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Universidade de Brasília Programa de Pós-Graduação em Química Líquidos iônicos: efeito da temperatura sobre a condutividade iônica Uma descrição através da teoria de Arrhenius deformada Dissertação apresentada ao programa de Pós- Graduação do Instituto de Química da Universidade de Brasília, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Ludmila Galdino Cândido Orientador: Prof. Dr. Kleber Carlos Mundim Brasília, 2012

Líquidos iônicos: efeito da temperatura sobre a condutividade iônica

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Dissertação de mestrado que estuda a variação da condutividade, de sais líquidos a temperatura inferior a 100°C, com o aumento da temperatura

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  • Universidade de Braslia

    Programa de Ps-Graduao em Qumica

    Lquidos inicos: efeito da temperatura sobre a

    condutividade inica

    Uma descrio atravs da teoria de Arrhenius deformada

    Dissertao apresentada ao programa de Ps-

    Graduao do Instituto de Qumica da Universidade

    de Braslia, como requisito parcial obteno do

    ttulo de Mestre.

    Ludmila Galdino Cndido

    Orientador: Prof. Dr. Kleber Carlos Mundim

    Braslia, 2012

  • ii

    Folha de aprovao

  • iii

    Aos meus pais, Joo e Iclsia, que me apoiam incansavelmente.

  • iv

    Folha de agradecimentos

    Ao professor Kleber Mundim, pelos conhecimentos transmitidos e pelas

    orientaes;

    Aos meus colegas de laboratrio Guilherme, Fernando e Daniel, pelas

    conversas, brincadeiras, trabalhos e discusses;

    Aos meus amigos Rodrigo, Thaissa e Paulo, pelas horas de descontrao e

    pelo apoio nos momentos de dvida;

    Aos amigos Vilma, Karol, Rafael, Cleber e Anna Lusa, pelo incentivo;

    Ao professor Fernando Coutinho pelos esclarecimentos, aulas e todas as

    conversas, acadmicas ou no;

    CAPES, pela bolsa concedida a mim.

    E a todos que participaram direta ou indiretamente deste trabalho, meus

    sinceros agradecimentos.

  • v

    Resumo

    No final do sculo XIX, o estudo da cintica qumica teve uma grande evoluo

    quando Arrhenius props sua famosa equao. A escassez de dados

    referentes cintica de processos qumicos e a pouca acurcia dos dados

    existentes foi responsvel pela crena de que a dependncia trmica da taxa

    de reaes poderia ser por ela explicada, durante muitos anos. O avano dos

    estudos na rea permitiu a descoberta de processos que no obedecem a essa

    relao e a necessidade de maior compreenso sobre os processos

    microscpicos por trs dos dados experimentais levou ao desenvolvimento de

    novas teorias que buscam explicar como as taxas de reao variam com a

    temperatura. Hoje, podemos encontrar na literatura tanto trabalhos que

    mostram a capacidade da equao de Arrhenius de ajustar processos

    complexos satisfatoriamente, quanto outros em que se observa sua

    insuficincia ao descrever processos simples, como o caso da condutividade

    inica de lquidos inicos, que foi tratada neste trabalho. Apresentou-se uma

    pequena evoluo da teoria cintica, os efeitos que geram desvios do

    comportamento previsto pela equao de Arrhenius convencional e a teoria de

    Arrhenius deformada aplicada condutividade inica, uma proposta de

    generalizao desta que introduz o parmetro d, permitindo uma maior

    flexibilidade da equao de velocidade. Ela foi usada para descrever o

    comportamento experimental da condutividade inica de diversos lquidos

    inicos com uso potencial na rea de eletroqumica, principalmente para

    aplicaes em dispositivos de armazenamento de energia, em que essa

    propriedade de grande importncia. Os resultados obtidos com a nova

    proposta foram satisfatrios, motivando a continuao do estudo para sua

    aplicao em outras propriedades de transporte: 27 diferentes dados

    experimentais foram avaliados, dois quais apenas seis apresentaram desvios

    padres mdios superiores a 3%. Foram avaliados 23 sistemas, que

    envolveram lquidos inicos de oito ctions e seis nions.

  • vi

    Abstract

    In the late nineteenth century, the study of chemical kinetics had a great

    evolution when Arrhenius proposed his famous equation. The data scarcity of

    kinetics of chemical processes and poor accuracy of existing ones was

    responsible for the belief that the thermal dependence of reaction rate could be

    explained by it for many years. However, the advancement in the area allowed

    the discovery of processes that do not obey this relationship and the need for

    greater understanding of the theory behind the experimental data led to the

    development of new theories that seek to explain how reaction rates vary with

    temperature. Currently, we can find both in the literature, works that show the

    capacity of the Arrhenius equation to adjust complex processes satisfactorily, as

    others in which there is inadequacy in describing simple processes, such as the

    ionic conductivity of ionic liquids, which is discussed in this work. Herein, we

    presented a summary of the reasons why the Arrhenius equation become

    popular, the effects that led to deviations in the behavior predicted by it and the

    deformed Arrhenius applied to ionic conductivity, a proposed generalization in

    the Arrhenius equation that introduces the parameter d, that allow greater

    flexibility in the rate equation. The deformed Arrhenius equation was used to

    describe the ionic conductivity experimental behavior of many ionic liquids with

    potential application in electrochemistry, especially in energy storage devices, in

    which this property if very important. Obtained results with the new proposal

    were satisfactory and motivate further studies for its application to describe

    other transport properties: 27 different experimental data were evaluated and

    only six had standard deviations greater than 3%. We evaluated 23 systems

    involving ionic liquids of eight cations and six anions.

  • vii

    ndice

    LISTA DE TABELAS ............................................................................................................. VIII

    LISTA DE ABREVIAES ...................................................................................................... XIII

    LISTA DE SAIS E LQUIDOS INICOS ....................................................................................... XIV

    1 INTRODUO .................................................................................................. 21

    1.1 MOTIVAO ........................................................................................................ 22

    1.2 OBJETIVOS ........................................................................................................... 22

    1.3 FUNDAMENTOS TERICOS ...................................................................................... 24

    1.3.1. Dependncia trmica das taxas de reaes ............................................. 24

    1.3.2. Desvios da teoria de Arrhenius ................................................................. 38

    1.3.3. Teoria de Arrhenius deformada ................................................................ 46

    2 APLICAO DA TEORIA DE ARRHENIUS DEFORMADA A LQUIDOS INICOS ...... 53

    2.1 INTODUO AOS LQUIDOS INICOS .......................................................................... 54

    2.1.1 CONDUTIVIDADE INICA ......................................................................................... 59

    2.2 METODOLOGIA ..................................................................................................... 63

    2.3 RESULTADOS ........................................................................................................ 67

    3 CONSIDERAES FINAIS .................................................................................. 86

    4 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 89

  • viii

    Lista de Tabelas

    Tabela 1. Sumrio das principais propostas de equaes para a dependncia

    trmica das taxas de reaes. ................................................................... 25

    Tabela 2. Dados usados por Arrhenius em seu artigo de 1889. ....................... 26

    Para reaes em soluo, um conjunto de reaes de hidrlise foi apresentado,

    nos quais a variao da energia de ativao com a temperatura sempre

    negativa, justificada pela formao de um estado de transio mais polar

    que as molculas reagentes. Os dados experimentais esto apresentados

    na Tabela 3. Tabela 3. Reaes de hidrlise em que a energia de ativao

    varia com a temperatura. ........................................................................... 43

    Tabela 4. Parmetros da d-Arrhenius dos exemplos utilizados por Mundim e

    colaboradores. ........................................................................................... 51

    Tabela 5. Ponto de fuso de diferentes sais e lquidos inicos ........................ 55

    Tabela 6. Condutividade inicas de diferentes lquidos inicos baseados em

    ctions 1,3-dialquil-imidazlio e heptil-amnio e nos nions

    teatrafluoroborato e bis(trifluorometilsulfonil)imida a 298K em mS.cm-1. ... 58

    Tabela 7. Parmetros da d-Arrhenius para os lquidos inicos estudados por

    Bazito e colaboradores. ............................................................................. 69

    Tabela 8. Parmetros da d-Arrhenius para os lquidos inicos estudados por

    Monteiro e colaboradores. ......................................................................... 70

    Tabela 9. Parmetros da d-Arrhenius para os lquidos inicos estudados por

    Saruwatori e colaboradores. ...................................................................... 74

    Tabela 10. Energia de ativao de condutividade inica do 1M (LiBF4 +

    LiBOB)/EMIBF4. ......................................................................................... 74

    Tabela 11. Parmetros da equao de Arrhenius deformada dos LIs derivados

    do ction 1-butil-3-metil-imidazlio do estudo de Watanabe e

    colaboradores. ........................................................................................... 77

    Tabela 12. Parmetros da equao de Arrhenius deformada dos LIs

    [CnMIM][TFSI] do estudo de Watanabe e colaboradores. .......................... 79

    Tabela 13. Parmetros da equao de Arrhenius deformada dos LIs

    [CnMIM][BF4] do estudo de Buchner e colaboradores. .............................. 83

  • ix

    Lista de Figuras

    Figura 1. Reao de inverso da sacarose. ..................................................... 27

    Figura 2. Dados do logaritmo da taxa de uma reao genrica utilizada para

    obteno dos parmetros da equao de Arrhenius atravs de dados

    experimentais. ........................................................................................... 28

    Figura 3. Representao esquemtica da variao de energia durante uma

    reao qumica, em que R a energia potencial dos reagentes e P dos

    produtos. Ea a energia de ativao necessria para que a reao ocorra

    no sentido R P. ...................................................................................... 35

    Figura 4. Comparao entre diversos conceitos de energia de ativao. HT

    a entalpia de ativao e, para essa reao, seu valor de 7,1 kcal.mol-1;

    ET a energia interna de ativao a 300K e seu valor de 7,7 kcal.mol

    -1;

    VB a barreira de energia potencial e seu valor de 9,680,12 kcal.mol-1;

    Eo a altura da barreira de energia corrigida pela energia do ponto zero,

    8,5 kcal.mol-1; Ea a energia de ativao de Arrhenius e seu valor

    experimental 6,550,05 kcal.mol-1. ......................................................... 36

    Figura 5. O aparato experimental usado por Norissh e Rideal. O hidrognio

    purificado seco passando atravs do reservatrio de cido sulfrico (F) e

    ento flui para o reservatrio de enxofre (A) mantido a temperatura

    constante no banho de nitrato de sdio e potssio (D), agitado por (G). O

    sulfeto de hidrognio formado carreado pela coluna de gs e absorvido

    pela soluo de potassa (B). A velocidade do sistema medida estimando

    a quantidade de sulfeto de hidrognio absorvido pela potassa em um

    determinado intervalo de tempo (a taxa de reao expressa em gramas

    de H2S formada por segundo) colorimetricamente. (C) o suporte para o

    banho trmico (D) e (E) o regulador do fluxo de gs. ............................. 39

    Figura 6. Taxas da reao entre hidrognio e enxofre obtidas por Rideal e

    Norris para duas presses de hidrognio. A primeira, em preto, de 0,810

    atmosfera e a segunda, em vermelho, de 0,304 atmosfera. As linhas

    pontilhadas mostram o comportamento linear previsto pela equao de

    Arrhenius, que no observado. ............................................................... 40

  • x

    Figura 7. Formao de formaldedo a partir do tunelamento do tomo de

    hidrognio atravs da barreira de energia passando do tomo de oxignio

    para o tomo de carbono. .......................................................................... 44

    Figura 8. Dependncia do logaritmo da constante de velocidade e da energia

    de ativao em relao ao inverso da temperatura e ao parmetro d,

    descritas pela teoria de Arrhenius deformada. .......................................... 48

    Figura 9.Taxas de reao da respirao de folhas (), locomoo das bactrias

    do gnero Mycoplasma mobile () e da reao entre tomos de flor e

    molculas de hidrognio () apresentadas em coordenadas de Arrhenius.

