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Carlos Jaca 1 Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense. Das suas origens à Reforma Universitária Pombalina de 1772. Com a colaboração de Jorge Freitas 1ª Parte A Universidade Portuguesa. Da sua fundação e funcionamento durante a Idade Média. Quando em meados de 2007 projectei realizar um trabalho intitulado «Relance sobre o ensino em Portugal no período anterior à fundação da Universidade», e que foi publicado neste Suplemento, em 3, 10, 17, 24 e 31 de Janeiro de 2008, era, minha intenção prosseguir no tema do ensino no nosso País. Porém, agora, e também em relance, esboço ou linhas gerais, como não podia deixar de ser, especifiquei o tema, tentando fazer uma breve abordagem da História da Universidade Portuguesa, desde as suas origens até à sua primeira grande inovação: a Reforma Universitária Pombalina de 1772. Assim, tratando-se de um tema demasiado complexo e inesgotável, devo esclarecer, desde já, que este estudo não pretende ser mais do que uma pequena síntese construída sobre elementos já conhecidos, uns mais outros menos, tentando conseguir uma exposição histórica limitada às suas linhas gerais e, mesmo assim, com grandes lacunas o que, também, não podia deixar de ser. Numa Instituição que tem atrás de si mais de sete séculos de história, o que equivale a afirmar que tem muito para contar, não se pode estranhar que sejam passados em claro, ou só tocados pela rama, alguns pontos que mereciam outra atenção, no entanto, vários condicionalismos a isso obrigam, sem esquecer as minhas próprias limitações. Concluindo este breve intróito, direi que a elaboração deste trabalho, tem como principal objectivo torná-lo inteligível, dirigindo-o à generalidade do público e não, obviamente, a especialistas. Por critério que adoptei, as partes constantes deste estudo serão publicadas espaçadamente, porquanto, embora ligadas, poderão ser compartimentadas.

Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense

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Carlos Jaca 1

Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense.

Das suas origens à Reforma Universitária Pombalina de 1772.

Com a colaboração de Jorge Freitas1ª Parte

A Universidade Portuguesa. Da sua fundação e funcionamento durante

a Idade Média.

Quando em meados de 2007 projectei realizar um trabalho intitulado «Relance

sobre o ensino em Portugal no período anterior à fundação da Universidade», e que foi

publicado neste Suplemento, em 3, 10, 17, 24 e 31 de Janeiro de 2008, era, minha

intenção prosseguir no tema do ensino no nosso País.

Porém, agora, e também em relance, esboço ou linhas gerais, como não podia

deixar de ser, especifiquei o tema, tentando fazer uma breve abordagem da História da

Universidade Portuguesa, desde as suas origens até à sua primeira grande inovação: a

Reforma Universitária Pombalina de 1772.

Assim, tratando-se de um tema demasiado complexo e inesgotável, devo

esclarecer, desde já, que este estudo não pretende ser mais do que uma pequena síntese

construída sobre elementos já conhecidos, uns mais outros menos, tentando conseguir

uma exposição histórica limitada às suas linhas gerais e, mesmo assim, com grandes

lacunas o que, também, não podia deixar de ser.

Numa Instituição que tem atrás de si mais de sete séculos de história, o que

equivale a afirmar que tem muito para contar, não se pode estranhar que sejam

passados em claro, ou só tocados pela rama, alguns pontos que mereciam outra

atenção, no entanto, vários condicionalismos a isso obrigam, sem esquecer as minhas

próprias limitações.

Concluindo este breve intróito, direi que a elaboração deste trabalho, tem como

principal objectivo torná-lo inteligível, dirigindo-o à generalidade do público e não,

obviamente, a especialistas.

Por critério que adoptei, as partes constantes deste estudo serão publicadas

espaçadamente, porquanto, embora ligadas, poderão ser compartimentadas.

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As Universidades europeias. Uma criação do espírito medieval.

A Alta Idade Média não deixou de dar continuidade à tradição escolar do mundo

romano, porquanto, sob a égide da Igreja floresceram altos centros de estudo, onde a

Teologia, o Direito, a Medicina e outros ramos do saber eram ministrados com vista à

preparação dos estudiosos para as respectivas profissões.

Ao iniciar-se o séc. XII, havia um pouco por toda a parte escolas dependentes de

igrejas, conventos e, também, escolas laicas. Entre estas, salientavam-se as de Roma,

Ravena, Bolonha e Pavia. Em Salerno, já na fronteira do mundo árabe, tinha-se

desenvolvido uma activa escola de Medicina a partir do séc. X.

Como é bem sabido, a maior parte das escolas estava nas mãos da Igreja, sendo

célebres as de Laon, Châtillon-sur-Seine, Monte Cassino, as abadias de cónegos

regulares de São Victor e de Santa Genoveva em Paris e de São Félix em Bolonha.

Era sobretudo na Itália do Norte e na região compreendida entre o Loire e o

Sena, com as escolas catedrais de Laon,

Reims, Orléans, Tours, Chartres, etc. e,

nomeadamente, Paris, que a vida intelectual

atingia vigor assinalável, onde pontificavam

insignes mestres como, Bernardo e Thierry

em Chartres, Anselmo em Laon, Alberico

em Reims, Bérenge em Tours e Roscelino

em Compiégne e em Loches. A esse notável

movimento, vivido no séc. XII, chamou Ch-

H. Haskins «Renaissance du XIIe siècle».

Embora os homens da Idade Antiga e os da Alta Idade Média não tivessem

conhecido a Universidade, tal como os homens do séc. XII vieram a conhecê-la, não se

pode esquecer que criaram um clima favorável à transformação da vida escolar no

Ocidente e ao aparecimento das referidas Instituições.

A nível intelectual, os anos de 1150 a 1300 representam na história medieval do

Ocidente um período de notável esforço. Durante o seu decurso foi elaborada e

desenvolvida uma cultura predominantemente cristã e de caracterização muito

específica. Dessa expansão deram testemunho a evolução da autoridade pedagógica das

escolas e, sobretudo, o nascimento das Universidades.

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Efectivamente, o séc. XII é, na Europa Ocidental, o século da fundação das

Universidades, por conseguinte, trata-se de uma criação do espírito medieval, «daquele

novo espírito de que o mundo medievo se revestiu, depois de dobrado o ano mil. Nasceu

no mesmo tempo das Cruzadas e das grandes Catedrais românicas e góticas e é obra,

em boa parte, do mesmo ambiente histórico que elas».

Não é possível garantir para muitas delas o ano exacto em que foram criadas,

uma vez que, se desconhece quando começaram a funcionar as primeiras aulas, e

também por serem considerados diferentes critérios para a fixação de uma data da

criação e que pode ser admitida como a da publicação dos respectivos estatutos, ou a da

autorização régia para o seu funcionamento ou, ainda, a da bula papal que o

determinava ou aceitava, situações estas, por vezes, distanciadas de alguns anos entre si.

Na base do movimento universitário medieval está presente o espírito de classe,

como verdadeira estrutura corporativa, entre os profissionais do estudo: mestres e

discípulos. Trata-se de

uma Instituição que deixou

de ter projecção

meramente local, para

passar a ter projecção

ecuménica, adquirindo a

categoria de “instituição”

juridicamente autónoma,

pela formação do espírito

corporativo entre aqueles

que nela ensinam e aqueles

que nela aprendem. Aliás, “universitas” é utilizada na época com o exclusivo

significado de “Corporação”.

Com efeito, a palavra “universidade” (“universitas”) significa na Idade Média

“corporação” e tanto se aplica a professores e estudantes, como a mercadores e

industriais:

Ao lado da “universitas magistrorum” e da “universitas scholarium”, fala-se da

«universitas mercatorum Italiae nundinas Campaniae ac regni Franciae

frequentantium» (corporação dos mercadores da Itália que frequentam as feiras da

Campânia e do reino de França).

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A Universidade não é ainda, como virá a ser mais tarde, o conjunto de escolas

superiores – a “universitas facultatum”. Porém, a palavra, a pouco e pouco, veio a

significar uma instituição educacional que englobava uma escola de artes liberais e uma

ou mais faculdades de finalidade profissional (Direito, Medicina ou Teologia).

Factores contribuintes para a formação das Universidades. Diferentes

tipos quanto à sua origem.

O aparecimento, em pleno séc. XII, destas novas escolas de «projecção

universal e corporativamente organizadas» é a consequência de uma série de causas,

que se torna aqui impossível analisá-las exaustivamente, bem como entrar em

pormenores sobre a maior ou menor importância que cada um dos seguintes factores

teve na origem das escolas universitárias:

Progresso geral do saber; rápido desenvolvimento de algumas disciplinas,

(Teologia Científica, Direito Romano e Direito Canónico); uma noção mais rigorosa da

hierarquia entre os vários ramos do saber humano; formação de grandes centros urbanos

no espaço europeu; o crescimento demográfico fazendo aumentar bastante o número

daqueles que procuravam as escolas eclesiásticas dos mosteiros ou bispados; o desejo

de melhor conhecer a doutrina cristã e de reforçar a luta contra as heresias provocando

uma grande curiosidade intelectual; o desenvolvimento comercial e urbano e o

surgimento da burguesia tornavam indispensável a criação de escolas leigas, ligadas aos

interesses comerciais; o sentimento de solidariedade profissional que conduziu à

formação das grandes corporações de artes e ofícios... «Produto de tão diversos

factores, a Universidade medieval tinha que ser, forçosamente, uma instituição rica de

cambiantes, cheia de vida e de personalidade, inconfundível com qualquer organização

escolar dos tempos anteriores, e inconfundível, até, consigo mesma. Não há então, pode

dizer-se, duas universidades iguais, nem na sua origem nem na sua estrutura interna».

Quer isto dizer que apenas adoptando um critério relativo, ou aproximado, é

possível fazer uma classificação das universidades desta época quanto à sua origem ou

quanto à sua organização institucional.

Assim, quanto à sua origem, parece ser corrente aceitar-se a classificação entre

universidades “ex consuetudine”, “ex secessione” e “ex privilegio”. -

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As primeiras, “ex consuetudine”, nasceram «via espontânea», isto é, através de

um característico processo de crescimento e “corporatização” de uma escola ou escolas

locais, já existentes – são universidades de formação consuetudinária (fundado no

costume). As duas mais antigas e famosas deste tipo são a de Paris, e de Bolonha,

seguindo-se as de Oxford, Montpellier e de Orléans.

À fama das lições de um mestre local, como Guillaume de Champeaux, em

Paris, Irnério e Graciano, em Bolonha, vinha juntar-se a especialização da escola numa

determinada disciplina: a

Universidade de Paris, que tinha uma

origem eclesiástica, desenvolve

principalmente o ensino da Teologia,

tornando-se uma escola de

especulação teológica e,

posteriormente, o grande bastião da

ortodoxia católica. A Universidade de

Bolonha, oriunda, possivelmente, das

escolas romanas de Retórica, tinha

uma origem laica, ministrava o Direito Romano e foi por muito tempo o principal foco

dos estudos jurídicos na Europa.

As segundas, denominadas “ex secessione”, isto é, surgiram por «migração», em

consequência de uma separação ou secessão, constituindo um verdadeiro

desmembramento de uma outra já existente. Tratava-se da passagem de doutores e

estudantes de uma Universidade-mãe para outras cidades onde fundavam os novos

“Studia”. Este fenómeno acontecia por ausência de condições de toda a ordem e,

também, quando «os incidentes de ordem social entre estudantes e burgueses impediam

o regular funcionamento dos cursos, a Universidade assentava arraiais e ia instalar-se

noutro lugar – quase sempre, numa cidade próxima».

Estas secessões terminavam, normalmente, pelo regresso da corporação escolar à

cidade donde tinha partido, mas nem sempre esse regresso se fez de um modo integral,

pois, alguns dos mestres e escolares, que tinham acompanhado a Universidade na sua

debandada, «recusavam-se a regressar com ela ao ponto de partida, e ali ficavam, para

todo o sempre, vivendo o mesmo espírito corporativo que antes viviam, e arrogando-se

as mesmas regalias universitárias que antes possuíam».

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A primeira Universidade formada por este processo foi a de Cambridge, em

1209, nascida de uma secessão da Universidade de Oxford, após graves incidentes que

levaram ao assassinato de alguns escolares burgueses de Oxónia. Origem idêntica teve

também a Universidade de Pádua, em 1222, por via de uma secessão com a de Bolonha.

As Universidades “ex secessione” oferecem a particularidade de ter a sua origem

numa data certa; são Universidades fundadas “ex novo”, porém surgem sem uma

intervenção estranha, são criadas pela iniciativa da corporação escolar.

Por último, e na ordem cronológica, aparecem as Universidades “ex privilegio”,

ou seja, todas aquelas que surgiram do nada, formando-se por efeito deliberado de um

soberano.

Este tipo de Universidades, às quais os seus instituidores atribuíram grandes

privilégios, não tinham atrás de si o suporte, o peso e o prestígio de uma tradição,

carecendo, por via disso, de uma confirmação pontifícia, sob pena de ficarem reduzidas

a uma dimensão estritamente local. Apenas ao Papa era lícito reconhecer validade

universal aos graus por elas outorgados, autorizando-as a conferir aos seus licenciados,

à semelhança das universidades tradicionais, o indispensável “ius ubique docendi” – o

direito de ensinar em qualquer parte.

No entanto, registe-se que, neste caso, a intervenção pontifícia tem um carácter

diferente daquele que teve a respeito das universidades” ex consuetudine”. Nas

universidades de formação espontânea, a intervenção pontifícia limitou-se a «confirmar

juridicamente a natureza universal da escola, que era já uma realidade de facto. Nas

universidades “ex privilegio”, pelo contrário, a projecção universal da escola só há-de

passar ao domínio das realidades como consequência dum prévio reconhecimento

do”ius ubique docendi”, feito na bula pontifícia que confirma a respectiva fundação».

