtos, de um lirismo ora amargo, ora politicamente incorreto. Uma outra alma beat surge daqueles versos. Sempre que me descuido e entristeço, recorro a eles para buscar oxigênio e recuperar o que a estrada ainda tem de luz.

Celso Borges é poeta e jornalista. Publicou - Cantanto (1981), No Instante da cidade (1983), Pelo Avesso - (1985), Persona Non Grata (1990), Nenhuma das respostas

anteriores (1996), CD-Livro XXI (2001).

Leo Felipe -

"Junky" é a obra de estreia de William S. Burroughs, a personalidade mais interessante da Santa (maldita?) Trindade da Beat Generation - mais velho que Kerouac e Ginsberg, o velho Bill Lee sempre foi uma espécie de tutor torto para eles. A obra foi publicada pela primeira vez em 1953, sob o pseudônimo de William Lee, e narra as agruras de um drogado na América conservadora dos anos 50. Não há apologia de nenhum tipo na novela: cento e poucas páginas de crueza e sordidez, conduzidas por um narrador inteligente, que não perde o humor (negro). "Junky" é superficial e direto, lembrando os tons sombrios da literatura hard boiled. Sua narrativa cinematográfica escorre por becos, quartos sujos e vielas de Nova York à Cidade do México, descrevendo a rotina do viciado em heroína em toda sua embriagada repetição (o jazz chapado de Bird ou Mingus seria sua trilha sonora perfeita). A edição que tenho é a primeira lançada no Brasil, pela Brasiliense, em 1984, com a pertubadora capa de Ettore Bottini e a excelente tradução de Reinaldo Moraes. Artigo de colecionador.

Leo Felipe é poeta, escritor e apresentador do programa Radar da TVE RS. Publicou os livros Auto (2004) e Vampiro (2006).

Claudio Willer –

Minhas obras preferidas são os poemas Uivo e Kaddish de Allen Ginsberg, que traduzi (Uivo e outros poemas, L&PM Pocket), poderosos, inovadores, e atualmente estou mergulhado em Visões de Cody de Kerouac, que acaba de sair pela L&PM - é a obra máxima de Kerouac, extensa, exuberante, transgressiva (por isso, a que demorou mais para sair, foi publicada postumamente). Isso, como parte de um estudo mais amplo, relacionando geração beat com místicas da transgressão e religiões estranhas: gnosticismo licencioso, tantrismo, Irmandade do Espírito Livre e outras rebeliões religiosas medievais - o que o historiador Norman Cohn chama de "anarquismo místico", e o sabatianismo judaico dos séculos XVII e XVIII - todas, modalides de antinomismo ou antinomialismo, inversão radical de mandamentos e preceitos.

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Claudio Willer é escritor, poeta e tradutor. Seu último livro é o Geração Beat, lançado este ano pela L&PM

Pablo Beato Blues Foi no inverno do ano passado, julho de 2008, que eu (bruno bandido) e ricardo ara caímos na estrada em direção ao Uruguai. Começamos a viagem em Rio Branco, um pequeno município castelhano que faz divisa com Jaguarão, a última cidade da BR 116. Embarcamos num ônibus para Melo rodeados por uruguaios loucos com seus rádios sem fone e cumbias rolando em alto e péssimo som. Bem, eu poderia contar tudo que aconteceu nesse tempo, coisas loucas e lindas e insanas que me socam o estômago toda vez que as lembro. E esse maldito soco no estômago não é uma metáfora. Aprendi com Pablo Beato que homem que é homem não faz metáforas.

Quem foi Pablo Beato? Isso você vai descobrir mais abaixo, pelas suas respostas e recusas de respostas e tudo o mais. Eu não posso dizer quem ele foi. Um santo, um marginal, um discípulo de qualquer mito vagabundo, ou algo assim. Não posso dizer. Mas eu posso contar como nós o conhecemos e acho que essa é a melhor coisa a se fazer na introdução da entrevista que vem pela frente. De Melo, pegamos uma carona para Trinta y Tres, outra cidade do interior do plata. Farreamos pelo centro toda a noite com mochilas pesadas nas costas e um violão Tonante e uma conversa cheia de mentiras para todas as belas jovens castelhanas que passavam.

