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Page 1 LITERATURA E LINGUAGENS HÍBRIDAS: UMA ANÁLISE DO LIVRO “ A INVENÇÃO DE HUGO CABRE T” Alcioni Galdino Vieira (UTFPR) As linguagens contemporâneas são capazes de criar complexos acoplamentos estruturais entre o verbal e o visual, transformando a maneira como o significado é produzido. Tela e imagem influenciam o modo como as mensagens são transmitidas e estimulam a proliferação de textos com linguagens híbridas. A natureza da narrativa verbo-visual, dirigida a crianças e adolescentes, oferece espaço para inovações, pois possibilita aos autores e ilustradores selecionarem temas múltiplos. Para tanto, congregam-se elementos estruturais compostos por gêneros diversos, uma combinação que sugere multiplicação, pois o resultado não é fruto apenas da adição de contribuições variadas, independentes umas das outras, mas da inclusão dos efeitos de sua interação mútua. Ou seja, a contribuição individual de determinada modalidade textual contextualiza, especifica ou altera o significado de cada uma das demais modalidades. Esse tipo de texto híbrido não representa apenas um projeto visual estruturado, mas uma história narrada. Genette (1979) destaca que o discurso narrativo requer um estudo das relações: por um lado a relação entre um discurso e os acontecimentos que narra, por outro a relação entre o mesmo discurso e o ato que o produz. O autor fornece uma base útil para a abordagem das relações entre história, estilo e discurso e de como os textos visuais experimentam formas diferenciadas que seriam impossíveis em narrativas impressas convencionais. Hibridismo e novos gêneros

Linguagens Híbridas a Invenção de Hugo Cabret

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Page 1LITERATURA E LINGUAGENS HÍBRIDAS: UMA ANÁLISE DO LIVRO “AINVENÇÃO DE HUGO CABRET”Alcioni Galdino Vieira (UTFPR)As linguagens contemporâneas são capazes de criar complexos acoplamentosestruturais entre o verbal e o visual, transformando a maneira como o significado éproduzido. Tela e imagem influenciam o modo como as mensagens são transmitidas eestimulam a proliferação de textos com linguagens híbridas. A natureza da narrativaverbo-visual, dirigida a crianças e adolescentes, oferece espaço para inovações, poispossibilita aos autores e ilustradores selecionarem temas múltiplos. Para tanto,congregam-se elementos estruturais compostos por gêneros diversos, uma combinaçãoque sugere multiplicação, pois o resultado não é fruto apenas da adição de contribuiçõesvariadas, independentes umas das outras, mas da inclusão dos efeitos de sua interaçãomútua. Ou seja, a contribuição individual de determinada modalidade textualcontextualiza, especifica ou altera o significado de cada uma das demais modalidades.Esse tipo de texto híbrido não representa apenas um projeto visual estruturado,mas uma história narrada. Genette (1979) destaca que o discurso narrativo requer umestudo das relações: por um lado a relação entre um discurso e os acontecimentos quenarra, por outro a relação entre o mesmo discurso e o ato que o produz. O autor forneceuma base útil para a abordagem das relações entre história, estilo e discurso e de comoos textos visuais experimentam formas diferenciadas que seriam impossíveis emnarrativas impressas convencionais.Hibridismo e novos gênerosA linguagem do livro híbrido é formada por códigos linguísticos, icônicos,cromáticos e gráficos. De acordo com Santos (2002), enquanto o código linguístico éinterpretado como em qualquer outra narração, no código icônico a ilustração congrega

Page 2uma série de convenções próprias, que servem para estabelecer significações profundaspor intermédio de uma simples imagem.Os códigos gráficos são convenções formalizadas aceitas tacitamente pelacomunidade que os utiliza e, assim, ao universalizá-los, possibilita-se uma leituracomum dos mesmos. Nesse sentido, o livro híbrido retoma técnicas e formas de outrasartes como a fotografia, o cinema e a pintura e as transforma de acordo com suasnecessidades, outorgando-lhes diversas dimensões semióticas. A linguagem desse tipode produto editorial é o resultado da fusão do código verbal, isto é, dos grafemas, com ocódigo imagético, especialmente o icônico, em que cada um complementa o outro demodo a formar um código de maior complexidade e universalidade. Assim, o formatodo livro híbrido apresenta uma montagem de palavras e imagens e é requerido do leitorexercitar habilidades interpretativas tanto verbais como visuais. O regime artístico(perspectiva, simetria, linhas) e o regime literário (gramática, trama, sintaxe)sobrepõem-se mutuamente. A leitura de um livro impresso de linguagens híbridas é aomesmo tempo um ato de percepção estética e uma perseguição intelectual (EISNER,2013).Pode-se conceber esse tipo de produto editorial como uma forma particular denarrativa. Segundo Barthes (2008), tendo início com a própria história da humanidade, anarrativa está presente em todas as sociedades e é, inclusive, apreendida de formacomum por pessoas de cultura diversa e inclusive oposta.Para o autor:

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[...] a narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ouescrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela misturaordenada de todas estas substâncias; está presente no mito, na lenda,na fábula, no conto, na novela, na epopéia, na história, na tragédia, nodrama, na comédia, na pantomima, na pintura [...] no vitral, nocinema, nas histórias em quadrinhos, no failt divers, na conversação(BARTHES, 2008, p. 19).Desse modo, a narrativa não limita-se à palavra oral ou escrita e abarca umaampla gama de manifestações, gêneros e modalidades.Livros compostos por linguagens híbridas ocupam cada vez mais espaçosignificativo nas prateleiras de livrarias e bibliotecas. Emergem como um formato

Page 3popular entre adultos e jovens que já tenham desenvolvido um senso de narrativa,especialmente com base em produtos audiovisuais. Nesse âmbito, um dos gêneroscontemporâneos em destaque, conhecido como graphic novel ou romance gráfico,emerge como uma oportunidade para escritores e ilustradores promoverem diferentespontos de vista a partir do desenvolvimento de questões-chaves por intermédio dainteração entre palavra e imagem, com a utilização de estruturas narrativasdiversificadas.De acordo com Parry (2012), a graphic novel distingue-se dos quadrinhosprincipalmente por seu tamanho, ou seja, por ser uma espécie de história em quadrinhosmaior, uma história independente em forma de quadrinhos, publicada como livro.Porém, enquanto alguns romances gráficos mantêm a forma de quadrinhos, com autilização de uma série de painéis com textos embutidos, muitas publicações desse tipoapresentam variadas relações entre imagem e texto, usadas para transmitir significado.Assim, a ausência de características definitivas para esse tipo de livro reflete-se naconstante emergência de novas formas híbridas no cenário da produção editorial.Apesar de um romance gráfico normalmente envolver a combinação de texto,painéis e imagens, em alguns casos a ausência de texto faz com que o intertexto torne-sesignificativo para a forma como o leitor reconhece imagens que lhes são familiares.Painéis, por exemplo, ilustram tanto uma passagem de tempo, como um único momentono tempo que detalha eventos da vida cotidiana das personagens. A seleção de diversasformas e tamanhos e largos espaços em branco permitem a cada painel possuir impactopróprio, seja para mostrar intensos momentos de emoção e memórias, expor mini-narrativas ou registrar eventos tediosos, entre outros. Tal recurso controla o ritmo dolivro e reflete o mundo dinâmico e a vida em constante movimento.Outro gênero destacado na literatura infanto-juvenil da atualidade é o álbumnarrativo ilustrado ou livro-álbum, gênero conhecido como um híbrido por combinarlinguagem verbal e visual. De acordo com Tabernero Sala (2005), o livro-álbum éconcebido como uma unidade, uma totalidade que integra todas as suas partesdesignadas em uma sequência de interações. Difere-se do livro ilustrado, pois noprimeiro o peso das ilustrações na narração em relação ao verbal é igual ou maior,

Page 4enquanto no segundo as ilustrações acompanham um texto escrito capaz de sobreviversem as mesmas.Rodrigues escreve:Preferencialmente destinado ao público mais novo [...] define-se pelacapa dura, pelo formato de grandes dimensões ou diferentes, pelo seupapel de qualidade superior e de elevada gramagem, pelo reduzido

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número de páginas e pelo texto condensado (ou inexistente) com umatipografia de tamanho superior e variável, pela abundância deilustrações frequentemente impressas em policromia e, na maioria dasvezes, de página inteira ou dupla página, e, ainda, pela qualidade epelo cuidado com o design gráfico. Na verdade, o que distingue oálbum de outros gêneros literários, e que o converte num "processo decomunicação particular e relativamente invulgar no âmbito dastécnicas literárias habituais ou canónicas" [...] está intimamenterelacionado com o tratamento narrativo que induz (RODRIGUES,2009).Desse modo, os álbuns narrativos ilustrados caracterizam-se pela profusão deilustrações – uma imagem ou mais por dupla página –, usualmente têm menos textoverbal do que um romance juvenil, além de sua tipografia ser na maioria das vezes detamanho grande. Também costumam ser menores ou maiores do que um livro regular.Sua classificação depende, portanto, da aparência e do formato do impresso.Análise da obraUm exemplo recente de texto inovador é o livro A Invenção de Hugo Cabret, doescritor e ilustrador Brian Selznick. Um tipo de texto híbrido que resulta da diluição dasfronteiras, considerando-se não apenas a importância do texto, mas recursosparatextuais que contribuem para o significado e a coerência estética, isto é, para aprodução de sentidos.A obra é de difícil classificação em termos de gênero. Mesclam-se elementos degraphic novel, livro-álbum, história-ficção, cinema, entre outros, o que torna essa obrauma referência para quem pretende estudar as possibilidades de hibridização daslinguagens contemporâneas. Ao contrário de muitos livros ilustrados, em que há o usoostensivo da simultaneidade entre o visual e o verbal – um está intrinsecamente ligado

