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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 45 – Aprendizagem neuronal para as práticas sociais de leitura e escrita. 47 APRENDIZAGEM DO SISTEMA ESCRITO: O CASO DOS CONTEXTOS COMPETITIVOS Otilia Lizete de Oliveira Martins HEINIG 1 RESUMO: Relata-se o trabalho desenvolvido durante uma intervenção colaborativa, em duas quartas-séries do Ensino Fundamental, cada uma com 25 alunos. Dois aspectos se fizeram sentir como fundamentais, ambos interligados: o planejamento e a metodologia. O planejamento sistemático dos itens lexicais favoreceu a compreensão, pois se apoiou no desenvolvimento da argumentação para explicar a grafia do homófono não homógrafo. Descartou-se uma postura mecanicista em favor de um trabalho para desinstalar o aluno do lugar de repetidor e conduzi-lo ao de questionador: só refletindo sobre a língua, é que se podem resolver as ambiguidades linguísticas de forma racional. Assim, quando o aluno é levado a analisar e discutir os homófonos não homógrafos, aprende a observar diferenças e semelhanças e a buscar razões que as expliquem. Aprende também a produzir justificativas coerentes e a discuti-las com seus pares, desenvolvendo assim a capacidade de argumentar. Como resultado do trabalho desenvolvido, verificou-se que a metodologia empregada favoreceu a grafia correta, mas especialmente a maneira de justificá-la ao apresentar o elo, na grande maioria dos casos, entre a forma de grafar e a justificativa, os resultados do pós-teste apontaram um aumento de 89 para 329 respostas com elo; a maioria das justificativas, depois da intervenção colaborativa, está centrada no conhecimento semântico; os sujeitos do GE não apenas internalizaram em seu léxico mental ortográfico muitos dos homógrafos trabalhados como também os seus significados, o que fez com que conseguissem explicar as diferenças de grafia; os alunos do GE com maior dificuldade (25%) detectado no pré-teste passaram de 10 palavras com grafia correta para 17, o que é extremamente significativo; ensinar a pensar a maneira por que um homófono é grafado possibilita a reflexão sobre outros fenômenos linguísticos; o aspecto lúdico favoreceu os resultados alcançados, além disso, puderam-se obter resultados quanto ao uso do jogo para a aprendizagem do sistema ortográfico. PALVRAS-CHAVE: intervenção colaborativa; contextos competitivos; homófonos; não-homógrafos; estratégias semânticas ____ 1 Fundação Universidade Regional de Blumenau Mestrado em Educação Rua Antônio da Veiga,140 – Bairro Vitos Konder 89012-900 Blumenau, SC, Brasil [email protected]

Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas · de identidade e de zeugma, os quais visam cotejar a incompatibilidade de significações em um mesmo item lexical. Diferentemente

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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 45 – Aprendizagem neuronal para as práticas sociais de leitura e escrita.

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APRENDIZAGEM DO SISTEMA ESCRITO: O CASO DOS

CONTEXTOS COMPETITIVOS

Otilia Lizete de Oliveira Martins HEINIG1

RESUMO: Relata-se o trabalho desenvolvido durante uma intervenção colaborativa, em duas quartas-séries do Ensino Fundamental, cada uma com 25 alunos. Dois aspectos se fizeram sentir como fundamentais, ambos interligados: o planejamento e a metodologia. O planejamento sistemático dos itens lexicais favoreceu a compreensão, pois se apoiou no desenvolvimento da argumentação para explicar a grafia do homófono não homógrafo. Descartou-se uma postura mecanicista em favor de um trabalho para desinstalar o aluno do lugar de repetidor e conduzi-lo ao de questionador: só refletindo sobre a língua, é que se podem resolver as ambiguidades linguísticas de forma racional. Assim, quando o aluno é levado a analisar e discutir os homófonos não homógrafos, aprende a observar diferenças e semelhanças e a buscar razões que as expliquem. Aprende também a produzir justificativas coerentes e a discuti-las com seus pares, desenvolvendo assim a capacidade de argumentar. Como resultado do trabalho desenvolvido, verificou-se que a metodologia empregada favoreceu a grafia correta, mas especialmente a maneira de justificá-la ao apresentar o elo, na grande maioria dos casos, entre a forma de grafar e a justificativa, os resultados do pós-teste apontaram um aumento de 89 para 329 respostas com elo; a maioria das justificativas, depois da intervenção colaborativa, está centrada no conhecimento semântico; os sujeitos do GE não apenas internalizaram em seu léxico mental ortográfico muitos dos homógrafos trabalhados como também os seus significados, o que fez com que conseguissem explicar as diferenças de grafia; os alunos do GE com maior dificuldade (25%) detectado no pré-teste passaram de 10 palavras com grafia correta para 17, o que é extremamente significativo; ensinar a pensar a maneira por que um homófono é grafado possibilita a reflexão sobre outros fenômenos linguísticos; o aspecto lúdico favoreceu os resultados alcançados, além disso, puderam-se obter resultados quanto ao uso do jogo para a aprendizagem do sistema ortográfico.