Agora, me permito fazer, uma breve explanação pra quem não conhece direito essas castelhanas do interior uruguaio. Elas são bonitas, mas não o tipo de bonita que dê pra classificar como “gostosa” no bom e velho padrão brasileiro. Quase todas morenas, de olhos negros profundos e cabelo meio rocker ensebado e sorrisos de atriz de filme francês. Dá a impressão de que, em algum momento do tempo, elas pararam de seguir a moda. E o melhor é que elas escolheram o momento certo. Usam calças brim justas e tênis velhos e camisetas com a boca símbolo dos Rolling Stones. E há milhares delas por todas as regiões daquele pequeno país. Todas com um humor magnífico e com seus sorrisos discretos e assobiando Ramones suavemente pelos balcões e mesas de bilhar iluminadas com aquelas luzes amarelas fortes e rodeadas por insetos, e até os insetos são diferentes do Brasil.

Tudo numa aura mais Rock’n Roll. Os bares com suas máquinas de jukebox infalíveis e seus balconistas gordos e suados que fazem uma pizza no forno de lenha e te descolam um pedaço, só porque notaram que você é um cara legal. E os quadros com o símbolo do Jack Daniel's pelas paredes e, novamente, as garotas. Foi por causa de uma delas que a gente conheceu Pablo Beato.

Eram três e meia da manhã e nos sentamos numa praça, embaixo de um busto do Artigas. Enquanto eu dedilhava o violão, o ara contava uns trocados e decidia se a

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gente ia comprar mais um vinho ou pegar o próximo ônibus pra Montevidéu ou comprar uns pães e esperar amanhecer pra tentar uma carona em algum posto de beira de estrada. Aí passaram as duas gurias e voltaram e passaram de novo e vieram perguntar se a gente não queria um lugar pra deixar as mochilas. Elas começaram a conversar e perguntar sobre as nossas cidades e, uma delas, disse que o que a gente tava fazendo era “demasiado beatnik”. Eu discordei, disse que a gente só tava de férias, conhecendo o país. Mas mesmo assim, a gente ficou conversando sobre os beats e ela nos contou que conheceu os livros de Kerouac pelo seu tio avô, um homem que já havia viajado, durante décadas, por toda América Latina e há nove anos voltara pra lá. Contou toda história dele, disse que ele tinha vários diários e que ela leu todos. Aí ela se levantou e disse que seu nome era Lucille e apresentou sua amiga e nos convidou para uma parrilla (churrasco castelhano) na casa de seus pais no dia seguinte. “Não se preocupem, vocês têm lugar pra ficar”, garantiu. Não era na casa dela. Era na casa de Pablo Beato.

Ela bateu lá às seis da manhã, foi quando um velho raquítico de olhos afundados abriu a porta e nos analisou de cima a baixo. “Vocês entram, mas o violão não. Me chamo Juan Pablo, durmam aí pela sala, amanhã a gente conversa melhor”. A gente entrou e dormiu e o Tonante se foi com Lucille. A gente conversou no outro dia. Eu toquei no assunto das suas viagens e ele mostrou alguns diários que a gente pediu.

A gente tinha um gravador de fitinha. Porque, nessas viagens, no meio da noite, quando a última gota do garrafão de vinho acaba e deixa a boca seca e roxa e o frio começa a apertar, sempre pinta um blues. Só que agora era outra coisa, era Pablo Beato, baby. Pablo Beato Blues.

ricardo ara – Te chamo de Pablo Beato ou Juan Pablo?

Pablo Beato – Juan Pablo.

bruno bandido – Esse Beato é por causa dos beats, beatitude?

Pablo Beato – Sim. Mais ou menos. Eu conto em algum pedaço desses diários. Mas é difícil de achar.

bruno bandido – Tu nunca pensou em publicar isso?

Pablo Beato – Jamais.

ricardo ara – Tu não quer dar entrevista né?

Pablo Beato – Não tenho problemas com isso. Só não entendo o porquê.

bruno bandido – Quando tu começou a viajar?