Page 5ao outro – em A invenção de Hugo Cabret imagem e texto verbal alternam-se paraavançar o enredo, como uma espécie de filme mudo no qual as imagens são intercaladaspor cartões de título. Este dispositivo é particularmente adequado uma vez que anarrativa é inspirada na história do cineasta pioneiro e pai de efeitos especiais, GeorgesMéliès e o início da indústria do cinema mudo. Embora seja possível sugerir que aescrita não tenha a mesma profundidade e qualidade das imagens, o impacto global criapara o leitor a sensação de fazer parte da era do cinema mudo.O primeiro capítulo inicia-se com imagens em primeiro plano de um close-up dalua, imagem que gradualmente revela ao leitor tratar-se de cenas da lua sobre a cidadede Paris. Imediatamente, o leitor reconhece que técnicas cinematográficas estão sendoempregadas. Tal como a câmera usa tomada à distância ou close-up, tais efeitos sãotransmitidos por meio de meticulosos desenhos feitos a lápis, em preto e branco, osquais ocupam toda a página dupla de abertura, emoldurada por bordas pretas quelembram um quadro de filme. Para as primeiras vinte e duas páginas a históriadesenrola-se em silêncio. O leitor tem a sensação de assistir a um filme e, desse modo, émotivado a virar as páginas rapidamente para manter a continuidade da ação.Assim como um filme pode avançar a história sem texto, também Selznickutiliza uma série de aberturas de página dupla com imagens para apresentar eventossilenciosamente. Trinta e seis quadros, por exemplo, sequenciam o evento da estação detrem em que o inspetor persegue Hugo, o protagonista. De tempos em tempos, esseritmo é interrompido pela mudança para o texto narrativo que ocupa ahistória. Frequentemente, o leitor percebe que a atenção é necessária, como, porexemplo, quando há a passagem de um elemento em câmera zoom in para um close-up

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de outro elemento, como um rosto ou um olho.Essa sensação de cinema faz referências intertextuais aos primórdios do cinemafrancês, incluindo a famosa produção cinematográfica de Georges Méliès intituladaViagem à Lua, de 1902, além de esboços do cineasta para sets de filmagem e aindareferências ao histórico filme A chegada de um trem na estação, dos irmãos Lumiére, oqual deu início ao cinema mudo em 1895.Elementos da narrativa também são emprestados e moldados para fins degêneros visuais emergentes. A história é transmitida por meio da seleção de

Page 6determinado discurso narrativo, e conforme os estilos híbridos afetam esse discurso,torna-se evidente o quanto ideológica e narrativamente complexos são os livros dessetipo. Envolve uma jornada metafórica, adotando movimento sequencial circulatório detempo, pois explora passado, presente e futuro. Temporalidade, espacialidade eelementos paratextuais são influências significativas na narrativa.Como ocorre em muitos livros para jovens, aborda temas relacionados com aidade, incluindo perda e redenção. A descoberta de Hugo do autômato (homemmecânico, robô) e seu desejo de fazê-lo funcionar novamente dão início a sua jornadade transformação. O livro começa com o segredo de Hugo e gradualmente revela comoos segredos dos outros estão interligados aos seus nesse mistério desafiador. O temacentral da trama é o da perda: Hugo e a perda dos pais, George e a perda de suacarreira. É o sentido de uma busca de propósito de vida que se torna central: é aconstatação de que a magia restaura o equilíbrio. A ambiguidade do título sugere que ainvenção de Hugo pode não ser a sua reconstrução do robô, mas o seu própriocrescimento por intermédio da exploração do propósito de vida que incide sobre suainvenção.Se um dos temas de A Invenção de Hugo Cabret é sobre mudança, tambémaborda a temática do tempo. O tempo é um significativo parâmetro por meio do qual anarrativa é organizada. Em textos verbo-visuais, padrões complexos de exploraçõesparalelas e simultâneas de tempo podem transmitir uma sensação de movimento eduração. Sugere que a narrativa é uma sequência duplamente temporal. No visual, essadualidade permite distorções temporais com pausas e descontinuidades que afetam oritmo da narrativa. No entanto, o tempo é mais difícil de ser descrito em narrativasvisuais. No caso da obra analisada, na representação do passado, a natureza miméticadas imagens contém reprodução de temas temporais delimitados, ao usar sequênciascronológicas, relógios ou representações de estações.Embora as imagens sejam todas sépias ou em tons de cinza, mudanças de luz ehumor dão um sentido de tempo e lugar. Significa que o que está representado naimagem deve curvar-se à lógica do espaço, para a simultaneidade dos elementos emarranjos espaciais.