PALVRAS-CHAVE: intervenção colaborativa; contextos competitivos; homófonos; não-homógrafos; estratégias semânticas ____ 1 Fundação Universidade Regional de Blumenau Mestrado em Educação Rua Antônio da Veiga,140 – Bairro Vitos Konder 89012-900 Blumenau, SC, Brasil [email protected]

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A INVENÇAO DO CINTO

Chegar ao cinto Foi simples. Antes dele,

Muita gente sentava E quando ia levantar

A calça caía. “sinto muito, Sinto muito”

É o que todos diziam. Até que uma criatura

Inventou de botar Uma corda na cintura

Daí em diante Sempre que perguntavam

Por que sua calça Não caía, ela respondia:

“muito cinto, muito cinto”.

Introdução

O poema em epígrafe faz uma brincadeira com os itens lexicais

cinto e sinto aproveitando a semelhança sonora entre os dois. No

contexto, é possível perceber que há significados distintos entre os

termos empregados, além disso, há formas diferentes de grafar as

quais levam em consideração a informação semântica que cada um

carrega: está-se diante de um caso de homófonos não homógrafos, o

tema geral deste artigo.

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A discussão pontual, entretanto, será o caso dos homófonos cuja

representação gráfica é a do fonema /s/, exemplificada no poema de

Silvestrin (2004). Para tal, pinçaram-se dados de um estudo maior

realizado por Heinig (2003) junto a alunos de uma quarta série do

ensino fundamental. Estar com os alunos e a professora, no contexto

de sala de aula, permitiu compreender como os alunos aprendem e

também ensinam sobre a codificação da língua e quais as facilidades

e dificuldades que apresentam quando precisam grafar palavras cujo

contexto é competitivo. Ampliando o olhar para o espaço macro da

formação de professores, justificam-se investigações desta natureza,

tendo em vista que os professores do ensino fundamental raramente

estudam os princípios do sistema alfabético do português do Brasil, o

que promove a falta de compreensão de como se dá o ensino-

aprendizagem da ortografia; o material didático usado tem como

base o livro didático, no qual o tratamento se dá, na sua grande

maioria, sob a forma de exercícios mecânicos e descontextualizados.

Estes fatores motivaram o desenvolvimento da pesquisa que

investigou o acesso do léxico ortográfico e homonímia a fim de

analisar como a prática de sala de aula vem desenvolvendo o

processo de codificação, especificamente em contextos competitivos.

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Questões teóricas: dois aspectos importantes

A homonímia entre os fenômenos de indeterminação

semântica

As discussões acerca da homonímia como fenômeno de

indeterminação semântica conduzem a outras a fim de que se possam

traçar limites entre esse e outros fenômenos. Assim, para estabelecer

a distinção entre homonímia e polissemia, recorreu-se a Moura

(2001) que apresenta para tal o critério da obrigatoriedade de

determinação no contexto. Retomando Pinkal (1995, p. 86), sabe-se

que “uma expressão é homônima se e somente se um nível de base

indeterminado é inadmissível.” Assim, no critério primeiro, quando

se tem um item lexical homônimo, sua seleção é obrigatória no

contexto. Portanto, em uma sentença na qual apareça, por exemplo,

o item banco, só poderá haver uma das duas interpretações possíveis,

isto é, instituição financeira ou assento. Entretanto, no caso da

polissemia isso não ocorre, uma vez que admite valor de verdade

indefinido. Ou seja, mais de uma acepção pode co-ocorrer para o

item lexical. Por exemplo, as palavras livro, carta e brochura

também discutidas por Cruse (2000), permitem que sejam

interpretadas tanto como [texto] quanto [tomo].