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Todas as Universidades Ibéricas pertencem a este último tipo e, conquanto,

algumas delas ainda apresentem uma feição

mista, pelo facto de terem sido criadas sobre

as bases de uma escola eclesiástica local de

certa projecção, como Palência e Salamanca,

outras há que foram criadas totalmente “ex

novo” onde se inclui a Universidade

portuguesa fundada em Lisboa por D. Dinis,

em 1 de Março de 1290, que o Papa, Nicolau

IV, confirmaria por bula de 9 de Agosto do

mesmo ano e que oportunamente terá o

merecido desenvolvimento.

Embora no nosso País tenha havido, anteriormente, escolas catedrais e

monásticas, cujo prestígio era reconhecido além – Pirinéus, e ainda que a fundação do

Estudo Geral se possa e deva considerar, indubitavelmente, à conjugação de esforços de

vários Abades de Mosteiros e Reitores de Igrejas, a Instituição dionisiana foi uma

criação inteiramente nova.

A autonomia institucional da Universidade. (sécs. XII e XIII)

Quer formadas espontaneamente, quer por desmembramento, ou por privilégio

real e pontifício, as Universidades do séc. XII e do séc. XIII têm, no entanto, uma

notável característica comum – gozam de completa “autonomia institucional”, o que se

traduz numa independência absoluta para efeitos “jurídicos e administrativos”. A

Universidade é dotada de personalidade própria, a sua existência estava garantida por

estatutos especiais: tem selo privativo, governa-se por si, organiza o ensino como

melhor entende, escolhe livremente os seus mestres, para além de estar fora da

jurisdição ordinária, já que os seus membros, mestres ou discípulos, têm o privilégio do

foro eclesiástico e, chegando mesmo a criar-se para eles um foro especial, o

denominado foro académico. Assim, como clérigos e súbditos do Papa, estavam isentos

da lei civil e respondiam perante juízes eclesiásticos.

A direcção da instituição universitária pode estar predominantemente na mão

dos mestres, (“universitas magistrorum”) como é o caso de Paris, ou na tutela dos

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escolares, (“universitas scholarium”) como sucede em Bolonha. De qualquer modo, é

um governo autónomo e livre, não estando na sujeição de nenhum poder superior.

A interferência do Rei ou do Papa na vida da Universidade resume-se ao facto

de lhe dar a existência e para lhe conceder privilégios e regalias. A sua intervenção não

vai além disso e, quando muito, poderá, eventualmente, interferir na qualidade de

árbitro, nas situações mais melindrosas da vida da Instituição. E mais, a autonomia

institucional tem ainda um outro aspecto, não menos importante, a salientar: é que, além

de “independência administrativa”, significa também, e sobretudo, “liberdade

intelectual”. «Sem dúvida que a Universidade tem uma norma de vida: está colocada

integralmente ao serviço da comunidade cristã, e, por via dela, ao serviço da Igreja de

Roma. Mas essa norma de vida não é o produto duma imposição doutrinal; é o

resultado da aceitação livre e unânime dum mesmo ideal e duma mesma crença. A

Universidade – melhor dizendo – tem a orientação doutrinal que livremente abraçou, e

não está colocada ao serviço duma política ou duma crença particularista».

Dos dois referidos aspectos da autonomia institucional da Universidade, o

primeiro a sofrer limitações foi o da independência jurídica e administrativa da

corporação, sendo curioso verificar que a responsabilidade desse facto coube em grande

parte à própria Universidade.

Convém sublinhar que foi ela, através da difusão das ideias romanísticas, (do

Direito Romano) uma das principais obreiras do fortalecimento do poder real, fenómeno

que percorreu toda a Europa desde o séc. XIII em diante.

Efectivamente, sem dar conta do fácil apoio que estava a oferecer ao neo –

cesarismo, (poder absoluto) além de fragilizar a sua autonomia corporativa, preparava à

distância, um mal maior, que seria a consequência lógica daquela: a perda da sua

independência doutrinal.

Os monarcas reinantes, à medida que o seu poder político vai aumentando

durante os sécs. XIV e XV, vão chamando a si, a pouco e pouco, a tutela da corporação

universitária e diminuindo as regalias e liberdades que tinham sido inicialmente o seu

apanágio. As novas universidades que, então, vão surgindo, vão apresentar “ab initio”

uma dependência em relação ao poder real inexistente nos séculos anteriores.

É certo que os governantes não deixam de ser generosos para com a corporação

universitária, porém, essa generosidade é traduzida, agora, em novos termos: «em vez de

privilégios e liberdades, cumulam-na de rendimentos e de bens materiais; e o preço que

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exigem – senão por palavras, pelo menos por actos – é uma progressiva renúncia às

liberdades de outros tempos: - Arvoram-se o direito de nomear professores; interferem

na administração universitária; tolhem aos mestres e escolares o direito de escolherem

os reitores, colocando na reitoria uma alta personagem da sua confiança; e vão, por

vezes, até o ponto de se enquadrarem, eles próprios, na corporação universitária,

investidos no novo cargo de protectores dos Estudos».

No entanto, estas primeiras manifestações do declínio da autonomia

universitária, (sécs. XIV e XV) não se reflectem na liberdade intelectual da Instituição.

De facto, no aspecto doutrinal, a Universidade continua a ser livre e independente, não

recebendo directrizes do Estado, porquanto, nesta época, por isto ou por aquilo, não tem

ainda a ousadia, ou condições, de se elevar à posição de doutrinador. Porém, a

subordinação intelectual da Universidade ao poder político não deixava de estar

implícita na sequência lógica dos acontecimentos, sendo inevitável, mais tarde ou mais

cedo, como resultado da subordinação jurídica e administrativa, já efectivamente em

curso.

Sobre este assunto, em relação ao que foi acontecendo nas Universidades em

geral, verificou-se “literalmente” «sem tirar nem pôr» na Universidade portuguesa,

desde os fins do séc. XIV e, sobretudo, no decorrer do sec XV, o que a seu tempo darei

conta.

Organização geral e programa de ensino.

Não se sabe qual terá sido a Universidade mais antiga. Poderá, eventualmente,

ter sido a de Salerno que já no séc. X era conhecida pelos estudos médicos, embora

assumisse apenas no séc. XIII a forma organizacional de uma Universidade. A sua

proximidade com a Sicília muçulmana deu-lhe acesso a informações que não se

encontravam disponíveis em qualquer outro local do Ocidente cristão. Embora tanto o

Cristianismo como o Islamismo proibissem a dissecação de corpos, pensa-se que em

Salerno já se praticava essa técnica de estudo. Durante o sé. XIII, Salerno teve primazia

sobre a escola médica de Montpellier.

As Universidades de Bolonha e de Paris também são muito antigas, tendo a

primeira sido instalada por volta de 1150 e a segunda, antes do fim do séc. XII. Vêm

depois, em ordem de antiguidade, instituições famosas como as de Oxford, Cambridge,

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Montpellier, Salamanca, Roma e Nápoles. Refira-se que não houve universidades na

Alemanha antes do fim do séc. XIV.

Praticamente, todas as Universidades da Europa medieval estavam organizadas

segundo um modelo então existente, consoante os elementos preponderantes da

corporação escolar fossem os mestres ou os estudantes.

Na Itália, na Espanha e no sul de França, o padrão geral era o da Universidade

de Bolonha, na qual os próprios estudantes formavam uma associação ou corporação.

Contratavam professores, pagavam-lhes salários, multavam-nos e destituíam-nos

quando descuravam o cumprimento do dever ou ministravam instrução deficiente.

Quase todas as Instituições do sul eram de carácter secular e especializadas em Direito e

Medicina.

As Universidades do

norte da Europa modelavam-se

pela de Paris, que não era uma

corporação de estudantes, mas

de professores. Incluía as

quatro Faculdades: Artes,

Teologia, Direito e Medicina,

cada uma delas dirigida por um

Deão eleito. Na grande maioria

das Universidades do norte os

principais ramos de estudo

eram as Artes e a Teologia.

Não é de estranhar, e

facilmente se compreenderá,

que estas duas famosas

Universidades europeias

tenham seguido vias completamente opostas na estruturação da sua orgânica

governativa, porquanto, Paris é a Universidade de Teologia, os seus mestres são as

autoridades eclesiásticas, e os seus estudantes são todos clérigos ou, pelo menos, na sua

grande maioria, candidatos à vida sacerdotal. Bolonha, pelo contrário, é por excelência a

Universidade do Direito «e o carácter laico da ciência jurídica tira à corporação

escolar todo o aspecto duma instituição eclesiástica, e não tem que moldar-se como a

de Paris, na hierarquia e disciplina da Igreja».

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Pode chamar à atenção o facto de que, em Bolonha, para além do Direito Civil

(Direito Romano), também se ensina o Direito Canónico, (que é o Direito da Igreja) e

sob este pretexto a Igreja chama a si a protecção do Estudo Geral bolonhês, cumulando-

o de regalias, mas fá-lo, sobretudo, com o objectivo de o subtrair da esfera de

influência, ou da autoridade, da comuna local. Porém, a corporação, apesar de tudo, não

é uma corporação eclesiástica.

Na Idade Média, ao contrário dos séculos posteriores, a Universidade tinha um

cunho mais acentuadamente internacional. Estudantes das mais variadas nações, vindos

de toda a Europa, ali se encontravam e conviviam, recebendo a mesma cultura e

habituando-se às mesmas atitudes intelectuais.

Numa base corporativa da Instituição bolonhesa vamos encontrar o

agrupamento dos estudantes em “nações”, isto é, pequenas corporações formadas por

escolares da mesma nacionalidade. Em Paris, essa repartição em “nações” também

chega a formar-se, mas em época tardia, quando a Universidade se encontrava já

estruturada como “universitas magistrorum”, não alcançando, portanto, o significado e

a importância que tiveram em Bolonha

Numerosas, inicialmente, as várias “nações” vão-se coligando, até formarem em

meados do séc. XIII, dois blocos: o dos “cismontanos” (italianos) e o dos

“ultramontanos” (estrangeiros, que viviam além dos montes, ou seja, dos Alpes). Cada

um destes blocos era rigorosamente uma “universitas”, ou seja, uma corporação escolar,

formada, dirigida e orientada, exclusivamente por estudantes. Cada qual tem o seu reitor

escolhido entre os seus próprios membros, sendo estes reitores-estudantes quem

governa a Universidade, possuindo um vastíssimo campo de manobra, o qual se estende

sobre o próprio corpo docente.

Nas Universidades “ex privilegio”, copiou-se o modelo de Paris ou o modelo de

Bolonha, com maior ou menor número de variantes, um pouco ao sabor ou à mercê da

vontade do instituidor ou, ainda, por via de outras circunstâncias de ordem local.

O Estudo Geral português seguiu o modelo de Bolonha opção que, no momento

próprio, será devidamente explicada.

A instalação de uma imensa população flutuante, que não raro vinha de longe,

constituía difícil problema para as autoridades nas cidades universitárias.

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Muitos dos estudantes nos cursos de Artes eram, provavelmente, sustentados

pelos seus pais e, no final do séc. XIII, alguns Governos atribuiam soldos (subsídios)

aos estudantes universitários na condição de entrar ao serviço da cidade após a

conclusão dos seus estudos. Porém, para os estudantes mais pobres houve que recorrer a

outras soluções.

Com o objectivo de diminuir as dificuldades de alojamento, muitos estudantes

associavam-se em casas comuns e os reis chegavam a tabelar os preços das casas de

aluguer. Alguns beneméritos, na intenção de aplicar o seu dinheiro de maneira

proveitosa, pensando na salvação da alma, fundaram hospícios, “hospitais”, ou colégios

para albergar estudantes impossibilitados de pagar residência própria; outros benfeitores

faziam doações permanentes a estabelecimentos desse género, de modo a possibilitar

um “sustento – base” para os estudantes mais necessitados.

Os primeiros colégios conhecidos datam dos fins do séc. XII. O primeiro em

Paris, o “Colégio dos Dezoito”, foi fundado por um londrino. Primitivamente, o colégio

não passava de um albergue; mas, para comodidade dos estudantes, e também para

poupar tempo e dinheiro, alguns professores passaram a viver nos colégios. Nestas

circunstâncias os mestres começaram ali a repetir ou a explicar as lições do lente, a

orientar o trabalho do aluno, a obrigá-lo a exercícios.

À medida que esta prática se tornou comum, os colégios perderam o seu carácter

inicial de estabelecimentos para assistência aos pobres, tornando-se instituições

educacionais.

Exemplo célebre desta transformação é a do hospício fundado, em 1257, por

Robert Sorbon para estudantes de Teologia que, sob o nome de “Sorbonne”, virá mais

tarde a substituir-se à Faculdade de Teologia de Paris como foco principal dos estudos

teológicos.

Nem todas as Universidades tinham o mesmo currículo e muitas delas não

apresentavam um quadro completo de estudos.

O paradigma de uma Universidade completa correspondia a cinco Faculdades:

Artes, Leis (ou Direito Civil), Cânones (Direito Canónico), Medicina e Teologia.

As Artes que constituíam como que um curso para as Faculdades superiores,

concediam o grau de “bacharel” aos estudantes que frequentassem durante 4 ou 5 anos

o “Trivium”, caso fossem aprovados nos exames, se bem que não lhes conferisse

nenhuma habilitação especial. O grau de “licenciado” era atribuído a todos aqueles que,

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após o bacharelato, o completassem com as disciplinas do”Quadrivium”, que se

compunha do estudo de Aritmética, Geometria, Astronomia e Música. Sublinhe-se que

estas matérias não correspondiam, em absoluto, ao que os seus nomes implicam nos

nossos dias. O seu conteúdo era altamente filosófico, como era o caso da Aritmética,

que incluía principalmente o estudo da teoria dos números, ao passo que a Música se

preocupava, sobretudo, com as propriedades do som. No séc. XIV acrescentou-se às

disciplinas tradicionais do “Quadrivium” o estudo da Física de Aristóteles, cuja leitura,

ainda em 1236, era proibida pelos Estudos da Universidade de Paris.