    As curvas pontilhadas azuis representam um ajuste utilizando a equao

    de Arrhenius deformada. ........................................................................... 50

    Figura 10. Numerao do ction 1-butil-3-metil-imidazlio exemplificando a

    nomenclatura usada para os derivados de ctions 1,3-dialquil-imidazlio. 55

    Figura 11. Tela de trabalho do programa Datathief. As setas em vermelho, azul

    e verde indicam os cursores Ref0, Ref1 e Ref2 (destacados pelo retngulo

    vermelho) posicionados sobre a coordenada que possuem no grfico do

    qual os pontos sero extrados. A seta azul claro indica o cursor que ser

    posicionado sobre os pontos que se quer extrair, nesse caso, os da curva

    A indicada no grfico. ................................................................................ 63

    Figura 12. Condutividade inica (AC) dos lquidos inicos BMMITFSI () e

    BMPTFSI () em funo do inverso da temperatura. Os pontos

    representam os dados experimentais e a linha pontilhada representa ajuste

    utilizando a equao de Arrhenius deformada. .......................................... 68

    Figura 13. Condutividade inica (AC) dos lquidos inicos estudados por

    Monteiro em funo da temperatura. As curvas ( )representam os

    ajustes feitos com a equao de d-Arrhenius. [BMP][TFSI] (),

    EtO(CH2)2MMor][TFSI] () e [EtO(CH2)2MMI][TFSI] (). Os smbolos

    slidos indicam os lquidos inicos puros e os abertos uma soluo do

    lquido inico com LITFSI (LiTf2N = 0.24), usada para avaliar propriedades

    de transporte inico. .................................................................................. 71

    Figura 14. Dependncia da temperatura da condutividade inica dos LIs

    estudados por Saruwatari e colaboradores. [EMI][BF4] (), 1M

    LiBF4/[EMI][BF4] (), 0,25M LiBOB + 0,75M LiBF4/[EMI][BF4] (), 0,5M

  • xi

    LiBOB + 0,5M LiBF4/[EMI][BF4] (), 1M LiBOB/[EMI][BF4] ().A curva azul

    tracejada ( ) representa o ajuste feito com a equao d-Arrhenius. ... 73

    Figura 15. Energias de ativao em funo da temperatura para o lquido inico

    de composio 1M (LiBF4 + LiBOB)/EMIBF4. Os smbolos esto

    representados conforme a seguir: 1M LiBF4/[EMI][BF4] (), 0,25M LiBOB

    + 0,75M LiBF4/[EMI][BF4] (), 0,5M LiBOB + 0,5M LiBF4/[EMI][BF4] (),

    1M LiBOB/[EMI][BF4] (). As partes sombreadas em azul e vermelho

    representam, respectivamente, as regies de baixas e altas temperaturas,

    nas quais o comportamento dos grficos da Fig.16 foi considerado linear.

    ................................................................................................................... 75

    Figura 16. Condutividade inica (AC) dos LIs derivados do ction [BMI]

    estudados por Watanabe e colaboradores apresentada em coordenadas de

    Arrhenius. Os ILs esto representados conforme a seguir: [BMI][BF4]

    (),[BMI][CF3CO2] (),[BMI][CF3SO3] (),[BMI][PF6] (), [BMI][BETI] ()

    e [BMI][TFSI] (). As linhas tracejadas em azul ( ) novamente

    representam os ajustes feitos utilizando a equao d-Arrhenius. .............. 76

    Figura 17. d-Energia de ativao a 300K dos LIs estudados por Watanabe e

    colaboradores em funo do parmetro d. Os ILs esto representados

    conforme a seguir: [BMI][BF4] (),[BMI][CF3CO2] (),[BMI][CF3SO3]

    (),[BMI][PF6] (), [BMI][BETI] () e [BMI][TFSI] (). ............................ 78

    Figura 18. Condutividade inica (AC) dos LIs [CnMIM][TFSI] estudados por

    Watanabe e colaboradores apresentada em coordenadas de Arrhenius. Os

    ILs esto representados conforme a seguir: n=2 (), n=4 (), n=6 () e

    n=8(). As linhas tracejadas em azul ( ) novamente representam os

    ajustes feitos utilizando a equao d-Arrhenius. ........................................ 79

    Figura 19. Parmetros d dos LIs [CnMIM][TFSI] em funo do nmero de

    carbonos da cadeia substituinte, n, do estudo de Watanabe e

    colaboradores. ........................................................................................... 81

    Figura 20. d-Energia de ativao a 298,15K dos LIs [CnMIM][TFSI] em funo

    do nmero de carbonos da cadeia substituinte, n, do estudo de Watanabe

    e colaboradores. A curva tracejada em vermelho ( ) representa o

    ajuste feito com a equao y = yo + A.exp (Rox), em que yo= 37,0917 A= -

    23,38011 e Ro= -0,25061 com R2= 0,998. ................................................. 81

  • xii

    Figura 21. Condutividade inica (AC) dos LIs [CnMIM][BF4] estudados por

    Buchner e colaboradores apresentada em coordenadas de Arrhenius. Os

    ILs esto representados conforme a seguir: n=2 (), n=4 (), n=6 () e

    n=8(). As linhas tracejadas em azul ( ) novamente representam os

    ajustes feitos utilizando a equao d-Arrhenius. ........................................ 82

    Figura 22. d-Energia de ativao a 298,15K dos LIs [CnMI][BF4] em funo do

    nmero de carbonos da cadeia substituinte, n, do estudo de Buchner e

    colaboradores. A curva tracejada em vermelho ( ) representa o ajuste

    feito com a equao y = yo + A.exp (Rox), em que yo= 45,79486 A= -

    40,30047 e Ro= -0,31716 com R2= 0,9998. ............................................... 84

    Figura 23. Parmetros d dos LIs [CnMI][BF4] em funo do nmero de carbonos

    da cadeia substituinte, n, do estudo de Buchner. A curva tracejada em

    vermelho ( ) representa o ajuste feito com a equao y = yo + A.exp

    (Rox), em que yo= 0,15297 A= 0,19 e Ro= -0,34121 com R2= 0,9999........ 84

    Figura 24. d-Energia de ativao a 298,15K dos LIs [CnMI][BF4] do estudo de

    Buchner em funo do parmetro d da equao d-Arrhenius. A curva

    tracejada em vermelho ( ) representa o ajuste feito com a equao y =

    a+ b.x em que a= 78,30511 e b= - 216,72362 com R2=0,9995 ................. 85

  • xiii

    Lista de Abreviaes

    BETI Bis(perfluoroetano-sulfonil)imidato

    BMMI 1-butil-2,3-dimetil-imidazlio

    BMP N-n-butil-3-metil-piperidnio

    BOB Bis(oxalato)borato

    C6MI 1-hexil-3-metil-imidazlio

    C8MI 1-octil-3-metil-imidazlio

    d-Arrhenius teoria de Arrhenius deformada

    EMI 1-etil-3-metil-imidazlio

    EtO-(CH2)2MMI 1-etoxietil-2,3-dimetil-imidazlio

    LIs Lquidos inicos

    RTILs Room temperature ionic liquids, sigla em ingles para

    lquidos inicos em temperatura ambiente

    TFSI Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato

    VFT Vogel-Tamman-Fulcher

  • xiv

    Lista de sais e lquidos inicos

    [BMMI][TFSI]

    Nome em portugus

    Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de 1-n-butil-2,3-dimetil-imidazlio

    Nome em Ingls

    1-n-butyl-2,3-methylimidazolium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide

    nion Ction

    TFSI BMMI

    [BMP][TFSI]

    Nome em portugus

    Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de N-n-butil-N-metil-piperidnio

    Nome em Ingls

    N-n-butyl-N-methylpiperidinium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide

    nion Ction

    TFSI BMP

    [EtO-(CH2)2MMI][TFSI]

    Nome em portugus

    Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de 1-etoxietil-2,3-dimetil-imidazlio

    Nome em Ingls

    1-ethoxyethyl-2,3-dimethylimidazolium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide

    nion Ction

    TFSI EtO-(CH2)2MMI

  • xv

    [EtO-(CH2)2MMor][TFSI]

    Nome em portugus

    Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de N-(etoxietil)-N-metil-morfolnio

    Nome em Ingls

    N-(ethoxyethyl)-N-methylmorpholinium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide

    nion Ction

    TFSI EtO-(CH2)2MMor

    LiTFSI

    Nome em portugus

    Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de ltio

    Nome em Ingls

    Lithium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide

    nion Ction

    TFSI Li

    [EMI]BF4

    Nome em portugus

    Tetrafluoroborato de 1-etil-3-metil-imidazlio

    Nome em Ingls

    1-ethyl-3-methylimidazolium tetrafluoroborate

    nion Ction

    BF4 EMI

  • xvi

    LiBOB

    Nome em portugus

    Bis(oxalato)borato de ltio

    Nome em Ingls

    Lithium bis(oxalate)borate

    nion Ction

    BOB Li

    LiBF4

    Nome em portugus

    Tetrafluoroborato de ltio

    Nome em Ingls

    Lithium tetrafluoroborate

    nion Ction

    BF4 Li

    [BMI]BF4

    Nome em portugus

    Tetrafluoroborato de 1-butil-3-metil-imidazlio

    Nome em Ingls

    1-butyl-3-methylimidazolium tetrafluoroborate

    nion Ction

    BF4 BMI

  • xvii

    [BMI][PF6]

