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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL 1.011.733 - MG (2007/0284660-3) (f) RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA RECORRENTE : LHANO NELSON ADVOGADOS : RONALDO BRETAS DE CARVALHO DIAS E OUTRO(S) CRISTIANO REIS GIULIANI RECORRIDO : ANTÔNIO LUCIANO PEREIRA NETO ADVOGADO : PAULO EDUARDO ALMEIDA DE MELLO E OUTRO(S) RECORRIDO : ANA LÚCIA PEREIRA GOUTHIER ADVOGADA : ROSA MARIA CARVALHO PINHO TAVARES E OUTRO(S) RECORRIDO : CLARA LUCIANO HENRIQUES E CÔNJUGE ADVOGADO : CARLOS MAGNO DE ALMEIDA EMENTA RECURSO ESPECIAL - LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - RECONHECIMENTO DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DOS AUTORES DA AÇÃO E CONDENAÇÃO DESTES À REPARAÇÃO AOS DANOS PROCESSUAIS - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA - NÃO OCORRÊNCIA - "LIQUIDAÇÃO ZERO" - ADEQUAÇÃO DO JULGADO AOS DANOS QUE RESTARAM NÃO QUANTIFICADOS E, PORTANTO, NÃO DEMONSTRADOS - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. I - O reconhecimento da litigância de má-fé acarreta ao improbus litigator a imposição de multa, de caráter punitivo, bem como a condenação à reparação pelos prejuízos processuais decorrentes de sua conduta processual, esta de caráter indenizatório. Tais reflexos, portanto, não se confundem; II - A liquidação por arbitramento, na espécie, destina-se a quantificar os prejuízos processuais, e não materiais, que o liquidante suportou decorrente da conduta processual dos autores da ação. Para tanto, revela-se necessário evidenciar o fato processual praticado pelos autores da ação que ensejou a condenação destes à indenização pelas perdas e danos (processuais, portanto), e aferir, de acordo com a moldura fática delineada pelas Instâncias ordinárias, se o mencionado fato processual repercute nos danos alegados pelo liquidante; III - Na hipótese dos autos, o reconhecimento da litigância de má-fé dos autores da ação decorreu da utilização da tese inverídica, consistente na impossibilidade de continuidade do vínculo obrigacional, por perda de objeto pelo desaparecimento da legítima do réu, decorrente de sua deserdação (fato que não se verificou); IV - As Instâncias ordinárias, ao contrário do que sustenta o ora recorrente, não excluíram a condenação por perdas e danos processuais, reconhecida definitivamente, na sentença, mas sim, quando de seu arbitramento, chegaram à conclusão de que o quantum debeatur é zero, o que, de forma alguma, significa inobservância da coisa julgada. É o que autorizada doutrina denomina "liquidação zero", Documento: 1059674 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 26/10/2011 Página 1 de 27

Liquidação Zero Danos Devidos Mas Inexistentes

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.011.733 - MG (2007/0284660-3) (f) RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDARECORRENTE : LHANO NELSON ADVOGADOS : RONALDO BRETAS DE CARVALHO DIAS E OUTRO(S)

CRISTIANO REIS GIULIANI RECORRIDO : ANTÔNIO LUCIANO PEREIRA NETO ADVOGADO : PAULO EDUARDO ALMEIDA DE MELLO E OUTRO(S)RECORRIDO : ANA LÚCIA PEREIRA GOUTHIER ADVOGADA : ROSA MARIA CARVALHO PINHO TAVARES E OUTRO(S)RECORRIDO : CLARA LUCIANO HENRIQUES E CÔNJUGEADVOGADO : CARLOS MAGNO DE ALMEIDA

EMENTA

RECURSO ESPECIAL - LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - RECONHECIMENTO DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DOS AUTORES DA AÇÃO E CONDENAÇÃO DESTES À REPARAÇÃO AOS DANOS PROCESSUAIS - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA - NÃO OCORRÊNCIA - "LIQUIDAÇÃO ZERO" - ADEQUAÇÃO DO JULGADO AOS DANOS QUE RESTARAM NÃO QUANTIFICADOS E, PORTANTO, NÃO DEMONSTRADOS - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

I - O reconhecimento da litigância de má-fé acarreta ao improbus litigator a imposição de multa, de caráter punitivo, bem como a condenação à reparação pelos prejuízos processuais decorrentes de sua conduta processual, esta de caráter indenizatório. Tais reflexos, portanto, não se confundem;

II - A liquidação por arbitramento, na espécie, destina-se a quantificar os prejuízos processuais, e não materiais, que o liquidante suportou decorrente da conduta processual dos autores da ação. Para tanto, revela-se necessário evidenciar o fato processual praticado pelos autores da ação que ensejou a condenação destes à indenização pelas perdas e danos (processuais, portanto), e aferir, de acordo com a moldura fática delineada pelas Instâncias ordinárias, se o mencionado fato processual repercute nos danos alegados pelo liquidante;

III - Na hipótese dos autos, o reconhecimento da litigância de má-fé dos autores da ação decorreu da utilização da tese inverídica, consistente na impossibilidade de continuidade do vínculo obrigacional, por perda de objeto pelo desaparecimento da legítima do réu, decorrente de sua deserdação (fato que não se verificou);

IV - As Instâncias ordinárias, ao contrário do que sustenta o ora recorrente, não excluíram a condenação por perdas e danos processuais, reconhecida definitivamente, na sentença, mas sim, quando de seu arbitramento, chegaram à conclusão de que o quantum debeatur é zero, o que, de forma alguma, significa inobservância da coisa julgada. É o que autorizada doutrina denomina "liquidação zero",

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situação que, ainda que não desejada, tem o condão de adequar à realidade uma sentença condenatória que, por ocasião de sua liquidação, mostra-se vazia, porquanto não demonstrada sua quantificação mínima e, por conseguinte, sua própria existência;

V - Não há como prosperar a pretensão do liquidante, ora recorrente, no sentido de que o arbitramento deveria se pautar na apuração do valor da cota hereditária a ele devida, ante o alegado descumprimento contratual por parte dos autores da ação. Primeiro, porque, como expressamente consignado pelas Instâncias ordinárias, inexiste prova da perda do quinhão hereditário. Segundo, e principalmente, porque o reconhecimento da alegada perda do quinhão hereditário, em razão do também alegado descumprimento contratual por parte dos autores, em nenhum momento foi objeto da ação em que se formou o presente título liquidando;

VI - Na verdade, conferir à presente liquidação contornos mais abrangentes daqueles gizados na ação de resolução parcial do contrato, dissonante, portanto, de seu objeto, tal como pretendido pelo ora recorrente, redundaria, inequivocamente, à tangibilidade da coisa julgada, o que não se afigura, na espécie, permitido;

VII - Recurso Especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator, a Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Nancy Andrighi (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 1º de setembro de 2011(data do julgamento)

MINISTRO MASSAMI UYEDA

Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.011.733 - MG (2007/0284660-3)

RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDARECORRENTE : LHANO NELSON ADVOGADOS : RONALDO BRETAS DE CARVALHO DIAS E OUTRO(S)

CRISTIANO REIS GIULIANI RECORRIDO : ANTÔNIO LUCIANO PEREIRA NETO ADVOGADO : PAULO EDUARDO ALMEIDA DE MELLO E OUTRO(S)RECORRIDO : ANA LÚCIA PEREIRA GOUTHIER ADVOGADA : ROSA MARIA CARVALHO PINHO TAVARES E OUTRO(S)RECORRIDO : CLARA LUCIANO HENRIQUES E CÔNJUGEADVOGADO : CARLOS MAGNO DE ALMEIDA

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por LHANO NELSON, fundamentado no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, em que se alega violação dos artigos 467 e 610 do Código de Processo Civil, além de dissenso jurisprudencial.