Só depois da licenciatura em Artes o estudante tinha acesso às Faculdades de

Medicina ou Teologia. Em Paris podia frequentar-se o Direito Canónico sem o prévio

bacharelato em Artes. As exigências para o grau de “doutor” eram, em geral, mais

rígidas e incluíam uma formação mais especializada.

A Faculdade de Teologia era a cúpula do “edifício universitário”. O

doutoramento nesta Faculdade só se conseguia ao cabo de 12 ou 14 anos de frequência,

e este grau de “doutor” apenas podia ser conferido se o candidato tivesse pelo menos 35

anos. Tanto os graus de “mestre” como os de “doutor” eram títulos de docência, pois o

próprio título de “doutor “ em Medicina equivalia ao de professor de Medicina e não à

prática médica.

Pode afirmar-se que, de um modo geral, nas Universidades europeias se

estudavam as mesmas matérias e se utilizava idêntico sistema pedagógico e como o

idioma universitário era o latim, facilitava notavelmente o intercâmbio de livros,

professores e alunos.

O curso magistral era a “lectio”, consistindo no comentário seguido de uma obra

em que se continha o saber essencial, no decurso do qual o professor exprimia muitas

vezes o seu próprio pensamento e que conduzia logicamente a interrogações às quais

cumpria dar resposta.

Efectivamente, os programas consistiam fundamentalmente em textos,

porquanto, a leitura das obras adoptadas que, em cada disciplina eram as “autoridades”,

constituíam a base do ensino e do saber, acrescentando-se a leitura de comentários.

Durante o séc. XIII, as “glosas” (anotações, comentários à margem) e “sumas” ou

“súmulas” (resumos) de muitos professores completavam a lista dos livros utilizados

nas universidades.

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Carlos Jaca 14

Quanto à Teologia, a matéria assentava no estudo do texto latino da “Bíblia” e

no”Livro das Sentenças” de Pedro Lombardo, considerado um tratado de dogmática

cristã. Os Padres da Igreja e os comentários de alguns teólogos modernos completavam

o estudo da Teologia. Não é de rejeitar que muitos teólogos parisienses recorressem às

obras de Aristóteles e aos comentários árabes para melhor compreensão das suas

leituras, principalmente entre 1250 e 1275. São Tomás de Aquino seria um desses

mestres parisienses a ocupar-se do Estagirita (Aristóteles de Estagira, na Macedónia e

discípulo de Platão) e seus seguidores.

Concluindo este capítulo sobre o movimento universitário europeu, bem pode

dizer-se que a Idade Média, injustamente classificada, durante muito tempo, por alguns,

como a “Idade das Trevas” e a “Noite de mil anos”, (opinião que, julgo, já destruída)

assistiu ao nascimento da Universidade, a mais significativa contribuição de todo o

período medieval.

Precedentes da Universidade portuguesa.

Das instituições de ensino da Idade Média, anteriores à fundação da

Universidade, foram sem dúvida as escolas agregadas à Ordem dos Cónegos Regrantes

de Santo Agostinho (Coimbra) e à Ordem de São

Bernardo de Claraval (Alcobaça), aquelas que

atingiram maior projecção cultural. A par com as

escolas catedralícias e episcopais, foram focos de

“fermentação intelectual”, não se podendo

explicar sem elas o aparecimento da Universidade

portuguesa.

Diga-se, desde já, que os portugueses que

frequentavam as Universidades estrangeiras nos

sécs. XII e XIII eram, na sua grande maioria,

membros pertencentes às instituições religiosas. E

isto, não só pelo poder económico de que elas dispunham, mas também, e sobretudo,

obviamente, com o intuito de melhorarem e actualizarem o mais possível o ensino nas

suas escolas.

Page 15: Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense

Carlos Jaca 15

As relações entre Portugal e as escolas europeias remontam ao séc. XII,

proporcionadas pela influência de Cluny e do papel da Igreja no intercâmbio de pessoas

e ideias, e que o aparecimento das Universidades ainda mais estreitou essas ligações.

Mantém-se a tradição que Julião Pais, chanceler de D. Afonso Henriques, e outros

juristas da segunda metade do séc. XII fizeram a sua formação em Bolonha que, como

já é sabido, foi um grande centro do Direito Romano. Da “Alma Mater Parisiensis”, o

mais ”fecundo viveiro” para os estudos de Teologia e Artes, não restam dúvidas que foi

frequentada por escolares provenientes de Santa Cruz de Coimbra. Vejamos o que nos

diz D. Nicolau de Santa Maria citando a carta de doação de D. Sancho I, de 14 de

Setembro de 1192: «... Dou e concedo ao Mosteiro de Santa Cruz quatrocentos

morabitinos da minha fazenda, para sustentação dos Cónegos que estudam “in partibus

Galliae studiorum”»... (que estudam nas partes de França). Já se deu conta de que a

reputação das Escolas de Paris era imensa e, assim, naturalmente se generalizou a ideia

que era indispensável frequentá-las para ser bom mestre.

Hauréau, no seu estudo sobre a

“Philosophia Scholastica”, descreve as enormes

dificuldades que era necessário vencer para

frequentar as referidas Escolas:

«Para ter o direito de ensinar os outros era

preciso ter alguma permanência nas escolas de

Paris; quem não tivesse ido ali ouvir os ilustres

regentes da grande Escola, passava por ignorar

os princípios elementares da ciência. Quando nos

últimos confins da Bretanha insular, nos extremos

longínquos da Calábria, da Espanha, da

Germânia, da Polónia, um jovem clérigo manifestava alguma inclinação para os altos

estudos e parecia aos seus superiores que viria a ser um lógico, era imediatamente

enviado para Paris. Partia sozinho, a pé, atravessando os rios, as montanhas, os

mares...Era uma vida de aventuras e de perigos que o disciplinava de ante-mão para as

agitações e rudes provas da escola. Cada noite achava asilo no mais próximo mosteiro;

se a noite o surpreendia, longe do povoado, ia bater à porta de qualquer casa isolada;

e para alcançar o agasalho o mais cordial bastava-lhe declarar o seu título de escolar;

aqui a hospitalidade era-lhe liberalmente concedida; além disso, era-lhe devida, e a lei

Page 16: Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense

Carlos Jaca 16

municipal punia como um delito a infracção a este artigo consuetudinário: aos

escolares compete por toda a parte a lei do asilo».

Apesar das dificuldades de toda a ordem, as relações prosseguiram, continuando

a França a atrair os nossos escolares para ouvir as lições de mestres de grande nomeada

para a obtenção dos seus graus. De facto, era a “licentia docendi” que, na generalidade,

os levava até Paris, pois as nossas escolas capitulares e monacais não lhes concediam os

graus de bacharel, licenciado e doutor ou mestre, nem o diploma em Teologia.

A criação ao longo do séc. XIII, das Universidades de Toulouse e Montpellier

veio a proporcionar um encurtamento da viagem e novos centros de interesse,

principalmente na segunda, “herdeira cultural de

Salerno e da Medicina judaica com assento em

Toledo”.

Outra Universidade, que veio a ser a mais

famosa de Espanha, foi fundada em Salamanca,

com o ensino das Leis, Cânones, Medicina e

Artes, ficando a Teologia confiada aos Mestres de

São Domingos; a sua projecção no Ocidente foi de

tal ordem que chegou a ser considerada ao nível de

Paris, Bolonha e Oxford. Devido à proximidade a

que se encontrava das dioceses da fronteira como

Braga, Guarda, Viseu e Lamego, fez com que

muitos portugueses ali acorressem e mesmo depois, em certos períodos, quando o nosso

Estudo Geral já havia sido fundado.

Porém, como quer que fosse, Paris, Bolonha, Montpellier, Salamanca ou

qualquer outra, a frequência de universidades estrangeiras apresentava grandes

inconvenientes: avultadas despesas, longas e penosas viagens e, ainda, os perigos a que

ficavam sujeitos os escolares em terras estranhas, onde teriam de permanecer, por vezes,

longos anos.

Nestas circunstâncias, grande número de portugueses deparava-se com a

impossibilidade de prosseguir os seus estudos em escolas além-fronteiras. Assim, a

criação de estudos superiores em Portugal, constituía, indiscutivelmente, uma

necessidade premente, um desejo de muitas pessoas e instituições. Só que, durante um

longo período, as condições do Reino não o permitiam. Todas as energias e

potencialidades nacionais estavam viradas e canalizadas, por completo, para o

Page 17: Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense

Carlos Jaca 17

fenómeno vincadamente peninsular da reconquista, defesa e povoamento do território,

bem como «contra a cobiça dos vizinho» e, ainda, pelas melindrosas discórdias entre a

Nobreza, Alto Clero e a Coroa.

Deste modo, não surpreende que a Universidade portuguesa só tivesse sido

fundada na última década do séc. XIII. Se bem que a França, Itália, Inglaterra Leão e

Castela tivessem aberto os seus Estudos Gerais antes de Portugal, outros Estados da

Europa, e dos mais cultos e importantes, só mais tarde a viram aparecer. A primeira

Universidade alemã apenas foi fundada no séc. XIV, em 1348, mais de meio século

depois da nossa, que é uma das mais antigas da Europa.

Desde há muito, e era notório, se fazia sentir a necessidade de um Estudo Geral,

porém, só a partir dos meados do séc. XIII, é que a pouco e pouco, se foram

conseguindo as condições políticas e culturais indispensáveis ao nascimento de uma

Universidade. A título de curiosidade pode informar-se que só sete anos após a sua

fundação se definiram os limites continentais do nosso território, o qual até hoje, se

conservou, por assim dizer, intacto.

O facto de muitos letrados portugueses se terem formado em Universidades

além-fronteiras, não terá deixado de constituir um grande incentivo a fim de se criar a

primeira instituição cultural do Reino.

De facto, conhecendo a sua orgânica por observação directa, era natural que ao

regressar ao seu País, verificassem e comparassem, com admiração, a diferença de nível

entre a cultura nacional e a dos países donde regressavam. Relatando a sua experiência,

e conscientes de terem adquirido um novo e mais amplo saber, provocavam no ânimo

dos que ficavam, e não podiam abalançar-se a tão complicada jornada, o desejo e o

entusiasmo pela criação de uma Universidade entre nós.

Ainda que o profissionalismo fosse muito pouco diversificado, havia duas

profissões consideradas de nível superior e que eram constantemente solicitadas por

necessárias e indispensáveis: o Direito e a Medicina. Com efeito, jurista e médico, eram

elementos de presença constante junto dos reis, e o seu saber constantemente solicitado.

Ora, como a formação escolar necessária e suficiente, de uns e outros, não

poderia ser adquirida dentro do sistema existente em Portugal, imperiosa se tornava a

criação de uma Universidade análoga às do estrangeiro onde aquelas matérias fossem

leccionadas.

Page 18: Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense

Carlos Jaca 18

Parece ter sido em Santa Maria de Alcobaça que foi dado um dos mais

significativos passos para a criação da primeira Universidade portuguesa.

Refira-se que o grande reformador e impulsionador dos estudos alcobacenses, o

Abade D. Frei Estêvão Martins, determinou que se ensinasse para sempre, Gramática,

Lógica e Teologia e medida excepcional: que as aulas fossem públicas. Antes da

reforma ensinava-se, apenas, no Mosteiro, a Teologia aos monges, permitindo-se, agora,

que as pessoas estranhas à Ordem, pudessem frequentar as aulas. A escola que era

privada, ou interior, como a de Santa Cruz de Coimbra, tornou-se pública.

Efectivamente, em 1269, considerada a necessidade de tal reforma dos estudos,

D. Estêvão Martins, determinava:

«Em nome de Deus, Amen. Porque em todas as criaturas está posta uma luz

natural de inteligência, pela qual se nos facilita o caminho de podermos vir no

conhecimento do Criador, já deposta a escuridade da primeira ignorância: todos os

homens (se pudesse ser comodamente) houveram de procurar com diligência o

benefício da sabedoria. Por essa razão, Nós, Estêvão Abade, e o nosso Convento de

Alcobaça, fazemos saber aos que a presente virem, em como de nosso comum

consentimento ordenamos à honra de Deus e da bem-aventurada sempre Virgem sua

Mãe e de todos os Santos, e para comum utilidade de nossos Monges e de todos os mais

que desejarem adquirir a incomparável riqueza da sabedoria, instituímos em nosso

Mosteiro um contínuo e perpétuo Estudo de letras; para conservação do qual, e para

sustentação dos Mestres, aplicamos todas as rendas da vila de Alvorninha, com outra

fazenda mais no território da vila de Óbidos».

A primeira aula pública, após a reforma de D. Estêvão Martins, foi dada em 11

de Janeiro de 1269, no reinado de D. Afonso III.

A decisão é notável e representa um passo importante para a criação da futura

Universidade portuguesa. António José Saraiva refere uma passagem do historiador

Rashdall, num estudo sobre as Universidades da Europa da Idade Média, em que o autor

diz «entrever-se na escola de Alcobaça uma tentativa única na história das

universidades europeias, para fundar uma universidade eclesiástica».

Sublinhe-se que, pelo seu poder e prestígio, o Abade de Alcobaça era uma figura

de relevo na vida da Nação. Inerente à sua dignidade abacial ostentava alguns títulos

efectivos e reais, quer laicos, quer eclesiásticos, além de outros episódicos, que

representavam incumbências e delegações acidentais, intitulando-se Conselheiro do Rei,

Page 19: Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense

Carlos Jaca 19

Esmoler-Mor do Rei, Fronteiro-Mor, Donatário da Coroa e Senhor das terras e vilas do

Couto.