    Nome em portugus

    Hexafluorofosfato de 1-butil-3-metil-imidazlio

    Nome em Ingls

    1-butyl-3-methylimidazolium hexafluorophosphate

    nion Ction

    PF6 BMI

    [BMI][CF3SO3]

    Nome em portugus

    Trifluorometanosulfonato de 1-butil-3-metil-imidazlio

    Nome em Ingls

    1-butyl-3-methylimidazolium trifluoromethanesulfonate

    nion Ction

    CF3SO3 BMI

    [BMI][CF3CO2]

    Nome em portugus

    Trifluoroacetato de 1-butil-3-metil-imidazlio

    Nome em Ingls

    1-butyl-3-methylimidazolium trifluoroacetate

    nion Ction

    CF3CO2 BMI

  • 18

    [BMI][BETI]

    Nome em portugus

    Bis(perfluoroetano-sulfonil)imidato de 1-butil-3-metil-imidazlio

    Nome em Ingls

    1-butyl-3-methylimidazolium bis(perfluoroethanesulfonyl)imide

    nion Ction

    BETI BMI

    [BMI][TFSI]

    Nome em portugus

    Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de 1-butil-3-metil-imidazlio

    Nome em Ingls

    1-butyl-3-methylimidazolium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide

    nion Ction

    TFSI BMI

    [EMI][TFSI]

    Nome em portugus

    Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de 1-etil-3-metil-imidazlio

    Nome em Ingls

    1-ethyl-3-methylimidazolium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide

    nion Ction

    TFSI EMI

  • 19

    [C6MI][TFSI]

    Nome em portugus

    Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de 1-hexil-3-metil-imidazlio

    Nome em Ingls

    1-hexyl-3-methylimidazolium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide

    nion Ction

    TFSI C6MI

    [C8MI][TFSI]

    Nome em portugus

    Bis(trifluorometano-sulfonil)imidato de 1-octil-3-metil-imidazlio

    Nome em Ingls

    1-octyl-3-methylimidazolium bis(trifluoromethanesulfonyl)imide

    nion Ction

    TFSI C8MI

    [C6MI][BF4]

    Nome em portugus

    Tetrafluoroborato de 1-hexil-3-metil-imidazlio

    Nome em Ingls

    1-hexyl-3-methylimidazolium tetrafluoroborate

    nion Ction

    BF4 C6MI

  • 20

    [C8MI][BF4]

    Nome em portugus

    Tetrafluoroborato de 1-octil-3-metil-imidazlio

    Nome em Ingls

    1-octyl-3-methylimidazolium tetrafluoroborate

    nion Ction

    BF4 C8MI

    [BMI][DCA]

    Nome em portugus

    Dicianamida de 1-butil-3-metil-imidazlio

    Nome em Ingls

    1-butyl-3-methylimidazolium dicyanamide

    nion Ction

    DCA BMI

  • 1 Introduo

  • Introduo

    ____________________________________________________________

    22

    1.1 Motivao

    Cada vez mais surgem evidncias de uma variedade de estudos em

    processos reativos onde a dependncia da temperatura na taxa de reao no

    obedece a lei usual de Arrhenius. Estes processos reativos so conhecidos

    como desvios do modelo de Arrhenius e ocorrem em aplicaes modernas de

    cintica qumica e de uma vasta gama de outros fenmenos fsicos na

    Qumica, Fsica, Biologia e cincia de materiais.17

    Estudos experimentais e tericos dos processos envolvendo taxas de

    variaes em qumica e na fsica atmica e molecular - em particular aqueles

    relativos velocidade das reaes qumicas - so de primordial importncia

    no s do ponto de vista da pesquisa bsica, a fim de aprofundar o nosso

    conhecimento da estrutura da matria e das leis que regem seu

    comportamento, mas tambm do ponto de vista de aplicaes, sendo essa a

    principal motivao do presente estudo.

    Tradicionalmente, estes estudos tm aberto perspectivas para o

    desenvolvimento de novos compostos e a compreenso da evoluo de

    sistemas complexos (processos de combusto, atmosferas planetrias, de

    plasmas, condutividades eltricas em novos materiais) e das modalidades que

    regem a transferncia de energia em processos atmicos e moleculares e

    reaes qumicas.

  • Introduo

    ____________________________________________________________

    23

    1.2 Objetivos

    O objetivo principal do estudo foi aplicar uma metodologia alternativa,

    conhecida como teoria de Arrhenius deformada, que surgiu de estudos

    recentes neste tema feitos pelo grupo do LMSC/IQ/UnB - cujos resultados

    apontaram a necessidade da generalizao da teoria de Arrhenius - na

    descrio da condutividade inica de lquidos inicos.8

    Os lquidos inicos so materiais conhecidos por serem sais com baixo

    ponto de fuso, em geral abaixo dos 100C, o que os tornam lquidos em

    temperaturas ambientes, permitindo que sejam usados como solventes. Por

    serem constitudos apenas de ons, suas propriedades so bastante diferentes

    dos solventes moleculares convencionais, entre as quais se pode citar

    estabilidade trmica e qumica e presso de vapor desprezvel.9

    Essas propriedades so responsveis pela aplicao dos lquidos

    inicos em diferentes reas, como eletrlitos em dispositivos eletroqumicos,

    baterias e clulas combustveis, alm da utilizao como solvente. Outra

    caracterstica interessante a possibilidade de se combinar diferentes ctions

    e nions para formar novos lquidos inicos, o que permite a alterao ou

    regulao de determinada propriedade de acordo com o objetivo da aplicao.

    Um problema frequente o comportamento no linear do logaritmo da

    condutividade inica versus 1/T, o que impede que seja tratada em termos da

    equao convencional de Arrhenius, sendo a mais comumente descrita pela

    equao de Vogel-Fulcher-Tammann (VFT). Porm, encontram-se na literatura

    diversos exemplos em que os resultados experimentais no so descritos

    adequadamente por esse formalismo.

    Assim, reiterando, este trabalho utilizou uma generalizao da teoria de

    Arrhenius convencional aplicada condutividade inica, cujos dados esto

    disponveis na literatura, a fim de fornecer uma descrio adequada de seu

    comportamento experimental em diferentes temperaturas.

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    24

    1.3 Fundamentos Tericos

    1.3.1. Dependncia trmica das taxas de reaes

    A cintica qumica a rea responsvel pelo estudo da rapidez das

    reaes qumicas e os fatores que as afetam. A equao de Arrhenius se

    insere nesse contexto por ser at hoje responsvel pela descrio da influncia

    da temperatura na taxa de um infinito nmero de reaes. O conhecimento de

    sua histria importante para a compreenso da evoluo dos estudos que

    buscam entender os processos em que ela funciona e os efeitos que levam

    desvios do comportamento por ela previsto.

    Inicialmente, muitos estudos sobre a influncia da concentrao dos

    reagentes na taxa de reaes surgiram10. O primeiro deles que investigava as

    alteraes causadas pela temperatura provavelmente foi publicado em 1850,

    por Wilhelmy, mas uma investigao mais intensa do efeito da temperatura

    sobre a taxa de reaes somente comeou a ser feita no final do sculo XIX.

    Um sumrio das principais propostas de equaes que buscavam

    descrever a dependncia trmica das taxas de reaes est presente na

    Tabela 1, em que se visualiza uma grande quantidade de propostas, tendo

    todas elas sido bem sucedidas em descrever os dados experimentais utilizados

    por seus autores em sua proposio.

    A primeira equao apresentada na Tabela 1 pode ser vista como uma

    forma geral, de maneira que, considerando um ou outro parmetro como nulo,

    todas as outras podem ser obtidas a partir desta. Dentre as propostas

    apresentadas, duas se destacaram: a de Arrhenius, feita em 1889, e a de Koij,

    em 1893, sendo esta considerada como uma modificao da primeira.

    A proposta de Arrhenius, embora no de imediato, tornou-se a principal

    equao para descrever a influncia da temperatura e ser tratada em detalhes

    a seguir.

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    25

    Tabela 1. Sumrio das principais propostas de equaes para a dependncia trmica das taxas de reaes.

    a

    Forma diferencial Forma integrada Expresso de k Publicado por

    2

    2

    lnd k B CT DT

    dT T

    'ln lnB

    k A C T DTT

    2( ) /C B DT Tk AT e vant Hoff,1898;

    Bodenstein,1899

    2

    lnd k B CT

    dT T

    'ln ln

    Bk A C T

    T

    /C B Tk AT e Kooij,1893;

    Trautz,1909

    2

    2

    lnd k B DT

    dT T

    'lnB

    k A DTT

    2( ) /B DT Tk Ae Schwab,1883;

    vant Hoff, 1884

    Spohr,1888;

    vant Hoff e

    Reicher,1889

    Buchbock, 1899;

    Wegscheider,1899

    2

    lnd k B

    dT T 'ln

    Bk A

    T

    /B Tk Ae vant Hoff, 1884;

    Arrhenius, 1889

    Kooij,1893

    lnd k C

    dT T

    'ln lnk A C T Ck AT Harcourt e

    Esson,1895;

    Veley,1906;

    Harcourt e

    Esson,1912

    lnd kD

    dT

    'lnk A DT DTk Ae Berthelot,1862;

    Hood,1885;

    Spring,1887;

    Veley,1889; Hecht e

    Conrad,1889;

    Pendelbury e

    Seward,1889;

    Tammann,1897;

    Remsen e

    Reid,1899;

    Bugarszky,1904;

    Perman e

    Greaves,1908

    a A Tabela 1 foi adaptada e traduzida do artigo LAIDLER, K.J, The Development of Arrhenius Equation,

    Journal of Chemical Education, 1984, 61, 494-498 que apresenta uma discusso de cada uma das propostas ali representadas

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    26

    1.3.1.1. A equao de Arrhenius

    Svante August Arrhenius foi um qumico sueco, nascido em 1859, que

    teve uma reconhecida carreira na rea de qumica analtica, devido qual foi

    ganhador do prmio Nobel, em 1903. Seu envolvimento com a rea da cintica

    deu-se na tentativa de fornecer evidncias que comprovassem sua teoria de

    que os eletrlitos se dissociam quando em soluo, proposta em sua tese de

    doutorado intitulada Untersuchung ber die Galvanische Leitfhigkeit der

    Elektrolyte (Investigaes sobre a condutividade galvnica dos eletrlitos).