Os elementos dos autos dão conta de que ANTÔNIO LUCIANO

PEREIRA NETO, ANA LÚCIA PEREIRA GOUTHIER e CLARA LUCIANO HENRIQUES e

CÔNJUGE promoveram ação de resolução parcial de contrato em face de LHANO

NELSON, aduzindo, em síntese, que:

"a) são filhos matrimoniais de Antônio Luciano Pereira Filho, cujo

inventário se processa [na Comarca da Capital - MG], e celebraram com (21) vinte e

um irmãos unilaterais, ainda em vida do pai, uma transação por escritura pública, 'a fim

de que todos os rebentos, do casamento ou não, tivessem legítimas iguais', sendo que

'há um ano o ajuste vem sendo regular e escrupulosamente implementado e, mediante

rateios mensais, o produto das sucessivas alienações de bens de algumas das

empresas já relacionadas tem sido distribuído com fiel observância do negócio

pactuado. Inicia-se agora a cisão da Fayal S/A, para entrega de bens de sua

propriedade aos outorgados em cujo rol, já se disse, inclui o Réu;

b) que 'o requerido sempre se comportou de forma inamistosa,

intolerante, agressiva e belicosa, inclusive incentivando e estimulando reportagens e

publicações pela imprensa, escrita e falada, dando a público situações íntimas e

familiares com objetivo de atingir a figura e denegrir a imagem do Pai, que

invariavelmente combateu', tanto, assim que em dois testamentos, ambos já

apresentados em juízo, foi deserdado, e o próprio testador, já no leito de morte,

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recomendou expressamente que se promovesse a competente ação de deserdação do

requerido, pleito ora em curso'

c) que, agora, 'volta-se o suplicado contra os requerentes e filhos

matrimoniais, aos quais vem atacando impiedosamente, em juízo e fora dela, até com

ameaças pessoais aos Suplicantes e seus familiares, quer diretamente, quer

valendo-se de outrem e terceiros', lançando dúvidas infundadas em torno da transação

celebrada e sua respectiva execução, fomentando discussões e atritos entre as partes,

sempre com o propósito de desestabilizar o acordo, e 'mais recentemente, dedica-se o

requerido ao ajuizamento de um rol de demandas e procedimentos judiciais em que

insiste em conturbar, tumultuar e atalhar imotivadamente todo um complexo processo

de acordo e transação envolvendo direitos hereditários de grande valor', sendo que, a

par disso, a recusa de recebimento de prestações e de outorga de quitação regular tem

sido uma constante por parte do demandado" .

Ao final, ante o alegado inadimplemento do contrato e a impossibilidade

de continuidade do vínculo obrigacional, por perda de objeto (pelo desaparecimento da

legítima do réu, decorrente de sua deserdação), requereram a resolução parcial do

Termo de Transação referido, para o efeito de o réu ser dele excluído, assim se lhe

retirando a parcela de bens que lhe caberia por força do mesmo, a restituição dos bens

já recebidos e a condenação em perdas e danos a serem apuradas (fls. 02/35).

Em contestação, tais argumentos foram integralmente rechaçados por

LHANO NELSON, que, além de afirmar ser inverídicas as alegações dos autores,

mormente quanto à apontada deserdação, imputou-lhes, também, a inadimplência

contratual, com o descumprimento de obrigações principais e acessórias, sem

atendimento mínimo às solicitações, aos pedidos de informações, aos esclarecimentos

e até aos termos de notificações judiciais e extrajudiciais por ele formulados (fls.

161/221).

O r. Juízo da Oitava Vara Cível da Comarca da Capital/MG, após

reconhecer que o pedido de deserdação, utilizado como causa de pedir desta ação, foi

julgado improcedente no duplo grau jurisdicional, bem como reputar legítimas as

medidas adotadas pelo réu, destinadas a preservar seus interesses contratuais, julgou

a demanda improcedente, condenando os autores ao pagamento das custas

processuais e dos honorários advocatícios da parte contrária no importe de

R$10.000,00 (dez mil reais) (fls. 960/973).

Em sede de apelação, interposta por ambas as partes, o egrégio

Tribunal de Justiça, manteve a improcedência da ação, condenando os autores da

ação, ainda, "ao pagamento de multa no importe de 1% (por cento) sobre o valor

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atualizado da causa, bem como a indenizar os danos processuais que causaram ao

réu, remetendo-se as partes para a liqüidação sob a forma de arbitramento" (fls.

1091/1097).

Em 22.3.2002, o decisum transitou em julgado (fl. 1.143).

Ato contínuo, LHANO NELSON requereu a liquidação por arbitramento,

deixando assente, no ponto, que o Tribunal de origem reconheceu a litigância de má-fé

dos então autores da ação (ANTÔNIO LUCIANO PEREIRA NETO, ANA LÚCIA

PEREIRA GOUTHIER e CLARA LUCIANO HENRIQUES e CÔNJUGE) porquanto

utilizaram, como fundamento da ação, fato judicialmente reconhecido como inverídico,

qual seja, o de que teria sido deserdado pelo de cujus.

Nessa oportunidade, aduziu, segundo sua convicção, os critérios

diretivos para a liquidação, afirmando que: "[...] a liquidação por arbitramento está a

exigir a apuração do valor da cota hereditária devida ao credor, que deveria ter sido feito

por volta de 6/6/1993. O valor dessa cota corresponderia a um capital que o credor

deixou de receber, pela falta de pagamento, a lhe permitir frutos, os quais, em

condições normais e ideais seriam auferidos pelo credor. Esses frutos, com base nos

arts. 1.062 e 1.063 do Cód. Civil, seriam os juros de 6% ao ano, sobre o valor daquele

capital, cujo montante corresponderia aos prejuízos suportados pelo credor, em virtude

do que razoavelmente deixou de lucrar (lucros cessantes), face ao retardamento do

cumprimento da obrigação suportado pelo credor, pelo ajuizamento da presente ação,

agindo os devedores como litigantes de má-fé, segundo a decisão dos acórdãos

passados em julgado. 8.1. Ao lado dessa parcela, deverão ser arbitrados, também os

danos morais, pela angústia suportada pelo credor, ao longo destes nove anos em que

o processo teve curso, utilizado pelos devedores como óbice ao pagamento total do

valor ao qual o credor tem direito, segundo a transação ajustada. Razoável, então,

estipular-se danos morais na ordem de 10% da cota hereditária, valor que seria

proporcional à má-fé dos devedores. 9. Deverá ser incluído, também, no total da

indenização, o valor dos honorários pagos pelo credor aos advogados que o

defenderam ao longo do processo, R$ 17.045,43, devidamente corrigidos, a partir da

data em que realizado o pagamento, em 13/02/2001. A sentença ainda condenou os

devedores no pagamento da verba honorária no importe de R$ 10.000,0, na data de

15/3/1999 [...]" (fls. 1163/1167).

O r. Juízo da Oitava Vara Cível da Comarca da Capital/MG, após a

realização de prova pericial e oitiva da parte contrária, considerando o objeto da ação e

a decisão liquidanda, refutou a pretensão do liquidante, reconhecendo que o valor da

condenação é o de 1% (um por cento) sobre o valor da causa, acrescida do valor dos

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danos processuais que são as despesas feitas com custas e honorários periciais,

conforme a tabela de custas do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, mais as

despesas com o presente arbitramento, estas consistentes nos honorários do perito

oficial, conforme recibo nos autos, e a sucumbência arbitrada em 10% (dez por cento)

do valor acrescido na condenação fixada a ser pago ao credor (fls. 1.360/1.374).