Precisamente, por isso, não causará admiração ter sido um Abade de Alcobaça,

Martinho II, em 1288, a encabeçar uma representação colectiva a subscrever o pedido

ao Papa para a criação da futura Universidade portuguesa.

Fundação da Universidade portuguesa. Petição ao Papa.

D. Dinis iniciou o seu reinado em 1279, e entre as dificuldades provocadas pelas

ambições de seu irmão, o Infante D. Afonso, e pelas complicações da política

castelhana, prolongava-se o conflito, herdado de seu Pai, com o Alto Clero, que durou

até 1289.

A questão debatia-se em Roma, durante os pontificados dos Papas Martinho IV,

Honório IV e Nicolau IV. Naturalmente, perante tal situação, e nestas circunstâncias, o

Rei não podia fundar o Estudo Geral, porque os Bispos protestavam contra a cedência

dos rendimentos das Igrejas de que o monarca era padroeiro.

As primeiras negociações para a criação de um instituto superior em Portugal,

atestadas documentalmente, reportam-se a 1288, embora, e seja muito provável, já antes

daquele ano se

tivessem

empreendido

algumas diligências

nesse sentido.

Porém, o

mais antigo

documento

conhecido referente

ao Estudo Geral de

Lisboa é, de facto, a

petição ou súplica dirigida ao Papa, em 12 de Novembro de 1288. Não é conhecido o

original deste documento que existiu no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em

Lisboa, e daí desapareceu. Conhecem-se cópias, uma das quais inserta num

“Cartulário” do séc. XV, (Cartulário – conjunto de todos os documentos, bulas papais,

Page 20: Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense

Carlos Jaca 20

cartas régias, alvarás, etc. que respeitam à Universidade portuguesa desde a sua

fundação) conhecido por “Livro Verde”.

O documento em questão, a súplica, «escrita em pergaminho e selada com

dezassete selos pendentes, de diversos modos e figuras», que deviam ser dos 17

Prelados ou Párocos, presentes, quando se fez a carta, com a data da Era de César

equivalente a 12 de Novembro da Era de Cristo, foi expedida de Montemor-o-Novo por

uma representação colectiva de vários prelados e dirigida ao Papa Nicolau IV,

participando-lhe que resolveram criar um Estudo Geral em Lisboa e pedindo-lhe, para

ele, o seu beneplácito.

Este documento, dada a sua importância, pare-me justificar a sua transcrição na

íntegra:

«Ao Santíssimo Padre e Senhor, pela Divina Providência Sumo Pontífice da

Sacrossanta Igreja de Roma.

Nós, devotos filhos vossos, o Abade de Alcobaça, o Prior de Santa Cruz de

Coimbra, o Prior de S. Vicente de Lisboa, o Prior de Santa Maria de Guimarães,

secular, e o Prior de Santa Maria de Alcáçova de Santarém, e os Reitores das Igrejas

de S. Leonardo de Atouguia, de S. Julião, e de S. Nicolau, e Santa Iria, e Santo Estêvão

de Santarém, de S. Clemente de Loulé, de Santa Maria de Faro, de S. Miguel e Santa

Maria de Sintra, de Santo Estêvão de Alenquer, de Santa Maria, S. Pedro e S. Miguel

de Torres Vedras, de Santa Maria de Gaia, da Lourinhã, de Vila Viçosa, da Azambuja,

de Sacavém, de Estremoz, de Beja, de Mafra, e do Mogadouro, beijamos

devotadamente vossos pés bem aventurados.

Como a Real Alteza importa não só ornada com as armas se não também

ornada com as leis, para que a República possa ser bem governada no tempo de guerra

e paz, porque o mundo se alumia pela ciência, e a vida dos Santos mais cabalmente se

informa para obedecer a Deus e seus Mestres e Ministros, a Fé se fortalece, a Igreja se

exalta e defende contra a herética pravidade (maldade) por meio dos varões

eclesiásticos, por todos estes respeitos, nós, os acima mencionados, em companhia de

pessoas religiosas, prelados, e outros, assim clérigos como seculares dos Reinos de

Portugal e Algarve, havida plenária deliberação no caso, intervindo a inspiração

divina e movendo-nos a particular e comum utilidade, considerámos ser mui

conveniente aos Reinos sobreditos e a seus moradores, ter um estudo geral de ciências,

por vermos que à falta dele, muitos desejosos de estudar e entrar no estado clerical,

atalhados com a falta de despesas e descómodos dos caminhos largos e ainda dos

Page 21: Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense

Carlos Jaca 21

perigos de vida, não ousam e temem ir estudar a outras partes remotas receando estas

incomodidades, de que resulta apartar-se do seu bom propósito e ficar no estado

secular contra vontade. Por estas causas, pois, e muitas outras, úteis e necessárias, que

seria dilatado relatar por miúdo, praticamos tudo e muito mais, ao Excelentíssimo D.

Dinis, nosso Rei e senhor, rogando-lhe encarecidamente se dignasse de fazer a ordenar

um geral estudo da sua nobilíssima Cidade de Lisboa, para serviço de Deus e honra do

beatíssimo mártir São Vicente na qual Cidade escolheu Nosso Senhor Jesus Cristo

sepultura a seu corpo. Ouvida por este Rei, e admitida a nossa petição benignamente,

com consentimento dele que é o verdadeiro padroeiro dos Mosteiros e Igrejas

sobreditas, se assentou entre nós que os salários dos Mestres e Doutores se pagassem

das rendas dos mesmos Mosteiros e Igrejas taxando logo o que cada uma havia de

contribuir, reservando a côngrua sustentação. Pelo que Padre Santíssimo recorremos

em final aos pés de Vossa Santidade pedindo-lhe humildemente queira confirmar com a

costumada benignidade uma obra tão pia e louvável, intentada para serviço de Deus,

honra da pátria e proveito geral e particular de todos.

Dada em Montemor-o-Novo, a dois dos idos de Novembro da Era mil e

trezentos e vinte e seis». (12 de Novembro de 1288).

Este notável documento descreve-nos, fundamentalmente, o estado cultural do

País e a necessidade da criação de um Estudo Geral, ao que o Rei acedeu. Os termos da

petição dão a entender que, nesta data, o Estudo Geral de Lisboa já estava criado,

porquanto o que se pedia ao Papa era a confirmação canónica da aplicação das rendas

eclesiásticas, numa «obra tão pia e louvável e intentada para serviço de Deus».

Porém, o pedido não obteve resposta imediata. Recorde-se que as relações entre

a Santa Sé e Portugal não eram as melhores e foi, precisamente, por isso, que tardou a

ser atendido.

Acontece que, com a data de 1290, existem dois documentos notáveis para a

História da Universidade: o da criação régia e o da confirmação Papal. O primeiro é a

famosa carta da fundação da Universidade que o “Rei Poeta” dirigiu a todos os seus

súbditos do território português.

Com efeito, desde a súplica dos prelados até à resposta do Vaticano, isto é, entre

Novembro de 1288 e Agosto de 1290, parece que o Estudo Geral já estava organizado,

dotado e funcionando activamente em Lisboa, conforme se pode concluir do referido

diploma, datado de 1 de Março de 1290, expedido de Leiria, cidade em que D. Dinis

permanecia muitas vezes:

Page 22: Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense

Carlos Jaca 22

«D. Dinis, pela graça de Deus, Rei de Portugal e do Algarve, a quantos a

presente carta virem, muito saudar.

Reconhece-se que aquele admirável

tesouro da ciência, que, quanto mais se derrama,

mais aumenta a sua uberdade, (riqueza) ilumina

espiritual e temporalmente o Mundo, porque com

a sua aquisição, todos nós, os católicos,

conhecemos a Deus nosso Criador, e em nome do

seu Filho Nosso Senhor Jesus Cristo abraçamos a

fé católica, e também porque, sendo Nós e os

outros príncipes, seus servos, obedecidos de

nossos súbditos, a vida destes é, por virtude dessa

obediência, informada com a ministração da

Justiça ensinada por aquela ciência. Por isso, para dizermos com o Profeta, a pedimos

ao Senhor. Rogar-lha-emos, para habitarmos em Sua morada. Ora, desejando Nós

enriquecer nossos Reinos com este precioso tesouro, houvemos por bem ordenar, na

Real Cidade de Lisboa, para honra de Deus e da Santíssima Virgem Sua Mãe e também

do mártir S. Vicente, cujo santíssimo corpo exorna a dita cidade, um Estudo Geral, que

não só munimos com cópia de doutores em todas as artes, mas também roboramos com

muitos privilégios. Mas, porque das informações de algumas pessoas entendemos que

alguns virão de várias partes ao nosso dito Estudo, se gozarem de segurança de corpos

e bens, Nós querendo desenvolvê-lo em boas condições, prometemos, com a presente

carta, plena segurança a todos os que nele estudam ou queiram de futuro estudar, e não

permitiremos que lhes seja cometida ofensa por algum ou alguns de maior dignidade

que sejam, antes com a permissão de Deus, curaremos de os defender de injúrias e

violências. Além disso, quantos a eles vierem nos acharão em suas necessidades de tal

modo generosos, que podem e devem fundamentalmente confiar nos múltiplos favores

da Alteza Real.

Dada em Leiria, a 1 de Março. Por mandado d´El-Rei a notou Afonso Martim.

Era de 1328» (equivalente a 1290 da Era de Cristo).

Este documento veio reforçar a informação que se recolhe do pedido dos

prelados de que o Estudo já estava fundado em Lisboa, sabendo-se, ainda, que já tinham

sido nomeados os professores para as várias disciplinas e que D. Dinis se esforçara por

atrair escolares para o frequentarem, garantindo-lhes uma protecção segura para aqueles

Page 23: Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense

Carlos Jaca 23

que se dispusessem a vir de outros lugares do País instalar-se em Lisboa, pois,

«naquelas épocas, qualquer deslocação constituía sempre uma perigosa aventura».

Por conseguinte, se conjugarmos o contexto da carta dionisiana de 1 de Março

de 1290, com o teor da petição dirigida ao Papa, a 12 de Novembro de 1288, vê-se que

se trata de uma resolução já tomada, dado entender-se que o «estatuto» já existia de

facto e “de jure”.

O terceiro grande documento relativo aos primórdios da Universidade é a bula

“De Statu Regni Potugaliae”, do Papa Nicolau IV, expedida de Orvieto, em 9 de Agosto

de 1290, e dirigida à “Universidade dos mestres e escolares de Lisboa”.

Nicolau IV, depois de relatar como soubera da notícia de que em Lisboa,

«graças à solicitude de D. Dinis», justifica-se da demora da bula da confirmação e, pois

que agora, já «apartados alguns impedimentos», do grave litígio dos Bispos com o Rei

sobre as jurisdições, aceita o facto consumado do estabelecimento e exercício na

Universidade: «Declaramos e havemos por valioso e agradável a nós tudo o que sobre

esta matéria está feito...».

O Papa, apesar de deferir a confirmação pedida pelos prelados, reconhece como

pertencendo a D. Dinis a iniciativa da fundação da Universidade: «Em verdade à nossa

notícia chegou, que procurando-o o caríssimo em Cristo filho nosso Dinis, ilustre Rei

de Portugal, não sem muita e louvável providência, estão de novo plantados, na Cidade

de Lisboa, Estudos de cada uma das lícitas faculdades...».

Seguidamente, Nicolau IV designava os privilégios concedidos ao novel

instituto superior: aprovava o pedido quanto à afectação das rendas eclesiásticas e

exortava D. Dinis a que obrigasse os cidadãos de Lisboa a alugar casas aos escolares,

tabeladas por dois clérigos e dois leigos, escolhidos pela Universidade e pela cidade,

regalia idêntica à que gozavam os estudantes de Bolonha, Paris e de muitas outras

escolas. Dispensava da obrigação de residência os professores que usufruíssem de

benefícios e prebendas, os quais só não gozariam das distribuições cotidianas

consignadas àqueles que assistiam aos ofícios divinos. Além disso, o monarca devia

exigir às autoridades de Lisboa que prestassem juramento de como respeitariam a

segurança e imunidade das pessoas e bens dos membros do Estudo Geral. Estas e outras

recomendações do Papa a D. Dinis, deixavam transparecer o desejo de afirmação da

autoridade pontifícia sobre a nova Instituição.

Page 24: Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense

Carlos Jaca 24

Entre outros privilégios, determinava, ainda, que os mestres, escolares e seus

criados ficassem apenas sujeitos ao foro eclesiástico, bem como conferia ao Bispo de

Lisboa, ou ao seu vigário, a autoridade para atribuir aos graduados em Artes, Cânones,

Direito Civil e Medicina, a “facultas ubique docendi”, o que significava o direito de

leccionar onde quer que fosse.

Considera-se, e julgo que já foi entendido, que a bula não é o diploma da

instituição do Estudo Geral de Lisboa, nem Nicolau IV foi o seu fundador, como se

admitiu durante muito tempo. A referida bula corresponde apenas à confirmação da

Universidade fundada por D. Dinis e da concessão de privilégios semelhantes aos

outorgados por diplomas pontifícios a outros Estudos Gerais.

A iniciativa da fundação do Estudo Geral.

O desenvolvimento deste subtítulo, para melhor compreensão, obriga a recordar

alguns factos já referidos.

Na realidade, a quem terá pertencido, ou donde terá partido a iniciativa da

fundação do Estudo Geral?

Anteriormente à publicação do diploma da fundação oficial da Universidade, 1

de Março de 1290, conheciam-se dois documentos relativos à origem da referida

Instituição: a carta em latim, datada de 12 de Novembro de 1288, já descrita, e a bula de

Nicolau IV, datada de Orvieto a 9 de Agosto de 1290, dirigida à “Universidade dos

mestres e escolares de Lisboa”.