    Em 1889, no artigo ber die Reaktionsgeschwindigkeit bei

    der Inversion von Rohrzucker durch Suren (Sobre a taxa de reao da

    inverso de acar de cana por cidos),11 Arrhenius props sua equao e,

    utilizando dados de sete diferentes processos reativos publicados

    anteriormente, mostrou a capacidade de sua proposta de descrever

    corretamente os dados experimentais utilizados,12 apresentados na Tabela 2.

    Tabela 2. Dados usados por Arrhenius em seu artigo de 1889.b

    Autor/ano Reao T (C) Equao para k

    Hood, 1995 Oxidao do Fe2+ por ClO3- 10-32 k ab

    Warder, 1881 Hidrlise alcalina do EtOAc 4-38 ( )( )a k b c

    Urech, 1884 Inverso da sacarose 1-40 -

    Spohr, 1888 Inverso da sacarose 25-55 -

    Hech e Conrad, 1889 Reao do etoxido com MeI 0-30 .10bk a

    van't Hoff, 1884 Decomposio do cido

    cloroactico aquoso

    80-130 log

    ak b

    T

    van't Hoff, 1884 Decomposio do on cloro-

    acetato em soluo alcalina

    70-130 logk a b

    vant Hoff, 1884 Desidrobromao do cido

    dibromosuccinico

    15-101 logk a b

    b A Tabela 2 foi traduzida do artigo LOGAN, S.R, Origin and Status of Arrhenius Equation, Journal of

    Chemical Education, 1982, 59, 279-281.

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    27

    A discusso que levou Arrhenius a propor sua equao foi feita em

    termos da reao de inverso da sacarose, ilustrada na Figura 1. A sacarose,

    ao reagir com um cido, forma duas novas substncias, a frutose e a glicose,

    mas Arrhenius considerou que a substncia reagente no seria a sacarose dita

    normal, mas sim uma forma ativada dela que estaria em um rpido equilbrio

    com a forma normal e seria endotermicamente formada a partir desta.

    Figura 1. Reao de inverso da sacarose.

    A constante de equilbrio desse processo pode ser escrita como a razo

    entre a taxa da reao direta e a taxa da reao inversa, representada pela

    Eq.1:

    d

    ci

    kK

    k

    (1)

    Aplicando-se o logaritmo e derivando com relao temperatura, obtm-

    se a Eq.2.

    ln ln lnc d i

    d d dK k k

    dT dT dT

    (2)

    Comparando-se a Eq.2 com a equao de vant Hoff (Eq.3), obtm-se a

    Eq.4,

    2ln

    o

    c

    d HK

    dT RT

    (3)

    2 2 ln e lnd id i

    d E d Ek B k B

    dT RT dT RT

    (4)

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    28

    em que B0 e R a constante dos gases. As duas equaes em (4) podem

    ser novamente combinadas e reescritas na forma da Eq.3, de onde se obtm a

    Eq.5:

    2

    ln ( ) ord k T H

    dT RT

    (5)

    em que Hro = Ed -Ei a entalpia molar de reao.

    Desse modelo chegou-se ao que chamamos hoje de equao de

    Arrhenius (Eq.6), porm a entalpia padro molar da reao, referente

    diferena entre a entalpia padro molar da forma ativa e da forma normal (ou

    inativa), evoluiu para o conceito de energia de ativao.

    ( )aE

    RTk T Ae

    (6)

    O termo representado por A chamado de fator pr-exponencial, Ea a energia

    de ativao (dois parmetros considerados constantes), T a temperatura

    absoluta e R constante dos gases ideais.

    Figura 2. Dados do logaritmo da taxa de uma reao genrica utilizada para obteno dos parmetros da equao de Arrhenius atravs de dados experimentais.

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    29

    Os valores dos parmetros da equao de Arrhenius no podem ser

    medidos diretamente, mas podem ser obtidos atravs de dados experimentais

    da taxa de reao em diferentes temperaturas.

    A Fig.2 auxilia na compreenso de como o procedimento realizado. Os

    dados experimentais da taxa de uma reao em funo da temperatura so

    dispostos em um grfico semilogartimico e devem apresentar um

    comportamento que pode ser descrito por uma reta.

    A tangente do ngulo ilustrado na Fig.2 equivalente -Ea/RT, o

    coeficiente angular da reta descrita pelo logaritmo da taxa de reao dada pela

    equao de Arrhenius, conforme representado pela Eq.7. O coeficiente linear

    obtido extrapolando-se a reta para o limite em que T e equivale ao fator pr-

    exponencial.

    ln ( ) ln a

    Ek T A

    RT

    (7)

    Como a equao de Arrhenius foi capaz de explicar a grande maioria

    dos dados disponveis sobre taxas de reaes em diferentes temperaturas,

    comeou-se a tentar compreender a conexo entre seus parmetros e o que

    ocorria microscopicamente em um processo reativo. Nas prximas duas

    sees, ser discutida a evoluo do significado do fator pr-exponencial e da

    energia de ativao, respectivamente.

    1.3.1.1.1. Fator pr-exponencial

    O parmetro A, chamado mais comumente de fator pr-exponencial,

    inicialmente tratava-se de uma constante de integrao. A teoria de colises

    de Lewis e Trautz props que a taxa de reao deveria ser o produto do

    nmero de molculas ativadas pela frequncia com que essas colidiam. A partir

    da, esse parmetro passou a ser chamado, tambm, de fator de frequncia13.

    De acordo com essa teoria, para um gs contendo molculas

    consideradas como esferas rgidas, A e B, o nmero de colises, ZAB, seria

    dado pela Eq.8:

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    30

    12

    2 8 A BAB A B ABA B

    m mZ N N d kT

    m m

    (8)

    em que NA e NB so o nmero de molculas do gs por unidade de volume, dAB

    a soma dos raios de A e B, mA e mB as respectivas massas e k a constante de

    Boltzmann.

    O nmero de colises multiplicado pelo fator e-E/RT

    da equao de

    Arrhenius, dividido pelo termo NANB e multiplicado por L, o nmero de

    Avogadro, descreveria a taxa de reao, no S.I, como na E q.9:

    12

    2 8

    E

    A B RTAB

    A B

    m mk Ld kT e

    m m

    (9)

    O fator pr-exponencial na Eq.9 o chamado fator de frequncia de colises

    ou, mais comumente, fator de frequncia.

    Bodenstein14 verificou que o fator de frequncia para a reao entre

    hidrognio e iodo tinha o valor de 1011 L.mol-1.s-1 , que foi encontrado para

    vrias outras reaes simples em fase gasosa e, inclusive, em soluo. Porm,

    a existncia de um grande nmero de reaes em que o fator de frequncia

    calculado diferia consideravelmente daquele obtido experimentalmente levou a

    um descrdito da teoria15.

    Assim, surgiu a necessidade de reviso em seus fundamentos, uma vez

    que a considerao de molculas como esferas rgidas mostrou-se insuficiente

    na descrio de taxas de reaes. Apesar disso, sua importncia permanece

    indiscutvel por ter sido a primeira a propor uma forma para o fator pr-

    exponencial.

    O fator de frequncia, definido pela teoria de colises, foi ainda utilizado

    por La Mer16, que props a descrio da taxa de reao conforme a Eq.10:

    G

    RTk Ze

    (10)

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    31

    em que Z o fator de frequncia de coliso e G

    a energia livre de Gibbs de

    ativao.

    Essa proposta surgiu pouco antes da teoria do estado de transio e

    apresenta uma formulao prxima a esta, porm ao considerar um equilbrio

    (tal como feito por Arrhenius no processo de inverso da sacarose), surgia uma

    inconsistncia, uma vez que para que a equao representasse corretamente a

    constante de equilbrio era necessrio que os fatores de frequncia dos

    processos direto e inverso fossem iguais, o que no acontecia.

    Kohnstamm, Scheffer17 e Brandsma1820, entre os anos de 1911 e 1929,

    desenvolveram importantes ideias que tambm iam ao encontro da teoria do

    estado de transio.13 Eles consideraram que a constante de equilbrio, Kc, de

    uma reao poderia ser expressa conforme a Eq.11:

    ln cG

    KRT

    o

    (11)

    em que G a variao na energia livre de Gibbs padro. Seguindo o mesmo

    raciocnio feito por Arrhenius, consideraram um equilbrio e definiram a

    constante de equilbrio como a razo entre a taxa da reao direta e inversa e

    chegaram Eq.12:

    ln lnd i

    Gk k

    RT

    o

    (12)

    de onde se concluiu que a expresso geral para o logaritmo da taxa de reao

    deveria ter como forma geral a Eq.13:

    ln

    Gk C

    RT

    (13)

    em que C uma constante.

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    32

    Assim, para qualquer reao, a taxa de reao poderia ser escrita

    conforme a Eq.14:

    G S HRT R RTk e e e

    (14)

    na qual G foi substitudo de acordo com a relao G = H-TS, H e

    S so, respectivamente, a variao de entalpia e entropia entre o estado

    inicial e o estado intermedirio e seria um fator idntico para todas as

    reaes, mas que permaneceu sem interpretao.

    A teoria Arrhenius, apesar de apresentar uma ideia de fcil

    compreenso, possua fundamentos tericos pouco desenvolvidos. Mesmo se

    tratando de uma equao emprica, em que, portanto, no seria necessria

    uma associao entre seus parmetros e significados fsicos, a capacidade de

    descrio da maioria dos processos sobre os quais se possua dados na poca

    em que surgiu mostrou a necessidade de compreenso microscpica da

    cintica das reaes.

    Essa lacuna foi, em parte, preenchida pela teoria do estado de transio

    formulada por Eyring,21 em 1935, baseada na mecnica estatstica e na

    termodinmica, que props duas equaes para a taxa de reao (Eq. 15 e

    16):

    EB RT

    A B

    k T Qk e

    h Q Q

    (15)

    S HB R RT

    k Tk e e

    h

    (16)

    nas quais ao coeficiente de transmisso, kB a constante de Boltzmann, h

    a constante de Planck, Q a funo de partio do estado de transio, QA e

    QB as funes de partio de reagentes e produtos, respectivamente.

    Em relao ao fator pr-exponencial, o grande feito dessa teoria foi

    estabelecer uma frmula para este e, diferentemente da teoria de Arrhenius,

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    33

    com uma dependncia explcita da temperatura.