Pablo Beato – Na década de 70. 1973, eu acho. Mas eu nem era Pablo Bato ainda. Nem Pablo. Era Juan mesmo. Só voltei em 98, 99.

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ricardo ara – E tu foi sabendo que ia demorar pra voltar?

Pablo Beato – Sim, quer dizer, não sabia o que ia acontecer. Eu queria era seguir a trilha do Che Guevara. Mas nada político, só achava aquela viagem dele muito linda.

ricardo ara – Aham...e pegou uma moto pra ir também?

Pablo Beato – Não. Até Montevidéu fui de carona, depois peguei um navio pra Buenos Aires. Lá começava a rota do Guevara, aí fui indo, carona, mais viajantes, coisas assim. Mas fiquei um tempo grande em Buenos Aires antes de partir. É que conheci muita gente bacana lá.

bruno bandido – E antes de partir o que tu fazia? Como tu decidiu ir?

Pablo Beato – Eu estudava pra ser dentista em Montevidéu. Mas eu não gostava, fazia mais por influência familiar. Meu pai era dentista aqui em Trinta y Tres. Minha mãe faleceu logo que entrei na faculdade e uns oito meses depois meu pai se foi também. Tem marido e mulher que é assim, morrem de tristeza quando perdem o amor. Aí, minha irmã mais velha - a avó da Lucille - já morava em Córdoba com o marido argentino. Eu disse pra ela que ia viajar que não queria morrer que nem meu pai, nessa cidade, sem conhecer nada. Vendi a casa onde era consultório dele, e essa casa, que eu moro hoje e era nossa, minha irmã colocou pra alugar.

bruno bandido – Tu usou o dinheiro da venda do consultório na viagem?

Pablo Beato – Sim. Pensei que ia viajar até o fim da rota do Che com aquele dinheiro. Só ia usar na necessidade, pra comprar comida barata e lugar pra dormir. Mas eu torrei ele bem antes. Em Buenos Aires, onde fiquei seis meses antes de partir com um pessoal bacana, já quase acabei com toda a grana. Foi lá que eu conheci a literatura beat também.

ricardo ara – E aí adotasse o nome?

Pablo Beato – É, foi no último dia. Quando eu tava largando fora de carona, um amigo que fiz lá, o Stephano, me chamou de Pablo Beato e me deu o livro On The Road. Disse preu ler aquilo que ia me identificar. Era aquela clássica tradução argentina. Eu peguei o livro dele e o nome que ele me deu e fui viajar. Depois fui desenvolvendo e criando toda uma mística em cima do nome. Que como vocês podem ver é o que mais envolve os diários. O Stephano era um cara legal, meio hippie, eu não gostava de hippies, mas ele era bacana. Ouvi dizer que a ditadura argentina deu um sumiço nele depois.

bruno bandido – E tu respeitou toda a rota do Che?

Pablo Beato – Não, aí que tá. Essa é a grande importância do Kerouac e do Stephano na minha vida. Eu li aquele On The Road e decidi que tinha que ir pro México comer aquelas putas que ele fala no livro. E eu fui. Demorei um monte de anos pra chegar lá e depois fiquei mais uns sete naquele país louco. Foi o país que eu mais desbravei.

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bruno bandido – Anos?

Pablo Beato – Sim, depois que eu larguei de mão a trilha do Guevara, em tudo que é país que eu chegava ia pra capital. Vivia um tempo por lá, descolava alguns empregos, morava em pensões e não gastava muito. Quando juntava uma grana voltava a viajar pelo interior e ia pra outro país.

ricardo ara – E tu fazia amigos, obviamente, e como era ir embora?

Pablo Beato – Ruim. Não pode ser bom. Essa coisa que falam da beleza de amar e ir embora é uma grande besteira. Mas tem sempre que saber a hora certa, o exato momento de ir embora. E eu fui ficando bom nisso. No Chile eu vivi com uma mulher e me apaixonei, mas fui embora e nunca mais soube dela. No Peru, no México, fiz grandes amigos por lá.

bruno bandido – E como são as putas do México?