Estes documentos não eram concordantes. No 1º documento, os prelados e

reitores, depois de alegarem que haviam conferenciado com D. Dinis, «rogando-lhe

encarecidamente se dignasse de fazer ordenar um Estudo Geral na sua nobilíssima

cidade de Lisboa», e de terem acordado entre si o provimento do salário dos mestres e

doutores, estipulando o que cada Igreja ou Mosteiro havia de contribuir, o que teve a

anuência do Rei, suplicavam ao Pontífice a aprovação e confirmação, «por ser muito

conveniente ao Reino e seus moradores», de um Estudo Geral de “sciencias”.

Pela bula expedida, dois anos depois da súplica, o Estudo Geral é considerado já

como fundado «pelos cuidados e louvável providência de D. Dinis», tanto mais que o

Papa se dirige à “Universidade dos mestres e escolares de Lisboa” e referindo-se aos

mestres “actu regentes” (em exercício).

Page 25: Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense

Carlos Jaca 25

Perante este quadro surgiu a discordância dos historiadores, afirmando uns que a

Universidade havia sido fundada por influência e a pedido do Clero, garantindo outros

que a acção dos eclesiásticos que subscreveram a petição se limitou a solicitar a

confirmação da aplicação das rendas eclesiásticas, e divergindo todos sobre o ano do

seu estabelecimento.

Se, apenas, tomarmos à letra a súplica a Nicolau IV, não há dúvida de que o

mérito cabe inteiramente aos superiores dos conventos e aos eclesiásticos que a

assinaram e que, expressamente, declararam terem feito a proposta a D. Dinis, mas...

nos princípios do século passado surgiu um dado novo. O eminente Professor Dr.

António de Vasconcelos, da Universidade de Coimbra, publicou o diploma de 1 de

Março, cujo original, por mero e feliz acaso, lhe fora parar às mãos.

O ilustre Mestre atribui, definitivamente, a iniciativa a D. Dinis. Com efeito, no

diploma dionisiano, o Rei reivindica-a para si, reivindicação que Nicolau IV,

indirectamente, confirma, pois considera o Estudo Geral de Lisboa, fundado e

funcionando. No entanto, o historiador e investigador, afirma que a sua conclusão «não

prejudica em nada a alta benemerência daqueles eclesiásticos que com seus conselhos

e pareceres auxiliaram o Rei e cooperaram eficazmente na fundação, e que generosa e

espontaneamente, cederam de seus rendimentos de mosteiros e igrejas quanto bastava

para pagar os salários de mestres e doutores».

Considera, ainda, que a súplica teria sido redigida de combinação com o Rei,

visto que o monarca atravessava, então, o período agudo das suas desinteligências com

os Bispos, (tanto que entre os signatários da súplica não se conta nenhum deles) sendo,

pois, inoportuno, antidiplomático e perigoso dirigir-se ao Papa a suplicar favores.

Assim, D. Dinis terá determinado que fosse o Clero a fazer o pedido, apresentando o

plano da criação do Estudo Geral como da sua iniciativa. Efectivamente, o Clero fez o

pedido na sua qualidade de autor do plano, portanto, principal interessado na fundação

do Estudo. E mais, acrescenta o erudito historiador que «se pensarmos que o Estado em

franca reorganização carecia de juristas e altos funcionários esclarecidos,

compreende-se que o espírito elevadíssimo do Rei ambicionasse atenuar as deficiências

do ensino, conquistando a autonomia docente da Nação e libertando os escolares dos

dispendiosos estágios em Paris ou em Bolonha».

Embora respeitando a autoridade de quem defende esta opinião, os Professores

Lopes de Almeida e Mário Brandão, igualmente da Faculdade de Letras da

Page 26: Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense

Carlos Jaca 26

Universidade de Coimbra, não a acham de todo convincente, nada impedindo que a

iniciativa pertença àqueles que se “confessaram” seus autores.

Por muito grande, dizem, que fosse o interesse de D. Dinis pela instalação no seu

Reino de uma Universidade, «dificilmente poderia ser maior que o dos signatários da

súplica, pois seria o Clero quem maiores benefícios alcançaria da nova escola...». Para

além de tomarem a seu cargo o pagamento dos salários dos Mestres, deve ponderar-se o

facto de entre os signatários da petição figurarem, em primeiro plano, os prelados dos

três institutos religiosos onde, exactamente, existiram as principais escolas portuguesas

do período que antecedeu a

fundação do Estudo Geral: Santa

Cruz de Coimbra, Santa Maria de

Alcobaça e a Colegiada de

Guimarães. Sublinham, ainda, os

ilustres catedráticos, que não se

deve estranhar o facto de que os

signatários tivessem rogado a D.

Dinis a fundação do Estudo Geral,

em vez de directamente o

instituírem, até porque o plano e as

rendas a utilizar lhes pertenciam.

Só que... «uma escola fundada por aqueles religiosos nunca teria passado dum estudo

particular, sem categoria verdadeiramente universitária, visto que todos os estudos

gerais então existentes, ou tinham surgido por geração espontânea, como os de Paris e

Bolonha, ou por iniciativa do Pontífice, como o de Toulouse, ou do Imperador como o

de Nápoles, ou dos monarcas da Península Ibérica, onde as Universidades se

apresentam como fundações tipicamente reais».

Ora, quando D. Dinis, em 1 de Março de 1290, se decidiu à fundação oficial do

Estudo, o conflito entre o Alto Clero e a Coroa estava praticamente sanado, porquanto,

por essa altura, o Rei não podia deixar de estar ao corrente do que se passava em Roma

e já convencido de que Nicolau IV daria a sua anuência ao estabelecimento do tão

desejado Estudo Geral. Saliente-se que só com a aprovação do Pontífice o Estudo Geral

gozava da regalia do “ius ubique docendi”.

Ao fim e ao cabo, pode admitir-se que o Estudo Geral de Lisboa se deve a uma

iniciativa conjunta de Instituições religiosas e da Coroa, nascendo de um plano

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Carlos Jaca 27

elaborado por eclesiásticos e religiosos, acarinhado e posto em prática pelo interesse e

vontade de D. Dinis.

Organização interna e funcionamento – Linhas gerais.

Parece não haver dúvida sobre ter sido na freguesia de Santo Estêvão de Alfama,

no sítio da Cruz, (junto à porta do mesmo nome, aberta no tempo de D. Fernando)

também chamada “Campo da Pedreira”, que primeiro esteve instalada a Universidade

em Lisboa. O referido “Campo da Pedreira” tinha sido expropriado por D. Dinis, ao

Cabido da Sé de Lisboa, onde mandou construir as casas para o Estudo Geral. Após

acordo com os Bispos, o Rei teve de indemnizar o Cabido, entregando-lhe o valor

correspondente, ao que parece em situação litigiosa, pois somente o veio a fazer

passados mais de dez anos.

A nova Instituição

apresenta-se como uma

corporação independente e

autónoma, «governada

pelas autoridades

designadas pelos próprios

estudantes, regida pelos

estatutos livremente

estabelecidos pela congregação escolar, muito embora por vezes aprovados pelo rei a

pedido da Universidade, quando desejava dar particular valor às suas constituições».

O Estudo Geral, de facto, surge como uma daquelas Universidades de tipo

“estudantil” à maneira de Bolonha que foi considerado o modelo perfeito do referido

tipo, em que os escolares são o elemento dominante e não os mestres como acontecia

nas de “feição parisiense”. (Em jeito de esclarecimento, diga-se a este propósito que,

quando falamos de “escolares”, não devemos deixar-nos influenciar pela ideia que

modernamente fazemos de estudantes. A população escolar do Estudo Geral era

constituída em grande parte, por “homens feitos”, indivíduos em que a idade e a posição

social tornavam respeitáveis, até porque muitos deles eram clérigos e, mesmo,

dignitários da Igreja).

Com efeito, neste período da história, em que o tipo adoptado era o “bolonhês”,

eram os escolares que «deliberavam nas congregações», que elegiam as autoridades

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Carlos Jaca 28

académicas - que eram estudantes (incluindo os dois reitores) bem como os empregados

universitários e que escolhiam, provavelmente, os professores».

A influência do modelo “bolonhês na organização do nosso Estudo Geral poderá

explicar-se, em parte, pela importância que, ao tempo, tiveram os nossos juristas com

formação na famosa Universidade italiana e, também, por reflexo das Universidades

peninsulares, como é o caso de Salamanca, cujas constituições se assemelhavam muito

mais ao Estudo de Bolonha que ao de Paris.

Porém, como sublinham Lopes de Almeida e Mário Brandão, as semelhanças

têm muito de relativo, porquanto, por exemplo, «Numa escola como a nossa, fundada

por um monarca, nunca o domínio dos estudantes poderia ter atingido as proporções

que assumiu num estudo geral de formação espontânea como o de Bolonha, onde

constituiu, por vezes, uma verdadeira tirania bem pesada para os mestres».

Em relação ao período medieval, apesar de copiosa informação do “Livro

Verde” e do “Cartulário”, que já foram referidos, não existem muitos elementos sobre

alguns aspectos, como aqueles que dizem respeito aos professores e às matérias

leccionadas, situação que leva, naturalmente, ao recurso de verificar o que se passava

nesse domínio noutras Universidades europeias, em especial Salamanca, atendendo a

que os esquemas de funcionamento eram praticamente os mesmos em todas elas.

Já foram enumerados os importantes privilégios concedidos pelo Papa Nicolau

IV, quando da Bula “Statu Regni Portugaliae” que confirmava a fundação do Estudo

Geral. Nela, ordenava o Pontífice que na Universidade portuguesa se ensinassem todas

as faculdades com excepção das “ilícitas”, como a magia, a astrologia e, ainda, a

Teologia, uma vez que a bula expressamente excluía a concessão de graus nessa

Faculdade. Assim, o Estudo de Lisboa, na época da sua fundação, seria constituído

pelas Artes (Dialéctica, ou Lógica, e Gramática, faltando à semelhança de Paris a

cadeira de Retórica), Direito Canónico (Decretais), Direito (Leis) e Medicina, segundo a

nomenclatura moderna.

O facto de não existir uma Faculdade de Teologia na nossa Universidade, até aos

fins do séc. XIV, não quer dizer que em Portugal não se ensinasse a ciência sagrada nas

escolas episcopais e monacais. Já anteriormente, à instituição do Estudo Geral, duas

Ordens Religiosas se dedicavam devotadamente ao ensino da Teologia – as de São

Domingos e São Francisco. Porém, estas escolas dos mendicantes não conferiam graus,

pelo que os escolares que desejassem alcançá-los teriam que continuar a deslocar-se ao

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Carlos Jaca 29

estrangeiro para os conseguirem num Estudo Geral. O mesmo sucedia nas numerosas

escolas monásticas dos outros países, particularmente nas das ordens mendicantes que

não estivessem incorporadas numa instituição universitária.

Os autores estudados nas Faculdades portuguesas seriam, naturalmente, os

mesmos que se estudavam nas Universidades europeias, semelhantes à nossa. Assim,

teríamos, Prisciano na Gramática; Aristóteles na Lógica (Dialéctica); no Decreto, ou

seja, no Direito Canónico, o “Decretum” de Graciano, primeira codificação de

determinações Papais e conciliares e de opiniões dos Santos Padres e, mais tarde, as

“Clementinas”, (rescritos compilados por Clemente V e publicados por João XXII, em

1317; as regras do Direito Romano mandadas compilar pelo Imperador Justiniano, às

quais se dava o nome de “Digesto”; os livros de Hipócrates, Galeno e Avicena para a

Medicina.

O método de ensino não era diferente do usado nas instituições estrangeiras. A

Idade Média conheceu apenas uma maneira de ensinar, (exceptuando as primeiras

letras) que consistia em ler um determinado texto, interpretá-lo, resumi-lo, «descobrir

os seus pressupostos, tirar as suas consequências e resolver as suas contradições...». O

método de ensino académico compreendia: a “lectio” (lição) e a “disputatio”

(discussão).

Como base da lição existiam em todas as Faculdades determinados livros

considerando-se que neles estava reunida toda a ciência e que, sendo assim, o objectivo

consistia em que o mestre explicasse a matéria em questão aos estudantes e estes a

retivessem na sua memória. “Ler” era sinónimo de “ensinar”.

Alexandro de Hales (m. em 1245) famoso professor franciscano de Paris,

defendia que os objectivos principais da “lectio” eram a exposição do texto, o seu

comentário ou esclarecimento, a proposição de questões e a investigação e a conclusão

de resultados. Assim, pois, a missão da Universidade naqueles tempos não era a de

orientar para a investigação científica pessoal dos professores e a iniciação dos alunos;

tratava-se simplesmente de transmitir e aprender os conhecimentos existentes, sem a

preocupação de os aumentar com outros novos. Quer se tratasse da “Bíblia”, quer do

“Corpus Juris Civilis”, quer dos decretos Papais, quer da Física de Aristóteles, o texto,

interpretação e comentário constituíam «o ponto de partida e de chegada do mestre» e,

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Carlos Jaca 30

ao prestar as suas provas, o aluno devia demonstrar que tinha lido as obras referidas no

programa e que as tinha compreendido.

Em todas as Faculdades, juntamente com a “lectio”, praticava-se a “disputatio”,

que se considerava como meio instrutivo de análogo valor ao daquela. O objecto da

“disputatio”era demonstrar o domínio dos conhecimentos adquiridos na “lectio”, e

fazer, em certos casos, aplicação deles. Depois, tomando como ponto de partida

determinados princípios geralmente admitidos, extraíam-se deles conclusões lógicas

(”procedimento silogístico”) para decidir questões litigiosas. Um dia por semana

celebrava-se a “disputatio” solene, concorrendo todos os professores e alunos da

Faculdade; um mestre pronunciava uma conferência e, ao terminá-la, propunha certo

número de princípios (“tesis”) e sob a sua direcção começava imediatamente a

controvérsia. Os demais professores intervinham como adversários (“oponentes”)

seguindo uma ordem determinada, e aduziam as suas objecções (“arguir”); depoisl,

alguns bacharéis, sob a direcção do presidente, tratavam de rebater estes argumentos

(“responder”).