É justamente o critério de obrigatoriedade de determinação no

contexto, segundo Moura (2001), que caracteriza a homonímia,

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opondo-se, então, à polissemia e vagueza. Essa ideia parte da análise

feita dos resultados detestes de ambiguidade já propostos por outros

autores (KEMPSON, 1980; CRUSE, 2000). Este apresenta os testes

de identidade e de zeugma, os quais visam cotejar a

incompatibilidade de significações em um mesmo item lexical.

Diferentemente do proposto por Moura, esses testes agrupavam de

um lado a ambiguidade, englobando homonímia e polissemia, e

vagueza de outro. Assim, é possível perceber que a oposição entre

homonímia e polissemia ocorre quando, naquela “há uma

incompatibilidade completa entre os sentidos de uma palavra, mas no

caso da polissemia tal incompatibilidade pode ser maior ou ‘menor’”

(MOURA, 2001, p. 113-4).

Já que o mote de toda discussão, aqui, é a homonímia, este

fenômeno pode ser entendido como a relação que existe entre um

item lexical e dois ou mais significados. Assim, podem-se encontrar

palavras que apresentam a mesma pronúncia e escrita e será preciso

o contexto e, às vezes, a precisificação para que a escolha adequada

do sentido aconteça.

Também é possível encontrar homonímia parcial, ou seja, há

apenas a mesma pronúncia ou escrita: são os casos de homografia e

homofonia. Nesta situação, a atribuição do significado pode se tornar

mais simples, especialmente, se for levada em conta a

descodificação.

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Contextos competitivos: aspectos relevantes para sua

compreensão e transposição didática

Se a leitura, de um lado, permite ao sujeito invadir o mundo da

linguagem escrita, é justamente no próprio ato de escrever que esse

novo estatuto se realiza de modo pleno. A questão da escrita, aqui,

focará a capacidade de produzir escrita, especificamente, como

ocorre a sua aprendizagem, levando em conta aspectos relacionados

à pesquisa desenvolvida tais como o ditado e as dificuldades de

escrita.

Em uma situação comum de ditado, o ponto de partida é uma

cadeia fonológica para se alcançar uma sequência ortográfica. Para

chegar à escrita, tanto é possível percorrer a via fonológica e/ou a

lexical. Na primeira, pode-se recorrer às correspondências

fonológico-grafêmicas; na outra, é feita a recuperação direta da

forma escrita da palavra a partir de uma forma fonológica

correspondente. A escrita de palavras regulares, desconhecidas e

pseudopalavras ocorre pela via fonológica apenas. Já a via lexical

permite escrever com correção as palavras irregulares uma vez que é

preciso que a forma ortográfica, armazenada no léxico mental, seja

recuperada, o que foi bem representado no modelo de dupla via de

Castro e Gomes (2000, p. 151).

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O sistema alfabético do português do Brasil é transparente

sobremaneira no que diz respeito à leitura, entretanto, há muitas

situações na escrita em que as conversões fonema-a-grafema são

irregulares. Em situações como as dos contextos competitivos, nas

quais se incluem os homófonos não homógrafos, é possível, por

exemplo, ler “sela” como /´sεla/ levando-se em conta a regra de

descodificação segundo a qual o “s” em posição inicial é lido como

/s/. Scliar-Cabral (2003a, p. 83) assim explica a regra D2.1: “ ... o

grafema “s” se lê como a transposição à realização do fonema /s/,

quando estiver em início de vocábulo, como em “sapo”...”.

Entretanto, para escrever a mesma sequência fonológica acima, o

redator pode fazê-lo tanto com o grafema “s” quanto com o “c” e as

duas ortografias resultariam em palavras reais do português, as

homófonas “sela” (arreio de cavalgadura, o qual constitui assento

sobre que monta o cavaleiro) como em: “O homem trouxe a sela e

colocou sobre o cavalo para que os hóspedes pudessem fazer seu

passeio”1 e cela (aposento de condenado, em penitenciárias) como

em “O prisioneiro foi conduzido a sua cela”2. A dúvida aqui, em

termos de codificação, só se resolve quando entra em cena o

significado da palavra, por isso o redator precisa de informações

dadas pelo contexto no qual a palavra se insere.