    Herschbach e colaboradores22 realizaram clculos para o fator pr-

    exponencial de doze reaes bimoleculares em fase gasosa considerando

    diferentes metodologias. Ao comparar os valores experimentais, ou seja,

    aqueles obtidos atravs da equao de Arrhenius, com os calculados pela

    teoria do estado de transio observaram que, com algumas excees, havia

    uma boa concordncia.

    Num sentido mais amplo, a teoria do estado de transio foi

    responsvel por permitir o clculo da taxa de reao, mas ainda hoje possui

    limitaes computacionais que impedem que seja aplicada a sistemas

    complexos. Apesar disso, fornece importantes informaes sobre os possveis

    caminhos reacionais, prestando grande auxlio na compreenso de como uma

    reao ocorre.

    A ideia de um fator pr-exponencial dependente da temperatura j havia

    sido introduzida em 1893 por Koij. Sua equao conhecida atualmente como

    Arrhenius modificada, mas tambm no possui significado fsico associado a

    todos os seus parmetros.

    Apesar da discusso sobre o fator pr-exponencial existente em

    diversas teorias cinticas, em se tratando da aplicao da equao de

    Arrhenius, ele permanece sem um significado fsico na maioria dos casos

    porque, mesmo com a existncia da teoria do estado de transio que fornece,

    efetivamente, bases tericas para a compreenso da cintica de reaes,

    existem sistemas onde difcil, seno impossvel, uma compreenso detalhada

    sobre as reaes que ali esto ocorrendo.

    Ainda assim, possvel o desenvolvimento de uma metodologia que

    mea a taxa de uma determinada reao. Nesses casos, o tratamento atravs

    da teoria do estado de transio seria invivel, mas, de posse dos dados

    experimentais referente taxa com que a reao em questo ocorre,

    possvel obter algumas informaes, o que pode ser feito atravs da equao

    de Arrhenius. A interpretao do fator pr-exponencial , ainda, bastante

    incipiente em grande parte das aplicaes, sendo a energia de ativao o

    parmetro mais discutido.

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    34

    1.3.1.1.2. Energia de Ativao

    De acordo com Arrhenius11, a energia de ativao seria a energia

    necessria para transformar as molculas de sacarose em sua forma ativada.

    De uma maneira mais geral, interpretada como a diferena de energia

    existente entre o estado de transio e os reagentes, que est

    esquematicamente representada na Fig.3.

    O valor dessa energia pode ser obtido atravs do coeficiente angular da

    reta que descreve o comportamento dos valores experimentais da taxa de

    reao, dado pela Eq. 17:

    tan a

    E

    RT

    (17)

    Essa definio pode ser escrita, de uma maneira mais geral, como:

    2ln( ) ln( )

    (1/ ) ( )a

    d k d kE R RT

    d T d T

    (18)

    O conceito de energia de ativao23 foi bastante discutido medida que

    as teorias cinticas foram se desenvolvendo. Inclusive, a facilidade de

    compreenso de sua associao barreira de energia a ser ultrapassada para

    que fosse possvel o prosseguimento da reao foi um dos responsveis pela

    popularizao da teoria de Arrhenius. Uma reflexo sobre seu significado faz-

    se necessria, uma vez que os conceitos envolvidos nas diferentes teorias

    cinticas vm sendo assumidos como idnticos, e, apesar de estarem

    relacionados, so diferentes.

    Pacey24 publicou um artigo didtico que torna bastante clara a diferena

    entre conceitos como energia de ativao de Arrhenius, entalpia de ativao,

    entre outros, atravs do estudo da reao em fase gasosa D + H2 DH + H,

    considerando a teoria do estado de transio.

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    35

    Figura 3. Representao esquemtica da variao de energia durante uma reao qumica, em que R a energia potencial dos reagentes e P dos produtos. Ea a energia de ativao necessria para que a reao ocorra no sentido R P.

    A Fig.4 representa graficamente os diferentes conceitos: o primeiro

    patamar (em vermelho) do lado esquerdo representa a energia potencial dos

    reagentes, a energia mnima dos trs tomos reagentes caso seus ncleos

    fossem considerados fixos. Nessa situao, os tomos de hidrognio da

    molcula de H2 estariam separados por sua distncia de equilbrio e o tomo

    de deutrio estaria a uma distncia infinita.

    No primeiro patamar do lado direito encontra-se a energia potencial do

    complexo ativado, o ponto de mais alta energia no caminho reacional de

    mnima energia.

    As energias vibracionais do ponto zero (1 e 7) esto mostradas no

    segundo patamar de ambos os lados, para os reagentes do lado esquerdo e

    para o complexo ativado do lado direito. A diferena da energia potencial +

    energia do ponto zero dos reagentes entre reagentes e complexo ativado a

    barreira de energia corrigida pela energia do ponto zero.

    As regies coloridas pretendem representar uma distribuio trmica de

    energia com o intuito de demonstrar que a energia de reagentes e complexo

    ativado alterada pela variao de temperatura.

    ET a chamada energia de ativao interna e refere-se diferena

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    36

    entre a energia trmica do complexo ativado e dos reagentes a 300K. Ea a

    energia de ativao de Arrhenius que, a partir da sua definio geral dada pela

    Eq.17, foi considerada como a energia interna de ativao adicionada do termo

    RT.

    Figura 4. Comparao entre diversos conceitos de energia de ativao. HT a entalpia

    de ativao e, para essa reao, seu valor de 7,1 kcal.mol-1

    ; ET a energia interna de

    ativao a 300K e seu valor de 7,7 kcal.mol-1

    ; VB a barreira de energia potencial e seu

    valor de 9,680,12 kcal.mol-1

    ; Eo a altura da barreira de energia corrigida pela

    energia do ponto zero, 8,5 kcal.mol-1

    ; Ea a energia de ativao de Arrhenius e seu valor experimental 6,550,05 kcal.mol

    -1.c

    Atravs desse estudo, pode-se observar que os conceitos de energia de

    ativao esto relacionados, mas no so numericamente idnticos.

    importante notar, em especial, que o valor energia de ativao de Arrhenius

    difere consideravelmente do valor da barreira de energia encontrado atravs da

    teoria do estado de transio. Observando a Fig.4, v-se claramente que essas

    duas grandezas no representam o mesmo conceito, embora sejam

    frequentemente confundidas.

    c Figura adaptada do artigo PACEY, P.D., Changing conceptions of Activation Energy, Journal of Chemical

    Education, 1981, 58, 612-614.

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    37

    Outro ponto de discusso levantado j h bastante tempo trata do

    significado da energia de ativao em processos onde se observa a existncia

    de mecanismos concorrentes25.

    Uma vez que um mecanismo interfere no curso natural do outro, mesmo

    que os dois mecanismos sejam do tipo Arrhenius (isto , que o grfico de ln k

    vs T-1 de cada um seja linear), um grfico ln k versus T-1 do processo global

    pode apresentar desvios ao comportamento linear previsto por Arrhenius.

    Isso ocorre porque suas taxas de reaes so afetadas uma pelo

    mecanismo da outra e, consequentemente, os parmetros obtidos a partir

    desses dados, tanto o fator pr-exponencial quanto a energia de ativao, no

    representaro nem uma nem outra reao.

    Como alternativa, surgiu o conceito de energia de ativao aparente,

    Eaa, que aparece em vrios artigos de maneira anloga energia de ativao

    proposta por Arrhenius, porm, nesses casos, trata-se de sistemas complexos

    em que no se sabe exatamente que mecanismos so dominantes medida

    que se varia a temperatura.

    Esse conceito surge tambm relacionado a processos que apresentam

    desvios da teoria de Arrhenius. De acordo com esta, a energia de ativao

    seria independente da temperatura, porm a existncia de um desvio do

    comportamento por ela previsto implica uma dependncia trmica da energia

    de ativao e a necessidade de introduo de um novo conceito.

    Assim, a energia de ativao aparente obtida atravs de dados

    experimentais da mesma forma que a energia de ativao de Arrhenius,

    atravs da Eq.17, com a diferena de que a Eaa dependente da temperatura.

    Ainda nesse sentido, criou-se o conceito de energia de ativao efetiva,

    proposto por Vyazovkin26, que segue a mesma ideia da energia de ativao

    aparente, porm seu trabalho se concentra, especialmente, na aplicao de

    teorias cinticas para reaes slidas.

    O autor justifica a proposio de um novo termo devido associao

    automtica da energia de ativao energia livre ou entalpia de ativao, que

    pode ser correta para reaes em fase gasosa, mas que possui um significado

    fsico muito mais complexo para reaes em fase lquida e slida.

    A origem e os fenmenos que podem levar desvios da teoria de

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    38

    Arrhenius e, consequentemente, uma dependncia trmica da energia de

    ativao, sero discutidos a seguir para uma melhor compreenso da

    motivao deste trabalho.

    1.3.2. Desvios da teoria de Arrhenius

    O surgimento da teoria de colises e da teoria do estado de transio

    que propuseram expresses para a taxa de reaes semelhantes proposta

    por Arrhenius, j que ambas as propostas continham um termo exponencial

    dependente da temperatura, acabou fortalecendo esta ltima que, at a dcada

    de 50, era satisfatria para a grande maioria dos dados experimentais

    disponveis para reaes em fase gasosa27, o principal campo de aplicao da

    teoria de colises e do estado de transio.

    Apesar disso, j no incio do sculo XX, se sabia de condies em que o

    comportamento previsto pela equao de Arrhenius no deveria ser observado

    e comearam a surgir resultados que comprovavam esses desvios.

    Norrish e Rideal,28 em 1923, publicaram resultados do estudo da reao

    do hidrognio com enxofre, que j havia sido estudada anteriormente por

    Hautefeuille, Pelabon e Bodenstein.

    Devido a resultados controversos dos dois ltimos autores e a possveis

    erros experimentais, Norrish e Rideal propuseram um mtodo de fluxo

    dinmico, ilustrado na Fig.5.

    Este permitiu chegar concluso de que a reao entre hidrognio e

    enxofre abaixo do ponto de ebulio ocorreria por dois caminhos: uma reao

    homognea entre o hidrognio e o vapor de enxofre e uma reao heterognea

    entre hidrognio e enxofre lquido na interface das fases lquida e gasosa, a

    primeira predominando a temperaturas abaixo de 285 e a segunda em

    temperaturas acima desta.