Pablo Beato – Divinas. Isso foi uma coisa que o Kerouac não mentiu, as putas mexicanas. A primeira coisa que fiz quando cheguei no México foi ir pra um puteiro. E o primeiro puteiro que eu fui era uma merda. Tinham umas mulheres absurdamente velhas e um viado gordo e pelado dançando no centro da sala. Eu tentei sair de lá e uns cafetões me abordaram, dizendo que eu tinha entrado e ia ter que comer. Mas eu consegui ir embora, mostrei que era um pobre coitado, sem dinheiro... foi difícil. Eu só pensava que o filho da puta daquele Sal Paradise ia me pagar. Mas vivendo sete anos no país, descobri que ele tem suas prostitutas divinas, ah sim, tem sim. Eu até me considerei um pouco beat com aquelas putas drogadas, muitas vezes.

bruno bandido – Não te consideras mais?

Pablo Beato – Vocês são beatiniks?

bruno bandido – Eu não. Não sou viado.

(Com essa resposta, Pablo riu e começou a ser bem mais simpático conosco. Ele realmente tinha um problema com a viadagem beat)

Pablo Beato – Tão pouco eu. Vocês sabem das coisas, parem com esse lance de beat. Não sou viado, nem budista, odeio subir montanhas ou bancar o budista e nem escrevo. Mas como todos eram viados mesmo, não é? Acho que nenhum se salvava dos principais ali. Até o Burroughs matou a esposa e ficou naquela de pagar pra foder meninos de rua. E depois também tem aquelas putices de montanhas, Gary Snider, Ferllinghetti...

ricardo ara – Bem, tinha o Corso. O Corso era macho.

Pablo Beato – Sim, o Gregory... Mas então, nem nunca produzi literatura, só uns poemas dispersos pelo diário. Me dediquei ao diário mesmo, e só. Não sou beat, nem

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hippie. Hoje sou um velho, no passado fui um homem que queria viajar e fazer amigos e comer umas mulheres diferentes.

ricardo ara – E as drogas?

Pablo Beato – Experimentei muita coisa. Aquelas coisas de índio que tem muito em todo o norte da América do Sul, o Peyote no México, pero jamais me deixei levar por aquilo. Muita maconha, por supuesto. A maioria dos outros viajantes que tu encontra pela estrada tem maconha pra te oferecer ou tão a procura dela.

bruno bandido – Tá. Tu levou anos pra ir pro México e mais sete só lá. E depois? Aqui no diário li algo sobre “nordeste brasileño”. Tu fez o caminho de volta pelo Brasil?

Pablo Beato – Não. Foi uma viagem que fiz com um argentino que conheci no México. Ele era louco pela Bahia e fui pra lá com ele. Mas só conheço aqueles lugares. Eu queria morar lá. Esse argentino, mora até hoje. Pô, aquilo é total oposto ao que tem aqui no Uruguai. Calor, mulheres negras “muy ricas”, gente muito feliz também. Aqui a gente é mais intimista. Lá tu conhece uma pessoa e dez minutos depois sabe toda vida dela, assusta um pouco, mas é interessante. Mas em Salvador eu trabalhei por uns cinco meses, num hotelzinho restaurante e subi de novo pro México com o mesmo cara. Ele só foi pegar umas coisas que ele tinha lá e voltou. Eu fiquei.

bruno bandido – Tua onda era o México.

Pablo Beato – Si, como no? Lá as pessoas são hospitaleiras, engraçadas, tem tequila e comida forte e barata. As mexicanas são as melhores na cama, quer um conselho garoto? Vá foder com uma chicana.

ricardo ara – E por que tu voltou?

Pablo Beato – Eu queria ir pra Miami. Tinha amigos que tinham ido, ilegalmente, por supuesto. Eu tava indo já, mas aí um que tava lá voltou. Disse que a migração dos Estados Unidos tava meio que complicando os ilegais por lá e fiscalizando muito. Aí eu pensei, não queria mais ficar nem ir pra nenhum outro lugar. A única opção foi voltar pra casa. Mandei uma carta pra minha irmã, ela ainda mora em Córdoba, ela e o marido. Dois velhinhos que se amam e vão morrer juntos que nem os meus pais. Eu passei lá na volta, ela desceu comigo aqui pro Uruguai. Me apresentou toda uma família que eu só conhecia de ler as cartas dela. Arrumamos a velha casa dos nossos pais, e eu to bem aqui.

bruno bandido – Por que tu não deixou o violão entrar na casa?