1 FERREIRA (1999).

2 Idem

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As alternativas competitivas constituem a maior dificuldade

ortográfica na aprendizagem do sistema escrito. Em casos como o

do fonema /s/, que apresenta o maior número de possibilidades de

conversão, “é necessário selecionar no léxico mental ortográfico o

item que emparelhe semântica e morfossintaticamente com a forma

fonológica” (SCLIAR-CABRAL, 2003a, p. 151). Situações dessa

natureza podem ser resolvidas e compreendidas se houver um ensino

inteligente da gramática que considere: 1) o papel do significado

quando os dois itens forem da mesma classe gramatical; 2) a

morfologia, especialmente, a derivação. Assim, a grafia de “paço”

ou “passo”, “sessão” ou “seção”, só pode ser resolvida em um

contexto no qual o sentido possa ser atribuído pelo redator, uma vez

que as duas situações se apresentam diante de vogal [+post]. O

mesmo ocorre com “sinto” e “cinto”, mote do poema com o qual se

abriu o artigo; entretanto, o que precisa ser observado, neste caso, é o

contexto inicial e a vogal que segue, neste caso, trata-se de [-post].

Partindo deste cenário teórico, apresentamos a seguir uma síntese

da metodologia e depois serão discutidos dados que levam em

consideração o contexto competitivo acima descrito.

Contornos metodológicos

Esta pesquisa, por visar avaliar os efeitos da educação

sistemática, optou por trabalhar com dois grupos de sujeitos sendo

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um o grupo experimental (GE) e o outro controle (GC). Devido a

isso, a escolha da escola foi fundamental e selecionamos um colégio

localizado em Brusque-SC. Nele havia duas turmas, nas quais era a

mesma professora que atuava na área de Língua Portuguesa; assim

foi possível analisar o processo de ensino-aprendizagem realizado

pelo mesmo professor, mas com metodologia diferente. A amostra

foi composta de duas quartas séries com 25 alunos cada, do período

matutino. Aos sujeitos do GE aplicou-se, inicialmente, um

questionário que permitiu traçar o seguinte perfil dos participantes no

que se refere ao lar e à escola. São monolíngues; a média de idade é

9 anos e 8 meses; a maioria dos pais terminou o ensino superior; a

maioria dos alunos ingressou na educação infantil a partir dos 2 anos;

os sujeitos usam mais o dicionário em casa do que na escola; a

maioria não sabia ler e escrever quando ingressou no ensino

fundamental e entrou para o referido Colégio na educação infantil.

É sobre os dados coletados desses sujeitos que iremos trabalhar.

Para este artigo, selecionamos dados do pré-teste e pós-teste; o teste

aplicado junto aos sujeitos foi em forma de ditado interativo. De um

pequeno trecho selecionado do livro didático adotado pela escola,

retirava-se o homônimo não homógrafo que deveria ser grafado pelo

sujeito que logo em seguida deveria elaborar uma justificativa. Entre

a aplicação dos dois testes, foi desenvolvida uma intervenção

colaborativa junto ao GE, cujo planejamento foi realizado pela

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pesquisadora e pela professora, mas a aplicação foi realizada apenas

pela professora durante um semestre.

A grafia dos homônimos não homógrafos e as implicações

pedagógicas: alguns dados

Nesta seção, iremos discutir os dados e resultados do pré e do

pós-teste levando em consideração, especialmente, o desempenho

dos aprendizes quanto à maneira de grafar os homófonos não

homógrafos.

Dos 20 itens lexicais selecionados para os testes, 12 apresentam a

dúvida na codificação do fonema /s/, são elas: conserte, acende,

assentos, cena, passo, russa, sessões, concerto, intenção,

espectadores, esperto, espiada. O gráfico 1 revela qual foi o

desempenho dos sujeitos, no pré-teste, nestas palavras:

0

5

10

15

20

25

30

cons

erte

acen

de

asse

ntos

cena

pass

o

russa

sess

ões

conc

erto

inten

ção

espe

ctadore

s

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espia

da

palavras ditadas

freq

üênc

ia

CORRETAHOMÔNIMONILORNIPMECF

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Gráfico 1 – Codificação do /s/ no pré-teste pelo GE

Além de serem analisadas quanto ao número de acertos, as

palavras ditadas também foram categorizadas quanto às diferentes

maneiras de serem grafadas. As respostas foram agrupadas em seis

categorias:

1) correta: o sujeito grafou a palavra corretamente;

2) homófonos: o sujeito grafou o homófono da palavra levando

em consideração apenas o som ditado ;

3) NILO (não internalizada no léxico ortográfico): o sujeito

grafou a palavra de uma forma que não existe na língua portuguesa:

isso se deve a pouca leitura;

4) RNI (regra não internalizada): o sujeito grafou a palavra

incorretamente por não conhecer as regras de codificação;

5) PM (problemas maiores): o sujeito grafou a palavra

incorretamente revelando problemas de sintaxe ou de percepção;

6) ECF (escreve como fala): o sujeito grafou a palavra como a

fala, mostrando não estabelecer distinção entre fala e escrita.