Da sentença de liquidação, LHANO NELSON interpôs recurso de

apelação, ao qual o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais conferiu

parcial provimento, apenas para "incluir dentre as despesas processuais a serem

indenizadas ao apelante, os valores pagos por este ao seu procurador, nos termos do

recibo de fls. 1.168, e que, conforme perito oficial, na data de 15 de dezembro de 2003

totalizava R$ 23.234,72 (vinte e três mil, duzentos e trinta e quatro reais e setenta e dois

centavos)" (fls. 1459/1468). O julgado restou assim ementado:

"LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA POR ARBITRAMENTO - RECURSO DE APELAÇÃO - PRETENSÃO MODIFICATIVA DO TEOR DO ACÓRDÃO - IMPOSSIBILIDADE - INTELIGÊNCIA DO ART. 610 DO CPC. Segundo o art. 610 do CPC, é defeso, na liquidação de sentença, discutir novamente a lide e os seus fundamentos, ou pretender modificar as razões/convicções esposadas pelo julgador na sentença de mérito" .

Decisum, que restou inalterado, ante a rejeição dos embargos de

declaração opostos (fls. 1.476/1.478).

Busca o recorrente, LHANO NELSON, a reforma do r. decisum,

sustentando, em síntese, que o acórdão recorrido não observou a coisa julgada, na

medida em que concluiu que o liquidante não teria direito à indenização por perdas e

danos (prejuízos e lucros cessantes, em razão do processo), direito imutável e

definitivamente reconhecido. Afirma, outrossim, que a condenação por litigância de

má-fé, nos termos do artigo 16 e 18 do Código de Processo Civil, "compreende o

pagamento da indenização por perdas e danos, os seja, os prejuízos suportados pela

parte lesada, mais os lucros cessantes, aquilo que razoavelmente deixou de lucrar".

Aduz, ainda, que os prejuízos materiais, pelos quais os recorridos foram condenados a

pagar, tem por base a obrigação contraída e inadimplida na transação em que os

recorridos buscaram rescindir, fazendo incidir juros de mora de 6% (seis por cento) ano

sobre o valor da obrigação, em virtude do que razoavelmente deixou de lucrar, mais os

danos morais. Por fim, aponta a existência de dissenso jurisprudencial (fls.

1.481/1.493).

Os recorridos apresentaram contrarrazões às fls. 1.522/1.530 e

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1.532/1.549.

O ilustre Vice-Presidente do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de

Minas Gerais negou seguimento ao recurso especial (fls. 1.591/1.598). O apelo nobre

ascendeu a esta Corte, em virtude do provimento do Agravo Regimental no Agravo de

Instrumento n. 884.325/MG.

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.011.733 - MG (2007/0284660-3)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL - LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - RECONHECIMENTO DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DOS AUTORES DA AÇÃO E CONDENAÇÃO DESTES À REPARAÇÃO AOS DANOS PROCESSUAIS - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA - NÃO OCORRÊNCIA - "LIQUIDAÇÃO ZERO" - ADEQUAÇÃO DO JULGADO AOS DANOS QUE RESTARAM NÃO QUANTIFICADOS E, PORTANTO, NÃO DEMONSTRADOS - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

I - O reconhecimento da litigância de má-fé acarreta ao improbus litigator a imposição de multa, de caráter punitivo, bem como a condenação à reparação pelos prejuízos processuais decorrentes de sua conduta processual, esta de caráter indenizatório. Tais reflexos, portanto, não se confundem;

II - A liquidação por arbitramento, na espécie, destina-se a quantificar os prejuízos processuais, e não materiais, que o liquidante suportou decorrente da conduta processual dos autores da ação. Para tanto, revela-se necessário evidenciar o fato processual praticado pelos autores da ação que ensejou a condenação destes à indenização pelas perdas e danos (processuais, portanto), e aferir, de acordo com a moldura fática delineada pelas Instâncias ordinárias, se o mencionado fato processual repercute nos danos alegados pelo liquidante;

III - Na hipótese dos autos, o reconhecimento da litigância de má-fé dos autores da ação decorreu da utilização da tese inverídica, consistente na impossibilidade de continuidade do vínculo obrigacional, por perda de objeto pelo desaparecimento da legítima do réu, decorrente de sua deserdação (fato que não se verificou);

IV - As Instâncias ordinárias, ao contrário do que sustenta o ora recorrente, não excluíram a condenação por perdas e danos processuais, reconhecida definitivamente, na sentença, mas sim, quando de seu arbitramento, chegaram à conclusão de que o quantum debeatur é zero, o que, de forma alguma, significa inobservância da coisa julgada. É o que autorizada doutrina denomina "liquidação zero", situação que, ainda que não desejada, tem o condão de adequar à realidade uma sentença condenatória que, por ocasião de sua liquidação, mostra-se vazia, porquanto não demonstrada sua quantificação mínima e, por conseguinte, sua própria existência;

V - Não há como prosperar a pretensão do liquidante, ora recorrente, no sentido de que o arbitramento deveria se pautar na apuração do valor

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da cota hereditária a ele devida, ante o alegado descumprimento contratual por parte dos autores da ação. Primeiro, porque, como expressamente consignado pelas Instâncias ordinárias, inexiste prova da perda do quinhão hereditário. Segundo, e principalmente, porque o reconhecimento da alegada perda do quinhão hereditário, em razão do também alegado descumprimento contratual por parte dos autores, em nenhum momento foi objeto da ação em que se formou o presente título liquidando;

VI - Na verdade, conferir à presente liquidação contornos mais abrangentes daqueles gizados na ação de resolução parcial do contrato, dissonante, portanto, de seu objeto, tal como pretendido pelo ora recorrente, redundaria, inequivocamente, à tangibilidade da coisa julgada, o que não se afigura, na espécie, permitido;

VII - Recurso Especial improvido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):

O inconformismo recursal não merece prosperar.

Com efeito.

A celeuma instaurada no presente recurso especial centra-se em

saber se as Instâncias ordinárias, em sede de liquidação de sentença de

improcedência, bem delimitaram o quantum da condenação imposta aos autores da

ação, por litigância de má-fé, notadamente acerca dos danos processuais, em

observância à coisa julgada.

Nos termos relatados, a ação de resolução parcial de contrato

promovida por ANTÔNIO LUCIANO PEREIRA NETO, ANA LÚCIA PEREIRA GOUTHIER

e CLARA LUCIANO HENRIQUES e CÔNJUGE em face de LHANO NELSON foi julgada

improcedente, restando os autores, em razão da reconhecida litigância de má-fé,

condenados "ao pagamento de multa no importe de 1% (por cento) sobre o valor

atualizado da causa, bem como a indenizar os danos processuais que causaram ao

réu, remetendo-se as partes para a liqüidação sob a forma de arbitramento", além das

custas processuais e dos honorários advocatícios da parte contrária no importe de

R$10.000,00 (dez mil reais).

A liquidação da sentença supramencionada tem, portanto, por

incumbência, perscrutar, por meio de arbitramento, os danos processuais que o então

réu, LHANO NELSON, percebeu em decorrência da conduta processual dos autores,

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reputada de má-fé.

Nos termos dos artigos 16 e 18 da Lei Adjetiva Civil, o litigante que

proceder de má-fé, deve reparar a parte contrária pelos prejuízos advindos de sua

conduta processual, bem como ser punido por multa de até 1% (um por cento) sobre o

valor da causa, mais os honorários advocatícios e outras despesas processuais. Para

especificar a supracitada indenização pelos danos processuais, o § 2º do artigo 18 do

Código de Processo Civil, por sua vez, estipula que o Juiz poderá, de ofício, fixá-la em

até 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou determinar sua liquidação por

arbitramento.