    Os experimentos foram conduzidos em duas diferentes presses de H2:

    0,810 e 0,304 atm. Os resultados obtidos esto ilustrados na Fig.6, sob a forma

    de log da taxa de reao versus T-1, a chamada coordenada de Arrhenius.

  • Fundamentos Tericos

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    39

    Figura 5. O aparato experimental usado por Norissh e Rideal. O hidrognio purificado seco passando atravs do reservatrio de cido sulfrico (F) e ento flui para o reservatrio de enxofre (A) mantido a temperatura constante no banho de nitrato de sdio e potssio (D), agitado por (G). O sulfeto de hidrognio formado carreado pela coluna de gs e absorvido pela soluo de potassa (B). A velocidade do sistema medida estimando a quantidade de sulfeto de hidrognio absorvido pela potassa em um determinado intervalo de tempo (a taxa de reao expressa em gramas de H2S formada por segundo) colorimetricamente. (C) o suporte para o banho trmico (D) e (E) o regulador do fluxo de gs.

    d

    Observando as duas linhas pontilhadas que representam o

    comportamento linear previsto por Arrhenius, conclui-se que a reao de

    hidrognio e enxofre nas condies estudadas apresenta um claro desvio

    dessa teoria, j que os dados experimentais no podem ser linearmente

    descritos satisfatoriamente.

    Esse exemplo ilustra um dos casos em que a teoria proposta por

    Arrhenius viria a falhar: uma reao em que um mecanismo domina em altas

    temperaturas e outro que seria dominante em baixas temperaturas, levando a

    um resultado global que no pode ser descrito pela equao de Arrhenius,

    mesmo que, tanto a reao homegnea quanto a heterognea possam ser, se

    consideradas isoladamente, como pontuado por Hinshelhood.29

    Exemplos como esse comearam a se tornar cada vez mais frequentes

    medida que o desenvolvimento de novas tcnicas e o aprimoramento das j

    d A Fig.5 foi adaptada do artigo NORRISH, R.G.W, RIDEAL,E.K, LXXXII.-The Conditions of Reaction of Hydrogen with Sulphur. Part I. Direct Union, Journal of Chemical Society, 1923, 123, 696-705.

  • Fundamentos Tericos

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    40

    existentes permitiu que reaes rpidas fossem estudadas e que um grande

    intervalo de temperatura fosse coberto, alm da diminuio dos erros

    experimentais. Dessa forma, novos resultados revelando desvios da teoria de

    Arrhenius puderam ser obtidos.

    Figura 6. Taxas da reao entre hidrognio e enxofre obtidas por Rideal e Norris para duas presses de hidrognio. A primeira, em preto, de 0,810 atmosfera e a segunda, em vermelho, de 0,304 atmosfera. As linhas pontilhadas mostram o comportamento linear previsto pela equao de Arrhenius, que no observado.

    Um dos primeiros artigos a avaliar os vrios efeitos que levam a desvios

    do comportamento de Arrhenius, publicado por Hulett15, classifica-os em quatro

    diferentes categorias: efeitos do meio, efeitos quasi-termodinmicos, efeitos

    mecnico-qunticos e efeitos diversos. Para uma melhor compreenso de suas

    implicaes, eles sero discutidos separadamente a seguir.

    1.3.2.1. Efeitos do meio

    Os efeitos do meio foram avaliados a partir de alteraes na energia de

    ativao, que foi considerada como uma funo de vrios termos que teriam

    diferentes dependncias da temperatura.

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    41

    Os termos foram inicialmente estudados por Ogg e Polanyi30 e por

    Evans e Polanyi31, sendo: Eb relacionado s ligaes qumicas, que so

    esticadas ou encurtadas nas molculas reativas para formao do estado de

    transio; Er relacionado s foras de repulso entre tomos no ligados

    espacialmente prximos; Ee referente s interaes eletrostticas entre os

    reagentes e Es, um termo referente solvatao dos reagentes e do estado de

    transio.

    Esses fatores foram mais claramente discutidos por Caldin32: em

    reaes em fase gasosa, algumas relaes foram encontradas entre a energia

    de ativao e a energia de dissociao das ligaes formada em reaes

    unimoleculares e entre a energia de ativao e a diferena entre a energia das

    ligaes quebradas e formadas em reaes radicalares.

    Embora nenhuma relao tenha sido verificada em reaes em soluo,

    esse fator tem uma contribuio indiscutivelmente importante para a energia de

    ativao.

    O fator relacionado repulso difcil de estimar, como relatado pelo

    autor, alm da significncia de sua contribuio no ser um consenso. A

    importncia das interaes eletrostticas, Ee, foi estudada por Bell33 e por

    Hinshelhood, Laidler e Timm34.

    Atravs destes, se chegou concluso que a variao de energia pode

    ser correlacionada com os momentos de dipolo dos reagentes ou com o efeito

    indutivo dos substituintes, sendo assim um importante efeito para reaes em

    soluo.

    Por fim, Caldin avaliou o efeito da reorganizao das molculas de

    solvente em torno das molculas reagentes e pontuou dois aspectos dessa

    mudana.

    O primeiro estava relacionado dificuldade de aproximao entre

    molculas solvatadas, fazendo com que uma energia seja gasta para remover

    pelo menos uma das molculas de solvente que circunda a molcula de

    reagente para que a reao possa ocorrer. O segundo aspecto trata da

    solvatao do estado de transio, que pode causar restries na sua

    mobilidade, afetando a energia de ativao.

    Esse efeito pode ser avaliado pela variao na energia provocada pela

    mudana de solvente, que reflete uma alterao na energia necessria para

  • Fundamentos Tericos

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    42

    reorientar as molculas de solvente quando se forma o estado de transio.

    Alm disso, a temperatura tambm afeta as propriedades do solvente o que

    certamente afeta a energia de ativao aparente de reaes em soluo.

    1.3.2.2. Efeitos quasi-termodinmicos

    Quando Arrhenius props sua equao a partir da equao de vant

    Hoff, considerou a diferena de energia entre as molculas na forma ativa e na

    forma normal como independente da temperatura. Como essa dependncia, de

    fato, existe, ela deve ser expressa de alguma forma na energia de ativao.

    Partindo do desenvolvimento mecnico-estatstico da equao de

    Arrhenius feito por Tolman para reaes bimoleculares, La Mer16 chegou

    expresso dada pela Eq.19 que define a capacidade calorfica de ativao,

    Cp :

    2 2 2 2 ( )21 [ ( ) ] [ ( ) ]A j act i pdE e e e e C C CdT kT

    (19)

    em que a quantidade 2 2[ ( ) ]e e representa a diferena entre a mdia do

    quadrado das energias de todas as molculas e o quadrado da energia mdia

    de todas as molculas.

    Esse termo representa a capacidade calorimtrica parcial de todas as

    molculas, que pode ser calorimetricamente medida e aproximada pela

    capacidade calorfica parcial das molculas no reagentes, iC .

    J o termo 2 2[ ( ) ]e e representa a capacidade calorfica parcial das

    molculas que reagem e aproximado pela capacidade calorfica molal das

    molculas reagentes, ( )j actC .

    A partir dessa equao, La Mer concluiu que desconsiderar a

    capacidade calorfica de ativao injustificvel e seria o mesmo que

    desconsiderar a participao da entropia no equilbrio qumico.

    importante ressaltar que a concluso de La Mer implica considerar a

    energia de ativao como constante no intervalo partindo de 0 K at a

  • Fundamentos Tericos

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    43

    temperatura mxima durante a realizao de um experimento. De fato, em

    alguns experimentos, a energia de ativao pode ser constante no intervalo de

    temperatura estudado e, por isso, a equao de Arrhenius utilizada.

    Em relao a dados experimentais de reaes em fase gasosa que

    apresentem desvios da teoria de Arrhenius que promovessem uma discusso

    termodinmica, Hulett15 relata que havia poucos resultados com acurcia

    suficiente para que os efeitos dos desvios fossem observados.

    Alm disso, a variao da capacidade calorfica de ativao tanto

    menor quanto maior a proximidade entre reagentes e estado de transio,

    assim, um estudo dos efeitos das consideraes termodinmicas dissociado do

    efeito do solvente no foi apresentado.

    Para reaes em soluo, um conjunto de reaes de hidrlise foi

    apresentado, nos quais a variao da energia de ativao com a temperatura

    sempre negativa, justificada pela formao de um estado de transio mais

    polar que as molculas reagentes. Os dados experimentais esto apresentados

    na Tabela 3.

    Tabela 3. Reaes de hidrlise em que a energia de ativao varia com a temperatura.e

    Reao Solvente Ea

    (cal.mol-1)

    Intervalo

    de T (C)

    dEa/dT

    (cal.mol-1.grau)

    Hidrlise do CH3F H2O 21160 80-150 -67

    Hidrlise do CH3Cl H2O 22700 50-100 -52

    Hidrlise do CH3Br H2O 21425 35-100 -46,5

    Hidrlise do CH3I H2O 23100 50-100 -56,5

    Hidrlise do CH2Cl2 H2O 25590 100-150 -59

    Hidrlise do ButCl H2O 23350 0-25 -182

    Hidrlise do C6H5.CH2Cl H2O 21450 15-65 -40

    Hidrlise do CH2CHCH2Cl H2O 22180 35-85 -50

    Hidrlise do C6H5SO3CH3 H2O 21650 10-70 -33,4

    O autor relata que, mesmo nos casos em que a variao da energia de

    ativao grande, o efeito dessa variao num grfico em coordenadas de e Tabela extrada do artigo HULLET, J.R., Deviations from the Arrhenius Equation, Quartely Reviews,

    1964, 18, 227-242.

  • Fundamentos Tericos

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    44

    Arrhenius pequeno e s deve ser observado em experimentos com alta

    acurcia.

    1.3.2.3. Efeitos mecnico-qunticos

    De acordo com a teoria de Arrhenius, para que uma reao ocorra,

    necessrio que as molculas de reagente possuam energia suficiente para

    ultrapassar a energia de ativao, porm, de acordo com a mecnica-quntica,

    h a probabilidade de que o sistema reaja com uma energia inferior da

    barreira de energia, fenmeno este conhecido como tunelamento.

    Figura 7. Formao de formaldedo a partir do tunelamento do tomo de hidrognio atravs da barreira de energia passando do tomo de oxignio para o tomo de carbono.

    A Figura 7 ilustra o efeito de tunelamento sofrido pela molcula de

    hidroximetileno para formar o formaldedo.35 A molcula de hidroximetileno,

    produzida a partir do aquecimento do cido glioxlico, foi mantida em um

    ambiente de argnio resfriado a 10K para que no houvesse energia trmica

    suficiente que permitisse o rearranjo que leva formao do formaldedo.