Não é possível trazer todos os dados para este artigo, mas é

importante fazer referência a outros dados organizados em gráficos

(HEINIG, 2003) que comparam especificamente o número de

acertos; neles é possível observar como os dois grupos são parecidos

quando analisadas as demais categorias. Os dados mostram que mais

da metade das respostas, 60,8% no GE e 60,6% no GC, pertencem à

categoria 1. As palavras com maior número de acerto (acima de 20)

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foram: espiada, esperto, passo, russa, cena em ambos os grupos e

espectadores com 20 acertos no GE.

A maior dificuldade se encontra na categoria 2, uma vez que a

palavra ditada está testando um contexto competitivo. Os homófonos

que apareceram mais vezes, em ambos os grupos, foram: acentos,

sessões e concerto. A dúvida entre os homófonos não homógrafos

aponta para a necessidade de um trabalho em sala de aula que auxilie

o aluno a resolver esse tipo de dúvida valendo-se do contexto e/ou da

construção do sentido do vocábulo.

Já as demais categorias aparecem em menor número e podem ser

compreendidas se o processo de alfabetização desses sujeitos for

levado em conta. A categoria 3 (NILO) é resultante de pouca leitura,

ou seja, as palavras testadas não fazem parte do conhecimento prévio

dos sujeitos ou eles as encontram muito pouco em textos. Por

exemplo, a palavra ditada despensa foi grafada como despença e esta

grafia não existe. O aluno escreveu a palavra assim porque é

possível, pois é um contexto competitivo, embora a palavra não

exista; o sujeito não tem no seu léxico ortográfico a palavra

“despensa”.

A categoria 4 (RNI) aponta para problemas de codificação,

especialmente no que se refere às regras de correspondência

fonológico-grafêmica que não foram trabalhadas ainda com os

alunos. Já na bateria de testes de recepção e produção da língua

portuguesa de Scliar-Cabral, problemas relativos ao

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desconhecimento das regras de codificação se fizeram sentir, mas

não os mesmos identificados no pré-teste. Neste, verificou-se que as

seguintes regras não foram internalizadas: 1) “as realizações do

fonema /s/ podem se reescrever “ss”, “c”, ou “sc” [...], entre vogal

oral e vogal não posterior oral ou nasalizada, ou semivogal não

posterior,...” (SCLIAR-CABRAL, 2003a, p. 153-4), ou seja, os

sujeitos de ambos os grupos grafaram: asende, asentos; 2) “a

realização do fonema /s/ [...] entre vogal oral e vogal posterior oral

ou nasalizada que não a [+alta], posteriores, [...] pode se escrever

com os grafemas “ss”, “ç” (op. cit., p. 155). São exemplos do

desconhecimento da regra em ambos os grupos: paso, rusa, sesões,

descrisão. 3) “A realização do fonema /s/ em posição inicial de

sílaba, entre vogal nasalizada e vogal oral ou nasalizada ou

semivogal não posteriores [...] pode se reescrever “s”, “c” ou “sc”

(op. cit., p. 156). Em ambos os grupos, apareceu apenas a grafia

consserto. 4) “a realização do fonema /s/ pode ser codificada seja

pelo grafema “s” ou “ç” em início de sílaba entre vogal nasalizada e

vogal oral ou vogal nasalizada posteriores[...] ou entre /ẽ/ e a

semivogal posterior /w/” (op. cit., p. 156), como não aconteceu em:

intenssão, dispenssa e despenssa. Interessante observar que o

fonema que mais provocou problemas, nesta categoria, foi o /s/

justamente por sua codificação estar entre os contextos competitivos,

sendo este um dos que apresentam maior dificuldade para os

aprendizes da norma ortográfica.