As aulas decorriam de manhã e de tarde e, para designar o respectivo horário,

adoptou-se a nomenclatura que a Igreja usava para certas práticas religiosas: “à hora de

prima” (manhã cedo) e “à hora de véspera” (ao fim da tarde) e, de modo análogo, se

dizia “lente de prima” e “lente de véspera”.

Os estudantes partiam para férias nos finais de Junho, segundo refere um

documento do tempo de D. Fernando: «é depois que chega o dia de São João que se vai

o estudo dessa cidade» (Coimbra) «e que ficam aí três ou quatro escolares, que são aí

moradores».

No que respeita aos graus académicos, os professores do Estudo Geral eram

designados por “mestres” e por “doutores”, porém, a distinção é algo confusa. O termo

“lente” ou “ledor”, que posteriormente, ficou a usar-se para referência a certos

professores universitários, só esporadicamente aparece nos documentos dos primeiros

tempos do Estudo Geral. A palavra, cujo significado é o “que lê”, provém do método

empregado no ensino em que o professor “lia” a lição escrita (a “lectio”) no livro

adoptado.

Os deveres dos mestres, tal como em Bolonha, estavam regulamentados com

certa minúcia. No começo do ano deviam jurar aos Santos Evangelhos que leriam bem e

a proveito dos escolares aquelas leituras que lhes fossem indicadas.

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Carlos Jaca 31

O “bacharel” correspondia ao grau mais baixo que se podia alcançar no termo

dos estudos, depois de sujeito a um exame público. O “bacharel” podia “ler” ou

“ensinar” desde que fosse sujeito a uma espécie de estágio preparatório, sob a direcção

do “doutor”, preparando a licenciatura. Ao fim de mais quatro anos de curso, o

“bacharel”, e desde que satisfizesse certas condições, era admitido a um exame, no

termo do qual lhe era concedida a “licença” para ensinar, passando, então, ao grau de

“licenciado”.

O grau de “doutoramento” exigia, para além do exame, uma cerimónia solene de

enorme aparato e muito dispendiosa para o candidato. O “doutorando” tinha de se

apresentar com traje de cerimónia e de alto preço e, também à sua custa, com traje

apropriado, o padrinho e o bedel: «Um cortejo de graduados e oficiais da Universidade

vinha buscá-lo a casa, com trombetas, e, depois de receberem do doutorando “cinco

coroas de ouro” para a Universidade, levavam-no solenemente à catedral. Após a

missa solene do Espírito Santo havia uma distribuição de capelos aos reitores, ao

chanceler e a todos os doutores, feita à custa do candidato, e de luvas para todos os

graduados, oficiais da Universidade e “pessoas notáveis” presentes. Seguia-se o

discurso do padrinho, a lição do doutorando, a resposta às arguições dos presentes, o

pedido do candidato para lhe serem concedidas as insígnias do grau, após o que era

chamado pelo padrinho, sentado na cátedra, onde recebia o capelo, o anel, o beijo

simbólico e a bênção. Tudo acabava num banquete ao pessoal participante na

cerimónia pago pelo novo doutor, seguido de uma cavalgada a caminho da Sé para

participar numa cerimónia religiosa».

Inicialmente, o Estudo Geral funcionava com dois tipos de professores: os

“doutores”, que recebiam o seu vencimento, e os “bacharéis” que “liam” gratuitamente,

preparando-se para alcançar o grau de “licenciados”. É o que parece concluir-se de uma

Carta de D. Dinis, datada de 1323, em que se faz referência aos vencimentos dos

professores do Estudo Geral e citando seis “mestres”, um para cada uma das seguintes

disciplinas: Leis, Decretos, Física (Medicina), Gramática, Lógica e Música.

O número de professores pode parecer muito reduzido, porém, ao lado daqueles

professores “ordinários”, não deixariam de existir outros, “extraordinários”, que

ensinavam gratuitamente, e seriam os tais candidatos a licenciados.

Já, anteriormente, me referi à fundação de colégios que, inicialmente, não foram

obra directa das Universidades, nem institutos de ensino, mas «simples hospícios, onde

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Carlos Jaca 32

os escolares sem recursos encontravam abrigo e alimentação a troco do cumprimento

de certos preceitos religiosos e piedosos».

Estas instituições multiplicaram-se em todos os meios universitários, inclusive

em Portugal, onde, pelo menos, um deles surgiu ainda antes da fundação da

Universidade, como foi o caso do “hospital” dos Santos Paulo, Elói e Clemente criado

em 1285, pelo Bispo D. Domingos Jardo, chanceler de D. Dinis, «para sustentar, além

de pobres “honrados”, seis estudantes», querendo a expressão «pobres honrados»

significar, provavelmente, religiosos mendicantes.

Mais tarde, estes colégios tornar-se-iam instituições parauniversitárias. Ainda no

início do séc. XV, não tinham em Portugal a função pedagógica que assumiram nas

principais Universidades da Europa. Numa carta expedida de Bruges, em 1427, para seu

irmão D. Duarte, o Infante D. Pedro, pedia que fossem instituídos na Universidade de

Lisboa, «colégios à imitação dos de Oxford e de Paris, dando como razão que o clero

português se revelava muito mal instruído – culpa certamente da escola onde se

formava», o que significaria um indício a acrescentar a outros, do pouco brilho dos

estudos universitários em Portugal na Idade Média e do seu atraso em relação aos países

adiantados da Europa.

Mudança para Coimbra (1308). A “Charta Magna Privilegiorum”.

Ainda não tinha decorrido o seu primeiro século de vida e já o Estudo Geral

sofrera diversas modificações na sua orgânica, para além de mudar com alguma

frequência de sede o que, segundo Henrich Denifle, constitui um facto único na história

das universidades europeias. António José Saraiva chama-lhe universidade vagabunda

«que até ao século XV não tinha sede fixa, nem instalações próprias, nem mestres

prestigiados». Fundada em Lisboa em 1290, é transferida para Coimbra em 1308, aqui

permanecendo trinta anos e regressando de novo à capital em 1338; ao cabo de

dezasseis anos é transferida para Coimbra, em 1354, para regressar a Lisboa, em 1377,

onde se manteve durante cento e sessenta anos. Em 1537, D. João III instalou-a

definitivamente em Coimbra, onde perdurou como instituição, sem concorrente, até

1911.

Porquê a mudança e para Coimbra?

Page 33: Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense

Carlos Jaca 33

Todas as cidades universitárias medievais assistiram, nem sempre de modo

pacífico, aos conflitos não só no seio da população escolar, mas também, e

principalmente, envolvendo estudantes e os moradores das cidades.

Lisboa, à época, era já uma cidade muito movimentada e com alguma agitação

e, por isso, talvez não fosse o lugar mais apropriado para sede de um estabelecimento de

tipo universitário. As frequentes desordens entre os estudantes e a população citadina,

provocadas pela natural irreverência da juventude e agravadas pelos privilégios

jurídicos do foro académico, e até por aqueles que sem frequentarem os estudos,

usavam o traje de estudante para se acobertarem com os privilégios dos escolares, iam

tomando tal dimensão que se impunha o encerramento do Estudo em Lisboa. A sua

mudança para uma localidade sem bulício, onde a vida da Corte e o movimento de uma

cidade marítima não convidassem às diversões, enfim, um ambiente sossegado que não

perturbasse a regularidade dos estudos.

As solicitações de D. Dinis ao Papa, que era então Clemente V, depois que este

se informou da necessidade de tal mudança, «graves dissenções e escândalos entre os

cidadãos daquela cidade, por um lado, e os estudantes, por outro, não podendo assim o

Estudo funcionar convenientemente, aquele rei [D. Dinis] suplicou-nos humildemente

que transferíssemos aquele Estudo para a cidade de Coimbra, que diz ser lugar mais

acomodado e conveniente, concedendo-lhe, e aos seus mestres e escolares, os

privilégios e indulgências que a eles concedera o nosso Antecessor [Nicolau IV]...».

foram atendidas pelo Pontífice que dirigiu as bulas, “Profectibus Publicis” e “Porrecta

Nuper”, respectivamente, ao Arcebispo de Braga, D. Martim de Oliveira, ao Bispo de

Coimbra, D. Estêvão Anes e ao Rei. As bulas, expedidas de Poitiers, em 26 de

Fevereiro de 1308, permitiram a mudança para Coimbra, cabendo aos referidos Prelados

os negócios da transferência, confirmavam os privilégios concedidos por Nicolau IV e

autorizavam, ainda, a anexação à Universidade de seis Igrejas do Padroado Real para

sustentação do Estudo.

Parecem ser evidentes as razões que

influíram no espírito de D. Dinis ao preferir

Coimbra para sede da Universidade.

Justificava-se a escolha da cidade do

Mondego não só pela sua situação geográfica

privilegiada, no coração do território

Page 34: Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense

Carlos Jaca 34

nacional, mas também pelo ambiente mais sossegado e propício ao estudo, pois

«pequena, de vida tranquila e pouco movimentada, esta cidade não continha no seu

seio, como Lisboa, elementos perturbadores que arrancassem os estudantes às suas

lucubrações escolares». Acrescente-se, ainda, e de não menor importância, o facto da

existência, no burgo conimbricense, de um notável centro de ciência e cultura, o

Mosteiro de Santa Cruz que, indubitavelmente, muito veio a contribuir para elevar o

nível dos estudos universitários.

Quanto à sua primeira localização não teria deixado de ser dentro da cerca de

Almedina. Uma tradição que remonta ao séc. XVI diz que o Estudo, depois de ter

funcionado algum tempo em casas de aluguer, se instalou (e esta é a tese aceite) junto

dos Paços da Alcáçova, (actual edifício central da Universidade), exactamente no local

onde, no séc. XVI, se construiu o Colégio de São Paulo, mais tarde o Teatro

Académico, posteriormente a Faculdade de Letras, e onde agora funcionam a Biblioteca

Geral e o Arquivo da Universidade.

É muito provável que as aulas tenham começado no ano em que foi expedida a

bula, (26 de Fevereiro 1308) e na época própria, isto é, após o Verão, pois existe um

documento, datado de Novembro de 1308, onde D. Dinis determina ordens relativas à

vida dos escolares. No entanto, só em 15 de fevereiro é que o Rei assina a “Charta

Magna Privilegiorum” que estabelece o Estudo Geral em Coimbra.

Dos vários diplomas que outorgou à Universidade, merece especial referência a

“Charta Magna Privilegiorum”, de 15 de Fevereiro de 1309, inspirada, ao que parece,

pela “Magna Carta” concedida por Afonso X, “O Sábio”, avô de D. Dinis, à

Universidade de Salamanca.

Alguns autores, e dos mais ilustres, entre eles os Professores Damião Peres,

Lopes de Almeida, Mário Brandão e Manuel Augusto Rodrigues, consideram que a

instalação do Estudo Geral em Coimbra não foi uma simples transferência, mas que o

“Rei-Poeta” fundava, sim, uma nova Instituição. Com efeito, o Estudo Geral instala-se

em Coimbra como uma nova fundação e não como a continuidade do de Lisboa.

No referido diploma, D. Dinis declara fundar e estabelecer “irrevogavelmente” a

Universidade em Coimbra, como se tratasse de uma primeira fundação, além de que,

curiosamente, não há qualquer referência ao Estudo Geral lisbonense, como se o Rei

quisesse evitar «que o desprestígio dos escandalosos sucessos de que a capital fora

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Carlos Jaca 35

teatro, maculasse a reputação da escola que carinhosamente acabava de transplantar

para Coimbra».

Assim, o documento de 15 de fevereiro de 1309, é considerado, por excelência,

o diploma solene da fundação da Universidade de Coimbra, equivalente à “Carta» de 1

de Março de 1290, que a instituíra em Lisboa, tratando-se, pois de uma segunda

fundação.

A “Charta Magna Privilegiorum”, como o nome indica, atribuía uma série de

privilégios ao Estudo Geral dos quais se apresenta uma síntese em relação aos pontos-

chave:

1.«D Dinis “funda e planta irradicavelmente” o Estudo Geral na Cidade do

Mondego (“in civitate nostra Colimbriensi quam prellegimus in hac parte fundamus et

plantamus irradicabiliter studium generalle”). Porém, até à sua fixação definitiva em

Coimbra, em 1537, a Universidade passou por várias alternâncias de localização entre

Lisboa e Coimbra;

2. São indicadas as matérias (Faculdades) a leccionar: Direito Canónico,

Direito Civil, Medicina, Dialéctica e Gramática (Artes), as mesmas indicadas na bula

de Nicolau IV. A Teologia seria ensinada nos conventos dos religiosos dominicanos e

franciscanos, (“a fim de, como muro inexpugnável, a Fé Católica ficar bem defendida

dos que tentassem contra ela arremeter”). Não há referência ao ensino da Música, que

era tradicionalmente da responsabilidade do clero.

3. Os estudantes, seus bens e familiares são tomados sob a protecção do rei.

4. O monarca ordena a todas as justiças do reino, sob penas graves, que

defendam os escolares e seus criados e haveres de toda a vexação.

5. Mais ordena que nenhum morador de Coimbra faça qualquer agravo aos

estudantes ou aos seus criados.

6. Determina que, se alguém quiser levar os estudantes a tribunal, o faça

perante os juízes ordinários, ou seja, o Bispo ou o seu vigário-geral, ou ainda o mestre-

escola, no caso de se tratar de assunto que a este diga respeito.

7. Proíbe ao alcaide e justiças de Coimbra que, de forma alguma, levem os

estudantes perante o juízo secular, a menos que tenham sido apanhados em homicídio

ou a provocar ferimentos, em furto ou rapina, em rapto de mulheres, ou fabrico de

moeda falsa.

8. Concede que os alunos elejam os seus reitores e conselheiros, o bedel e

outros oficiais.