Pablo Beato – Eu não conhecia vocês. Um violão pode ser insuportável em mãos erradas. Uma arma de merda na mão de idiotas. Já tive que aturar muito desses idiotas violeiros na minha vida.

bruno bandido – Isso é verdade.

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Pablo Beato – Si, por supuesto. Como vou saber se esses viajantes que a Lucille traz aqui em casa são ou não idiotas violeiros.

ricardo ara – Ela traz muitas pessoas pra cá?

Pablo Beato – Não tem muitos viajantes. Ainda mais aqui por Trinta y Tres. Mas eu sinto que acabei com a vida dela. Um dia a mãe da guria me mata por eu ter contado minhas histórias e por deixar ela ler os livros que tenho e o meu diário.

bruno bandido - Por isso que tu não pensa em publicar os textos desse diário?

Pablo Beato – Como?

bruno bandido – Pra não “acabar com a vida” das pessoas?

Pablo Beato – Existe essa possibilidade, não é presunção. Tem gente que lê coisas fascinantes que acontecem por aí e querem fazer também. É duro o impacto de quando se descobre que tudo que tu tá fazendo, estudando, trabalhando, ou coisa do tipo, é a mesma coisa do que colocar a vida fora. É muito duro. E isso seria uma das coisas que eu poderia dizer para as pessoas se elas lessem o que escrevi. Mas não quero que ninguém faça o que eu fiz, buscar aventuras do Che Guevara ou do Jack Kerouac. Não se inspirando em mim. Quero dizer, no passado, muitos já tentaram, inclusive esses que citei. E deu certo? Acho que não. O máximo que conseguiram causar coletivamente foi uma febre tão idiota que chega a doer depois que passa. Esse é um dos motivos pro Kerouac morrer fodido, com certeza é. Então, eu não preciso escrever tudo isso, já tem material bom o suficiente pra alguém como eu, ou como um monte de gente, talvez vocês, ler e decidir levar uma vida mais prazerosa. Não quero que ninguém me siga em nada do que fiz. Não digo que nada do que eu fiz foi certo. Eu só fiz e pronto. Mas não é só por isso que eu não publico. Também é porque me encheriam muito mais o saco se eu tivesse um livro publicado, com certeza, mesmo ele vendendo ou não.

ricardo ara – Tu acha que teus textos não vão acrescentar nada ao que já foi escrito?

Pablo Beato – É duro acreditar que isso é verdade. Prefiro acreditar que não é. Poderiam sim acrescentar, por causa de opiniões pessoais, quero dizer, sou diferente desses caras todos. Não faço nada inovador, mas como eu disse... Acho que teve muito pouca coisa escrita sobre as putas mexicanas, por exemplo, eu ajudaria nesse ponto.

ricardo ara – Que outros lugares tu te enlouqueceu, se apaixonou, como o México?

Pablo Beato – Sempre tentei curtir todos os lugares. Tem uns que não dá, mas é mais pelo humor da gente na situação do que pelo próprio lugar. Tinham uns campos na Bolívia, na década de oitenta, que rolava um comentário geral entre os viajantes sudacos. Diziam que era de foder, paisagens bonitas, drogas baratas e putaria total. Isso era difícil de se acreditar não é? Bolívia nos anos oitenta, que merda. Mas era verdade. Foi um lugar muito bom devido a surpresa. Uns nativos, muito normais por sinal, formaram ali, longe da civilização boliviana, um antro de libertinagem e ganhavam grana as nossas custas. Vendiam drogas, mulheres e não faziam mais nada. Só

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garantiam que nada de opressor iria chegar por ali. Quero dizer, militares e tudo, foi uma porra essa época que eu viajei pela América. Os Militares tavam querendo brincar com o pessoal. Não é saudável brincar com Militares, por supuesto. Aí esses bolivianos malucos, que só ficavam tocando as musiquetas deles, conseguiram fazer com que todos os loucos da região soubessem o que acontecia ali e também conseguiram afastar todos que poderiam acabar com aquilo. Não sei como eles fizeram isso, sendo que nunca vi nenhum deles levantar a bunda. Mas eles fizeram. Tinha muito brasileiro maluco por lá também. Todos nós dando grana pros bolivianos. Mas era uma grana bem gasta. Esse foi um lugar que me agradou muito, por supuesto. Mas claro que rolava muita briga e intriga, nada paz e amor. Uma hora aquilo cansa e a gente solta fora.

ricardo ara – O que vinte e poucos anos na estrada fazem com uma vida?