Page 7Para Bakhtin, cronótopo refere-se a “uma conexão intrínseca das relaçõestemporais e espaciais que são artisticamente expressas na literatura” (HOLQUIST, apudSILVA, 2005, p. 147). Este conceito ajuda a definir gênero e torna genéricas asdistinções na narrativa. A categoria principal do cronótopo é o tempo. Cronótoposcomplexos surgem quando há duas conjunções diferentes de tempo e espaço para criarsignificado metafórico.A invenção de Hugo Cabret usa o tempo quase-realista do romance picaresco,aventuras interrompem o tempo linear. Enquanto o cronótopo principal envolve a

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história de Hugo Cabret, existem outros cronótopos que usam analepses (flashbacks) davida de Georges Méliès e o pai de Hugo, que interagem. Ainda ocorre maiorcomplexidade com o uso de uma grande quantidade de intertextualidade de stills defilmes antigos e esboços de Méliès. Embora o tempo seja pensado como sucessão, oleitor o experimenta como duração.Esse tipo de publicação evidencia a força experimental dos procedimentosformais, o plástico e o literário, mas também o desenho e a construção como objeto, jáque provoca e transforma a leitura meramente temática e argumental em leitura ligadaao jogo das formas e da linguagem. Destaca a função estética e a inter-relação daimagem com a escrita, consequentemente as possibilidades próprias de um livro-objeto,de modo que, para a produção de sentidos, o leitor passa a articular tudo a partir daimaginação e interpretação dos elementos que conformam esse objeto. O que exige umaleitura complexa: as duas matrizes utilizadas, visual e verbal, requerem múltiplasformas de leitura, interpretação e relação. Trata-se de uma polifonia de significados.Estes carregam grande complexidade e diversidade criativa, pois a mescla de recursosvisuais emprestados de outros campos expressivos como o cinema, a fotografia e odesenho gráfico resulta em novas linguagens visuais capazes de enriquecer o gênero.A utilização de imagens vai muito além da mera intenção de ilustrar ou adornaro texto, pois o autor faz uso de imagens complexas que dialogam entre si, contrapõemou complementam o texto, o enriquecem a partir de um tipo diferenciado de leitura. Aimagem amplia as possibilidades de construção de uma narrativa complexa, permitedesdobrar o fio argumental incluindo uma história dentro da outra. Também comporta aquebra da linearidade do discurso. Nesse caso, em que a narrativa é criadas por meio da

Page 8alternância entre texto e imagens, estas são muito potentes no momento de atribuirforma ao mundo ficcional, pois é por intermédio das imagens que ocorre a percepção doleitor em relação ao ambiente.As imagens desse tipo de livro híbrido desvelam emoções escondidas e levam oleitor para além dos arquétipos. O leitor torna-se dinâmico, é convidado a participar domovimento das imagens, atribuir-lhes significado e, inclusive, reelaborá-las a partir desuas próprias emoções.Merlo (1990) estabelece três níveis de interação na relação cooperante entretexto e imagem: o nível cooperante, no qual a imagem serve como apoio aos textos; onível operante, em que há uma relação de interdependência entre texto e imagem; e onível não operante, quando as imagens funcionam como estruturas independentes dodiscurso. No caso da obra aqui analisada, prevalece o terceiro nível de interação citado.Geralmente considera-se o texto escrito como uma forma progressiva etemporal, isto é, narrativa, e a imagem como uma forma simultânea e espacial, ou seja,descritiva, tal como explica Dondis (1997). No entanto, nesse tipo de livro híbrido, nãose tratam de imagens isoladas, mas de um encadeamento de imagens, as quais, segundoesse autor, são denominadas de ilustrações. Enquanto a imagem é espacial, a ilustraçãointroduz a temporalidade, propõe uma ideia de tempo por meio da sequência dasimagens que sucedem-se no tempo, o que inclui o tempo de virar a página. O traço ealguns outros recursos refletem o passar do tempo. Devido à relação entre texto escrito eilustrações, o verbal deixa de ser uma arte temporal e a ilustração deixa de ser uma arteespacial, pois os espaços visuais representados nas ilustrações implicam tempo e assequências temporais descritas nas palavras implicam espaço.Tal como no cinema, as ilustrações precisam de planos ou enquadramentos paraque a ação seja visualizada e crie-se a sensação de movimento. O plano nada mais é do