Por oportuno, transcreve-se os referidos dispositivos legais:

"Art. 16. Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente.

[...]

Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.

[...]

§ 2o O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento."

Bem de ver, assim, que o reconhecimento da litigância de má-fé

acarreta ao improbus litigator a imposição de multa, de caráter punitivo, bem como a

condenação à reparação pelos prejuízos processuais decorrentes de sua conduta

processual, esta de caráter indenizatório. Tais reflexos, portanto, não se confundem.

Como assinalado, a liquidação por arbitramento, na espécie, destina-se

a quantificar os prejuízos processuais, e não materiais, que o liquidante percebeu

decorrente da conduta processual dos autores da ação. Para tanto, revela-se

necessário evidenciar o fato processual praticado pelos autores da ação que ensejou a

condenação destes à indenização pelas perdas e danos (processuais, portanto), e

aferir, de acordo com a moldura fática delineada pelas Instâncias ordinárias, se o

mencionado fato processual repercute nos danos alegados pelo liquidante.

Na hipótese dos autos, o reconhecimento da litigância de má-fé dos

autores da ação decorreu da utilização da tese inverídica, consistente na

impossibilidade de continuidade do vínculo obrigacional, por perda de objeto pelo

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desaparecimento da legítima do réu, decorrente de sua deserdação (fato que não se

verificou). Identificado o fato processual (utilização de tese inverídica), que ensejou o

reconhecimento da litigância de má-fé, deve-se analisar quais prejuízos processuais

referida conduta processual causou ao réu. De tal análise, é certo, as Instâncias

ordinárias não se esquivaram.

Por oportuno, transcreve-se excerto da sentença, in totum mantida e

reiterada pelo Tribunal de origem, que bem tangencia a repercussão da conduta

processual dos litigantes de má-fé na esfera jurídica processual do liquidante:

"Uma vez julgado pelo Superior Sodalício que a matéria de defesa de tese era eivada de dolo, resta-nos as seguintes indagações e respostas:

1) Houve o uso da tese?

R: Sim, houve uso da tese.

2) Tal uso foi bem sucedido, ou seja, gerou ganho de causa induzindo a erro o magistrado?

R: Não! E absolutamente não! Os autores perderam a ação! E perderam de forma absoluta! Ou seja, o artifício foi inválido para o fim que se lhe predispôs. Não houve, portanto, maiores perdas ou danos para o réu, além das despesas processuais que teve para a defesa de seu direito.

3) Houve risco ao direito material do requerido, hoje credor?

R: Não! O meio apresentado para a obtenção dos desiderato era ineficaz por já ter sido objeto de sentença transitada em julgado.

4) O credor poderia ter articulado outras pretensões calcadas na busca de seu direito material?

R: Sim, principalmente porque até atingir o êxito com a coisa julgada, o mero pedido não gera direito, não havendo, portanto, aqui, que se falar em perdas e danos, com base em mera pretensão vencida. Restringe-se obviamente a condenação às despesas efetuadas no processo em decorrência da pretensão eivada de erro. Em causa cujo valor não se impugnou.

5) Os autos implicam no fato [sic] de que foi ele impedido de exercer seu direito de herdeiro?

R: Não, esta ação não obstaculizou o exercício de eventuais pretensões suas.

[...]

Vejamos; Alega-se que os danos suportados pelo réu, ora credor, a serem arbitrados, resultam do retardamento do cumprimento dos termos da transação que os autores, ora devedores, celebraram com o credor, em 06-06-90. Ora; ninguém impediu o credor de exercer seus direitos de herdeiro exercitando-o processualmente. Enquanto réu, na presente ação, de reconvir ou de ajuizar as ações que entendesse devidas na busca de seus interesses não sendo aqui no arbitramento

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determinado oriundo de dolo processual, objeto de direito outro, a sede de pretensão que deveria ter sido exercido oportunamente no tempo e na forma processual devidos. [...]

Na espécie, entendo compatível para a avaliação do dano, o tempo gasto na espera da prestação jurisdicional com a defesa que a propósito foi eficiente, tendo a parte efetivamente e graças aos bons serviços de seu advogado não saboreado perdas em seu direito; Considerando a ausência de impugnação do valor da causa que indica o verdadeiro volume da prestação e de sua contrariedade; Observando ainda a análise da demora da prestação jurisdicional, que entendo adequada a espécie pelo tempo despendido com o exercício da defesa; considerando o interesse envolvido, apontado na carga de eficácia da pretensão constitutiva negativa que foi vencida uma vez lastreada pela petição inicial, eivada esta do erro identificado pelo Egrégio Tribunal; considerando que não existe efetiva prova da perda do quinhão hereditário, bem como considerando que não houve dano apontado efetivamente pela parte em seu direito e que a vítima não teve em momento algum diminuída sua condição de defesa [...]" (fls. 1360/1374).

Vê-se, assim, que as Instâncias ordinárias, ao contrário do que

sustenta o ora recorrente, não excluíram a condenação por perdas e danos

processuais, reconhecida definitivamente, na sentença, mas sim, quando de seu

arbitramento, chegaram à conclusão de que o quantum debeatur é zero,

restringindo-se, portanto, às despesas feitas com custas e honorários periciais,

conforme a tabela de custas do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, mais as

despesas com o presente arbitramento, estas consistentes nos honorários do perito

oficial, conforme recibo nos autos, e sucumbência arbitrada em 10% (dez por cento) do

valor acrescido na condenação fixada a ser pago ao credor.

De fato, considerando que tais despesas já estão incluídas na parte

final do artigo 18 do Código de Processo Civil, resta claro que, na verdade, o

arbitramento dos danos processuais não encontrou resultado positivo, o que, de forma

alguma, significa inobservância da coisa julgada. É o que autorizada doutrina denomina

"liquidação zero", situação que, ainda que não desejada, tem o condão de adequar à

realidade uma sentença condenatória que, por ocasião de sua liquidação, mostra-se

vazia, porquanto não demonstrada sua quantificação mínima e, por conseguinte, sua

própria existência. Circunstância processual, aliás, bem delineada pelo Ministro Teori

Albino Zavascki, que, em sede doutrinária, assim aborda a questão:

"Sendo assim, e considerando que na afirmação da existência está implícita a negação da não existência, é logicamente incompatível com o sistema supor que, em liquidação, se possa chegar à conclusão de

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que o valor a indenizar é zero. É situação anômala e extravagante, que só pode ocorrer - e, na prática, ocorre efetivamente - se o sistema for afrontado por sentença condenatória sem prova da existência do dano. Quando isso ocorre, não há como prestar fidelidade absoluta à sentença liquidanda, porque isso importaria mudar a natureza das coisas. Anotou DINAMARCO, a propósito, que 'forçar as coisas para declarar o valor de uma indenização de dano inexistente, 'ao menos na quantidade um', talvez fosse até mais cômodo, diante da lógica da estrutura formal da sentença condenatória genérica: respeitar-se-ia formalmente o seu efeito declaratório referente ao an debeatur, encontrando-se o quantum debeatur a todo o custo. Tal solução, além de arbitrária por fixar assim aleatoriamente um valor sem correspondência na prova e na realidade, teria o grave inconveniente de desviar o processo de seus objetivos como instrumento a serviço da justiça e dos desígnios do direito substancial'. Um erro não justifica o outro. O juízo de improcedência da liquidação constitui, em tal hipótese, a única forma de não penalizar duplamente o réu, já injustiçado pela condenação indevida (Zavascki, Teori Albino, "Comentários ao Código de Processo Civil" , V. 8, 2ª ed., RT, SP, 2003, p. 347).