    Apesar disso, mesmo sob condies bastante controladas, essa

  • Fundamentos Tericos

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    45

    molcula foi detectada, o que foi atribudo ao efeito de tunelamento.

    O efeito de tunelamento deve ser mais pronunciado e, portanto,

    observado num grfico em coordenadas de Arrhenius na regio de baixas

    temperaturas, onde se visualiza uma curvatura e particularmente importante

    em reaes envolvendo transferncia de prtons. Um exemplo desse efeito

    pode ser visto na seo 1.3.3.

    1.3.2.4. Efeitos diversos

    Alm dos j mencionados anteriormente, uma srie de outros fatores

    podem provocar desvios do comportamento previsto por Arrhenius. Uma

    considerao importante a de que uma reao pode ocorrer por diferentes

    mecanismos em diferentes temperaturas, tendo cada um deles diferentes

    energias de ativao.

    Assim, os dados experimentais dispostos em um grfico em

    coordenadas de Arrhenius apresentaro uma curvatura. Em altas

    temperaturas, o mecanismo com maior energia de ativao ser dominante e

    em baixas temperaturas ocorrer o contrrio, a reao com menor energia de

    ativao dominar.

    O comportamento contrrio ser observado nos casos em que duas

    reaes ocorrem consecutivamente com diferentes energias de ativao. A

    reao com menor energia de ativao domina em altas temperaturas e a de

    mais alta energia de ativao domina em baixas temperaturas. No ponto em

    que os dois processos possurem a mesma taxa de reao ser observada

    uma concavidade.

    Se a concentrao de um reagente formado em um pr-equilbrio afetar

    a taxa de reao de um processo mais geral, uma curvatura no grfico em

    coordenadas de Arrhenius deste ser observada porque a constante do

    equilbrio afetada pela variao de temperatura.

    Outro efeito que causa desvios do comportamento de Arrhenius a

    dependncia da taxa de reaes biolgicas da temperatura tima do meio,

    nessa categoria se encaixam especialmente reaes catalisadas por enzimas,

  • Fundamentos Tericos

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    46

    que so inativadas acima de uma determinada temperatura e o efeito de

    catlise abruptamente descontinuado.

    Devido inexistncia de uma teoria cintica universal que seja capaz de

    explicar e descrever as observaes experimentais disponveis at o momento,

    principalmente os processos que apresentam desvios da equao de

    Arrhenius, dois caminhos so possveis: a proposio de novas teorias ou a

    proposio de modificaes s teorias j existentes.

    Dentro da segunda categoria encaixa-se o trabalho de Mundim e

    colaboradores8, em que foi proposta a chamada teoria de Arrhenius deformada

    que ser apresentada a seguir.

    1.3.3. Teoria de Arrhenius deformada

    Baseando-se na definio de Euler para a funo exponencial dada pela

    Eq.20:

    exp( ) lim 1

    n

    n

    xx

    n

    (20)

    e utilizando-se de deformaes algbricas36, define-se a funo exponencial

    deformada de acordo com a Eq.21:

    1

    exp ( ) [1 ]dd x dx

    (21)

    que, no limite em que o nmero real d0, coincide com a Eq.20.

    Esta definio de funo exponencial pode tambm ser obtida atravs

    da teoria termodinmica no extensiva, na qual o parmetro utilizado

    denominado q, que corresponde a 1-d.

    Aplicando a definio dada pela Eq. 21 Eq.6, a definio da taxa de

    reao segundo Arrhenius, obtm-se uma generalizao da equao de

    Arrhenius, que expressa pela Eq. 22:

    1

    ( ) exp 1d

    dk T A A dRT RT

    (22)

  • Fundamentos Tericos

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    47

    no limite em que d0, Ea de onde conclui-se que a Eq. 6 um caso

    particular da Eq. 22.

    Da mesma forma que feito com a equao de Arrhenius, utiliza-se o

    ajuste dos dados experimentais para a obteno dos parmetros A, d e . Para

    isso, toma-se o logaritmo da Eq.22, cuja expresso resultante expressa pela

    Eq.23:

    1ln ( ) ln ln 1k T A d

    d RT

    (23)

    O logaritmo da constante de velocidade expresso dessa forma capaz

    de descrever dados experimentais de reaes em que num grfico de ln k

    versus T-1 so obtidas, ao invs do comportamento linear, curvas com

    diferentes curvaturas, como ilustrado na parte superior da Fig.8.

    A partir da definio geral de energia de ativao derivada do conceito

    de Arrhenius, dada pela Eq.18, aplicada definio da constante de

    velocidade dada pela Eq.22, se obtm uma expresso para o que chamaremos

    de energia de ativao deformada, representada abaixo pela Eq.24:

    d

    d

    1ln( )1

    (1/ )dk d

    ERT RT

    (24)

    A energia de ativao, que pela definio de Arrhenius considerada

    constante, passa a variar com a temperatura e com o parmetro d de acordo

    com essa nova definio. Nesse caso, pode-se observar que uma variao na

    temperatura produz uma acentuada alterao nas curvas em que d positivo,

    como possvel visualizar na parte inferior da Fig.6, onde est ilustrado o

    comportamento geral da funo energia de ativao deformada num grfico em

    coordenadas de Arrhenius.

    Ainda nesse trabalho, so discutidos trs exemplos de aplicao da

    teoria de Arrhenius deformada com o objetivo de demonstrar sua capacidade

    de descrever os resultados experimentais que apresentam desvios da teoria

    convencional de Arrhenius. Eles sero aqui apresentados para uma melhor

    compreenso da nova teoria.

  • Fundamentos Tericos

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    48

    Figura 8. Dependncia do logaritmo da constante de velocidade (a) e da energia de ativao (b) em relao ao inverso da temperatura e ao parmetro d, descritas pela teoria de Arrhenius deformada.

    O primeiro exemplo refere-se ao estudo da taxa de respirao das folhas

    de plantas da espcie Camellia japonica.37,38 O processo de respirao

    consiste na transformao de glicose e oxignio em dixido de carbono e gua,

    atravs da reao global C6H12O6 + 6O2 6H2O + 6CO2 que ocorre na

    mitocndria, organela em que se encontram as enzimas respiratrias.

    Uma srie de reaes fazem parte desse processo, mas atravs do

    conhecimento da taxa de respirao que dada, por exemplo, pelo tempo que

    um determinado organismo leva para consumir uma quantidade fixa de

    oxignio, pode-se obter informaes importantes sobre processo geral que

    ocorre na mitocndria.

  • Fundamentos Tericos

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    49

    Foi proposto um mtodo de anlise quantitativa atravs da

    espectrometria de massas em que uma quantidade fixa de folhas era disposta

    em um cilindro de ao conectado um sistema de vcuo preenchido com uma

    mistura de proporo 4:1 de nitrognio-oxignio. Esse cilindro era acoplado

    um espectrmetro mantido em temperatura constante que detectava os sinais

    de oxignio e dixido de carbono, de onde se extraa as presses parciais de

    ambos os gasesf, que permitia o clculo da taxa de reao.

    O segundo exemplo utilizado por Mundim e colaboradores foi o estudo

    da locomoo de micoplasmasg, principalmente da espcie Mycoplasma

    mobile39, que deslizam entre 2 e 4,5 m.s-1 em substratos slidos como vidros,

    plsticos e sobre a superfcie de clulas epiteliais em condies controladas,

    movidos pela energia gerada atravs da hidrlise de ATP.9

    Essa locomoo realizada atravs da interao de protenas que

    protrudem da membrana da bactria, formando uma espcie de perna, e

    interagem com o substrato. A velocidade de locomoo mostrou-se

    dependente da temperatura e foi medida com o auxlio de uma cmera de

    vdeo.

    O terceiro e ltimo exemplo utilizado trata do clculo mecnico quntico

    da taxa da reao de troca exotrmica entre tomos de flor e molculas de

    hidrognio no intervalo aproximado entre 10 e 350K,40 que permitiu a

    investigao dos efeitos qunticos que influenciam a reaes em baixas

    temperaturas. Estas foram obtidas atravs de diversas superfcies de energia

    potencial (PES, do ingls potential energy surfacee) diferindo nos detalhes das

    aproximaes da teoria do estado de transio utilizadas.

    A Figura 9 apresenta as taxas das reaes utilizadas por Mundim

    e colaboradores para demonstrar o sucesso da teoria de Arrhenius deformada

    em descrever diferentes processos reativos.

    No primeiro grfico, a taxa de consumo de oxignio pelas folhas da

    espcie Camellia japonica apresenta um comportamento do tipo super-

    Arrhenius, sua variao est relacionada ao aumento da atividade cataltica

    f Detalhes experimentais esto disponveis nas referncias 21 e 22. A primeira fornece medidas com

    18O2 e correlaciona o aumento da taxa de respirao medida que a temperatura

    aumentava a um aumento da atividade cataltica g Micoplasma o nome dado s bactrias do gnero Mycoplasma, que se diferem por possuir

    tamanho reduzido e parede celular flexvel.

  • Fundamentos Tericos

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    50

    com o aumento da temperatura. Os dados experimentais so adequadamente

    descritos pela d-Arrhenius, representada pela curva azul tracejada.

    Figura 9.Taxas de reao da respirao de folhas (), locomoo das bactrias do gnero Mycoplasma mobile () e da reao entre tomos de flor e molculas de hidrognio () apresentadas em coordenadas de Arrhenius. As curvas pontilhadas azuis representam um ajuste utilizando a equao de Arrhenius deformada.

  • Fundamentos Tericos

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    51

    O segundo e terceiro grficos mostram as taxas de locomoo da

    bactria Mycoplasma mobile e da reao entre tomos de flor e molculas de

    hidrognio, respectivamente.

    No primeiro, novamente observa-se um comportamento do tipo super-

    Arrhenius, enquanto no outro ele do tipo sub-Arrhenius. Embora a curvatura

    deste ltimo seja bastante pequena, sua presena indica a influncia de

    fenmenos qunticos em baixas temperaturas, em contraste com estudos

    prvios que no englobavam esse limite e demonstravam um comportamento

    linear da taxa da reao.

    A curva tracejada em azul representa, assim como mencionado

    anteriormente, o ajuste dos dados utilizando-se a d-Arrhenius.

    A Tabela 4 contm o parmetros dos ajustes pela equao de Arrhenius

    deformada dos trs exemplos citados acima.