Pablo Beato – Bem, não foram totalmente na estrada. Me fixei diversas vezes em várias moradias e cidades. Buenos Aires, Santiago, Assunción, Puerto Inca no Peru, uma cidade chamada Jesús também no Peru, que eu morei um bom tempo com uma mulher e o primo dela, saí de Puerto Inca com eles, eram índios, e achamos um lugar em Jesús, um lugar bem pobre e pequeno, mas ficamos lá porque era fácil de viver ali. Quando eu vi que tava só por acomodação me mandei, fui pra Lima. Lá eu me fodi um bocado. Aí fui pra Quito no Equador, com um monte de índio também, tudo num caminhão, parecia aqueles filmes de bang bang. Em Quito fiquei pouco tempo, atravessei o interior equatoriano inteiro por dias de viagem, não consegui dinheiro lá, mas não gastei muito também, só que zerei a grana que eu tinha guardado do Peru quando decidi pagar pra conseguir seguir viajando. E paguei pra subir toda a Colômbia. Em Arauca, uma cidade colombiana já bem perto da Venezuela, eu trabalhei descarregando caminhões e carroças. Era jovem ainda, dava pra fazer essas coisas. Fiquei três meses lá só. Aí não morei muito tempo em um lugar fixo até chegar no México. Onde morei em várias cidades, Guadalajara, Cidade do México, Monte Rey, Leon, Mazátlan (que é um paraíso litorâneo), Saltillo (esse lugar sim lembrava um filme de bang bang), inúmeras. A la pucha che! Viver vinte e poucos anos se mexendo de um lugar pro outro faz com que a gente tenha bastante tédio quando vem parar no interior do Uruguai novamente. Mas eu sei que não posso mais ficar viajando, passando fome, pedindo favor, trabalhando em qualquer coisa. Então, é diferente o que a estrada faz nas pessoas. Ela me deixou saudosista e encrenqueiro. É assim que acho que eu sou hoje em dia.

bruno bandido – É. E as putas mexicanas? Tu não explicou direito essa divindade toda.

(Aqui, temos dez minutos de uma conversa complicada para se reproduzir. As gírias uruguaias pra órgãos ou expressões sexuais ficam difíceis de traduzir e o assunto foge um pouco do rumo da entrevista. Além do mais, um monte de mulher poderia se sentir ofendida ao ler parte dessa conversa. Principalmente as que possuem apego feminista e são leitoras da Maitena. Por sinal, mulheres, parem de ler esse tipo de coisa. Mas quem quiser saber sobre as lindas bagaceirices e doces detalhes sexuais que três homens são

capazes de falar a respeito de putas mexicanas, mande um e-mail pro Língua Pop, a gente meio que explica pra vocês)

Todos estão rindo quando Lucille bate na porta.

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Lucille – Ola Abuelo. Chicos, como están?

Pablo Beato – Todos bem. Tão até me entrevistando.

Lucille – Tu tá dando entrevista? Nem pro jornal da cidade tu deu.

Pablo Beato – Também, olha o jornal da cidade.

bruno bandido – Bem, a gente pode encerrar por aqui depois desse elogio.

ricardo ara – É... um bom final. Pra nós pelo menos.

bruno bandido – Se bem que ainda tinha coisa pra perguntar.

Pablo Beato – Não! Acabou. Vocês têm que saber a hora de acabar.

Fim.

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Chumbo Grosso, por

Bernhard Schlee

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Editores:

bruno bandido ricardo ara

Produtor: Thiago Couto

Convidados:

Maestro Gentilesa Viva Al México Bernhard Schlee Chumbo Grosso

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