Nesses termos, colocada a controvérsia, não há como prosperar a

pretensão do liquidante, ora recorrente, no sentido de que o arbitramento deveria se

pautar na apuração do valor da cota hereditária a ele devida, ante o alegado

descumprimento contratual por parte dos autores da ação. Primeiro, porque, como

expressamente consignado pelas Instâncias ordinárias, inexiste prova da perda do

quinhão hereditário (fl. 1.374). Segundo, e principalmente, porque o reconhecimento da

alegada perda do quinhão hereditário, em razão do também alegado descumprimento

contratual por parte dos autores, em nenhum momento foi objeto da ação em que se

formou o presente título liquidando.

Conforme relatado, o objeto da ação em que se formou o título ora

liquidando tinha por desiderato demonstrar o descumprimento contratual por parte do

réu, ora liquidante.

Com a sentença de improcedência, reconheceu-se, de forma definitiva,

que o réu, ora liquidante, não descumpriu o termos do contrato. Apenas isso. Tal

desfecho, é certo, não implica, automaticamente, o reconhecimento de que os autores

da ação descumpriram o contrato, tal como sustentado pelo ora recorrente. E mais. O

desfecho da ação não permite chegar-se à conclusão de que o liquidante tenha perdido

sua quota hereditária (o que se daria, repisa-se, somente com o descumprimento

contratual por parte dos autores da ação).

Na verdade, conferir à presente liquidação contornos mais abrangentes

daqueles gizados na ação de resolução parcial do contrato, dissonante, portanto, de Documento: 1059674 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 26/10/2011 Página 13 de 27

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seu objeto, tal como pretendido pelo ora recorrente, redundaria, inequivocamente, à

tangibilidade da coisa julgada, o que não se afigura, na espécie, permitido.

Pelas mesmas razões, infrutífera se mostra a pretensão do ora

recorrente quanto ao reconhecimento dos lucros cessantes e de danos morais.

No tocante aos lucros cessantes, segundo o recorrente, estes

corresponderiam ao capital que deixou de receber, com os respectivos frutos, pela falta

de pagamento. O inadimplemento contratual dos autores da ação, nos termos

assentados, não foi objeto da ação em que se formou o título liquidando. Inviável, assim,

a veiculação, na liquidação de sentença, de matéria estranha à lide em que se formou o

título. Tal matéria deve ser, portanto, objeto de ação própria.

No tocante aos danos morais, segundo o recorrente, estes decorreriam

da indevida utilização do processo pelos devedores, como óbice ao pagamento total do

valor ao qual o credor tem direito, segundo a transação ajustada, bem como do lapso de

duração do processo.

Em que pese a existência de divergência na doutrina, quanto ao

cabimento de danos morais provenientes do ato ilícito processual (ut Ruy Stoco, "Abuso

do direito e má-fé processual". São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 100; Valter

Ferreira Maia, "Litigância de má-fé no Código de Processo Civil", Rio de Janeiro:

Forense, 2002, p. 144-155 ), levando-se em conta que os prejuízos a serem reparados

devem circunscrever-se à ordem processual, tem-se, nessa medida, que dificilmente

poderiam restar caracterizados.

Na espécie, ainda que se admita, apenas ad argumentandum, tal

reparação, é certo que as Instâncias ordinárias reconheceram que a ação de rescisão

parcial do contrato veiculadas pelos autores em nada obstaram o exercício de seu

direito, consistente no recebimento dos valores ajustados, ainda que judicialmente.

Irrelevante, portanto, o tempo de duração do processo na esfera jurídica do liquidante.

Dessa feita, tem-se que a coisa julgada restou observada pelas

Instâncias ordinárias, em sede de liquidação de sentença.

Nega-se, pois, provimento ao presente recurso especial

É o voto.

MINISTRO MASSAMI UYEDA

Relator

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA TURMA

Número Registro: 2007/0284660-3 REsp 1.011.733 / MG

Números Origem: 10024917855595 10024917855595001 10024917855595002 10024917855595003 200700540261 4639921

PAUTA: 10/05/2011 JULGADO: 10/05/2011

Relator

Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA

SecretáriaBela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : LHANO NELSONADVOGADOS : RONALDO BRETAS DE CARVALHO DIAS E OUTRO(S)

CRISTIANO REIS GIULIANIRECORRIDO : ANTÔNIO LUCIANO PEREIRA NETOADVOGADO : PAULO EDUARDO ALMEIDA DE MELLO E OUTRO(S)RECORRIDO : ANA LÚCIA PEREIRA GOUTHIERADVOGADA : ROSA MARIA CARVALHO PINHO TAVARES E OUTRO(S)RECORRIDO : CLARA LUCIANO HENRIQUES E CÔNJUGEADVOGADO : CARLOS MAGNO DE ALMEIDA

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). CRISTIANO REIS GIULIANI, pela parte RECORRENTE: LHANO NELSON

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto do Sr. Ministro Massami Uyeda, negando provimento ao recurso especial, pediu vista, antecipadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Aguardam os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.011.733 - MG (2007/0284660-3) (f)

RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDARECORRENTE : LHANO NELSON ADVOGADOS : RONALDO BRETAS DE CARVALHO DIAS E OUTRO(S)

CRISTIANO REIS GIULIANI RECORRIDO : ANTÔNIO LUCIANO PEREIRA NETO ADVOGADO : PAULO EDUARDO ALMEIDA DE MELLO E OUTRO(S)RECORRIDO : ANA LÚCIA PEREIRA GOUTHIER ADVOGADA : ROSA MARIA CARVALHO PINHO TAVARES E OUTRO(S)RECORRIDO : CLARA LUCIANO HENRIQUES E CÔNJUGEADVOGADO : CARLOS MAGNO DE ALMEIDA

VOTO-VISTA

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

Trata-se de recurso especial interposto por LHANO NELSON, com fundamento

nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal de

Justiça do Estado de Minas Gerais – TJ/MG.

Ação (fls. 02/20 – 1º Vol): de resolução parcial de contrato sob o rito ordinário,

ajuizada por ANTÔNIO LUCIANO PEREIRA NETO, ANA LÚCIA PEREIRA GOUTHIER

e CLARA LUCIANO HENRIQUES e CÔNJUGE em face do recorrente. Os autores, filhos

matrimoniais de Antônio Luciano Pereira Filho, informam na petição inicial que, em razão de

adiantamento de legítima que receberam do de cujus, celebraram, quando o genitor ainda estava

vivo, instrumento público com 21 irmãos unilaterais, dentre eles o réu, a fim de que todos os filhos

tivessem legítimas iguais.

Os demandantes sustentam que “o requerido sempre se comportou de forma

inamistosa, intolerante, agressiva e belicosa, inclusive incentivando e estimulando reportagens e

publicações pela imprensa, escrita e falada, dando a público situações íntimas e familiares com o

objetivo de atingir a figura e denegrir a imagem do pai” (fl. 04). Informam que tal comportamento

ensejou, por recomendação do testador e pai, já no leito de morte, a deserdação do demandado,

em ação de deserdação proposta por alguns herdeiros, dentre os quais os autores, em

cumprimento a vontade do autor da herança.

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Aduzem que, agora, “falecido o pai, volta-se o Suplicado contra os Requerentes e

filhos matrimoniais, aos quais vem atacando impiedosamente, em juízo e fora dele, até com

ameaças pessoais aos Suplicantes e seus familiares, quer diretamente, quer valendo-se de outrem

e terceiros” (fl. 04) e que, mais recentemente, “dedica-se o Requerido ao ajuizamento de um rol

de demandas e procedimentos judiciais em que insiste em conturbar, tumultuar e atalhar

imotivadamente todo um complexo processo de acordo e transação envolvendo direitos

hereditários de grande valor” (fl. 05), sendo que, “a par disso, a recusa de recebimento de

prestações e de outorga de quitação regular tem sido uma constante por parte do demandado” (fl.