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Carlos Jaca 36

9. Autoriza que a Universidade tenha arca e selo próprio.

10. Concede que os estudantes possam elaborar Estatutos para a Universidade.

11. Ordena que sejam eleitos todos os anos dois homens probos do concelho de

Coimbra e dois escolares idóneos para tratarem dos problemas relativos à residência

estudantil, quando surgirem dúvidas a tal respeito: eram os taxadores que ficavam

encarregados de avaliar os justos preços das rendas das casas. Este assunto merece ao

monarca uma atenção muito especial ao longo da “Charta Magna”.

12. Os estudantes não poderiam ser postos fora das casas onde moravam ou

delas expulsos, desde que tivesse havido acordo quanto às rendas a pagar. Tal

disposição só podia ser revogada no caso de os donos pretenderem as moradias para

nelas residirem, ou para as venderem ou oferecê-las por ocasião do matrimónio de seus

filhos, ou ainda para doá-las a alguém da sua linha descendente.

13. Concede que na Chancelaria Régia se não cobre nada pelos privilégios e

liberdades da Universidade, ou ainda em razão do selo ou da cera, de escrituras ou por

qualquer outro motivo.

14. Proíbe que cortesãs, soldados ou jograis se intrometam na vida dos

escolares ou frequentem as suas casas, a fim de lhes ser garantida a máxima

tranquilidade. Anualmente devia um pregoeiro público anunciar este capítulo de

privilégios pela cidade de Coimbra, para que ninguém pudesse alegar desconhecimento

ou ignorância.

15. Concede aos estudantes que se desloquem ao Estudo Geral com as suas

cavalgaduras, livros, criados e alfaias sem terem de pagar portagem em qualquer parte

do reino. Esta determinação devia ser comunicada aos alvazis de Coimbra para que

passassem cartas abonatórias sempre que os estudantes lhas solicitassem para as suas

deslocações.

16. Ordena que os alunos da Universidade possam levar consigo livremente

quaisquer mantimentos.

17. Ordena que dois homens probos da cidade de Coimbra sejam os

conservadores da Universidade, para que velem pelos privilégios dos estudantes e de

outras pessoas a eles ligadas e informem o monarca de tudo o que achem conveniente.

Como é bem evidente a “Charta Magna Privilegiorum”, pela qual D. Dinis dava

existência legal ao novo Estudo Geral, concedia aos seus escolares amplos direitos e

prerrogativas, cujo cumprimento procurou ainda assegurar por largo número de

provisões.

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Carlos Jaca 37

Em Coimbra a atitude da população, tal como em Lisboa, foi de alguma

hostilidade para os escolares, tanto que, no próprio dia em que o Rei estabelece a

renovada Instituição (15 / Fev. / 1309), assina uma outra carta em que declara «tomar os

estudantes sob sua protecção, proibindo que alguém lhes faça mal, os fira, ou os

incomode de qualquer forma».

Um dos principais problemas que D. Dinis teve de resolver, ao fixar os

“Estudos” em Coimbra, foi o do alojamento dos estudantes que, aliás, era comum a

todas as cidades universitárias. Obviamente que tal dificuldade exigia da parte dos

governantes e pontífices uma legislação protectora dos escolares, uma vez que à

escassez de residências acrescia a manifesta má vontade dos proprietários em alugá-las

pela justa renda aos estudantes, porquanto, estes eram, como inquilinos, considerados

indesejáveis.

Apesar das medidas tomadas, as resistências persistiam. Assim, três anos depois,

em 1312, o problema da instalação dos escolares em casas alugadas estava ainda por

resolver, queixando-se o Rei que, por dificuldade de habitação, alguns estudantes se

viam privados dos estudos e desistiam de vir a segui-los em Coimbra.

Para vencer a resistência dos proprietários, o Rei chegou ao ponto de determinar

que as moradias devolutas fossem destinadas a habitações escolares, mesmo contra a

vontade dos seus donos e isentas do pagamento de renda durante um ano: «Que alguns

[proprietários] têm casas de aluguer nessa vila, da porta de Almedina para cima, e que

as não querem alugar aos escolares, e que dizem que querem morar nelas, e que

moram nelas por algum pouco de tempo, e vão-se delas. E que isto que o fazem por não

pousarem nem morarem os escolares nelas porque vos mando que constrangedes

(obrigar à força) todos aqueles que da porta de Almedina acima têm casas para alugar

que as aluguem aos escolares antes que a outros quaisquer. E se nisto os donos das

casas algum engano fizerem dizendo que querem nelas morar, e moram nelas por

algum pouco tempo, ou fizerem nelas outro engano por nelas não morarem os

escolares, e se forem delas, e derem a outrem, não o possam fazer, e vós filhade-as (isto

é, tirai-as aos donos) e dáde-as aos escolares que nelas morem e nesse ano não dêem

aluguer delas».

Porém, a hostilidade acentuava-se e prolongava-se. Apesar da “Charta Magna”

garantir a segurança pessoal dos escolares, estes não se consideravam tranquilos, o que

terá levado D. Dinis a ordenar por “Carta”, de 29 de Dezembro de 1317, à proibição de

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Carlos Jaca 38

que os estudantes que se dirigissem para o “Estudo” fossem maltratados «e enquanto

nele estivessem, e bem assim nos quinze dias seguintes à sua saída de Coimbra de

forma a terem tempo de chegar a suas terras».

Tudo permite supor que a população reagia à presença dos estudantes, e o facto é

que, trinta anos depois, o “Estudo” regressava a Lisboa.

Transferência para Lisboa (1338).

Com efeito, após trinta anos de estadia em Coimbra, o Estudo Geral volta a

Lisboa, instalando-se, provavelmente no primitivo local em que já estivera, o “Campo

da Pedreira”.

Por “Carta” de 17 de Agosto de 1338, D. Afonso IV ordena a transferência do

“Estudo” para a Capital sob o pretexto de desejar fixar-se durante grande parte do ano

na cidade de Coimbra: «e como as pousadas que são dentro na cerca dessa vila em que

soem de [costumam] de pousar os escolares que estão no meu Estudo Geral que até

agora foi nessa vila, adur [dificilmente] podem avondar [abundar) para os meus

oficiais e para os que vivem na minha mercê, e como por razão dessas pousadas

recrescem às vezes voltas e pelejas grandes entre eles... e havido por vezes conselho

sobre isto com prelados e letrados da minha terra que estiveram em outros Estudos

Gerais... foi acordado por todos que era serviço de Deus e meu, e prol [proveito] de

minha terra, não estar mais o dito Estudo na dita cidade de Coimbra e mudar-se à dita

cidade de Lisboa, que é a melhor e mais convenhável para isso de todas as outras do

meu Senhorio».

O Professor Veríssimo Serrão afirma que a justificação de D. Afonso IV terá

sido um expediente para a nova transferência, e que a razão seria válida, caso o monarca

tivesse ido muitas vezes residir em Coimbra, só que... «nos anos de 1338 a 1342

mostram os seus itinerários que não o fez com regularidade». O que parece evidente é

ter havido interesse em atrair professores e desenvolver a vida escolar, daí a razão da

mudança.

Porém, logo à partida, a transferência da Instituição deparou-se com dificuldades

de ordem financeira e eclesiástica – as rendas para a sua sustentação – pela recusa da

Ordem de Cristo em transferir para Lisboa os compromissos assumidos com o “Estudo”

de Coimbra. Esta recusa levou D. Afonso IV a solicitar ao Papa, Clemente VI,

autorização para se aplicar a esse fim as rendas de algumas igrejas do Padroado Real,

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até à quantia de 3.000 libras anuais, o que só foi concedido por bula de 10 de Janeiro de

1345, em que encarregava os Bispos de Évora e Lisboa de lhe darem execução o que

levou algum tempo (entre três a quatro anos), devido à oposição movida pelos priores

das igrejas designadas a contribuir, visto a grave diminuição das suas rendas.

Ao fim e ao cabo, o estabelecimento da Universidade em Lisboa não deixou de

causar novos conflitos e abusos motivados pelas prepotências e rivalidades entre

estudantes e lisboetas.

Os moradores da cidade, a quem uma ausência da Instituição durante trinta anos

fizera, praticamente, esquecer os agravos passados, constatavam agora, novamente, que

a honra de terem dentro dos seus muros um Estudo Geral, não deixava de oferecer

desvantagens, porquanto, tratava-se de uma «corporação privilegiada, cujas

prerrogativas naturalmente irritavam ou prejudicavam quem delas não participava...».

Durante dezasseis anos, apenas, se conservou a Universidade em Lisboa, pois

em Dezembro de 1354 a encontramos já de regresso a Coimbra.

Os motivos que levaram D. Afonso IV a mudar de opinião e a decidir a

transferência do “Estudo” para Coimbra desconhecem-se, porém, o que podemos

garantir é que em Lisboa já não existiam condições para o seu normal funcionamento.

Desconhece-se o diploma que determinou o regresso da Universidade à “Lusa-

Atenas”, e embora os documentos sejam omissos no que diz respeito a perturbações

internas, não será de todo descabido supor que teria sido, muito provavelmente, a

repetição de litígios entre estudantes e burgueses a levar D. Afonso IV a seguir o

exemplo paterno.

Fosse pelo que fosse, a transferência do “Estudo” processou-se com tal urgência

que o monarca só depois de a efectuar solicitou autorização ao Papa, ao mesmo tempo

que lhe pedia licença para a aplicação de 3000 libras anuais às despesas universitárias, a

pagar pelas rendas eclesiásticas.

Regresso a Coimbra (1354).

A Universidade instalou-se em Coimbra no ano lectivo de 1354-1355, visto que,

pelo menos, já em Dezembro de 1354 se encontrava nesta cidade, como consta da

“Carta” de provisão de 6 do mesmo mês, pela qual concede ao referido Estudo «todos

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Carlos Jaca 40

os privilégios que seu pai lhe tinha concedido e todos os que ele lhe concedeu antes de

ser removida para Lisboa, como estando em Lisboa».

Em Maio de 1357, falecido D. Afonso IV, sobe ao trono seu filho, D. Pedro I,

que, por “Carta” de 7 de Setembro do mesmo ano, confirma à Universidade todos os

privilégios que lhe foram concedidos pelos Reis seus antecessores. Igualmente, achou

por bem promulgar uma série de documentos com o fim de renovar o “Estudo”, só que a

crise universitária tinha raízes profundas, principalmente pela carência de professores e

pela frequência de alunos, preferindo muitos deles permanecer nas suas moradas a

assistir aos cursos. Acontecia, de facto, que alguns bacharéis e escolares começaram, a

ensinar particularmente a estudantes, nas suas moradas ou em outros lugares, e não no

edifício universitário, o que parece ter certo paralelismo com a figura do “explicador”,

os “privata docentes”, dando lições particulares fora da Instituição universitária.

Tal situação chegou ao conhecimento do Rei como consta da “Carta” de 22 de

Outubro de 1357, dirigida aos Reitores e Conservadores da Universidade, ordenando

que não consintam aos bacharéis

e escolares, ou a qualquer outro,

«que fora das ditas escolas leiam

nessa cidade a nenhum escolar,

nem lhe dê lição nenhuma salvo

de “Partes”, ou de “Regras”, ou

de “Gatão”, ou de “Cártula”,

ou destes “livros menores”, e

não de outros “livros maiores”.

E se cada um dos livros maiores

quiserem ler, constrangêde-os

[obrigai-os] que venham ler às

ditas escolas que são tais e

tamanhas em que lhes bem

podem ler, e com mais prol

[proveito] dos escolares e honra

desse Estudo».

A classificação, “livros

menores” e “livros maiores", é

uma referência às Faculdades que constituíam o Estudo Geral, considerando-se

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Carlos Jaca 41

“maiores” a de Leis, Cânones e Medicina, e “menor” a das Artes, uma vez que as

disciplinas do “Trivium” e do “Quadrivium” eram tidas como elementares e de

precedência às outras.

A “Carta” de 1357 é também um documento notável na medida em que nos

informa sobre os livros adoptados, então, nas Artes: as “Partes” referem-se às partes da

“Summa Theologica” de São Tomás; as “Regras” são o nome vulgar do “Quimcumque

vult” ou “Símbolo de Santo Atanásio”, regras que dizem respeito à fé católica; o

“Gatão”, abreviatura do título “Distica Catonis”, colecção de breves composições

poéticas que eram estudadas no estudo da métrica de versificação. Estes e outros livros

“menores” não citados podiam ser “lidos”, particularmente, fora do Estudo Geral, os

livros “maiores”, não.

A análise dos diplomas régios deste período, no que diz respeito à instalação dos

escolares, revela-nos as dificuldades já encontradas nos reinados anteriores, bem como a

má vontade manifestada contra os seus privilégios, situação que, em boa parte, deve ter

contribuído, para o facto de a Universidade não se ter fixado definitivamente em

Coimbra antes da época de D. João III.

À medida que o tempo decorria as dificuldades agravavam-se, como demonstra

uma “Carta” de D. Pedro I, datada de 19 de Outubro de 1358: «Outrossim me enviaram

que eles [os escolares] não podem haver casas de aluguer na dita Almedina como lhe é

cumpridouro

porque as pessoas

de quem são essas

casas as põem e

pedem por elas

grandes preços e

desaguisados

[discórdias], e há os

que as alugam a

alguns

maliciosamente

para as não

poderem haver os escolares por seus alugueres». Em face desta situação, o Rei

“Justiceiro” ordenava aos alvazis (funcionários de justiça) de Coimbra e ao

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Conservador do “Estudo” que vissem as casas de aluguer e outras moradias de

Almedina que os seus proprietários pudessem “razoavelmente” dispensar, arrendando-

as pelo justo preço.

Por morte de D. Pedro, sucedeu-lhe seu filho, D. Fernando que, como novo rei, e

segundo a praxe, confirmou à Universidade todas as mercês e privilégios que lhes

tinham concedido os Reis seus antecessores, «e seus bons usos e costumes».