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que a distância com a qual se olha o objeto. É como se jogássemos com o enfoque deuma câmera dirigindo-a conforme queiramos que o leitor olhe, conforme explicaMcCloud (2008). Em A invenção de Hugo Cabret há uma grande variedade de planos,cada um com suas propriedades e emoções, o que inclui enquadramentos diversos, taiscomo: subjetivo, picado, contra-picado, americano, médio, geral, close up, detalhe etc.Nesse caso, os enquadramentos tanto sublinham o conjunto de uma situação ou são

Page 9usados para mostrar um ambiente circundante, como aproximam o leitor-espectador dosdetalhes relevantes, sejam de pessoas ou objetos.A técnica de perspectiva em ilustrações refere-se à profundidade e posiçãorelativa dos objetos. Na imagem, a perspectiva simula a profundidade e os efeitos deredução, cria-se uma ilusão visual que permite ao observador determinar a profundidadee situação de objetos em diferentes distâncias. Eisner (2013) ressalta que a funçãoprimária da perspectiva é manipular a orientação do leitor com um propósito de acordocom os planos narrativos do autor. Outro uso da perspectiva seria sua utilização paraproduzir vários estados emocionais no leitor. A utilização de perspectiva tem um papeldestacado na obra de Selznick, possibilitando a transferência de carga emocional àsilustrações. Muitas vezes há uso de perspectiva para sinalizar uma passagem de tempopor meio dos diversos espaços.Desse modo, os enquadramentos e as perspectivas são utilizados para provocardiferentes reações no leitor, ao manejar seu ponto de vista, pode-se jogar com seuenvolvimento na história, bem como revelar-lhe ou ocultar-lhe detalhes do que estáocorrendo, o que pode oferecer uma sensação de segurança, temor ou simplesmenteproduzir um distanciamento (EISNER, 2013).Propostas de atividades em sala de aulaElencamos, a seguir, algumas sugestões de atividades que podem serdesenvolvidas em sala de aula, envolvendo o universo e as temáticas da obra aquianalisada:- Cada aluno deve pesquisar individualmente sobre a vida de Georges Méliès.Depois, em sala de aula, o professor promove um debate sobre a forma como essecineasta é retratado no livro.- Grupos de alunos pesquisam sobre os primórdios do cinema, os trabalhos deMéliès, dos irmãos Lumière e de outros cineastas importantes daquele período. A partirda pesquisa, cada grupo apresenta uma encenação referente a um filme da era do cinemamudo.

Page 10- O aluno faz uma análise comparativa entre o livro e sua adaptação para ocinema, descrevendo, por exemplo, a forma como as ilustrações foram adaptadas para agrande tela, quais as diferenças entre a história contada no livro e aquela exibida nocinema.- Autômatos: assim como os relógios, o autômato que Hugo reparou foiconstruído com o uso de engrenagens e rodas. Os alunos podem projetar (epossivelmente construir) seu próprio autômato. Como é que eles vão fazer o autômatose mover? O que o autômato vai fazer quando se mover, será que vai escrever, desenhar,falar? Que mensagem ele tentará comunicar? Pode-se construir um autômato comsucata, ou esboçar um projeto de autômato em um programa de computador, ou atémesmo desenhado à mão.

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- Inspirado em Georges Méliès, que além de cineasta também foi ilusionista, oaluno aprenderá a fazer um truque de mágica e depois escreverá instruções para queoutra pessoa aprenda seu truque.ReferênciasBARTHES, Roland. Introdução à análise estrutural da narrativa. In: Barthes,Roland (et al). Análise estrutural da narrativa. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,1997.EISNER, Will. Narrativas gráficas: princípios e práticas da lenda dos quadrinhos. 3ªed. São Paulo: Devir, 2013.FRANCO, EDGAR SILVEIRA. Hqtronicas: do suporte papel a rede internet. SãoPaulo: Annablume, 2008.GENETTE, Gérard. Discurso da narrativa. Lisboa: Arcádia, 1979.

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