    Tabela 4. Parmetros da d-Arrhenius dos exemplos utilizados por Mundim e colaboradores.

    Exemplo D (kJ.mol-1

    ) log A (kJ.mol-1

    )

    Respirao das folhas

    da Camellia japonica

    0,247 8593 -1,456

    Locomoo da

    Mycoplasma mobile

    0,881 2654 1,787

    Reao F+H2 -0,167 5119 12,175

    Os trs casos utilizados foram bem descritos com a teoria de Arrhenius

    deformada, mostrando sua capacidade de aplicao em diferentes casos.

    Tendo em vista a versatilidade demonstrada pela teoria de Arrhenius

    deformada, sua utilizao em processos que apresentem desvios da teoria de

    Arrhenius convencional um caminho natural a ser explorado.

    A dependncia da temperatura das propriedades de transporte de

    lquidos inicos no adequadamente descrita pela equao de Arrhenius.

    Assim, proporemos a aplicao da nova teoria nesse contexto, especificamente

    condutividade inica.

    Os problemas que sero estudados so diferentes daqueles discutidos

    por Mundim e colaboradores, j que a condutividade inica no envolve um

    processo reativo, mas o transporte de cargas.

  • Fundamentos Tericos

    ____________________________________________________________

    52

    Os fatores mencionados na seo 1.3.2 que seriam responsveis pelos

    desvios do comportamento previsto pela equao de Arrhenius no se

    enquadram aqui, com exceo do quasi-termodinmico, j que no h

    solventes ou reaes qumicas. A condutividade inica, em especial, sofre

    bastante influncia por alteraes na viscosidade e no coeficiente de difuso,

    mas essas no so propriedades do meio, como aquelas relatadas na seo

    1.3.2.1, mas do prprio composto estudado.

    O captulo seguinte apresenta os resultados obtidos para a descrio da

    condutividade inica de lquidos inicos utilizando-se a teoria de Arrhenius

    deformada, que foi discutida anteriormente.

  • 2 Aplicao da teoria de Arrhenius

    deformada a lquidos inicos

  • Aplicao da teoria de Arrhenius deformada a LIs

    ____________________________________________________________

    54

    2.1 Introduo aos lquidos inicos

    Lquidos inicos podem ser definidos, em geral, como sais com ponto de

    fuso por volta dos 100C 23 e, mesmo com sua grande variao de polaridade

    e da capacidade de formao de ligaes de hidrognio, podem ser

    encontrados lquidos inicos na faixa de 180K a 600K.9

    Diferentemente de lquidos moleculares, devido sua constituio

    apenas de ons, possuem caractersticas como estabilidade trmica, baixa

    inflamabilidade, boa condutividade inica, etc., que os tornam extremamente

    atrativos em uma diversidade de aplicaes. Alm disso, h a possibilidade de

    combinao de diferentes nions e ctions orgnicos e inorgnicos, permitindo

    que as propriedades do lquido inico sejam ajustadas dependendo da escolha

    dos ons.

    Os lquidos inicos mais comuns so formados por um ction orgnico

    assimtrico combinado com um nion com carga deslocalizada, dessa forma a

    interao eletrosttica entre eles fraca, levando a um baixo ponto de fuso.

    Entre os ctions podemos citar aqueles que contm um anel

    heterocclico nitrogenado, como piridnio, imidazlio e pirrolidnio e os ctions

    amnio, fosfnio, sulfnio, guanidinio. J em relao aos nions, o

    teatrafluoroborato, hexafluorofosfato e o bis(trifluorometil-sulfonil)imidato so

    bastante empregados. Os nions fluorados so frequentemente utilizados

    porque diminuem a viscosidade ao reduzir as interaes de van der Waals,

    devido s suas fortes ligaes.

    Em geral, os lquidos inicos podem ser divididos em trs grandes

    classes. A primeira refere-se aqueles formados por ctions orgnicos aprticos,

    que so, normalmente, combinados com pequenos ctions inorgnicos. A

    segunda formada pelos lquidos inicos em que o ction formado atravs

    da transferncia de um prton de um cido de Lewis para uma base de Lewis,

    como o TFSI formado a partir do HTFSI. A terceira, por fim, engloba aqueles

    compostos por ctions e nions inorgnicos, com o LiAlCl4-LiAlI4.

    Devido grande diferena nas nomenclaturas utilizadas nas

    publicaes, nesse texto ser utilizada a seguinte conveno: os derivados dos

    ctions 1,3-dialquil-imidazlio sero abreviados por uma sigla com o padro

    [I] em que e representam a primeira letra do nome da cadeia substituinte

  • Aplicao da teoria de Arrhenius deformada a LIs

    ____________________________________________________________

    55

    com at 4 carbonos na posio 1 e 3, respectivamente. Se a cadeia possuir

    cinco ou mais carbonos, estes sero representados por n e indicados como Cn

    na sigla. A letra I representa o anel imidazlio, ilustrado na figura abaixo. A

    nomenclatura para os ctions semelhantes seguir o mesmo padro. As

    abreviaes utilizadas para os nions sero mencionadas ao longo do texto.

    A Figura 10 ilustra como a numerao do ction 1-butil-3-metil-

    imidazlio, [BMI], feita.

    Figura 10. Numerao do ction 1-butil-3-metil-imidazlio exemplificando a nomenclatura usada para os derivados de ctions 1,3-dialquil-imidazlio.

    A Tabela 5 apresenta o ponto de fuso para diferentes sais e lquidos

    inicos e ilustra como o ponto de fuso est intimamente ligado estrutura do

    ction e do nion.

    Nos trs primeiros exemplos se pode ver que a variao do ction

    provocou uma variao de mais de 730C no ponto de fuso dos sais de

    cloreto, j nos trs ltimos observa-se que a variao do nion foi responsvel

    por uma variao de 87C entre os pontos de fuso dos sais de 1-butil-3-metil-

    imidazlio.

    Tabela 5. Ponto de fuso de diferentes sais e lquidos inicos

    Substncia Ponto de fuso (C)

    NaCl 803

    KCl 772

    [BMI]Cl 65

    [BMI]PF6] 10

    [BMI][TFSI] -22

    Os sais de ctions e nions pequenos permitem uma organizao

    estrutural rgida, cristalina e, consequentemente, eleva o ponto de fuso. O

    aumento dos ons torna o empacotamento menos eficiente e

    consequentemente diminui o ponto de fuso.41

  • Aplicao da teoria de Arrhenius deformada a LIs

    ____________________________________________________________

    56

    Antes do surgimento dos lquidos inicos em temperatura ambiente

    (RTILs, do ingls room temperature ionic liquids), os sais fundidos no

    possuam grandes aplicaes porque s eram obtidos em temperaturas

    elevadssimas, tornando invivel sua utilizao, alm de serem altamente

    corrosivos.42 No final do sculo XX essa histria sofreu uma grande mudana

    quando Paul Walden, em 1914, preparou o nitrato de etil-amnio, com

    temperatura de fuso de 12C.

    O primeiro grande estudo feito sobre RTILs foi realizado pelo grupo de

    Frank Hurley e Tom Weir, na dcada de 1940, que reagiam haletos de piridnio

    alquil e aril N-substitudos com cloretos e nitratos de metais e obtinham um

    lquido incolor usado em extraes eletroqumicas.43

    Os responsveis pelo grande crescimento da pesquisa sobre RTILs

    surgiram na dcada de 1980: os sais de alquilimidazlio. Os primeiros a surgir

    eram baseados em cloroaluminatos de 1-etil-3-metil-imidazlio, que se

    encontra em fase lquida em temperatura ambiente com composies de AlCl3

    entre 33 e 67 mol%. Esses LIs podem variar seu comportamento cido-base

    dependendo da razo molar de seus componentes, o que os torna atrativos

    como meio reacional, porm a elevada reatividade do cloreto de alumnio com

    a gua tornou sua utilizao limitada.44

    At essa poca, o termo lquido inico era utilizado para referir-se a uma

    grande classe de compostos, inclusive os sais inorgnicos fundidos e misturas

    desses. Mas, a partir da, esse termo passou a ser utilizado mais comumente

    para descrever sais que se fundem abaixo ou prximo de 100C e

    permanecem lquidos em um considervel intervalo de temperatura. 9

    Um novo estmulo para o avano dessa rea foi o descobrimento de

    lquidos inicos estveis ao ar e agua: compostos de imidazlio com nions

    fracamente complexados,45 sendo um dos mais famosos o hexafluorofosfato de

    1-butil-3-metil-imidazlio.

    A partir de ento, os lquidos inicos passaram a ter o interesse de

    vrias reas da qumica e de sua indstria devido possibilidade de

    substituio dos solventes orgnicos convencionais, volteis e muitas vezes

    txicos, usados em sntese, catlise, separao e purificao,4653 alm da

    possibilidade de utilizao como eletrlito na rea de eletroqumica.

  • Aplicao da teoria de Arrhenius deformada a LIs

    ____________________________________________________________

    57

    As propriedades essenciais de eletrlitos modernos e seguros so a

    no-volatilidade e boa condutividade inica, necessrias para dispositivos

    eletrnicos. Essas caractersticas podem ser encontradas em um grande

    nmero de LIs. Por isso, esto disponveis incontveis estudos para sua

    aplicao em baterias, clulas eletroqumicas, clulas combustveis,

    supercapacitores, etc. 5468

    O campo dos lquidos inicos extremamente vasto, com uma

    estimativa de que existam por volta de 1018 possveis lquidos inicos,

    formados a partir da variao de ctions e nions.9

    Essa grande diversidade permite que suas propriedades sejam

    selecionadas ou ajustadas, mas escolher aquele que possui caractersticas

    interessantes para uma aplicao especfica seria uma tarefa ainda mais

    complexa sem o conhecimento das propriedades e caractersticas fsico-

    qumicas.

    Alm dos estudos publicados em peridicos, existem dois bancos de

    dados com informaes sobre propriedades fsico-qumica de LIs: o Dortmund

    Data Bank,69 com acesso licenciado e o IL Thermo,70 com acesso disponvel

    gratuitamente pelo site ilthermo.boulder.nist.gov.

    As propriedades fsico-qumicas dos LIs so totalmente dependentes da

    estrutura dos ctions e nions que os formam e, mesmo com a enorme

    quantidade de combinaes possveis, essa classe de compostos apresenta

    vrias propriedades em comum, como presso de vapor negligencivel, boa

    estabilidade trmica, larga janela eletroqumica, alta condutividade, elevado

    poder calorfico, viscosidade