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Esse diagnóstico possibilitou a realização da intervenção

colaborativa que focou todas as palavras ditadas no pré-teste bem

como outras que foram diagnosticadas na bateria de testes de

recepção de produção de Scliar-Cabral (2003b) além de dúvidas que

surgiram ao longo do trabalho em sala de aula. À medida que o

trabalho foi se desenvolvendo, os alunos foram depreendendo regras,

analisando contextos e construindo justificativas. O trabalho em sala

de aula se deu sob várias formas, mas teve como ponto de partida

principalmente os jogos preparados em CD-ROM e em cartelas; a

partir deles outras atividades eram desenvolvidas.

Esse trabalho realizado pela professora da classe sob a orientação

da pesquisadora sinaliza que o ensino dos contextos competitivos

requer um profissional que trabalhe os conhecimentos gramaticais e

o significado de forma a auxiliar o aprendiz a resolver suas dúvidas,

compreendendo que conhecimentos são necessários para tomar a

decisão certa em cada situação. Nesse viés, faz-se necessário

compreender que a via lexical permite escrever com correção as

palavras irregulares uma vez que é preciso que a forma ortográfica,

armazenada no léxico mental, seja recuperada.

Como já afirmado anteriormente, o sistema alfabético do

português do Brasil é transparente quanto à leitura, entretanto, há

muitas situações, na escrita, em que as conversões fonema-a-grafema

são irregulares, destacando-se, especialmente, as situações dos

contextos competitivos, nas quais se incluem os homófonos não

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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 45 – Aprendizagem neuronal para as práticas sociais de leitura e escrita.

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homógrafos, cuja grafia depende de informações advindas do próprio

texto, sejam elas referentes a aspectos semânticos ou morfológicos.

Além disso, é preciso considerar que a aprendizagem da escrita

acontece paulatinamente e, com a entrada, na escola, a criança

começa a estabelecer a distinção entre o desenho e a escrita através

das experiências ali desenvolvidas. Nesse momento, a criança

também começa a perceber que não se escreve como se fala e isso

significa que o contínuo da cadeia da fala deve ser segmentado e

passará, então, a ser representado por unidades discretas separadas

por espaços em branco. Portanto, a tarefa de quem está aprendendo

o sistema escrito envolve uma série de “habilidades”, ou seja, deverá

ser capaz de refletir a respeito da classe gramatical da palavra em

análise; atentar para a posição do segmento sonoro dentro da palavra;

observar a tonicidade, entre outras. Deste modo, juntando

informações advindas das próprias palavras com outras provenientes

do contexto, professor e alunos, em um processo de análise,

depreenderão as regras que permitirão entender a norma ortográfica,

não apenas decorá-la. Pesquisas na área de Psicolinguística Aplicada

permitem compreender o processo de aprendizagem do sistema

alfabético; em adendo, pode-se também, a partir dos dados,

apresentar uma proposta metodológica que permita uma outra forma

de entender o ensino e a aprendizagem da codificação.

Quanto aos resultados, o artigo vai se ater à forma como as

palavras foram grafadas no pós-teste, não apresentando os resultados

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concernentes à forma como os sujeitos produziram as justificativas.

O Gráfico 2 apresenta dados quanto ao desempenho dos sujeitos do

GE após a intervenção colaborativa.

Gráfico 2 - Categorias quanto à maneira de grafar a palavra ditada no pós-

teste Comparando os grupos, é possível observar que há diferenças

quanto ao número de respostas em todas as categorias exceto na última.

Os dados mostram que, na categoria 1, há diferença entre os dois grupos, pois o GE teve 81% das respostas e o GC 61%, ficando próximo ao resultado obtido no pré-teste que foi de 60,6%.

Diferentemente do que ocorreu no pré-teste, os grupos também não apresentam comportamento semelhante em relação às categorias 2 (homófonos), 3 (NILO), 4 (RNI) e 5 (PM), embora a maior dificuldade nos dois grupos ainda resida na categoria 2.