06).

Por fim, ante o alegado inadimplemento contratual e a impossibilidade de

continuidade do vínculo obrigacional, por perda de objeto, haja vista que, com a deserdação do

réu desapareceu também a sua legítima, os autores requereram a resolução parcial do termo de

transação, para o fim de ser o réu dele excluído, retirando-lhe a parcela de bens que lhe caberia

por força do mesmo, além da restituição dos bens já recebidos e a condenação em perdas e

danos a serem apuradas.

Sentença (fls. 960/973 – 7º Vol): o Juízo da 8ª Vara Cível da Comarca de Belo

Horizonte julgou improcedente o pedido inicial, condenando os autores ao pagamento das custas

processuais e dos honorários advocatícios da parte contrária no importe de R$10.000,00 (dez mil

reais), amparado na improcedência do pedido de deserdação reconhecida em processo que

tramitou separadamente e na legitimidade da conduta do réu, que visou unicamente a proteção de

seus interesses contratuais.

Acórdão (fls. 1.091/1.097 – 9º Vol.): o TJ/MG deu provimento ao recurso de

apelação interposto por LHANO NELSON e negou provimento ao apelo de ANTÔNIO

LUCIANO PEREIRA NETO E OUTROS, condenando os autores da ação, ainda, “ao

pagamento de multa no importe de 1% (por cento) sobre o valor atualizado da causa, bem como

a indenizar os danos processuais que causaram ao réu, remetendo-se as partes para a liquidação

sob a forma de arbitramento”. O acórdão foi assim ementado:

EMENTA: CONTRATO – RESOLUÇÃO – MÁ-FÉ – DOLO – CONDUTA TEMERÁRIA – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.

A mera interposição de incidentes processuais, com o fim de obter um

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pronunciamento do Judiciário acerca de direito que julga ter sido violado na execução do contrato, quando não ultrapassados na discussão processual os limites razoáveis do direito de defesa, não conduz, por si só, à má-fé e ao dolo, elementos autorizadores da resolução da avença celebrada entre as partes.

Quem sustenta a sua pretensão em documento declarado falso por sentença transitada em julgado age de modo temerário, sujeitando-se, portanto, à condenação nas penas do artigo 18 do CPC.

Primeiro embargos de declaração: interpostos pelos recorridos, foi rejeitado

(fls. 1.106/1.109 – 9º Vol.).

Segundo embargos de declaração: interpostos pelos recorridos, foi rejeitado

(fls. 1.116/1.118 – 9º Vol.).

Liquidação por arbitramento: requerida por LHANO NELSON às fls.

1.163/1.167 (9º Vol.), segundo o qual a presente liquidação “está a exigir a apuração da cota

hereditária devida ao credor, que deveria ter sido feito por volta de 6/6/1993. O valor dessa cota

corresponderia a um capital que o credor deixou de receber, pela falta de pagamento, a lhe

permitir frutos, os quais, em condições normais e ideais, seriam auferidos pelo credor. Esses

frutos, com base nos arts. 1.062 e 1.063 do Cód. Civil, seriam os juros de 6% ao ano, sobre o

valor daquele capital, cujo montante corresponderia aos prejuízos suportados pelo credor, em

virtude do que razoavelmente deixou de lucrar (lucros cessantes), face ao retardamento do

cumprimento da obrigação suportado pelo credor, pelo ajuizamento da presente ação, agindo os

devedores como litigantes de má-fé, segundo a decisão dos acórdãos passados em julgado. (...)

Ao lado dessa parcela, deverão ser arbitrados, também, os danos morais, pela angústia suportada

pelo credor, ao longo destes nove anos em que o processo teve curso, utilizado pelos devedores

como óbice ao pagamento total do valor ao qual o credor tem direito, segundo a transação

ajustada. Razoável, então, estipular-se danos morais na ordem de 10% da cota hereditária, valor

que seria proporcional à má-fé dos devedores, bem como ao seu porte econômico, herdeiros de

grande fortuna, à vista da grandeza do valor da transação, que os devedores, maliciosamente,

quiseram rescindir. Deverá ser incluído, também, no total da indenização, o valor dos honorários

pagos pelo credor aos advogados que o defenderam ao longo do processo, R$ 17.045,43,

devidamente corrigidos, a partir da data em que realizado o pagamento, em 13/2/2001, conforme

recibo anexo. A sentença ainda condenou os devedores no pagamento de verba honorária no

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importe de R$ 10.000,00, na data de 15/3/1999 (...)”.

Sentença da liquidação (fls. 1.361/1.374 – 10º Vol.): após a realização de

perícia e a oitiva da parte contrária, o Juízo da 8ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte,

reconheceu que o valor da condenação é de 1% sobre o valor da causa, acrescido do valor dos

danos processuais, neles compreendidos as despesas feitas com custas e honorários periciais,

conforme tabela de custas do TJ/MG, mais as despesas com o presente arbitramento: honorários

do perito oficial, conforme recibo nos autos e sucumbência arbitrada em 10% do valor acrescido

na condenação fixada a ser pago pelo credor.

Acórdão: inconformado, o ora recorrente interpôs recurso de apelação (fls.

1.376/1.384 – 10º Vol.), ao qual o TJ/MG deu provimento parcial tão somente para incluir

dentre as despesas processuais a serem indenizadas ao apelante o montante de R$23.234,72

pagos por este ao seu procurador. O acórdão restou assim ementado:

EMENTA: LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA POR ARBITRAMENTO – RECURSO DE APELAÇÃO – PRETENSÃO MODIFICATIVA DO TEOR DO ACÓRDÃO – IMPOSSIBILIDADE – INTELIGÊNCIA DO ART. 610 DO CPC. Segundo o art. 610 do CPC, é defeso, na liquidação de sentença, discutir novamente a lide e os seus fundamentos, ou pretender modificar as razões/convicções esposadas pelo julgador na sentença de mérito.

Embargos de declaração: interpostos pelo recorrente, foi rejeitado (fls.

1.475/1.478 – 10º Vol.).

Recurso especial (fls. 1.481/1.493 – 10º Vol.): interposto com fundamento nas

alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/MG, alega, além

de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 467 e 610 do CPC, arts. 16 e 18, §2º, do CPC

e arts. 1.059, 1.060, 1.061 e 1.063 do CC/16.

Exame de admissibilidade (1.591/1.598 – 10º Vol): a vice-presidência do

TJ/MG negou seguimento ao recurso especial. O i. Min. Humberto Gomes de Barros deu

provimento ao agravo de instrumento, determinando a remessa dos autos ao STJ (fl. 1.566), que

posteriormente foram distribuídos ao i. Min. Massami Uyeda.

Voto do relator: O i. Min. Relator Massami Uyeda proferiu voto negando

provimento ao recurso especial ao argumento de que “as Instâncias ordinárias, ao contrário do

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que sustenta o ora recorrente, não excluíram a condenação por perdas e danos processuais,

reconhecida definitivamente, na sentença, mas sim, quando de seu arbitramento, chegaram à

conclusão de que o quantum debeatur é zero”. Consigna ainda que “com a sentença de

improcedência, reconheceu-se, de forma definitiva, que o réu, ora liquidante, não descumpriu os

termos do contrato. Apenas isso. Tal desfecho, é certo, não implica automaticamente, o

reconhecimento de que os autores da ação descumpriram o contrato, tal como sustentado pelo

ora recorrente. (...) Na verdade, conferir à presente liquidação contornos mais abrangentes

daqueles gizados na ação de resolução parcial do contrato, dissonante, portanto, de seu objeto,

tal como pretendido pelo ora recorrente, redundaria, inequivocadamente, à tangibilidade da coisa

julgada, o que não se afigura, na espécie, permitido”.