Logo no início do seu reinado teve necessidade de assinar nova “Carta” (13-7-

1367) a proibir alguns actos contra os escolares. Por este tempo, D. Fernando

encontrava-se em Coimbra e, com o monarca, a Corte que arrastava consigo grande

número de servidores. Alguns destes, talvez pelo facto de serem pouco “abonados”

vieram a instalar-se, indevidamente, nas moradas dos próprios estudantes que se

encontravam ausentes de Coimbra, por serem férias, chegando mesmo a dispor

livremente dos seus pertences.

Pela referida “Carta”, D. Fernando tratou de pôr termo à usurpação ordenando

ao Alcaide, aos Alvazis e demais autoridades de Coimbra para proceder à expulsão dos

intrusos «qualquer que fosse a sua

categoria”.

É admissível que tivessem sido as

quezílias, graves e contínuas, entre

estudantes e moradores que levaram o Rei à

necessidade de tentar resolver tal “statu

quo”, determinando que o “Estudo” mudasse

de lugar, sem sair da Cidade, da zona

coimbrã de “Almedina” (nome que se

perpetuou na toponímia da “Lusa-Atenas”)

para o “arrabalde”, onde mandou procurar

casas convenientes para nelas o instalar, bem

como moradas para os estudantes.

Não há a certeza se foi concretizada

tal determinação, porém, se a mudança para o “arrabalde” chegou a realizar-se, foi por

pouco tempo visto que, passados sete anos, D. Fernando transferia novamente o

“Estudo” para Lisboa, onde iria permanecer cerca de 160 anos.

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As Cortes de Lisboa (1371). Propósitos de reforma.

No ano seguinte, em 1371, o Rei “Formoso” reúne Cortes em Lisboa onde, entre

outros assuntos a tratar, se procurava encontrar uma solução urgente para a carência de

professores no Estudo Geral:

[...] «uma das mais nobres coisas» – diz o relato dos temas tratados nas Cortes

de 1371 – «que no mundo o rei pode haver porque mais prol vem à sua terra, é haver

nela homens letrados e entendidos, e que porém os reis que ante nós foram olhando

como lhes isto era mui necessário, trabalharam-se de haver neste reino Estudo Geral

de que os homens pudessem aprender ciência para por ela ser sua terra mais nobre, e

foi-lhes outorgando por o Papa com certas rendas que para os encargos do dito estudo

deram, as quais rendas sempre foram em mão dos reis que ante nós foram para eles

pagarem os lentes e os outros que cumpriam ao dito estudo e que eram ora na nossa, e

que o dito estudo não era reformado de lentes como lhe convinha, e fazia mister, por a

qual razão muitos da nossa terra se iam fora dela aprender» [...] «e pediam-nos por

mercê que quiséssemos isto olhar e fizéssemos reformar o dito estudo de bons lentes em

cada ciência quanta lhe faz mister. A este artigo respondemos e dizemos que nosso

talante (prazer) é de haver lentes em o estudo cada que os pudemos haver tais com que

os escolares possam aproveitar».

Reflectindo sobre o “Relato das Cortes de Lisboa” (1371), torna-se evidente a

necessidade de uma Reforma da Universidade, pelo menos no que toca ao corpo

docente, pretendendo-se, pois, não só a presença de bons lentes, mas também aqueles

que fossem precisos para o bom funcionamento das matérias programadas. Vivia-se

uma “hora” de crise, a falta de lentes e até de alunos era notória.

A resolução a tomar, e que satisfazia o pedido das Cortes, seria, ao que parece, o

convite a professores estrangeiros que viessem leccionar para Portugal o que, como se

verá, implicaria uma nova transferência da Instituição para Lisboa.

De facto, as dificuldades agravadas pela falta de professores, pela falta de

instalações para estes e para os escolares, bem como o difícil relacionamento entre os

estudantes e as próprias autoridades municipais e oficiais, terão obrigado o Rei a

ponderar e, considerar como vantajosa, uma nova transferência do “Estudo” para a

Capital. Assim foi.

Se em relação à transferência anterior se desconhecem as razões que a

aconselharam, e apenas é lícito formular conjecturas mais ou menos razoáveis, a

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respeito da mudança em 1377 sabe-se o que levou D. Fernando a realizá-la ou, pelo

menos, o pretexto que invocou para a determinar. Efectivamente, a última transferência

da Universidade, em limites cronológicos da Idade Média, ordenada por “Carta” régia

de D. Fernando, em 3 de Junho de 1377, regulamentando-lhe a sua instalação e

funcionamento, parece filiar-se na intenção de uma verdadeira reforma.

O Rei começa por fazer saber «a quantos esta carta virem», que é sua obrigação

aumentar o número de letrados no País, ou seja, promover e favorecer o progresso do

ensino: [...] «a nós pertence de nossa terra ser acrescentada de letrados tais que seja

bem regrada em direito e em justiça, porque a majestade do rei ou príncipe não

somente deve ser aformoseada pelas armas mas ainda deve ser pelas leis e direitos por

aqueles que dos direitos são sabedores. Por isso queremos que os nossos direitos sejam

acrescentados de letrados para que sejam mantidos em direito e justiça... E vendo e

considerando que se o nosso estudo que ora está na cidade de Coimbra fosse mudado

na cidade de Lisboa, que na nossa terra poderia haver mais letrados que haveria se o

dito estudo na dita cidade de Coimbra estivesse, por alguns lentes que de outros reinos

mandámos vir não queriam ler senão na cidade de Lisboa. Por isso, havendo sobre isto

acordo com os do nosso conselho, mandámos que o dito estudo, que ora está na cidade

de Coimbra, seja em a dita cidade de Lisboa pela guisa (maneira) que antes soía

(costumava) de estar...».

Curiosamente, em toda a “Carta”, não há referência ao ensino de qualquer outra

matéria; o que sobressai é a importância atribuída ao ensino do Direito, destacando-se

de todas as outras disciplinas, «não porque o brilho da excelência dos seus mestres

cativasse o público estudantil mas pela mais fácil colocação que a sociedade do tempo

dava aos que se habilitavam nessa matéria», a que poderá acrescentar-se o facto de, já

por esta época, últimos tempos da Idade Média, na Europa, devido sobretudo ao influxo

do Direito Romano e à acção dos “legistas”, se ter começado a defender o princípio

cesarista de que a «vontade do Príncipe tem força de lei».

Assim, pode concluir-se, sem qualquer dúvida, que a solução para reformar o

“Estudo” passava pela vinda de professores do estrangeiro, particularmente para

ensinarem o Direito, situação que dependia, exclusivamente, da fixação da Universidade

em Lisboa.

O Rei, de facto, como já se vira, por outras medidas, estava empenhado em

proteger e favorecer a Universidade e, pretendendo dar-lhe prestígio, procurou

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“injectar-lhe” novo vigor, contratando professores no estrangeiro. Porém, como revela a

“Carta” régia, alguns deles recusavam-se a ensinar fora de Lisboa, certamente por

Coimbra ser uma terra pequena e de recursos modestos, (além de que a Capital era onde

residia habitualmente) o que terá sido decisivo para a quarta mudança do Estudo Geral

em menos de um século de existência.

Novamente em Lisboa (1377). A Universidade “fernandina”.

Por via das sucessivas mudanças de sede, alguns autores atribuíram ao “Estudo

Geral”, na sua primeira fase, a designação de “Universidade Lisboa-Coimbra” o que, de

facto, constitui, como já se referiu, caso ímpar na história das universidades europeias.

De novo, e pela última vez em Lisboa, a Universidade instalou-se nas mesmas

casas do “Campo da Pedreira”, onde, aliás, sempre estivera. Porém, nos documentos

encontra-se esse local designado com duas novas indicações: junto à “Porta da Cruz”,

pelo facto de então Lisboa ter sido cercada por uma muralha ordenada por D. Fernando,

onde se abrira essa porta, e na “Moeda Velha”, porque ali se estabelecera a “Casa da

Moeda”, depois que a Universidade foi mudada para Coimbra, passando desde 1377

para os Paços chamados do “Limoeiro”. As casas das escolas ficaram com a dominação

popular da “Moeda Velha”, sem contudo deixarem de ser as mesmas a que se referem os

documentos do reinado de D. Dinis.

Como se sabe, a fim de que o Estudo Geral funcionasse eficientemente e

beneficiasse de certas prerrogativas era necessário o consentimento papal. Essa a razão

por que D. Dinis, relativamente à fundação, e os seus sucessores, por via das sucessivas

andanças da Universidade, comunicassem ao Santo Padre as suas intenções solicitando-

lhe a necessária aprovação. Aconteceu que D. Fernando, ao que parece, não participou a

Roma a transferência do “Estudo”, o que veio a provocar uma situação complicada,

porquanto, para fazer face ao pagamento dos professores e muitas outras despesas, eram

necessárias as rendas eclesiásticas, as quais, só o Vaticano poderia autorizar. Deste

modo a transferência não decorreu sem dificuldades, pois, parece que, durante três anos

o “Estudo” viveu apenas do nome, o que levou muitas dezenas de estudantes a fixarem-

se, então, nas Universidades do Sul de França – Toulouse, Avinhão e Montpellier –

procurando a obtenção de graus que em Portugal não lhes era possível alcançar.

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Com efeito, o principal problema da Instituição parece ser o dos docentes, tanto

mais que se ignora se os lentes estrangeiros chegaram a ensinar, nem se conhece o seu

nome, e o certo é que, depois de já transferida, em Janeiro de 1378, a Universidade pede

ao Rei que designe lentes (“ledores”) que ensinem Gramática, Lógica, Leis e Decretais

(Direito Canónico).

Entre 1377-1378, as dificuldades agravaram-se, período em que o “Estudo”

viveu sem o apoio eclesiástico, sendo depois a crise vencida com a concessão de outros

privilégios reais e pontifícios.

D. Fernando deixara correr três anos sem solicitar, ou pelo menos obter, a

anuência de Roma, demora essa que pode ser, em parte, explicada pelo falecimento de

Gregório XI, em 27 de Março de 1378 e pelo Grande Cisma provocado pela eleição do

seu sucessor.

Em 7 de Junho de 1380, o novo Pontífice, o antipapa de Avinhão, Clemente VII,

a quem o nosso Rei prestava obediência, (um ano depois, consoante os interesses da

política portuguesa, já apoiava Urbano VI, Papa de Roma) autoriza o funcionamento de

um “Estudo”, «de acordo com os termos do pedido de D. Fernando que, por não ter

solicitado a transferência na devida altura se via obrigado a pedir autorização para a

fundação de um “Estudo”, como se nenhum tivesse existido anteriormente»,

determinando que «na dita cidade [Lisboa] haja um estudo geral que ali vigore para

todo o sempre, tanto em Direito Civil como em qualquer outra faculdade permitida,

excepto na de Teologia». Concedia, ainda, os tradicionais privilégios e revalidava

também o que a bula de 1290 estabelecia sobre os graus académicos (conferidos pelo

Bispo de Lisboa), a “facultas ubique docendi”, para permitir que todos aqueles que

adquirissem o grau de lente ou mestre pudessem ensinar não só no Estudo de Lisboa,

como em qualquer outro Estudo Geral.

Finalmente, e da maior importância para a sustentação da Universidade,

determinava que certas Igrejas portuguesas contribuíssem com rendas anuais, a fim de

remunerar os professores e o bom funcionamento da Instituição.

À data da morte de D. Fernando, 1383, o Estudo Geral, que estava a meia dúzia

de anos de completar um século de existência apresentava, e já se disse anteriormente,

uma característica singular: a instabilidade. As várias mudanças sofridas entre Lisboa e

Coimbra e Coimbra e Lisboa, para além dos enormes contratempos, paralisando

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praticamente, por vezes, a Instituição, teriam sido a principal causa do desaparecimento

de documentação da sua actividade pedagógica.

Naturalmente, que essa instabilidade não a permitia enraizar, nem, portanto,

progredir. Também, pelo menos, através das notícias que chegaram até nós, o Estudo

Geral português, durante o seu primeiro século de vida, não terá primado pela

notabilidade dos seus mestres, «cujos diplomas valiam pouco, mesmo dentro das

fronteiras do Reino». A própria “Carta” dá a entender que o ensino era ministrado

precariamente, determinando que «os lentes no começo do estudo jurassem aos Santos

Evangelhos nas mãos dos reitores que lessem bem e a proveito dos escolares aquela

leitura que lhes for, e continuassem até Santa Maria de Agosto. E que os lentes da

manhã, em Direito, fizessem ao menos dois autos (sessões práticas) no ano para os

escolares haverem modo de arguir...».

Ao fim e ao cabo, a desejada criação de um Estudo Geral no nosso País não

evitou que os estudantes portugueses continuassem a frequentar as Universidades

estrangeiras. Gama Barros, conhecido pela sua obra monumental “História da

Administração Pública em Portugal”, chama a atenção para a preponderância dos

“legistas” na vida nacional, preponderância «definitivamente estabelecida» no início da

segunda dinastia. E mais, diz: «Eram, no entanto, as escolas estrangeiras que

ministravam a ciência aos nossos compatriotas, porque, segundo se afirmava nas

Cortes de Lisboa, (1371) havia muitos portugueses que iam fora do país seguir os

estudos, que na Universidade, pelo seu estado decadente não estava no caso de lhes

proporcionar».

De qualquer modo, não há dúvida que o último Rei da primeira dinastia, D.

Fernando, cuja morte abriu uma crise política e social, tinha lançado as bases de uma

nova Universidade, de um plano geral de reformas, que vieram a ter execução com D.

João I.

Porém, as providências pedagógicas do fundador da dinastia de Aviz e de seu

filho, o Infante D. Henrique, primeiro “protector” da Universidade, ultrapassam já o

limite fixado para esta primeira parte.