Pelo fato de os homófonos não homógrafos testarem contextos competitivos, os sujeitos apresentaram relativa dificuldade para grafar com adequação as palavras ditadas. No GE, observou-se uma significativa melhora neste aspecto, pois o índice passou de 26,2% do pré-teste para 14,4% no pós-teste, sendo que as palavras que ainda apresentam maior dúvida para esses sujeitos são sessões/seções e conserto/concerto. Em se tratando do contexto competitivo /s/ as palavras com mais de dez ocorrências foram: concerte, acentos. A diferença entre os dois grupos na categoria 1 e 2 revela que o trabalho com os homófonos não homógrafos foi um fator que auxiliou os alunos do GE a perceberem diferenças entre uma e outra grafia, o que ficou ainda mais claro quando se fez a análise das justificativas, pois não basta apenas saber grafar, é preciso também refletir sobre os fatores que levam a optar por uma ou outra grafia.

050

100150200250300350400450

GE GC

grupos

pala

vras

CORRETAHOMÓFONONILORNIPMECF

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Embora o trabalho desenvolvido tenha focado os homófonos não homógrafos, os resultados se fizeram sentir nas categorias 3, 4 e 5, as quais permaneceram parecidas no GC, mas sofreram queda no GE.

Analisando cada uma das palavras ditadas, nos dois grupos, pôde-se perceber que, no GE, aumentou o número de ocorrências na categoria 1(correta) e que a categoria 2 (homófono) foi a que sofreu maior queda; entretanto, no GC, a situação permaneceu praticamente a mesma. O gráfico a seguir apresenta detalhadamente a maneira de grafar o fonema /s/ pelo GE em contextos competitivos:

Gráfico 3 - Codificação do /s/ no pós-teste pelo GE

Em comparação com o gráfico 1, que analisa o pré-teste, nesta

mesma situação, no GE, verificou-se que houve uma diminuição quanto ao número de hipóteses de grafia para a mesma palavra ditada. No pré-teste, se computou apenas uma ocorrência na categoria correta, já no pós-teste foram três. Além disso, 16 palavras aumentaram a frequência nesta categoria, duas permaneceram iguais e somente uma teve queda: conserte.

Esses resultados estão relacionados com o trabalho desenvolvido em sala de aula do qual iremos pinçar alguns aspectos a serem apresentados na seção final deste artigo.

0

5

10

15

20

25

30

p ala vras d i t ad as

correta

homô nimo

out ra maneira

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Algumas conclusões No tocante ao trabalho desenvolvido durante a intervenção

colaborativa, dois aspectos se fizeram sentir como fundamentais, estando ambos interligados: o planejamento e a metodologia.

O planejamento sistemático dos itens lexicais trabalhados favoreceu a sua compreensão, pois se apoiou no desenvolvimento da argumentação para explicar a grafia do homófono não homógrafo partindo, sobremaneira, do significado. Portanto, descartou-se uma postura mecanicista em favor de um trabalho no qual se desejou desinstalar o aluno do lugar de repetidor e conduzi-lo ao de questionador, pois, só refletindo sobre a língua, é que se podem resolver as ambiguidades linguísticas de forma racional. Assim, quando o aluno é levado a analisar e a discutir os homófonos não homógrafos, aprende a observar diferenças e semelhanças e a buscar razões que as expliquem. Aprende também a produzir justificativas coerentes e a discuti-las com seus pares, desenvolvendo assim a capacidade de argumentar.

Para que o planejamento fosse operacionalizado, desenvolveu-se uma metodologia apoiada em atividades que promoveram reflexão e discussão durante a aprendizagem. Como resultados do trabalho desenvolvido, verificou-se que:

1. a metodologia empregada favoreceu a grafia correta, mas especialmente a maneira de justificá-la ao apresentar o elo, na grande maioria dos casos, entre a forma de grafar e a justificativa: os resultados do pós-teste apontaram um aumento de 89 para 329 respostas com elo;

2. a maioria das justificativas, depois da intervenção colaborativa, está centrada no conhecimento semântico;

3. os sujeitos do GE não apenas internalizaram em seu léxico mental ortográfico muitos dos homógrafos trabalhados como também os seus significados, o que fez com que conseguissem explicar as diferenças de 4. os alunos do GE com maior dificuldade (25%) detectado no pré-teste passaram de 10 palavras com grafia correta para 17, o que é extremamente significativo; 4. ensinar a pensar a maneira por que um homófono é grafado possibilita a reflexão sobre outros fenômenos linguísticos;

5. o aspecto lúdico favoreceu os resultados alcançados; além disso, puderam-se obter resultados quanto ao uso do jogo para a aprendizagem do sistema ortográfico, carência apontada por Curvelo, Meireles e Correa (1998).

Referências bibliográficas

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