Pedi vista dos autos, para melhor examinar a controvérsia.

Revisados os autos, decido.

Apesar do longo relatório e de serem os autos volumosos, a questão é simples e

foi minuciosamente relatada e apreciada no judicioso voto do i. Rel. Min. Massami Uyeda, cujo

entendimento adotado é irrepreensível. Não obstante isso, após rememorar brevemente os

contornos fáticos assumidos pela hipótese dos autos, gostaria de tecer algumas considerações, o

que se justifica pela relevância do instituto da litigância de má-fé.

O recurso especial em análise origina-se de ação de liquidação por arbitramento

que possuiu como objeto acórdão proferido em ação de resolução parcial de contrato julgada

improcedente, proposta pelos recorridos em face do recorrente, tendo sido os primeiros

declarados litigantes de má-fé e por essa razão condenados ao “pagamento de multa no importe

de 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa, bem como a indenizar os danos

processuais que causaram ao réu, remetendo-se as partes para a liquidação sob a forma de

arbitramento” (fl. 1.096).

A ação de liquidação proposta pelo recorrente, por meio do qual pretendia

receber perdas e danos, consistente na apuração do valor da cota hereditária a ele devida,

acrescida de juros de 6% ao ano, além de compensação pelos danos morais, foi julgada

improcedente pelo Juízo da 8ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte/MG.

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Da sentença de liquidação, o recorrente interpôs recurso de apelação, ao qual o

Tribunal de origem deu parcial provimento, tão somente para “incluir dentre as despesas

processuais a serem indenizadas ao apelante, os valores pagos por este ao seu procurador, nos

termos do recibo de fls. 1.168, e que, conforme perito oficial, na data de 15 de dezembro de

2003 totalizava R$ 23.234,72 (vinte e três mil, duzentos e trinta e quatro reais e setenta e dois

centavos)” (fls. 1.459/1.468).

Inconformado, LHANO NELSON interpôs recurso especial, em que sustenta,

além de divergência jurisprudencial, ofensa aos arts. 467 e 610 do CPC, haja vista que o acórdão

recorrido teria excluído a condenação por perdas e danos processuais, reconhecida

definitivamente na sentença. Sustenta ainda que o acórdão recorrido teria violado os arts. 16 e

18, §2º, do CPC, porquanto “considerou a indenização por litigância de má-fé somente

abrangendo multa e despesas processuais”. Por fim, por essa mesma razão, aponta ofensa aos

arts. 1.059, 1.060, 1.061 e 1.063 do CC/16, alegando que o acórdão recorrido desconsiderou o

conceito normativo de perdas e danos, que abrange, além do que o recorrente efetivamente

perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Inicialmente, consigno que a análise da existência do dissídio é inviável, haja vista

que, entre os acórdãos trazidos à colação, não há o necessário cotejo analítico nem a

comprovação da similitude fática, elementos indispensáveis à demonstração da divergência (arts.

541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ).

Igualmente no tocante à alegada ofensa dos arts. 1.059, 1.060, 1.061 e 1.063 do

CC/16 o julgamento do recurso especial é inadmissível, porquanto o acórdão recorrido não

decidiu acerca dos dispositivos legais indicados como violados, apesar da interposição de

embargos de declaração, razão pela qual se aplica, à espécie, a Súmula 211/STJ.

A controvérsia cinge-se, portanto, a determinar se as Instâncias Ordinárias, ao

determinarem o valor da condenação imposta aos autores da ação de resolução parcial de

contrato por litigância de má-fé, notadamente acerca da indenização à parte contrária pelos

prejuízos que sofreu, ficaram adstritas aos limites do comando sentencial.

O i. jurista Alfredo Buzaid inseriu no bojo da exposição de motivos do anteprojeto

do CPC valiosa ponderação: “Posto que o processo civil seja, de sua índole, eminentemente

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dialético, é reprovável que as partes se sirvam dele, faltando ao dever da verdade, agindo com

deslealdade e empregando artifícios fraudulentos; porque tal conduta não se compadece com a

dignidade de um instrumento que o Estado põe à disposição dos contendores para a atuação do

Direito e a realização da Justiça”.

Por essa razão, o CPC imputou àquele que incidir em uma das hipóteses do art.

17 do CPC a responsabilidade por perdas e danos, conforme disposto no art. 16 do diploma

processual. E em seguida dispôs no art. 18, como decorrência lógica da premissa estabelecida no

art. 16, a punição ao litigante de má-fé, in verbis :

Art. 18 - O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.

§ 1º - Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

§ 2º - O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento.

No REsp 1.127.721/ES (3ª Turma, minha relatoria, DJe de 18/12/2009)

destaquei que, por meio desses dispositivos,

protege-se, em um primeiro momento, as partes litigantes, e em um segundo, a própria coletividade, pois resguarda e recomenda um dever geral de lealdade processual. Essa conduta leal dentro do processo funciona como um requisito necessário para a efetiva existência do procedimento processual, o que nos leva à conclusão de que atua também como uma das bases do direito subjetivo de ação, e em consequência, da segurança jurídica.

Da leitura do supra transcrito dispositivo de lei, constata-se que o legislador optou

por um sistema híbrido. Na primeira hipótese, a penalidade (1%) reveste-se de caráter punitivo,

dispensando prova de prejuízo. Já no segundo caso, é hipótese de natureza indenizatória, e a

sanção prescinde da prova efetiva do dano.

No que concerne à possibilidade de reparação das perdas e danos sofridos pela

vítima, registre-se, por oportuno, a lição de Carreira Alvim (Comentários ao CPC Brasileiro.

Curitiba: Juruá, 2010. p. 89), ao consignar que “a indenização por litigância de má-fé só

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compreende prejuízos que afetam o prejudicado pelo fato do processo – trata-se de prejuízo

resultante “da responsabilidade das partes por dano processual” – não podendo alcançar

danos outros que não sejam dele consequência direta ou imediata”, devendo ser calculada

conforme a regra prevista no art. 402 do CC, abrangendo o que a parte prejudicada efetivamente

perdeu e o que razoavelmente deixou de lucrar (AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras

Linhas de Direito Processual Civil. Vol. II. São Paulo: Saraiva, 2008. p.334/335).

Nesse contexto, importa ainda relembrar a lição de Celso Agrícola Barbi e de José

Roberto dos Santos Bedaque:

Conteúdo das perdas e danos - O artigo define quais as perdas e danos referidas no art. 16, pelas quais responde o litigante de má-fé. Consistem elas em três partes: os prejuízos sofridos, os honorários de advogado e as despesas que efetuou a parte lesada. Os prejuízos são os havidos em seus bens ou negócios, como, por exemplo, a paralisação, ou redução destes, enfim, o que perdeu e o que deixou de ganhar. É necessário que essas perdas tenham efetivamente acontecido, pois não se indenizam danos meramente imagináveis. É mister , portanto, sejam elas comprovadas quanto à sua existência, mesmo que não determinado desde logo o seu valor. (Celso Agrícola Barbi. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol 1. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 129)

Além disso, tem esta última direito ao ressarcimento dos prejuízos que sofreu. Trata-se aqui das perdas e danos, ou seja, tudo o que ela efetivamente perdeu mais o que deixou de ganhar. A previsão legal tem intuito reparatório, pois o comportamento desleal do litigante pode gerar maior demora na solução do litígio, causando dano ao adversário. Impõe-se, portanto, a reparação. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Código de Processo Civil interpretado. Coord. Antonio Carlos Marcato. São Paulo: Atlas, 2004, p. 96)

Há de se ressaltar, ademais, que nada impede, a título de exemplo, que em

determinada demanda seja pleiteado dolosamente um pedido absurdo, que não cause prejuízo

algum à parte contrária, mas que, não obstante, configure litigância de má-fé. Tal circunstância

denota a diferença existente entre ato ilícito e dano (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela

Inibitória (individual e coletiva). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 37).

Como bem salientou o i. Min. Relator,

a liquidação por arbitramento, na espécie, destina-se a quantificar os prejuízos processuais, e não materiais, que o liquidante percebeu decorrente da conduta processual dos autores da ação. Para tanto, revela-se necessário evidenciar o fato processual praticado pelos autores da ação que ensejou a condenação destes à

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indenização pelas perdas e danos (processuais, portanto), e, aferir, de acordo com a moldura fática delineada pelas Instâncias ordinárias, se o mencionado fato processual repercute nos danos alegados pelo liquidante.

A responsabilidade por litigância de má-fé está, portanto, sempre associada à

verificação de um ilícito processual (e não a posições jurídicas materiais), sendo que somente

diante da ocorrência de prejuízo poderá ser exigida indenização, sob pena de enriquecimento sem

causa. A tutela do direito material, o qual o litigante de má-fé pode com o seu comportamento

igualmente ofender, caberá, por conseguinte, a institutos próprios do direito substantivo, como a

responsabilidade civil.

Na hipótese dos autos, como bem consignou o i. Min. Relator, ao contrário do

que sustenta o recorrente, as Instâncias ordinárias, ao determinarem, na fase de liquidação, o

valor da condenação imposta aos autores da ação de resolução parcial de contrato por litigância

de má-fé, não excluíram as perdas e danos processuais, mas, diante de sentença condenatória

ilíquida, apuraram valor igual a zero na liquidação, porquanto inexistente prejuízo processual

sofrido pela parte recorrente.

Acerca da “liquidação zero”, pondera o e. jurista Cândido Rangel Dinamarco

(Execução Civil. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 571) que “quando o juiz condena a pagar valor

que vier a ser apurado em liquidação, ele não está afirmando que efetivamente exista um valor

significativo a pagar: nos motivos da sentença, aceitou a existência dos fatos constitutivos do

direito alegado pelo autor, mas, justamente, por lhe faltar informação acerca do quantum , deixou

que a efetividade de sua expressão financeira venha a ser discutida depois e na liquidação se

decida a respeito”.

Vejam-se ainda, nesse sentido, as lições de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz

Arenhart:

Porém, outros casos poderão ocorrer em que, ao se proceder à liquidação, encontra-se verdadeiramente resultado igual a zero porque nada há a ser pago. Exemplificadamente, tem-se o caso em que se verifica, na liquidação, que não houve qualquer dano, de modo que nada há a ser ressarcido.

Por conta do princípio da fidelidade ao título, alguns autores foram levados a concluir que esta situação estaria proibida pelo direito processual, de modo que sempre a liquidação deveria fixar algum valor diferente de zero. Houve mesmo quem defendesse que, neste caso, a liquidação deveria geras ao menos a unidade “um” como crédito.

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De todo modo, grande parte da doutrina considera que esta situação não importa alteração na sentença condenatória – em razão do princípio da fidelidade ao título –, de forma que a eventual apuração de resultado zero ainda significaria a existência de condenação. Segundo pensa a ampla maioria da doutrina, em tal caso o juiz deveria rejeitar a liquidação, sem, todavia, alterar a sentença condenatória. Não haveria violação à coisa julgada, pois apenas se chegaria à conclusão de que o quantum devido é igual a zero. (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 139)

Não há como se perder de vista, portanto, que, paralelamente à presente demanda

(ação de resolução parcial de contrato), tramitou ação de deserdação, julgada improcedente no

duplo grau de jurisdição. São, portanto, duas ações distintas. Na ação de deserdação

reconheceu-se a falsidade do testamento aberto por meio do qual teria sido o recorrente

deserdado. Não obstante ser esse fato sabidamente inválido, porquanto já refutado quando do

julgamento da ação de deserdação (fl. 1.108), os recorridos dele fizeram uso, na presente

demanda, como um dos fundamentos do pedido formulado inicial, razão pela qual foram

condenados nas penas do art. 18 do CPC.

O que pretende o recorrente, na verdade, é a condenação em razão de danos civis

decorrentes de outra relação processual, matéria estranha à demanda em que se formou o título e

que extrapola, completamente, o comando sentencial, situação essa vedada, sob pena de ofensa

ao art. 610 do CPC. Acerca da exigência de que sentença transitada em julgada seja executada

nos exatos termos em que foi proferida vejam-se os seguintes precedentes: REsp 471.660/MG,

3ª Turma, minha relatoria, DJe de 10/03/2003; REsp 229.802/SC, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de

Figueiredo Teixeira, DJ de 03/04/2000.

Por fim, vale mencionar que, em caso semelhante ao dos autos (REsp

217.442/BA, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ de 05/11/2001), a 4ª Turma adotou o

entendimento no sentido de que “a penalidade imposta ao litigante de má-fé, nos moldes do art.

17, I, do CPC, impõe a apuração dos prejuízos causados à parte adversa com a conduta lesiva

do autor, porém no âmbito do processo, não se confundindo com danos morais pela eventual

repercussão negativa da lide no universo social e profissional dos réus, o que extrapola o sentido

da aludida cominação”. Do voto condutor extrai-se ainda o seguinte excerto:

Não há que se confundir, por serem coisas absolutamente diferentes, o

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dano processual que emerge da litigância de má-fé, com o dano moral, causado pela humilhação, dor, sofrimento e abalo aos atributos da personalidade por ato de terceiro.

A condenação por litigância de má-fé, pelo art. 17, I, da lei adjetiva civil, ou seja, pela dedução da “pretensão ou defesa contra texto expresse de lei ou fato incontroverso”.

O âmbito do dano e, portanto, o que deve ser apurado, corresponde aos ônus impostos à parte contrária, dentro do processo, por atos repudiados contrários à lealdade com que deve se comportar que vem a juízo vindicar seus direitos.

O que se pode perceber do rumo que tomou a fase de execução é uma transmudação de uma ação indenizatória movida pelo Desenbanco contra seus administradores, para outra ação de igual natureza, no bojo da primeira, sob a justificativa de se apurar os danos causados.

Forte nessas razões, ACOMPANHO na íntegra o voto do i. Min. Relator para

negar provimento ao recurso especial de LHANO NELSON.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA TURMA

Número Registro: 2007/0284660-3 REsp 1.011.733 / MG

Números Origem: 10024917855595 10024917855595001 10024917855595002 10024917855595003 200700540261 4639921

PAUTA: 10/05/2011 JULGADO: 01/09/2011

Relator

Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKS

SecretáriaBela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : LHANO NELSONADVOGADOS : RONALDO BRETAS DE CARVALHO DIAS E OUTRO(S)

CRISTIANO REIS GIULIANIRECORRIDO : ANTÔNIO LUCIANO PEREIRA NETOADVOGADO : PAULO EDUARDO ALMEIDA DE MELLO E OUTRO(S)RECORRIDO : ANA LÚCIA PEREIRA GOUTHIERADVOGADA : ROSA MARIA CARVALHO PINHO TAVARES E OUTRO(S)RECORRIDO : CLARA LUCIANO HENRIQUES E CÔNJUGEADVOGADO : CARLOS MAGNO DE ALMEIDA

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator, a Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Nancy Andrighi (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.

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